I - A aposição de uma declaração de voto, que consubstancia, em determinados pontos, um voto de vencido, quanto à insuficiência da fundamentação e, por outro lado, quanto a divergências, sobre determinadas matérias, como a questão da aplicação e âmbito do princípio in dubio pro reo e quanto à questão da afirmação da co-autoria e do crime de associação criminosa, sem influir no sentido do decidido, como ali expressamente se afirma, não traduz nenhuma nulidade processual.
II - A omissão de pronúncia significa, essencialmente, a ausência de tomada de posição ou decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. A pronuncia - cuja omissão determina a nulidade da sentença - deve incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegados.
III - Enquanto no crime de associação criminosa do art. 299.º do CP, são traves mestras o fim abstracto de cometer um ou mais crimes, a estabilidade organizativa e uma ideia de permanência ou de duração que traduza o propósito dos agentes de "fazerem vida" da actividade criminal, no crime de associações criminosas do art. 28.º do DL n.º 15/93, não se exige uma estrutura organizativa do grupo ou associação tão estável ou perene, por isso, podem ser formadas apenas para a concertada prática de um crime de tráfico de estupefacientes, não havendo que falar aí, propriamente, numa "actividade" destinada à prática de um ou mais crimes.
IV - Apesar de estarmos perante realidades de natureza distinta, sem que, no texto de carácter geral, pressuponham a sua inter-conexão ou relacionação intrínseca, o certo é que na lei especial, uma realidade - a associação criminosa - pressupõe, de forma directa, necessária, automática a outra - o crime de tráfico de estupefacientes, através de actuação concertada.
V - Se na lei geral se pode estar perante uma associação criminosa, sem que os seus membros que executem determinado crime sejam, todos eles, co-autores do crime que foi levado a cabo, no seio da organização, já na lei especial apenas estamos perante o crime de associação criminosa se verificada a co-autoria, a actuação concertada, em vista da prática do crime de tráfico de estupefacientes.
VI - Os denominados “correios de droga” - as mais das vezes pessoas em situações de carência económica e fragilidade de que os donos do negócio visam tirar vantagem - utilizados pelas redes e organizações de tráfico de produtos estupefacientes, desempenham um papel fundamental no transporte, disseminação e comercialização dos produtos estupefacientes, assumem decisiva importância no funcionamento deste mercado ilícito, em particular na disseminação de produtos estupefacientes, nomeadamente de cocaína, da origem para a Europa.
VII - No âmbito do crime de tráfico de produtos estupefacientes, face, por um lado, ao aumento e elevada gravidade, dimensão e sofisticação das atividades do crime organizado, relacionado com o tráfico de estupefacientes e, por outro aos elevados riscos para a saúde e para a vida dos consumidores, são, por todos reconhecidas, as muito elevadas necessidades de prevenção geral.
VIII - Na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena única não relevam os factos que concretamente fundamentaram as penas parcelares, o que aqui importa é a imagem global do facto, a visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso, sobre aquele “pedaço” de vida do agente, num indesmentível quadro de directa e imediata ligação e motivação entre os crimes, tendo presente o número, a natureza e a suas características, a fornecer a gravidade do ilícito global, sempre, naturalmente, reportada às personalidades de cada um deles, ali traduzidas e materializadas.
IX - No sistema de fiscalização de constitucionalidade vigente, a competência jurisdicional cinge-se ao controlo da (in)constitucionalidade normativa, seja das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas - caso em que o recorrente deve indicar com precisão e clareza, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional) e já não a questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
X - Assacar a inconstitucionalidade da decisão recorrida, para efeito de eventual e futuro recurso para o TC, não só não satisfaz as exigências de direccionar, fundamentadamente, o juízo de inconstitucionalidade para normas jurídicas, dimensões normativas ou para a concreta interpretação que das mesmas se fez, como, constitui erro, que não pode deixar de conduzir ao seu não conhecimento.
XI - Está lógica e, necessariamente, prejudicado o conhecimento de alegadas inconstitucionalidades que dizem respeito a questões que nem sequer foram apreciadas e a normas não aplicadas na decisão recorrida e, sobretudo, a questões que estão fora do âmbito de cognição deste STJ.
Acordam, em audiência, na 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça
I. Relatório
1. Por acórdão de 15.2.2022 foram os arguidos AA, BB e CC condenados, em co-autoria material,
- pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º/1 do Decreto Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B anexa a tal diploma, nas penas de dez anos de prisão e,
- pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º/1 e 2 do Decreto Lei 15/93, de 22 de Janeiro, nas penas de oito anos e seis meses de prisão,
- em cúmulo jurídico, nas penas únicas de catorze anos de prisão.
2. Discordando do decidido, interpuseram, todos, recursos para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 28.6.2023, julgou os recursos improcedentes, confirmando o acórdão recorrido.
E, na mesma ocasião conheceu de um dos três recursos interlocutórios interpostos pelo arguido AA - nos quais declarou manter interesse – direccionados aos despachos proferidos a 14.12.2022, 29.7.2022 e 22.9.2022, julgando, este último - improcedente.
3. Interpuseram, novamente, os 3 arguidos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, que por acórdão de 29.1.2025, verificando que não tinha existido pronúncia sobre dois dos recursos interlocutórios, salientado que das conclusões dos recursos não tinha havido pronúncia sobre a questão da incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa, da validade da prova pericial aos telefones e telemóveis e do não preenchimento dos pressupostos da coautoria (recorrente AA), bem como do crime de associação criminosa (recorrentes BB e AA e CC), anulou o dito acórdão e ordenou a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, a fim de ser proferido acórdão no qual se conhecessem das sobreditas questões.
