MARCA
IMITAÇÃO
CARÁCTER DISTINTIVO
JURISDIÇÃO PLENA
Sumário

Sumário (da responsabilidade da Relatora):
I- O carácter distintivo de uma marca ocorre, no sentido vertido no art. 208º do CPI, quando essa marca permite identificar o produto/serviço como provindo de uma empresa determinada, distinguindo-o do produto/serviço prestado por outras empresas.
II- A falta de carácter distintivo constitui um dos fundamentos de nulidade do registo da marca, prevista nos arts. 209º nº 1 al a), 231º nº 1 al. b) e c) e 259º nº 1 do CPI.
III- Na análise da marca nacional nº 354866 atendeu-se aos elementos nominativos, gráficos e figurativos, e à combinação dos mesmos que conferem uma composição com força distintiva.
IV- O recurso de plena jurisdição, previsto no artº 38º alínea b) do CPI, não confere ao tribunal competência para analisar pedidos que não estejam concretamente relacionados com a decisão administrativa recorrida.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
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I. RELATÓRIO:
1. PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, SA intentou ao abrigo do disposto nos artigos 38.º e seguintes do Novo Código da Propriedade Industrial, recurso do despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, proferido em 27 de Agosto de 2024, de indeferimento do pedido de declaração de nulidade da marca nacional nº 354866 . Pedindo que, se revogue o despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, proferido em 27 de Agosto de 2024, por violação do disposto nos artigos 259.º, n.º 1 e 231.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPI, sendo substituído por decisão que declare a nulidade parcial do registo da marca nacional n.º 354866 para as classes 33 e 35º e, caso assim não se entenda, deverá, subsidiariamente, ser declarada a impossibilidade de apropriação exclusiva da expressão “Clube do Vinho”, individualmente considerada, ao abrigo do artigo 209.º, n.º 2, 1.ª parte do CPI, para os produtos e serviços das classes 33 e 35 assinalados no registo de marca impugnado, sendo tal decisão averbada junto do INPI e inscrita no título de registo, quanto exista, ou em documento anexo ao mesmo, ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e) e n.º 5 do CPI.
2. Foi proferida sentença final pela qual se decretou o seguinte:
“Termos em que, vistos os princípios e as normas invocadas, julgo improcedente o recurso apresentado, mantendo-se o despacho recorrido, proferido em 27 de Agosto de 2024, que indeferiu o pedido de declaração de nulidade parcial da marca nacional n.º 354866.
3. Inconformada, a Recorrente interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes conclusões:
a. O presente recurso de apelação, nos termos do art. 45.º nº 1 CPI, vem interposto da sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual, proferida no dia 30 de abril de 2025, que julgou improcedente o recurso de propriedade industrial interposto pela aqui Apelante do despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (doravante “INPI”) que indeferiu o pedido de declaração de nulidade parcial da marca nacional n.º 354866;
b. Violando os artigos 259.º, n.º 1 e 231.º, alínea b) e c) do CPI e o artigo 412.º do CPC, a sentença impugnada enferma do vício de erro de julgamento, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, em particular na aplicação dos normativos legais aplicáveis à matéria de facto provada, sendo, pois, ilegal, devendo ser revogada e substituída por Acórdão que determine a nulidade parcial do registo da marca nacional n.º 354866, para “VINHOS” e “PROMOÇÃO DE VENDAS PARA TERCEIROS”, nas Classes 33 e 35 da Classificação Internacional de Nice, respetivamente, em observância do disposto nos artigos 259.º, n.º 1 e 231.º, n.º 1, alínea b) e c) do CPI;
c. O Tribunal a quo deveria ter dado como provado o facto relativo à promoção, por parte de outros operadores económicos, da venda de vinhos sob as expressões “Clube”, “Vinho” ou com recurso à imagem de um copo de vinho, pelo que deve ser aditado aos factos dados como indiciariamente provados, na sentença recorrida, o seguinte facto:
i. “Existem no mercado, outros operadores, conforme resulta das hiperligações:
https://www.thewinehouse.pt/clube-de-vinho,
https://www.enoteca.pt/,
https://qds.pt/index.php/pt/clube-do-vinho/,
https://quintadapacheca.com/pt/pages/wine-club,
https://quintadoscapinhas.com/pt/clube-do-vinho/,
https://www.iberia.com/pt/pt/wine-club/,
https://www.quintadaraza.pt/pt/clube-de-vinhos/ e
https://www.clubevinhosportugueses.pt/,
que promovem a venda de vinhos sob as expressões “Clube”, “Vinho” ou com recurso à imagem de um copo de vinho.”
ii. Este facto resulta indiciariamente provado das hiperligações suprarreferidas, cujo conteúdo foi aceite pela Apelada e confirmado pelo INPI no seu despacho de 27 de agosto de 2024;
d. O Tribunal a quo deveria ter dado como não provado o facto relativo à expressão nominativa “Clube do Vinho”, individualmente considerada, se ter convertido, pelo uso prolongado e intenso no mercado, à data do pedido do registo da marca nacional n.º 354866, num sinal identificador dos “VINHOS” e “VENDA DE PROMOÇÕES A TERCEIROS” da Apelada, pelo que deve ser aditado ao facto dado como indiciariamente não provado, na sentença recorrida, o seguinte facto:
“A expressão nominativa “Clube do Vinho”, individualmente considerada, já se tinha convertido, pelo uso prolongado e intenso no mercado, à data do pedido de registo da marca nacional n.º 354866, num sinal identificador dos “VINHOS” e “VENDA DE PROMOÇÕES A TERCEIROS” da Recorrida.”
