Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ATIVIDADE DE TRANSITÁRIO
CONTRATO DE TRANSPORTE
Sumário
I – Quando um agente comercial não assume apenas a obrigação de planificar, coordenar, controlar e dirigir as operações necessárias à expedição, recepção, armazenamento e circulação de mercadorias, actuando como mero intermediário na celebração dos contratos de transporte necessários para esse efeito, mas assume, igualmente, responsabilidades próprias ao nível do transporte e da entrega da mercadoria no seu destino, o mesmo extravasa o âmbito da actividade de transitário regulada no DL n.º 255/99, de 7-07, e assume riscos e obrigações próprios de transportador. II – Mesmo que alguém prove que a pessoa com quem celebrou um contrato não cumpriu adequadamente a prestação a seu cargo e, por via disso, foi danificado um bem que adquiriu para ser entregue a outrem, só existe responsabilidade indemnizatória do devedor se o credor provar, também, que sofreu um prejuízo patrimonial concreto e efectivo.
Texto Integral
Proc. n.º 8293/23.9T8PRT.P1
Relator: José Nuno Duarte; 1.ª Adjunta: Teresa Fonseca; 2.º Adjunto: Ana Paula Amorim.
Acordam os juízes signatários no Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
A A..., Lda., NIPC ...90, instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra B..., Lda., NIPC ...63, pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia global de 10.555,28 euros (correspondente ao capital 8.220,77€ e a 941,00€ de juros de mora já vencidos à data da propositura da acção), a título de indemnização pelos prejuízos causados com o seu incumprimento contratual e a título de restituição de valores indevidamente recebidos.
Para fundamentar o seu pedido, a A. alegou, em síntese, que:
- celebrou com a R. um contrato visando o armazenamento e o transporte, por esta, de produtos do seu comércio;
- a R. não executou devidamente os serviços que foram contratados consigo;
- a R. facturou à A. serviços que nunca foram prestados, devendo indemnizar os danos causados e restituir os valores indevidamente cobrados.
A Ré, B..., Lda., contestou, invocando a prescrição do direito indemnizatório invocado pela A. e defendendo que, em todo o caso, deve ser absolvida em virtude de os factos alegados na petição inicial não retratarem devidamente a realidade ocorrida.
O processo seguiu os seus regulares termos e, depois de ser encerrada a audiência final, foi proferida sentença na qual se decidiu o seguinte: «- Julgo improcedente a excepção de prescrição invocada pela ré; - Julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, condeno a R. a pagar à A. a quantia 4.678,12 € (quatro mil, seiscentos e setenta e oito euros e doze cêntimos), absolvendo-a do mais peticionado pela autora; Custas a cargo de A. e R. em função do respectivo decaimento, cfr. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.»
-
A A. veio recorrer desta decisão, apresentado alegações que foram finalizadas com as seguintes conclusões:
(…)
-
A A. apresentou contra-alegações, formulando, no final, as seguintes conclusões:
(…)
-
O recurso foi admitido por despacho, que o classificou como sendo de apelação e lhe atribuiu efeito meramente devolutivo, ordenando a sua subida imediata, nos próprios autos, a este Tribunal da Relação.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, sem prejuízo da apreciação por parte do tribunal ad quem de eventuais questões que se coloquem de conhecimento oficioso, bem como da não sujeição do tribunal à alegação das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil), as questões a tratar são as seguintes: i) se a matéria de facto fixada na primeira instância deve ser modificada; ii) qual a natureza jurídica dos vínculos contratuais assumidos pela R.; iii) se se verificou a prescrição dos direitos indemnizatórios exercidos pela A; iv) se estão verificados os pressupostos legais para que a R. suporte uma indemnização a favor da A. e, em caso afirmativo, por que valor.
***
III – FUNDAMENTAÇÃO
A) Dos factos
1. Tendo a recorrente impugnado parte da matéria de facto que foi fixada na sentença recorrida, importa, antes de mais, atentar nos factos que foram dados como provados e como não provados na primeira instância. Os mesmos foram os seguintes:
Factos Provados
1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica, com regularidade, por conta própria e fim lucrativo, ao comércio de artigos de mobiliário e decoração.
2. A ré é uma sociedade comercial, agente transitário que se dedica à actividade de transporte aéreo, marítimo e rodoviário, em todas as suas vertentes, que englobam o transporte em grupagem ou carga completa, importação e exportação, e complementados com outros serviços adicionais, como sejam os seguros de transporte, distribuição, armazenagem, embalagens, logística, tratamento de formalidades aduaneiras, entre outros.
3. No exercício das referidas actividades, a autora contratou com a ré diversos serviços de transporte de mercadorias e de armazenamento e recepção de mercadorias.
4. Relativamente ao serviço de transporte de mercadorias, resultou danificada, no armazém da ré, mercadoria destinada aos clientes finais da autora;
5. ... Designadamente uma base de auditório da marca Martela – origem Helsínquia, Finlândia, importado pela autora para venda a um seu cliente final em Junho de 2021;
6. ... Tendo sido verificado, após abertura da embalagem no armazém da ré, que a base de um dos auditórios importados se encontrava danificada.
7. Tais danos impediam e impediram a entrega da referida base de auditório ao cliente final da autora nos termos acordados, tornando-a imprópria para venda, atentas as mazelas de que padecia;
8. O que se registou em consequência das inadequadas condições de manuseamento e armazenamento da ré e dos danos registados;
9. ... Tal situação representou um prejuízo para a autora no montante de 3.250,68 €.
10. Tal situação foi reclamada pela autora junto da ré no dia 09/08/2021.
11. A ré recusou-se a assumir a responsabilidade pelo prejuízo registado.
12. Em Maio de 2022, resultou também danificada, no armazém da ré, uma cama, marca B & B Italia, Maxalto, modelo Dosel 180, importada pela autora para venda a um seu cliente final.
13. Tal situação foi verificada pelos técnicos da autora no dia 15/05/2022, aquando da visita aos armazéns da ré sitos em ..., ....
14. Nessa ocasião, os referidos técnicos da autora, solicitaram aos representantes da ré presentes no local (seus trabalhadores) para verificar a embalagem.
15. Tendo verificado estar perfurada uma das embalagens da carga em causa.
16. Na mesma ocasião, tal situação foi alertada e comunicada aos representantes da ré por colaboradora da autora.
17. Após a abertura das embalagens, pelo responsável da autora, foi verificado que uma delas apresentava danos visíveis no exterior e que o material, no seu interior, apresentava danos.
18. Tais danos impediam e impediram a entrega da referida cama ao cliente final da autora nos termos acordados, tornando-a imprópria para venda, atentas as mazelas de que padecia;
19. Representando um prejuízo directo para a autora correspondente a um desconto de 10% sobre o montante facturado de 3.874,98 € (três mil oitocentos e setenta e quatro euros e noventa e oito cêntimos).
20. Tal situação foi reclamada pela autora junto da ré no dia 21/06/2022.
21. A ré recusou-se a assumir a responsabilidade pelo prejuízo causado.
22. A R. passou a exigir como condição de libertação das mercadorias que detinha em armazém e recebimento de novasmercadorias da autora para transporte,que a autora procedesse ao pagamento integral das facturas relativas aos serviços que se obrigara a prestar, no pressuposto do cumprimento integral das suas obrigações comerciais.
23. A ré recusou receber novas mercadorias da autora para transporte.
24. ... E viu-se a autora na necessidade de contratar novos armazéns de recolha das suas mercadorias, pelos dias adicionais até que a ré aceitasse de novo recolher as ditas mercadorias;
25. ... O que implicou o pagamento de custos adicionais de armazenamento que se tornaram prementes face à referida recusa da ré, e que ascenderam ao montante global de 1.039,95 € (234,00 + 214,74 + 521,21 + 70,00).
