ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
CADUCIDADE
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário

SUMÁRIO (da responsabilidade do Relator- artigo 663º, nº7 do C.P.C. ex vi do artº46º, nº2, al.e) da LAV) :
I-O termo a quo de contagem do prazo de 60 dias para a dedução de ação de impugnação/anulação de sentença arbitral, previsto no nº6 do artº46º da Lei nº63/2011, de 14/12, é sempre a notificação duma decisão do árbitro, neste caso a sentença que decidiu o litígio arbitral.
II- A Lei de Arbitragem Voluntária (LAV) apenas permite a impugnação da decisão arbitral pela via da acção de anulação da sentença arbitral, dirigida ao Tribunal da Relação.
III- O pedido de anulação da sentença arbitral pressupõe a verificação de algum dos fundamentos taxativamente previstos no artigo 46º, nº3, da LAV, e que correspondem, grosso modo, apenas a vícios de ordem formal (equiparados às nulidades da sentença previstas no artº615º do CPC).
IV- Não cabe assim na ação de anulação da sentença arbitral a impugnação do mérito da decisão, nem quanto à matéria de facto, nem quanto à matéria de direito.
V-Nos termos do artº42º, nº3 da LAV “a sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artº41º”, pelo que, tal como sucede com a decisão judicial, também aqui se exige que o tribunal arbitral fundamente minimamente a sua decisão em termos de facto e de direito.
VI- Não obstante as exigências de fundamentação das decisões arbitrais sejam mais reduzidas do que o que se verifica com as sentenças dos tribunais estaduais, pelas especificidades do processo arbitral (celeridade, simplicidade e informalidade), a fundamentação das decisões arbitrais deve, em qualquer caso, ter o conteúdo mínimo exigível que permita aos seus destinatários apreender e compreender o sentido, as razões e o percurso racional seguido pelo árbitro na interpretação dos meios de prova e na aplicação do direito.
VII- O vício de nulidade por falta de fundamentação [artº46º, nº3, al.a), vi) da LAV] da sentença arbitral- invocável através da ação de anulação- só pode ser declarado nos casos em que exista a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos (de facto e de direito) e as situações em que a fundamentação foi pura e simplesmente suprimida (ou cujas deficiências atingem um nível tal que a situação deve ser tratada como falta de fundamentação).
VIII-Está suficientemente fundamentada a decisão arbitral que enuncia, de forma perfeitamente inteligível e apreensível pelos respectivos destinatários, os fundamentos factuais e normativos da decisão, tornando percetível o iter lógico jurídico seguido pelo tribunal arbitral na resolução do litígio.

Texto Integral

Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa :

I-RELATÓRIO
WorldImperial, Lda, com sede na Rua 1, intentou no Tribunal da Relação de Évora a presente ação de anulação da decisão arbitral contra Auto Imperial de Bragança Lda, com sede na Av. 2, concluindo pela procedência total do “recurso” e consequente revogação da sentença arbitral que permitiu o registo da marca “Auto Imperial de Bragança”, com todos os efeitos adjacentes, sendo declarada a falta de fundamentação alegada.
Para tanto alegou, em síntese, a falta de fundamentação da decisão do Tribunal Arbitral que, no seu entendimento e pretensão, implica, nos termos do artº46º, nº3, al.a), subal.vi da LAV ex vi do artigo 42º,nºs 3 e 4, do mesmo diploma a anulação da referida decisão condenatória da Requerente (cfr. conclusões 1, 2, 3, 4, 9, 10, 11, 12 e 15) e a inconstitucionalidade material por violação do dever de fundamentação previsto no artº205º da CRP (cfr. conclusões 13 e 14).
Seguidamente, foi proferido despacho pela senhora Juíza Desembargadora relatora determinando que a requerente fosse notificada para juntar cópia certificada da decisão arbitral, conforme dispõe o artigo 46.º, n.º 2, da LAV, o que a autora veio fazer.
Determinada a citação da Requerida, a mesma veio opor-se à ação de anulação de decisão arbitral nos termos do artigo 46º, nº2, al.b) da LAV, invocando a caducidade do direito de recorrer ou pedir a anulação da sentença arbitral e pugnando pela improcedência do pedido de anulação da sentença arbitral por inexistência do circunstancialismo previsto nos Art.ºs 46º n.º 3 alínea vi) e n.º 3 do artigo 42.º da LAV.