4. Proferido novo acórdão a 19.3.2025 a julgar improcedentes todos os recursos interpostos pelos arguidos vieram os três arguidos interpor novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça:
- AA pugnando pela revogação do acórdão e sua absolvição, expressamente requerendo, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 411.º CPPenal audiência pretendendo debater a questão da omissão de pronúncia, o caso julgado, os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito de associação criminosa previsto e punido pelo artigo 28.º/1 e 2 do Decreto Lei 15/93 de 22 de Janeiro e a medida da pena, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:
1. Por acórdão datado de 15-12-2022 o tribunal de 1.ª instância condenou o arguido pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B anexa a tal diploma, na pena de dez anos de prisão e condenou o arguido pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, independentemente de no acórdão recorrido ler-se artigo 21.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de oito anos e seis meses de prisão, em cúmulo jurídico, condenou o arguido na pena única de catorze anos de prisão.
2. Inconformado o arguido apresentou recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
3. Por acórdão datado de 28-06-2023 a decisão recorrida foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
4. Nessa senda o arguido arguiu a nulidade do acórdão e apresentou recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
5. Por acórdão datado de 29-01-2025 o Supremo Tribunal de Justiça decidiu declarar nulo o acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-06-2023 e ordenou a remessa dos autos a esse tribunal, a fim de ser proferido acórdão no qual se conheçam as sobreditas questões (incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa, da validade da prova pericial aos telefones e telemóveis e do não preenchimento dos pressupostos da coautoria, bem como do crime de associação criminosa.
6. Por acórdão datado de 19-03-2025 proferido pela 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa foi negado provimento aos recursos interpostos, mantendo-se a decisão recorrida, sem mais.
7. Nessa senda e no prazo legal de 10 dias o arguido ora recorrente veio aos autos arguir a irregularidade por falta de realização da audiência de discussão e julgamento e a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.
8. Sem prescindir, apesar da irregularidade também já ter sido invocada em requerimento próprio, por mera cautela de patrocínio vimos aos autos invocar a irregularidade por falta de audiência de discussão e julgamento.
9. E consequentemente deverá o acórdão proferido ser revogado, determinando-se a realização da audiência nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 411.º do Código de Processo Penal.
10. Porém uma vez mais o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa - 3.ª Secção - deixa de se pronunciar sobre as questões de que deveria ter apreciado.
11. No que respeita à questão da incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa uma vez mais o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa - 3.ª Secção obviou-se de decidir e apenas refere o seguinte:
“2ª Segunda questão que consideramos prévia por entender a Colenda Conselheira que este Tribunal não se pronunciou, face ao recurso em causa, sobre a invocada incompetência territorial do tribunal recorrido.
Na verdade, e mais uma vez, veio o recorrente levantar a questão já decidida, também nesta secção por acórdão proferido em 16.02.22 e, portanto, com Caso Julgado de não ser o tribunal de 1ª instância o Competente para a causa. Não vamos, pois, conhecer de novo do já decidido já que o acórdão de 16.02. 2022 é demasiado claro e esclarecedor quanto á competência do Tribunal de 1ª Instância que julgou a questão.
Tal matéria encontra-se protegida pela existência de exceção de caso julgado o que nos impediu e nos impede, ainda que o STJ isso não entenda, e inclua na falta de fundamentação, de conhecer da questão de incompetência territorial.”.
12. O que em nosso entender constitui para além de uma violação do dever de obediência aos tribunais superiores consagrado no artigo 4.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário uma omissão de pronúncia, pois em bom rigor o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa - 3.ª Secção não se pronuncia acerca da questão em apreço.
13. O mesmo sucede no que respeita à validade da prova pericial aos telefones e telemóveis em que o acórdão em apreço é totalmente omisso quanto a tal questão.
14. E bem assim no que respeita à questão de não preenchimento do tipo, atento a que o acórdão em apreço apenas refere o seguinte:
“No que concerne à questão de não preenchimento do tipo, no que toca ao crime de associação criminosa, remetemos para o que deixámos exposto relativamente ao arguido AA, que aqui damos por transcrito, por plenamente aplicável.”.
15. Sucede que nada se encontra exposto relativamente ao arguido AA a este respeito.
16. Assim como quando indicado que se irá tratar da impugnação da matéria de facto, apenas são referidas as pretensões dos recorrentes, conforme infra se transcreve:
“Tratar-se-á desde agora a impugnação da matéria de facto feita ainda pelo arguido AA, CC e BB que arguem exatamente os mesmos vícios com poucas diferenças entre si
Pretendem os recorrentes: Arguido CC:
a) Que existe contradição entre a matéria de facto provada e a fundamentação;
b) Não se verifica o crime de Associação Criminosa;
c) A Medida da Pena encontrada pelo Tribunal é excessiva.
2) No caso do Arguido BB, ainda que de forma desorganizada pretende
a) Existe nulidade do Acórdão, uma vez que o Tribunal deveria ter aceitado as provas apresentadas e tomado posição quanto a todas elas;
b) Nulidade do Acórdão porque não se pronunciou sobre o protesto ditado para a acta, nem sobre questões fundamentais, já alegadas antes e repetidas aquando do julgamento, não se formando qualquer Caso Julgado Formal;
c) Não se verifica do crime de Associação Criminosa;
d) A Medida da Pena encontrada pelo Tribunal é excessiva;
3) No caso do Arguido AA, tentando colocar alguma ordem nas conclusões pretende o recorrente:
a) O efeito conferido aos inúmeros Recursos apresentados foi errado, deveria ser sempre Efeito Suspensivo;
b) O Acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia, uma vez que não se pronunciou quanto a um “Protesto” formulado em Acta, na Sessão de Julgamento realizada no dia 22/09/2022;
c) O Acórdão recorrido é nulo, uma vez que não se pronunciou sobre questões fundamentais, não se formando, durante o Processo, qualquer “Caso Julgado Formal”, quanto às questões já alegadas antes e repetidas aquando da realização da Audiência de Discussão e Julgamento;
d) Não se verifica o crime de Associação Criminosa;
e) As provas apreciadas pelo Tribunal não constavam, integralmente, na Acusação, pelo que não podiam ter sido analisadas pelo Tribunal, havendo violação dos “Direitos de Defesa do Arguido”, pelo que o Acórdão é nulo;
g) Pretende uma pena educacional e ressocializadora ou absolvição Alegam ainda que não há coautoria por não estarem preenchidos os pressupostos do artº 26º CP.
