PROPRIEDADE INTELECTUAL
DIREITO DE AUTOR
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Sumário

I. O art. 829.º-A do Código Civil centra a compulsão aí prevista, ou seja, a pressão para cumprir, num axilar facto despoletador, a saber, o atraso no cumprimento;
II. A emissão de uma factura corresponde à produção de um documento que formaliza uma transação comercial ou prestação de serviço e que contém os elementos essenciais exigidos pela legislação tributária e comercial, servindo como demonstração da operação e de documento fiscal;
III. É esse o documento que formaliza a obrigação de pagamento apesar de o direito emergir da prestação efetiva do serviço ou da entrega do bem.
IV. É manifesto que os valores facturados com vencimento em 2022 ou 2023 nunca poderiam ser devidos em 2013 ou 2014, por o respectivo vencimento ainda não ter ocorrido;
V. Só há atraso no pagamento do que é devido em termos concretos e não meramente ideais, potenciais e futuros, ou seja, a dívida só se forma plenamente no vencimento e só após esse momento se poderá falar em demora.
VI. A sanção compulsória é, antes, devida desde as datas de vencimento das quantias indicadas nas facturas ajuizadas e não de qualquer outra já que só a partir desses momentos temporais poderia existir dívida concreta, noção da necessidade de cumprir e manifestação de incumprimento.

Texto Integral

Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO
Por apenso a autos de «providência cautelar inominada», em que figuram como Requerente GEDIPE – ASSOCIAÇÃO PARA A GESTÃO DE DIREITOS DE AUTOR, PRODUTORES E EDITORES, com os sinais identificativos constantes dos autos, e Requerida BB – GESTÃO HOTELEIRA, S.A., neles também melhor identificada foi proferida decisão que gerou o presente recurso, tendo o Tribunal «a quo» definido as ocorrências e os factos processuais por si tidos por relevantes para a prolação da decisão que ora vem impuganda, o que fez nos seguintes termos:
Tomei conhecimento da informação em referência que, todavia já constava dos autos sendo certo que o despacho proferido em 12.03.2025 foi no sentido de esclarecer o teor do requerimento junto sob a ref.ª 133284.
Contudo não sobreveio resposta.
Assim, mantendo-se a dúvida suscitada pela Senhora agente de execução e respondendo à sua questão na sequência da reclamação deduzida por BB – GESTÃO HOTELEIRA S.A., temos por assente que:
Por requerimento de embargados de executado que deu entrada em juízo em 19.06.2023, em apenso, o ora reclamante peticionou, entre o mais, que: Nestes termos e nos demais de direito devem os presentes embargos deve a exceção de litispendência ser julgada procedente e provada, com as devidas consequências legais, ou, quando assim não se entenda, o que se admite por mera cautela e sem conceder, serem os presentes embargos julgados parcialmente procedentes e provados no que concerne ao pagamento das faturas 2020/748, 2021/615, prosseguindo a execução apenas para pagamento da importância remanescente. (...)
Por decisão ali proferida, em 18.03.2024 foi decidido:
Assim sendo, face ao supra exposto, julgam-se parcialmente procedentes, por provados, os presentes embargos de executado e, em consequência:
a) Determina-se a redução da quantia exequenda, prosseguindo a execução para pagamento das seguintes quantias: - € 7000,00, relativa ao licenciamento do ano de 2020 (factura n.º 2020/748); - € 7000,00, relativa ao licenciamento do ano de 2021 (factura n.º 2021/615); - € 21 544,42, relativa ao licenciamento do ano de 2022 (factura n.º 2022/872); - € 21 544,42, relativa ao licenciamento do ano de 2023 (factura n.º HO/1542); Aos referidos valores, acrescem juros à taxa legal, desde as datas dos respectivos vencimentos até efectivo e integral pagamento.
b) Absolve-se a embargada do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Desta decisão foi interposto recurso em 23.04.2024 pela GEDIPE – Associação para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos, pedindo a improcedência dos embargos.
Em 04.06.2024, BB – GESTÃO HOTELEIRA S.A. contra-alegou pedindo a manutenção da sentença recorrida.