Notificada da oposição, a A. não apresentou articulado de resposta.
Seguidamente, foi proferida decisão singular pela senhora Juíza Desembargadora relatora da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em que considerou verificada a exceção dilatória de incompetência relativa, em consequência do que:
a. a) declarou o Tribunal da Relação de Évora incompetente em razão do território para a tramitação e julgamento dos presentes autos;
b) determinou a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, por ser o tribunal territorialmente competente.
Tendo os autos sido remetidos a este Tribunal da Relação de Lisboa, para o seu conhecimento, em 08-10-2025 o presente processo foi inicialmente distribuído à 8ª Secção Cível deste Tribunal da Relação.
Em 10-10-2025, o Sr. Juiz Desembargador relator dessa 8ª Secção proferiu despacho onde decidiu que tendo ocorrido erro na distribuição, fossem remetidos os autos à distribuição por esta Secção deste Tribunal.
Em consequência do despacho que antecede, em 31-10-2025 teve lugar nova distribuição tendo os presentes autos sido distribuídos à presente Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão deste Tribunal da Relação.
*
O Tribunal é competente para conhecer da causa em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, encontrando-se a requerente devidamente representadas em juízo.
O processo é o próprio (não havendo dúvidas que, apesar de a autora, numa certa tergiversação processual destacada pela ré na oposição por si oferecida, enuncie no início do seu articulado ter intentado “recurso de apelação de direito”, efectivamente intentou uma acção de anulação da decisão arbitral, como se verifica pela capa eletrónica da sua P.I. em que indicou como “espécie : Ação de Anulação da Decisão Arbitral” e do próprio teor da P.I.) e não existem outras exceções, nulidades ou questões prévias que ora cumpra conhecer.
*
Não existe prova a produzir.
Com efeito, a autora não ofereceu qualquer prova, sequer documental, com a sua petição inicial, (Refª 321080) apenas tendo junto, com o seu requerimento entrado em Juízo em 29/04/2025 (Refª 321405) cópia certificada da decisão arbitral por determinação do despacho da senhora Juíza Desembargadora relatora do Tribunal da Relação de Évora de 23/04/2025 (Refª 9636007).
Também com a sua oposição, a ré não ofereceu qualquer prova, sequer documental, (cfr. Refª324534).
*
Nos termos do artigo 46.º, n.º 2, al. e) da LAV, os presentes autos seguem nesta fase a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações, tendo sido colhidos os vistos legais.
Cumpre proferir Decisão.
*
II- FUNDAMENTOS
O objeto da presente ação circunscreve-se às seguintes questões:
a)- saber se o direito de ação de pedir a anulação da decisão arbitral se encontra, ou não, caduco;
b)- saber se a decisão arbitral em apreciação enferma do vício de falta de fundamentação.
*
A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A dinâmica factual a ter em contar para decidir as questões enunciadas é a que resulta do relatório supra e que aqui se dá integralmente por reproduzida e ainda a seguinte :
- a sentença arbitral foi proferida em 11 de Fevereiro de 2025;
- Nessa mesma data, procedeu-se ao envio da notificação da aludida sentença às partes;
-A presente acção da anulação da decisão arbitral foi intentada às 16:38:27 (UTC + 01:00) do dia 15/04/2025;
- Na presente acção consta o teor integral da aludida sentença constante da sua cópia certificada junta pela autora com o seu requerimento entrado em Juízo em 29/04/2025 (Refª 321405).
*
B) O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão que cumpre apreciar a decidir consiste em:
a)- saber se o direito de ação de pedir a anulação da decisão arbitral se encontra, ou não, caduco.
A Ré na sua contestação conclui pela (alegada) caducidade da presente ação de anulação, (desconsiderando-se o por si alegado nos artigos 5º, 7º, 8º, 10º, 12º, 13º, 14º e 15º da oposição, por, conforme já se referiu, a Autora ter efectivamente intentado uma acção de anulação da decisão arbitral, conforme se constata do teor da P.I. e da clara invocação que aí é feita aos artigos 42º e 46º da LAV, pugnando pela procedência do pedido de anulação e declaração da falta de fundamentação) invocando, a esse propósito, o art.º 46.º, nº 6 da LAV (Lei de Arbitragem Voluntária), o qual prevê que o pedido de anulação só pode ser apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que a parte que pretenda essa anulação recebeu a notificação da sentença.
