CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DURAÇÃO DO CONTRATO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
Sumário

I - O art.º 1110º/3 CC tem natureza supletiva, podendo as partes convencionar o prazo para a celebração do contrato e a sua renovação, desde que não se ultrapasse o limite mínimo de um ano e o máximo de trinta anos.
II - A norma do art.º 1110º/4 do CC, introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12-02, deve ser interpretada no sentido de que a declaração de oposição à renovação pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais (5 anos) para produzir efeitos na data em que, sem a oposição, o contrato se renovaria.

Texto Integral

Procedimento Especial de Despejo-670/25.7YLPRT.P1


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SUMÁRIO[1] (art.º 663º/7 CPC):

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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório

No presente procedimento especial de despejo, instaurado no Balcão do Arrendatário e do Senhorio e que por efeito da oposição deduzida foi remetido ao competente tribunal judicial, em que figuram como:

- AUTORA: AA, NIF: ...05, residente na rua ..., ... ..., ..., ... e ..., ... ...; e

- RÉ: A... Lda., NIPC: ...24, com sede na rua ..., ... ...

veio a autora peticionar o despejo, com pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, com fundamento na cessação do contrato de arrendamento, por oposição à renovação pelo senhorio.

Alegou para o efeito que o contrato de arrendamento foi denunciado pela senhoria (aqui requerente) no dia 10.01.2025, mais de 30 dias antes do termo do prazo do contrato, que ocorreu no dia 01.03.2025, através de carta registada com aviso de receção, recebida a 13.01.2025; assim, e de acordo com a cláusula quinta do contrato, não sendo entregue o locado no fim do mesmo incorre a arrendatária no pagamento da cláusula penal de 2.000,00 € (dois mil euros) por cada mês de ocupação indevida.

Mais alegou que denunciado validamente o contrato a arrendatária não procedeu à entrega do imóvel arrendado não obstante instada a fazê-lo por diversas vezes.


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Citada a ré, veio deduzir oposição, defendendo-se por exceção.

Alegou para o efeito que a requerente não denunciou, mas opôs-se à renovação do contrato de arrendamento mediante comunicação que, nesse sentido, fez à requerida pela carta de 10/01/2025, junta ao requerimento inicial.

O contrato de arrendamento não habitacional em causa, destinado exclusivamente a armazém de indústria, foi celebrado pelo prazo de 1 (um) ano, com início em 01/03/2021 e termo em 28/02/2022, “sendo automaticamente renovável pelo mesmo período nos termos da lei, caso não seja denunciado por qualquer das partes, mediante aviso prévio de 30 (trinta) dias, enviado por carta registada com aviso de receção” — Cf. Cláusula 2.ª, n.º 1.

Em 28/02/2025, completou 4 (quatro) anos de vigência.

Considera que de acordo com a norma do n.º 3, do artigo 1110.º do Código Civil, introduzido pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, no termo do prazo inicial de um ano, ocorrido em 28/02/2022, o contrato em apreço não se renovou por um ano, mas sim por 5 (cinco) anos, ou seja, até 28/02/2027. Na data de envio da aludida carta de 10/01/2025, junta com o requerimento inicial, o contrato de arrendamento da Requerida encontrava-se (como encontra-se) no decurso da primeira renovação, que ocorreu em 1 de março de 2022, pelo prazo de cinco anos. Estava e está plenamente em vigor, como assim permanecerá validamente até, pelo menos, 28 de fevereiro de 2027.

A título subsidiário, alegou que a Requerida sempre teria direito a que o contrato vigorasse, pelo menos, até 28/02/2026, por um período mínimo de cinco anos contado do seu início, face ao disposto no n.º 4, do citado artigo 1110.º do CC, também introduzido pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro.

A expressão “não pode opor-se à renovação” nos primeiros cinco anos após o início do contrato, inserta no n.º 4 do artigo 1110.º do CC, referente ao direito potestativo de oposição à renovação do contrato para fins não habitacionais, deve ser interpretada no sentido de que o contrato não pode ser extinto dessa forma antes de se completar o prazo de cinco anos.

Ainda que se admita o direito de as partes fixarem livremente o período de renovação automática do contrato de arrendamento para fim não habitacional, seja ele de um, dois ou três anos, a citada disposição legal, que é uma norma imperativa, não permite que o senhorio se oponha à renovação do contrato no decurso dos cinco primeiros anos após o seu início.

Conclui que a Requerida não procedeu nem tinha de proceder à entrega do locado, tendo dado pessoalmente conhecimento à Requerente que não aceitava a cessação do contrato de arrendamento na data de 28/02/2025. Continuou, por isso, a pagar-lhe a renda mensal, a começar pela do mês de março de 2025, cujo valor, no montante líquido de € 1.620,23 (correspondente ao valor bruto de € 2.160,30), que em devido tempo transferiu para a conta da Requerente.

Porém, em 18/03/2025, a Requerida foi surpreendida com a devolução à sua conta do valor da renda de março. Prontamente, ao abrigo do disposto no artigo 841.º, n.º 1, al. a), do CC, e do artigos17.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro e posteriores alterações (NRAU), procedeu ao pagamento da mesma renda por consignação em depósito (DOC. 1).O que fez na Caixa Geral de Depósitos em 25/03/2025, e comunicou à Requerente, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, do dito diploma legal, por carta registada com aviso de receção expedida na mesma data (DOC. 2), com o seguinte teor:

Exm.ª Senhora,

Fomos surpreendidos com a devolução à nossa conta, efetuada por V. Ex.ª em 18/03/2025, da renda mensal referente ao corrente mês de março, no valor líquido de € 1.620,23, o que muito lamentamos.

Como bem sabe, por manifestamente ilegal, não aceitamos a denúncia do contrato de arrendamento que nos comunicou por carta de 10/01/2025, o que aqui

reiteramos, considerando, por isso, tal contato plenamente em vigor.

Por conseguinte, a devolução agora efetuada configura a recusa de V. Ex.ª em receber a renda, sem motivo que o justifique, pelo que nos vemos forçados a proceder à consignação em depósito da renda em causa, assim como de todas as que se vencerem de ora em diante.

Deste modo, ao abrigo do disposto no artigo 841.º, n.º 1, al. a), do Código Civil, e dos artigos 17.º, n.º 1, 19.º, n.º 1, e 20.º, todos da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro e suas posteriores alterações (NRAU), vimos comunicar a V. Ex.ª que a A..., Lda. procedeu à consignação em depósito da renda vencida no corrente mês de março, conforme duplicado da guia de depósito em anexo, e assim continuará a fazer em relação às rendas posteriores enquanto subsistir a recusa de V. Ex.ª em receber a renda mensal ou, se for caso disso, até decisão judicial sobre a resolução do contrato de arrendamento celebrado em 1 de março de 2021. Com os nossos cumprimentos.”

