I - Em processo de execução, promovida a venda por leilão eletrónico, a apresentação de propostas de valor inferior ao valor base de venda equivale à falta de propostas, porque nesta modalidade de venda apenas as propostas de valor superior ao valor base de venda são suscetíveis de licitação.
II - Frustrada a venda em leilão eletrónico por falta de propostas estão preenchidos os pressupostos para promover a venda por negociação particular – art.º 832º/f) CPC.
III - Litiga com má-fé, nos termos do art.º 542º/2 a) CPC, quem reclama de decisão do agente de execução, bem sabendo e não podendo ignorar, a falta de fundamento da reclamação, por se reportar a factos relacionados com outro leilão eletrónico e procedimentos que não foram adotados, por falta de iniciativa da própria parte.
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I. Relatório
Na pendência do processo de execução para pagamento de quantia certa instaurado por AA, id. nos autos, contra BB e CC, ambos id. nos autos, encontrando-se o processo na fase da venda dos bens penhorados, veio em 20 de dezembro de 2024 o Agente de Execução formular o requerimento que se transcreve:
“Uma vez encerrado o leilão eletrónico em curso nestes autos, resulta da respetiva certidão não haverem sido efetuadas licitações superiores ao valor mínimo.
Nestes termos, a venda far-se-á ora na modalidade de negociação particular – al. f) do art.º 832º do CPC – da mesma designando-me encarregado da venda, podendo as partes, após serem notificadas, pronunciar-se no prazo de 10 dias, nos termos do nº 2 do artigo 833º do NCPC.
JUNTA: Certidão do leilão”.
“1 – O Senhor Agente de Execução vem optar com a presente notificação pela realização da venda executiva por negociação particular, fundamentando tal opção por se ter frustrado a venda em leilão eletrónico por falta de proponentes (alínea f) do artigo 832.º do C. P. C.
2 – Porém, antes da presente decisão do Senhor Agente de Execução, já haviam decorrido diligências que obstaram à conclusão do leilão eletrónico.
3 – Com efeito, no decurso do Leilão Eletrónico n.º ..., veio o Senhor Agente de Execução informar (Referência n.º 40677753), em 12/11/2024, que encerrado o leilão “resultou da respetiva certidão haver sido a licitação mais alta apresentada por DD, NIF ..., o qual ofereceu o preço de 356.227,50 euros. Sucede que notificado para proceder ao depósito do preço do mesmo não depositou o preço nem justificou a falta. Ouvidas as partes notificadas para de pronunciarem nos termos do artigo 825º do C P C, o Agente de execução notificou o proponente que apresentou a 2ª melhor proposta, proposta esta de valor igual ao Valor mínimo de venda. Veio este manifestar que não mantém o interesse na aquisição do bem em venda. Pelo exposto decide o AE inserir novo leilão na plataforma e-leilões”.
4 – Tal novo Leilão Eletrónico passou a ter a Referência n.º ....
5 – Subsequentemente, e já na pendência deste último citado Leilão Eletrónico, o Senhor Agente de Execução dá notícia das diligências ocorridas em 12/12/2024 e 19/12/2024, resultando do encerramento deste Leilão Eletrónico, que encerrou em 17/12/2024, pelas 10:00 horas, ter havido licitações, mas a maior licitação, no montante de € 305.880,42, não foi superior ao valor mínimo que era de € 352.750,00.
6 – Aqui chegados, é convocada a Executada para se pronunciar quanto à nomeação do Agente de Execução como encarregado de venda a realizar por Negociação Particular, de acordo com o previsto na alínea f) do artigo 832º do C. P. C.
7 – Ora, sabendo-se que na venda de imóvel por Negociação Particular será possível transacionar o imóvel por preço inferior ao valor base - € 352.750,00, a transição automática da frustrada venda por leilão eletrónico para a venda por negociação particular, necessitava de prospeção de mercado pelo encarregado de venda, mesmo propondo-se sê-lo o Agente de Execução, o que não consta que tenha sido efetuada qualquer diligência nesse sentido por parte do AE.