Este facto resulta indiciariamente não provado pelo facto de não ter sido feita prova, pela Apelada, da prova documental que juntou para esse efeito, tendo a ausência de prova sido confirmada tanto pelo INPI, como pelo Tribunal a quo;
e. A sentença recorrida também errou quanto à matéria de direito que, a ser devidamente considerada, levaria à óbvia conclusão da nulidade parcial do registo da marca nacional n.º 354866, para “VINHOS” e para “PROMOÇÃO DE VENDAS PARA TERCEIROS”, nas Classes 33 e 35 da Classificação Internacional de Nice, pelo facto de, à data da sua concessão, não deter carácter distintivo, i.e., ter infringido o disposto no artigo 231.º n.º 1, alíneas b) e c) do CPI;
f. A marca da Apelada é constituída por um sinal desprovido, no seu conjunto, de qualquer carácter distintivo quanto a alguns produtos e serviços que assinala, razão pela qual a mesma deverá ser declarada nula quanto aos mesmos;
g. O sinal que compõe a marca da Apelada, é constituído por elementos que, por si só, são desprovidos de eficácia distintiva, razão pela qual, pelo menos, os elementos nominativos (“Clube do Vinho”), deverão ser declarados como não sendo de uso ou apropriação exclusiva por parte da Apelada;
h. A marca da Apelada, conforme consta do registo, é uma marca mista, composta pelo seguinte conjunto formado pelos elementos nominativos e figurativo:
i. A marca da Apelada no que respeita aos produtos “VINHOS”, assinalados na Classe 33 da Classificação Internacional de Nice, e aos respetivos serviços “PROMOÇÃO DE VENDAS PARA TERCEIROS”, assinalados na Classe 35 da Classificação Internacional de Nice, é desprovida de qualquer eficácia ou carácter distintivo uma vez que o sinal protegido é meramente genérico e descritivo desses mesmos produtos e serviços;
j. Já o era, à data da apresentação ao INPI do pedido de registo – por constituir um facto notório nos termos e para os efeitos do artigo 412.º do Código de Processo Civil – ao abrigo do Código da Propriedade Industrial de 1995 (Decreto-Lei n.º 16/95, de 24 de janeiro), sendo-lhe, todavia, aplicável as regras do CPI atual, ao abrigo do artigo 15.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro;
k. Sendo este caráter genérico e descritivo da marca da Apelada, no seu conjunto, o que se considera notório e não, ao contrário do indicado na sentença recorrida, o caráter usual da expressão “Clube do Vinho” individualmente considerada;
l. A expressão “Clube”, por si só, não é entendida como distintiva e, enquanto tal, protegida como marca, visto ser uma expressão genérica de uso banal, comum ou trivial (cfr. artigo 209.º, nº 1, alínea a) do CPI);
m. Consequentemente, ainda que a expressão “Clube” conste da composição da marca da Apelada, tal não lhe concede um direito de exclusivo sobre a mesma (cfr. artigo 209.º, n.º 2 do CPI);
n. O facto de a expressão “Clube” ser acompanhada pela expressão “do Vinho” não confere eficácia distintiva à marca impugnada;
o. Pelo contrário, a expressão “Vinho” que compõe a marca da Apelada, é um elemento exclusiva e diretamente descritivo dos produtos “VINHOS” que assinala na Classe 33 da Classificação Internacional de Nice (cfr. artigo 209.º, n.º 1, alínea c) do CPI);
p. Simultaneamente, a expressão “Vinho” constitui, neste caso, um elemento ou denominação genérica, porquanto se refere, ipsis verbis, aos bens assinalados pela marca da Apelada na Classe 33 da Classificação Internacional de Nice, isto é, “VINHOS” (cfr. artigo 209.º, nº 1, alínea a) do CPI);
q. Nestes termos, a expressão nominativa “Clube do Vinho”, da marca da Apelada, é desprovida, quando combinada e no seu conjunto, de qualquer eficácia distintiva, para assinalar “VINHOS” na Classe 33, visto consistir exclusivamente num sinal genérico – Clube - e descritivo – Vinhos - e enquanto tal, implicitamente proibido pelo artigo 209.º, n.º 1 alíneas a) e c) do CPI, que, no seu conjunto, não logram alcançar o necessário caráter distintivo;
r. O elemento figurativo da marca da Apelada também é desprovido de eficácia distintiva, uma vez que o mesmo consiste numa mera reprodução, em forma de delineado, do perfil de metade de um copo de pé alto, tipicamente utilizado para consumir vinho;
s. Considerada a estreita conexão entre o objeto representado e o produto (“VINHOS”), assinalado pela marca, este elemento sempre teria de ser considerado genérico e descritivo para este tipo de produtos, não havendo qualquer mínimo de arbitrariedade na sua escolha capaz de lhe conferir um qualquer grau de diferenciação ou de a afastar significativamente da representação comum desses produtos;
t. Perante a marca impugnada, o consumidor médio de vinhos (que é o público relevante para efeitos da presente análise), bastando-se com a mera visualização do elemento figurativo consegue, desde logo, identificar que tipo de produtos são assinalados pelo mesmo, pelo que, nunca se poderá ter o elemento figurativo da marca da Apelada como algo mais do que meramente genérico e descritivo dos produtos “VINHOS”, assinalados na Classe 33 da Classificação Internacional de Nice;
u. O elemento figurativo não possui nenhuma capacidade distintiva, na medida em que não se limita a sugerir ou a evocar, de forma inabitual ou invulgar, os produtos assinalados pelo sinal, mas apresenta, com os produtos em causa, uma relação bastante direta e concreta, que permite ao público relevante perceber imediatamente, e sem maiores reflexões, quais os produtos em questão ou as suas características;
v. A originalidade - maior ou menor - do elemento figurativo em causa, não constitui critério legal para registar uma marca e ela também não é suficiente para afastar essa relação;
w. O mesmo entendimento, no que ao elemento figurativo diz respeito, aplica-se a propósito dos serviços de “PROMOÇÃO DE VENDA PARA TERCEIROS”, assinalados na Classe 35 da Classificação Internacional de Nice, isto é, o elemento figurativo da marca da Apelada também é descritivo para serviços relativos à promoção de vendas de vinhos;