Nesse seguimento, também a renda respeitante ao corrente mês de abril foi paga por consignação em depósito na mesma conta aberta da Caixa Geral de Depósitos (DOC. 3), como assim continuará a Requerida a proceder até que a Requerente se disponha a receber a renda.

A Requerida continuou e continuará a efetuar o pagamento da renda mensal devida à Requerente por entender que o contrato de arrendamento se mantém plenamente em vigor até que qualquer das partes o faça legalmente cessar, nada sendo devido à Requerente a título de rendas.

Quanto à indemnização de € 2.000,00 (dois mil euros) que a Requerente reclama a título de cláusula penal por cada mês de ocupação indevida do locado, a mesma, não lhe é devida uma vez que a Requerida não tinha o dever de restituir o imóvel até 28 de fevereiro de 2025, e nessa medida não se constituiu nem está em mora.


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Após remessa dos autos à distribuição, junto do competente tribunal, proferiu-se o despacho que se transcreve:

“Atendendo ao previsto no art.º 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, e 15.º-H, n.º 3, da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, cogitando o tribunal a apreciação imediata do mérito da lide, é a requerente notificada para em 10 dias se pronunciar sobre a posição jurídica assumida pela requerida na sua oposição, na salvaguarda do seu direito ao contraditório”.


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A Autora veio exercer o contraditório, alegando para o efeito que ao contrário do que afirma no artigo 8º da sua douta oposição, jamais o contrato de arrendamento que firmou com a requerente se renovou, no fim do 1º ano de vigência, pelo período de 5 anos, porque ficou convencionado a renovação automática por um ano.

Mais alegou que a requerida não está a ocupar o imóvel locado. Depois de ter sido confrontada pela requerente para a não renovação do contrato de arrendamento, sendo que a requerente lhe “ofereceu” um novo contrato de arrendamento, com a renda atualizada aos preços de mercado praticados nesse momento, não a requerida mas uma outra sociedade que será detida pelos mesmos sócios (B... Lda.) propôs à requerente a realização do contrato de arrendamento para fins não habitacionais, tendo nesse momento a requerente percebido – e tomado conhecimento – de que naquele seu prédio urbano não estava a laborar a requerida mas sim uma outra sociedade, o que ocorre em clara violação do disposto no ponto 2 da Cláusula Terceira.

Depois de a requerente ter remetido carta registada com a aviso de receção denunciando o contrato que tinha celebrado com a requerida – e que a mesma afirma ter recebido a 10/01/2025 e que, aliás, se encontra junta com o requerimento inicial – a mesma procurou que fosse celebrado novo contrato de arrendamento relativo àquele pavilhão industrial. Anunciou a sua não intenção de desocupar o locado, e acabou por não o desocupar na data indicada (28.02.2025).

A requerente incumbiu o seu mandatário de contactar a requerida e dar-lhe conta de que teria de abandonar de imediato aquele locado, livre de pessoas e bens. Tomou conhecimento por intermédio de uma funcionária da requerida – srª D. BB – que a mesma já não estava em laboração, deu-lhe nota de que teria de enviar a carta dirigida à sociedade B..., uma vez que a aqui requerida (A...) já não estava em laboração, já não estava ativa, tendo inclusivamente o email geral@A....pt desativado, assim como o número de telefone ...87.

Mais alegou que a requerente através do seu mandatário efetuou diligências junto da outra sociedade veio a requerida informar a requerente que pretendia a revogação por escrito do contrato que tinha celebrado com a requerente e, por outro, que pretendia celebrar novo contrato assumindo que naquele locado estava já instalada a sociedade B... Lda. A requerente não aceitou.

Alegou, ainda, que nos termos do disposto na al. e) do nº 1 do artigo 1083º do Cód. Civil pode a requerente resolver o contrato em discussão nos presentes autos por se verificar “a cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio”, pois que a requerente tem direito a essa resolução do contrato já que a inquilina está a proporcionar a terceiro (B... Lda) o gozo do arrendado, o que é ineficaz por não comunicada à requerente. Por isso, e também por ocorrer esta grave violação do estabelecido contratualmente, não pode deixar de se entender estar definitivamente resolvido o contrato celebrado entre requerente e requerida.

Termina por pedir que se julgue o presente procedimento procedente e, em consequência, seja produzido douto despacho saneador sentença que ordene a imediata entrega à requerente do imóvel locado.


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A ré veio opor-se à admissão do articulado-resposta, com o alcance que a autora lhe atribuiu, por entender que alegou factos novos, com ampliação da causa de pedir, com violação do princípio da estabilidade da instância. consignado no art.º 260.º do CPC.

Pede que o articulado da Requerente seja desentranhado dos autos ou, pelo menos, desconsiderado, para todos os efeitos, a partir do seu art.º 20.º e para o caso de assim não se entender reserva-se o exercício do seu direito ao contraditório.


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Proferiu-se despacho e sentença com as decisões que se transcrevem:

“Ref.ª 1054412 e 10597291:

Porquanto o exercício do contraditório se restringe à abordagem da posição jurídica assumida pela requerida na sua oposição, restringir-se-á o conhecimento da argumentação trazida pela requerente à resposta a essa posição, não sendo considerada a restante matéria trazida pela requerente.

[…]

Procede assim a oposição apresentada, indeferindo-se a pretensão de despejo do imóvel ocupado pela requerida aqui trazida pela requerente.

Custas pela requerente”.


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Na sequência do requerimento formulado pela ré, proferiu-se despacho que retificou a sentença, com o seguinte teor:

“Porquanto a posição manifestada na sentença efetivamente implica a manutenção do vínculo até 2027, se tratar de manifesto lapso, retifique nos termos requeridos a menção do ano constante a final de 2026 para 2027 – v. art.º 613.º, n.º 2, e 614.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Notifique”.


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A autora veio interpor recurso da sentença.

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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:

(…)

Termina por pedir que se julgue procedente a nulidade da decisão por violação do art.º 615º/1 d) CPC e seja proferida decisão que ordene o despejo imediato do locado, ou em alternativa a devolução do autos à 1ª instância para se produzir prova relativamente à matéria de facto alegada pelas partes e após realização da mesma, seja proferida sentença.


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Na resposta ao recurso, a ré renovou os argumentos expostos na sentença e concluiu que havendo renovação do contrato de arrendamento para fins não habitacionais, a renovação não pode ser inferior a cinco anos, pelo que, no caso dos autos, é inválida a oposição à renovação deduzida pela Requerente/Apelante, mantendo-se o vínculo do contrato de arrendamento, imperativamente, até 2027, como se decidiu na sentença objeto de recurso e decidindo desta forma, a sentença sub judice não fez errada aplicação da norma do artigo 1110.º, n.º 3, do Código Civil.

Termina por pedir que se negue provimento ao recurso, confirmando-se a sentença.