E defendem que o acórdão recorrido viola também os princípios da Presunção da Inocência e o princípio do “In Dubio Pro Reo”.
Começaremos por tratar o recurso do último arguido - AA.”.
17. Ao que acresce que o acórdão em apreço apenas se encontra numerado até à página 81, sendo que a página 81 encontra-se parcialmente em branco, desconhecendo-se os motivos pelos quais existe uma página parcialmente em branco e porque o acórdão não se encontra numerado na sua totalidade.
18. A não pronúncia, ou insuficiente pronúncia é evidente neste caso e o recorrente entende que foi cometida a nulidade prevista nos artigos 379.º, n.º 1, al. a) e c), aplicável ao acórdão proferido em recurso – 425.º n.º 4 – e artigo 428.º, todos do Código de Processo Penal, porque o douto acórdão agora em crise deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, quando não decidiu expressamente tais questões.
19. Quanto à impugnação da matéria de facto dada como provados o arguido impugnou expressamente os factos dados como provados e invocou os variados meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida.
20. O arguido aqui Recorrente cumpriu com rigor e de forma exaustiva todos os requisitos previstos no n.º 3 e n.º 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
21. Especificando os pontos de facto impugnados;
22. Quais os elementos de prova que impunham decisão diversa;
23. O recorrente entende que foi cometida a nulidade prevista nos artigos 379.º 1.º al. a) e c), aplicável aos acórdãos proferidos em recurso – 425.º n.º 4 – e artigo 428.º, todos do Código de Processo Penal, porque o douto acórdão agora em crise deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, quando não decidiu expressamente da impugnação da matéria de facto.
24. O acórdão recorrido limitou-se à semelhança do que já havia ocorrido anteriormente a concretizar meros conceitos legais sem responder aos temas do recurso, remetendo para a decisão proferida em 1.ª instância.
25. O que se pedia era que o tribunal proferisse decisão, nem que seja que o recorrente não tem razão nenhuma e que a prova era mais que suficiente para se dar como provados os factos impugnados.
26. A não pronúncia, ou insuficiente pronúncia, sobre a questão da impugnação da matéria de facto alegada pelo recorrente, acarreta a nulidade prevista nos artigos 379.º, n.º 1, al. a) e c), aplicável aos acórdãos proferidos em recurso – 425.º n.º 4 – e artigo 428.º todos do Código de Processo Penal, porque o douto acórdão agora em crise deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, quando não decidiu expressamente da impugnação da matéria de facto.
27. Nestes termos e demais de direito deverá a presente arguição ser julgada procedente e, em consequência, o acórdão ser declarado nulo com todas as consequências legais.
28. Pese embora o tribunal “a quo” tenha apresentado o requerimento supra transcrito a arguir a irregularidade e a nulidade do acórdão, por mera cautela de patrocínio o arguido vem apresentar a suas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça:
29. Ora, salvo o devido respeito, verifica-se que o acórdão recorrido deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar – artigos 379.º 1.º al. a) e c), 425º n.º 4 e 428, todos do Código de Processo Penal.
30. A não pronúncia, ou insuficiente pronúncia é evidente neste caso e o recorrente entende que foi cometida a nulidade prevista nos artigos 379.º, n.º 1, al. a) e c), aplicável aos acórdãos proferidos em recurso – 425.º n.º 4 – e artigo 428.º, todos do Código de Processo Penal, porque o douto acórdão agora em crise deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, quando não decidiu expressamente esta questão.
31. Nestes termos e demais de direito deverá a presente arguição ser julgada procedente e, em consequência, o acórdão ser declarado nulo com todas as consequências legais.
32. Relativamente aos três recursos interlocutórios retidos o tribunal “a quo” considerou que o tribunal de 1.ª instância respeitou o disposto no artigo 407.º do Código de Processo Penal.
33. E que não há nenhuma inconstitucionalidade nesta forma de proceder de acordo com a lei.
34. Salvo o devido respeito que é muito, o tribunal de 1.ª instância ao admitir os recursos apresentados e ao decidir que os mesmos deviriam subir conjuntamente com o recurso que vier a ser interposto da decisão que tiver posto termo a causa, nos termos do disposto no artigo 407.º n.º 3 do Código de Processo Penal, nos próprios autos, nos termos do disposto no artigo 406.º n.º1 do Código de Processo Penal.
35. E ao atribuir ao recurso efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto no artigo 408. º, n. º 1, alínea a) do Código de Processo Penal andou mal, pois caso algum dos recursos apresentados mereça provimento foram praticados actos absolutamente inúteis e inconsequentes.
36. O facto dos actos praticados poderem vir a ser anulados, faz com que o tribunal de 1.ª instância não pudesse reter os recursos e ordenar a subida dos mesmos a final.
37. A inutilidade é absoluta quando a retenção do recurso tiver como resultado a completa inconsequência do seu resultado futuro, conforme sucede in casu.
38. O acórdão recorrido viola assim o disposto no artigo 407.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, que dispõe que sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
39. Invocando-se desde já a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo tribunal “a quo” ao disposto no artigo 407.º, n.º 1 do Código de Processo Penal para efeito de futuro e eventual recurso para o Tribunal Constitucional.
40. O acórdão recorrido na esteira do acórdão proferido em 1.ª instância enferma ainda do vício de omissão de pronúncia por não ter sido apreciado o protesto.
41. Uma vez que relativamente ao protesto ditado em acta pela defesa considera o tribunal “a quo” que a mandatária não requereu nada, apenas manifestou o seu desacordo quanto à forma como o tribunal, na pessoa da Sra. Juíza Presidente estava a conduzir a audiência. Situação que lhe é legítima se entendermos como protesto uma manifestação de liberdade de expressão quanto ao que não nos agrada e pode ficar exarado em acta, mas que, no caso concreto não é incidente de protesto e portanto, não exigia resposta do Tribunal por não se enquadrar no disposto do citado artº 80º.
42. E que a audiência está gravada o que significa que poderá sempre, se tiver matéria para isso, proceder de acordo com o que a lei lhe permite, mas não contra legem.
