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MARCAS
DIREITO DE EXCLUSIVIDADE
INFRACÇÃO
RISCO DE CONFUSÃO
Sumário
SUMÁRIO (da responsabilidade do Relator) A. No presente recurso relativo a procedimento cautelar julgado improcedente pelo tribunal a quo, a Recorrente pretende, em essência, proibir a Recorrida de usar o termo “Billion” em relação a barras proteicas por esta comercializadas, arrogando-se, para tanto, da titularidade da marca da União Europeia “Billionaire Bar”, registada para assinalar, entre outros, “Suplementos nutricionais; Barras nutricionais para substituição de refeições para aumentar os níveis de energia” (Classe 5), “Alimentos proteicos, nomeadamente manteiga de amendoim, manteiga de sementes, snacks à base de leite e soro de leite, iogurtes proteicos” (Classe 29) e “Barras de cereais com alto teor de proteína; Barras de cereais e barras energéticas; Preparações à base de cereais; Misturas alimentares constituídas por flocos de cereais e frutos secos enriquecidos com vitaminas, minerais e proteínas; Confeitos enriquecidos com minerais e proteínas; Produtos de chocolate enriquecidos com minerais e proteínas” (Classe 30). B. No que ao produto da Recorrida concerne, para determinar a origem empresarial deste, cremos que o consumidor deste tipo de produtos, cujo nível de atenção é relativamente alta, terá em conta a marca efetivamente aposta na embalagem dos produtos, ou seja, o termo “Prozis”, e interpretará o termo “Billion”, não como indicativo da origem empresarial do produto, mas como uma expressão meramente indicativa de uma suposta qualidade do produto, em concreto, o seu carácter excecional, raro, único ou singular. C. Isto num contexto factual onde se apurou que existem várias receitas como “Millionaire’s Shortbread” e “Billionaire’s Tart” que são considerados como clássicos da confeitaria britânica e que o conceito “Millionaire” significa que o doce é rico, luxuoso e indulgente, algo digno de um milionário. Resultou, ademais, (indiciariamente) provado que o uso das designações Million, Millionaire, Billion e Billionaire está amplamente disseminado no sector alimentar. D. Assim sendo, e tendo em conta que o direito exclusivo inerente ao registo de uma marca deve ser reservado aos casos em que o uso do sinal por um terceiro afeta ou é suscetível de afetar as funções da marca, nomeadamente a sua função essencial, que é a de garantir aos consumidores a proveniência do produto, conclui-se que a Recorrida não violou o direito de exclusivo da Recorrente e, assim, o recurso é julgado improcedente.
Texto Integral
Acordam na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Recorrente/Requerente: FA TRADEMARKS ZARĘBSKA SPÓLKA JAWNA, sociedade polaca, com sede em Localização 1
Recorridos/Requeridos: PROZIS.COM, S.A., com sede na Localização 2, ... (Madeira), Portugal
1. A Requerente intentou, em 12-03-2025, contra as Requeridas, procedimento cautelar, ao abrigo do artigo 345.º do CPI, no qual pediu que fosse decretada providência:
• Ordenando à Requerida que cesse imediatamente qualquer uso da designação "Billion", incluindo: na comercialização de produtos, em material publicitário, em websites e redes sociais e em qualquer outro suporte ou meio, seja ele físico ou digital;
• Ordenando à Requerida que retire do mercado todos os produtos com a designação infratora ou outra com ela confundível, todo o material publicitário e todas as referências em pontos de venda que constituam infração da marca da Requerente;
• Ordenando à Requerida que remova todas as referências online, todas as publicações em redes sociais, todos os anúncios digitais que constituam infração da marca da Requerente;
• Ordenando a apreensão de todos os produtos infratores, a retirada de todo o material publicitário e de quaisquer outros suportes com a designação infratora;
• Ordenando à Requerida que se abstenha da continuação da violação;
• Fixando sanção pecuniária compulsória de € 1.000,00 (mil euros) por cada dia de incumprimento de qualquer das medidas ordenadas”.
2. Para tanto, alegou, em síntese que:
• A Requerente é titular da marca da União Europeia "Billionaire Bar", nº 018579064, registada para as classes 5, 29, 30 e 32, que inclui barras proteicas e suplementos nutricionais.
• A Requerida atua no mesmo setor de mercado que a Requerente, comercializando barras proteicas sob a designação "Billion", bem como manteiga de amendoim, cremes de chocolate, molhos, snacks proteicos e outros alimentos saudáveis, igualmente sob a designação “Billion”.
• A comercialização das barras proteicas pela Requerida ocorre de forma contínua e sistemática, verificando-se que o sinal utilizado pela Requerida apresenta um grau de semelhança muito significativo com a marca da UE, tanto visualmente como foneticamente, sendo suscetível de gerar risco de confusão ou, no mínimo, de associação entre o sinal utilizado e a marca registada, agravada pela prática de atos de concorrência desleal, causando prejuízos graves e potencialmente irreparáveis à Requerente.
3. Regularmente citada, a requerida deduziu Oposição, pugnando pela total improcedência do procedimento cautelar, para tanto alegando, em síntese, o seguinte:
a. Quaisquer direitos decorrentes do registo de marca da União Europeia nº 018579064 Billionaire Bar, da titularidade da Requerente, seriam sobre o conjunto dos elementos – o todo identificativo, que compõem o sinal Billionaire Bar, e não sobre e relativamente a cada um dos elementos, considerados de forma isolada e/ou parte de cada um dos referidos elementos.
b. O sinal , utilizado pela Requerida, e a marca da União Europeia n.º 018579064 “Billionaire Bar” da requerente, não apresentam quaisquer semelhanças suscetíveis de induzir o consumidor em erro ou confusão.
c. Aliás, o consumidor sabe perfeitamente, porque é de conhecimento generalizado, que os termos BILLION, BILIONAIRE e MILLIONAIRE são termos puramente descritivos de um tipo de receita há muito divulgada e generalizada. Nestas receitas descreve-se o millionaire / billionaire ou o millionaire’s / billionaire´s shortsbread como sendo um shortbread com uma cobertura de caramelo e chocolate.
d. Nestes termos, o elemento identificativo de origem comercial do sinal identificativo da marca da Requerente “Billionaire Bar” é impossível de identificar, já que esta marca é apenas e exclusivamente constituída por elementos genéricos – o elemento Billionaire – identificativo da receita do produto e – Bar – isto é, barra, elemento identificativo do próprio produto. Daqui se retira que o sinal/marca “Billionaire Bar” não está apto a cumprir a sua função distintiva.
e. Em sede de alegada concorrência desleal, a atuação da Requerida em nada contraria as normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica.
