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ESCUSA
JUIZ
IMPARCIALIDADE
PARENTESCO
4.º GRAU DA LINHA COLATERAL
CONSELHO DE FAMÍLIA
PROTUTOR
VOGAL
Sumário
I. No regime do maior acompanhado, o Conselho de Família é um órgão consultivo que vigia a atividade do acompanhante e o protutor, garantindo a defesa dos interesses do maior acompanhado. II. O primeiro vogal do Conselho de Família é designado por lei de Protutor, podendo, se necessário, substituir o acompanhante em situações de conflito de interesses ou impedimento. III. Nos termos do disposto no artigo 900.º do CPC, na decisão do processo de acompanhamento de maior, reunidos os elementos necessários, o juiz designa o acompanhante e define as medidas de acompanhamento, nos termos do artigo 145.º do Código Civil e, quando possível, fixa a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes, podendo ainda proceder à designação de um acompanhante substituto, de vários acompanhantes e, sendo o caso, do conselho de família. IV. A factualidade aduzida no caso, não determina, nem objetiva, nem subjetivamente, a existência de circunstância ponderosa ou relevante, que induza a que se possa suspeitar do comportamento do julgador, pela mera relação de parentesco evidenciada com a protutora e vogal do conselho de família – relação de parentesco no 4.º grau da linha collateral com a juíza – em termos de quebra da sua imparcialidade.
Texto Integral
Pedido de escusa
Processo nº. 1396/25.8YRLSB
2.ª Secção
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I. A Sra. Juíza de Direito AA, a exercer funções no Juízo Local Cível de Sintra - Juiz (…), veio requerer ao abrigo do estabelecido nos artigos 119.º e 120.º do CPC, seja dispensada de intervir no Processo nº. 7141/25.0T8SNT, invocando, em suma, que:
- O referido processo - ação especial de acompanhamento de maior - em que é beneficiária BB, acompanhante CC - filho da beneficiária, Protutora DD e EE;
- A protutora, DD é companheira do filho da beneficiária há mais de vinte anos e a vogal FF, é filha de ambos;
- A protutora é prima direita da requerente da escusa, sendo as suas mães [respectivamente GG e HH] irmãs e, os seus pais [respectivamente, II e JJ], irmãos;
- A indicada vogal é igualmente prima da requerente;
- Atentas as relações familiares expostas, existe uma relação de proximidade entre a signatária, o indicado acompanhante e as indicadas protutora e vogal, pelo que a requerente receia que, atenta a relação de parentesco existente, possa criar-se no cidadão comum, sob a perspectiva objectiva, a suspeita quanto à sua imparcialidade na apreciação e decisão dos factos.
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II. Pretende a requerente ser dispensada de intervir nos autos identificados, através do presente pedido de escusa.
Nos termos plasmados no n.º. 1 do artigo 119.º do CPC, o juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir que seja dispensado de intervir na causa quando se verifique algum dos casos previstos, no artigo 120.º do CPC e, além disso, quando, por outras circunstâncias ponderosas, entenda que pode suspeitar-se da sua imparcialidade.
Conforme salienta Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, I, 1974, p. 320), “pertence pois a cada juiz evitar, a todo o preço, quaisquer circunstâncias que possam perturbar aquela atmosfera [de pura objectividade e de incondicional juridicidade] não (…) enquanto tais circunstâncias possam fazê-lo perder a imparcialidade, mas logo enquanto possam criar nos outros a convicção de que ele a perdeu”.
O artigo 32.º, n.º 9, da Constituição da República proclama que “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”. Assim se consagra, como uma das garantias do processo, o princípio do juiz natural ou legal, cujo alcance é o de proibir a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para decidir um caso submetido a juízo, em ordem a assegurar uma decisão imparcial e justa.
O juiz natural, consagrado na Constituição da República Portuguesa, só pode ser recusado quando se verifiquem circunstâncias assertivas, sérias e graves. E os motivos sérios e graves, tendentes a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador resultarão da avaliação das circunstâncias invocadas.
Para afastar o juiz natural não é suficiente um qualquer motivo que alguém possa considerar como gerador de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz. É preciso que o motivo seja sério e grave, pois o juiz natural só pode ser arredado se isso for exigido pela salvaguarda dos valores que a sua consagração visou garantir: imparcialidade e isenção. Por isso é excecional o deferimento de um pedido de escusa (cfr., Acórdão do STJ de 11-11-2010, Pº 49/00.3JABRG.G1, rel. MANUEL BRAZ; no mesmo sentido, vd. Ac. do STJ de 05-04-2000, in CJ, 2000, p. 244).