43. Tendo sido violado o direito ao exercício do contraditório e não foi facultado à defesa o acesso à imediação e à oralidade da prova em julgamento.
44. O que determina a nulidade de todo o julgamento por violação do artigo 32.º, n.º 1 e n.º 5 da CRP e do artigo 61.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal conjugado com os artigos 327.º, n.º 2, 355.º e 361.º, n.º 1 e 2 todos do Código de Processo Penal.
45. Em sede de acórdão recorrido e relativamente às apelidadas pelo tribunal “a quo” de questões prévias (Da nulidade do processo e da incompetência dos tribunais portugueses; Do incumprimento da cooperação judiciária internacional em matéria penal; Da Incompetência do Tribunal da Comarca de Lisboa) foi decidido que as questões foram expressamente apreciadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, mostrando-se esgotado o poder jurisdicional quanto à mesma, por força do caso julgado formal que se formou.
46. Tal decisão para além de violar o caso julgado formal constitui uma omissão de pronúncia isto é o tribunal “a quo” obvia-se de decidir as questões prévias invocadas e escuda-se no caso julgado formal realizando inclusive citações de parte dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
47. E também estamos perante uma omissão de pronúncia pelo facto do tribunal de 1.ª instância não ter apreciado o parecer jurídico junto aos autos.
48. Devendo o acórdão recorrido ser declarado nulo por omissão de pronúncia nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.
49. O acórdão recorrido viola ainda os mais elementares direitos de defesa dos arguidos, isto é relativamente às já alegadas omissões de pronúncia o tribunal “a quo” não permitiu à defesa inquirir as testemunhas acerca das invocadas nulidades/irregularidades alegadas em sede de contestação, ao arrepio do nos artigos 30.º e 32.º da nossa Constituição.
50. E viola para além do caso julgado material o disposto no artigo 374.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do Código de Processo Penal.
51. A decisão recorrida viola ainda o regime das nulidades processuais previstas nos artigos 118.º e seguintes do Código de Processo Penal e os mais elementares direitos de defesa do arguido.
52. Sendo certo que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da oficiosidade do conhecimento das nulidades insanáveis a todo o tempo, isto é em qualquer fase do procedimento.
53. Já no que tange às nulidades sanáveis estas não são de conhecimento oficioso e podem/ devem ser invocadas num determinado momento ou prazo sob pena de sanarem, isto é de se validarem à face da ordem jurídica.
54. Não se podendo considerar que os citados acórdãos tenham versado sobre uma decisão final na plenitude de todas as suas acepções possíveis, posto que seja no julgamento, ou mais propriamente na sentença/acórdão definitivo, que a pretensão punitiva do Estado pode encontrar a sua acabada conformação, podendo e devendo o arguido invocar as nulidades que entender por convenientes para o exercício condigno da sua defesa.
55. Não tendo a decisão instrutória e os citados acórdãos valor de caso julgado formal, podendo/devendo o tribunal que irá julgar a causa pronunciar-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa logo conhecer em obediência ao preceituado no artigo 311.º do Código de Processo Penal.
56. Não se encontrando assim o poder jurisdicional do Tribunal esgotado quanto às questões/ nulidades invocadas pela defesa dos arguidos.
57. O acórdão recorrido na esteira do acórdão proferido em 1.ª instância viola assim artigos 118.º e seguintes, artigo 311.º todo do Código de Processo Penal, os mais elementares direitos de defesa do arguido e bem assim o instituto do caso julgado.
58. Andou mal o tribunal “a quo” ao na esteira do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa considerar que os arguidos apenas foram detidos no dia e hora em que assinaram o auto de detenção.
59. Afigurando-se a detenção dos arguidos manifestamente ilegal.
60. A decisão recorrida viola o artigo 141.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e o artigo 31.º da nossa Constituição.
61. Termos em que e por violação do disposto no artigo 141.º, n.º 1 do CPP deverá a decisão recorrida ser revogada e ser declarado nulo todo o processado relativamente à apresentação dos arguidos a primeiro interrogatório judicial de arguido detido porquanto foram apresentados para além do prazo de 48 horas após a detenção a que alude o já citado artigo 141.º do CPP.
62. Por outro lado, resulta dos autos que os arguidos foram abordados e detidos no dia 16 de Outubro de 2021 pelas 01h38 (hora portuguesa) quando se encontravam nas coordenadas geográficas 36 21 3N – 013 13 10 W, a 200 milhas do Cabo de São Vicente.
63. As coordenadas em apreço situam-se fora da designada Zona Económica Exclusiva (ZEE) ou seja fora do território nacional, em águas internacionais.
64. Desconhecendo-se o país do pavilhão do barco.
65. A decisão recorrida viola claramente as regras da cooperação judiciária e a Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar.
66. Não se verificando no presente caso concreto nenhum dos pressupostos para o exercício do direito de visita, pois estamos perante um navio estrangeiro (cujo o Estado do pavilhão do barco se desconhece) e o Estado Português não tem jurisdição sobre o mesmo.
67. Termos em que e por violação dos supra mencionados preceitos legais deverá ser declarada a incompetência internacional do tribunal português e consequentemente deverão ser declarados nulos todos os atos praticados pelo Estado Português.
68. O arguido ora Recorrente não se conforma com a decisão recorrida porquanto no caso em apreço e porque não nos encontramos no domínio de terrorismo, temos a vinculação das autoridades à circular da Procuradoria Geral da República n.º 4/2002, de 1 de Março, bem como no estatuído no artigo 229.º e seguintes do Código de Processo Penal, e ao estatuído pela Lei n.º 87/2021, de 15/12 (Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal), e isto porquanto tem de existir um controlo às atividades dos próprios órgãos de polícia criminal, o que não se verificou no presente caso concreto.
69. O acórdão recorrido viola o artigo 229.º e seguintes do Código de Processo Penal e do estatuído pela Lei n.º 87/2021, de 15/12 (Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal) deverá o acórdão recorrido ser revogado e consequentemente deverá ser determinada a nulidade de todo o processo, por força do disposto no artigo 119.º do Código de Processo Penal.