Por acórdão proferido em 11.12.2024 foi decidido, entre o mais, -rejeitar o recurso da “Gedipe – Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” da decisão proferida sobre a matéria de facto; – julgar improcedente, quanto ao demais, o recurso interposto pela “Gedipe - Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais” e, em consequência, confirmar a sentença proferida pelo Tribunal de Propriedade Intelectual; (… )
Em 14.01.2025, a Senhor agente de execução notificou as partes da nota discriminativa definitiva. Por requerimento de 17.01.2025 veio BB – GESTÃO HOTELEIRA S.A., da mesma reclamar, concluindo que …os juros compulsórios deverão ser calculados sobre a quantia exequenda reduzida em conformidade com a douta decisão proferida a partir do trânsito em julgado desta, ou seja, 14/12/2024 e não desde 22/01/2014 (!!??).
Em 24.01.2025, a GEDIPE – Associação para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais, em resposta à supra referida reclamação, veio requerer a pronúncia do tribunal acerca da data a partir da qual devem ser contabilizados os juros compulsórios quanto às facturas 2020/274, 2021/615, 2022/872 e HO/152, entendendo que em relação às facturas 2022/872 e HO/152, no valor de € 21.544,42 cada uma, os juros compulsórios devem ser contabilizados desde a data do trânsito em julgado da decisão que determinou a condenação da Executada ao pagamento dessas quantias, ou seja, desde 22/01/2014, tal como foi feito pela Exma. Senhora Agente de Execução.
Foi proferida decisão judicial com o seguinte conteúdo:
Decidiu-se no Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em 04.11.2021, pelo Senhor Desembargador António Moreira e que infra se transcreve, no que ao presente caso, interessa:
… quanto ao momento em que se deve iniciar a contagem dos juros compulsórios, importa recordar que, como já referiu o Tribunal da Relação do Porto, no seu acórdão de 12/10/2010 (relatado por Sílvia Pires e disponível em www.dgsi.pt), sendo “a sanção pecuniária compulsória um meio de coerção ao cumprimento e ao respeito da condenação judicial, não deve ocorrer antes do momento em que o cumprimento se tenha por definitivamente devido e a exequibilidade da decisão judicial por adquirida. Consequentemente, se o devedor condenado não se conforma com a sentença e interpõe recurso, a interposição deste deve afectar também a sanção pecuniária compulsória”. Pelo que o “carácter acessório da sanção pecuniária compulsória leva esta a acompanhar a condenação principal no seu percurso, não se percebendo por que razão a exigibilidade daquela deveria ter lugar antes da exigibilidade desta”. Ou seja, a sanção pecuniária compulsória legal constitui-se por efeito do trânsito em julgado da decisão judicial que condenou no cumprimento de uma obrigação pecuniária, mas nunca é exigível antes do momento em que aquela obrigação pecuniária é exigível ao devedor, pois só a partir desse momento é que se pode afirmar a necessidade de fazer operar o meio coercitivo em questão, com vista a forçar o devedor ao cumprimento em falta.
Ora, no caso em apreço resulta demonstrado que os embargos de executado tiveram por objecto a excepção de litispendência, julgada improcedente e os valores referentes às facturas 2020/274, 2021/615, resultando do próprio pedido do ali embargante serem os presentes embargos julgados parcialmente procedentes e provados no que concerne ao pagamento das faturas 2020/748, 2021/615, prosseguindo a execução apenas para pagamento da importância remanescente.
A discordância do embargante circunscreveu-se ao valor das facturas 2020/748, 2021/615 e não em relação às demais, que não estavam em discussão, nem o embargante colocou os valores ali referidos em causa.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entende-se ser de elementar justiça e ser esse o entendimento legal, considerar que em relação aos valores das facturas 2022/872 e HO/152 que não se discutiram nos embargos de executado porque aceites pela embargante (como é referido no seu pedido), os juros compulsórios devem ser contabilizados desde a data do trânsito em julgado da decisão que determinou a condenação da Executada ao pagamento dessas quantias, ou seja, desde 22.01.2014, tal como foi feito pela Exma. Senhora Agente de Execução. Apenas no que se refere aos juros compulsórios referentes às facturas 2020/274, 2021/615, é que serão contabilizados, a partir do trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, em 14.12.2024. Assim sendo, indefere-se a reclamação apresentada, no que se refere à Fatura 2022/872 com vencimento a 11.04.2022, com o valor de € 21.544,42 e à Fatura HO/152, com vencimento a 28.02.2023, com o valor de € 21.544,42, procedendo a reclamação a que se responde apenas quanto às facturas 2020/274, 2021/615.