4. Após julgamento, o tribunal a quo proferiu despacho final em 14-07-2025 (doravante sentença recorrida), que julgou a providência improcedente e, consequentemente, absolveu a Requerida de todos os pedidos contra si formulados.
5. De tal sentença a Requerente interpôs o presente recurso de apelação.
Conclusões e pedido do recurso (reprodução integral)
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou improcedente o procedimento cautelar interposto pela Apelante contra o uso da designação "Billion" pela Apelada em barras proteicas.
B. A sentença recorrida padece de vícios graves e inaceitáveis de motivação de facto e de direito, constituindo violação do artigo 607.º, n.º 5 do CPC, nomeadamente:
• Contradição interna flagrante na apreciação dos factos provados
• Desconhecimento dos direitos conferidos pelo registo de marca da União Europeia
• Aplicação incorreta dos critérios legais e jurisprudenciais de confundibilidade
C. Contrariamente ao decidido na sentença a quo, existe semelhança conceptual, visual e fonética evidente entre "BILLIONAIRE BAR" e "BILLION", sendo ambos utilizados para produtos rigorosamente idênticos (barras proteicas) dirigidos ao mesmo público-alvo específico.
D. A Apelante tem direito exclusivo constitutivo decorrente do registo da marca da União Europeia n.º 018579064, que impede o uso de sinais idênticos ou semelhantes que gerem risco de confusão ou associação, nos termos do artigo 9.º do Regulamento (UE) 2017/1001.
E. Os produtos comercializados pelas partes concorrem no mesmo mercado especializado (barras proteicas e suplementos nutricionais), dirigindo-se ao mesmo segmento específico de consumidores, utilizando os mesmos canais de distribuição.
F. Existe risco evidente e incontornável de confusão e associação no espírito do consumidor médio entre os sinais "BILLIONAIRE BAR" e "BILLION", agravado pela identidade dos produtos e do contexto comercial.
G. A argumentação sobre a alegada "inspiração na receita tradicional inglesa" é juridicamente irrelevante e logicamente contraditória com o reconhecimento simultâneo de que os produtos concorrem no mesmo mercado.
H. A sentença recorrida ignora completamente os direitos exclusivos conferidos pelo registo de marca da UE, fazendo tábua rasa da proteção legal da Apelante e violando a hierarquia das normas jurídicas.
I. A alegada existência de "dezenas de outras marcas" com expressões similares não foi minimamente demonstrada e, ainda que fosse, não afastaria o direito exclusivo constitutivo da Apelante.
J. A data de início da comercialização pela Apelada é absolutamente irrelevante, uma vez que o registo de marca é constitutivo do direito e a proteção retroage à data de depósito (15 de outubro de 2021).
K. A decisão recorrida contraria jurisprudência consolidada e uniforme do STJ e do TJUE sobre critérios de confundibilidade de marcas e aplicação do princípio da interdependência dos fatores.
L. O tribunal a quo procedeu a dissecação analítica dos sinais em vez da apreciação sintética global exigida pela jurisprudência, invertendo os critérios de prevalência das semelhanças sobre as diferenças.
M. Estão plenamente verificados todos os pressupostos do procedimento cautelar previsto no art. 345.º do CPI: titularidade do direito de propriedade industrial e violação efetiva com lesão grave e dificilmente reparável.
N. A violação dos direitos da Apelante causa diluição da força distintiva da marca, confusão no mercado e prejuízos económicos dificilmente reparáveis por via da mera indemnização.
O. A manutenção da situação atual prejudica gravemente os interesses legítimos da Apelante e contraria os princípios fundamentais da propriedade intelectual e da concorrência leal.
P. A apreciação da semelhança entre "BILLION" e "BILLIONAIRE BAR" deve ser feita de forma holística, tendo em conta a impressão global no espírito do consumidor médio.
Q. O termo "BAR" é descritivo e não distintivo, não sendo relevante para efeitos comparativos.
R. Mesmo quando a marca anterior possui distintividade reduzida, a existência de sinais e produtos semelhantes é suficiente para estabelecer o risco de confusão.
S. A simples referência a outras marcas com o termo "Billion" ou "Billionaire" não tem qualquer valor jurídico, sem prova de coexistência pacífica e ausência de confusão junto do público-alvo e para produtos idênticos.
T. O EUIPO já decidiu favoravelmente em casos estruturalmente idênticos (EUROMILLIONS vs. EUROMILLIONAIRE e 1 MILLION vs. Milli O'Naire), estabelecendo precedentes directos que demonstram a incorrecção da decisão recorrida.
U. A decisão recorrida contraria precedentes consolidados do EUIPO em casos análogos, violando o princípio da aplicação coerente do direito da União Europeia em matéria de propriedade intelectual.
Nestes termos e nos demais que doutamente sejam supridos, a Apelante, mui respeitosamente, requer a V. Exas. se dignem dar provimento ao presente recurso de apelação, revogando a sentença apelada e, consequentemente, decretando as providências cautelares requeridas, ordenando à Apelada que cesse imediatamente qualquer uso da designação "Billion" em produtos que colidam com a marca "BILLIONAIRE BAR" da Apelante, como se afigura de DIREITO e de JUSTIÇA.