70. Pese embora o tribunal de 1.ª instância tenha coartado os direitos de defesa dos arguidos ao não permitir que a defesa inquirisse as testemunhas acerca dos factos relacionados com as nulidades invocadas sempre se dirá que resulta da prova documental que os arguidos foram abordados e detidos no dia 16 de Outubro de 2021 pelas 01h38 (hora portuguesa) quando se encontravam nas coordenadas geográficas 36 21 3N – 013 13 10 W, a 200 milhas do Cabo de São Vicente e após essa detenção a embarcação e os arguidos foram transportados pelo OPC para a Base Naval de Lisboa.
71. Porém resulta que o porto português mais próximo do local de abordagem dos arguidos era o porto de Sagres e não a Base Naval de Lisboa ou o cabo de S. Vicente.
72. Senão vejamos, os arguidos encontravam-se a 214 milhas náuticas de Sagres e a 245 milhas do cabo de S. Vicente, sendo o tribunal da Comarca de Lisboa territorialmente incompetente para julgar os presentes autos.
73. Dispõe o artigo 19.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que é competente para conhecer do crime o tribunal em cuja área se tiver verificado a consumação.
74. E estabelece o n.º 3 do supra mencionado preceito legal que para conhecer de crime que se consuma por actos sucessivos é competente o tribunal em cuja área se tiver praticado o último acto ou tiver cessado a consumação.
75. O acórdão recorrido viola assim o disposto no artigo 19.º do Código de Processo Penal.
76. Sem prescindir e caso assim não se entenda, sempre se dirá que estamos perante um crime de localização duvidosa ou desconhecida.
77. E, logo o tribunal português é internacional e territorialmente incompetente para aferir destes autos.
78. Termos em que deverá o acórdão recorrido ser revogado e consequentemente deverá ser declarada a incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 10.
79. Os arguidos não consentiram a realização da busca, o que viola o disposto no artigo 126.º, n.º 3 do Código de Processo Penal devendo ser declarada a nulidade da busca realizada à embarcação.
80. Apesar da designação, legalmente fixada, a nulidade ora arguida trata-se de nulidade com autonomia dogmática e legal face às nulidades processuais, não por acaso a lei acrescenta de imediato que tais provas não podem ser utilizadas (e por isso se diz que o termo terá um “sentido simbólico”, não técnico e que apenas quer dizer que tais provas jamais podem ser utilizadas, tendo a nulidade invocada caracter absoluto, independentemente do regime dos artigos 122.º e 123.º do Código de Processo Penal.
81. Foram ainda violados o artigo 92.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, o artigo 6.º da Directiva 2010/64/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 20/10/2010 relativo ao direito à interpretação e tradução em processo penal e à violação do domicílio, a violação da reserva da vida privada e familiar e consequentemente deverá ser declarada a inexistência jurídica dos autos de busca, revista e apreensão.
82. O acórdão recorrido viola ainda o artigo 127.º do Código de Processo Penal.
83. O tribunal “a quo” ao valorar sem mais a prova documental pré-constituída da forma como o fez viola o artigo 249.º e o artigo 355.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
84. Andou mal o tribunal “a quo” na esteira do tribunal de 1.ª instância ao considerar que resulta de forma objectiva do exame pericial realizado aos telefones satélite, constante de fls. 1130 e ss., que os tripulantes do barco contactavam com terra, dando notícias da viagem e recebendo indicações, de indivíduos não identificados.
85. Sendo que da prova indicada como pericial surgia na acusação a menção: “protesta juntar: exame pericial a telemóveis e telefones satélite apreendidos aos arguidos.”.
86. E em sede de contestação apresentada o arguido ora Recorrente impugnou o exame pericial a telemóveis e telefones satélite apreendidos aos arguidos por constar da acusação a menção a protesta juntar, o que não permite a consulta dos mesmos e o exercício da defesa por parte dos arguidos.
87. Resulta também que o cartão cuja leitura terá sido junta a fls. 1127 e cuja tradução do documento foi junta no dia 17 de Novembro de 2022 e que à altura da consulta dos autos e onde se pugnou pela confiança dos mesmos, o qual foi indeferido por despacho judicial tendo sido então tiradas cópias através de meio tecnológico nomeadamente telemóvel verifica-se que a fls. 1127 encontrava-se um recurso não tendo ocorrido a renumeração do processo e não tendo sido notificadas as partes da junção de tal documento, bem como não foi em nenhuma parte aprendido o cartão cuja leitura se juntou alegadamente a fls. 1127.
88. Assim não resulta em nenhum documento, nomeadamente auto de apreensões a existência do cartão lido nos autos, nem resulta nenhum despacho judicial que autorize a leitura tando dos telefones como do relatório pericial.
89. Acontece que da acusação e bem assim da decisão instrutória não há qualquer referência ao meio de prova junto a fls. 1127 e seguintes.
90. Mais, do relatório pericial consta que o mesmo foi junto aos autos a 12-05-2022, porém a defesa não foi notificada nem conforme supra já se referiu é realizada qualquer menção ao relatório pericial em sede de decisão instrutória que foi proferida no dia 25-05-2022.
91. O facto dos arguidos não terem sido notificados do meio de prova junto aos autos não permitiu a consulta e o exercício do direito de defesa.
92. Motivo pelo qual não é permitido ao tribunal oficiar a tradução de tais elementos probatórios sem dar conhecimento dos mesmos à defesa.
93. Aliás o Ministério Público protestou juntar elementos de prova e como tal não podem os mesmos ser valorados como prova pericial.
94. Estabelece o artigo 283.º, n.º 3, alínea f) do Código de Processo Penal que a acusação contém sob pena de nulidade a indicação de provas a produzir ou a requerer.
95. Devendo considerar-se que a prova pericial não se encontra devidamente indicada e referenciada na douta acusação pública e bem assim na decisão instrutória.
96. O que consubstancia a nulidade da fase instrutória.
97. Caso assim não se entenda sempre se dirá que a errónea identificação dos meios de prova não poderá ser corrigida nem retificada pelo Ministério Público.
98. Ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 3 e 97.º, n.º 3 do CPP só podem ser corrigidos erros no caso previsto no n.º 1.
99. O acórdão recorrido viola também os princípios da Presunção da Inocência e o princípio do “In Dubio Pro Reo”.
100. Ademais os arguidos não praticaram todos os mesmos factos em co-autoria.
101. Pelo que não deverão os arguidos serem condenados por co-autoria pois não estão preenchidos os pressupostos do estatuído no artigo 26.º do Código Penal.
102. Da matéria de facto dada como provada não existe um único facto que permita condenar o arguido pela prática de um crime de associação criminosa, com o desenho típico que lhe empresta o artigo 28.º da Lei da Droga ou o artigo 299.º do Código Penal.
103. Resulta da matéria dada como provada, não se pode sustentar que provou a existência de uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros.
104. Com efeito, não se demonstrou que o arguidos tivessem uma realidade autónoma diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros, pois, cada um terá aceitado participar no seu único e exclusivo interesse, sem qualquer aderência a uma realidade autónoma, diferente e superior às suas próprias vontades e interesses.
105. Cada um dos arguidos terá “trabalhado” no seu exclusivo interesse.
106. Veja-se neste sentido o Acórdão do Juízo Central Criminal de Faro – Juiz 1, proferido no âmbito do processo n.º º 304/20.6JAFAR, cujo entendimento seguimos de perto.
107. Os factos dados como provados não preenchem, a nenhum título, a factualidade típica do crime de associação criminosa, tanto do lado do tipo objetivo, como do lado do tipo subjetivo (dolo-do tipo).
108. Verificando-se uma ausência toral e insuprível de factos subjectivos correspondentes aos elementos cognitivo e volitivo do dolo-do-tipo do crime de associação criminosa.
109. O não preenchimento do tipo objectivo é patente e insofismável a seguir-se a doutrina dominante por falta de uma realidade transcendente aos membros individuais, persistente e subsistente como centro autónomo de motivação e de imputação das ações dos membros individuais e da falta do indispensável do sentimento de pertença pro parte dos arguidos, que nunca agiram em obediência às normas e à “subcultura” da alegada organização, nem se moveram em nome das suas estratégias e interesses.
110. Não se verificando ao nível da factualidade típica as exigências de uma estrutura organizacional supra-individual e duradoura.
111. Mais, o tribunal “a quo” não afirmou, nem sustentou o insuprível juízo de culpa, isto é não qualificou a conduta dos arguidos como culpa.
112. A falta duma categoria nuclear da infracção criminal (culpa) afasta de forma definitiva e inultrapassável a condenação dos arguidos.
113. A ausência de culpa e o não preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo impõem a absolvição do arguido ora recorrente.
114. A pena em que o arguido foi condenado viola os princípios orientadores da teoria dos fins das penas.
115. Termos em que e sem prescindir deve ser revogado o douto acórdão devendo ser proferido novo acórdão que tenha como base a aplicação da teoria dos fins das penas existente no nosso sistema penal, e caso não se absolva o arguido AA dever-se-á optar pela aplicação ao ora recorrente de uma pena educacional e ressocializadora.
116. O arguido ora recorrente não se conforma com o acórdão de que ora se recorre e entende que o mesmo viola todos os direitos de defesa dos arguidos constitucionalmente consagrados no artigo 32.º e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
117. O acórdão recorrido foi elaborado e revisto pela Exma. Sra. Juíza Desembargadora- Relatora Adelina Barradas de Oliveira e consta do mesmo, fazendo parte integrante a declaração de voto elaborada pela Exma. Sra. Juíza Desembargadora Cristina de Sousa.
118. Sucede que a declaração de voto em apreço não se trata de uma declaração de voto de vencido, atento a que a decisão não é distinta das dos demais Senhores Juízes Desembargadores que compõem o Coletivo de Juízes, mas sim com uma fundamentação divergente, mas que acaba por convergir na decisão tomada de negar provimento ao recurso interposto.
119. O que em nosso entender constitui uma dupla fundamentação negativa.
120. A dupla fundamentação negativa obsta assim a uma realização efetiva e plena do direito ao recurso por parte do arguido ora recorrente.
121. Senão vejamos, se cada um dos Venerandos Juízes Desembargadores que compõem o Coletivo decidisse de forma diferente em bom rigor não teríamos uma decisão una, mas sim três decisões, o que dificulta e muito a tarefa da defesa e o exercício do direito ao recurso por parte do arguido.
122. Sufragamos o entendimento de que a ratio do n.º 2 do artigo 425.º do Código de Processo Penal ao consagrar que são admissíveis declarações de voto visa permitir ao Juiz que compõe o órgão colegial manifestar a sua posição, quando discorde dos demais e não quando concorde com os restantes Juízes, mas apenas discorde de alguns aspectos de fundamentação, conforme sucedeu no presente caso concreto.
123. Veja-se neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, Coimbra Editora - a declaração de voto é vista como instrumento que reforça a transparência e legitimação da decisão jurisdicional.
124. A declaração de voto não deve consistir numa dupla fundamentação da decisão proferida.
125. As decisões proferidas por órgãos colegiais devem refletir a posição da maioria dos Juízes, sem suprimir o direito individual do Juiz manifestar a sua discordância.
126. A declaração de voto proferida no acórdão recorrido viola o disposto no n.º 2 do artigo 425.º do Código de Processo Penal e o artigo 32.º, n.º 1 e o artigo 205.º da nossa Constituição, quando interpretados que as decisões dos tribunais têm que ser fundamentadas na forma prevista na lei e não com a fundamentação proferida por cada um dos Juízes que componha o órgão colegial.
127. Termos em que e face ao supra exposto deverá ser declarada a nulidade e a inconstitucionalidade da declaração de voto proferida nos presentes autos.
128. Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio o arguido ora Recorrente não se conforma com a declaração de voto constante do acórdão de que ora se recorre.
129. Primeiramente e conforme já supra se explanou por se considerar que a fundamentação aí aposta não é divergente, mas convergente com a fundamentação constante do acórdão de que ora se recorre.