26. A entrega da base de auditório ocorreu a 27 de Julho de 2021.
27. No dia 25/01/2023 foi realizada uma reunião entre as partes, na qual abordada a questão da facturação.
28. A presente acção foi instaurada em 04-05-2023.
29. A ré foi citada em 11/05/2023.
30. Por via do contrato celebrado entre as partes, a Ré assumiu perante a Autora a obrigação de transportar a mercadoria em causa;
31. Tendo a R. acordado com a A. a obrigação de promover a expedição da mercadoria em causa da Finlândia (auditório Martela) e da Itália (cama Maxalto) para Portugal, executando para tal todas as operações materiais inerentes a essa expedição e pelo preços que constam das facturas juntas, designadamente organizando, executando ou contratando com terceiros, ainda que por conta da Autora, o transporte rodoviário e a entrega da referida mercadoria.
32. O contrato estabelecido entre as partes contemplou outros serviços para além dos supra referidos
33. .... Tendo o último dos serviços sido concretizado em Março de 2023, mais concretamente no dia 08/03/2023.
Factos não provados
a) Que a entrega da cama danificada a que se alude nos factos provados (12 a 21) representou um prejuízo directo para a autora no montante de 3.874,98 € (três mil oitocentos e setenta e quatro euros e noventa e oito cêntimos), tendo-se apenas provado a este respeito o levado ao ponto 19. da matéria de facto provada;
b) Que relativamente aos serviços de armazenamento e recepção de mercadorias, a ré facturou preços superiores aos valores acordados;
c) ... Tendo facturado indevidamente à autora serviços de saída de mercadorias (“handling out”) e facturado à autora mais metros quadrados de ocupação de espaço do que o devido, uma vez que, neste último caso, espalhava a mercadoria destinada à autora por mais área do que a efectivamente necessária.
d) Que na factura da ré nº 122025669, de 19/04/2022, a título de “Handling out - Março de 2022”, a ré facturou indevidamente à autora a quantia de 27,79 € (2,97 + 24,82), acrescida de IVA à taxa legal, o que totaliza o montante de 34,18 €.
e) Que na factura da ré nº 122032366, de 13/05/2022, a título de “Handling out - Abril de 2022”, a ré facturou indevidamente à autora a quantia de 253,81 € (45,14 + 208,67), acrescida de IVA à taxa legal, o que totaliza o montante de 312,19 €.
f) Que na factura nº 122039688, de 14/06/2022, a ré facturou indevidamente à autora, relativamente a “Handling Out – Maio de 2022”, a quantia de 248,76 € (34,76 + 214,00), acrescida de IVA à taxa legal, o que totaliza o montante de 305,97 €.
g) Que na factura da ré nº 122049649, de 22/07/2022, a ré facturou indevidamente à autora, relativamente a “Armazenagem – Junho 2022” a quantia de 480,00 € (2 x 240,00 €), acrescida de IVA à taxa legal, o que totaliza o montante de 590,40 €, e a título de “Handling Out”, a quantia de 280,90 € (152,34 + 130,47), acrescida de IVA à taxa legal, o que totaliza o montante de 345,51 €.
h) Que relativamente a “Armazenagem – Junho de 2022”, o valor facturado pela ré corresponde a 129 volumes de guias, quando na realidade só deram entrada na autora 82 volumes de guias, encontrando-se, pois, facturadas em excesso 47 guias.
i) Que, efectuados os competentes cálculos aritméticos, se verifica que a ré facturou indevidamente à autora a quantia de 175,00 € (480 € x 82:129=305,00 €), acrescida de IVA à taxa legal, o que totaliza o montante de 215,25 €.
j) Que na factura da ré nº 122054493, de 11/08/2022, a título de “Handling Out – Julho de 2022”, a ré facturou indevidamente à autora o valor de 137,50 € (30,03 + 107,47), acrescida de IVA à taxa legal, o que totaliza o montante 169,12 €.
k) Que na factura da ré nº 122061905, de 13/09/2022, a título de “Handling Out – Agosto 2022”, a ré facturou indevidamente à autora a quantia de 248,30 € (175,34 + 72,96), acrescida de IVA à taxa legal, o que totaliza o montante de 305,41 €.
l) Que na factura da ré nº 122071032, de 18/10/2022, a título de “Handling Out – Setembro de 2022”, a ré facturou indevidamente à autora a quantia de 146,41 € (55,52 + 90,89), acrescida de IVA à taxa legal, o que totaliza o montante de 180,08 €.
m) Que na factura da ré nº 122075525, de 04/11/2022, a título de “Handling Out – Outubro de 2022”, a ré facturou indevidamente à autora a quantia de 279,36 € (46,73 + 232,63), acrescida de IVA à taxa legal, o que totaliza o montante de 343,61 €.
n) Que na factura de ré nº 122085577, de 13/12/2022, a título de “Handling Out – Novembro de 2022”, a ré facturou indevidamente à autora a quantia de 209,25 € (189,41 + 19,84), acrescida de IVA à taxa legal, o que totaliza o montante de 257,38 €.
o) Que na factura de ré nº 122090661, de 30/12/2022, a título de “Handling Out – Dezembro de 2022”, a ré facturou indevidamente à autora a quantia de 288,59 € (135,41 + 153,18), acrescida de IVA à taxa legal, o que totaliza o montante de 354,96.
p) Que na factura de ré nº 123007322, de 03/02/2023, a título de “Handling Out – Janeiro de 2023”, a ré facturou indevidamente à autora a quantia de 141,04 € (41,50 + 99,54), acrescida de IVA à taxa legal, o que totaliza o montante de 173,48 €.
q) Que na factura de ré nº 123015494, de 08/03/2023, a título de “Handling Out – Fevereiro de 2023”, a ré facturou indevidamente à autora a quantia de 350,80 € (88,45 + 262,35), acrescida de IVA à taxa legal, o que totaliza o montante de 431,48 €.
r) Que todas as operações de “handling out” (saída de armazém) sempre foram efectuadas por pessoal ao serviço da autora e não da ré.
s) Que a ré nunca prestou tais serviços à autora;
t) ... Registando-se, por isso, um valor de facturação indevidamente recebido pela ré no montante global de 3.429,62 €.
2. A recorrente, B..., Lda., declarou nas conclusões das suas alegações, nomeadamente na conclusão 11, que impugnou a decisão relativa à matéria dos pontos 4, 6, 7, 8, 9, 18, 19, 21, 24 e 25, mais referindo na subsequente conclusão 12 que “da prova produzida resultou à evidência que tais factos dados como provados não foram, na verdade, provados”. Quanto às razões da discordância da recorrente com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo e à indicação dos meios de prova que considera terem sido mal avaliados, as mesmas não se encontram referidas de forma completa nas conclusões das alegações, apenas podendo ser encontradas no corpo das alegações, local onde são expressos, de forma mais desenvolvida, todos os argumentos que sustentam a apelação.