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6. A Recorrida respondeu ao recurso pugnando, em suma, pela improcedência do recurso com a consequente manutenção do decidido.
7. Em sede do presente recurso de apelação, foi cumprido o disposto nos artigos 657.º, n.º 2 e 659.º, do Código de Processo Civil.
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QUESTÕES
8. Antes de enunciarmos as questões a que o presente tribunal cumpre responder, haverá que recordar que, segundo jurisprudência constante, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de questão que delas não conste.
9. É também consensual na jurisprudência dos tribunais portugueses que importa não confundir questões, cuja omissão de pronúncia desencadeia nulidade da decisão nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, com argumentos, razões ou motivos que são aduzidos pelas partes em defesa ou reforço das suas posições, aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada.
10. Feitos estes esclarecimentos prévios, vejamos as questões suscitadas no recurso em apreciação:
i. A Recorrida, ao comercializar barras proteicas em embalagens contendo o termo “Billion”, violou o direito de exclusivo inerente à marca da União Europeia “Billionaire Bar”, titulada pela Recorrente, provocando, assim, “confusão” entre tais sinais, devendo, em consequência, ser decretada a providência cautelar requerida?
ii. Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, justifica-se a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória nos termos requeridos?
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FUNDAMENTAÇÃO
De Facto
11. A decisão recorrida fixou a factualidade nos termos que se passa a expor.
Com exclusão da matéria conclusiva e de direito e tendo em vista a factualidade relevante para a decisão da causa, resultam indiciariamente provados os seguintes factos:
1. A Requerente é titular da marca da União Europeia nº 018579064, "Billionaire Bar", requerido em 15 de Outubro de 2021 e concedido em 15 de Março de 2022, destinado a assinalar as classes 5 da Classificação de Nice: Suplementos alimentares para consumo humano; Suplementos dietéticos; Suplementos nutricionais; Suplementos dietéticos de glucose; Suplementos dietéticos de proteína; Suplementos alimentares contendo cafeína; Suplementos alimentares contendo taurina; Suplementos dietéticos e nutricionais; Suplementos nutricionais; Barras nutricionais para substituição de refeições para aumentar os níveis de energia; Vitaminas e preparações vitamínicas; Suplementos vitamínicos e minerais; Suplementos dietéticos à base de aminoácidos; Bebidas vitaminadas; Bebidas de suplemento dietético; Misturas para bebidas de suplementos nutricionais em pó; Substitutos de refeições em pó; Suplementos dietéticos líquidos; Suplementos alimentares minerais; Suplementos minerais nutritivos; Suplementos alimentares minerais; Suplementos dietéticos em pó para uso humano contendo colagénio e ácido hialurónico; Suplementos dietéticos para uso humano com adição de frutas ou vegetais; a Classe 29 da Classificação Internacional de Nice: Manteiga de frutos secos; Coberturas de frutos de casca rija; Lanches à base de frutos, lanches de legumes, lanches à base de nozes, lanches à base de soja; Alimentos proteicos, nomeadamente manteiga de amendoim, manteiga de sementes, snacks à base de leite e soro de leite, iogurtes proteicos; Bebidas proteicas, nomeadamente bebidas proteicas à base de leite; Bebidas à base de leite e iogurte sendo bebidas proteicas e alimentos à base de leite, sementes, frutos de casca rija e carne para uso durante a prática de exercício físico, sob a forma de barras alimentares; Bebidas à base de leite e iogurte enriquecidas com vitaminas e alimentos à base de leite, sementes, frutos de casca rija e carne enriquecidos com vitaminas, sob a forma de barras alimentares, batidos e bebidas proteicas; Bebidas à base de leite e iogurte sendo batidos e bebidas proteicas enriquecidas com minerais e alimentos à base de leite, sementes, frutos de casca rija e carne enriquecidos com minerais, sob a forma de barras alimentares; Bebidas à base de leite e iogurte enriquecidas com hidratos de carbono e sendo bebidas proteicas e alimentos à base de leite, sementes, frutos de casca rija e carne enriquecidos com hidratos de carbono, sob a forma de barras alimentares; Bebidas à base de leite e iogurte enriquecidas com fibras e alimentos à base de leite, sementes, frutos de casca rija e carne enriquecidos com fibras, sob a forma de barras alimentares; Barras de aperitivo à base de sementes; Pastas feitas com frutos de casca rija; Produtos para barrar à base de oleaginosas; Pastas para barrar à base de amendoim; Pastas para barrar à base de castanha de caju; Pastas de frutos de casca rija com café e baunilha; Pastas de frutos de casca rija com coco; Pastas de frutos de casca rija com sabor de pão de especiarias; Pastas de frutos de casca rija com laranja; Pastas de frutos de casca rija com banana; Pastas de frutos de casca rija com cacau; Pastas de frutos de casca rija com sabores; Pastas de frutos de casca rija com caramelo; Doces de fruta para barrar; Pastas à base de tâmaras; Manteigas de frutos de casca rija em pó; a Classe 30ª da Classificação Internacional de Nice: Barras de cereais com alto teor de proteína; Barras de cereais e barras energéticas; Preparações à base de cereais; Misturas alimentares constituídas por flocos de cereais e frutos secos enriquecidos com vitaminas, minerais e proteínas; Confeitos enriquecidos com minerais e proteínas; Produtos de chocolate enriquecidos com minerais e proteínas; Produtos de confeitaria com frutos de casca rija, enriquecidos com vitaminas, minerais e proteínas; Panquecas [crepes]; Pastas de chocolate; Produtos para barrar, de chocolate, contendo oleaginosas; Sanduíches barradas com creme de chocolate e frutos secos; a Classe 32 da Classificação Internacional de Nice: Águas minerais [bebidas]; Bebidas desportivas; Bebidas energéticas; Bebidas energéticas contendo cafeína; Bebidas isotónicas; Bebidas à base de proteínas; Bebidas com elevado teor de hidratos de carbono; Pós para a preparação de bebidas; Produtos em pó para a preparação de bebidas, incluindo à base de hidratos de carbono, albumina e aminoácidos; Bebidas gaseificadas sem álcool.