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O recurso foi admitido como recurso de apelação e no mesmo despacho, pronunciou-se o juiz do tribunal “a quo” sobre a nulidade suscitada pela apelante nas alegações de recurso, tal como se transcreve:

“Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto:

Foi nestes autos invocada a nulidade da sentença aqui prolatada por omissão de pronúncia, nos termos da 1.ª parte da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.

Entende o tribunal que nenhuma nulidade se cometeu, tendo sido considerados os factos e questões suscitados pelas partes que cumpria apreciar.

Todavia, como sempre, farão V. Ex.as a melhor Justiça”.


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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.

As questões a decidir:

- nulidade da sentença, com fundamento no art.º 615º/1 d) CPC;

- se a oposição à renovação do contrato de arrendamento, se mostra eficaz para obter a entrega do local arrendado.


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2. Os factos

Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância e que resultam dos documentos juntos aos autos:

- As partes celebraram um contrato de arrendamento não habitacional destinado exclusivamente a armazém de indústria, celebrado pelo prazo de 1 (um) ano, com início em 01.03.2021.

2. Prevê a sua cláusula 2.ª, n.º 1, que:

O presente contrato de arrendamento é celebrado pelo prazo de 1 (um) anos, com início a 01 de março e 2021 e com termo a 28 de fevereiro de 2022, sendo automaticamente renovável pelo mesmo período nos termos da Lei, caso não seja denunciado por qualquer das partes, mediante aviso prévio de 30 (trinta) dias, enviado por carta registada com aviso de receção”.

3. Foi remetida pela requerente comunicação datada de dia 10.01.2025, com o seguinte teor:


A comunicação foi realizada através de carta registada com aviso de receção recebida a 13.01.2025.

4. O imóvel locado não foi entregue.


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3. O direito

- Nulidade da sentença, com fundamento no art.º 615º/1 d) CPC-

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 13, suscita a apelante a nulidade da sentença, com fundamento no art.º 615º/1 d) CPC, porque em 1ª instância se omitiu a apreciação do requerimento apresentado pela apelante no qual se enunciava os seguintes factos:

“a.- não está a requerida a ocupar aquele imóvel, mas antes outra sociedade pela mesma detida, com a designação de “B... Lda”, o que viola o disposto no ponto 2 da Cláusula 3ª do contrato em discussão nos autos;

b.- a requerida está até sem atividade, estando todos os seus contactos oficiais (email e número de telefone) desativados e

c.- a própria requerida denunciou o contrato celebrado com a requerente, pretendendo firmar novo contrato de arrendamento com a sociedade referida em a. supra, para aquele locado, estabelecendo ela própria o valor da renda mensal a pagar (!!!), tudo como melhor se observa dos documentos que acompanharam esse requerimento e que são, até, da autoria da recorrida”.

Conclui que a sentença é nula porque omitiu a apreciação dos factos indicados no referido requerimento.

Cumpre apreciar se a sentença padece do apontado vício.

No que concerne ás nulidades o Código de Processo Civil prevê por um lado, as nulidades das decisões (em sentido lato abrangendo sentenças, acórdãos e despachos), que se encontram previstas, taxativamente, no art.º 615º CPC.

A sua arguição é feita de harmonia com o nº2, 3, 4 do art.º 615º, uma vez no próprio tribunal em que foi proferida a decisão, e outras vezes, em via de recurso, no tribunal ad quem.

Estas nulidades são vícios que afetam a validade formal da sentença em si mesma e que, por essa razão, projetam um desvalor sobre a decisão, do qual resulta a inutilização do julgado na parte afetada.

A par destas nulidades, a lei prevê as nulidades processuais que “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais”[2].

Atento o disposto nos art.º 195º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.

Porém, como refere ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades”, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[3].

As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art.º 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez, as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art.º 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art.º 199º CPC.

A omissão de apreciação de requerimento junto aos autos pela parte não consta como uma das nulidades previstas nos art.º 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.

Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art.º 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição nos termos previsto no art.º 199º CPC.

Tal omissão tem de ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art.º 149º/1 CPC.

O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art.º196 a 199º CPC.

Esta nulidade processual é, pois, distinta da nulidade da sentença, uma vez que a nulidade por falta de pronúncia, a que alude o art.º 615º/1 d) CPC está diretamente relacionada com o comando do art.º 608º/2 do mesmo Código, reportando-se ao não conhecimento das questões (que não meros argumentos ou razões) relativas à consubstanciação da causa de pedir e do pedido[4].

Nos termos do art.º 615º 1 / d) CPC a sentença é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina a “ordem de julgamento” - art.º 608º/2 CPC.

Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito, que o juiz na sentença: deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Embora impenda sobre o juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, este poder cognitivo está limitado, por um lado, às questões suscitadas pelas partes e, por outro lado, às questões de conhecimento oficioso, conforme prescreve o art.º 608º/2 CPC.

Contudo, no caso concreto, não ocorre qualquer irregularidade processual, porque o juiz do tribunal “a quo” pronunciou-se sobre o requerimento apresentado pela apelante e resposta da apelada, o que fez antes de proferir a sentença, autonomizando a apreciação de tais requerimentos nos termos que se deixaram acima transcritos.

Apenas pela via do recurso, por ser o meio próprio de impugnar uma decisão judicial, poderia o tribunal reapreciar tal decisão.

Não ocorre qualquer vício por omissão de pronúncia, porque a sentença apreciou as questões colocadas tal como configuradas na petição (pedido e causa de pedir) e as exceções alegadas na contestação.

Conclui-se, assim, que não se verifica a apontada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.

Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso.


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- Da eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 14 a 37, a apelante insurge-se contra a sentença que considerou ineficaz a oposição à renovação do contrato deduzida pela senhoria (autora), por se entender que estava ainda a decorrer o prazo de cinco anos de renovação do contrato, cujo termo ocorreria em 28 de fevereiro de 2027.

Defende a apelante que prevendo o contrato o prazo de duração e o prazo previsto para cada renovação, um ano, respetivamente, não estava a decorrer o prazo de renovação, quando se veio opor à renovação do contrato.

Cumpre apurar se estando na presença de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, com prazo certo, que se iniciou em 01 de março de 2021 com a duração de um ano, renovável, o prazo de renovação do contrato tem a duração de um ano, como previsto no contrato, ou, de cinco anos e se a oposição à renovação deduzida pelo senhorio operou a caducidade do contrato.

De harmonia com o artigo 1094º Código Civil o contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada.

Relativamente aos contratos de duração indeterminada vigora o instituto da denúncia, com sede no artigo 1101º do CC. Quanto aos arrendamentos habitacionais com prazo certo, vigora o instituto da oposição à renovação deduzida pelo senhorio, previsto no artigo 1097º do CC.

Este regime aplica-se, com as devidas adaptações aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais – art.º 1108º a 1110º-A CC.

A oposição à renovação consiste na declaração de um dos contraentes perante outro, comunicada com determinada antecedência, segundo os casos, de recusa de prorrogação do contrato com prazo certo, fazendo-o assim cessar no último dia da sua duração.