É dessa decisão que vem o presente recurso interposto por BB – GESTÃO HOTELEIRA S.A., que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
A. O despacho recorrido determinou o cômputo de juros compulsórios, relativamente às faturas n.º 2022/872 e HO/1542, desde 22.01.2014, com fundamento na transação judicial homologada nessa data, criando um efeito sancionatório antecipado.
B. Tal decisão viola o disposto no artigo 829.º-A, n.º 4, do Código Civil, ao aplicar uma sanção pecuniária coerciva antes do vencimento concreto e da exigibilidade das obrigações em causa.
C. As obrigações pecuniárias respeitantes às referidas faturas apenas se tornaram exigíveis nas suas respetivas datas de vencimento: 11.04.2022 e 28.02.2023, razão pela qual nunca poderia ter sido a ora Recorrente condenada por sentença transitada em 22.01.2014 a pagar as faturas com vencimento a 11.04.2022 e 28.02.2023.
D. A interpretação dada pela Mma. Juiz a quo não só contraria o disposto no artigo 829.º-A, n.º 4, do Código Civil, como vai contra, também, o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.11.2021 (proc. 12894/18.9T8LSB-B.L1-2, Relator Juiz Desembargador António Moreira), que cita, embora quanto a nós e salvo o devido respeito erradamente.
E. O que aquele Acórdão despende é que: "A sanção pecuniária compulsória legal constitui-se por efeito do trânsito em julgado da decisão judicial que condenou no cumprimento de uma obrigação pecuniária, mas nunca é exigível antes do momento em que aquela obrigação pecuniária é exigível ao devedor, pois só a partir desse momento é que se pode afirmar a necessidade de fazer operar o meio coercitivo em questão, com vista a forçar o devedor ao cumprimento em falta.”
F. No caso dos autos não há indefinição sobre o vencimento da obrigação de pagar a taxa devida pelo ano de 2022, nem sobre a data de pagamento da taxa devida pelo ano de 2023. Essas datas constam expressamente das faturas emitidas para o efeito pela Gedipe, ou seja, 11.04.2022 no caso da fatura 2022/872 e 28.02.2023 no caso da fatura HO/1542.
G. Apenas sendo devidos juros compulsórios quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, a sentença a que alude o artigo 829-A, n.º 4, do Código Civil, in fine, a ter em conta no caso sub judice é, como já se referiu atrás, a sentença proferida nos autos de embargos confirmada pelo douto Acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de 11.12.2024 (Ref.ª 22458358), notificada à AE A 14.12.2024 que condenou a ora Recorrente ao pagamento das quantias de € 7000,00, relativa ao licenciamento do ano de 2020 (factura n.º 2020/748); € 7000,00, relativa ao licenciamento do ano de 2021 (factura n.º 2021/615); € 21 544,42, relativa ao licenciamento do ano de 2022 (factura n.º 2022/872) e € 21 544,42, relativa ao licenciamento do ano de 2023 (factura n.º HO/1542), e não a sentença transitada em julgado a 22.01.2014 que homologou a transação celebrada entre a ora Recorrente e a Gedipe.
H. Ainda que, por mera cautela e sem conceder, se aceitasse a contagem desde 2014, tal encontraria obstáculo na prescrição parcial dos juros vencidos há mais de cinco anos, ao abrigo do artigo 310.º, alínea d), do Código Civil.
I. Os juros compulsórios, sendo prestações acessórias com vencimento periódico e natureza coerciva, estão sujeitos ao prazo de prescrição de cinco anos, conforme entendimento doutrinal e jurisprudencial reiterado (v. g., Ac. Tribunal da Relação de Évora, Proc. n.º 224/17.1T8MMN-A.E1, Rel. Cristina Dá Mesquita).
J. Tal prescrição conta-se desde o vencimento de cada prestação (art. 306.º do Código Civil), não se tendo verificado, no caso, qualquer causa de suspensão ou interrupção nos termos do artigo 318.º.
K. Todos os juros compulsórios putativamente vencidos há mais de cinco anos à data do trânsito em julgado do acórdão proferido nos embargos (14.12.2024) encontram-se prescritos, devendo ser afastados da nota discriminativa.