2. A Requerida PROZIS.COM, S.A. (ZONA FRANCA DA MADEIRA), é uma sociedade anónima, e que tem por objeto social a atividade económica de “Comércio eletrónico, por grosso, importação e exportação de suplementos alimentares, produtos naturais e dietéticos, vestuário, acessórios de moda, perfumes, equipamento eletrónico e informático e de rádio- frequência.”
3. A requerida é detida integralmente pela PROZIS.GROUP, S.A., uma sociedade comercial de direito português que detém, igualmente, as participações de várias outras sociedades comerciais, sendo a Prozis.Foods, S.A., a que ora mais releva, por ser responsável pela parte mais substancial do fabrico de produtos alimentares.
4. Os produtos alimentares em análise nos autos foram concebidos e fabricados, na sua totalidade, pela Prozis.Foods, S.A., que conta nos seus quadros com uma equipa de R&D.
5. A Requerida comercializa os seus produtos através da sua plataforma on-line, mas também através do Mass Market, em cadeias de distribuição em Portugal e por toda a Europa, entre as quais se destacam a Modelo Continente, a Auchan, o grupo Jerónimo Martins, o Carrefour, o El Corte Ingles, o grupo Carrefour, o grupo Conad, entre vários outros.
6. A Requerida distribui também os produtos em farmácias e lojas especializadas em suplementos nutricionais.
7. A Requerida é titular, entre muitos outros, do registo de marca nacional n.º 594431 PROZIS, para assinalar, entre outros, produtos nas Classes 5ª, 25ª, 28ª, 29ª, 30ª, 31ª, 32ª, entre os quais se destacam suplementos alimentares e barras de cereais com alto teor de proteína.
8. A Requerida é titular do registo de marca nacional n.º 594348 PROZIS, para assinalar, entre outros, produtos nas Classes 5ª, 25ª, 28ª, 29ª, 30ª, 31ª, 32ª, entre os quais se destacam suplementos alimentares, barras de cereais e barras de cereais com alto teor de proteína.
9. A Requerida é titular do registo de marca da União Europeia n.º 6820203 PROZIS, para assinalar, entre outros, serviços na Classe 35ª da Tabela Classificativa Internacional, entre os quais se destacam os serviços de venda por grosso e a retalho através da Internet de produtos alimentares; importação e exportação.
10. A Requerida é titular do registo de marca da União Europeia n.º 17901096 PROZIS, para assinalar, entre outros, produtos nas Classes 5ª, 25ª, 28ª, 29ª, 30ª, 31ª, 32ª, entre os quais se destacam suplementos alimentares, barras de cereais e barras de cereais com alto teor de proteína:
11. A Requerida é titular do registo de marca da União Europeia n.º 17901362 PROZIS, para assinalar, entre outros, produtos nas Classes 5ª, 25ª, 28ª, 29ª, 30ª, 31ª, 32ª, entre os quais se destacam suplementos alimentares, barras de cereais e barras de cereais com alto teor de proteína.
12. A Requerida, no âmbito da legítima prossecução do seu objeto social, concebeu, desenvolveu e concretizou uma barra proteica que designou e designa comercialmente de PROZIS PROTEIN PEANUT BAR BILLION.
13. A conceção e desenvolvimento da barra proteica que a Requerida designou e designa comercialmente de PROZIS PROTEIN PEANUT BAR BILLION, teve início em meados do ano de 2020 e a sua comercialização iniciou-se no princípio do ano de 2022.
14. A Requerida comercializa a sua barra PROZIS PROTEIN PEANUT BAR BILLION sob a seguinte aparência comercial:
15. Existem várias receitas como “Millionaire’s Shortbread” e “Billionaire’s Tart” que são considerados como clássicos da confeitaria britânica.
16. O conceito “Millionaire” significa que o doce é rico, luxuoso e indulgente, algo digno de um milionário.
17. Existem inúmeras publicações e tutoriais de vídeo que fazem referência e ensinam a fazer a receita Millionaire.
18. Nestas receitas descreve-se o millionaire/billionaire ou o millionaire’s/billionaire´s shortsbread como sendo um shortbread com uma cobertura de caramelo e chocolate.
19. O uso das designações Million, Millionaire, Billion e Billionaire está amplamente disseminado no sector alimentar.
20. Existem inúmeras marcas e fabricantes que usam as designações ou sinais Million, Millionaire, Billion e Billionaire, para identificarem o seu produto, entre as quais: - NESTLÉ CARNATION para a Billionaire's Shortbread incorpora o elemento dourado de forma ainda mais explícita - https://www.carnation.co.uk/recipes/billionaires-shortbread-recipe: • KitKat (Nestlé): 'Millionaire’s Shortbread'
• Wonka Millionaire’s Nestlé • McVities Billions Wafer
• JBs Power Trek Power Millionaire’s Shortbread • Hotel Chocolat: 'Billionaire’s Shortbread'
• Skinny Dream Millionaire’s Shortbread
• Charbonnel et Walker Milk Sea Salt Billionaire’s Shortbread Truffles
• Asda Millionaires Shortbread
• Billionaire’s Praline Barre • Pangburn’s Millionaires
• Love Cocoa Billionaire Chocolate Bar • Ridiculously Rich Millionaire Brownie
• Friars Millionaire’s Shortbread Chocolates
1. Em 03.07.2025, a requerida intentou, junto do Instituto de Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), ação de invalidade do registo da marca da União Europeia n.º 18579064 BILLIONAIRE BAR.
Factos não provados
1. A marca “Billionaire Bar”, adquiriu substancial reputação no mercado de barras proteicas e suplementos nutricionais.
2. A Requerida vende atualmente para mais de 110 países.
3. A Requerida tem mais de três milhões de Clientes com registo ativo e mais de 50,000 promotores e influenciadores que divulgam a marca PROZIS, em todo o Mundo.