A oposição à renovação é, por natureza, um instituto específico dos contratos dotados de prorrogação automática; logo, quanto ao arrendamento de prédios urbanos, é privativo dos contratos com prazo certo[5].

No caso presente estamos na presença de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, que tem por objeto um armazém de indústria, facto que está admitido por acordo das partes nos articulados. O contrato foi celebrado com prazo certo, o que também está admitido por acordo nos articulados. Ficou ainda convencionado no contrato a renovação automática por igual período, que se fixou em um ano.

Prevê o art.º 1110º CC sob a epígrafe, “Duração, denúncia ou oposição à renovação”:

1 — As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando -se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte.

2 — Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.

3 — Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova -se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º.

4 — Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor -se à renovação”.

Na questão suscitada no recurso está em causa saber se a norma do nº3 do art.º 1110º CC tem natureza imperativa, fixando um prazo mínimo de renovação do contrato - cinco anos -, ou, supletiva, permitindo que as partes fixem livremente o prazo de renovação do contrato, desde que respeitam o limite do art.º 1095º/2 CC (um ano).

A apelante defende a natureza supletiva do prazo em causa, sendo eficaz a oposição à renovação para o dia 1 de março de 2025 e por isso, se insurge contra a sentença, que adotando diferente posição considerou não ser eficaz a oposição à renovação, porque estava a decorrer o prazo de renovação de cinco anos, que se iniciou em 01 de março de 2022 e terminaria em 28 de fevereiro de 2027.

A resposta a esta questão não tem obtido uniformidade da parte da doutrina e jurisprudência e vem habitualmente suscitada em relação ao regime previsto no art.º 1096º/1 CC, para o arrendamento para habitação, mas a questão e os argumentos apresentados são igualmente válidos para o arrendamento para fins não habitacionais, dada a similitude de regimes e porque as alterações foram introduzidas no Código Civil pelo mesmo diploma, o que aliás tem sido assim considerado pela doutrina e jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

Na doutrina, no estudo[6] da Ex.ª Juiz Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça Professora Doutora MARIA OLINDA GARCIA defende-se que: “[u]ma breve leitura das alterações introduzidas nestas normas permite facilmente concluir que o legislador teve como propósito a proteção da estabilidade do arrendamento habitacional, limitando os direitos extintivos do locador e limitando a liberdade das partes para modelarem o conteúdo do contrato. […]

Nos arrendamentos para habitação tendencialmente duradoura, a liberdade dos contratantes para modelarem o conteúdo do contrato sofre significativas limitações com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019.

Passa a existir um prazo mínimo de um ano (artigo 1095.º, n.º 2). Trata-se de uma norma imperativa que não admite convenção em contrário, pois se as partes convencionarem duração inferior, o prazo considera-se automaticamente ampliado para um ano.

Quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação. Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo.

Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.

Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência.

Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau”.

Seguem esta posição os Ac. Rel. Guimarães 11 de fevereiro de 2021, Proc. 1423/20.4T8GMR.G1, Ac. Rel. Guimarães 08 de abril de 2021, Proc. 795/20.5T8VNF.G1, Ac. Rel. Guimarães 23 de março de 2023, Proc. 1824/22.3T8VCT.G1, Ac. Rel. Évora 10 de novembro de 2022, Proc. 983/22.0YLPRT.E1, Ac. Rel. Évora 10 de novembro de 2022, Proc. 126/21.7T8ABF.E1 e Ac. Rel. Évora 30 de janeiro de 2023, Proc. 3934/21.5T8STB.E1 (com um voto de vencido), Ac. Rel. Porto 25 de janeiro de 2024, Proc. 8357/23.9 T8PRT.P1 (com um voto de vencido), Ac. Rel. Porto 08 de fevereiro de 2024, Proc. 840/23.2YLPRT.P1 (com um voto de vencido), todos acessíveis em www.dgsi.pt..

No Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, podem citar-se: Ac. STJ 03 de julho de 2025, Proc. 1482/24.0YLPRT.L1.S1, Ac. STJ 13 de março de 2025, Proc. 1395/24.6YLPRT.L1.S1(com um voto de vencido) e Ac. STJ 13 de fevereiro de 2025, Proc. 907/24.0YLPRT.L1.S1 (com um voto de vencido), todos acessíveis em www.dgsi.pt..

Apreciando em particular a aplicação do regime nos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, podemos citar o Ac. Rel. Porto 20 de maio de 2024, Proc. 1686/23.3YLPRT.P1, Ac. Rel. Porto 10 de julho de 2025, Proc. 2184/24.3YLPRT.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt .

A posição defendida assenta os seus fundamentos essencialmente numa interpretação teleológica da norma considerando os objetivos que a lei e as alterações introduzidas pretendiam alcançar. Considera-se que o legislador ao definir um período mínimo de renovação, pretendeu conferir uma maior proteção ao arrendatário, dotando o contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria. A liberdade de estipulação fica limitada à possibilidade de ser ou não convencionado a renovação automática do contrato sendo esse o significado que se atribui à expressão “salvo estipulação em contrário”, quer no art.º 1096º/1 CC, como no art.º 1110º/3 CC. O prazo de renovação poderá ficar convencionado, desde que respeite o mínimo de três ou de cinco anos.

Numa outra linha de entendimento, situa-se a análise do Exmº Juiz Conselheiro PINTO FURTADO e de EDGAR MARTINS VALENTE.

Na interpretação da expressão “ou de três anos se esta for inferior” observa o Exmº Juiz Conselheiro PINTO FURTADO: “[s]erá que, com ele, se pretendeu fixar renovações de nunca menos de três anos? Cremos que semelhante dúvida é efetivamente dissolvida pelo disposto no art.º 1097º/3, na redação da mesma Reforma, segundo o qual “a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo”.

O que o legislador agora pretendeu fixar foi apenas que, se a duração contratual estipulada fosse de dimensão inferior a três anos, o senhorio só poderia inicialmente lançar uma oposição à renovação quando preenchidos, no mínimo, três anos sobre a sua celebração.

Parece, pois, de pensar de tudo isto que é perfeitamente legítimo estipularem-se “renovações” de períodos iguais entre si, ainda que diferentes da duração contratual.

Cremos, portanto, e em conclusão poder validamente estabelecer, ao celebrar-se o contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações, de dois ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender”[7].

EDGAR MARTINS VALENTE considera, por sua vez:”[…]em termos práticos, caso as partes celebrem contrato de arrendamento para habitação permanente pelo prazo certo de um ano sem convenção em sentido contrário, este, findo o prazo de um ano, renovar-se-á por um período de três anos, não sendo atualmente admissível renovação supletiva por período inferior, ao invés do que sucede se as partes celebrarem um contrato com a duração inicial de, por exemplo, quatro anos, findo os quais, o contrato se renovará por período de tempo de igual duração.