L. O Despacho recorrido padece, assim, de erro de julgamento quanto ao direito aplicável, nomeadamente por violação do disposto no artigo 829.º-A, n.º 4, artigo 777.º, artigo 779.º, 804.º, 805.º, 279.º, todos do Código Civil.
M. O Despacho recorrido viola ainda caso julgado na medida em que a sentença que homologou a 22.01.2014 a transação firmada entre a ora Recorrente e a Gedipe não condenou aquela a pagar naquela data o valor da taxa que viesse a ser devida no concreto pelos anos de 2022 e 2023, estipulando apenas uma taxa anual que a Gedipe teria direito a receber pelos direitos de autoria decorrentes da utilização futura de videogramas nos estabelecimentos da Recorrente, a serem faturados e remetidos oportunamente por aquela a esta.
N. Assim e em conformidade, deve ser determinado a retificação da nota discriminativa definitiva apresentada pela AE a 12.05.2025 em consequência do douto Despacho de 08.04.2025 proferido pela Mma. Juiz a quo, liquidando os juros compulsórios sobre as faturas 2022/872 e HO/1542 no valor de 21.544,42 €, cada uma, desde a data do trânsito em julgado do Acórdão deste mesmo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão proferida em 1.º Instância relativamente aos embargos apresentados pela ora Recorrente, ou seja 14.12.2024 e não desde 22.01.2014.
Nestes termos e nos demais de Direito, que V.Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso de apelação ser julgado procedente, revogando-se o Despacho recorrido, substituindo-se por outro que determine a retificação da nota discriminativa definitiva apresentada relativa aos juros compulsórios referentes às faturas 2022/872 e HO/1542 para que da mesma passe a constar o cálculo desses juros a partir da data do trânsito em julgado do douto Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão proferida em 1.º Instância relativamente aos embargos apresentados pela ora Recorrente, ou seja, 14.12.2024 e que condenou esta ao pagamento de € 7000,00, relativa ao licenciamento do ano de 2020 (factura n.º 2020/748); € 7000,00, relativa ao licenciamento do ano de 2021 (factura n.º 2021/615); € 21 544,42, relativa ao licenciamento do ano de 2022 (factura n.º 2022/872) e € 21 544,42, relativa ao licenciamento do ano de 2023 (factura n.º HO/1542).
Quando assim não se entenda, o que se admite por mera cautela e sem conceder, deverá ser reconhecido que os juros compulsórios vencidos há mais de cinco anos se encontram prescritos sendo consequentemente expurgados daquela nota discriminativa fina.
GEDIPE – ASSOCIAÇÃO PARA A GESTÃO COLECTIVA DE DIREITOS DE AUTOR E DE PRODUTORES CINEMATOGRÁFICOS respondeu às alegações de recurso concluindo:
A. Por douto despacho proferido 08/04/2025, veio a Mma. Juiz a quo decidiu que os juros compulsórios relativos às faturas 2022/872 e HO/1542, cada uma no valor de € 21.544,42, devem ser contados desde 22/01/2014, com base na sentença homologatória da transacção judicial proferida nessa data.
B. Inconformada com a interpretação e argumentação sufragada pela Mmª. Juiz a quo, veio a Recorrentre apresentar recurso.
No entanto,
C. Tal como defende a Recorrente, o n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil determina que os juros compulsórios são devidos desde a data do trânsito em julgado da sentença que determine o pagamento de quantia em dinheiro corrente.
D. A Recorrente foi condenada a um valor concreto, mais precisamente ao pagamento do montante de € 21.544,42, que é depois formalizado através da emissão das respectivas facturas.
E. A decisão proferida pela Mmª Juiz a quo, em 08/04/2025, encontra-se devidamente fundamentada, fazendo uma correta aplicação do disposto no artigo 829.º-A, n.º 4 do Código Civil, ao determinar que os juros compulsórios relativamente às faturas n.º 2022/872 e HO/1542 devem ser contabilizados desde o trânsito em julgado da sentença que homologou a transação judicial, ocorrido em 22/01/2014.
F. A sentença homologatória da transacção com trânsito em julgado em 22/01/2014 constituiu título executivo bastante e definitivo, fixa com clareza os termos da obrigação da ora Recorrente, nomeadamente o valor anual devido a título de licenciamento para a comunicação pública de videogramas nas unidades de alojamento por si exploradas.
G. Porquanto, da transação resulta de forma expressa que a Recorrente se comprometeu a pagar anualmente a quantia de € 21.544,42.