130. Por outro lado, estamos em crer que a declaração de voto não apresenta fundamentação diversa da constante do acórdão, mas sim fundamentação diversa e discordante com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
131. O arguido ora recorrente não se conforma com a declaração de voto constante no acórdão recorrido.
132. Na esteira do já alegado supra no que respeita à realização da audiência de julgamento contrariamente à declaração de voto consideramos que em obediência ao disposto no n.º 1 do artigo 123.º deverá ser declarada a irregularidade por falta de realização da audiência de discussão e julgamento.
133. E consequentemente deverá o acórdão proferido e a declaração se voto serem revogados, determinando-se a realização da audiência nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 411.º do Código de Processo Penal.
134. No que respeita à existência de caso julgado quanto às questões invocadas em sede de recurso e em sede dos recursos interlocutórios sempre se dirá que os citados acórdão não formam caso julgado formal.
135. A declaração de voto na esteira do acórdão recorrido viola ainda o regime das nulidades processuais previstas nos artigos 118.º e seguintes do Código de Processo Penal e os mais elementares direitos de defesa do arguido.
136. Sendo certo que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da oficiosidade do conhecimento das nulidades insanáveis a todo o tempo, isto é em qualquer fase do procedimento.
137. Já no que tange às nulidades sanáveis estas não são de conhecimento oficioso e podem/ devem ser invocadas num determinado momento ou prazo sob pena de sanarem, isto é de se validarem à face da ordem jurídica.
138. Por outro lado e conforme já se aflorou supra não se pode considerar que os citados acórdãos tenham versado sobre uma decisão final na plenitude de todas as suas acepções possíveis, posto que seja no julgamento, ou mais propriamente na sentença/acórdão definitivo, que a pretensão punitiva do Estado pode encontrar a sua acabada conformação, podendo e devendo o arguido invocar as nulidades que entender por convenientes para o exercício condigno da sua defesa.
139. Não tendo a decisão instrutória valor de caso julgado formal, podendo/devendo o tribunal que irá julgar a causa pronunciar-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa logo conhecer em obediência ao preceituado no artigo 311.º do Código de Processo Penal.
140. Não se encontrando assim o poder jurisdicional do Tribunal esgotado quanto às questões/nulidades invocadas pela defesa dos arguidos.
141. No entanto, o teor da decisão de pronúncia e bem assim o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que decidiu manter a medida de coação de prisão preventiva não vincula o Tribunal “a quo” e o tribunal de 1.ª instância que julgou e apreciou a causa, podendo e devendo este tribunal em sede de julgamento, entender de forma diversa e decidir em sentido oposto ao anteriormente determinado. Pois se assim não o fosse o tribunal estaria limitado ao anteriormente decidido pelo Tribunal de Instrução Criminal e pelo Tribunal superior, não sendo possível absolver os arguidos e/ou revogar e alterar as medidas de coação.
142. A declaração de voto de que ora se recorre viola assim artigos 118.º e seguintes, artigo 311.º todo do Código de Processo Penal, os mais elementares direitos de defesa do arguido e bem assim o instituto do caso julgado.
143. O ora recorrente não se conforma com o acórdão recorrido e com a declaração de voto dado que as nulidades deveriam ter sido decididas.
144. Não nos conformamos com o entendimento que considera que pode ser formado caso julgado em direito penal ficando impossibilitado em julgamento o arguido de invocar argumentos esgrimidos na fase de inquérito e instrução.
145. A interpretação realizada do artigo do caso julgado em direito penal deve ser a de que na fase de inquérito e de instrução nenhuma das questões forma caso julgado, podendo ser todas as questões apreciadas em sede de audiência de julgamento sob pena de esvaziamento do artigo da imediação da prova, da publicidade e da violação do artigo 32.º, n.º 1 e 5 da Constituição, que não determinam uma preclusão do direito de defesa do arguido, permitindo que esse direito de defesa prevaleça até após a condenação definitiva e transitada em julgado a fim de que se possa permitir a descoberta da verdade material, princípio fundamental do direito penal.
146. Desta forma a interpretação do caso julgado determina que tenham que ser apreciados pela primeira instância as nulidades invocadas e sobretudo a verificação da possibilidade de incompetência internacional e territorial, a nulidade da busca e a nulidade da detenção.
147. Os quais em momento algum do julgamento puderam ser contraditados ou realizadas perguntas às testemunhas.
148. Verificando-se o erro de interpretação relativamente ao caso julgado deverá ser determinada a repetição do julgamento porquanto tais questões não puderam ser questionadas levando a que para além do mencionado erro de interpretação do caso julgado tenhamos ainda a falta de verificação de nulidades.
149. Verifica-se ainda a inconstitucionalidade por violação do artigo 32.º, n.º 1 e 5 da Constituição porquanto a interpretação realizada faz precludir o exercício do direito de defesa reconduzindo a um exercício único, a que se poderá exercitar uma única vez, ou na fase inquérito ou na faz de instrução ou na fase de julgamento. Ora, na verificação intersistemática e na construção do artigo 32.º n.º 1 e 5 da Constituição não pretendeu o legislador constitucional limitar o direito de exercício do arguido a um só momento estanque antes possibilita que o mesmo possa nas várias fases processuais e a todo o momento nos termos do artigo 61.º do CPP poderá apresentar a sua defesa, falar em todos os momentos sempre que julgue e creia oportuno, não podendo ser limitado o direito de defesa do arguido e o direito de contraditório a uma fase anterior ao do julgamento em que o mesmo tenha acesso a todos os elementos que militam contra si e em que possa questionar quem realizou os autos que compõem o processo.
150. A interpretação realizada do instituto do caso julgado determina a violação expressa do artigo 32.º, n.º 1 e 5 da Constituição porquanto não é facultado o direito de defesa, preconizando a interpretação realizada um princípio matemático de formação de vontade do tribunal e um apogeu da prova pré- constituída anterior à da realização do julgamento.