Note-se que as partes, à semelhança do que já sucedia na redação anterior da norma, podem definir regras distintas, designadamente estabelecendo a não renovação do contrato, ou a sua renovação por períodos diferentes dos referidos, atenta a natureza supletiva da norma em questão, conforme resulta da parte inicial do nº1 do presente artigo, tal significando que as referidas regras constantes do preceito alterado apenas serão aplicáveis na ausência de acordo ou estipulação contratual das partes em sentido diverso, sendo certo, como referido, que na ausência de qualquer disposição diversa das partes, o período mínimo de renovação do contrato é de três anos”[8].

Esta posição tem sido sustentada na jurisprudência, que sublinha o caráter supletivo da norma, nos Ac. Rel. Lisboa 17 de março de 2022, Proc. 8851/21.6T8LRS.L1-6, Ac. Rel. Lisboa 10 de janeiro de 2023, Proc. 1278/22.4YLPRT.L1-7, Ac. Rel. Lisboa 27 de abril de 2023, Proc. 1390/22.0YLPRT.L1-6, Ac. Rel. Porto 23 de março de 2023, Proc. 3966/21.3T8GDM.P1, Ac. Rel. Porto 09 de abril de 2024, Proc. 3179/23.0T8VNG.P1, Ac. Rel. Porto 09 de outubro de 2025, Proc. 2798/24.1T8PNF.P1, Ac. Rel. Lisboa 09 de outubro de 2025, Proc. 330/25.9YLPRT.L1-2, Ac. Rel. Lisboa 17 de junho de 2025, Proc. 15651/24.0T8SNT.L1-7, Ac. Rel. Lisboa 13 de fevereiro de 2025, Proc. 1581/24.9YLPRT.L1-8, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Em particular e analisando a aplicação do regime nos contratos de arrendamento para fins não habitacionais o Ac. Rel. Porto 14 de janeiro de 2025, Proc. 6409/23.4T8PRT.P1 (acessível em www.dgsi.pt).

Argumenta-se, citando o Ac. Rel. Lisboa 17 de março de 2022: “Da comparação entre as duas versões [Lei 31/2012 e Lei 13/2019], conclui-se que a Lei 13/2019 limitou-se a aditar a expressão ou de três anos se esta for inferior à versão anterior, mantendo todo o restante preceito.

Ou seja, e escalpelizando, em ambas as versões sucessivas, a regra é:

a) O contrato de arrendamento celebrado com prazo certo, renova-se automaticamente no seu termo;

b) Por períodos sucessivos de igual duração;

c) Constituem impedimento às duas regras anteriores, a estipulação distinta das partes;

d) ou a circunstância de se enquadrarem os contratos celebrados em qualquer das situações previstas no art.º 1095º, nº 3 do mesmo diploma (contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios, designadamente por motivos profissionais, de educação e formação ou turísticos, neles exarados).

Estas quatro conclusões são válidas perante qualquer uma das versões sucessivas do art.º 1096º, nº1, de modo pacífico.

Ou seja, e para o que agora releva, quer numa quer noutra das versões, se admite que as partes afastem a renovação automática do contrato celebrado ou prevejam período distinto (superior ou inferior) do inicial, após essa renovação.

A diferença encontra-se apenas no aditamento de uma limitação temporal à duração desse período de duração do contrato, após a renovação: não pode ser inferior a três anos, caso o período inicial de duração do contrato seja inferior a três anos.

Da letra da alteração legislativa de 2019 apenas se retira um efeito: nos contratos de arrendamento de duração inicial inferior a 3 anos, a renovação automática dos mesmos (quando opera), verifica-se por um período sucessivo de três anos (necessariamente maior do que o período inicial).

Trata-se de uma solução que «foge» à lógica da regra da renovação automática, fixando-se um período sucessivo extraordinário de três anos para um contrato de duração inicial inferior.

Mas foi a opção do legislador.

O passo seguinte constitui em apurar se a fixação por força de lei desse período sucessivo extraordinário de três anos constitui norma imperativa ou supletiva, ou seja, se as partes podem afastar tal regra, ao abrigo do princípio da liberdade de estipulação contratual.
Debalde encontramos resposta no seio da Lei 13/2019, pois da mesma apenas se retira que o seu objeto é o seguinte: A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.

A solução, na ausência de letra expressa, encontra-se na ponderação dos fins pretendidos com a alteração legislativa: a limitação imperativa à estipulação de períodos de renovação sucessiva inferiores a três anos corrige situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, reforça a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e protege arrendatários em situação de especial fragilidade?

Ora, parece-nos que a resposta há de ser negativa, pois nesse caso, o legislador «esqueceu-se» de proteger ou prosseguir tais fins com igual intensidade no período de duração inicial do contrato.

Efetivamente, a mesma Lei 13/2019 estabeleceu, como limite mínimo dessa duração o período de um ano, na redação dada ao nº 2 do art.º 1095º do mesmo Código, sob a epígrafe Estipulação de prazo certo:

1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato.
 2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a um nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo.
 E tal norma, pela sua própria natureza, assume força imperativa: a ampliação ou redução automática dos prazos mínimo e máximo de duração inicial para um e trinta anos, significa que esses limites mínimos e máximos não podem ser derrogados por estipulação das partes no contrato celebrado.

Ou seja, e para o que agora releva, imperativo é que o contrato de arrendamento tenha a duração mínima de um ano.

Duração inicial ou sucessiva de um ano.

Não se antevendo da Lei 13/2019 qualquer intenção de conferir maior proteção ao arrendatário no período sucessivo daquela concedida no período inicial.

Desde logo, por não se demonstrar constituir o período sucessivo à renovação uma situação de maior desequilíbrio entre arrendatário e senhorio, de maior necessidade de segurança e estabilidade do arrendamento urbano e de maior fragilidade do arrendatário relativamente ao período inicial de duração do mesmo contrato de arrendamento.

Por fim, refira-se que o processo legislativo (disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42542) pouco esclarece a intenção do legislador, pois a alteração do art.º 1096º tem origem em proposta de alteração do Grupo Parlamentar do Partido Socialista à Proposta de Lei nº 129/XIII/3, no seio da discussão na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação – sendo que a Proposta inicial do Governo em nada se referia a este preceito em concreto.
Ou seja, a alteração ao preceito surge no decurso da discussão parlamentar da Proposta de Lei, sem lograrmos apurar o fio condutor ou a intenção do legislador, no caso.

[…]

Não se demonstrando essa imperatividade, quer pela letra quer pelo espírito da Lei, vigora o princípio da liberdade contratual, estabelecido no art.º 405º do Código Civil, no sentido de que as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, podendo inclusivamente reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei”.

Sublinhando a importância do elemento sistemático na interpretação do preceito, refere-se no Ac. Rel. Lisboa 17 de janeiro de 2023: “[e]m primeiro lugar, é patente que as partes são livres de estabelecer o prazo do arrendamento entre os prazos mínimos de um ano e máximo de trinta anos, conforme deflui do Artigo 1095º, nº2, do Código, na redação da Lei nº 13/2019, de 12.2.