H. As facturas são emitidas pela Recorrida anualmente, uma vez que, para a emissão das facturas, é necessário que se verifique que os estabelecimentos hoteleiros se encontram em funcionamento e abertos ao público.
I. Não obstante, tal não invalida a circunstância de o valor do licenciamento pela comunicação de direitos conexos que é devido para os anos subsequentes a 2013 ter sido determinado por transacção celebrada em juízo e que transitou em julgado a 22/01/2014.
J. Pelo que, ao contrário do que invoca a Recorrente, não se encontra decorrido o prazo de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 310.º, alínea d) do Código Civil, porquanto, a factura 2022/872 é referente ao licenciamento pela comunicação de direitos conexos devido para o ano de 2022, e a factura HO/1542 relativa ao valor do licenciamento pela comunicação de direitos conexos que é devido para o ano de 2023.
K. É entendimento da jurisprudência que, existindo sentença transitada em julgado que determina o pagamento de quantia em dinheiro, os juros compulsórios vencem-se automaticamente a partir dessa data, sem necessidade de nova pronúncia judicial, em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil.
L. A interpretação sustentada pela Recorrente, segundo a qual os juros compulsórios só se vencem com o trânsito em julgado da sentença proferida em 14/12/2024, não tem acolhimento, porquanto ignora que essa decisão não criou novas obrigações, mas apenas confirmou a validade da obrigação anteriormente assumida e reconhecida na sentença homologatória de 21/01/2014.
M. Tal interpretação permitiria à Recorrente beneficiar indevidamente do incumprimento pontual da obrigação ao pagamento do valor do licenciamento acordado, protelando a produção de efeitos sancionatórios e prejudicando os direitos da Recorrida.
N. O direito à cobrança das prestações relativas aos anos de 2022 e 2023 não se encontra prescrito, já que o prazo de prescrição apenas se iniciou com a exigibilidade de cada prestação anual, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do Código Civil, sendo, além disso, suspenso ou interrompido pelo reconhecimento da obrigação e pela pendência da ação executiva.
O. Nos termos do n.º 1 do artigo 306.º do Código Civil, o prazo da prescrição inicia-se quando o direito puder ser exercido.
P. O direito da ora Recorrida à cobrança dos valores do licenciamento pela comunicação pública de videogramas, nas instalações das unidades de alojamento que são exploradas pela Recorrente, só pode ser exercício anualmente, mediante a verificação de que os estabelecimentos hoteleiros se mantêm abertos ao público e em funcionamento, pois, só deste modo, valem os termos da transacção celebrada que determinou o valor devido a título de licenciamento.
III – Da isenção de custas Enquanto Associação sem fins lucrativos que se destina à defesa dos direitos conexos e de outros direitos e interesses dos autores, produtores e editores de conteúdos audiovisuais, a Recorrente encontra-se isenta de custas processuais nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 4º do Regulamento de Custas Processuais, aprovado pelo Dec. Lei nº 34/2008 de 26 de Fevereiro, com as alterações da Lei nº 7/2012 de 13 de Fevereiro.
Termos em que deve o presente recurso de apelação ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente o despacho recorrido,(...).
Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. arts. 635.°, n.° 4, e 639.°, n.° 1, ambos do Código de Processo Civil) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.°, n.° 2, por remissão do art. 663.º, n.° 2, do mesmo Código) – são as seguintes as questões a avaliar:
1. O despacho recorrido, ao determinar o cômputo de juros compulsórios relativamente às facturas n.º 2022/872 e HO/1542 desde 22.01.2014, com fundamento na transacção judicial homologada nessa data, criou um efeito sancionatório antecipado, pelo que viola o disposto no artigo 829.º-A, n.º 4, do Código Civil?
2. A contagem de juros compulsórios desde 2014 encontra obstáculo na prescrição parcial dos juros vencidos há mais de cinco anos, ao abrigo do disposto no artigo 310.º, alínea d), do Código Civil?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Relevam, na presente sede lógica os factos processuais, acima indicados.