O TEDH – na interpretação do segmento inicial do §1 do art.º 6.º da CEDH, (“qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei”) - desde o acórdão Piersack v. Bélgica (8692/79), de 01-10-82 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57557) tem trilhado o caminho da determinação da imparcialidade pela sujeição a um “teste subjetivo”, incidindo sobre a convicção pessoal e o comportamento do concreto juiz, sobre a existência de preconceito (na expressão anglo-saxónica, “bias”) face a determinado caso, e a um “teste objetivo” que atenda à perceção ou dúvida externa legítima sobre a garantia de imparcialidade (cfr., também, os acórdãos Cubber v. Bélgica, de 26-10-84 (https://hudoc.echr.coe.int/ukr?i=001-57465), Borgers v. Bélgica, de 30-10-91, (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57720) e Micallef v. Malte, de 15-10-2009 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-95031) ).
Assim, o TEDH tem vindo a entender que um juiz deve ser e parecer imparcial, devendo abster-se de intervir num assunto, quando existam dúvidas razoáveis da sua imparcialidade, ou porque tenha exteriorizado relativamente ao demandante, juízos antecipados desfavoráveis, ou no processo, tenha emitido algum juízo antecipado de culpabilidade.
O pedido de escusa terá por finalidade prevenir e excluir situações em que possa ser colocada em causa a imparcialidade do julgador, bem como, a sua honra e considerações profissionais.
Efetivamente, não se discute se o juiz irá ou não manter a sua imparcialidade, mas, visa-se, antes, a defesa de uma suspeita, ou seja, o de evitar que sobre a sua decisão recaia qualquer dúvida sobre a sua imparcialidade.
A imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do processo justo.
O direito a um julgamento justo, não se trata de uma prerrogativa concedida no interesse dos juízes, mas antes, uma garantia de respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, de modo a que, qualquer pessoa tenha confiança no sistema de Justiça.
Do ponto de vista dos intervenientes nos processos, é relevante saber da neutralidade dos juízes face ao objeto da causa.
Com efeito, os motivos sérios e válidos atinentes à imparcialidade de um juiz terão de ser apreciados de um ponto de vista subjetivo e objetivo. O ponto de vista subjetivo visa apurar se o juiz deu mostra de interesse pessoal no destino da causa ou de um preconceito sobre o mérito da causa. O ponto de vista objetivo procura determinar se o comportamento do juiz, apreciado do ponto de vista do cidadão comum, pode suscitar dúvidas fundadas sobre a sua imparcialidade. Ao aplicar o teste subjetivo, a imparcialidade do juiz deve ser presumida e só factos objetivos evidentes devem afastar essa presunção (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-02-2018, Proc. 166/18.3YRLSB, 5.ª Secção, Des.Anabela Simões e Cid Geraldo, em: https://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=5385&codarea=57).
No n.º 1 do artigo 120.º do CPC consagram-se diversas situações em que ocorre motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, nomeadamente:
a) Se existir parentesco ou afinidade, não compreendidos no artigo 115.º, em linha reta ou até ao 4.º grau da linha colateral, entre o juiz ou o seu cônjuge e alguma das partes ou pessoa que tenha, em relação ao objeto da causa, interesse que lhe permitisse ser nela parte principal;
b) Se houver causa em que seja parte o juiz ou o seu cônjuge ou unido de facto ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta e alguma das partes for juiz nessa causa;
c) Se houver, ou tiver havido nos três anos antecedentes, qualquer causa, não compreendida na alínea g) do n.º 1 do artigo 115.º, entre alguma das partes ou o seu cônjuge e o juiz ou seu cônjuge ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta;
d) Se o juiz ou o seu cônjuge, ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha reta, for credor ou devedor de alguma das partes, ou tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a uma das partes;
e) Se o juiz for protutor, herdeiro presumido, donatário ou patrão de alguma das partes, ou membro da direção ou administração de qualquer pessoa coletiva parte na causa;
f) Se o juiz tiver recebido dádivas antes ou depois de instaurado o processo e por causa dele, ou se tiver fornecido meios para as despesas do processo;
g) Se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários.
De todo o modo, o magistrado tem de traduzir os escrúpulos ou as razões de consciência em factos concretos e positivos, cujo peso e procedência possam ser apreciados pelo presidente do tribunal (assim, Alberto dos Reis; Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. I, p. 436).
O pedido será apresentado antes de proferido o primeiro despacho ou antes da primeira intervenção no processo, se esta for anterior a qualquer despacho.
Quando forem supervenientes os factos que justificam o pedido ou o conhecimento deles pelo juiz, a escusa será solicitada antes do primeiro despacho ou intervenção no processo, posterior a esse conhecimento (n.º 2 do artigo 119.º do CPC).