Como se sabe, o artigo 640.º, n.º 1, do Código do Processo Civil impõe a obrigação de o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto especificar, sob pena de rejeição dessa sua pretensão: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O local próprio para a realização destas especificações são as conclusões das alegações do recurso, pois decorre dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil que o objecto do recurso é delimitado, justamente, por tais conclusões. Não obstante, vem sendo entendido nas nossas doutrina e jurisprudência [1] que, desde que estejam indicados nas conclusões das alegações quais os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados,a fim de que o direito ao recurso não seja sonegado por exigências formais violadoras de princípios de proporcionalidade e razoabilidade, não se recuse a possibilidade de o recorrente especificar apenas no corpo da motivação recursória quais os meios probatórios que, no seu entender, determinam decisão diversa quanto a essa matéria, bem como qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a mesma [2]. A especificação pelo recorrente dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, porém, por cumprir a função de delimitar, sem imprecisões, a modificação da decisão sobre a matéria de facto pretendida, é uma exigência formal mínima que não pode deixar de ser feita nas conclusões.
Desta forma, no caso sub judice, face à delimitação factual que consta das conclusões das alegações do recurso e ao mais que consta no corpo da motivação recursória, encontram-se reunidas as condições necessárias para que se avance com a análise da impugnação que foi deduzida contra a decisão que fixou a matéria de facto dada como provada nos indicados pontos 4, 6, 7, 8, 9, 18, 19, 21, 24 e 25 dos Factos Provados (e apenas nestes), sem prejuízo dos poderes de modificação oficiosa da decisão de facto que assistem a esta Relação nos termos do disposto no artigo 662.º do Código do Processo Civil.
3. No ponto de facto 4 é afirmado que, relativamente ao serviço de transporte de mercadorias, resultou danificada, no armazém da ré, mercadoria destinada aos clientes finais da autora, concretizando-se, de imediato, no ponto de facto 5, que a mercadoria que sofreu danos foi uma base de auditório da marca Martela – origem Helsínquia, Finlândia, importado pela autora para venda a um seu cliente final em Junho de 2021. Mais se refere no ponto de facto 6 que a verificação de que a base se encontrava danificada ocorreu após abertura da embalagem no armazém da ré.
A R. não concorda que esta matéria de facto tenha sido dada como provada, argumentando que “…em momento algum foi passível de se verificar quais os exatos danos e, caso os haja, em que momento ocorreram e por quem foram efetuados”, mais referindo que “… andou mal o Tribunal a quo ao dar como provado que a embalagem referente ao auditório foi aberta nas instalações da R.”, pois é possível determinar pelo depoimento da testemunha AA – que foi quem levantou a mercadoria – que a mesma não abriu a embalagem nas instalações da R., mas somente, em momento posterior, nas instalações do seu cliente.
Procedendo-se, no entanto, à audição do depoimento da testemunha AA, constata-se que a mesma afirmou que:
- deslocou-se às instalações da B... com um colega chamado BB;
- verificou que havia irregularidades com a mercadoria quando estava a proceder à recolha da mesma “à porta” das instalações da R.;
- comunicou ao “rapaz que estava com as entregas” que “a embalagem estava danificada e que existiam danos visíveis no auditório”, tendo-lhe este respondido que “podia tirar fotografias, que é assim para se fazer a reclamação”.
Mais afirmou a testemunha que, quando acontecem situações como a descrita, é normal fazerem uma anotação “na guia” de que receberam material “sujeito a conferir” e que, se isso não aconteceu, teria havido um “lapso” da sua parte. No entanto, quando, perante as insistências da ilustre mandatária da R. que asseverava nenhuma reserva estar escrita na guia de transporte em causa, o tribunal tentou confrontar a testemunha com o doc. 2 junto com a contestação, AA, por deficientes condições de visualização através do sistema de videoconferência, revelou não conseguir vislumbrar a assinatura constante desse documento, vendo-se assim impedido de confirmar que, realmente, nenhuma reserva apusera na guia em causa. Ora, analisado agora o documento em causa, constata-se que no campo da guia de transporte destinado à “assinatura do destinatário”, estão manuscritas duas palavras, uma começada pela letra “R” e outra pela letra “P” com a aparência de se tratar da assinatura de quem recepcionou a mercadoria (o que ainda mais se indicia pelo facto de a pessoa em causa ter sido AA) e que, entre essas duas palavras e a data “27/07/2021”, num plano ligeiramente superior ao das palavras iniciais, encontram-se manuscritas mais umas palavras, que se parecem iniciar pelos dizeres “mat.suj…”. Tal reforça, claramente, a credibilidade de tudo quanto foi dito pela testemunha AA.
Assim, ainda que seja verdade que, em rigor, não é possível dar como assente que a embalagem onde estava a mercadoria tivesse sido aberta logo no momento da recolha, mostra-se inequívoco haver prova de que, logo nessa altura, foi constatado não só que a embalagem estava danificada, como também que existiam danos visíveis no auditório. Desta forma, podemos concluir ser correcto aquilo que consta nos factos provados 4 e 5 e, quanto ao ponto de facto 6, que os danos na base de um dos auditórios importados foi verificada após a recolha da embalagem no armazém da ré.
Pelo exposto, indefere-se a reclamação deduzida quanto aos pontos de facto 4 e 6, com excepção do segmento do Facto Provado 6 em que se menciona “após abertura da embalagem no armazém da ré”, o qual deve ser substituído por “após a recolha da embalagem no armazém da ré”, passando, por via disso o teor completo deste Facto Provado a ser o seguinte: «6. ... Tendo sido verificado, após a recolha da embalagem no armazém da ré, que a base de um dos auditórios importados se encontrava danificada.»
4. Foi impugnada também a decisão que deu como provada a matéria de facto dos pontos 7 e 8.
No primeiro desses pontos, é dado como assente que os danos existentes na base do auditório importado pela A. “… impediam e impediram a entrega da referida base de auditório ao cliente final da autora nos termos acordados, tornando-a imprópria para venda, atentas as mazelas de que padecia”.
A R., para sustentar que esta factualidade deve ser julgada não provada, invoca, mais uma vez, o depoimento da testemunha AA, transcrevendo nas suas alegações a passagem em que a mesma afirmou que “o auditório foi entregue danificado ao cliente e depois foram trocadas as peças danificadas” e esclareceu ter sido ela própria, testemunha, quem fez essa troca.
Ouvidas as declarações de AA, verifica-se que o mesmo afirmou, efectivamente, que houve lugar à troca das peças do auditório que estavam danificadas. Isso mesmo, de resto, foi referido por CC, testemunha que, na altura, trabalhava na A. como designer. Mais esclareceu esta última testemunha que o auditório apresentava “riscos” nas “laterias” e na frente”, danos esses que “não impediam o funcionamento” do artigo, mas que levaram a que a A., “para minimizar o impacto visual”, tivesse decidido trocar algumas das suas peças por peças do outro auditório que também tinha sido importado na mesma altura (cf. doc. n.º 1 junto com a petição inicial, no qual se constata que foram dois os auditórios encomendados).
É verdade que no facto dado como provado pelo tribunal a quo, por causa da utilização da expressão “nos termos acordados”, não se diz expressamente que o auditório não foi entregue ao cliente a quem se destinava. No entanto, sendo também aí afirmado que as mazelas existentes tornavam o artigo impróprio para venda, existe uma manifesta ambiguidade ao nível da redacção do ponto de facto que não pode subsistir. Os factos que devem fundamentar as decisões judiciais devem ser claros. Cumpre, por isso, evitar ambiguidades ao nível da sua redacção susceptíveis de gerar equívocos. Como tal, decide-se julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida pela R. quanto ao ponto de facto 7, determinando-se que:
1.º) o Facto Provado 7 passe a ter a seguinte redacção: «7. ... Tais danos impediram que a referida base de auditório fosse entregue ao cliente final da autora sem mazelas»;
2.º) seja incluído nos Factos Não Provados um novo ponto com o seguinte teor: «u) As mazelas de que a base de auditório padecia tornavam-na imprópria para venda e determinaram que a mesma não fosse entregue ao cliente final da autora».
