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PROPRIEDADE INTELECTUAL
INDEMNIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO
JUNÇÃO DE PARECER
Sumário
SUMÁRIO (da responsabilidade do Relator) A. No caso concreto, está em causa a alegada prescrição do direito indemnizatório fundado no disposto no artigo 338.º-G, n.º 3 e 338-I, n.º 5 do Código de Propriedade Industrial 2003 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003 de 05-03), lidos em harmonia com o artigo 9.º, n.º 7 da Diretiva Enforcement (Diretiva 2004/48/CE), ou seja, o direito indemnizatório resultante de revogação, por injustificada, de providência cautelar. B. O termo inicial do prazo de prescrição de tal direito, quer ao abrigo do disposto no artigo 498.º, n.º 1 (responsabilidade extracontratual), quer ao abrigo do disposto no artigo 482.º do Código Civil (enriquecimento sem causa), conta-se a partir do trânsito em julgado da decisão de revogação do procedimento cautelar e não, como sustenta o despacho recorrido, a partir do trânsito em julgado da decisão que decretou a nulidade da patente (e do respetivo certificado complementar de proteção). C. Nestes termos, verifica-se, in casu, a prescrição do invocado direito, pelo que o recurso é julgado procedente.
Texto Integral
Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa
Relatório
Rés/Recorrentes:
GILEAD SCIENCES, INC., sociedade de direito norte-americano, com sede em Localização 1, e
GILEAD SCIENCES LDA., pessoa coletiva n.º ..., com sede em Praça 2
Autoras/Recorridas:
VIATRIS SANTÉ (anteriormente denominada MYLAN SAS), sociedade comercial francesa, com sede em Localização 3, e
MYLAN PHARMACEUTICALS LIMITED, sociedade comercial irlandesa, com sede em Localização 4, e
MYLAN, LDA., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Avenida 5 Lisboa, Portugal
1. As Autoras, em 26-01-2024, intentaram ação declarativa de condenação, onde deduziram o seguinte pedido contra as Rés:
“a) Ser a Ré Gilead Sciences, Inc. condenada a pagar às Autoras uma indemnização, no valor estimado já apurado de € 17.507.710,99, pelos prejuízos causados pelo decretamento injustificado da providência cautelar.
b) Subsidiariamente, ser a Ré Gilead Sciences, Lda. condenada a pagar às Autoras uma indemnização no valor estimado já apurado de € 12.945.772,26, a título enriquecimento sem causa.”
2. Para tanto, alegaram, em síntese:
a. A ora Ré Gilead Sciences, Inc. iniciou, ao abrigo da Lei n.º 62/2011, uma ação arbitral necessária contra a ora Autora Viatris Santé (Viatris Santé (Mylan SAS)), para que esta fosse condenada a não comercializar aquele medicamento genérico enquanto a Patente Europeia n.º 915894 (doravante, “EP‘894”) e o correspondente Certificado Complementar de Proteção n.º 202 (doravante, “CCP 202”) estivesse em vigor.
b. Conhecedora da nulidade do CCP 202, após o início da comercialização do medicamento genérico Emtricitabina + Tenofovir Mylan, a Ré Gilead Sciences, Inc. requereu um procedimento cautelar junto do Tribunal Arbitral com vista à obtenção de uma decisão que intimasse a Autora Viatris Santé (Viatris Santé (Mylan SAS)) a cessar e a impedir a comercialização desse medicamento em Portugal enquanto o CCP 202 se encontrasse em vigor.
c. A Ré Gilead Sciences, Inc. requereu ao Tribunal Arbitral que se recusasse a apreciar os argumentos de invalidade apresentados pela Autora Viatris Santé (Viatris Santé (Mylan SAS)). O Tribunal Arbitral aceitou esse pedido e deferiu o pedido de providência cautelar. Posteriormente, a Autora Mylan Lda. (como entidade responsável pela comercialização do medicamento em Portugal), viu-se forçada a suspender a comercialização do medicamento Emtricitabina + Tenofovir Mylan no mercado nacional.
d. Em virtude de recurso interposto pela Autora Viatris Santé, o Tribunal da Relação de Lisboa veio revogar o acórdão arbitral cautelar por considerar não existir o fumus boni iuris necessário para o decretamento das providências cautelares requeridas, em virtude da elevadíssima probabilidade de o CCP 202 ser nulo.
e. Resulta do exposto que, devido a uma providência cautelar intentada pela Ré, com base num CCP considerado pelo tribunal de segunda instância como suscetível de ser nulo, as Autoras foram forçadas a interromper a comercialização do medicamento genérico Emtricitabina + Tenofovir Mylan em Portugal no período compreendido entre o decretamento das providências cautelares requeridas pela Ré Gilead Sciences Inc. e prolação da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que revogou a decisão arbitral cautelar, sofrendo elevados prejuízos.
f. Assim, pretende-se com esta ação que a Ré Gilead Sciences, Inc. seja condenada a pagar às Autoras uma indemnização destinada a reparar os danos que lhes foram causados ou, subsidiariamente, a pagar uma indemnização a título de enriquecimento sem causa.
3. Em 11-11-2024, as Rés apresentaram contestação onde, além do mais, alegaram que o alegado direito das Autoras já havia prescrito.
4. No dia 20-03-2025, em sede de audiência prévia, foi proferido despacho saneador que, além do mais, julgou improcedente a exceção perentória de prescrição alegada pelas Rés.
5. De tal despacho (doravante, despacho recorrido) apelaram as Rés.
Conclusões do recurso (transcrição parcial):
A. A ação judicial que deu origem ao presente recurso foi instaurada em 26.01.2024 pelas Autoras e Recorridas, e corresponde, na verdade, a duas ações distintas:
a) A primeira tem por objeto a condenação da Ré e Recorrente Gilead Inc. a pagar às Autoras e Recorridas uma indemnização no valor de €17.507.710,99, “pelos prejuízos causados pelo decretamento injustificado da providência cautelar identificada nos autos”;
b) A segunda destina-se a obter a condenação da Ré e Recorrente Gilead Lda. a pagar às Autoras e Recorridas “uma indemnização” no valor de €12.945.772,26, a título de enriquecimento sem causa.
B. A causa de pedir do pedido dirigido à Gilead Inc. é a responsabilidade civil, por alegados danos sofridos pela Mylan Lda. com a suspensão da comercialização do medicamento Emtricitabina TD Mylan – medicamento genérico do medicamento de referência Truvada®, comercializado pela Gilead Inc –, devido ao decretamento de providência cautelar que determinou essa suspensão.
C. O pedido dirigido à Gilead Lda. funda-se no alegado enriquecimento sem causa, por um alegado locupletamento indevido da mesma, correspondente a vendas e respetivos lucros alegadamente deslocados da esfera jurídica da Mylan Lda. para a esfera jurídica da Gilead Lda., devido à suspensão de comercialização do genérico Emtricitabina TD Mylan.
D. Na Contestação, as Rés e aqui Recorrentes invocaram, entre outros e para o que ora releva, a exceção perentória de prescrição dos alegados direitos das Autoras e Recorridas, porque ambos os direitos – à indemnização pela Ré e Recorrente Gilead Inc., fundada em responsabilidade civil, e à restituição pela Ré Gilead Lda., fundada em enriquecimento sem causa – poderiam ser exercidos a partir do momento em que foi decretada a providência cautelar (10.11.2017) ou, em qualquer caso, sempre a partir do momento em que a providência cautelar foi revogada (25.06.2018).
E. Por isso, seja qual for a abordagem feita quanto ao termo inicial do prazo de prescrição para o exercício dos referidos direitos, esse prazo – de três anos em ambos os casos, ao abrigo do disposto nos artigos 482.º e 498.º do Código Civil – esgotou-se sempre antes de 26.01.2024, data em que deu entrada a presente ação.
F. Apesar de assim ser, o Tribunal a quo teve entendimento distinto e, quando proferiu o Despacho Saneador, decidiu – erradamente, no entendimento das Recorrentes – pela improcedência da exceção de prescrição.