x. Nestes termos, não existe na respetiva combinação dos elementos nominativos e figurativo da marca da Apelada qualquer caráter único e distintivo, que permita concluir pela existência de eficácia, capacidade ou força distintiva na marca impugnada;
y. Logo, a marca da Apelada, considerada no seu conjunto, é completamente genérica e descritiva dos produtos “VINHOS”, assinalados na Classe 33 da Classificação Internacional de Nice e dos respetivos serviços de “PROMOÇÃO DE VENDAS PARA TERCEIROS”, assinalados na Classe 35 da Classificação Internacional de Nice;
z. É ainda legalmente inadmissível que a um operador económico que promove, como tantos outros no mercado, a venda de vinhos para terceiros – como se viu no ponto II.I das presentes alegações de recurso e no ponto 1.10 da sentença recorrida –, seja concedido o exclusivo do uso das expressões “Clube” e “Vinho”, ou da imagem de um copo de vinho, que são banais e de uso recorrente e comum para assinalar esses mesmos produtos e serviços;
aa. Os elementos constitutivos da marca controvertida (nominativos e figurativo), não podem, por essa razão, ser apropriados em exclusivo por um único operador económico, por força da conjugação do disposto no artigo 209.º, n.º 1 alínea d) e n.º 2 do CPI;
bb. A marca da Apelada é, no seu conjunto, completamente destituída de eficácia distintiva, porquanto é exclusivamente composta por elementos que, analisados per se e, de modo mais relevante, no seu conjunto, se limitam a identificar de forma usual os produtos “VINHOS” e os respetivos serviços de “PROMOÇÃO DE VENDAS PARA TERCEIROS”, assinalados pela mesma nas Classes 33 e 35 da Classificação Internacional de Nice, respetivamente, não podendo, por essa razão, aqueles ser apropriados em exclusivo por um único operador económico;
cc. O registo da marca nacional n.º 354866, da Apelada, é nulo desde a data do seu registo, quanto aos produtos “VINHOS” e respetivos serviços de “PROMOÇÃO DE VENDAS PARA TERCEIROS”, assinalados nas Classes 33 e 35 da Classificação Internacional de Nice, por manifesta falta de capacidade distintiva;
dd. A decisão proferida quanto ao pedido subsidiário formulado pela Apelante, também merece censura, visto fazer uma incorreta aplicação do direito e das normas relevantes;
ee. A Apelada nunca pode arrogar-se do exclusivo sobre a expressão “Clube do Vinho”, em particular, para os produtos e serviços sub judice, visando impedir a respetiva utilização, como ocorreu quanto interpelou a Apelante, pelos demais operadores do mercado;
ff. Ainda que o Tribunal ad quem venha a reconhecer algum (pouco) caráter distintivo à marca da Apelada, o respetivo âmbito de proteção sempre terá de ser limitado e nunca poderá incluir a possibilidade de impedir a coexistência no mercado de outros sinais que sejam apenas, e na melhor das hipóteses, incidentalmente próximos da marca controvertida (como o utilizado pela Apelante), sobretudo quando esta proximidade está limitada à utilização de uma elementos nominativos que, como se viu, nem são, nem podem ser de uso exclusivo da Apelada;
gg. Em concreto, a expressão “Clube do Vinho” não é de uso exclusivo da Apelada, na medida em que, isoladamente considerada, não tem capacidade distintiva para os produtos e serviços em análise;
hh. A Apelada não logrou provar a verificação da exceção prevista no artigo 209.º, n.º 2 do CPI in fine, quanto ao elemento nominativo “Clube do Vinho”, individualmente considerado, à data do pedido de registo da marca da Apelada;
ii. Assim e também por imposição do artigo 209.º, n.º 2, 1.ª parte do CPI, deveria o Tribunal a quo ter declarado que a utilização daquele elemento não se encontra vedada aos demais operadores do mercado;
jj. Ao contrário do que decidiu, e julgando improcedente o pedido principal, o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre o pedido subsidiário, ainda que o mesmo não tenha sido submetido ao INPI;
kk. A norma do artigo 209.º, n.º 3 do CPI estabelece uma solução assente nos chamados disclaimers no despacho de concessão do registo de marca, sendo este um mecanismo que se encontra disponível na fase administrativa, junto do INPI, quando da apreciação do sinal a registar enquanto marca, não sendo legalmente impedido que posteriormente, e já após a concessão do registo da marca, um interessado possa recorrer ao referido mecanismo dos disclaimers em sede judicial, indicando quais os elementos constitutivos do sinal que não deverão ficar do uso exclusivo do respetivo titular;
ll. O recurso de plena jurisdição, ao abrigo do artigo 38.º, alínea b) do CPI, permite que a sentença modifique um direito de exclusivo de marca que já foi concedido, seja por limitá-lo, seja para declarar que determinado elemento constitutivo da marca não é de uso exclusivo;
mm. E a modificação do direito de exclusivo de marca ordenada pela sentença, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do CPI, está sujeita a averbamento junto do INPI;
nn. Se fosse intenção do legislador limitar o direito de recorrer ao referido mecanismo do disclaimer apenas à fase administrativa, junto do INPI, não só tê-lo-ia estabelecido, como estar-se-ia a permitir uma violação ao acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e a permitir a manutenção na ordem jurídica de uma ilegalidade;
oo. O recurso de plena jurisdição não tem como pressuposto uma anterior apresentação do pedido subsidiário ao INPI, nem dispõe o artigo 38.º do CPI, nem dele resulta qualquer menção quanto à imposição que nos leve a concluir que o pedido subsidiário formulado pela Recorrente, só possa ser validamente invocado perante o INPI aquando da submissão do pedido de nulidade parcial;
pp. Caso contrário, estar-se-ia a admitir uma violação do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º da CRP, pelo que, também por aqui, deve ser concluído que o pedido subsidiário formulado pela Apelante poderia e deveria ter sido apreciado pelo Tribunal a quo, porquanto estamos perante um recurso de plena jurisdição, onde não está em causa uma mera reapreciação do ato praticado pelo INPI.