No que diz respeito à impugnação do facto provado 8, está em causa saber se foi feita prova de que os danos existentes na base do auditório importado pela A. registaram-se “em consequência das inadequadas condições de manuseamento e armazenamento da ré”.
A R. argumenta que nenhuma prova testemunhal ou documental foi produzida ou apresentada que aponte no sentido de que tivessem ocorrido deficiências suas ao nível do armazenamento ou do manuseamento do artigo. Ora, analisados os documentos existentes nos autos e ouvidos os diversos testemunhos prestados em audiência de julgamento, consta-se que:
- nenhum documento faz referência a eventuais falhas da R. no manuseamento ou no armazenamento do auditório que a A. veio a assinalar estar danificado;
- a testemunha AA – que foi quem procedeu à recolha do artigo nas instalações da R. – apenas afiançou que se apercebeu das anomalias quando recebeu a mercadoria, jamais relatando ter observado qualquer incorrecção ao nível da forma como a mesma foi manuseada, acondicionada ou transportada nas referidas instalações;
- apenas a testemunha CC aludiu ao mau manuseamento da mercadoria nas instalações da “B...”, sendo perceptível face àquilo que disse, no entanto, que essa sua menção não se deveu a qualquer observação directa da sua parte, mas simplesmente à conclusão a que chegou devido ao facto de a fabricante “Martela” ser uma empresa com apertadas normas de controlo da qualidade do material que fornece.
Ora, com base nestes elementos, afigura-se ser absolutamente temerária a conclusão a que chegou a testemunha CC, pois, obviamente, tendo o auditório sido transportado desde Helsínquia até às instalações da ora Ré sitas em ..., não só se desconhece o que é que provocou os danos no auditório, como também quando é que estes danos surgiram, não sendo possível determinar, pois, se eles foram provocados durante o transporte até às instalações da A. ou já depois de chegarem a estas e aqui terem sido armazenadas. De resto, reforçando as incertezas que existem sobre este assunto, observa-se que se encontra documentada nos autos (vide doc. 3 junto com a contestação) uma mensagem electrónica (enviada em 12-10-2021 pelo departamento de qualidade da ora A. para o departamento de apoio ao cliente da ora R.) na qual é feita alusão expressa à eventualidade de as caixas com o material já terem chegado danificadas quando foram recepcionadas pelos funcionários do armazém da Ré.
Pelo exposto, decide-se retirar dos factos provados a matéria de facto constante do ponto 8 e dar como não provado o seguinte facto: «v) Os danos verificados na base de auditório da marca Martela referida em 5, 6 e 7 dos Factos Provados ocorreram em consequência das inadequadas condições de manuseamento e armazenamento da ré.».
5. A R. impugnou ainda o facto provado 9, no qual se afirma que a factualidade relativa aos danos que se verificou existirem na base de auditório da marca Martela importada “…representou um prejuízo para a autora no montante de 3.250,68 €”.
Para tal efeito, apontou a R. que a matéria de facto em causa não pode ser dada como provada por ter natureza conclusiva e que, mesmo considerando-se que a mesma corresponde à alegação que a A. efectuou para, com base na factura junta como doc. 1 da petição inicial, contabilizar o seu prejuízo, existe uma desconformidade entre a descrição da base de auditório que figura em tal factura e aquela que consta da factura junta aos autos pela A. com o requerimento de 21/02/2024, como doc. 2, o que não permite concluir que o auditório primeiramente adquirido tenha sido substituído por aquele que é mencionado neste último documento.
Analisados os argumentos da recorrente, afigura-se-nos que o facto dado como provado, tal como está redigido, tem, realmente, carácter conclusivo, pois a afirmação que nele consta não contém a descrição de qualquer realidade ou acontecimento concreto, apenas encerrando, sim, um juízo valorativo sobre determinada realidade. Ora, conforme vem sendo amiúde assinalado na nossa jurisprudência [3], o julgamento da matéria de facto que, nos termos do n.º 4 do artigo 607.º do Código do Processo Civil, tem de constar da sentença não deve incidir sobre afirmações genéricas ou valorativas da realidade juridicamente significante sobre a qual incide o litígio, mas apenas sobre factos objectivos [4]/[5]. Consideramos, por isso, que o facto provado 9 não pode permanecer na fundamentação de facto da decisão da presente causa.
Uma vez que o fim último das normas processuais é a obtenção da justa composição do litígio, pode-se, ainda assim, questionar se, em virtude de a redacção dada ao ponto 9 dos factos provados se ter baseado na alegação que a A. efectuou no artigo 11 da sua petição inicial para contabilizar os prejuízos que sofreu por causa dos danos que o auditório que importou apresentava, deve haver lugar a uma eliminação, pura e simples, desse ponto de facto, ou se os motivos formais que reclamam tal solução devem ceder perante exigências de salvaguarda da verdade material que conduzam ao eventual aproveitamento da alegação efectuada pela A.. Sucede que, para além dos óbices decorrentes da vigência, no nosso ordenamento jurídico-processual, dos princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, o eventual acolhimento de uma solução como a referida apenas poderia ter justificação se tivesse decorrido da prova analisada e produzida na audiência de julgamento que a A., por causa dos danos que afectavam o auditório, sofreu efectivamente um prejuízo correspondente ao valor (3.250,68 €) pelo qual, como resulta do doc. 1 da petição inicial, adquiriu o artigo ao fabricante, o que in casu, se entende não ter acontecido.
Efectivamente, sabendo-se que o auditório, apesar da necessidade que houve de trocar algumas das suas peças por peças de outro auditório, acabou por ser entregue ao cliente da A., não foi feita prova que ora permita estabelecer com a necessária segurança quais foram os prejuízos que resultaram desse facto para a A. Esta, na petição inicial, alegou que os danos corresponderam ao custo que teve com a aquisição do artigo, dando assim a entender (ainda que através das formulações algo equívocas que fez constar nos artigos 9 e 11 da petição inicial) que o auditório, por causa dos danos que apresentava, não chegou a ser vendido. No entanto, nenhum elemento foi junto aos autos sobre o negócio que foi efectuado entre a A. e o seu cliente, nem isso foi devidamente esclarecido por qualquer testemunha. Nenhum documento foi apresentado pela A. sobre os preços pelos quais havia acordado vender os dois auditórios que então importou ao seu cliente final (que CC revelou ter sido a “EDP”), nem sobre os preços que, depois, foram cobrados a este, ou sobre o que quer que possa ter sido acordado entre as duas empresas depois de se verificarem as anomalias (matérias que, por envolverem compromissos financeiros entre duas empresas comerciais, segundo o que é normal à luz de todas as regras da experiência, estarão documentadas). Esta matéria não foi também esclarecida pelo actual director financeiro da A., DD, que, em princípio, estaria em melhores condições para tudo clarificar. Apenas CC avançou com algumas explicações, fazendo-o, porém, de uma forma que, ouvido o seu depoimento, não coincide minimamente com aquilo que a A. alegou na petição inicial.