Em segundo lugar, da ressalva inicial do nº 2 do Artigo 1096º (“Salvo estipulação em contrário”) decorre que as partes podem, ab initio, convencionar que o contrato de arrendamento não será renovado.

Em terceiro lugar, estipulando as partes que o contrato será renovável, são livres de estabelecer prazos diferenciados de renovação, sendo o prazo de três anos (introduzido pela Lei nº 13/2019) um prazo supletivo a aplicar nos casos em que as partes não concretizem o prazo da renovação (silêncio do contrato), apesar de preverem a renovação do contrato. De facto, se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus; cf. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, p. 443).

A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º, nos termos do qual:
 «3- A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.»

Ou seja, a tutela do inquilino e da estabilidade do arrendamento decorre diretamente desta norma e não propriamente do nº1 do Artigo 1096º do Código Civil.

De facto, a tese acima explicitada (maioritária na jurisprudência) segundo a qual, a prever-se a renovação do contrato, esta ocorre imperativamente por um prazo mínimo de três anos sucumbe quando confrontada com o disposto no nº 3 do Artigo 1097º do Código Civil.
Na verdade, na lógica dessa tese, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Ora, se assim fosse, o disposto no nº 3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido, tratando-se de uma norma inútil e espúria porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo! Ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato. A tutela da estabilidade do arrendamento está aqui e não propriamente no nº1 do Artigo 1096º.

Assim, na discussão da questão em apreço, o elemento interpretativo da lei que mais releva não é propriamente o teleológico, mas sim o sistemático”.

Por fim, no Ac. Rel. Lisboa 27 de abril de 2023, Proc.1390/22.0YLPRT.L1-6 (acessível em www.dgsi.pt) sublinha-se que a ressalva do preceito “salvo estipulação em contrário” concede a possibilidade das partes determinarem o prazo de prorrogação do contrato, em obediência ao princípio da liberdade contratual e nesse sentido conclui-se: “Não distinguindo a lei, não vemos por que motivo a ressalva da estipulação em contrário se haveria de aplicar apenas à faculdade de as partes estipularem a renovação automática. Por outro lado, seria incongruente que as partes pudessem afastar a possibilidade de renovação automática, num contrato que, nos termos do disposto no art.º 1095.º n.º 2 poderá ter a duração de um ano, mas caso o quisessem renovar já o teriam de fazer, imperativamente, por três anos. Cremos não fazer sentido esta interpretação”.

A decisão recorrida seguiu a primeira posição, sendo também a posição defendida pela apelada, na resposta ao recurso, para sustentar a decisão, a qual não acompanhamos, por se nos afigurar que os argumentos apresentados na segunda posição a respeito da interpretação do art.º 1096º/1 CC e do art.º 1110º/3, partindo do elemento literal, levam em consideração os elementos histórico e sistemático, sem ignorar o elemento teleológico, mostrando-se por isso, mais completa quanto ao sentido efetivo da norma.

É de considerar que o regime da renovação do contrato não faz parte do elenco das normas com caráter imperativo, previstas no art.º 1080º CC e a efetiva tutela do direito do arrendatário é concedida pelo regime do art.º 1097º/3 CC e pelo art.º 1110º/4 CC, quando limita o exercício do direito à oposição à renovação, por parte do senhorio.

Mostra-se inequívoca a redação do preceito quando prevê: “salvo estipulação em contrário” sem limitar tal estipulação à renovação automática do contrato. Tal limitação não se justificaria face à tradição legislativa que nunca excluiu a possibilidade das partes fixarem convenção quanto ao prazo de renovação.

Acresce de modo particular, na interpretação do art.º 1110ºCC, que se prevê expressamente no nº1 “1 — As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte”.

Estatui-se que as regras relativas à duração do contrato são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte.

Só na falta de estipulação das partes se aplica os prazos de duração do contrato previstos no preceito.

Prevendo a lei que as partes podem estipular o prazo de duração do contrato, compreende-se que o nº 3 do art.º 1110º CC se aplique apenas quando as partes nada convencionaram.

Anote-se que, de acordo com o disposto no art.º 9º do Código Civil, embora a interpretação não deva cingir-se à letra da lei, devendo ter-se principalmente em conta a unidade do sistema, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, bem como, nos termos do seu nº 3, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Este foi o entendimento, expresso pela aqui RELATORA no Ac. Rel. Porto 12 de julho de 2023, Proc. 19506/21.1T8PRT-A.P1 e no Ac. Rel. Porto 21 de outubro de 2024, Proc. 5746/22.0T8MTS.P1 (acessíveis em www.dgsi.pt).

Desta forma e aplicando tal interpretação ao caso concreto somos levados a concluir que assiste razão à apelante, quando pretende ver reconhecido que a cláusula contida no contrato que fixou o prazo de um ano de renovação do contrato mostra-se válida, porque respeita a liberdade das partes na fixação do conteúdo dos contratos e não contende com norma imperativa.

Com efeito, estamos na presença de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais com prazo certo, um ano, com início em 01 de março de 2021 e termo em 28 de fevereiro de 2022. Ficou convencionado a renovação automática do contrato pelo período de um ano. O contrato renovou-se automaticamente em 01 de março de 2022, pelo período de um ano. Ocorreu nova renovação em 01 de março de 2023, por um ano. Nova renovação em 01 de março de 2024, por um ano.

Em 10 de janeiro de 2025 a autora expediu carta com aviso de receção dirigida à ré a comunicar a cessação da renovação para 28 de fevereiro de 2025. A carta foi rececionada em 13 de janeiro de 2025.

A carta foi expedida e recebida no prazo no prazo convencionado no contrato (30 dias), facto que as partes não questionam.

Quando foi exercido pelo senhorio o direito de oposição à renovação não estava a decorrer o prazo de renovação por cinco anos, porque as partes convencionaram prazo diferente de renovação - um ano.

Não se justifica aplicar o prazo supletivo de renovação do contrato de cinco anos, porque as partes expressamente convencionaram um prazo de renovação, inferior a cinco anos, convenção válida ao abrigo do regime previsto no art.º 1110º/3 CC, na redação da Lei 13/2019 de 12 de fevereiro, pelos motivos que se deixaram expostos e por esse motivo não se pode manter a decisão recorrida que considerou que estava em curso o prazo de cinco anos de renovação do contrato, cujo termo ocorreria em 28 de fevereiro de 2027.

Na contestação, a título subsidiário, argumenta a apelada que mesmo que se considere que o contrato se renovou por períodos de um ano, a oposição à renovação não é eficaz, porque quando foi exercida e para a concreta data de 28 de fevereiro de 2025, ainda não tinham decorrido cinco anos sobre a data da celebração do contrato.

Este fundamento de oposição não foi apreciado na sentença, o que se compreende, porque ficou prejudicado pela solução da questão quanto ao prazo de renovação do contrato.