4. A Requerida ganhou, por várias vezes, o prémio de ESCOLHA DO CONSUMIDOR, mais precisamente, nos anos consecutivos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020.
5. A Requerida participa em vários projetos de R&D e de ID e marca presença assídua nas principais feiras do sector em toda a Europa. *
De Direito A Recorrida, ao comercializar barras proteicas em embalagens contendo o termo “Billion”, violou o direito de exclusivo inerente à marca da União Europeia “Billionaire Bar”, titulada pela Recorrente, provocando, assim, “confusão” entre tais sinais, devendo, em consequência, ser decretada a providência cautelar requerida?
12. Alega a Recorrente que “[o]s produtos comercializados pelas partes concorrem no mesmo mercado especializado (barras proteicas e suplementos nutricionais), dirigindo-se ao mesmo segmento específico de consumidores, utilizando os mesmos canais de distribuição” e, em consequência, diferentemente do que entendeu o tribunal a quo, “existe risco evidente e incontornável de confusão e associação no espírito do consumidor médio entre os sinais "BILLIONAIRE BAR" e "BILLION"”. Mais salienta a Recorrente o seguinte: “A argumentação sobre a alegada "inspiração na receita tradicional inglesa" é juridicamente irrelevante e logicamente contraditória com o reconhecimento simultâneo de que os produtos concorrem no mesmo mercado.”
13. Por sua vez, defende a Recorrida que o tribunal a quo decidiu corretamente, destacando que “na análise do requisito de violação efectiva do direito ou a sua violação iminente, Cfr. nº 2 do artigo 345º do CPI, considerou não se encontrar verificado este requisito, por ter considerado que o uso comercial que a Requerida e ora Apelada faz da descrição “PROZIS PROTEIN PEANUT BAR BILLION”, na sua embalagem não viola os direitos decorrentes do registo de marca da União Europeia n.º 018579064 “BIILIONAIRE BAR” da titularidade da Requerente e ora Apelante”. Mais realça: “o uso das designações Million, Millionaire, Billion e Billionaire está amplamente disseminado no sector alimentar, naturalmente, num produto alimentar que tem por base uma receita de bolacha à base de manteiga – shortbread - com uma cobertura de caramelo e chocolate, seja este produto alimentar, uma barra alimentar, uma barra alimentar proteíca, uma barra de chocolate, um bombom”.
Apreciação da questão por este tribunal
14. O procedimento cautelar intentado enquadra-se especificamente na previsão do artigo 345.º do Código da Propriedade Industrial.
15. Sob a epígrafe “Providências cautelares”, dispõe aquele normativo:
“1 - Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial ou de segredo comercial, pode o tribunal, a pedido do interessado, decretar as providências adequadas a:
a) Inibir qualquer violação iminente; ou
b) Proibir a continuação da violação.
2 - O tribunal exige que o requerente forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular do direito de propriedade industrial ou do segredo comercial, ou que está autorizado a utilizá-lo, e que se verifica ou está iminente uma violação.
3 - As providências previstas no n.º 1 podem também ser decretadas contra qualquer intermediário cujos serviços estejam a ser utilizados por terceiros para violar direitos de propriedade industrial ou segredos comerciais.
4 - Pode o tribunal, oficiosamente ou a pedido do requerente, decretar uma sanção pecuniária compulsória com vista a assegurar a execução das providências previstas no n.º 1.
5 - Ao presente artigo é aplicável o disposto nos artigos 341.º a 343.º
6 - A pedido da parte requerida, as providências decretadas a que se refere o n.º 1 podem ser substituídas por caução, sempre que esta, ouvido o requerente, se mostre adequada a assegurar a indemnização do titular.
7 - Na determinação das providências previstas no presente artigo, deve o tribunal atender à natureza dos direitos de propriedade industrial ou do segredo comercial, salvaguardando, nomeadamente, a possibilidade de o titular continuar a explorar, sem qualquer restrição, os seus direitos.”
16. Face a este normativo, o procedimento cautelar depende dos seguintes requisitos:
a. a titularidade de um direito de propriedade industrial da Requerente;
b. a violação efetiva desse direito;
c. ou violação iminente do direito e, nesse caso, que essa violação seja suscetível de causar lesão grave e dificilmente reparável (cf. Ac. TRL de 10-02-2009, proc. 2974/2008.4TVLSB.L1-7 ou, mais recentemente, Ac. TRL de 12-10-2022, processo n.º 453/21.3YHLSB.L1-PICRS).
17. Quanto ao primeiro requisito, a marca da União Europeia nº 018579064, “Billionaire Bar” (sinal verbal), efetivamente encontra-se registada a favor da Recorrente, desde 15 de Março de 2022, para assinalar uma multiplicidade de produtos (cf. facto provado 1.1), entre os quais, “Suplementos nutricionais; Barras nutricionais para substituição de refeições para aumentar os níveis de energia” (Classe 5), “Alimentos proteicos, nomeadamente manteiga de amendoim, manteiga de sementes, snacks à base de leite e soro de leite, iogurtes proteicos” (Classe 29) e “Barras de cereais com alto teor de proteína; Barras de cereais e barras energéticas; Preparações à base de cereais; Misturas alimentares constituídas por flocos de cereais e frutos secos enriquecidos com vitaminas, minerais e proteínas; Confeitos enriquecidos com minerais e proteínas; Produtos de chocolate enriquecidos com minerais e proteínas” (Classe 30).
18. Segundo o disposto no artigo 17.º do Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de junho de 2017 sobre a marca da União Europeia (doravante, RMUE), “[o]s efeitos da marca da UE são exclusivamente determinados pelo disposto no presente regulamento. Por outro lado, as infrações a marca da UE são reguladas pelo direito nacional em matéria de infrações a marcas nacionais nos termos do disposto no capítulo X.”