A alegação da petição inicial é clara: a A. recorreu aos serviços da R. para importar desde Helsínquia a mercadoria que está discriminada na nota de encomenda junta como doc. 1, entre a qual se encontravam dois auditórios que lhe foram vendidos pela fabricante Martela pelo preço unitário de 3.250,68 € (total de 6.501,31 €); todavia, a base de um desses auditórios que foi recolher às instalações da R. estava danificada, o que motivou que tivesse apresentado junto da R. a reclamação que consta do doc. 10 junto com a petição inicial (na qual, inequivocamente, apenas se assinala ter chegado danificada “uma base de auditório”). Nessa sequência, a própria A., depois de “dar a entender” (nos termos algo equívocos como formulou os artigos 9 e 11 da sua petição inicial) que, devido ao estado em que ela se encontrava, não entregou a base danificada ao seu cliente, peticionou ser indemnizada do valor pelo qual comprou essa base. A testemunha CC – que, recorde-se, é actualmente sócio da A. – veio referir, no entanto, que, afinal, o auditório danificado foi entregue, mas que, para tal, tiveram que desmontar o outro que receberam na mesma altura, o que, no entanto, foi um “improviso”, pois tiveram que comprar depois mais 2 auditórios para substituir os 2 auditórios iniciais e que, com tudo isso, o cliente (“EDP”) apenas lhe pagou os dois últimos auditórios. Se assim foi, porém: porque motivo a A. apenas peticionou nestes autos ser indemnizada do valor de um e não de dois auditórios? E porque motivo a A., segundo o referido pela testemunha, inutilizou um auditório que estaria sem mazelas para, com as suas peças, reparar as anomalias de um auditório danificado? Estas interrogações suscitam óbvias dúvidas sobre aquilo que efectivamente aconteceu, o que, aliado ao facto de, afinal, ter havido lugar à entrega ao cliente do auditório que foi objecto da reclamação, faz com que fosse exigível à A. que, para fazer prova do prejuízo que alegou, tivesse esclarecido devidamente toda esta matéria e, nesse âmbito, tivesse clarificado quais foram os acordos comerciais que estabeleceu com o cliente a quem se destinavam os auditórios e que, depois, ainda terá sido o destinatário de mais quatro auditórios que, conforme resulta da factura junta como doc. 3 do requerimento apresentado nos autos em 21-02-2024, foram adquiridos pela A. alguns meses mais tarde. Neste contexto, e mais se atendendo à forma conclusiva como a A. alegou o respectivo prejuízo, deve realmente haver lugar à eliminação do facto provado 9 do leque da matéria de facto a considerar na decisão da presente causa, o que ora se determina.
6. A impugnação dos factos provados 18 e 19 diz respeito às consequências que decorreram dos danos que, de acordo com aquilo que está assente nos autos [6], foram detectados na cama, marca B & B Italia, Maxalto, modelo Dosel 180 (também importada pela A. com recurso aos serviços da R.), quando, no dia 15/05/2022, foram abertas as respectivas embalagens nos aos armazéns da R. sitos em ..., .... Segundo o que consta nesses pontos de facto, tais danos impediam e impediram a entrega da referida cama ao cliente final da autora nos termos acordados, tornando-a imprópria para venda, atentas as mazelas de que padecia (facto 18), e representaram um prejuízo directo para a autora correspondente a um desconto de 10% sobre o montante facturado de 3.874,98 € (facto 19).
Mais uma vez está em causa matéria de facto que foi alegada na petição inicial de forma pouco clara, já que a A., desta vez quanto aos prejuízos decorrentes de danos verificados numa cama que foi importada pela A. com recurso aos serviços da R., alegou que os danos em causa “…impediam e impediram a entrega da referida cama ao cliente final da autora, nos termos acordados, tornando-a imprópria para venda, atentas as mazelas de que padecia” e que isso representou “…um prejuízo direto para a autora no montante de 3.874,98 €”, montante este que corresponde ao preço pelo qual a A., segundo a factura junta como doc. 11 da petição inicial, adquiriu o artigo ao fabricante italiano “Maxalto”.
A recorrente defende haver prova (decorrente, nomeadamente, do que foi declarado na audiência de julgamento pelas testemunhas EE, CC e FF) de que, ao contrário do que consta no facto provado 18, a cama foi entregue ao cliente final, mais defendendo que, apesar de se ter apurado que, por causa dos danos, a A. fez um desconto no preço ao seu cliente, não se provou que a redução tivesse sido de 10% sobre o valor da factura.
Face ao que foi dito na audiência final por todas as testemunhas que se pronunciaram sobre tal matéria, mostra-se claro que a mencionada cama foi entregue pela A. ao seu cliente. Por isso, a exemplo do que já aconteceu quanto à matéria de facto atinente ao destino que foi dado ao auditório mencionado no ponto de facto 7, para se evitar ambiguidades ao nível da redacção dos factos provados, decide-se julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida pela R. quanto ao ponto de facto 18, determinando-se que:
1.º) o Facto Provado 18 passe a ter a seguinte redacção: «18. Tais danos impediram que a referida cama fosse entregue ao cliente final da autora sem mazelas.»;
2.º) seja incluído nos Factos Não Provados um novo ponto com o seguinte teor: «w) As mazelas de que a cama padecia tornavam-na imprópria para venda e determinaram que a mesma não fosse entregue ao cliente final da autora».
No que concerne ao valor do desconto que foi feito ao cliente da A., não existe qualquer prova documental que permita saber qual foi o preço pelo qual a A. vendeu a cama, nem qual o preço que, no pressuposto de o artigo não apresentar qualquer anomalia, estava inicialmente acordado. Esta prova seria simples, mas a verdade é que a A., apesar de lhe incumbir o ónus de provar o prejuízo que teve, não juntou aos autos qualquer elemento sobre o negócio que efectuou. Por outro lado, quanto à prova testemunhal produzida, constata-se que:
- GG, agente comercial da A. desde 2018, disse, por mais do que uma vez, apenas saber que foi obtido “um consenso com o cliente” que envolveu um desconto, mas que já não se lembrava dos valores do desconto, acabou por estimar ter sido feito um “desconto adicional” na ordem dos 10% em relação ao preço que com ele havia inicialmente combinado (aludindo assim, ainda que de forma pouco segura, a um desconto incidente sobre o valor negociado com o cliente, não sobre o valor de 3.874,98 € que, segundo a factura junta como doc. 11 da petição inicial, foi pago pela A. ao fornecedor “Maxalto”);
- CC também afirmou não saber qual o valor do desconto em causa, dizendo não estar a par dos assuntos relativos à facturação da referida cama, os quais, eventualmente, poderiam ser esclarecidos pelo “DD, o financeiro”;
- DD, actual director financeiro da A., nada esclareceu sobre esta matéria durante as declarações que prestou, apenas dizendo, a dado passo, que “…emiti uma factura do custo da cama para eles saberem”, referindo-se, no entanto, à factura pela qual a A. comprou a cama ao fabricante e da qual deu conhecimento à “B...”.
É manifesto, como decorre da resenha que se acaba de fazer, que não foi produzida qualquer prova que permita saber qual o valor do desconto que a A., por causa das mazelas existentes na cama, fez ao seu cliente e, logo, não existe fundamento para que se dê como provado que esse desconto importou para a A. um prejuízo no montante de 10% sobre o montante facturado de 3.874,98 euros. O ónus da prova deste facto incidia sobre a A. (cf. artigo 342.º do Código Civil). Nesta conformidade, determina-se que o Facto Provado 19 seja retirado do elenco da matéria de facto provada e passe a contar dos Factos Não Provados (assumindo aí a numeração correspondente à alínea x).
7. Cumpre, finalmente, apreciar a impugnação dos pontos 21, 24, 25 dos Factos Provados.
O ponto de facto 21 corresponde àquilo que foi alegado pela A. nos artigos 25 e 26 da petição inicial, local onde se mostra claro que a A., quando alegou que “a ré recusou-se a assumir qualquer responsabilidade pela situação e pelo prejuízo causado”, estava referir-se à situação que “…foi reclamada pela autora junto da ré no dia 21/06/2022, conforme consta da reclamação junta como doc. nº 16, junto e aqui dado por reproduzido”.