8 – Por outro lado, e conforme resulta dos itens 3, 4 e 5 supra referidos, não consta que o Senhor Agente de Execução tenha ouvido o exequente, o executado e os credores com garantia real sobre os bens em causa, tendo em vista optar entre a manutenção da venda, nos temos da alínea c) do n.º 1 do artigo 825.º do C. P. C., ou o decretamento da sua ineficácia, nos termos das alíneas a) ou b) do citado artigo.
9 – Nada disto tendo sido feito, e parecendo ser precipitada a colocação da venda na modalidade de Negociação Particular, a Executada, desde já, se opõe à venda do imóvel por Negociação Particular e, essencialmente com a nomeação do Agente de Execução como Encarregado de Venda.
10 – Acresce ainda que, o Senhor Agente de Execução não esgotou todos os mecanismos que lhe eram permitidos e exigidos pelo Artigo 825.º do C. P. C., passando automaticamente à venda por negociação particular, sem penalizar o proponente, liquidando a responsabilidade do mesmo, ou determinar que a venda ficasse sem efeito.
11 – Sem prescindir, sempre se dirá que, a presente venda em leilão eletrónico não se frustrou por falta de proponentes, mas antes por a maior licitação, no montante de € 305.880,42, não foi superior ao valor mínimo que era de € 352.750,00.
12 – Ora, não houve falta de proponentes, mas sim de proponente com licitações inferiores ao valor mínimo indicado pela venda em leilão eletrónico.
13 – Não é esse o pressuposto legitimador da conversão do leilão eletrónico em venda por Negociação Particular.
14 – Consequentemente, inexistem os pressupostos e legitimidade do Agente de Execução para converter o preferido leilão eletrónico em negociação particular, da qual se opõe a Executada, nos termos e fundamento supra expostos, e cuja reclamação ora solicita seja apreciada”.
“A Executada na reclamação apresentada não teve em consideração que estão em causa dois procedimentos autónomos, que, como tal, mereceram por parte do AE tratamento adequado a cada um deles e reclama como se estivesse em causa um único procedimento, quando sabe, porque o alega, (cf. pontos 3 e 4 da reclamação), que assim não é:
1. Procedimento
1_ A venda em leilão eletrónico (cf. ponto 3 da reclamação sob pronuncia) iniciado em 01/03/2024:
a) Verificada a falta de depósito do preço a que alude a Executada no ponto 3 da reclamação, o AE, ouvidas as partes (só a Executada se remeteu ao silêncio), notificou o proponente que ficou em segundo lugar para depositar o preço; e face à manifestação da sua perda de interesse (pelo decurso de longos 7 meses), decidiu determinar nova venda do imóvel, uma vez mais em leilão eletrónico;
b) Porém, não sem antes ter dado cumprimento ao disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 825º do C.P.C.;
c) Já no que concerne à liquidação da responsabilidade dos proponentes remissos, nenhum dos intervenientes, nem sequer a Executada, uma vez notificados não lançaram mão do disposto na alínea c) do artigo 825º do C.P.C.;
d) Esclarece o AE que, podendo, por determinação legal, “efetuar a venda (…) através da modalidade mais adequada (…)”, cuja escolha ficaria ao critério do AE – cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 825º do C.P.C. – ainda assim, optou pela manutenção da venda em leilão eletrónico, conforme decisão de 12/11/2024 (cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 825º do CPC), devidamente notificada às partes;
e) A mesma não foi objeto de reclamação, nem impugnação (nem sequer por parte da Executada), pelo que, mostrou-se esgotado o procedimento de venda em leilão eletrónico iniciado em 01/03/2024, com integral cumprimento do disposto no artigo 825º do C.P.C., procedimento que há muito transitou em julgado
O que significa dizer que a reclamação da Executada assenta num pressuposto errado do não cumprimento do artigo 825º do CPC.