Contudo, perante a solução agora adotada e por se tratar de uma questão de direito, dispondo o processo de todos os elementos de facto para a sua apreciação e aplicando a regra da substituição ao tribunal recorrido, cumpre conhecer de tal fundamento (art.º 665º CPC), no sentido de determinar de que modo opera a oposição à renovação.

A aplicação da regra prevista no art.º 1110º/4 CC, tem também suscitado na doutrina e na jurisprudência, diferentes interpretações, quanto ao modo como opera a oposição à renovação: durante o prazo dos cinco anos e para o termo deste prazo, ou, só depois de completada a primeira renovação do contrato, ou seja, no final dos dez anos.

Existe uniformidade quanto à consideração do caráter imperativo da norma, no sentido de durante os cinco anos após a celebração do contrato o senhorio não pode opor-se à renovação.

O Ac. STJ 11 de janeiro de 2024, Proc. 1085/22.4YLPRT.P1.S1(acessível em www.dgsi.pt) sintetiza as diferentes posições e adota a posição que é por nós acolhida, nos termos que se passam a transcrever:

“[…]de que forma opera a declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento para fins não habitacionais.

A dúvida pode assim ser enunciada:

«[N]ão se compreende se o direito de oposição só “nasce” findos os cinco anos, como parece resultar da letra do n.º 4 do art.º 1110.º, ou se, pelo contrário, o legislador se limitou a deferir a produção dos efeitos do exercício do direito de oposição à renovação do contrato, quando deduzida pelo senhorio, para o fim do quinto ano de duração do contrato (...)» (Jéssica Rodrigues Ferreira, «Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais», in Revista Electrónica de Direito, Fevereiro 2020, n.º 1, vol. 21, pág. 84).

A primeira orientação foi a adotada pelos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.09.2022 (proc. n.º 1006/21.1T8CSC.L1-2) e de 27.10.2022 (proc. n.º 12613/21.2T8LSB.L1-6), ambos disponíveis em www.dgsi.pt. Nas palavras do sumário deste último acórdão:

«I - A norma contida no nº 4 do artigo 1110º do Código Civil não autoriza a interpretação de que, num contrato de arrendamento para fins não habitacionais livremente celebrado por cinco anos, o senhorio pode comunicar ao arrendatário a sua oposição à renovação do contrato para ter efeitos findo o prazo inicial do mesmo.

II – Tal norma deve ser interpretada no sentido que dela consta (com respeito aliás pela correspondência mínima com o texto) qual seja o de que qualquer que seja a duração do contrato, nos primeiros cinco anos contados do início da vinculação entre as partes, o senhorio não pode opor-se à renovação. (...)».

Tal orientação, conforme expressamente afirmado no acórdão de 29.09.2022, assenta na posição defendida por David Magalhães (ob. cit., pág. 575) segundo o qual «durante cinco anos em nenhum caso pode o arrendatário ser despejado por mera vontade do senhorio; se nada se convencionar sobre a renovação, a extinção ‘ad nutum’ só será alcançada mediante oposição à segunda renovação que pudesse ocorrer após o primeiro lustro contratual, garantindo-se ao arrendatário o mínimo de dez anos de duração contratual».

A posição alternativa – considerar que o n.º 4 do art.º 1110.º do CC deve ser interpretado no sentido de que a produção dos efeitos do exercício do direito de oposição à renovação do contrato se difere para o fim do quinto ano de duração do contrato – foi seguida pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ora recorrido, em termos assim sumariados:

«I - Nos termos do disposto no artigo 1110, n.º 4 do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, o senhorio não pode opor-se à renovação do contrato nos primeiros cinco anos de vigência do mesmo.

II - Porém, essa imposição não altera os prazos mínimos de comunicação da intenção de oposição que, num contrato com a duração de cinco anos, são necessariamente anteriores ao seu termo.

III – O que o citado preceito veio consagrar é, apenas, que o senhorio não pode pôr termo ao contrato, opondo-se à renovação, com efeitos a data anterior à correspondente ao decurso dos primeiros cinco anos.».

Em última análise, nesta linha de pensamento, advoga-se que o regime do n.º 4 do art.º 1110.º do CC deve ser interpretado em sentido equivalente ao disposto no n.º 3 do art.º 1097.º do mesmo Código a respeito do arrendamento para fins habitacionais; isto é, no sentido de que a declaração de oposição à renovação pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento não habitacional para produzir efeitos na data em que, sem a declaração de oposição, o contrato se renovaria.

A diferença de redação entre uma e outra norma tem, contudo, servido de base à defesa da posição oposta (cf. David Magalhães, ob. cit., pág. 568, nota 10), seguida, como se referiu, pelos referidos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.09.2022 e de 27.10.2022.

Quid iuris?

7.3. Tal como vem sendo assinalado (cf., por todos, Maria Olinda Garcia, ob. cit., pág. 25), a reforma do regime do arrendamento urbano realizada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, não prima pela clareza, suscitando múltiplas dúvidas interpretativas, das quais nos limitámos a salientar aquelas que se afiguram relevantes para a melhor compreensão da questão em discussão no presente recurso.

Assim, se, em tese geral, seria de atribuir relevância à diferença entre a redação do n.º 4 do art.º 1110.º («Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação») e a do n.º 3 do art.º 1097.º («A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data (...)»), o resultado, a nosso ver ilógico, resultante da atribuição de relevância a tal diferença de redação – transformando um prazo de vigência contratual de cinco anos, acordado entre as partes e correspondente ao prazo de renovação supletivo mínimo previsto no n.º 3 do art.º 1110.º, num prazo mínimo de vigência (para o senhorio) de dez anos –, leva-nos a ser favoráveis a que ambas as normas sejam interpretadas em sentido equivalente.

Com efeito, «ainda que o intérprete deva, na fixação do sentido da lei, presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, cremos que o objetivo do legislador terá sido tão-só o de garantir um prazo de duração efetiva de cinco anos. Por isso, atendendo à ‘ratio’ da norma, admitimos que ao senhorio deve ser permitido opor-se à renovação de um contrato celebrado pelo prazo inicial de cinco anos. De outro modo, dar-se-ia o resultado absurdo de o senhorio só poder terminar o contrato no seu décimo ano de duração» (André Mena Hüsgen, ob. cit., pág. 97).

Por outras palavas, entende-se que «o que se pretende é deferir a produção de efeitos da primeira oposição à renovação deduzida pelo senhorio, de forma a garantir que o contrato de arrendamento dure pelo menos três/cinco anos, consoante seja habitacional ou não habitacional (salvo se o arrendatário pretender antes disso opor-se à sua renovação ou denunciá-lo) e não impedir que, durante esses três/cinco anos, o senhorio possa exercer o seu direito de oposição à renovação, coartação essa da qual poderia, na prática, resultar uma duração mínima do contrato de arrendamento bastante superior àquela que o legislador quis acautelar e que se reflete, também, nos novos prazos supletivos [de três e cinco anos, respetivamente] de duração dos períodos de renovação dos contratos» (Jéssica Rodrigues Ferreira (ob. cit., pág. 85). […]

iii. E sendo a norma do n.º 4 do art.º 1110.º do Código Civil de interpretar no sentido de que a declaração de oposição à renovação pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais para produzir efeitos na data em que, sem a declaração de oposição, o contrato se renovaria”.