A R. insurge-se no presente recurso quanto ao facto de esta alegação ter sido julgada provada pelo tribunal a quo, dizendo que se encontram documentadas nos autos (mais concretamente no doc. 4 junto com a contestação) mensagens electrónicas das quais decorre que a R. não se recusou a assumir a responsabilidade que lhe coubesse devido à situação relativa à cama “Maxalto” que se verificou apresentar anomalias e que, na audiência de julgamento, a testemunha HH esclareceu também que a R. manifestou disponibilidade para acertar contas com a A. por causa da situação da cama, o que apenas não sucedeu porque a A. não enviou tal cama para as instalações da B... para que esta pudesse accionar os seguros e a peritagem.
Nas suas alegações de recurso, a A. contrapôs que “bastará percorrer o teor das comunicações trocadas entre autora e ré a que se referem os docs. nºs 32, 33 e 34 juntos com a p.i. para se confirmar que a ré se recusou a assumir a responsabilidade pelo prejuízo causado, o que, ainda que melhor prova faltasse (e não falta) decorre notoriamente da posição assumida na sua contestação em que tal recusa é clara e expressa”.
Apreciados os argumentos de ambas as partes, parece-nos que a razão está do lado da recorrente, pois, não assumindo relevo para a questão agora em causa os docs. 32 e 33 da petição inicial (pois estes não se referem a comunicações entre as partes relativas à reclamação atinente à cama “Maxalto”, mas sim à reclamação sobre o auditório importado da Finlândia), a troca de emails que está documentada quer no doc. 4 da contestação, quer no doc. 34 da petição inicial, demonstra, inequivocamente, que a R. não se furtou às suas responsabilidades. Assim, constata-se que:
- em 16-09-2022, FF do departamento de apoio ao cliente e qualidade da B..., remeteu um email para o departamento da qualidade da A... a lamentar “a situação reportada e a delonga na sua resolução” e a solicitar o envio de “Fatura comercial”, “Orçamento de reparação, se aplicável” e o “Valor de prejuízo”;
- depois de, em 19-09-2022, a ora A. ter respondido ao email anterior, enviando “a fatura comercial do material danificado” e dizendo que “O orçamento para reparação não se aplica” e “O valor do prejuízo é o valor da fatura da B&B da cama”, FF, em 8-11-2022, remeteu novo email com o seguinte teor: “(…) Considerando a declaração de perda total e o valor já descontado por vós, solicitamos, por favor, informação relativa à localização do material que o possamos levantar”;
- perante a ausência de resposta ao email de 8-11-2022, os serviços da R. efectuaram insistências em 11-11-2022 e em 15-11-2022, fazendo constar neste último email (subscrito por II) “…informa que para fecharmos o processo e aceitarmos a v/ reclamação, precisamos de informação relativa à localização do material para que o possamos levantar”;
- em 15-11-2022, através de email enviado por JJ, a A. informou a R. que “Esta cama só poderá ser levantada após a troca pela cama nova no nosso cliente e colocação da cama danificada no nosso armazém. / Quando chegar a nova cama e procedermos à troca, informamos do local de recolha”.
Face ao teor de todas estas mensagens electrónicas, afigura-se-nos ser correcta a afirmação que foi produzida na audiência de julgamento no sentido de que a R. manifestou disponibilidade para acertar contas com a A. por causa da situação da cama e, neste contexto, ser credível que o assunto apenas não teve evolução porque a A. a posteriori jamais deu andamento ao processo, informando a R. do local onde a cama poderia ser recolhida.
Pelo exposto, julga-se procedente a impugnação relativa ao ponto de facto 21, determinando-se que o mesmo deixe de figurar nos Factos Provados e que passe a estar vertido nos Factos Não provados com o seguinte teor: «y) A ré recusou assumir a responsabilidade pelo prejuízo causado pela situação que a A. reclamou junto de si no dia 21/06/2022».
Quanto aos pontos de facto 24 e 25, os mesmos referem-se aos custos adicionais que a A. alegou ter suportado por se ter tido necessidade de contratar novos armazéns de recolha das suas mercadorias em virtude de a R. ter passado, a partir de determinada altura, a recusar armazenar tais mercadorias nas suas instalações. Segundo, porém, aquilo que foi alegado na própria petição inicial, a recusa da R. não ocorreu por causa de divergências entre as partes quanto ao pagamento dos serviços relativos ao auditório ‘Martela’ e à cama ‘Maxalto’ cuja danificação havia sido assinalado pela A., mas, sim, por causa de divergências que surgiram entre a A. e a R. quanto aos valores facturados por outros serviços. Tal mostra-se perfeitamente claro a partir, nomeadamente, do alegado nos artigos 29, 30, 52, 53, 57, 58 e 59, cujo conteúdo se passa a transcrever: - 29: Na verdade, a ré faturou à autora a preços superiores aos valores acordados, faturou indevidamente à autora serviços de saída de mercadorias (“handling out”) e faturou à autora mais metros quadrados de ocupação de espaço do que o devido, uma vez que, neste último caso, espalhava a mercadoria destinada à autora por mais área do que a efetivamente necessária. - 30. Para além disso, quando os técnicos da autora pretendiam chamar a atenção para tais anomalias a ré passou a proibir a sua entrada no seu armazém. - 52. De qualquer modo, a autora reclamou diversas vezes junto a ré sobre tais irregularidades na faturação – cfr. docs. nºs 32 e 33 juntos e aqui dados por reproduzidos. - 53. Porém, a ré recusou-se a assumir qualquer responsabilidade pela situação descrita e pela retificação das faturas em causa em conformidade. - 57. Perante esta postura inadmissível e ilegítima da ré, de modo a evitar problemas e prejuízos para os seus clientes finais, destinatários das mercadorias em causa, a autora optou por liquidar, ainda que sob protesto, o valor constante das referidas faturas que lhe era reclamado pela ré, ou seja, a quantia global de 6.869,69 € - doc. nº 36 junto e aqui dado por reproduzido. - 58. E face à recusa também injustificada e imprevista da ré em receber novas mercadorias da autora para transporte, viu-se a autora na necessidade de contratar novos armazéns de recolha das suas mercadorias, pelos dias adicionais até que a ré aceitasse de novo recolher as ditas mercadorias. - 59. O que implicou o pagamento de custos adicionais de armazenamento que se tornaram prementes face à referida recusa da ré, e que acenderam ao montante global de 1.039,95 € (234,00 + 214,74 + 521,21 + 70,00) - cfr. docs. nºs 37, 38, 39 e 40 juntos e aqui dados por reproduzidos.
As diversas testemunhas que foram ouvidas sobre este assunto na audiência de julgamento referiram também que as divergências entre as partes que levaram a R. a recusar prestar serviços à A. enquanto esta não regularizasse o pagamento da facturação já emitida eclodiram por causa da A. considerar haver valores diversos incorrectamente facturados, nomeadamente aqueles que se referiam ao serviço de Handling Out (saída de armazém).