2. Procedimento 2 _ A (nova) venda em leilão eletrónico a que alude o ponto 4 da reclamação sob pronúncia:
a) Uma vez concluída a venda em leilão eletrónico iniciada em 17/12/2024, ficou a mesma frustrada por falta de proponentes, uma vez que não existiram propostas iguais ou superiores ao valor mínimo exigível – como é consabido, a fixação do valor base é obrigatória em qualquer modalidade da venda executiva, como resulta do disposto no artigo 816º, nº 2 do CPC.
b) Como tal, as propostas inferiores ao valor mínimo não podem ser aceites, antes devem ser rejeitadas, aliás, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 816º do CPC e por força do disposto no n.º 3 do artigo 799º do CPC, as propostas apresentadas em valor inferior ao mínimo nem sequer devem ser apreciadas, pois não reúnem os pressupostos legais e, por isso, não são válidas.
c) Esta circunstância, necessariamente, afasta a aplicação do disposto no artigo 825º do CPC, sendo inconcebível, por ilegal, a pretensão da Executada de exigir o cumprimento de tal disposição legal;
d) Por tal facto, nos termos do disposto na alínea f) do artigo 832º do C.P.C. o AE comunicou às partes a alteração da modalidade da venda, para venda em negociação particular (cf. alínea d) do n.º 1 do artigo 811º do CPC).
A Executada, incorrendo em manifesto erro, censura a opção do AE, alegadamente, porque este “(…) não esgotou todos os mecanismos que lhe eram permitidos e exigidos pelo artigo 825º do C.P.C. passando automaticamente à venda por negociação particular (…)”.
Nada mais errado. Na nova venda em leilão eletrónico, cujo encerramento ocorreu no pretérito dia 17/12/2024 não houve propostas válidas, porque não existiu nenhuma de valor igual ou superior ao mínimo, logo, não é aplicável à situação concreta o disposto no artigo 825º do CPC, que é privativo das situações em que se verifica a falta do depósito do preço.
Assim, o AE está legitimado a promover a venda por negociação particular, como já o estaria no dia 12/11/2024 quando decidiu pela nova venda em leilão eletrónico, desde logo, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 825º do C.P.C.
Por outro lado, entende o AE que a reclamação da Executada assenta sobre um ato inexistente, que o AE ainda não praticou, sendo, portanto, extemporânea. É o que decorre da análise dos pontos 8 a 14 (por serem os que relevam e os anteriores, mera contextualização) em que fica patente a manifestação do receio por parte da Executada em relação à possibilidade (futura) de uma venda do imóvel por valor inferior ao mínimo, face à opção pela venda por negociação particular.
Por fim, o processo aguarda o exercício do contraditório, face à notificação do AE às partes nos termos do disposto na alínea f) do artigo 832º e n.º 2 do artigo 833º ambos do CPC, formalizada nos autos no pretérito dia 20/12/2024.
Por todo o exposto, o AE é do entendimento que a reclamação da Executada não deve merecer provimento, o que se requer”.
“Pelo exposto, julgo improcedente a reclamação do ato do SR AE apresentada pelos executados em 13.1.2025, mantendo a decisão do SR AE de 20.12.2024, que determinou, ao abrigo do disposto o art.º 832 al. f) do CPC, segundo o qual, a venda por negociação particular do imóvel penhorado nos autos.
Mais se decide condenar os executados como litigante de má fé na multa de 5 UC.
Custas do incidente de reclamação do ato a cargo dos executados/reclamantes com taxa de justiça que se fixa em 2 UC”.
(…)
(…)
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.
As questões a decidir:
- da rejeição do recurso por falta de conclusões;
- da verificação dos pressupostos para ser decretada a venda por negociação particular;
- litigância de má-fé.