G. O Tribunal a quo entendeu – em acolhimento da posição das Autoras e Recorridas – que o termo inicial dos prazos de prescrição de três anos previstos, quer no artigo 482.º, quer no artigo 498.º do Código Civil, se deve fixar no dia 04.02.2021, quando transitou em julgado o acórdão arbitral que declarou nulo o CCP 202 (isto é, o direito de propriedade intelectual das aqui Recorrentes que fundou o requerimento da providência cautelar decretada pelo Tribunal Arbitral), já bastante tempo depois do decretamento e da revogação da providência cautelar, no âmbito da ação principal em cuja dependência foi requerida e decretada aquela providência.
H. Com base nesta leitura – manifestamente errada – das normas aplicáveis ao presente caso, o Tribunal a quo considerou que o prazo de prescrição, contado a partir de 04.02.2021, terminava em 04.02.2024, tendo sido interrompida a prescrição em 31.01.2024 (cinco dias após a entrada em juízo da Petição Inicial).
I. As Recorrentes interpõem o presente recurso, portanto, deste segmento do Despacho Saneador, que julgou improcedente a exceção de prescrição por estas invocada, e requerem que o Tribunal ad quem revogue aquela decisão, substituindo-a por outra que confirme a procedência da exceção de prescrição dos alegados direitos a que as Autoras se arrogam nos presentes autos, com todas as consequências legais.
• ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO
…
• O TRIBUNAL A QUO ERROU NA SUA DECISÃO QUANTO AO TERMO INICIAL DOS PRAZOS DE PRESCRIÇÃO
M. As Recorrentes e o Tribunal a quo não discordam quanto aos prazos de prescrição aqui em causa: são os prazos de três anos previstos, respetivamente, no artigo 498.º n.º 1 e 482.º n.º 1 do Código Civil, e relativos, respetivamente, ao direito à indemnização fundada em responsabilidade civil e à restituição fundada em enriquecimento sem causa.
N. A verdadeira questão decidenda no presente recurso é, pois, saber qual o momento em que deve fixar-se o termo inicial destes prazos de prescrição de 3 anos, isto é, saber em que momento se considera que as Autoras e Recorridas tiveram conhecimento do seu (alegado) direito.
O. O direito que as Autoras e Recorridas invocam, na Petição Inicial, para respaldar a sua pretensão indemnizatória a título de responsabilidade civil, é o direito previsto no artigo 338.º-G, n.º 3 do CPI de 2003, e no artigo 343.º, n.º 3 do CPI de 2018, que lhe sucedeu, ambos aplicáveis aos procedimentos cautelares por força, respetivamente, dos artigos 338.º-I, n.º 5 do CPI de 2003 e 345.º, n.º 5 do CPI de 2018.
P. Saber qual das duas normas se aplica ao presente caso – aspeto em que as Recorrentes também discordam do Tribunal a quo – é irrelevante para a questão de saber se o alegado direito das Autoras e Recorridas está prescrito e, consequentemente, também para o presente recurso, dado que a expressão “for considerada injustificada” [a medida cautelar] se mantém inalterada em ambas as versões da norma, e é apenas nela que o Tribunal a quo funda a sua interpretação errada da norma em causa.
P. A norma constante do artigo 338.º-I, n.º 5 do CPI de 2003 e 345.º, n.º 5 do CPI de 2018 corresponde à transposição, para o ordenamento jurídico português, do artigo 9.º, n.º 7 da Diretiva do Enforcement, em que as Recorridas também fundamentam o seu alegado direito, e que prevê, na parte que releva para interpretar as normas do CPI, que as medidas que “tenham sido revogadas” poderão dar lugar à “indemnização adequada para reparar qualquer dano causado por essas medidas”.
R. Do mesmo modo, o artigo 50.º, n.º 7 do Acordo TRIPS, de 1994, antecessor desta legislação europeia e em que as Recorridas também fundamentam o seu alegado direito, previa que “no caso de as medidas provisórias serem revogadas” pode ser exigido “ao requerente, a pedido do requerido, que conceda a este último uma compensação adequada pelos prejuízos causados por essas medidas” (destaque nosso).
S. Resulta claro das normas do CPI, da norma da Diretiva do Enforcement e da norma do Acordo TRIPS, que o direito a que as Recorridas se arrogam com base nestas normas, é o de serem compensadas, na qualidade de requeridas de providência cautelar decretada e depois julgada injustificada (revogada), pelos alegados danos causados por essa providência.
T. Quanto ao enriquecimento sem causa, erradamente invocado pelas Autoras e Recorridas, ele estribar-se-ia numa “ausência de causa justificativa” ou numa “causa que teria deixado de existir” – a providência cautelar que viria a ser revogada – tendo assim na sua base, o mesmo circunstancialismo de facto: o decretamento injustificado da providência e a revogação desta pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 21.06.2018.
U. A averiguação do momento temporal em que se inicia a contagem do prazo de prescrição do direito invocado pelas Autoras e Recorridas num e noutro caso – direito à indemnização ou à direito a restituição do enriquecimento indevido – deverá, pois, basear-se na mesma factualidade, porque o termo inicial de ambos os prazos se fixa quando o lesado conhece os pressupostos do seu direito (cf. artigo 482.º e 498.º n.º 1 do Código Civil).
• O MOMENTO EM QUE AS AUTORAS E RECORRIDAS CONHECERAM O SEU ALEGADO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO POR RESPONSABILIDADE CIVIL
V. A doutrina tem considerado que há “conhecimento do direito”, para efeitos do disposto no artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil, quando o lesado conhece os pressupostos de que depende o direito à indemnização, ou seja, quando conhece os factos constitutivos da responsabilidade civil que dá lugar a esse direito, sabendo que o tem.
W. Neste mesmo sentido, a jurisprudência tem vindo a interpretar o conceito de “conhecimento do direito que compete” ao lesado/credor como o conhecimento dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização, afirmando a irrelevância da natureza continuada ou duradora do facto ilícito para a fixação do termo inicial do prazo de prescrição.
X. No presente caso, foi o decretamento da providência cautelar por Tribunal Arbitral, em 10.11.2017 que, na tese das Autoras e Recorridas, lhes causou prejuízos: o dano que invocam é, precisamente, terem sido, por esse decretamento, “forçadas a interromper a comercialização do medicamento genérico Emtricitabina + Tenofovir Mylan em Portugal no período compreendido entre o decretamento das providências cautelares requeridas pela Ré Gilead Sciences Inc. e a prolação da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que revogou a decisão arbitral cautelar, sofrendo elevados prejuízos”.
Y. O dia 10.11.2017, em que a Mylan, Lda. alega ter suspendido a comercialização do seu medicamento genérico, é a data em que as Autoras e Recorridas terão conhecido materialmente o acórdão arbitral e em que deram execução ao mesmo, nos termos que alegam na Petição Inicial, porque a execução pressupõe o conhecimento.
Z. Nessa data, conheceram os fundamentos do acórdão e já conheciam a intervenção que a Ré e Recorrente Gilead Inc. nele tinha tido, podendo, logo aí, ajuizar da sua boa ou má justificação e da eventual culpa ou dolo que pudessem imputar à Gilead Inc. na prolação desse acórdão e na propositura do procedimento cautelar, nos termos que fazem nesta ação.
AA. Pelo que, no quadro factual trazido aos autos pelas Autoras e Recorridas, estas conhecem os factos integrantes dos pressupostos da responsabilidade civil em que (erradamente) assenta o seu alegado direito à indemnização desde o dia 10.11.2017, sendo irrelevante que não tenham conhecido, logo nessa data, toda a extensão do dano alegadamente indemnizável em que incorreu a Autora e Recorrida Mylan Lda.
BB. O Tribunal a quo citou, acertadamente, doutrina e jurisprudência que esclarece que, para efeitos do prazo prescricional estabelecido no artigo 498.º, n.º 1 do C Civil, o lesado terá conhecimento do direito que lhe compete quando se torne conhecedor da existência dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual, sabendo que dispõe do direito à indemnização pelos danos que sofreu. Mas, descendo ao caso concreto, considerou que seria necessário o reconhecimento judicial do (alegado) direito das Autoras – ou seja, de que a providência cautelar decretada fora injustificada – para que estas pudessem propor a presente ação.