Definindo a lei que o Juiz não é livre de, espontaneamente e sem motivo, declarar a sua potencial desconfiança em relação ao conflito de interesses a dirimir na ação, o legislador logo se preocupou em identificar os casos em que razões de ética jurídica impõem que ele não deva intervir em determinada causa e condensadas no princípio de que não pode ser levantada contra o Juiz da causa a mais ténue desconfiança orientada no sentido de que, o juízo que vai fazer sobre a questão posta pelas partes, poderá estar envolto em interesses sombrios e difusos e, por isso, passível de estar eivado de imperfeições que condicionem a sua liberdade de decisão. “Para tanto, foi preciso estabelecer um regime legal que fizesse o necessário equilíbrio entre um possível posicionamento de puro absentismo - declarar a sua parcialidade para se eximir ao julgamento de um intrincado litígio (era este um sistema possível nas Ordenações, porquanto permitia que o juiz fosse afastado do pleito desde que, mesmo sem adiantar qualquer razão, mediante juramento asseverasse a sua suspeição) - e a situação, deveras desprestigiante, de o Juiz ter de esperar que algum dos litigantes viesse trazer este dado ao Tribunal, circunstancialismo que ele já havia conjecturado e ao qual nunca poderia deixar de dar o seu assentimento” (assim, a decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2004, Pº 329/04-1, em http://www.dgsi.pt).
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III. A Sra. Juíza requerente vem referir que, no processo em questão é familiar dos intervenientes processuais, concretamente, que a protutora é sua prima direita, sendo as suas mães – da requerente da escusa e da protutora – irmãs, sendo a vogal, igualmente, prima da requerente.
Perante o referido, não se verifica situação de impedimento, nos termos do disposto no artigo 115.º, n.º 1, al. d) do CPC.
Por outro lado, o artigo 120.º do CPC - aplicável às situações de escusa – por remissão do artigo 119.º do CPC – salvaguarda diversas situações – tipificadas, exemplificativamente, nas várias alíneas do n.º 1 – em que existe circunstância ponderosa relacional que determina que possa suspeitar-se da imparcialidade do julgador.
E, relativamente à cláusula geral, estabelecida no n.º 1, do artigo 119.º do CPC – “quando por outras circunstâncias [além das enunciadas no artigo 120.º do CPC] ponderosas” possa suspeitar-se da imparcialidade do julgador, tal aferição da aparência “visa o processo concreto, o mesmo é dizer, é sobre o objecto do processo, sobre o mérito da decisão, da factualidade em que assenta e sobre os respectivos sujeitos processuais envolvidos, que há-de ser apreciada e aferida a suspeição do julgador. O motivo, sério e grave, gerador da desconfiança para que aponta aquele dispositivo legal, tem de ser concreto e concretizado face à matéria da causa e não ser aferido a partir de generalidades e abstracções” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-11-2019, Pº 186/17.5GCTVD.L1-A.S1, rel. FRANCISCO CAETANO).
Ora, no caso, nenhuma das alíneas do artigo 120.º do CPC consagra a situação invocada pela Sra. Juíza como suspeita, não se aferindo, nomeadamente que, pela mera relação de parentesco no 4º grau da linha colateral da Sra. Juíza de Direito, com a protutora e com a vogal indicadas, que ocorra situação ponderosa que permita suspeita sobre a imparcialidade do julgador.
Note-se que a intervenção da protutora e da vogal não ocorre no âmbito da causa como parte principal na causa, não se verificando que o interesse correspondente no processo, tenha tal valia.
De acordo com o disposto nos artigos 1951.º e 1952.º do Código Civil, o conselho de família é constituído por dois vogais, e pelo agente do Ministério Público, que preside.
Os vogais do conselho de família são escolhidos entre os parentes ou afins tomando em conta, nomeadamente, a proximidade do grau, as relações de amizade, as aptidões, a idade, o lugar de residência e o interesse manifestado pela pessoa a assistir.
Sempre que possível, um dos vogais do conselho de família pertencerá ou representará a linha paterna e o outro a linha materna.
No regime do maior acompanhado, o Conselho de Família é um órgão consultivo que vigia a atividade do acompanhante e o protutor, garantindo a defesa dos interesses do maior acompanhado
O/A primeiro/a vogal do Conselho de Família a lei chama, ainda, de Protutor, podendo, se necessário, substituir o/a acompanhante em situações de conflito de interesses ou impedimento.
Nos termos do disposto no artigo 900.º do CPC, na decisão do processo de acompanhamento de maior, reunidos os elementos necessários, o juiz designa o acompanhante e define as medidas de acompanhamento, nos termos do artigo 145.º do Código Civil e, quando possível, fixa a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes e pode ainda proceder à designação de um acompanhante substituto, de vários acompanhantes e, sendo o caso, do conselho de família.
A factualidade aduzida pela Sra. Juíza não determina, nem objetiva, nem subjetivamente, a existência de circunstância, muito menos ponderosa ou relevante, que induza a que se possa suspeitar do comportamento do julgador, pela mera relação de parentesco evidenciada com a protutora e vogal do conselho de família.
Os pedidos de escusa pressupõem situações excecionais em que pode questionar-se sobre a imparcialidade devida ao julgador, o que, em face do referido, entendemos não se patentear no caso.
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IV. Pelo exposto, desatende-se a pretensão de escusa formulada pela Sra. Juíza de Direito AA.
Sem custas.
Notifique.