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso, para além dos termos do relatório, cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
- Em 12-11-2024, o SR AE tomou a seguinte DECISÃO:
“Uma vez encerrado o leilão eletrónico ... relativo ao imóvel em venda nestes autos – designadamente fração autónoma destinada a habitação, composta por moradia triplex de cave, rés-do-chão e andar (casa geminada), designada pela letra B, de tipologia T3, com 196 m2 de área bruta privativa, 84,02 m3 de área bruta dependente e 16,08 de área de terreno integrante, localizada na Rua ..., freguesia ..., em Vila Nova de Gaia, inscrita na matriz predial urbana sob o n.º ...-B, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...-B, da mencionada freguesia - resultou da respetiva certidão haver sido a licitação mais alta apresentada por DD, NIF ..., o qual ofereceu o preço de 356.277,50 euros.
Sucede que, notificado para proceder ao depósito do preço o mesmo não depositou o preço nem justificou a falta.
Ouvidas as partes notificadas para se pronunciarem nos termos do artigo 825º do CPC, o Agente de Execução notificou o proponente que apresentou a 2ª melhor proposta, proposta esta de valor igual ao valor mínimo de venda.
Veio este 2º manifestar que não mantém o interesse na aquisição do bem em venda.
Pelo exposto decide o AE inserir novo leilão na plataforma e-leilões”.
- Esta decisão foi notificada às partes, incluindo aos executados, que dela não deduziram reclamação.
- Em 18.11.2024, o SR AE notificou mais uma vez as partes do seguinte:
“Fica V. Exa. pela presente notificado(a), que se encontra ativo o leilão eletrónico relativo ao bem em venda, o qual terminará às 10h00 do dia 17/12/2024”.
- Esta decisão foi também notificada às partes, aos executados, que dela não deduziram reclamação.
- Não houve colaboração por parte dos executados, que não se disponibilizaram a mostrar o imóvel, mesmo depois do SR AE ter indicado apenas um dia e hora para o efeito 16.12.2024 às 11h (cf. comunicação de 12.12 aos autos e email de interessados junto aos autos em 16.12.2024, e bem ainda comunicação do SR AE de 19.12.2024, da qual ressalta à evidencia que não lhe foi possível mostrar o imóvel)).
- Neste leilão eletrónico, não foram apresentadas quaisquer propostas, constando-se assim, que uma vez encerrado este novo leilão eletrónico em curso nestes autos, resulta da respetiva certidão não haverem sido efetuadas licitações superiores ao valor mínimo.
- Nessa sequência, e à ausência de propostas, o SR AE em 20-12-2024, tomou a seguinte DECISÃO:
“Uma vez encerrado o leilão eletrónico em curso nestes autos, resulta da respetiva certidão não haverem sido efetuadas licitações superiores ao valor mínimo.
Nestes termos, a venda far-se-á ora na modalidade de negociação particular – al. f) do art.º 832º do CPC – da mesma designando-me encarregado da venda, podendo as partes, após serem notificadas, pronunciar-se no prazo de 10 dias, nos termos do nº 2 do artigo 833º do NCPC”.
- O Agente de Execução juntou aos autos a certidão de encerramento de leilão, da qual flui que do valor mínimo para aquisição do imóvel penhorado nos autos - 352750,00 € - a melhor proposta apresentada foi de 305880,42 €, por isso inferior ao mínimo, razão pela qual o imóvel não pode ser vendido.
- Da admissibilidade do recurso -
Na resposta ao recurso o apelado considera não ser admissível o recurso, por carecer de conclusões, pois nas conclusões transcreveu-se o teor da motivação do recurso.
Cumpre apreciar se existe fundamento para rejeitar o recurso, por falta de conclusões.
Conforme determina o art.º 639º CPC “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Nos termos do art.º 641º/2b) CPC o requerimento de recurso é indeferido quando não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.
Estabelece a lei ao recorrente o ónus de alegação e de formular conclusões.
Através do ónus de alegação, o recorrente expõe ao tribunal superior as razões da sua impugnação, a fim de que o tribunal aprecie se tais razões procedem ou não.