CC. Mas a causa do dano que dizem ter sofrido não deriva do exercício pelas Recorrentes do direito que lhe advém do CCP 202, mas, exclusivamente, da decisão cautelar do Tribunal Arbitral, que baseado na simples presunção de validade do CCP 202, as teria proibido de comercializar o medicamento Emtricitabina TD Mylan.
DD. O Despacho Saneador fixou, portanto, esse momento de forma errada, porque a “injustificação” da providência se confirmou com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que a revogou, e não mais tarde, quando o CCP 202 foi declarado nulo já no âmbito da ação principal. Mais ainda, e como a jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a esclarecer de forma pacífica e consistente, quando está em causa um processo judicial ou procedimento cautelar cuja falta de fundamento seja geradora de responsabilidade, o conhecimento do lesado do seu direito à indemnização não depende de reconhecimento ou confirmação judicial da respetiva falta de fundamento.
• É DESNECESSÁRIO O RECONHECIMENTO JUDICIAL DA FALTA DE FUNDAMENTO DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR PARA O INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO DO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
EE. A desnecessidade do reconhecimento judicial da falta de fundamento da providência cautelar, para que se inicie a contagem do prazo de prescrição do direito à indemnização, está assente em jurisprudência pacífica do STJ37, em parte proferida precisamente sobre procedimento cautelar – o comum, mas cuja norma reguladora (artigo 374.º, n.º 1 do CPC) é, para o que ora releva, em tudo idêntica à do CPI, prevendo que a providência venha a ser “considerada injustificada”.
FF. A doutrina processualista – quer a geral, quer a dedicada à matéria da propriedade industrial – também explica que o requerido pode, até, fazer valer o seu direito à indemnização “em reconvenção da ação de que o procedimento cautelar dependa [...] pelo menos quando a injustificação da providência se deva à inexistência do direito de fundo, o que confirma a desnecessidade de qualquer confirmação judicial para que o requerido conheça o (alegado) direito à indemnização.
GG. Aliás, em acórdão muito recente, proferido em 14.01.2025, o STJ voltou a esclarecer, de forma particularmente clara, que “o que conta para que o lesado conheça o direito à reparação que lhe compete é o conhecimento dos factos – e não da sua qualificação ou valoração, v.g., no plano da ilicitude – que integram os elementos constitutivos do direito de indemnização, derivado de uma responsabilidade aquiliana, conhecimento através do qual fica inteiramente ciente ou elucidado que titula o direito à reparação dos danos que suportou.”
HH. Efetivamente, na interpretação mais fiel da jurisprudência pacífica dos tribunais superiores, não releva, para a fixação do termo inicial do prazo de prescrição do alegado direito das Autoras e Recorridas à indemnização, a confirmação judicial da existência desse direito, cabendo ao lesado o ónus de, conhecendo os factos subjacentes aos diversos pressupostos da responsabilidade, tomar as medidas que considere apropriadas para ser indemnizado.
II. No presente caso, atendendo aos elementos que as próprias Autoras e Recorridas trazem aos autos, é forçoso concluir que no dia 10.11.2017, quando se iniciou a suspensão da comercialização do Emtricitabina TD Mylan, estas já conheciam todos os factos subjacentes aos pressupostos da responsabilidade civil fundada em providência cautelar injustificada, mesmo que não estivesse verificado todo o alegado dano dali decorrente.
JJ. Tinham, nomeadamente, conhecimento de todo o teor da decisão que havia decretado a providência cautelar e estavam, assim, em condições de plenamente apreciar a justificação, ou não justificação, da mesma.
KK. A prescrição do suposto direito à indemnização das Autoras ocorreu, assim, pelo menos, em 30.06.2021 (computada a suspensão dos prazos de prescrição prevista na Lei 1-A/2020, de 19 de março, alterada pelas Leis 16/2020, de 29 de maio, 4-B/2021, de 1 de fevereiro e 13- B/2021, de 5 de abril), data desde a qual se encontra prescrito qualquer direito a uma indemnização a que as Autoras e Recorridas pudessem aspirar.
LL. E mesmo que se considerasse (o que por mero dever de patrocínio se equaciona), que seria necessário o reconhecimento judicial da falta de justificação da providência cautelar decretada para estarem reunidos os pressupostos do direito à indemnização das Autoras e Recorridas, ainda assim, o alegado direito destas está prescrito desde bem antes destas terem dado início à presente ação de indemnização.
• Sem conceder, mesmo que fosse necessário o reconhecimento judicial da injustificação da providência cautelar, o alegado direito das Autoras e Recorridas à indemnização está sempre prescrito
MM. A excluir-se, como data relevante para fixar o termo inicial do prazo de prescrição, a data da suspensão da comercialização do Emtricitabina TD Mylan em Portugal (10.11.2017), o único outro momento que se vislumbra possível para fixar o termo inicial do prazo de prescrição seria a data em que as Autores e Recorridas tomaram conhecimento da revogação da providência cautelar, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.06.2018.
NN. De facto, o artigo 338.º-G, n.º 3 do CPI de 2003 e 343.º, n.º 3 do CPI de 2018, em que as Autoras e Recorridas fundam a presente ação, referem-se à possibilidade de o requerido em procedimento cautelar, cuja providência tenha sido decretada e mais tarde seja considerada injustificada (revogada), ser indemnizado pelos danos causados pela execução da providência.
OO. As normas nas quais esta norma do CPI se baseou confirmam que a “injustificação” se traduz, em termos processuais, na revogação da medida cautelar: assim o confirma quer o artigo 9.º, n.º 7 da Diretiva do Enforcement, quer o artigo 50.º, n.º 7 do Acordo do TRIPS, ambos se referindo expressamente a medidas que tenham sido “revogadas”.
PP. é esta circunstância, essencial, que o Despacho Saneador desconsidera quando afirma que “o conhecimento desse direito por banda das AA, não ocorreu, nem poderia ter ocorrido, com a suspensão da comercialização do medicamento Emtricitabina TD Mylan, nem com o conhecimento da revogação da providência cautelar [...] porque, em ambos os momentos, a providência cautelar não era ainda tida como injustificada e, consequentemente, não havia, por parte das Autoras, o conhecimento do seu direito”.
QQ. A conclusão que cabe retirar dos factos relevantes e do enquadramento legal aplicável é precisamente a oposta: foi precisamente o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, por ter “considerado injustificada” a providência cautelar, a revogou.
RR. A validade ou invalidade do CCP 202 é, assim, absolutamente irrelevante para a questão que aqui nos ocupa, porque a providência cautelar não foi julgada injustificada por o CCP 202 ter sido considerado nulo, mas, pura e simplesmente, porque o Tribunal da Relação decidiu não estarem reunidos todos os pressupostos processuais necessários ao seu decretamento (ausência de “fumus boni juris”).
SS. A decisão judicial que, posteriormente à revogação da providência cautelar, veio a julgar inválido o CCP 202, nenhum efeito teve já relativamente à providência que, à data da sua prolação, havia já sido julgada injustificada e, por isso, revogada.
TT. Deste modo, o direito das Recorridas, a existir, o que se não se aceita, ter-se-á de considerar constituído, se não antes, como atrás referimos, pelo menos, na data em que foi notificado às Autoras e Recorridas o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que revogou a providência.
UU. Toda e qualquer vicissitude processual posterior à prolação (ou ao trânsito em julgado) deste acórdão é simplesmente irrelevante para a aferição da “justificação” da providência, dado que, nesse momento, ela já fora decretada, já fora revogada, e os alegados danos que poderiam fundar um pedido de indemnização dela decorrentes seriam apenas os que se verificaram no período em que vigorou.