Nos termos do disposto no n.º 6, do artigo 46.º, da LAV) “o pedido de anulação só pode ser apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que a parte que pretenda essa anulação recebeu a notificação da sentença ou, se tiver sido feito um requerimento nos termos do artigo 45º, a partir da data em que o tribunal arbitral tomou uma decisão sobre esse requerimento”.
A doutrina e a jurisprudência não são unânimes acerca da natureza desse prazo de 60 dias, mormente se estamos perante um prazo processual ou judicial, ou antes perante um prazo substantivo ou de caducidade.
Assim, informa António Sampaio Caramelo [A Impugnação da Sentença Arbitral, 2ª Edição Revista e Aumentada, Almedina, 2018, págs. 31 e 32 e notas de rodapé 54 e 55] que Armindo Ribeiro Mendes defendeu que este prazo é de qualificar como processual, louvando-se no entendimento acolhido, na vigência da anterior LAV, por Luís de Lima Pinheiro que, por sua vez, se apoiava num acórdão do STJ. Pelo contrário, Mariana França Gouveia, opinou que se trata de um prazo substantivo, de caducidade, não se lhe aplicando, por isso, as regras dos prazos processuais, nomeadamente a suspensão nas férias judiciais”-[sublinhados nossos].
A citada Autora considera o prazo substantivo ou de caducidade , referindo que “a visão contrária implica conceber a ação de anulação (que sucede à arbitragem) como a última fase de um continuum processual cuja natureza essencial se mantém. Ora, a verdade é que a ação de anulação é um meio processual com uma finalidade claramente diferente da arbitragem precedente–nesta busca-se a decisão de um litígio, enquanto aquela tem por objetivo controlar a integridade do tribunal arbitral, a integridade do processo por este adotado e a integridade da decisão por ele proferida, verificando a sua compatibilidade com princípios, regras e valores fundamentais do ordenamento jurídico. Entendemos, por isso, que o prazo para a propositura da ação de anulação de sentença arbitral tem a mesma natureza (substantiva) que o prazo fixado por lei para se impugnar a validade de uma transação privada”.
No mesmo sentido de que se está perante um prazo substantivo, para além do já referido António Sampaio Caramelo (na sua citada obra Impugnação da Sentença Arbitral), pronunciaram-se ainda os autores da obra coletiva coordenada por Mário Esteves de Oliveira, Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, pág. 575, Isabel Rebelo Ferreira (“Natureza do prazo para apresentação do pedido de anulação da sentença arbitral” apud Julgar Digital, Maio de 2025, págs.1 a 8) e o acórdão do STJ datado de 18/05/1995 (BMJ, nº. 447, pág. 455).
Já António Menezes Cordeiro sustenta estarmos perante um prazo processual, (Tratado de Arbitragem, pág. 457), o mesmo sucedendo com José Robin de Andrade [Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, 3ª Edição Revista e Atualizada, Almedina–Associação Portuguesa de Arbitragem, 2018, pág. 153] que entende tratar-se “de um prazo processual ou judicial, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 6 de setembro de 2016 já que está “diretamente, relacionado com uma outra ação (a ação arbitral) e o seu decurso tem um mero efeito de natureza processual e não o de extinção de direito material”.
Também no sentido de se estar perante um prazo de natureza processual ou judicial, acerca de impugnação de decisão arbitral no âmbito da arbitragem tributária, pronunciaram-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26/06/2014, (www.dgsi.jtcas.pt- Processo nº. 07084/13), os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/01/2020 (www.dgsi.jtrl.pt-Proc. nº661/18.4YRLSB-2) e de 10/04/2025 (www.dgsi.jtrl.pt- proc. nº2362/24.5YRLSB-6) e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/03/2024 (www.dgsi.jtrp.pt-Proc. nº319/23.3YRPRT).
Seja como for, tendo em conta a data de envio da notificação da decisão arbitral indicada pela própria Ré, considerando-se a sentença arbitral notificada às partes no dia 14/02/2025, é de concluir que o dito prazo de 60 dias teve o seu término em 15/04/2025, pelo que tendo a presente ação dado entrada em tribunal nesse mesmo dia (15/04/2025), não se mostra ter sido ultrapassado o dito prazo de 60 dias para a sua propositura.