O ónus de concluir constitui a enunciação abreviada dos fundamentos do recurso.
Referia a este propósito o Professor ALBERTO DOS REIS: “[…] a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta.
É claro que, para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação”[2].
No caso concreto, o recurso interposto pela apelante-executada contém conclusões. Contudo, a apelante nas conclusões de recurso reproduziu a motivação do recurso (com pequenas alterações), mas tal circunstância não justifica o imediato indeferimento do recurso, sem antes se dar a oportunidade de corrigir a peça processual.
Apesar de se vir entendendo na jurisprudência deste Tribunal da Relação[3] que tal situação equivale à falta de conclusões importando, por isso, a rejeição do recurso, o Supremo Tribunal de Justiça[4] tem entendido que o vício se enquadra na tipologia de “conclusões complexas”, mostrando-se excessivo rejeitar o recurso com tal fundamento, sugerindo, por isso, que deve ser formulado um convite no sentido do apelante sintetizar as conclusões.
Temos adotado esta interpretação, por se nos afigurar mais consentânea com o princípio da cooperação e que melhor garante o princípio da igualdade, quando está em causa aferir da regularidade formal das alegações, já que a lei prevê expressamente o aperfeiçoamento das conclusões deficientes, obscuras e complexas.
Optou o relator por não convidar a apelante a proceder ao aperfeiçoamento, porque a extensão das conclusões não impede o conhecimento do objeto do recurso, revelando o apelado igual conhecimento do seu conteúdo, atenta a forma exaustiva como rebateu os fundamentos do recurso.
Pelo exposto, não se rejeita o recurso, por falta de conclusões.
Nas conclusões de recurso, sob os pontos I a VI, o apelante insurge-se contra o segmento da decisão que indeferiu a reclamação do executado à decisão do Agente de Execução, na qual se opunha à realização de venda por negociação particular.
A decisão recorrida considerou que estavam reunidos os pressupostos para se realizar a venda por negociação particular, nos termos do art.º 832º/f) CPC.
Cumpre, pois, verificar se estão reunidos os pressupostos para determinar a venda por negociação particular.
A venda em processo de execução, pode revestir as modalidades previstas no art.º 811º CPC, constando entre estas, a venda por negociação particular (nº 1 alínea d)) e a venda em leilão eletrónico (nº1, alínea g)).
Em regra, a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender (art.º 812º/1 CPC).
A decisão tem como objeto: a modalidade da venda em relação a cada um dos bens objeto de penhora e o valor base dos bens a vender (art.º 812º/nº 2 al. a) e b) CPC).
Prosseguindo as diligências de venda, na modalidade de leilão eletrónico observam-se as formalidades previstas no art.º 837º CPC e Portaria 282/13 de 29 de agosto e no Despacho nº 12624/15 de 09 de novembro da Ministra da Justiça.
À negociação apenas acedem utilizadores registados no sistema, podendo os mesmos fazer licitação eletrónica, só podendo ser aceites ofertas de valor igual ou superior ao valor base da licitação de cada bem a vender e, de entre estas, é escolhida a proposta cuja oferta corresponda ao maior dos valores de qualquer das ofertas anteriormente inseridas no sistema para essa venda.
O valor base de avaliação fixado pelo agente de execução vai ditar o valor base de licitação.
A venda por negociação particular ocorre entre outras circunstâncias, quando se frustre a venda em leilão eletrónico por falta de proponentes (art.º 832ºf) CPC).
Nos termos do art.º 833º/1 CPC ao determinar-se a venda por negociação particular, designa-se a pessoa que fica incumbida, como mandatário, de a efetuar.
Como se prevê no nº2 do mesmo preceito, da realização da venda pode ser encarregado o agente de execução, por acordo de todos os credores e sem oposição do executado, ou, na falta de acordo ou havendo oposição, por determinação do juiz.