VV. Quanto ao acórdão do TJUE, citado pelo Tribunal a quo no Despacho Saneador, para fundamentar a sua decisão quanto à não verificação da exceção de prescrição do alegado direito das Autoras e Recorridas, refere-se a uma questão que em nada se relaciona com o objeto do presente recurso.
WW. O TJUE está apenas a pronunciar-se sobre a primeira questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, a saber: “Deve um regime de indemnização baseado na responsabilidade objetiva, como o regime em vigor na Finlândia […], ser considerado compatível com o artigo 9.º, n.º 7, da [Diretiva 2004/48]?”, tendo o TJUE concluído por essa compatibilidade.
XX. O parágrafo 43 do acórdão, citado pelo Tribunal a quo no Despacho Saneador, respeita, (i) a um tema distinto (a suscetibilidade de um regime nacional de responsabilidade objetiva, como o finlandês, ser compatível com o regime do artigo 9.º, n.º 7 da Diretiva do Enforcement), e (ii) está a focar-se na própria legislação nacional finlandesa, sem qualquer preocupação de se pronunciar acerca do momento em que deve ser fixado o termo inicial do prazo de prescrição para o exercício do direito à indemnização naquele ordenamento.
YY. É certo que refere, no contexto daquela análise à legislação nacional finlandesa, que “quem solicita uma medida provisória deverá pagar uma indemnização para cobrir os danos causados por essa medida se o direito de propriedade intelectual com base no qual a referida medida foi concedida for posteriormente declarado nulo”, mas é por demais evidente que não são apenas esses os casos em que, ao abrigo do artigo 9.º n.º 7 da Diretiva do Enforcement e, bem assim, dos artigos relevantes do CPI, o requerente deve indemnizar o requerido.
ZZ. Ao contrário, a indemnização pode ser devida se: (i) a providência for considerada injustificada; (ii) a providência deixe de produzir efeitos por facto imputável ao requerente; (iii) se verifique não ter havido violação de qualquer direito de propriedade industrial (precisamente o caso em que um determinado direito de propriedade industrial é declarado nulo, assim pondo termo à providência); (iv) se verifique ser infundado o receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável de um direito de propriedade industrial.
AAA. Aliás, é o próprio TJUE que, noutro passo da decisão, explica isto mesmo (cf. parágrafos 29 e 30 do acórdão do TJUE, referentes ao artigo 9.º, n.º 7 da Diretiva do Enforcement), sendo claro que o TJUE não pretendeu, neste acórdão, fazer qualquer referência à necessidade de declaração de nulidade do direito de propriedade industrial para que a providência cautelar seja considerada injustificada, nem tal poderia suceder, uma vez que a própria Diretiva do Enforcement prevê, no artigo 9.º, n.º 7, a circunstância de as medidas provisórias serem revogadas (e não qualquer exigência relativa à validade do direito de propriedade industrial) como fundamento para a indemnização.
BBB. Deste modo, apenas se poderá considerar que o reconhecimento judicial de que a providência cautelar foi injustificada ocorreu com a revogação da mesma, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 21.06.2018.
CCC. A data da elaboração da notificação do acórdão no CITIUS é de 22.06.2018, pelo que a notificação deste à Autora e Recorrida Mylan SAS se presume efetuada no dia 25.06.2018 (cf. artigo 248.º do CPC), aliás a todas a Autoras e Recorridas (cf. artigo 211 da Petição Inicial).
DDD.Portanto, mesmo fixando o termo inicial do prazo de prescrição no dia 25.06.2018, o prazo de três anos de que as Autoras dispunham para intentar a presente ação terminou no dia 02.12.2021 (computada, também aqui, a suspensão dos prazos de prescrição prevista na Lei 1-A/2020, de 19 de março, alterada pelas Leis 16/2020, de 29 de maio, 4-B/2021, de 1 de fevereiro e 13-B/2021, de 5 de abril).
EEE. E mesmo aplicando uma sub-hipótese ainda mais generosa para com as Autoras e Recorridas, e fixando o termo inicial do prazo prescricional não na data do conhecimento, por estas, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, mas sim do respetivo trânsito em julgado, que ocorreu em 14 de fevereiro de 201940, ainda assim, a prescrição do direito que as Autoras e Recorridas aqui se arrogam já teria ocorrido em 24.07.2022.
Assim, seja qual for a abordagem ao termo inicial do prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil, este prescreveu em qualquer caso: (i) seja no dia 30.06.2021; (iii) seja no dia 02.12.2021; (iii) seja, finalmente, no dia 24.07.2022.
GGG.Tendo a presente ação dado entrada em juízo em 26.01.2024, em caso algum se poderia entender que as Autoras e Recorridas promoveram a interrupção da prescrição dentro do respetivo prazo (cf. artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil).
HHH.Pelo que a presente ação deve necessariamente soçobrar, por prescrição do direito das Autoras e Recorridas à indemnização, devendo o Despacho Saneador ser revogado no que a esta decisão respeita, e ser substituído por outro que confirme a procedência da exceção de prescrição do alegado direito à indemnização a que as Autoras se arrogam nos presentes autos.
• O momento em que as Autoras e Recorridas conheceram o seu alegado direito à restituição por enriquecimento sem causa
III. É certo, e as Recorrentes não disputam, que o termo inicial de ambos os prazos de prescrição aqui em causa se deve fixar no momento em que o lesado toma conhecimento do seu (alegado) direito, seja à indemnização, seja à restituição.
JJJ. O que já não é certo, e vale aqui para o alegado direito à restituição das Autoras e Recorridas face à Gilead Lda. como valeu para o seu alegado direito à indemnização face à Gilead Inc., é que o momento em que as Autoras e Recorridas conheceram o alegado direito ao enriquecimento sem causa seja o da declaração de nulidade do CCP 202, ocorrida já muito depois de ter sido revogada a providência cautelar em causa nos autos.
KKK. De facto, estas formularam a presente ação contra a Gilead Inc., por alegado dever de indemnizar fundado em responsabilidade civil, e ao mesmo tempo contra a Gilead Lda., por dever de restituir, fundado em responsabilidade civil. E, na tese que apresentam, teria sido, também, “em virtude das providências decretadas pelo Tribunal Arbitral” que a Gilead Lda. se teria, segundo elas, locupletado (vide, v.g. o artigo 233 da Petição Inicial).
LLL. Portanto, atendendo aos elementos que as próprias Autoras e Recorridas trazem aos autos, é forçoso concluir que no dia 10.11.2017, quando se iniciou a suspensão da comercialização do Emtricitabina TD Mylan, estas não só conheciam os factos subjacentes aos pressupostos da responsabilidade civil fundada em providência cautelar injustificada – porque conheciam a decisão que a decretou e podiam apreciar a justificação, ou não justificação, da mesma – como tinham consciência da suposta “injustificação” da causa que invocam como sendo aquela que teria determinado o enriquecimento que alegam ter beneficiado a Recorrente Gilead Lda.
MMM. Sendo esse o enriquecimento que, na sua perspetiva, legitimaria o pedido de restituição que formulam, ao abrigo do artigo 473.º, n.º 1 do Código Civil – e que seria da Ré e Recorrente Gilead Lda., bem entendido, por ser quem comercializava em Portugal o medicamento de referência Truvada (artigo 223 da Petição Inicial).
NNN. A prescrição do suposto direito das Autoras e Recorridas à restituição por enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 482.º do Código Civil, ocorreu, assim, tal como referido quanto ao alegado direito à indemnização, em 30.06.2021.
OOO. E mesmo que, como se fez para o pedido de indemnização fundado em responsabilidade civil, se concedesse ser necessária a confirmação judicial da “falta de causa” deste enriquecimento, ainda sim tal ocorreria sempre na data em que as Autoras e Recorridas foram notificadas do acórdão do Tribunal da Relação e Lisboa que revogou a providência – dia 25.06.2018.
PPP. Sendo esse o termo inicial do prazo de prescrição a que se refere o artigo 482.º do Código Civil, o mesmo prazo terminaria no dia 02.12.2021.