Nesta conformidade, porque subjaz àquilo que consta nos Factos Provados 24 e 25 que a tomada de posição da Ré se deveu a motivos diferentes daqueles que efectivamente se verificaram, porque a A. também não logrou carrear para os autos factos concretos que permitam afirmar que a R., ao assumir a descrita posição, tivesse incorrido na prática de um ilícito – de natureza contratual ou aquiliana – e, ainda, porque foi dada como não provada toda a factualidade que consta das alíneas b) a t) dos Factos Não Provados, é imperioso reformular a redacção dos pontos de facto 24 e 25 para que tal matéria fique devidamente esclarecida, clarificando-se, ainda, aquilo que, de entre o alegado na petição inicial, não ficou provado.
Quanto ao facto de a A. ter arcado com os custos assinalados no ponto de facto 25, considera-se ter sido produzida prova bastante para que o mesmo seja dado como assente, pois, tendo, entre o mais, sido confirmado pela testemunha JJ que a A. teve necessidade de armazenar mercadorias noutros locais, resulta dos docs. 37, 38, 39 e 40 juntos com a petição inicial, a imputação à A. de custos relativos a serviços de armazenamento no valor global de 1.039,95 €.
Por tudo quanto se acaba de referir, decide-se quanto à impugnação da matéria de facto dos pontos 24 e 25 o seguinte:
1.º) os Factos Provados 24 e 25 passem a ter a seguinte redacção: «24. A A., face à posição assumida pela R. por causa do pagamento integral das facturas que exigia da A., contratou novos armazéns de recolha das suas mercadorias.»; «25. … O que implicou o pagamento de custos que ascenderam ao montante global de 1.039,95 € (234,00 + 214,74 + 521,21 + 70,00).»;
2.º) seja incluído nos Factos Não Provados um novo ponto com o seguinte teor: «z) A R. passou a assumir a posição descrita no ponto 23 dos factos provados por exigir que a autora procedesse ao pagamento integral das facturas relativas aos serviços em que haviam sido reclamadas situações de danos em mercadoria destinada aos clientes finais da autora».
B) Do direito
O pedido de indemnização deduzido pela A. na petição inicial assentou em três causas distintas:
ü O cumprimento defeituoso pela R. das obrigações contratuais que lhe incumbiam no âmbito dos serviços de transporte e armazenamento de um auditório de marca ‘Martela’ importado pela A., em Julho de 2021, desde a Finlândia;
ü O cumprimento defeituoso pela R. das obrigações contratuais que lhe incumbiam no âmbito dos serviços de transporte e armazenamento de uma cama de marca ‘Maxalto’ importado pela A., em Maio de 2022, desde a Itália;
ü A emissão pela R. de facturas em nome da A. por serviços que não prestou ou com valores não conformes com o devido pela A.
Na sentença que foi proferida em primeira instância, A R. foi absolvida quanto à parte do pedido que respeitava a esta última causa, sendo apenas condenada a pagar quantias indemnizatórias à A. devido à responsabilidade que lhe foi imputada pela prestação imperfeita dos serviços relativos ao transporte e armazenamento do auditório de marca ‘Martela’ e da cama de marca ‘Maxalto’.
Visto que o presente recurso de apelação, interposto pela R., apenas incide sobre as condenações que lhe foram dirigidas, encontra-se já estabilizada a sua absolvição relativamente às alegadas incorrecções das facturas que emitiu, motivo pelo qual ora não cumpre efectuar qualquer análise quanto aos fundamentos daquilo que, nessa parte, foi decidido.
No que diz respeito à subsunção jurídica dos factos que se provaram relativamente aos serviços que a R. prestou no âmbito do transporte e armazenamento do auditório de marca ‘Martela’ e da cama de marca ‘Maxalto’, podemos, desde já, dizer que se concorda com a posição teórica que foi assumida pelo tribunal a quo quanto à qualificação que deve ser atribuída ao contrato celebrado entre as partes.
Com efeito, uma vez que, por não terem sido validamente impugnados os Factos Provados 30 e 31, se encontra assente que a R. assumiu perante a A. a obrigação promover a expedição de um auditório Martela desde a Finlândia e de uma cama Maxalto desde a Itália para Portugal, executando para tal todas as operações materiais inerentes a essas expedições, designadamente organizando, executando ou contratando com terceiros, ainda que por conta da Autora, o transporte rodoviário e a entrega das referidas mercadorias, nenhuma censura merece o entendimento de que, como se diz na sentença recorrida, “…a Ré não assumiu apenas a obrigação de planificar e coordenar as operações necessárias à expedição das mercadorias para o seu destino, actuando como mero intermediário na celebração do contrato de transporte necessário para o efeito, o que se ajustaria à sua actividade de transitário; assumiu igualmente a obrigação de ela própria transportar a mercadoria e de a entregar no seu destino, o que configurará então um característico contrato de transporte. / Por isso, no presente caso, ter-se-á que concluir que a Ré extravasou as obrigações de transitária, assumindo patentemente os riscos e obrigações do transportador” / (…) Assim, os transitários são mandatários quando se limitam a cumprir funções que lhes foram previamente indicadas pelo expedidor das mercadorias, o que acontece, nomeadamente, quando são incumbidos por este de apenas arquitectar o transporte (sem serem livres na sua organização) e concluir os actos jurídicos tendentes a assegurar o trânsito das mercadorias. / Já serão comissários de transporte quando, por incumbência do expedidor (comitente), por conta e em nome deste, praticam os actos jurídicos necessários à deslocação de certa mercadoria de um lugar para outro, assumindo o dever de contratação do transporte. / E são transitários e transportadores, quando, exorbitando embora os limites da actividade específica que lhes é atribuída pelo art. 1º, n.º2 do citado DL n.º255/99, ajustam contratos de transporte de mercadorias com os interessados, directamente ou com recurso a terceiros, isto é, quando são incumbidos pelo expedidor das mercadorias e aceitam a missão de proceder ao transporte destas, mediante preço ajustado para esse fim. / Cremos que este é o caso dos autos…”.
Por outro lado, concluindo-se que, à luz do contrato celebrado entre as partes, a R. ficou vinculada ao cumprimento de obrigações, ao nível do transporte de mercadorias, não abrangidas pelos limites da actividade de transitário tal como a mesma se encontra definida no DL n.º 255/99, de 7-07, afigura-se-nos também correcta a posição que foi assumida pelo pelo tribunal a quo quanto ao facto de não se aplicar ao caso sub judice o prazo de prescrição do direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário que, nos termos do artigo 16.º do DL n.º 255/99, de 7-07, é de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada. Pode, sim, ser aplicável às situações verificadas, tal como afirmado na sentença recorrida, a Convenção CMR, assinada em Genebra em 19 de Maio de 1956, aprovada entre nós pelo Decreto-Lei n° 46.235, de 18 de Março de 1965, o que, face ao disposto nos artigos 29.º e 32.º, nº 1, desta Convenção, faz com que a prescrição do direito de acção por anomalias em mercadorias que tenham sido transportadas por via terrestre apenas ocorra três anos após a verificação de tais anomalias [7]. Face a tal, falecem os argumentos que a recorrente deduziu para sustentar que os direitos indemnizatórios que a A. veio exercer nesta acção por causa dos serviços relativos ao auditório de marca ‘Martela’ e à cama de marca ‘Maxalto’ se encontram prescritos.
Do mesmo modo, uma vez que resulta dos factos provados que se verificaram danos tanto num como no outro artigo de mobiliário, não assume relevância no presente caso a alegação que a recorrente fez quanto ao eventual incumprimento dos prazos de reclamação estatuídos no artigo 30.º, n.º 1, da Convenção CMR, pois, mesmo que fosse dado como assente o desrespeito por tais prazos, a consequência legal prevista seria apenas a presunção, até prova em contrário, de que a mercadoria foi recebida no estado descrito na declaração de expedição. Efectuada que foi a prova dos danos, a referida presunção sempre estaria ilidida.