Consta dos autos documento produzido pelo próprio Tribunal, no processo ao qual o presente se encontra apenso, com os seguintes referentes e teor:
Em 10-12-2013, na acção em acção em que figuram como Requerente Gedipe – Associação para a Gestão de Direitos de Autor, Produtores e Editores e Requerido: BB – Gestão Hoteleira, S.A., foi realizada audiência judicial de cuja acta consta:
Aberta a audiência pela Mma. Juiz, foi tentada a conciliação das partes, tendo os ilustres mandatários pedido cerca de 10 minutos para tentarem alcançar o acordo, tendo a audiência sido interrompida para o efeito.
Retomada a audiência cerca das 14h15m os ilustres mandatários das partes disseram ter chegado a acordo nos seguintes termos:
TRANSACÇÃO

A requerida reconhece que explora os estabelecimentos comerciais abertos ao público e a funcionar diariamente, e que são os seguintes:
1. Hotel Real Oeiras;
2. Hotel Real Parque;
3. Real Residência Suite Hotel;
4. Real Bellavista Hotel & SPA;
5. Grande Real Santa Eulália Hotel & SPA;
6. Grande Real Villa Itália;
7. Hotel Real Palácio;
Reconhecendo ainda que neles dispõe de televisores nos quartos e em algumas áreas comuns.

A requerente prescinde dos valores peticionados pelo licenciamento referentes ao período de Julho de 2010 a Maio de 2011.

Relativamente ao período de Junho de 2011 a Dezembro de 2013 a requerida compromete-se a pagar à requerente, a título de licenciamento global dos seus estabelecimentos comerciais, pela exibição de videogramas naqueles televisores a quantia de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros).

Esta quantia será paga em 9 (nove) prestações mensais iguais e sucessivas no valor de €5.000,00 (cinco mil euros) cada, vencendo-se a primeira no primeiro dia útil do mês de Janeiro de 2014 e as seguintes no mesmo dia útil dos meses subsequentes através de transferência bancária para o NIB a fornecer pela requerente.

O licenciamento para os anos seguintes, e para a globalidade dos estabelecimentos da requerida, será efetuado considerando uma taxa de ocupação de quarenta e oito por cento (48%) e aplicando-se a tabela da Gedipe, atualmente em vigor, com o desconto de cinco por cento (5%) pelo facto da requerida explorar mais de 500 unidades de alojamento.
O valor assim obtido é de € 21.544,42 (vinte e um mil, quinhentos e quarenta e quatro euros e quarenta e dois cêntimos), valor este que a requerida se compromete a pagar anualmente, sem prejuízo de se verificar uma taxa de ocupação inferior aos referidos quarenta e oito por cento (48%), ou de eventual abaixamento do valor das tabelas.

A requerida desiste do pedido de litigância de má-fé e a requerente desiste do pedido de inversão do contencioso e dos valores aí peticionados.

As custas em divida a juízo ficam a cargo da requerente prescindindo ambas de custas de parte.
**
Seguidamente a Mma. Juiz proferiu a seguinte:
SENTENÇA
Nestes autos de providência cautelar em que é requerente Gedipe – Associação Para a Gestão de Direitos de Autor, Produtores e Editores e requerido BB Gestão Hoteleira, S.A.,, vieram as partes, através dos respetivos mandatários com poderes para o ato, transigir quanto ao objeto da causa.
Nos termos do disposto nos art.º 293.º, n.º 2 e 299.º, n.º 1, todos do C. P. Civil, é lícito às partes, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objeto da mesma, desde que a causa se refira a direitos disponíveis.
A transação modifica o pedido ou faz cessar a causa nos precisos termos em que se efetua.
Assim, atendendo à qualidade das partes e ao objeto do processo, julgo válida e relevante a transação efetuada que homologo por sentença e, em consequência, absolvo e condeno as partes nela intervenientes, nos precisos termos acordados, de acordo com as disposições conjugadas dos art.º 277º, d), 283º, n.º 2, 284º, 289º, n.º 1, a contrário, e 290º, n.º 1 e 3, do CPC.
Fundamentação de Direito
1. O despacho recorrido, ao determinar o cômputo de juros compulsórios relativamente às facturas n.º 2022/872 e HO/1542 desde 22.01.2014, com fundamento na transacção judicial homologada nessa data, criou um efeito sancionatório antecipado, pelo que viola o disposto no artigo 829.º-A, n.º 4, do Código Civil?