QQQ. De novo aplicando a sub-hipótese ainda mais generosa para com as Autoras e Recorridas, e fixando o termo inicial do prazo prescricional não na data do conhecimento, por estas, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, mas sim do respetivo trânsito em julgado, ainda assim, a prescrição do direito à restituição com fundamento em enriquecimento sem causa, que as Autoras e Recorridas aqui se arrogam, já teria ocorrido em 24.07.2022.
RRR. Assim, à semelhança do que foi dito quanto ao direito à indemnização, seja qual for a abordagem ao termo inicial do prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 482.º do Código Civil, este prescreveu em qualquer caso: (i) seja no dia 30.06.2021; (iii) seja no dia 02.12.2021; (iii) seja, finalmente, no dia 24.07.2022.
SSS. Tendo a presente ação dado entrada em juízo em 26.01.2024, em caso algum se poderia entender que as Autoras e Recorridas promoveram a interrupção da prescrição dentro do respetivo prazo (cf. artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil).
TTT. Também não releva, para a fixação do termo inicial deste prazo, o facto de, a título principal, ter sido formulado o pedido indemnizatório contra a Ré e Recorrida Gilead Inc., dado que (i) se tratam de pedidos formulados contra entidades distintas, e também que
(ii) a tal pedido não poderão ser atribuídos efeitos interruptivos – ou quaisquer outros de natureza material –, quando foi apresentado já fora do prazo prescricional aplicável ao exercício do direito à indemnização fundada em responsabilidade civil.
UUU. Se as Autoras e Recorridas não usaram atempadamente da ação de indemnização, sempre lhes estaria vedada a invocação do princípio da subsidiariedade da ação de enriquecimento sem causa, com vista à eventual repristinação de um direito à restituição do suposto empobrecimento, também já prescrito, de acordo com o artigo 482.º do Código Civil43.
XV. É evidente, por todo o exposto, que, quando esta ação foi proposta, já estava prescrito qualquer direito à restituição, por parte da Gilead Lda., do eventual empobrecimento que a execução da providência cautelar pudesse ter causado às Autoras e Recorridas.
Termos em que deve o presente recurso de apelação autónoma ser admitido e declarado procedente e, em consequência, ser revogado o Despacho Saneador na parte em que determinou a Improcedência da exceção perentória de prescrição dos alegados direitos das Autoras, ora Recorridas (a Indemnização ou restituição de putativo enriquecimento sem causa), Invocada pelas Rés, ora Recorrentes, substituindo-se por outro que Julgue procedente a exceção perentória de prescrição.
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6. As Recorridas apresentaram Resposta ao recurso, onde pugnam pela respetiva Improcedência.
7. Em sede do presente recurso de apelação, foi cumprido o disposto nos artigos 657.º, n.º 2 e 659.º, do Código de Processo Civil.
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Questão prévia – da reclamação para Conferência do despacho proferido pelo Relator a não admitir a junção de um parecer jurídico apresentado pelas Recorrentes em 12-09-2025
8. Por requerimento apresentado em 12-09-2025, as Autoras pediram a junção aos autos de um parecer jurídico intitulado “Providência Cautelar Injustificada – Responsabilidade por conduta processual, termo a quo da prescrição do direito à Indemnização e à Restituição por Enriquecimento sem Causa”.
9. Por despacho de 18-09-2025, proferido pelo respetivo Relator, foi rejeitado, por intempestivo, o parecer jurídico apresentado em 12-09-2025.
10. De tal despacho vieram as Recorrentes, em 02-10-2025 e ao abrigo do disposto no artigo 652.º n.º 3 do Código de Processo Civil, reclamar para a Conferência, pugnando, em suma, pela admissão do parecer jurídico.
11. A reclamação para conferência foi admitida por despacho proferido em 03-10-2025.
12. Cumprido o contraditório (artigo 652.º, n.º 3, in fine, do Código de Processo Civil), nada foi dito nesta sede pela parte contrária.
Cumpre, assim, decidir, em Conferência, da admissibilidade da junção do parecer jurídico pelas Autoras Recorrentes.
13. O despacho que rejeitou a junção do parecer foi proferido em 03-10-2025, nos seguintes termos:
“Recurso próprio, admitido com efeito e modo de subida adequados.
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Do parecer jurídico junto pelas Recorrentes em 12-09-2025.
Os presentes autos foram conclusos ao juiz relator no dia 09-09-2025, para elaboração de projeto de acórdão.
Por isso, a junção do referido parecer mostra-se extemporânea (cf. artigo 651.º, n.º 2, do CPC).
Pelo exposto, rejeita-se a junção do parecer.
Notifique-se.
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Aos vistos e inscreva em tabela para a sessão do dia 15-10-2025, e não antes atento o despacho anterior de rejeição de junção de parecer (cf. artigo 652.º, n.º 3 do CPC).”
14. Segundo o disposto no artigo 651.º, n.º 2 do Código de Processo Civil: “As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.”
15. Para aferir do momento em que se inicia o prazo para a elaboração do projeto de acórdão, este último normativo deve ser conjugado com o disposto no artigo 657.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, onde se dispõe: “Decididas as questões que devam ser apreciadas antes do julgamento do objeto do recurso, se não se verificar o caso previsto no artigo anterior, o relator elabora o projeto de acórdão no prazo de 30 dias.”.
16. Nos termos do citado artigo 657.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, deve entender-se, portanto, que o início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão, no que a este caso concreto diz respeito, apenas se verificou com o próprio despacho proferido em 03-10-2025, momento em que o Relator verificou, liminarmente, que o recurso tinha sido interposto de forma adequada.
17. Nestes termos, diferentemente do que entendeu o despacho proferido pelo Relator, julga-se que o parecer efetivamente foi junto de forma tempestiva, pelo que deve ser admitido aos autos.
18. Em suma, a reclamação deve ser julgada procedente.
19. Pelo exposto, acorda-se em julgar a reclamação para conferência procedente e, em consequência, revoga-se o despacho do Relator proferido em 03-10-2025 e, em consequência, admite-se a junção aos autos do parecer apresentado pelas Recorrentes em 12-09-2025.
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Questões que o presente tribunal cumpre resolver em sede recursória
20. Antes de enunciarmos as questões a que o presente tribunal cumpre responder, haverá que recordar que, segundo jurisprudência constante, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de questão que delas não conste.
21. É também consensual na jurisprudência dos tribunais portugueses que importa não confundir questões, cuja omissão de pronúncia desencadeia nulidade da decisão nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, com argumentos, razões ou motivos que são aduzidos pelas partes em defesa ou reforço das suas posições, aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada.
22. Feitos estes esclarecimentos prévios, vejamos a questão suscitada no recurso em apreciação:
i. Os direitos que as AA. pretendem fazer valer nos presentes autos mostram-se prescritos?
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Fundamentação
23. O tribunal a quo, para a decisão sobre a alegada prescrição, tomou em conta os factos e atos processuais que seguidamente se expõem, e que se mostram incontrovertidos entre as partes.
Factos
A. No dia 10 de abril de 2017, a Ré Gilead Sciences, Inc. iniciou uma ação arbitral necessária contra a Autora Viatris Santé (Mylan SAS), invocando a titularidade da EP’894 e do CCP 202.
B. Na Petição Inicial, apresentada no dia 2 de outubro de 2017, a Ré Gilead Sciences, Inc. pediu, inter alia, que fosse proferida decisão condenando a Autora Viatris Santé (Mylan SAS) a: Abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer (por meio de concurso ou outro) o produto “Emtricitabina + Tenofovir Mylan”, identificado no artigo 89 da Petição Inicial ou, sob estas ou quaisquer outras designações ou marcas comerciais, quaisquer medicamentos que contenham a combinação das substâncias ativas emtricitabina e tenofovir disoproxil (ou um seu sal), enquanto os direitos de propriedade industrial da Gilead decorrentes do CCP 202 estiverem em vigor, i.e. até 24 de Fevereiro de 2020.