Neste sentido, já se tinha pronunciado o Ac. Rel. Porto 21 de novembro de 2023, Proc. 16892/22.0T8PRT.P1 e se pronunciaram os Ac. STJ15 de outubro de 2024, Proc. 1064/21.9T8AGD.P1.S1, Ac. Rel. Porto 11 de janeiro de 2024, Proc. 1085/22.4YLPRT.P1.S1 e Ac. Rel. Lisboa 10 de julho de 2025, Proc. 1736/24.6T8PDL.L1-6, este últimos, reproduzindo os argumentos dos doutos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (todos acessíveis em www.dgsi.pt).

Aplicando o exposto à situação dos autos, é forçoso concluir que a oposição à renovação não produz efeitos, porque apesar de exercida no período de cinco anos a contar da data do início do contrato, visava a cessação do contrato antes do termo do prazo de cinco anos, porque se pretendia que operasse para 28 de fevereiro de 2025, quando o termo do prazo de cinco apenas ocorreria em 28 de fevereiro de 2026.

O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de considerar eficaz a oposição, quando o termo do prazo de cinco anos ocorre na pendência da ação, como se decidiu no Ac. STJ 12 de dezembro de 2024, Proc. 138/20.8T8MDL.G1.S1 (acessível em www.dgsi.pt), quando refere: “a lei não faz depender a eficácia operativa da oposição de requisitos específicos quanto ao conteúdo da comunicação, acautelando apenas a forma escrita e a antecedência de 120 dias, donde o elemento /data do termo da prorrogação do contrato não nos parece essencial, mas acessória no esclarecimento do arrendatário.

Os Réus demonstraram compreender a vontade da Autora, logo reclamando a indemnização por benfeitorias, cientes do final do contrato. [...]

Proposta a ação em março de 2020, pendente na data do termo da última renovação - 31.12.2023 (data que o tribunal teve por correta) - há que atender aos efeitos jurídicos da superveniência de tal facto, compatível com a causa de pedir e o pedido - a eficácia da oposição à renovação do contrato na data mais próxima; não estando o tribunal limitado à alegação de direito das partes, a operar na data de 21.12.2023, à luz do quadro normativo”.

Não é, porém, esta a situação que se desenha nestes autos.

Mesmo que se admita que não estará vedado ao senhorio, respeitando a forma e a antecedência da comunicação – de modo a garantir ao arrendatário o prazo mínimo legalmente previsto para este poder organizar-se e proceder à entrega do locado – declarar a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento para o termo de uma renovação posterior àquela em curso, por ser o seu propósito colocar termo ao contrato, não se pode ignorar a especificidade do procedimento em causa, que exige que se mostre incumprida a obrigação da inquilina de desocupar o locado aquando da instauração do procedimento (art.º 15º/1 NRAU).

Como se observa no Ac. Rel. Lisboa 08 de fevereiro de 2022, Proc. 966/21.7YLPRT.L1-7 (acessível em www.dgsi.pt): “Embora o tribunal possa considerar, em procedimento especial de despejo, que a oposição pelo senhorio à renovação do contrato de arrendamento opere em data posterior à indicada por aquele, o procedimento só será viável se a data dessa renovação for anterior à instauração do referido procedimento, pois não poderia ter-se então como incumprida a obrigação da inquilina de desocupar o locado, como previsto no nº 1 do art.º 15 do NRAU”.

Conclui-se que não tendo decorrido cinco anos após o início do contrato, os quais apenas se completavam em 28 de fevereiro de 2026 (art.º 1110º/4 CC), não produz efeito a oposição à renovação para o dia 01 de março de 2025.

Na data em que foi instaurado o procedimento especial de despejo, em abril de 2025, não estava esgotado o prazo de cinco anos. Em 01 de março de 2025 o contrato renovou-se por mais um ano.

Não sendo eficaz a oposição à renovação, não estava a arrendatária obrigada a proceder à entrega do local arrendado e por esse motivo, não procede a pretensão de obter o despejo.

Procedem, em parte, as conclusões de recurso mantendo-se a sentença, ainda que com fundamentos distintos.


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Nos termos do art.º 527º CPC as custas são suportadas pela apelante e apelada, na proporção do decaimento, que se fixa em ¾ e ¼, respetivamente.

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III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e confirmar a decisão, ainda que com fundamentos distintos.


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Custas a cargo da apelante e apelada, na proporção do decaimento, que se fixa em ¾ e ¼, respetivamente.


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Porto, 10 de novembro de 2025

(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC)

Assinado de forma digital por

Ana Paula Amorim

Juiz Desembargador-Relator

Carla Fraga Torres – com declaração de voto

1º Adjunto Juiz Desembargador


Carla Fraga Torres- [Declaração de voto:

Revendo a posição adotada no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 23/09/2024 (proc. 63/23.0T8MTS.P1), em que intervim como 1.ª adjunta, por, reanalisados os argumentos das diferentes posições em confronto, ter concluído pelo carácter supletivo quer do n.º 1 do art.º 1096.º quer do n.º 3 do art.º 1110.º, ambos do Cód. Civil, inclusive no que respeita ao prazo mínimo de renovação do contrato de arrendamento - três e cinco anos, respetivamente, consoante se trate de um contrato de arrendamento para habitação ou um contrato de arrendamento para fins não habitacionais -, que se aplica apenas quando, a esse respeito, as partes nada convencionem, sem prejuízo, caso o façam, do respeito pelo limite de um ano previsto no art.º 1095.º, n.º 2 do CC].


Maria de Fátima Almeida Andrade

2º Adjunto Juiz Desembargador

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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.   [2] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pág. 156.
[3] ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, pág. 357.
[4]  Neste sentido Ac. STJ 30.09.2010 – Proc. 3860/05.5 TBPTM.E1.S1 – www.dgsi.pt.
[5] Cf. Ac. Rel. Coimbra 22 de novembro de 2022, Proc. 837/22.0YLPRT.C1, acessível em www.dgsi.pt
[6] MARIA OLINDA GARCIA “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019” JULGAR online, março de 2019, pág. 10-12.
[7] JORGE PINTO FURTADO Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, outubro de 2019, pág. 578-579.
[8] EDGAR ALEXANDRE MARTINS VALENTE Arrendamento Urbano – Comentário às Alterações Legislativas Introduzidas ao Regime Vigente, Reimpressão, maio de 2019, Almedina, Coimbra, pág. 31.