O primeiro ponto a notar no âmbito da avaliação da questão proposta é que o acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa em 11.12.2024 não tem incidência sobre as facturas mencionadas na questão apreciada, pelo que não está aqui em consideração o aí decidido nem a respectiva data do trânsito. Encontra-se, pois, fora de cogitação, de imediato, qualquer imposição de sanção pecuniária compulsória tendo por referência tal data.
Foi introduzida na discussão a possibilidade de relevar como data de referência a do trânsito em julgado da decisão que homologou a transacção que viabilizou a ulterior emissão dessas facturas e que o Tribunal «a quo» situa em 22.01.2014.
A este propósito, há que ter presente o regime emergente do n.º 1 do art. 829.º-A do Código Civil que centra a compulsão, ou seja, a pressão para cumprir, num axilar facto despoletador, a saber, o atraso no cumprimento.
Neste âmbito, impõe-se perguntar se, na situação apreciada, existe incumprimento da obrigação de pagar os valores facturados através das facturas n.ºs 2022/872 e HO/1542 desde a data apontada pelo Tribunal.
A este propósito, importa referir que a emissão de uma factura corresponde à produção de um documento que formaliza uma transação comercial ou prestação de serviço que também contém os elementos exigidos pela legislação tributária e comercial, servindo como demonstração da operação e de documento fiscal. É esse o documento que formaliza a obrigação de pagamento apesar de o direito emergir da prestação efetiva do serviço ou da entrega do bem – cf. o Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro e os arts. 36.º e 40.º do Código do IVA.
As obrigações pecuniárias analisadas são as referenciadas na factura 2022/872, com vencimento a 11.04.2022, com o valor de € 21.544,42 e na factura HO/152, com vencimento a 28.02.2023, com o valor de € 21.544,42.
Não havendo elementos demonstrados de sinal distinto ou complementar, tem que se concluir que as datas indicadas no parágrafo anterior são as da materialização da dívida.
Atenta a dimensão das quantias, é manifesto que nos situamos no âmbito das obrigações anuais referenciadas no segundo parágrafo da cláusula 5.ª homologada pela sentença de 10.12.2013.
Tal cláusula pretendeu encerrar o conflito objecto de transacção definindo, para futuro, a prestação relativa a cada um dos anos vindouros.
Neste quadro, é manifesto que os valores facturados com vencimento em 2022 ou 2023, nunca poderiam ser devidos em 2013 ou 2014, por o respectivo vencimento ainda não ter ocorrido.
Seria, em tal contexto, por demais desajustado entender haver atraso necessitado de compulsão a partir do momento do trânsito em julgado da decisão judicial de 2013 já que, por razões lógicas e técnicas, só há atraso no pagamento do que é devido em termos concretos e não meramente ideais, potenciais e futuros, ou seja, a dívida só se forma plenamente no vencimento e só após esse momento se poderá falar em demora.
Por assim ser, revela-se, salvo o respeito devido, destituído de acerto e sentido considerar a existência de delonga indevida desde o ano de 2014 – e atraso necessitado de compulsão – relativamente a dívidas vencidas em 2022 e 2023.
O afirmado impõe que se responda à questão colocada e ora apreciada no sentido de que não assistiu razão ao Tribunal ao decidir nos termos em que o fez, sendo certo que também não tem razão a Recorrente ao pretender introduzir na equação decisória o trânsito em julgado do mencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido relativamente a distintas facturas.
A sanção compulsória é, antes, devida desde as datas de vencimento das quantias indicadas nas facturas ajuizadas e não de qualquer outra já que só a partir desses momentos temporais poderia existir dívida concreta, noção da necessidade de cumprir e manifestação de inadimplemento.
De qualquer forma, impõe-se responder afirmativamente à questão analisada o que tem como consequências ser devida a revogação da decisão posta em crise neste recurso.
2. A contagem de juros compulsórios desde 2014 encontra obstáculo na prescrição parcial dos juros vencidos há mais de cinco anos, ao abrigo do disposto no artigo 310.º, alínea d), do Código Civil?
O conhecimento desta questão ficou prejudicado face ao decidido no âmbito da resposta à questão anterior pelo que não se procede à sua avaliação de fundo.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos procedente o recurso e, em consequência, concedendo-lhe provimento, revogamos a sentença impugnada.
Custas pela Recorrida, sem prejuízo da isenção de que beneficia.
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Lisboa, 12.11.2025
Carlos M. G. de Melo Marinho
Paula Cristina P. C. Melo
Mónica Maria Bastos Dias