C. A Ré Gilead Sciences, Inc. requereu um procedimento cautelar junto do Tribunal Arbitral com vista à obtenção de uma decisão que intimasse a Autora Viatris Santé (Viatris Santé (Mylan SAS)) a cessar e a impedir a comercialização do medicamento genérico Emtricitabina + Tenofovir Mylan em Portugal enquanto o CCP 202 se encontrasse em vigor.
D. No dia 8 de novembro de 2017, o Tribunal Arbitral, sem apreciar as alegações de invalidade apresentados pela Ré Viatris Santé (Mylan SAS) contra o CCP 202, proferiu um acórdão deferindo a providência cautelar e com a seguinte condenação: 1) Intima-se a Requerida a abster-se de fornecer ou propor fornecer – direta ou indiretamente, designadamente através de sociedades integradas no mesmo grupo económico, como é a Mylan Lda. -, ao abrigo da AIM de que é titular, Emtricitabina + Tenofovir Mylan a hospitais sitos em Portugal e ainda de, no território português, ou com vista à comercialização naquele território, oferecer, introduzir no comércio ou vender – direta ou indiretamente, designadamente através de sociedades integradas no mesmo grupo económico, como é a Mylan, Lda. -, ao abrigo da mesma AIM, o medicamento Emtricitabina + Tenofovir Mylan, enquanto os direitos de propriedade industrial da Gilead decorrentes do Certificado Complementar de Proteção n.º 202 (doravante “CCP 202”) se encontrarem em vigor ou enquanto esta providência não for revogada; 2) Condena-se a Requerida a pagar uma sanção pecuniária compulsória, no valor de € 10.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de não comercializar – por si ou por intermédio de terceiro – o sobredito medicamento genérico.
E. A A. Mylan, Lda suspendeu, efetivamente, a comercialização do medicamento Emtricitabina TD Mylan em 10 de novembro de 2017, disso notificando o Infarmed e a Autora Viatris Santé (Viatris Santé (Mylan SAS)) recorreu da decisão do Tribunal Arbitral para o Tribunal da Relação de Lisboa.
F. Por acórdão de 21 de junho de 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa revogou o acórdão arbitral proferido em sede cautelar, tendo resumidamente concluído o seguinte: IV. A “summaria cognitio” exigida no procedimento cautelar, não pode ignorar que o direito invocado pela Requerente está judicialmente posto em causa, através de acção declarativa destinada a reconhecer a sua invalidade e, inclusivamente, já foi julgado improcedente por tribunais europeus, o que só por si é motivo suficiente para concluir não existir o “fumus boni iuris”.
G. A Ré Gilead Sciences, Inc. interpôs um recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça no dia 13 de julho de 2018 que foi rejeitado por despacho da Juíza Desembargadora Relatora no dia 13 de setembro de 2018.
H. A Ré Gilead Sciences, Inc. apresentou uma reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça contra esse despacho da Desembargadora Relatora, mas por decisão singular proferida no dia 9 de novembro de 2018, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação da Ré Gilead Sciences, Inc..
I. A Ré Gilead Sciences, Inc. apresentou uma nova reclamação para a conferência do Supremo Tribunal de Justiça, mas por acórdão de 31 de janeiro de 2019, o Supremo Tribunal de Justiça manteve a decisão de não admitir o recurso da Ré Gilead Sciences, Inc..
J. A audiência de julgamento da ação arbitral principal teve lugar nos dias 27 e 29 de junho de 2018.
K. Por acórdão de 29 de novembro de 2018, o Tribunal Arbitral julgou a ação arbitral improcedente, por não provada, absolvendo a Autora Viatris Santé (Mylan SAS) de todos os pedidos formulados pela Ré Gilead Sciences, Inc..
L. No dia 28 de janeiro de 2019, a Ré Gilead Sciences, Inc. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa contra o acórdão arbitral final proferido pelo Tribunal Arbitral. No dia 23 de dezembro de 2020, a Ré Gilead Sciences, Inc. desistiu do recurso.
M. Por decisão singular datada de 16 de janeiro de 2021, notificada às partes no dia 21 de janeiro de 2021, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou válida e homologou a desistência do recurso da Ré Gilead Sciences, Inc..
N. A referida decisão transitou em julgado no dia 4 de fevereiro de 2021.
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Do mérito do recurso
Os direitos que as AA. pretendem fazer valer nos presentes autos mostram-se prescritos?
24. Como salientam as Recorrentes, a questão decidenda essencial no presente recurso é saber qual o momento em que deve fixar-se o termo inicial do prazo de prescrição de 3 anos, isto é, saber em que momento se considera que as Autoras e Recorridas tiveram conhecimento do seu (alegado) direito.
25. Segundo o entendimento das Recorrentes, o termo inicial coincide com o dia 10-11-2017, “data em que as Autoras e Recorridas terão conhecido materialmente o acórdão arbitral e em que deram execução ao mesmo, nos termos que alegam na Petição Inicial, porque a execução pressupõe o conhecimento.” A prescrição do suposto direito à indemnização das Autoras ocorreu, pois, pelo menos, em 30-06-2021 (computada a suspensão dos prazos de prescrição prevista na Lei 1-A/2020, de 19 de março, alterada pelas Leis 16/2020, de 29 de maio, 4-B/2021, de 1 de fevereiro e 13- B/2021, de 5 de abril), data desde a qual se encontra prescrito qualquer direito a uma indemnização a que as Recorridas pudessem aspirar.
26. Subsidiariamente, as Recorrentes defendem que o termo inicial coincide com a data do conhecimento pelas Recorridas do Ac. TRL de 21-06-2018 que revogou a providência cautelar por falta de verificação do fumus boni iuris, ou com o trânsito em julgado deste acórdão.
27. As Recorridas divergem deste entendimento, concordando com o entendimento do tribunal a quo.
Apreciação deste tribunal
28. Como é sabido a prescrição é um meio de defesa do devedor. Este meio de defesa constitui uma penalização pelo não exercício do direito e funda-se, portanto, na inércia do respetivo titular.
29. O tribunal a quo considerou o termo inicial do prazo de prescrição o dia 04-02-2021, consignando, além do mais, o seguinte:
“Mostra-se consensual que nos encontramos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual (art.º 483.º, n.º 1 do C. Civil), pelo que temos por certo estar o direito de indemnização exercitado pelas AA. sujeito ao regime de prescrição previsto no art.º 498.º, n.º 1 do C. Civil (…).
(…)
Aqui chegados parece-nos de meridiana evidência que o conhecimento desse direito por banda das AA, não ocorreu, nem poderia ter ocorrido, com a suspensão da comercialização do medicamento Emtricitabina TD Mylan, nem com o conhecimento da revogação da providência cautelar, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Junho de 2018 que não se pronunciou sobre a nulidade do CCP 202.
Isto porque, em ambos os momentos, a providência cautelar não era ainda tida como injustificada e, consequentemente, não havia, por parte das Autoras, o conhecimento do seu direito, apenas se limitaram a obedecer à primeira decisão proferida pelo Tribunal arbitral, como era sua obrigação, a que acresce o facto da segunda decisão (proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa) não lhe ter reconhecido o direito porque não conheceu de mérito a questão da invocada nulidade do CCP 202, ali alegado pelas ora AA.
Concorda-se com as AA, quando afirmam que tomaram apenas conhecimento do seu direito a uma eventual indemnização quando a decisão que declarou o CCP 202 nulo transitou em julgado, pois foi aí que obtiveram conhecimento de que o decretamento da providência foi, de facto, injustificado. Foi apenas nesse momento que foi reconhecida a nulidade do CCP 202, sendo certo que é este facto que torna injustificado o decretamento da providência cautelar arbitral à qual as AA. tiveram de obedecer.
Ora, tal decisão foi proferida no acórdão emitido na ação principal entre a Autora Viatris Santé (Mylan SAS) e a Ré Gilead Sciences, Inc, tendo essa decisão transitado em 04.02.2021.