4. A recorrida apresentou contra-alegações, nas quais conclui:
a. O objecto da apelação é a douta Sentença proferida no processo de recurso do Tribunal da Propriedade Intelectual que julgou improcedente o recurso interposto da decisão de concessão do registo da marca nº 700.053, mista, proferida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
b. A Apelada começa, desde já, por assinalar que a douta Sentença proferida não merece qualquer reparo.
c. Desde logo, importa salientar que o pedido subsidiário apresentado pela Apelante não é juridicamente admissível no âmbito do presente processo de declaração de nulidade do registo de marca, por ultrapassar os limites objetivos previstos no Código da Propriedade Industrial (C.P.I.).
d. Conforme corretamente decidiu o Tribunal a quo, o referido pedido, que visa a limitação do direito de exclusivo da marca relativamente ao uso da expressão “CLUBE DO VINHO”, deveria ter sido submetido previamente ao INPI, órgão competente para pronunciar-se sobre a indicação dos elementos da marca que não gozam de uso exclusivo, nos termos do artigo 209.º, n.º 3, do CPI.
e. Ademais, o recurso de plena jurisdição, previsto no artigo 38º, alínea b), do CPI, não confere ao Tribunal competência para apreciar pedidos que não estejam diretamente relacionados com a decisão administrativa recorrida, não podendo, por conseguinte, o Tribunal apreciar questões que extrapolem o objeto do recurso.
f. A Apelante, ao formular este pedido subsidiário, procurou alargar indevidamente o objeto do recurso, pretendendo obter uma decisão que não se enquadra no âmbito do processo instaurado para declaração de nulidade parcial do registo da marca, e que carece de procedimento próprio perante o INPI.
g. Assim, em conformidade com os fundamentos expostos, impõe-se a manutenção do despacho do Tribunal a quo que indeferiu o pedido subsidiário, por este não estar revestido dos requisitos legais para ser apreciado no presente recurso
h. Acresce que, conforme a seguir se explicitará, também o recurso da Apelante no que respeita à revogação da sentença que indeferiu o pedido de nulidade do registo da marca nº 354.866, com fundamento na alegada falta de eficácia distintiva, deverá ser julgado improcedente.
i. A marca nacional n.º 354.866 preenche integralmente os requisitos legais de registo e goza de caráter distintivo suficiente, conforme exigido pelos artigos 209.º e 231.º do Código da Propriedade Industrial (CPI).
j. A marca em causa apresenta uma composição mista (nominativa e figurativa), incorporando elementos gráficos e verbais concebidos de forma criativa e original, o que lhe confere aptidão clara para distinguir os produtos e serviços da Apelada dos de outras empresas concorrentes.
k. A expressão "CLUBE DO VINHO", conjugada com um design gráfico estilizado, não se configura como um sinal genérico, descritivo ou comummente utilizado, não se enquadrando, por conseguinte, nas proibições de registo previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 209.º do CPI.
l. A marca nacional nº 354.866 corresponde ao elemento distintivo da denominação social da Apelada — CLUBE DO VINHO – Sociedade de Selecção e Distribuição de Vinhos, Lda. — tendo sido utilizada de forma contínua há quase quatro décadas, o que reforça o seu reconhecimento distintivo no mercado.
m. A jurisprudência e a doutrina citadas reconhecem que o caráter sugestivo de uma marca não equivale à ausência de distintividade, sendo perfeitamente admissível que sinais evocativos cumpram eficazmente a função identificadora de uma marca.
n. A originalidade do design gráfico da marca, da autoria de designer profissional, contribui decisivamente para a sua capacidade distintiva, superando quaisquer exigências mínimas estabelecidas no artigo 231.º do CPI.
o. A Apelante não demonstrou que a marca registada fosse constituída exclusivamente por sinais genéricos, usuais ou desprovidos de carácter distintivo, pelo que não se verifica qualquer motivo legal que sustente a sua nulidade, nos termos do artigo 259.º do CPI.
p. O Tribunal a quo interpretou e aplicou corretamente o regime jurídico aplicável, ao concluir pela manutenção do registo da marca nacional n.º 354.866, inexistindo erro de julgamento.
q. Em face do exposto, é, pois, inevitável concluir que a decisão proferida pelo Tribunal a quo deverá ser mantida.
5. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. (1).
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No seguimento desta orientação, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
- Aditamento à matéria de facto, provada e não provada?
- Se deverá ser declarada a nulidade parcial do registo da marca nacional n.º 354866 para as classes 33 e 35?
-Caso assim não se entenda, se se deverá, subsidiariamente, ser declarada a impossibilidade de apropriação exclusiva da expressão “Clube do Vinho”, individualmente considerada, ao abrigo do artigo 209.º, n.º 2, 1.ª parte do CPI, para os produtos e serviços das classes 33 e 35 assinalados no registo de marca impugnado.
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- Quanto ao aditamento à matéria de facto
a. Refere a recorrente que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o facto relativo à promoção, por parte de outros operadores económicos, da venda de vinhos sob as expressões “ Clube” “Vinho” ou com recurso à imagem de um copo de vinho, pelo que deve ser aditado aos factos dados como indiciariamente provados, na sentença recorrida, o seguinte facto:
“Existem no mercado, outros operadores, conforme resulta das hiperligações:
https://www.thewinehouse.pt/clube-de-vinho,
https://www.enoteca.pt/,
https://qds.pt/index.php/pt/clube-do-vinho/,
https://quintadapacheca.com/pt/pages/wine-club,
https://quintadoscapinhas.com/pt/clube-do-vinho/,
https://www.iberia.com/pt/pt/wine-club/,
https://www.quintadaraza.pt/pt/clube-de-vinhos/ e
https://www.clubevinhosportugueses.pt/,
que promovem a venda de vinhos sob as expressões “Clube”, “Vinho” ou com recurso à imagem de um copo de vinho.”
b. Requereu, igualmente a recorrente que deveria ter sido dado como não provado, o seguinte facto:
“A expressão nominativa “Clube do Vinho”, individualmente considerada, já se tinha convertido, pelo uso prolongado e intenso no mercado, à data do pedido de registo da marca nacional n.º 354866, num sinal identificador dos “VINHOS” e “VENDA DE PROMOÇÕES A TERCEIROS” da Recorrida”.
Cumpre decidir:
Dispõe o artº 662º nº1 do CPC:
“ Modificabilidade da decisão de facto
A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Dispõe o art. 640.º do CPC, sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, nomeadamente, a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender , deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Ónus que foram cumpridos pela Recorrente.