Aqui chegados, estamos em condições para enfrentar a questão de fundo atinente à responsabilidade que a A. veio imputar nesta acção à R. pelos danos que se verificaram nos artigos de mobiliário importados pela A.
Como é por demais consabido, o princípio geral da responsabilidade contratual (ou seja, da responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos) encontra-se plasmado no artigo 798.º do Código Civil, do qual decorre que os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar a cargo do devedor são: o facto ilícito (o incumprimento de uma obrigação contratual, por acção ou omissão); a culpa (a imputação subjetiva do incumprimento ao devedor); o dano (o prejuízo causado ao credor pelo incumprimento); e o nexo de causalidade (a relação de causa e efeito entre o facto ilícito e o dano).
De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova (cf. artigo 342.º do Código Civil), incumbe ao credor fazer prova dos factos constitutivos do direito que invoca, pelo que, desde logo, lhe compete demonstrar que se verificou um facto ilícito, ou seja, de que a pessoa com quem celebrou um contrato não cumpriu determinada obrigação contratual. Ao nível da culpa, porém, o credor tem a sua tarefa facilitada, pois o artigo 799.º, n.º 1, estabelece uma inversão do ónus da prova, dispondo que “[i]ncumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.
No caso em apreço, também a prova do incumprimento contratual relativamente aos serviços de transporte e armazenamento do auditório ‘Martela’ e da cama ‘Maxalto’ estava facilitada, pois emerge do disposto nos artigos 17.º e 18.º da Convenção CMR que o transportador é responsável pela perda total ou parcial da mercadoria, a menos que demonstre que essa perda se deveu a um dos factos previstos no parágrafo 2.º do artigo 17.º dessa mesma Convenção. Assim, porque a A. logrou fazer prova de que aqueles dois artigos de mobiliário foram recolhidos nas instalações da R. com danos e, em contraponto, a R. não logrou demonstrar que tais danos se devessem a qualquer circunstância que a isentasse de responsabilidade pelo sucedido, tem que se concluir que, efectivamente, a R. incumpriu os seus deveres contratuais e, como tal, deve responder pelos prejuízos que tenham sido causados.
No que diz respeito, porém, à prova de que o incumprimento contratual da R. causou prejuízos efectivos à A., não logrou esta fazer tal demonstração.
A A. peticionou nos autos que a R. fosse condenada a pagar-lhe valores indemnizatórios correspondentes aos dos preços pelos quais adquiriu o auditório ‘Martela’ (3.250,68€) e a cama ‘Maxalto’ (3.874,98 €), fazendo assentar assim as suas pretensões no pressuposto de que a danificação dos artigos implicou a perda total dos mesmos. Após julgamento, no entanto, demonstrou-se que não se verificou a perda ou inutilização de qualquer desses artigos, mas, antes, que eles, não obstante apresentarem algumas mazelas, foram entregues aos clientes da A. a quem se destinavam. Neste contexto, para que, ainda assim, pudesse ser atribuída à A. uma qualquer indemnização, teria esta que fazer prova dos prejuízos que eventualmente possa ter tido, nomeadamente em função de alguma eventual alteração das condições dos negócios acordados com os seus clientes. O ónus desta prova era inequivocamente da A. No entanto, a A. nada esclareceu sobre os negócios que fez com os respectivos clientes e, logo, é manifesto que, agora, é impossível ter-se como certo que as mazelas que foram observadas no auditório ‘Martela’ e na cama ‘Maxalto’ tivessem sido, para a A., fonte de prejuízos patrimoniais efectivos.
Assim, porque não resulta dos factos provados que, não obstante a responsabilidade da R. pelas anomalias que se verificaram no auditório e na cama importadas, a A. tenha tido qualquer prejuízo concreto, têm que soçobrar as pretensões indemnizatórias que por esta foram deduzidas nos autos.
Consequentemente, impõe-se revogar a decisão recorrida e julgar procedente a apelação, absolvendo-se a recorrente do pedido e responsabilizando-se a A., devido ao seu decaimento, pelo pagamento das custas da acção e também da apelação (cf. artigo 527.º, n.º 1, do Código do Processo Civil).
***
IV – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar totalmente procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida e:
1.º) absolver a Ré, B..., Lda., do pedido que foi deduzido contra si pela Autora, A A..., Lda.;
2.º) condenar a Autora no pagamento das custas da acção
-
Custas da apelação a cargo da Autora (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.).
-
Notifique.
***
SUMÁRIO (elaborado pelo relator nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do C.P.C.)
…………………………………………………………
…………………………………………………………
…………………………………………………………
Acórdão datado e assinado electronicamente
(redigido pelo primeiro signatário segundo as normas ortográficas anteriores ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990)
Porto, 10/11/2025
José Nuno Duarte;
Teresa Fonseca;
Ana Paula Amorim.
_________________ [1] Cf., entre outros, na doutrina, A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição actualizada, Almedina, 2022, pp. 197 – 208, e, na jurisprudência: Ac. RP de 21-03-2022 (Pr. 556/19.4T8PNF.P1, rel. Fátima Andrade); Ac. STJ de 9-06-2021 (pr. 10300/18.8T8SNT.L1.S1, rel. Ricardo Costa) <URL: http://www.dgsi.pt/>. [2] Relativamente ao cumprimento deste último item, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu já, até, o Acórdão para uniformização de jurisprudência n.º 13/2023 (Diário da República n.º 220/2023, Série I, de 14-11-2023, pp. 44-65), estabelecendo que: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”. [3] Quanto a este assunto, por não se justificar proceder aqui a uma enumeração desenvolvida dos acórdãos dos nossos tribunais superiores que vêm sendo publicados sobre este assunto, remetemos para aquela que consta do Ac. RP 27-09-2023, proc. 9028/21.6T8VNG.P1 (rel. Jerónimo Martins), aresto no qual, entre o mais, se pode ler: “[C]onforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova” <URL: https://www.dgsi.pt/>. [4] Como ensinava Alberto dos Reis, “[o] tribunal não conhece de puras abstracções, de meras categorias legais, conhece de factos reais, particulares e concretos e tais factos, quando sejam susceptíveis de produzir efeitos jurídicos, é que constituem a causa de pedir” (Código de Processo Civil Anotado, II, 3.ª ed., Coimbra Editora, 1980, p. 125). [5] Neste mesmo sentido, ainda recentemente tivemos oportunidade de relatar o Ac. RP de 27-10-2025 [proc. 470/22.6T8FLG.P2], em cujo sumário se pode ler: “A delimitação factual da relação material controvertida imposta pelo princípio do dispositivo, consagrado no artigo 5.º do Código do Processo Civil, não deve ser feita com recurso a fórmulas valorativas da realidade que deve ser apreciada pelo tribunal, mas, sim, mediante a indicação dos factos concretamente verificados e aos quais deve ser aplicado o Direito”. [6] Cf. factos provados 12 a 17 da sentença recorrida, os quais não mereceram qualquer impugnação no âmbito deste recurso. [7] Com efeito, conforme esclarecido, entre outros, no Ac. RG 10-03-2022, proc. 568/19.8T8PFR.G1 (rel. Joaquim Boavida), “A CMR endossou à ordem jurídica nacional a definição do nexo de imputação ao transportador da responsabilidade efectivamente apurada; como para o nosso ordenamento o nexo de imputação é estabelecido tanto no caso de comportamento doloso como no de comportamento negligente, a falta em que este se traduz é equivalente àquele no quadro do artigo 29º da CMR”.