Argumenta o apelante, sob os pontos I a VI das conclusões de recurso, que o requerimento apresentado pelo agente de execução em 20 de dezembro de 2024 e dirigido ao juiz do processo não contém a explicitação das diligências efetuadas para a venda, relato das propostas que obteve, caraterísticas do bem e posição assumida pelos interessados, concluindo que não estava o juiz em condições de proferir a decisão recorrida que considerou estarem reunidos os pressupostos para prosseguir com a venda por negociação particular.
Cumpre ter presente que em sede de recurso não cumpre apreciar a decisão do agente de execução, mas tão-só reapreciar o despacho recorrido, pois apenas as decisões judiciais são suscetíveis de recurso.
Atendendo aos factos que sustentam a decisão e não foram impugnados, estão reunidos os pressupostos para se promover a venda por negociação particular.
Frustrou-se a venda por leilão eletrónico - leilão realizado em 17 de dezembro de 2024 -, porque não foram apresentadas propostas de valor superior ao valor base de venda. A inexistência de propostas ou a apresentação de propostas de valor inferior ao valor base de venda têm o mesmo tratamento à face da lei, porque apenas as propostas de valor superior ao valor base de venda determinam a licitação.
Da decisão do agente de execução constam as propostas que obteve, as quais vêm discriminadas na certidão que juntou com a decisão proferida em 20 de dezembro de 2024, motivo pelo qual no despacho recorrido se faz referência expressa ao valor da proposta que se aproximava do valor base de venda. Da mesma certidão consta a posição assumida pelos interessados proponentes, com a indicação das diferentes propostas, certidão que a apelante revelou conhecer, porque se reporta a tal documento no ponto II das conclusões de recurso.
Todas as partes no processo de execução foram notificadas para se pronunciarem sobre a proposta apresentada pelo Agente de Execução. O Agente de Execução não iniciou as diligências de venda nesta modalidade sem previamente levar a proposta ao conhecimento das partes no processo.
Na motivação do recurso a apelante, em abono da posição que defende, indica jurisprudência - Ac. Rel. Porto de 04 de abril de 2022, Proc. 11008/17.7T8PRT.P1 e Ac. Rel. Lisboa de 19 de novembro de 2019, Proc. 1242/15.0T8AGH-B.L1-7 (ambos acessíveis em www.dgsi.pt) -, mas sem qualquer utilidade para a apreciação do caso concreto, porque a situação de facto ali retratada não tem paralelo com a que se reaprecia nestes autos. Os doutos arestos versam sobre incidentes suscitados no decurso das diligências de venda por negociação particular. No caso concreto não se iniciaram as diligências de venda por negociação particular.
Conclui-se que foram transmitidos ao juiz do processo todos os elementos relevantes para proferir decisão sobre a reclamação, pois indicou-se a causa que determinou a não realização do leilão eletrónico e a nova modalidade de venda que se sugere, bem como, quem se designa para a realizar.
A decisão recorrida não merece censura, quando considerou estarem reunidos os pressupostos para prosseguir as diligências de venda, com a realização de venda por negociação particular, por se ter frustrado a venda por leilão eletrónico, nos termos do art.º 832º f) CPC.
Improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos I a VI.
Nas conclusões de recurso, sob os pontos VII a X, a apelante insurge-se contra o segmento da decisão que condenou a executada/reclamante como litigante de má-fé.
Cumpre apreciar se deve manter-se tal juízo de censura à conduta processual da executada.
Considerando os fundamentos da decisão no confronto com os factos provados, somos levados a concluir que a decisão não merece censura.
Na análise da questão não podemos deixar de ter presente o enquadramento e inserção no sistema jurídico, do instituto em causa, quando se reconhece o livre exercício do direito de ação, por recurso ao tribunal.