19. Segundo o artigo 9.º, n.º 1 a 3 do RMUE:
“1. O registo de uma marca da UE confere ao seu titular direitos exclusivos.
2. Sem prejuízo dos direitos dos titulares adquiridos antes da data de depósito ou da data de prioridade da marca da UE, o titular dessa marca da UE fica habilitado a proibir que terceiros, sem o seu consentimento, façam uso, no decurso de operações comerciais, de qualquer sinal em relação aos produtos ou serviços caso o sinal seja:
a) Idêntico à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca da UE foi registada;
b) Idêntico ou semelhante à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais a marca da UE foi registada, se existir risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;
c) Idêntico ou semelhante à marca da UE, independentemente de ser utilizado para produtos ou serviços idênticos, ou afins àqueles para os quais a marca da UE foi registada, sempre que esta última goze de prestígio na União e que a utilização injustificada do sinal tire indevidamente partido do caráter distintivo ou do prestígio da marca da UE ou lhe cause prejuízo.
3. Ao abrigo do n.º 2, pode ser proibido, nomeadamente:
a) Apor o sinal nos produtos ou na embalagem desses produtos;
b) Oferecer os produtos, colocá-los no mercado ou armazená-los para esses fins, ou oferecer ou prestar serviços sob o sinal;
c) Importar ou exportar produtos sob o sinal;
d) utilizar o sinal como designação comercial ou denominação social, ou como parte dessa designação ou denominação;
e) Utilizar o sinal em documentos comerciais e na publicidade;
f) Utilizar o sinal na publicidade comparativa, de forma contrária à Diretiva 2006/114/CE.” (sublinhados nossos).
20. Por sua vez, resulta do artigo 1.º do Código de Propriedade Industrial que a propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza.
21. Neste domínio, como é sabido, a marca destina-se a distinguir produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas (artigo 208.º, in fine, do CPI), não sendo admissíveis, nomeadamente, marcas desprovidas de qualquer carácter distintivo; os sinais constituídos, exclusivamente, por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos; as marcas constituídas, exclusivamente, por sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio (artigo 209.º, n.º 1, alínea a), c) e d), do CPI).
22. Daí que se afirme que a função essencial da marca é a função de garantir aos consumidores a proveniência do produto ou serviço (a chamada função de indicação de origem), ainda que possa complementarmente desempenhar outras funções, designadamente, a função de garantia da qualidade dos produtos e serviços e/ou as funções de comunicação, de investimento ou de publicidade.
23. No âmbito do Direito das Marcas os direitos exclusivos adquiridos pelo respetivo registo visam, portanto, regular a concorrência e não propriamente a restringir. Deve, antes do mais, garantir-se que os sinais distintivos possam coexistir no mercado, desde que não haja risco de confusão entre eles da perspetiva do respetivo consumidor, prevenindo-se que este atribua a determinados produtos assinalados por aqueles, uma origem empresarial comum, quando na realidade provêm de empresas perfeitamente distintas.
24. É neste contexto que melhor se compreende o Ac. TJUE de 12-11-2002, Arsenal v. Reed, C- 206/01, ECLI:EU:C:2002:651, quando afirma no seu n.º 51, que o direito exclusivo inerente à marca é “concedido para permitir ao titular da marca proteger os seus interesses específicos como titular da marca, ou seja, assegurar que a marca possa cumprir as suas funções próprias. O exercício deste direito deve, por conseguinte, ser reservado aos casos em que o uso do sinal por um terceiro afeta ou é suscetível de afetar as funções da marca, nomeadamente a sua função essencial, que é a de garantir aos consumidores a proveniência do produto.”
25. Como vimos supra, a marca da UE titulada pela Requerente trata do sinal verbal “Billionaire Bar”. É neste contexto que a Requerente vem defender a efetiva violação pela Requerida da marca da União Europeia nº 018579064, “Billionaire Bar” (sinal verbal), através da utilização por esta, em embalagens de barras proteicas por si comercializadas, da expressão “Billion”, porquanto tal uso implica um risco evidente e incontornável de confusão e associação no espírito do consumidor médio.
26. Ora, segundo a matéria de facto provada, a Requerida, no âmbito da prossecução do seu objeto social, concebeu, desenvolveu e concretizou uma barra proteica que designou e designa comercialmente de PROZIS PROTEIN PEANUT BAR BILLION. É, portanto, em relação a estas barras proteicas ou, mais rigorosamente, como veremos melhor infra, os dizeres apostos nas respetivas embalagens, que emerge a presente controvérsia.
27. Os produtos da Requerida são, pois, inequivocamente afins a alguns dos produtos que a marca da EU da Requerente visa assinalar, em especial, diversos tipos de “Suplementos nutricionais; Barras nutricionais para substituição de refeições para aumentar os níveis de energia” (Classe 5), “Alimentos proteicos, nomeadamente manteiga de amendoim, manteiga de sementes, snacks à base de leite e soro de leite, iogurtes proteicos” (Classe 29) e “Barras de cereais com alto teor de proteína; Barras de cereais e barras energéticas; Preparações à base de cereais; Misturas alimentares constituídas por flocos de cereais e frutos secos enriquecidos com vitaminas, minerais e proteínas; Confeitos enriquecidos com minerais e proteínas; Produtos de chocolate enriquecidos com minerais e proteínas” (Classe 30).
28. Mais resultou provado que:
“1.5. A Requerida comercializa os seus produtos através da sua plataforma on-line, mas também através do Mass Market, em cadeias de distribuição em Portugal e por toda a Europa, entre as quais se destacam a Modelo Continente, a Auchan, o grupo Jerónimo Martins, o Carrefour, o El Corte Ingles, o grupo Carrefour, o grupo Conad, entre vários outros.