Tanto mais que, terminando o prazo no aludido dia 15/04/2025, em plenas férias judiciais (que decorreram de 13/04/2025 a 21/04/2025), sempre o último dia do prazo se transferiria para o 1º dia útil após o termo daquelas férias, ou seja para o dia 22/04/2025, conforme resulta da alínea e), do artigo 279.º, ex vi artigo 296.º, ambos do Cód. Civil.
O que determina, a improcedência da invocada exceção perentória de caducidade do direito da ação.
*
A segunda questão que vem colocada na ação consiste em:
b)- saber se a decisão arbitral em apreciação enferma do vício de falta de fundamentação.
No presente caso está-se perante uma ação de anulação de decisão arbitral, com fundamento na previsão do artigo 46.º, n.º 3, al. vi), da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV).
Nos termos do disposto no artigo 46º, nºs 1, 3 e 9, da LAV :
“1 - Salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 39.º, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no presente artigo.
(…)
3- A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se:
a) A parte que faz o pedido demonstrar que:
i) Uma das partes da convenção de arbitragem estava afectada por uma incapacidade; ou que essa convenção não é válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram ou, na falta de qualquer indicação a este respeito, nos termos da presente lei; ou
ii) Houve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º com influência decisiva na resolução do litígio;
ou
iii) A sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta;
ou
iv) A composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio;
ou
v) O tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar;
ou
vi) A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º;
ou
vii) A sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com ao artigo 43.º ;
ou
b) O tribunal verificar que:
i) O objecto do litígio não é susceptível de ser decidido por arbitragem nos termos do direito português;
ii) O conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português.”
(….)
9 - O tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem por este decididas.”
Resulta assim claro dos preceitos legais transcritos, que as partes são soberanas na submissão do litígio a um tribunal arbitral – mediante convenção de arbitragem -, assumindo assim, à partida, que aceitam a decisão de mérito por ele proferida, mesmo que com recurso às disposições legais vigentes, e sem recurso para os tribunais estaduais.
Essa é a regra, sendo necessária a expressa previsão das partes em sentido contrário, caso pretendam interpor recurso da decisão arbitral - regra essa que não se verifica nos processos judiciais, em que, em princípio, todas as decisões judicias são suscetíveis de recurso - desde que preencham os requisitos para a sua recorribilidade -, sendo a renúncia ao recurso uma exceção, de acordo com o art.º 632º do CPC.
A este propósito, dir-se-á que a Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) acolhe um sistema monista de Impugnação da Sentença Arbitral, prevendo apenas o pedido de Anulação da decisão, a formular diretamente no Tribunal de 2ª Instância, sendo a decisão deste tribunal puramente cassatória, não permitindo que o Tribunal da Relação conheça do mérito das questões decididas pela sentença arbitral, conforme decorre do estatuído no artigo 46º, n.º 9 da LAV, mesmo após anulação da decisão arbitral.
Ou seja, a Ação de Anulação de Sentença Arbitral - que segue a forma de processo especial previsto no artigo 46º da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), anexa à Lei nº. 63/2011, de 14 de dezembro -, não comporta reapreciação da prova produzida, nem a apreciação de eventual erro de julgamento ou na aplicação do direito, cabendo a decisão dessas questões em exclusividade ao tribunal arbitral, caso as partes não tenham salvaguardado a possibilidade de recorrerem dessa decisão para o tribunal estadual (Ac. do STJ de 16.3.2017, disponível em www.dgsi.pt).
Assim, trata-se de uma impugnação que tem de revestir a forma de pedido de anulação, e em que a sentença arbitral só pode ser anulada pelo Tribunal da Relação pelos motivos meramente formais previstos nas diversas alíneas do nº3 do artigo 46º da LAV, estando os fundamentos de impugnação restritos à apreciação de situações de violação da legalidade estrita que estejam taxativamente enumerados na lei, consagrando-se assim, nestes casos, o princípio da definitividade da sentença arbitral (vide, a esse propósito e nesse sentido, Manuel Pereira Barrocas, Manual de Arbitragem, 2.ª Ed., Almedina, pág. 512).