O Professor ALBERTO DOS REIS referia a este respeito:
“Dizemos “supostos[direitos]”, porque nunca se pôs, nem poderia pôr, como condição para o exercício do direito de ação ou de defesa que o autor ou o réu seja realmente titular do direito substancial que se arroga. Seria, na verdade, absurdo que se enunciasse esta regra: só pode demandar ou defender-se em juízo “quem tem razão”; ou, por outras palavras, só é lícito deduzir no tribunal pedidos ou contestações objetivamente fundados.
Só na altura em que o tribunal emite a sentença, é que vem a saber-se se a pretensão do autor é fundada, se a defesa do réu é conforme ao direito. De modo que exigir, como requisito prévio para a admissibilidade da ação ou da defesa, a demonstração da existência do direito substancial, equivalia, ou a cair numa petição de princípio, ou a fechar a porta a todos os interessados: aos que não têm razão e aos que a têm.
O Estado tem, pois, de abrir o pretório a toda a gente, tem de pôr os seus órgãos jurisdicionais à disposição de quem quer que se arrogue um direito, corresponda ou não a pretensão à verdade e à justiça”[5].
E na análise do instituto, nas considerações gerais, referia ainda, com mais propriedade: “[…] uma coisa é o direito abstrato de ação ou de defesa, outra o direito concreto de exercer atividade processual. O primeiro não tem limites; é um direito inerente à personalidade humana. O segundo sofre limitações, impostas pela ordem jurídica; e uma das limitações traduz-se nesta exigência de ordem moral: é necessário que o litigante esteja de boa-fé ou suponha ter razão”[6].
PEDRO DE ALBUQUERQUE no seu estudo sobre litigância de má-fé, salienta que: “[a] proibição de litigância de má fé apresenta-se, assim, como um instituto destinado a assegurar a moralidade e eficácia processual, porquanto com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça. O dolo ou má-fé processual não vicia vontades privadas nem ofende meramente interesses particulares das partes envolvidas. Também não se circunscreve a uma violação sem mais do dever geral de atuar de boa-fé. A virtualidade específica da má-fé processual é outra diversa e mais grave: a de transformar a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial”[7].
A lei enuncia no art.º 542º CPC as situações que qualifica como litigância de má-fé, considerando para esse efeito que litiga de má-fé, quem com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A lei especifica, assim, os comportamentos processuais suscetíveis de infringir os deveres de boa-fé processual e de cooperação. Integram-se na previsão da lei condutas que digam respeito a ofensas cometidas no exercício da atividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo.
Trata-se de uma ilicitude baseada na violação de posições e deveres processuais que, a serem atingidos, geram de imediato uma ilicitude sancionável independentemente da existência ou lesão de qualquer ilícito de direito substantivo[8].
Os comportamentos processuais são sancionados quer sejam dolosos, quer se devam a negligência grave da parte ou do seu representante ou mandatário, podendo por isso fundar-se em erro grosseiro ou culpa grave[9].
A doutrina tem distinguido as situações de má substancial e má-fé processual ou instrumental.
Diz-se haver má-fé substancial se a parte infringir o dever de não formular pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa, ou seja, se tiver violado o dever de verdade (art.º 542º/2 a) e b) CPC).
A má-fé instrumental verifica-se se a parte tiver omitido, com gravidade o dever de cooperação, tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (art.º 542º / 2 c) e d) CPC).
Contudo, em qualquer das circunstâncias, como refere PEDRO ALBUQUERQUE: “[…] está sempre em causa um uso manifestamente reprovável do processo ou de meios processuais com um de três fins enunciados no art.º 456º do CPC. Parece estar-se, pois, diante de situações configuradoras de meras violações de deveres e ou obrigações processuais”[10].
Repetidamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que “a litigância de má-fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta”[11], porque a lei impõe que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.
Argumenta a apelante que “não deve confundir-se a litigância de má-fé com:
a) A mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a juízo;
b) A eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar;
c) A discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, a diversidade de versões sobre certos factos ou a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr (RP 2-3-2010, 6145/09)”.