1.6. A Requerida distribui também os produtos em farmácias e lojas especializadas em suplementos nutricionais.”
29. É neste contexto que a Requerida comercializa a sua barra proteica na seguinte embalagem:
30. A imagem em causa torna-se mais clara e legível se tomarmos em conta o produto junto aos autos em 13-05-2025 (ref.ª 136985) e respetiva imagem:
31. É neste contexto que a sentença recorrida afirma: “Comecemos por apurar se o sinal utilizado pela Requerida “Prozis Protein Peanut Bar Billion” é idêntico ou semelhante à marca registada da Requerente, “Billionaire Bar”. Idêntico seguramente não é, e, salvo o devido respeito por opinião contrária, também não é semelhante.”
32. Ora, apesar de afastar semelhanças entre os sinais do modo descrito, um pouco depois afirma a sentença recorrida que “os sinais apenas têm em comum a palavra ‘Billion’. E é este termo que a Requerente pretende que a recorrida deixe de usar.”
33. Admitimos que a sentença recorrida é pouco clara nas passagens aludidas. Efetivamente, se por um lado afirma inexistir semelhanças entre os dizeres “Prozis Protein Peanut Bar Billion” e “Billionaire Bar”, por outro admite que têm em comum a expressão “Billion”.
34. De qualquer modo, após estas considerações, a sentença recorrida concluiu o seguinte:
“Aqui chegados, o primeiro dos requisitos exigidos para que se decrete a providência cautelar - a titularidade de um direito de propriedade industrial, encontra-se verificado.
Mas, o segundo - a violação efectiva do direito ou a sua violação iminente, susceptível de causar lesão grave e dificilmente reparável, não está verificado, pois a descrição usada pela Requerida, “Prozis Protein Peanut Bar Billion”, na sua embalagem é distinta e não se confunde com a marca “Billionaire Bar” da Requerente, nem se pode dizer que se mostra possível a associação à mesma origem empresarial, na medida em que na descrição usada pela Requerida consta, efectivamente, a sua marca “PROZIS”.”
35. Vejamos da correção desta conclusão.
36. Como é sabido, existe risco de confusão entre sinais (incluindo um risco de associação) se existir a possibilidade de o público relevante - o consumidor atual ou potencial dos produtos em questão -, considerar que os produtos ou serviços em causa, presumindo que ostentam o sinal em questão, provêm da mesma empresa ou de empresas economicamente ligadas (associação), consoante o caso.
37. Quer as instâncias da Justiça Europeia (TJ e TG) quer o nosso Supremo Tribunal de Justiça têm pugnado que em última instância a conclusão sobre a existência ou não de risco de confusão se deverá basear na impressão global deixada na memória de um consumidor médio do tipo de produtos em causa.
38. O juízo de existência ou não de risco de confusão entre os sinais em confronto, depende de uma apreciação global de vários fatores interdependentes, nomeadamente:
i. a intensidade da semelhança/afinidade entre os produtos e serviços,
ii. a semelhança dos sinais em situação de conflito,
iii. os elementos distintivos e dominantes dos sinais,
iv. o carácter distintivo da marca anterior, e
v. o público relevante.
39. No conhecido acórdão do TJUE de 11-11-1997, Sabel v. Puma, C-251/95, ECLI:EU:C:1997:528, n.º 23, o Tribunal afirmou que “(...) apreciação global deve, no que respeita à semelhança visual, fonética ou conceptual das marcas em causa, basear-se na impressão de conjunto produzida pelas marcas, atendendo, designadamente, aos elementos distintivos e dominantes destas”.
40. Tomando em conta estas considerações, em primeiro lugar, há que ter em conta o tipo de consumidor dos produtos em questão.
41. Como vimos supra, a marca titulada pela Recorrente assinala uma multiplicidade de produtos, com destaque para suplementos nutricionais e outros produtos alimentares relacionados com a saúde.
42. Por seu turno, os produtos comercializados pela Recorrida têm a mesma natureza e fins, sendo vendidos através dos canais de distribuição normais (supermercados, etc.) e também por via de canais especializados (farmácias e lojas especializadas em suplementos nutricionais).
43. Ora, no caso de suplementos nutricionais, o TG já teve oportunidade de afirmar que o consumidor médio deste tipo de produtos presta uma atenção relativamente elevada na respetiva escolha. Como se refere no Ac. TG de 16-12-2020, Gustopharma Consumer Health, T‑883/19, ECLI:EU:T:2020:617 , n.º 30: “where the goods in question are dietetic products in general and dietary supplements, which strictly speaking are not medicines, but nevertheless constitute goods in the field of health, since in general they are intended to improve health, which may be regarded as products to which consumers, who are reasonably well informed and reasonably observant and circumspect, pay a high level of attention (see judgment of 20 September 2018, UROAKUT, T‐266/17, EU:T:2018:569, paragraph 28 and the case-law cited).”
44. Os sinais em confronto, recorde-se, são “Billionaire Bar” (Marca da EU, registada a favor da Requerente) e “Prozis Protein Peanut Bar Billion”, destacando-se deste o vocábulo “Billion” (usado pela Recorrida nas embalagens do produto).
45. Ainda no que à marca registada da Requerente concerne, a palavra “Billionaire” assumirá predominância relativamente ao segundo termo “Bar”, pelo menos quando estamos a lidar com barras alimentares. Efetivamente, aqui, “Bar”, querendo dizer “barra” (na língua inglesa), não faz mais do que descrever uma característica deste tipo de produtos, que é a sua forma em barra. Como é sabido, os elementos puramente descritivos de uma marca são destituídos de capacidade distintiva (cf. veja-se, especificamente no domínio de barras nutricionais e o termo “bar”, Ac. TG de 08-11-2018, Perfect Bar, T-759/17, ECLI:EU:T:2018:760, n.º 35 e 42).
46. Por seu turno, conforme resulta do já supra exposto, não pode haver dúvidas de que alguns produtos assinalados pela marca registada da Recorrente, têm elevada afinidade com a barra proteica comercializada pela Recorrida.