Com efeito, a impugnação da sentença do juiz arbitral para o Tribunal da Relação apenas pode ser efetuada pela via do pedido da sua anulação, por vício formal alheio ao objeto da causa, e apenas procede se verificado algum dos fundamentos taxativamente previstos no nº3 do art.º 46º da LAV porque ao tribunal ad quem está vedada a apreciação do mérito da sentença arbitral, mesmo na vertente da fixação dos factos.
Portanto, está efetivamente vedado ao Tribunal da Relação pronunciar-se sobre qualquer situação de alegado “erro de julgamento”, não podendo revogar a decisão arbitral e substituí-la por outra decisão que, alegadamente, possa corresponder à solução de direito mais adequada ao caso concreto.
Por outras palavras, a impugnação da decisão arbitral somente se pode fazer “através do pedido da sua anulação, e nos estritos e taxativos fundamentos do artigo 46.º da Lei da Arbitragem Voluntária, os quais se assumem como vícios ou irregularidades “a latere” do objeto/mérito do litígio.
As típicas alegações de “erro de julgamento” sobre a decisão recorrida estão claramente fora do âmbito processualmente admissível do pedido de anulação de decisão arbitral, tal como previsto no Art.º 46.º, n.º 3 e n.º 9, da L.A.V..
É que «o âmbito da ação especial de anulação de decisão arbitral não comporta a reapreciação da prova produzida, nem a apreciação de eventual erro de julgamento ou na aplicação do direito, sendo tais questões objeto do recurso a interpor da decisão arbitral», (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28/5/2020; www.dgsijtrg.pt- processo 117/19.8YRGMR).
O que significa que o âmbito de conhecimento do Tribunal da Relação na presente acção de anulação da decisão arbitral é tão-somente apreciar e decidir se a sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º da LAV (cfr. artigo 46º, nº3, al.a), subal.vi da LAV).
Isto porque é essa a causa de pedir da presente acção alegada pela autora, estatuindo o artigo 42º, nos seus nºs 1 e 3 que :
“1- A sentença deve ser reduzida a escrito e assinada pelo árbitro ou árbitros. Em processo arbitral com mais de um árbitro, são suficientes as assinaturas da maioria dos membros do tribunal arbitral ou só a do presidente, caso por este deva ser proferida a sentença, desde que seja mencionada na sentença a razão da omissão das restantes assinaturas.
2 – (…)
3 - A sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º”
Está, assim, em causa a fundamentação da sentença arbitral.
Segundo as regras processuais estaduais, constantes do Código de Processo Civil, a fundamentação da decisão é de facto ou de direito.
A fundamentação de facto consiste na especificação dos factos que o tribunal julgou provados e aos quais vai de seguida aplicar o direito para concluir pelo dispositivo.
A fundamentação de direito consiste na indicação, interpretação e aplicação das normas e princípios de direito aos factos provados e na formulação ao silogismo judiciário que há de conduzir ao dispositivo.
O artigo 154.º do Código de Processo Civil estabelece :
“1-As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas
2- A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
Por sua vez, relativamente à sentença, nos termos do nº3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil “seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.
Estatuindo-se ainda no n.º 4 desse preceito que “na fundamentação da sentença, o juiz declara os factos que julga provados e os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Ora, constitui entendimento doutrinário e jurisprudencial pacífico que só a absoluta falta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos (de facto e de direito), produz a nulidade da sentença, devendo distinguir-se as situações em que a fundamentação existe, mas é deficiente, medíocre, insuficiente, lacunosa ou errada, sujeitando-a ao risco de vir a ser revogada ou alterada em via de recurso, e as situações em que a fundamentação foi pura e simplesmente suprimida (ou cujas deficiências atingem um nível tal que a situação deve ser tratada como falta de fundamentação) e que são as únicas que podem conduzir à nulidade da sentença.
De todo o modo, a Constituição da República Portuguesa consagra no artigo 205.º, n.º 1, o dever de fundamentação das decisões decorre ao estabelecer que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
O Prof. Gomes Canotilho [Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 4.ª Edição, 2000, pág. 65], afirma que esta exigência constitucional é justificada pela necessidade de exercer o controlo da administração da justiça, excluir o carácter voluntarístico e subjetivo do exercício da atividade jurisdicional, permitir o conhecimento da racionalidade e da coerência argumentativa dos juízes, permitir o melhor exercício do direito ao recurso ao dar às partes um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios das decisões judiciais recorridas.