IX - Consequentemente, não existe qualquer litigância de má-fé na atuação da executada passível de ser punida com qualquer multa”.
Os argumentos apresentados não relevam para demonstrar a boa-fé processual da apelante.
Como se referiu, integram-se na previsão da lei condutas que digam respeito a ofensas cometidas no exercício da atividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo.
Os factos que revelam a litigância de má-fé não decorrem da fragilidade da prova, nem da discordância na interpretação e aplicação da lei. Pelo contrário, resultam do conhecimento dos factos pela executada e da deturpação do seu sentido e interpretação, porquanto a executada tomou conhecimento da marcação do leilão eletrónico realizado em 17 de dezembro de 2024, do desfecho do mesmo, sem propostas de valor superior ao valor base de venda, da certidão que contém as propostas apresentadas, mas mesmo assim veio opor-se à promoção das diligências de venda por negociação particular, sem indicar um fundamento ou motivo plausível.
Acresce que suscita o incumprimento do art.º 825º CPC, apesar de saber que não foi aceite qualquer proposta para aquisição do imóvel. No anterior leilão que se realizou o Agente de Execução deu cumprimento ao disposto no art.º 825º CPC até ao momento em que as partes no processo, entre as quais a executada, nada mais requereram.
Previamente, a executada/apelante não se opôs à marcação de novo leilão eletrónico, apesar de no anterior leilão ter surgido um proponente que não procedeu ao depósito do preço.
Refira-se, ainda, que está comprovado nos autos a notificação da decisão do Agente de Execução tomada em 20 de dezembro de 2024, no sentido de promover a venda por negociação particular.
Será prematuro concluir que o Agente de Execução vai promover a venda por um valor inferior ao valor base de venda, numa altura em que não se iniciaram as diligências de venda, nem o Agente de Execução indicou um valor base de venda diferente do inicial.
A apelante não ignorava todo o circunstancialismo descrito, bem sabendo que a oposição que apresentou não correspondia à realidade processual e por isso, não ignorava a falta de fundamento da oposição que formulou à decisão do agente de execução tomada em 20 de dezembro de 2024.
A conduta da executada merece censura, porque agiu com negligência grave, em manifesta violação dos deveres de colaboração e boa-fé processual, exigíveis de acordo com os padrões médios do homem comum, já que não podia ignorar o infundado da sua pretensão.
Como acima se referiu, independentemente da pretensão defendida, o que se mostra necessário é que o litigante esteja de boa-fé ou suponha ter razão, mas no caso concreto tal não se verifica.
Não merece censura o segmento da decisão que condenou a apelante como litigante de má-fé.
A apelante não se insurge contra o montante da multa arbitrado, pelo que, nada mais cumpre reapreciar.
Improcedem, desta forma, as conclusões de recurso, sob os pontos VII a X.
O apelado veio requerer a condenação da apelante como litigante de má-fé, em multa e em indemnização, traduzida no pagamento dos honorários à respetiva mandatária. Sustenta tal pretensão no facto do recurso ser manifestamente infundado, visando a apelante com a interposição do recurso entorpecer o exercício da justiça.
Tendo presente o que já se deixou dito sobre a natureza do instituto em causa, somos levados a considerar que a apelante veio interpor recurso no uso de uma faculdade que a lei concede, porquanto o recurso constitui o meio próprio de reagir contra uma decisão judicial.
Apesar do caráter infundado do recurso, não se pode concluir que a apelante revelou ter conhecimento da falta de fundamento e que agiu com o propósito de criar obstáculos ao exercício da justiça. Sob este aspeto, é de considerar que se limitou a defender uma interpretação da lei que não tem sustentação nos factos apurados, o que não é suficiente para revelar o uso indevido do processo.
Conclui-se que não resulta demonstrado que agiu com negligente grave, o que leva a considerar que a conduta processual, em fase de recurso, não é passível de censura.
Improcede o incidente.
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão.
Custas a cargo do apelado.