Cumpre, desde já dizer, quanto a esta matéria o seguinte.
Entendemos que, o facto que a apelante, quer ver dado como provado, se mostra irrelevante, e sem interesse para a decisão dos presentes autos. Na verdade, não estamos nesta sede a analisar o mercado e os outros operadores, de uma forma alargada e indiscriminada.
Desta feita, bem andou o Tribunal a quo, ao não fazer referência ao mesmo. Tendo em conta, a referência, essa sim válida, que fez nos pontos 1.12., 1.12.1. e 1.12.2 dos factos provados.
Já quanto ao facto que a recorrente quer ver dado como não provado, e tendo em conta as considerações que na sentença recorrida, são feitas, quanto a esta matéria, quando refere: “Por outro lado, o próprio INPI refere que não resulta evidente que a expressão “Clube do Vinho” por si só possa ser apropriada por um operador económico na oferta do produto vinhos ou na prestação de um serviço ao mesmo associado, uma vez que a Recorrida não fez prova que a referida expressão, isoladamente considerada, já tivesse, à data da sua apresentação a registo, conseguido a natureza notória que a titular invoca a seu favor, embora referindo-se à marca”, parece-nos ser de deferir o requerido.
Assim sendo, deferindo-se, nesta parte o requerido, acrescenta-se o seguinte facto, ao dado como não provado:
-“A expressão nominativa “Clube do Vinho”, individualmente considerada, já se tinha convertido, pelo uso prolongado e intenso no mercado, à data do pedido de registo da marca nacional n.º 354866, num sinal identificador dos “VINHOS” e “VENDA DE PROMOÇÕES A TERCEIROS” da Recorrida”.
Defere-se, assim, parcialmente, nesta parte o requerido pela apelante.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. FACTOS PROVADOS:
1. A Recorrida requereu, em 3 de Abril de 2001, junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, o registo da marca nacional nº 354.866, , que assinala produtos e serviços das classes 29 da Classificação Internacional de Nice: carne, peixe, aves e caça, extractos de carne, frutos e legumes conservados, secos e cozidos, geleias e compotas, ovos, leite e produtos derivados, óleos e gorduras comestiveis, conservas e pickles.”; Classe 30 da Classificação Internacional de Nice: café, chá, chocolate, pão, pastelaria e confeitaria, mel, vinagre, molhos (condimentos) e especiarias.; Classe 31 da Classificação Internacional de Nice: produtos agrícolas e hortícolas, frutas e legumes frescos e alimentos para animais.; Classe 32 da Classificação Internacional de Nice: bebidas de fruta e sumos de fruta, xaropes e outras preparações para bebidas não alcoólicas.; Classe 33 da Classificação Internacional de Nice: vinhos, espirituosos e licores e outras bebidas alcoólicas.; Classe 34 da Classificação Internacional de Nice: tabaco e artigos para fumadores e da Classe 35 da Classificação Internacional de Nice promoção de vendas para terceiros. (cfr. processo administrativo).
2. Este registo foi concedido em 22 de Fevereiro de 2005. (cfr. processo administrativo).
3. Em 22 de Janeiro de 2024, foi apresentado pela Recorrente junto do INPI, um pedido de declaração de nulidade parcial da marca nacional n.º 354866, da titularidade da Recorrida. (cfr. processo administrativo).
4. Tal pedido teve por base a alegação de que marca nacional n.º 354866é desprovida de carácter distintivo, genérica, descritiva e usual do produto “vinhos” e do serviço de “promoção de vendas para terceiros” que assinala, respetivamente, nas Classes 33 e 35. (cfr. processo administrativo).
5. Este pedido foi publicado no Boletim da Propriedade Industrial em 30 de Janeiro de 2024. (cfr. Doc. 1, junto com o requerimento inicial).
6. Por despacho do Exmo. Diretor da Direção de Extinção de Direitos do INPI, proferido em 27 de Agosto de 2024, o pedido de declaração de nulidade parcial da nacional n.º 354866 foi indeferido. (cfr. doc. 2, junto com o requerimento inicial).
7. O aviso deste despacho foi publicado no Boletim da Propriedade Industrial em 30 de Agosto de 2024. (cfr. doc. 3, junto com o requerimento inicial).
8. A Recorrente é uma sociedade comercial que tem como atividade/objeto social a produção e comércio de produtos alimentares e não alimentares, incluindo medicamentos não sujeitos a receita médica e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo, a exploração de centros comerciais, a prestação de serviços e ainda o de importações e exportações. (cfr. Doc. 4, junto com o requerimento inicial).
9. A Recorrente explora as superfícies comerciais Pingo Doce, em todo o território nacional. (cfr. https://www.pingodoce.pt/).
10. No âmbito da sua atividade, a Recorrente utiliza desde 23 de Novembro de 2022, por meio de diversas plataformas e suportes como o seu website, aplicação móvel, redes sociais e folhetos publicitários, os sinais e , para identificar o “clube” que criou para dar acesso a conteúdos exclusivos, ofertas, campanhas e promoções especiais sobre os vinhos vendidos nas suas superfícies comerciais, bem como para fornecer aconselhamento e informações sobre enologia, em geral, aos seus clientes. (Cfr. https://vinho.pingodoce.pt/sobre-o-clube/; https://play.google.com/store/apps/details?id=pt.pingodoce e https://apps.apple.com/pt/app/o-meu-pingo-doce/id1218939596; https://www.instagram.com/reel/CyQ7gNeMOM7/?igshid=MzRlODBiNWFlZA==)
11. A Recorrida interpelou a Recorrente, através de carta datada de 5 de Setembro de 2023, no sentido de cessar a utilização do sinal, porquanto o mesmo consubstanciaria uma utilização, “(…) de forma ilegal, [d]a marca registada a [seu] favor”, i.e., da marca nacional n.º 354866 “. (cfr. Doc. 5 junto com o requerimento inicial e dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos).