Acresce que “mais do que uma imposição constitucional, a exigência de fundamentação das decisões integra o elenco de princípios concretizadores do processo justo (muitas vezes designado “due process of law”), que tem como conteúdo fundamental a conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela jurisdicional efetiva” (Diogo Cunha, Da forma, conteúdo e eficácia da sentença arbitral apud “Themis”, ano XV, n.ºs 26/27, 2014, pág. 218. No mesmo sentido, Patrícia Pereira, “Fundamentos de anulação da sentença arbitral” apud “O Direito”, 142, 2010, V, pág. 1081).
Consabidamente, os tribunais arbitrais são uma espécie de tribunais (artigo 209º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), os quais, embora com menos exigências, também se encontram sujeitos ao dever de fundamentação das suas decisões.
Porém, quanto à sentença arbitral importa, desde logo, salientar que, em face da da natureza informal e prática do processo arbitral, a LAV não exige uma fundamentação idêntica à do artigo 607.º do CPCivil-não se exigindo qualquer tipo específico de fundamentação nem se impõe que sejam expressamente considerados todos os argumentos jurídicos invocados pelas partes.
Portanto, “a tendência jurisprudencial claramente dominante é no sentido de que o grau de fundamentação exigido seja menor do que é a prática corrente nas sentenças judiciais (...). É prudente inserir alguma fundamentação para evitar riscos de anulação ou de recusa de exequatur”, (Dário Moura Vicente, Armindo Ribeiro Mendes e Outros, Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, 2ª edição, 2015, Almedina, pág. 111).
Assim, a definição do dever de fundamentação das decisões arbitrais não pode ser feito de modo absolutamente decalcado do dever de fundamentação das sentenças dos tribunais estaduais.
Com efeito, importa ter em conta as especificidades do processo arbitral e os seus objetivos de celeridade, simplicidade e informalidade, pelo que a fundamentação terá que ter no caso concreto o conteúdo mínimo exigível aferido em função da necessidade de apreensão do sentido, das razões e do percurso racional seguido pelo árbitro na interpretação dos meios de prova, mas também da complexidade dos factos em discussão e do volume de prova produzida.
A fundamentação das decisões arbitrais também pretende assegurar um triplo objetivo: o de impor ao juiz/árbitro um momento de verificação e controlo crítico da lógica da sua decisão; de habilitar as partes, em caso de impugnação, a exprimirem, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente da decisão proferida; e de garantir o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica.
O dever de fundamentação das decisões judiciais, mesmo daquelas de que não cabe recurso, assenta ademais no pressuposto basilar, de que a decisão não é, nem pode ser, um ato arbitrário de quem a profere; ela é antes, a concretização da vontade abstrata da lei ao caso submetido à apreciação jurisdicional, assentando na necessidade de as partes serem, não só esclarecidas, mas convencidas do seu acerto (José Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, volume 2º, página 172, e Código Processo Civil anotado, volume I, 3.ª edição, página 284).
Voltando ao caso concreto, analisada a sentença aqui posta em crise, não parece que se possa considerar verificada a invocada nulidade.
A decisão proferida e cujo mérito não cabe sindicar nos presentes autos é perfeitamente clara e inteligível e encontra-se suficientemente fundamentada, nos planos factual e jurídico, sendo integralmente percetível o iter lógico jurídico que nela se seguiu para revogar o despacho proferido pelo INPI, que tinha recusado o registo da marca nº720180, nos termos dos artigos 232º, nº1, alíneas b) e h) e 238º, ambos do CPI, por ter considerado que a aludida marca nacional constitui imitação da marca nacional nº605455 e da marca europeia nº018818364, de cujos registos a contrainteressada é titular e que se considera verificada a possibilidade de concorrência desleal, e decidir, ao invés do decidido pelo INPI, conceder o registo da marca nacional nº720180, cumprindo consequentemente, em termos satisfatórios, as exigências legais e constitucionais do dever de fundamentação das decisões judiciais (cfr. artigos 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 154.º do CPCivil).
Do mesmo modo, a indicação aí efectuada dos factos provados e dos meios de prova que lhes serviram de sustentáculo, satisfaz o imperativo constitucional e processual da fundamentação da decisão (artigos 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 154.º do CPC).