É a partir desta data que se deve contar o termo inicial do prazo de prescrição em causa, ou seja, três anos, uma vez que é com o trânsito em julgado desta decisão que nasce na esfera jurídica das Autoras o direito a uma indemnização pois, nos termos do disposto no artigo 306.º do CC, sob a epígrafe “Início do curso da Prescrição”, nomeadamente através do seu n.º 1, 1.ª parte que estipula que O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido e o direito das AA. radica na declaração de nulidade do CCP 202 que apenas operou com o trânsito em julgado do Acórdão que a declarou, isto é, em 04.02.2021.”
30. Inexistem dúvidas sobre a aplicabilidade do artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, quanto à indemnização funda em responsabilidade extracontratual (alínea a) do Pedido) e do disposto no artigo 482.º relativamente ao pedido fundado em enriquecimento sem causa.
31. Conforme resulta do disposto no artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil: “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.”
32. Mais resulta do disposto no artigo 482.º: “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento.”
33. Como é sabido, os preceitos legais citados, quanto ao início do prazo prescricional, consagram, no que ao termo inicial releva, um regime subjetivista, diferente da regra geral objetivista expressa no artigo 306.º do Código Civil.
34. A diferença entre um regime subjetivista – onde o que importa é o conhecimento pelo interessado dos pressupostos de que depende o seu direito –, e objetivista – onde o que importa é o momento em que o direito pode ser exercido, independentemente do conhecimento do visado –, não deve olvidar, contudo, que “o tempo legal de prescrição deve ser um tempo útil, não podendo censurar-se o credor pelo facto de não ter agido numa altura em que não podia fazê-lo. Se assim não fosse, poderia acontecer que a prescrição se consumasse antes de poder ser exercido o direito prescrito”, não sendo de aceitar uma solução que faça “correr o prazo de prescrição antes de o credor poder praticamente exercer o seu direito” (Ac. STJ de 20-03-2014, processo n.º 420/13.0TBMAI.P1.S1, citando Vaz Serra).
35. Importa, pois, determinar quando é que o direito alegado pelas Autoras Recorridas poderia ser exercido e estas tiveram conhecimento de tal direito.
36. O direito indemnizatório alegado pelas Autoras na petição inicial, funda-se no disposto no artigo 338.º-G, n.º 3 e 338-I, n.º 5 do Código de Propriedade Industrial 2003 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003 de 05-03) ou artigo 343.º, n.º 3 e artigo 345.º, n.º 5, do Código de Propriedade Industrial 2018 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/2018 de 10-12).
37. Uma vez que os artigos 343.º, n.º 3 e artigo 345.º, n.º 5 do Código de Propriedade Industrial 2018, apenas entraram em vigor no dia 01-07-2019 (cf. artigo 16.º, n.º 3, Decreto-Lei n.º 110/2018 de 10-12), julgamos aplicáveis o Código de Propriedade Industrial 2003. De qualquer modo, no que aqui importa, os preceitos em causa não sofreram alterações relevantes.
38. Segundo o artigo 338.º-G, n.º 3 do Código de Propriedade Industrial 2003: “Sempre que a medida de preservação da prova aplicada for considerada injustificada ou deixe de produzir efeitos por facto imputável ao requerente, bem como nos casos em que a mesma tenha sido requerida de modo abusivo ou de má-fé, se verifique não ter havido violação ou ser infundado o receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável de um direito de propriedade industrial, pode o tribunal ordenar ao requerente, a pedido da parte requerida ou de um terceiro lesado, o pagamento de uma indemnização adequada a reparar qualquer dano causado pela aplicação das medidas.” (sublinhados nossos). Este preceito é aplicável a providências cautelares por remissão do artigo 338.º-I, n.º 5 do mesmo diploma legal.
39. Tal como salientam as Recorrentes, o citado normativo resulta da transposição do artigo 9.º, n.º 7, da chamada Diretiva Enforcement (Diretiva 2004/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29-4-2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, publicado no JOUE, L 157/45). Segundo tal preceito “Quando as medidas provisórias tenham sido revogadas ou deixem de produzir efeitos por força de qualquer ato ou omissão do requerente, bem como nos casos em que se venha a verificar posteriormente não ter havido violação ou ameaça de violação de um direito de propriedade intelectual, as autoridades judiciais deverão ter competência para ordenar ao requerente, a pedido do requerido, que pague a este último uma indemnização adequada para reparar qualquer dano causado por essas medidas.” (sublinhados nossos).
40. Este último normativo, por sua vez, encontra-se em harmonia com o estabelecido no artigo 50.º, n.º 7 do Acordo TRIPS (Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (1994)), Anexo I C ao Acordo que constitui a Organização Mundial do Comércio, ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 82-B/94, de 27-12.
41. Quanto ao termo inicial controvertido, são aqui adiantadas quatro teses:
a. O termo inicial coincide com a notificação das Recorridas do acórdão do tribunal arbitral de 08-11-2017, que deferiu a providência cautelar;
b. Subsidiariamente, as Recorrentes defendem que o termo inicial coincide com a data da notificação às Recorridas do Ac. TRL de 21-06-2018, que revogou a providência cautelar por falta de verificação do fumus boni iuris, i.e..
c. As Recorrentes adiantam, ainda, uma terceira hipótese onde o termo inicial coincide com o trânsito em julgado do Ac. TRL de 21-06-2018.
d. Segundo o tribunal a quo e as Recorridas, o termo inicial coincide com o dia 04-02-2021, data do trânsito em julgado do Acórdão que declarou a nulidade do CCP 202.
42. De acordo com jurisprudência do STJ predominante nesta matéria, se não mesmo unânime, o prazo de prescrição conta-se a partir do conhecimento, pelo interessado, da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e soube, assim, ter direito à indemnização pelos danos que sofreu (cf. Ac. STJ de 18-04-2002, processo n.º 02B950).
43. O termo inicial verifica-se, pois, por outras palavras, quando o interessado “se torne conhecedor da existência dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo que dispõe do direito à indemnização pelos danos que sofreu” (Ac. STJ de 14-10-2021, processo n.º 1292/20.4T8FAR-A.E1.S1).
44. Mais resulta da jurisprudência do STJ que “[n]uma ação de indemnização, o momento em que o direito pode ser exercido é aquele em que sejam conhecidos do lesado os pressupostos da ação, traduzidos nos seus elementos fácticos, e não o do reconhecimento judicial da sua verificação e qualificação.” (Ac. STJ de 23-02-2010, processo n.º 3165/08.OTBPRD.P1.S1, com sublinhados nossos).
45. Este último entendimento foi reiterado pelo STJ no Ac. de 12-09-2019, processo n.º 2032/16.8T8STR.E1-A.S1, segundo o qual:
“I. Para efeito de contagem do termo inicial do prazo prescricional estabelecido no artigo 498º, nº1 do Código Civil, o lesado terá conhecimento “do direito que lhe compete” quando se torne conhecedor dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.
II. O conhecimento do direito de indemnização do autor pelos danos que alega ter sofrido em consequência do processo crime contra ele instaurado, infundadamente, pela ré não depende do reconhecimento judicial da falta de fundamento dessa acusação, ou seja, do trânsito em julgado da sentença penal que julgou improcedente essa acusação, absolvendo o autor da prática do crime imputado, pelo que o prazo de prescrição de três anos estabelecido no artigo 498º, nº1 do C. Civil inicia-se a partir da data da notificação ao autor da acusação contra ele deduzida.”
46. A seguir-se o entendimento expresso nestes dois últimos acórdãos, ser-se-ia tentado a estabelecer como termo inicial do prazo de prescrição, o momento referido supra em n.º 41/a, ou seja, a notificação das Recorridas do acórdão do tribunal arbitral de 08-11-2017, que deferiu a providência cautelar controversa.
47. Contudo, resulta do regime especial previsto no citado artigo 338.º-G, n.º 3 do Código de Propriedade Industrial 2008 (ou artigo 343.º, n.º 3, do Código de Propriedade Industrial 2018), lido em conformidade com o artigo 9.º, n.º 7, da Diretiva Enforcement, que o pressuposto factual de que depende a indemnização requerida apenas se verifica “[q]uando as medidas provisórias tenham sido revogadas ou deixem de produzir efeitos por força de qualquer ato ou omissão do requerente, bem como nos casos em que se venha a verificar posteriormente não ter havido violação ou ameaça de violação de um direito de propriedade intelectual” (sublinhados nossos).