47. Neste contexto, dir-se-ia, numa análise superficial, que igual intensidade de proximidade pode ser afirmada entre os termos “Billionaire” e “Billion”, daí que se deva concluir, tal como faz a Recorrente, pela evidente confundibilidade entre os sinais.
48. Efetivamente, o termo “Billionaire” presente na marca da Recorrente, quer dizer, em inglês, uma pessoa muito rica, um bilionário. Assim sendo, quando empregue para assinalar barras nutricionais, aludirá a uma característica especial do produto, dando a ideia de ser especial e acessível a muito poucos.
49. Por seu turno, a expressão “Billion” usada na embalagem do produto da Recorrida, empregue, aliás, por duas vezes (cf. imagem supra em n.º 30), é também usado em sentido laudatório, ou seja, no sentido de que é um produto excecional ou, como se diz na própria embalagem, um produto num bilião (em inglês, “one in a billion”).
50. Obviamente que, para além da semelhança conceitual, também existe proximidade visual e fonética entre os sinais, pois a expressão “Billion” contém-se, nos seus exatos termos, dentro da expressão “Billionaire”.
51. Seguindo-se, pois, esta linha de argumentação, tender-se-ia a concordar com o alegado pela Recorrente.
52. Numa análise mais refletida, contudo, chegamos a conclusão diversa.
53. Como é sabido, termos como “super”, “ultra”, “mega”, “deluxe”, etc., por serem laudatórios dos produtos que assinalam, tem fraca ou nula capacidade distintiva. Neste sentido, considerando termos que indicam qualidades supostamente excecionais de determinados produtos, com sentido laudatório, tais como “ultra” e “extra”, veja-se o Ac. TG de 12-06-2024, Amstel Brouwerij v. EUIPO, T-170/23, ECLI:EU:T:2024:375, n.ºs 51 e 52.
54. É certo que, no caso concreto, os termos são usados de forma aparentemente mais nuançada, ou seja, de forma menos diretamente laudatória, do que termos como “super”, “mega”, deluxe”, “ultra” ou “extra”.
55. No entanto, se atentarmos nos factos provados n.ºs 1.15 a 1.20, facilmente chegamos à conclusão de que, no segmento do mercado alimentar em causa, os termos em questão são, ao que tudo indica, usados de forma genérica e comum, com o sentido laudatório aludido.
56. Apurou-se, além do mais, que existem várias receitas como “Millionaire’s Shortbread” e “Billionaire’s Tart” que são considerados como clássicos da confeitaria britânica e que o conceito “Millionaire” significa que o doce é rico, luxuoso e indulgente, algo digno de um milionário.
57. Resultou, ademais, expressamente provado em 1.19 dos factos (indiciariamente) provados que o uso das designações Million, Millionaire, Billion e Billionaire está amplamente disseminado no sector alimentar.
58. E não se diga aqui que tais usos são aqui juridicamente irrelevantes, como parece defender a Recorrente. Nesta sede, há que notar que não estamos no plano puramente registal do Direito das Marcas, onde as comparações entre sinais são realizadas, em essência, em abstrato. Encontramo-nos antes perante um procedimento cautelar que alega a efetiva violação de uma marca registada através de um uso concreto imputado à Recorrida.
59. Assim sendo, tomando em conta que o consumidor deste tipo de produtos, como vimos supra, será mais atento do que o consumidor de outros tipos de produto, podemos ter por seguro que este irá ter em conta o contexto descrito naquela factualidade quando efetuar a sua escolha.
60. Nestes termos, e no que ao produto da Recorrida concerne, para determinar a origem deste, parece-nos que o consumidor terá em conta a marca efetivamente aposta nos produtos, ou seja, o termo “Prozis”, e interpretará o termo “Billion”, não como indicativo da origem empresarial do produto, mas como uma expressão meramente indicativa de uma suposta qualidade do produto, como vimos, o seu carácter excecional, raro, único ou singular.
61. E isto num contexto onde as demais expressões apostas nas embalagens dos produtos da Recorrida, não passam de inequívocas descrições de carácteísticas dos mesmos – tais como “Protein Peanut Bar”, que se traduz para barra proteica de amendoim –, e como tal desprovidas de qualquer capacidade distintiva.
62. Ainda podemos, pois, concordar com a sentença recorrida quando conclui que não se mostra preenchido o segundo requisito para decretar as providências requeridas, em concreto, a violação da marca da UE titulada pela Requerente, por inexistir risco de confundibilidade entre a marca “Billionaire Bar” e o vocábulo “Billion” aposto nas embalagens do produto comercializado pela Requerida.
63. Tal como referido supra em n.º 24, o direito exclusivo inerente à marca deve ser reservado aos casos em que o uso do sinal por um terceiro afeta ou é suscetível de afetar as funções da marca, nomeadamente a sua função essencial, que é a de garantir aos consumidores a proveniência do produto. In casu, não se vislumbra, pois, que ocorra a afetação da função essencial da marca titulada pela Recorrente.
64. De notar, por fim, que os casos decididos pelo EUIPO (EUROMILLIONS vs. EUROMILLIONAIRE e 1 MILLION vs. Milli O'Naire), salientados pela Recorrente no sentido de estabelecerem “precedentes diretos”, além de não constituírem verdadeiros precedentes (no sentido de serem vinculativos para os tribunais), dizem respeito a produtos e serviços que nada têm a ver com os em causa nestes autos. O significado dos termos aí discutidos difere, por isso, enormemente do significado laudatório dos termos aqui em causa. Não se vislumbra, assim, a pertinência daquelas decisões para o presente caso.
65. Conclui-se, em suma, pela improcedência do recurso.
66. A resposta à segunda questão supra enunciada mostra-se prejudicada.
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DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar o recurso improcedente e, em consequência, mantém-se o decidido na sentença recorrida.
Custas pela Recorrente (artigo 539.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
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Lisboa, 29-10-2025
Alexandre Au-Yong Oliveira
A.M. Luz Cordeiro
Carlos M. G. de Melo Marinho