12. Foram concedidos os seguintes registos de marca, alguns deles anteriores e outros posteriores à marca da Requerida: (sitio do INPI)
1. marca nacional n.º 685853 “1920 CLUBE DE VINHOS” e marca nacional n.º 364101 “CLUBE DE VINHOS CONTINENTE”, atualmente válidas e eficazes.
2. bem como a marca nacional n.º 353229 “ PREMIER CLUBE DE VINHOS”, atualmente caduca por falta de pagamento das respetivas taxas.
13. A Recorrida é uma sociedade por quotas que foi constituída em 18 de Abril de 1985. (documento nº 1, certidão do registo comercial da Recorrida, junta com as suas Alegações).
14. A configuração da marca da recorrida foi da autoria da designer AA. (Cfr. documento n.º 58, junto com as alegações da Recorrida).
15. A expressão “CLUBE DO VINHO”, incluída na marca, reproduz o elemento distintivo da denominação social da Recorrida: CLUBE DO VINHO – SOCIEDADE DE SELECÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE VINHOS, LDA. (documento nº 1, certidão do registo comercial da Recorrida, junta com as suas Alegações).
16. A expressão “CLUBE DO VINHO”, era também usada pela Recorrida na seguinte composição: . (Cfr. documentos 2 e ss, juntos com as alegações da recorrida).
17. A marca “CLUBE DO VINHO” da Recorrida tem sido uma presença continuada e constante no mercado. (Cfr. documentos 2 e ss, juntos com as alegações da recorrida).
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2. Factos não provados:
1. A marca da Recorrida é uma marca notória.
2. A expressão nominativa “Clube do Vinho”, individualmente considerada, já se tinha convertido, pelo uso prolongado e intenso no mercado, à data do pedido de registo da marca nacional n.º 354866, num sinal identificador dos “VINHOS” e “VENDA DE PROMOÇÕES A TERCEIROS” da Recorrida.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
1. Verificação dos pressupostos da declaração de nulidade parcial do registo da marca da Recorrida por falta de carácter distintivo.
O presente recurso vem interposto da sentença recorrida que manteve o despacho recorrido, proferido em 27 de agosto de 2024, que indeferiu o pedido de declaração de nulidade parcial da marca nacional nº 354866 .
Tal como decorre das conclusões de recurso, o Apelante considera que foram violados os artigos 259.º, n.º 1 e 231.º, alínea b) e c) do CPI e o artigo 412.º do CPC, e que a sentença impugnada enferma do vício de erro de julgamento, quanto à matéria de direito, em particular na aplicação dos normativos legais aplicáveis à matéria de facto provada, sendo, pois, ilegal, devendo ser revogada e substituída por Acórdão que determine a nulidade parcial do registo da marca nacional n.º 354866, para “VINHOS” e “PROMOÇÃO DE VENDAS PARA TERCEIROS”, nas Classes 33 e 35 da Classificação Internacional de Nice.
A apelante discorda, assim, da sentença recorrida que, negando provimento ao recurso de impugnação por si interposto, manteve a decisão do INPI, que indeferiu o pedido de declaração de nulidade parcial do registo da marca nacional nº 354866 de que é titular a Apelada.
Como fundamento da sua pretensão invocou a Apelante, em síntese, que a marca da Apelada, considerada no seu conjunto, é completamente genérica e descritiva dos produtos “VINHOS”, assinalados na Classe 33 da Classificação Internacional de Nice e dos respetivos serviços de “PROMOÇÃO DE VENDAS PARA TERCEIROS”, assinalados na Classe 35 da Classificação Internacional de Nice;
Dispõe o artigo 1º do Código da Propriedade Industrial, sob a epígrafe “Função da propriedade industrial”, que:
“A propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza.”.
Acerca da nulidade da marca, dispõe o art. 259º do CPI, aprovado pelo DL. nº 110/2018, de 10 de Dezembro), o registo de uma marca é nulo quando na sua concessão, tiver sido infringido o previsto, entre outros, no artigo 231º nº 1 alíneas b) e c) do mesmo diploma.
Os referidos fundamentos de nulidade do registo da marca, de acordo com aquele preceito legal, correspondem essencialmente à falta de requisitos absolutos de protecção (falta de carácter distintivo, indeterminabilidade e infracção de outros interesses de ordem pública).
A falta de carácter distintivo constitui precisamente um dos fundamentos de nulidade do registo da marca, arts 209º nº1 al. a) e 231º nº1 als. b) e c) do CPI .
O conceito de Marca extrai-se do art. 208º do CPI, que dispõe que, a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, cor, a forma do produto ou da respetiva embalagem, ou por um sinal ou conjunto de sinais que possam ser representados de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
Conforme se refere no acórdão do TJUE no caso Canon, (…) a função essencial da marca é garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem do produto que exibe a marca, permitindo-lhe distinguir, sem confusão possível, aquele produto de outros que tenham proveniência diversa e que, para que a marca possa desempenhar o seu papel de elemento essencial do sistema de concorrência leal que o Tratado pretende criar e manter, deve constituir a garantia de que todos os produtos que a ostentam foram fabricados sob o controlo de uma única empresa à qual possa ser atribuída a responsabilidade pela qualidade daqueles (cfr., nomeadamente, o acórdão de 17 de Outubro de 1990, HAG II, C-10/89, Colect., p. I-3711, n.ºs 14 e 13) - ACÓRDÃO DE 29.9.1998 — PROCESSO C-39/97, in https://eurlex.europa.eu/legalcontent/PT/TXT/PDF/?uri=ecli:ECLI%3AEU%3AC%3A1998%3A442.
Importa ter presente que, como refere o STJ, “a marca é o primeiro e mais importante dos sinais distintivos do comércio, funcionando, de um lado, como identificação de um produto ou serviço proposto ao consumidor e permitindo, por outro, distingui-lo e diferenciá-lo de outros idênticos ou afins.” (Ac. de 12 de julho de 2018, proc. N.º 346/15.3YHLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt).