Com efeito, facilmente constatamos, pela análise da sentença arbitral proferida, que a mesma não padece do vício que lhe é apontado pela A.:








Ora, no presente caso, estamos perante marcas mistas-isto é, compostas por elementos nominativos e figurativos- em que, pese embora ambas apresentem os elementos nominativos “AUTO” e “IMPERIAL” na sua composição, essa coincidência de elementos não é, no nosso entender, suficiente para induzir facilmente o consumidor em risco de erro e confusão.
E tal sucede por força da elevada dissemelhança dos elementos dominantes dos sinais, o que faz com que, no seu conjunto, estes tenham um aspecto distinto.
Ora vejamos. As marcas de cujos registos a Contrainteressada é titular apresentam, como seu elemento dominante, a expressão “Imperial”, grafada num certo lettering : Por seu turno, a marca registanda apresenta, como seu elemento dominante, o elemento figurativo :
Com efeito, no que às marcas consideradas obstativas diz respeito, o elemento que se destaca no conjunto do sinal é, indubitavelmente, por força da sua dimensão e pelo posicionamento na parte superior do sinal, o elemento nominativo “Imperial”.
A este respeito, note-se que a expressão “auto” é meramente descritiva ou, pelo menos, alusiva dos serviços assinalados – relacionados com automóveis-, tendo, por conseguinte,



Ora, percorrida a sentença arbitral acabada de transcrever parcialmente, e o percurso lógico jurídico nela seguido, não parece que se possa considerar minimamente verificada a nulidade de sentença invocada.
Na verdade, tal decisão começa por delimitar, em termos consistentes e inteligíveis, o objecto do processo, enunciando as pretensões das partes e respectivos fundamentos e especificando a matéria de facto tida por assente.
De seguida, quanto ao fundo da causa, começa o tribunal arbitral por invocar quais os preceitos aplicáveis, subsumindo o litígio às normas constantes dos arts. 208º, 232º, nº1, al.h), 238º, nº1, 310º e 311º, todos do Código da Propriedade Industrial e dos artigos 9º, nºs 1 e 2, al.b) e artº19º, nº1, ambos do Regulamento (EU) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de Junho de 2017, sobre a Marca da União Europeia, citando doutrina a propósito e analisando especificadamente se o registo da marca nº720180, constitui ou não imitação da marca nacional nº605455 e da marca europeia nº018818364, de cujos registos a contrainteressada é titular e se se verifica a possibilidade de concorrência desleal,– tendo decidido, perante a matéria factual assente tais questões. E, em consonância com tal fundamentação e abordagem, proferiu-se, de seguida, decisão.
Ou seja, estamos perante uma decisão bem estruturada, em tudo semelhante a uma decisão judicial, com um relatório, onde são identificadas as partes e o objeto do litígio, seguindo-se a fundamentação, quer de facto, quer de direito, com a descrição dos factos provados e a fundamentação jurídica, com a subsunção dos factos às normas e aos institutos jurídicos aplicáveis, numa fundamentação lógica e coerente, terminando-se com o dispositivo, onde se concentra a decisão.
Nenhum reparo temos assim a fazer à validade formal da decisão proferida (cujo mérito não podemos sindicar nos presentes autos) , que contém a fundamentação necessária e suficiente em termos legais.
Com efeito, mostra-se suficientemente fundamentada a decisão arbitral que antecede que enuncia, de forma perfeitamente inteligível e apreensível, os fundamentos factuais e normativos da decisão, sendo perfeitamente perceptível o iter lógico jurídico que nela se seguiu para a dirimição do litígio, cumprindo consequentemente, em termos satisfatórios, as exigências legais e constitucionais do dever de fundamentação das decisões judiciais.
E, por isso, não se mostrando violadas as normas da LAV, especificadas pelo Requerente como fundamento da pretensão anulatória, nem a exigência constitucional (e da lei ordinária) de fundamentação das decisões judiciais e restringindo assim a apreciação da presente ação de anulação da sentença arbitral às questões de natureza formal, próprias daquela ação, concluímos pela improcedência da mesma, dado não se verificar o vício formal que foi apontado àquela sentença.
*
IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a presente acção de anulação da sentença arbitral.
*
Custas pela Requerente (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
*
Lisboa, 12 de Novembro de 2025
Rui António N. F. Martins da Rocha
Mónica Bastos Dias
Armando Manuel da Luz Cordeiro