48. Na interpretação do citado artigo 9.º, n.º 7 da Diretiva, o Tribunal de Justiça (TJ), já esclareceu que o poder indemnizatório nele consagrado depende de vários pressupostos.
49. Com efeito, no Ac. TJ de 12-09-2019, Bayer Pharma, C-688/17, ECLI:EU:C:2019:722, deixou-se consignado no n.º 39 o seguinte: “Resulta igualmente da redação do artigo 9.º, n.º 7, da Diretiva 2004/48 que esse poder, em primeiro lugar, pode ser exercido quer quando as medidas provisórias tenham sido revogadas ou deixem de produzir efeitos por força de qualquer ato ou omissão do requerente, quer quando se venha a verificar posteriormente não ter havido violação ou ameaça de violação de um direito de propriedade intelectual. Em segundo lugar, o referido poder deve dizer respeito a «qualquer dano» causado pelas medidas em causa e, em terceiro lugar, a reparação deve ocorrer sob a forma de uma «indemnização adequada».”
50. Tais pressupostos do artigo 9.º, n.º 7 da Diretiva, foram, em essência, reiterados no Ac. TJ de 11-01-2024, Mylan AB, C-473/22, ECLI:EU:C:2024:8, n.º 30, nos seguintes termos: “Resulta assim claramente da redação desta disposição que incumbe à autoridade judiciária a quem foi submetido esse pedido apreciar se os três requisitos previstos na referida disposição estão preenchidos. Primeiro, esta deve verificar se as medidas provisórias foram revogadas ou deixaram de produzir efeitos por força de um ato ou omissão do requerente, ou se não houve violação ou ameaça de violação do direito de propriedade intelectual desse requerente. Segundo, a autoridade judiciária tem de apreciar se existe um dano. Terceiro, a autoridade judiciária tem de determinar se existe um nexo de causalidade entre esse dano e essas medidas.”
51. Parece-nos, pois, diferentemente do que entendeu o tribunal a quo, que o pressuposto de que depende, desde logo, a pretensão indemnizatória prevista no artigo 9.º, n.º 7 da Diretiva, transposto nos termos supra descritos para o ordenamento nacional, é a revogação, neste caso, do procedimento cautelar.
52. É certo que, no citado artigo 9.º, n.º 7 da Diretiva, o primeiro requisito do poder conferido pelo mesmo normativo, pode obter-se por via de factos (jurídicos) diversos e alternativos, a saber, i) a revogação da medida provisória ou por esta deixar de produzir efeitos por força de um ato ou omissão do requerente; ii) verificação posterior de não ter havido violação ou ameaça de violação de um direito de propriedade intelectual.
53. Ora, cremos que o caso concreto se subsume claramente à primeira das situações de facto descritas, em concreto, a revogação do procedimento cautelar, por injustificado, reconhecida inequivocamente pelo TJ como requisito constitutivo da pretensão indemnizatória aqui em causa.
54. A dita revogação será, portanto, em sede de termo inicial do prazo de prescrição, o marco fundamental a ter em conta.
55. Não se descura que se poderia, porventura, defender que o caso se subsume à previsão da “verificação posterior de não ter havido violação ou ameaça de violação de um direito de propriedade intelectual”, tal como parecem sustentar as Recorridas, de forma a fazer coincidir o termo inicial com o trânsito em julgado da sentença que declarou a patente e CCP nulos.
56. Sendo não menos certo que o já citado Ac. TJ de 11-01-2024, Mylan AB, C-473/22, refere no seu n.º 43: “Daqui resulta que, quem solicita uma medida provisória deverá pagar uma indemnização para cobrir os danos causados por essa medida se o direito de propriedade intelectual com base no qual a referida medida foi concedida for posteriormente declarado nulo.”
57. Contudo, se tal afirmação do TJ, citada no despacho recorrido, se nos afigura como certeira, não desmente que, in casu, a condição da revogação da medida cautelar se verificou em primeiro lugar e que é a partir deste facto que o interessado pôde exercer o seu direito. Em consequência, deve ser a partir da verificação deste pressuposto e do seu conhecimento pelo interessado, que se inicia a contagem do prazo de prescrição. Esta conclusão resulta, desde logo, da jurisprudência do STJ supracitada em n.ºs 44-45, devidamente adaptada à realidade normativa resultante do artigo 9.º, n.º 7 da Diretiva Enforcement.
58. Em conformidade com o suprarreferido em n.º 34 e a jurisprudência do STJ aí citada, julga-se, ainda, que é necessário fazer mais uma precisão. Efetivamente, tratando a revogação do procedimento cautelar, de uma decisão judicial, julgamos que o direito em causa apenas poderá ser exercido após esta decisão transitar em julgado. É apenas com o trânsito da decisão judicial que revoga, por injustificado, o procedimento cautelar, que se consolida o direito de modo a poder ser exercido pelo respetivo titular.
59. No caso concreto, há, pois, que contar o prazo de prescrição a partir do trânsito em julgado do Ac. TRL de 21 de junho de 2018, que revogou as medidas cautelares declaradas pelo tribunal arbitral.
60. Ora, conforme foi alegado no artigo 77.º da Contestação e não foi posto em causa pelas Autoras na sua resposta às exceções, a notificação daquela decisão presume-se efetuada no dia 25 de junho de 2018.
61. Mais resulta dos factos supra descritos, em acordo com o alegado nos artigos 40.º a 43.º da petição inicial, que a última decisão proferida naqueles autos foi o Ac. STJ de 31-01-2019, onde o STJ manteve a decisão de não admitir o recurso da Ré Gilead Sciences. Assim, e de acordo com o alegado no artigo 80.º da Contestação, que também não foi posto em causa pelas Autoras na sua resposta, o trânsito em julgado terá ocorrido em 14-02-2019.
62. Não se devendo incluir o dia em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo começa a correr (artigo 279.º, al. b) do Código Civil), o prazo conta-se, pois, a partir do dia 15-02-2019.
63. Ora, contando o prazo de prescrição de 3 anos a partir do dia 15-02-2019 e mesmo tomando em conta as suspensões de prazos previstas nas chamadas “leis covid”, que totalizam 160 dias1, é notório que à data da interposição da ação - 26-01-2024 -, já se mostrava decorrido o prazo de prescrição.
64. Efetivamente, somados 3 anos à data de 15-02-2019, obtemos o dia 15-02-2022 e somados 160 dias a este último marco, obtemos o dia 25-07-2022 como o termo final do prazo de prescrição.
65. Este raciocínio é aplicável quer a fonte do direito invocado pelas Autoras seja a responsabilidade civil extracontratual (artigos 483.º e 498.º, n.º 1, do Código Civil), quer seja o enriquecimento ilícito (artigos 473.º e 482.º do mesmo diploma)
66. Nestes termos, o recurso deve ser julgado procedente e declarada a referida prescrição.
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Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar o presente recurso procedente e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido e declaram-se prescritos os direitos alegados pelas Recorridas.
Custas pelas Recorridas (art. 527.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
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Lisboa, 29-10-2025
Alexandre Au-Yong Oliveira
Mónica Bastos Dias
Paula Cristina P. C. Melo
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1. Os regimes excecionais de suspensão dos prazos de prescrição criados pela “legislação Covid-19”, foram estabelecidos pelos seguintes preceitos: art.º 7.º, nºs 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, vigorando entre o dia 09 de março de 2020 até ao dia 03 de junho de 2020, num total de 87 dias (cfr. art.º 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, e arts. 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2000 de 29 de Maio), art.º 6.º-B, nº 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que, face ao seu art.º 5º, vigorou entre 22 de janeiro de 2021 e o dia 5 de abril de 2021, num total de 74 dias (cfr. art.º 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e art.º 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril), o que perfaz o dito total de 160 dias.