Sendo a marca um sinal distintivo dos produtos ou serviços de uma empresa das demais empresas, deverá assumir capacidade distintiva, razão pela qual no art. 209º do CPI se elencam as hipóteses em que o sinal não satisfaz as condições necessárias para a constituição da marca, nomeadamente se desprovidas de qualquer carácter distintivo, ou se os sinais que entrem na composição da marca sejam constituídos por elementos genéricos (descritos nas alíneas a), c) e d) do nº 1 desse preceito legal), caso em que, esses elementos genéricos não serão considerados de uso exclusivo do requerente, excepto quando, na prática comercial, os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva ( nº 2 do referido preceito legal).
É o caso dos sinais constituídos, exclusivamente, por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos ( art. 209º nº 1 al. c) do CPI)- sinais descritivos.
Na al. c) do nº 1 está prevista a proibição de registo de sinais exclusivamente descritivos.
A justificação desta proibição assenta em duas razões atinentes ao próprio sistema concorrencial. Uma respeita ao facto de não possuírem capacidade distintiva, pois referem-se às propriedades e características de produtos ou serviços daquele tipo. Outra reporta-se à necessidade de manter livremente disponíveis os sinais descritivos para que todos os empresários que operam no sector correspondente do mercado os possam utilizar.
O que está proibido é o registo de sinais, incluindo em língua estrangeira, compostos exclusivamente por estas indicações, o que significa que se estas integrarem uma marca com outros elementos (marca complexa) e o conjunto tiver capacidade distintiva, o problema da descritividade já não se coloca.”(2 )
Do mesmo modo, consagra o art. 254º nº 1 al. b) do CPI limitações aos direitos conferidos pelo registo, estipulando esse preceito legal que os direitos conferidos pelo registo da marca não permitem ao seu titular impedir terceiros de usar, na sua actividade económica, sinais ou indicações não distintivos ou que se referem à espécie, à qualidade, à quantidade, ao destino, ao valor, à proveniência geográfica, à época e meio de produção do produto ou da prestação do serviço ou a outras características dos produtos ou serviços, desde que tal seja feito em conformidade com as normas e os usos honestos em matéria industrial e comercial.
Constam da sentença recorrida, além de outros, os seguintes factos provados:
A Recorrida requereu, em 3 de Abril de 2001, junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, o registo da marca nacional nº 354.866, , que assinala produtos e serviços das classes 29 da Classificação Internacional de Nice: carne, peixe, aves e caça, extractos de carne, frutos e legumes conservados, secos e cozidos, geleias e compotas, ovos, leite e produtos derivados, óleos e gorduras comestiveis, conservas e pickles.”; Classe 30 da Classificação Internacional de Nice: café, chá, chocolate, pão, pastelaria e confeitaria, mel, vinagre, molhos (condimentos) e especiarias.; Classe 31 da Classificação Internacional de Nice: produtos agrícolas e hortícolas, frutas e legumes frescos e alimentos para animais.; Classe 32 da Classificação Internacional de Nice: bebidas de fruta e sumos de fruta, xaropes e outras preparações para bebidas não alcoólicas.; Classe 33 da Classificação Internacional de Nice: vinhos, espirituosos e licores e outras bebidas alcoólicas.; Classe 34 da Classificação Internacional de Nice: tabaco e artigos para fumadores e da Classe 35 da Classificação Internacional de Nice promoção de vendas para terceiros. (cfr. processo administrativo).
Este registo foi concedido em 22 de Fevereiro de 2005. (cfr. processo administrativo).
Em 22 de Janeiro de 2024, foi apresentado pela Recorrente junto do INPI, um pedido de declaração de nulidade parcial da marca nacional n.º 354866 , da titularidade da Recorrida. (cfr. processo administrativo).
Tal pedido teve por base a alegação de que marca nacional n.º 354866 é desprovida de carácter distintivo, genérica, descritiva e usual do produto “vinhos” e do serviço de “promoção de vendas para terceiros” que assinala, respetivamente, nas Classes 33 e 35. (cfr. processo administrativo).
Este pedido foi publicado no Boletim da Propriedade Industrial em 30 de Janeiro de 2024. (cfr. Doc. 1, junto com o requerimento inicial).
Por despacho do Exmo. Diretor da Direção de Extinção de Direitos do INPI, proferido em 27 de Agosto de 2024, o pedido de declaração de nulidade parcial da nacional n.º 354866 foi indeferido. (cfr. doc. 2, junto com o requerimento inicial).
A configuração da marca da recorrida foi da autoria da designer AA. (Cfr. documento n.º 58, junto com as alegações da Recorrida)
A marca “CLUBE DO VINHO” da Recorrida tem sido uma presença continuada e constante no mercado. (Cfr. documentos 2 e ss, juntos com as alegações da recorrida)”.
A propósito do carácter distintivo da marca da Apelada, teceram-se na sentença recorrida as seguintes considerações:
“No caso dos autos, a marca da Recorrida é mista, constituída pelo sinale destina-se a assinalar, entre outras, as Classes 33 e 35 da Classificação Internacional de Nice (vinhos, espirituosos e licores e outras bebidas alcoólicas.; e promoção de vendas para terceiros, respectivamente).
Face ao que supra se referiu, este sinal deve ser analisado no seu todo, isto é, na conjugação dos elementos figurativos com os elementos nominativos e destes entre si e não de forma isolada em cada uma das suas partes, como a recorrente o faz.
Na verdade, concorda-se com o INPI quando afirma não poder encontrar na composição do todo do sinal o vazio distintivo defendido pela requerente, dado encontrar na combinação dos elementos nominativo e figurativo algum impacto que acredita não passar despercebido ao consumidor do produto e ao utilizador do serviço em causa.
(…)
Por outro lado, o próprio INPI refere que não resulta evidente que a expressão “Clube do Vinho” por si só possa ser apropriada por um operador económico na oferta do produto vinhos ou na prestação de um serviço ao mesmo associado, uma vez que a Recorrida não fez prova que a referida expressão, isoladamente considerada, já tivesse, à data da sua apresentação a registo, conseguido a natureza notória que a titular invoca a seu favor, embora referindo-se à marca.
Igualmente não resulta demonstrado que, na prática comercial, os elementos em causa “Clube do vinho”, adquiriram eficácia distintiva, como prevê o n.º 2, in fine, do art.º 209.º do CPI”.
Cumpre-nos referir que, na verdade sendo a marca da recorrida mista, combina vários elementos visuais e tipográficos de forma minimamente criativa para transmitir a sua identidade.
Devemos, desta feita, analisar a combinação dos seus vários elementos, por um lado a taça de vinho, com o traço curvo e vertical lembra a silhueta de uma taça, associada diretamente ao universo do vinho. Esse contorno simples dá sofisticação e clareza, sem precisar de detalhes excessivos. As letras não estão apenas escritas de maneira linear, mas distribuídas de forma a acompanhar a curva da taça, sendo as letras posicionadas dentro da forma, unindo palavra e imagem como um único símbolo, contudo as letras no seu conjunto “ Clube do Vinho”, referenciam um conjunto de pessoas interessadas em vinhos, e não um estabelecimento que comercializa vinhos.
Por outro lado, a base da taça é formada por um traço simples, que dá equilíbrio ao conjunto. Logo abaixo, aparece o texto “Desde 1984”, que transmite tradição e credibilidade, reforçando a confiança, principalmente num mercado onde tradição e tempo de experiência são valorizados.
Da análise de tais elementos figurativos, podemos concluir que apesar de serem fracos, porquanto dominado pelo desenho de um copo de vinho, sem rasgos de originalidade, mas mesmo assim com caráter distintivo.
Por outro lado, conforme se refere na sentença recorrida “Ainda se diga que relativamente aos registos de marcas que partilham nas suas composições sinaléticas a expressão «CLUBE DO VINHO», que a Recorrente invocou, as mesmas devem ser desconsideradas, quer por serem posteriores ao da marca da Recorrida, com exceção do da marca nacional n.º 353229 entretanto caducado, quer pelo facto de as decisões relativas ao registo de um sinal como marca, resultarem do exercício de uma competência vinculada e não de um poder discricionário, motivo pelo qual, a legalidade de tais decisões só deve ser apreciada, casuisticamente e com base no CPI e não com base numa prática decisória anterior”.
Na verdade, a Recorrente não logrou demonstrar que a marca impugnada, à data da sua apresentação a registo, era desprovida de carácter distintivo por ser genérica, descritiva do produto vinhos e do serviço de prestação de vendas para terceiros que assinala nas classes 33 e 35 da Classificação e usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio.
Desta feita, entendemos ser de afastar a invocada falta de distintividade da marca da apelada. Na verdade, o conjunto tem capacidade distintiva.
Por tudo quanto supra foi dito entendemos, não poder proceder o requerido pela apelante, no sentido de se determinar a nulidade parcial do registo da marca nacional nº 354866,, para “VINHOS” e “PROMOÇÃO DE VENDAS PARA TERCEIROS”, assinalados nas classes 33 e 35 da Classificação Internacional de Nice.
Efectivamente, na sua concessão, não foi violado o disposto nos artigos 259º nº 1 e 231.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPI, não devendo ser declarada a sua nulidade parcial, mantendo-se assim a sentença recorrida.
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- Invoca ainda a recorrente que a decisão proferida quanto ao pedido subsidiário formulado pela apelante, merece censura, visto fazer uma incorreta aplicação do direito e das normas relevantes.
Em tal pedido a apelante requer que seja declarada a impossibilidade de apropriação exclusiva da expressão “ Clube do vinho”, individualmente considerada, ao abrigo do artº 209º nº 2, 1ª parte do CPI, para os produtos e serviços das classes 33 e 35 assinalados no registo de marca impugnado, sendo tal decisão averbada junto do INPI e inscrita no título de registo, ou em documento anexo ao mesmo, ao abrigo do disposto no artº 29º nº1 alínea e) e nº 5 do CPI.
Estabelece o artº 209º nº 3 do CPI: “A pedido do requerente ou do reclamante, o INPI, I.P., indica, no despacho de concessão, quais os elementos constitutivos da marca que não ficam de uso exclusivo do requerente”.
Entendemos, na senda do tribunal, a quo, que o pedido em causa deveria ter sido feito ao INPI, aquando da entrada do pedido de nulidade parcial da marca da recorrida.
Na verdade, relativamente a tal pedido subsidiário, a entidade competente não teve oportunidade de apreciar.
Estabelece o artº 38.º do CPI
Decisões que admitem recurso
Cabe recurso, de plena jurisdição, para o tribunal competente das decisões do INPI, I. P.:
a) Que concedam ou recusem direitos de propriedade industrial;
b) Relativas a transmissões, licenças, declarações de caducidade, declarações de nulidade e anulações ou a quaisquer outros atos que afetem, modifiquem ou extingam direitos de propriedade industrial.
Cumpre referir que o recurso de plena jurisdição, previsto o artº 38º alínea b) do CPI, não dá ao tribunal competência para analisar pedidos que não estejam concretamente relacionados com a decisão administrativa recorrida. Assim se estaria a ir além do objecto do recurso. E, não se diga, que com isso se está a violar o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva previsto no artº 20º da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, com o pedido subsidiário, alargou-se de forma, indevida o objecto do recurso, querendo-se uma decisão que sai fora do âmbito do processo “para declaração de nulidade parcial do registo da marca”, que necessita de procedimento próprio perante o INPI.
Indefere-se, desta feita, igualmente, nesta parte o requerido pela apelante.
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V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa, julgar totalmente improcedente o recurso de apelação.
Custas pela Apelante – artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Lisboa, 29-10-2025
Paula Cristina P. C. Melo
Alexandre Au-Yong Oliveira
Armando Manuel da Luz Cordeiro
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1. () F. AMÂNCIO FERREIRA, “ Manual dos Recursos em Processo Civil ”, 8ª edição, pág. 147 e A. ABRANTES GERALDES, “ Recursos no Novo Código de Processo Civil ”, 2ª edição, pág. 92-93.
2. ( )Anotação ao art. 209º do NCPI, Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação Luis Couto Gonçalves e Manual de Direito Industrial deste mesmo Autor, p. 829 e 212 respectivamente; Ac RL de 30-9-2008, Proc. Nº 3546/3008-1, www.dgsi.pt