151. No caso em apreço a declaração de voto viola ainda o princípio constitucional de que o Julgador administra a Justiça em representação do povo, pois que no caso concreto ao povo só era facultado e só é facultado, embora já dificultado pelos inúmeros seguranças que impedem muitas vezes o acesso livre do povo às salas de audiências, reconduzindo-se cada vez mais os tribunais a reuniões secretas, com excepção dos casos mediáticos, e é neste momento de publicidade do julgamento e em que a bondade ou não da aplicação da lei deve ser considerada se o povo em nome do qual se administra a justiça aceita as decisões, pois que as decisões são coletivas, não só daquele coletivo mas de uma comunidade politicamente organizada.
152. Ao não se permitir o debate na assembleia cujo povo preside embora representado, viola grosseiramente o tribunal “a quo” esta norma constitucional prevista no artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa.
153. Termos em que e face ao supra exposto deverá o acórdão recorrido e a declaração de voto serem revogados e consequentemente deverá ser proferido outro que determine a repetição da audiência de discussão e julgamento e consequentemente aprecie as invocadas nulidades e a impugnação dos elementos de prova.
154. Motivos pelos quais e face ao supra exposto invoca-se desde já a inconstitucionalidade da decisão recorrida para efeito de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional;
- BB, pugnando pela declaração de nulidade da decisão proferida; simultaneamente, porque os autos dispõem nessa parte dos elementos necessários à decisão, pela sua absolvição pelo crime de Associação Criminosa; pela revogação da sentença proferida por nulidade da mesma em virtude de ter remetido para decisão final a apreciação de uma diligencia de prova fundamental a descoberta da verdade e até ter omitido a mesma na apreciação critica da prova e, de acordo com o princípio da proporcionalidade e adequação, seja substancialmente reduzida a pena que lhe foi aplicada, devendo ser sempre inferior à dos outros arguidos, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:
QUESTÃO PRÉVIA
1. O presente Recurso vem transcrever muito do anterior Recurso, porquanto a nova “decisão” do TRLx não se pronunciou sobre as questões suscitadas pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça.
2. É de tal forma “contrariado” pela decisão do STJ que obriga a reformular a decisão proferida que não o faz. Limita-se a decisão ora recorrida – por isso o natural incómodo que se verifica na declaração posterior à “decisão” da veneranda desembargadora – a escrever (depois de copy past dos recursos e eventual recurso a IA) apenas, pasme-se: (..)
Nega-se provimento aos recursos interpostos, mantendo-se a decisão recorrida sem mais (…)
3. Ou seja, não responde a nenhuma das questões suscitadas no Acórdão do venerando Supremo Tribunal de Justiça. NENHUMA
I. DA NULIDADE DA DECISAO:
A. O ora arguido foi condenado pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B anexa a tal diploma, na pena de dez anos de prisão e pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de oito anos e seis meses de prisão, em cúmulo jurídico, na pena única de catorze anos de prisão.
B. O acórdão proferido a fls.., não se examina criticamente as provas e as respetivas ilações dos factos apresentados, ignorando a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
C. Em referência, o acórdão proferido não está em harmonia com o consagrado processualmente, porquanto, não cumpre com os princípios da clareza e autossuficiência das decisões judiciais.
D. De facto, todo o acórdão quanto à sua fundamentação se encontra obscuro e inatingível, não se extraí o sentido e alcance da argumentação apresentada, perdendo toda a sua força vinculativa.
E. E como consequência, poderá o douto tribunal, voltar a apreciar as questões suscitadas pelo ora arguido, porquanto perdeu-se a força vinculativa do caso julgado, porquanto toda a matéria de facto adquirida e extraída dos factos apurados, não integram, na sua plenitude, a fundamentação de facto.
F. Além do exposto, não basta a fixação dos factos provados e não provados, terá, sempre, o douto tribunal, de clarificar, apresentando a argumentação e raciocínio lógico para fundamentar as ilações retiradas do acórdão.
G. Nesta esteira, ainda sempre se dirá, que deverá manter-se a utilidade, numa exposição sucinta e fundamentada, quanto aos depoimentos das testemunhas no processo em apreço -, não se compreendendo, à luz dos princípios processuais penais, a concretização do depoimento do Inspetor da Polícia Judiciária DD, para a fundamentação de facto apresentada, assim como das Inspetoras da Polícia Judiciária EE e FF.
H. O dever de fundamentação das decisões judiciais que não se limitam a regular, de harmonia com a lei, os termos e andamento do processo, prende-se intimamente com a necessidade de credibilização dos actos decisórios perante a coletividade, impedindo que assentem em critérios puramente discricionários.
I. Resultando evidente, que o acórdão proferido, omite decisões judiciais relevantes e atos importantíssimos praticados pelos ora arguidos, tanto quanto à aplicação da medida de coação, como pela detenção ilegal, nulidade da constituição de arguidos, falsidade da detenção, incompetência internacional dos tribunais portugueses, incompetência territorial do juízo central criminal de lisboa, nulidade da abordagem e da respetiva busca à embarcação, em sua defesa, cabal e efetiva, na fundamentação de facto, afastando os princípios primordiais do direito.
J. Neste sentido, a lei adjetiva penal consagrou o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o ato ilegal é irregular – números 1 e 2 do artigo 118.º do Código de Processo Penal.
K. Motivo pelo qual, desde já, se requer que seja declarada a irregularidade e a nulidade do acórdão proferido.
L. No passado dia 29 de Janeiro de 2025, foi proferido acórdão pelo douto Supremo Tribunal de Justiça, que declarou nulo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 28 de junho de 2023 por omissão de pronúncia sobre questões que devia apreciar, nos termos do disposto nos artigos 379.º, n.º 1, alínea c), e 425.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Penal.
M. Consequentemente, verificou-se, à luz do ordenamento jurídico vigente, a inexistência de qualquer suporte normativo válido que possa legitimar a continuidade da medida de coação de prisão preventiva aplicada ao arguido, o que determina a carência absoluta de fundamento legal para a manutenção da sua privação da liberdade.
N. Consubstanciando, assim, uma situação de excesso de prisão preventiva e detenção ilegal.
O. Com a declaração de nulidade do acórdão datado de 28 de junho de 2023, o douto Supremo Tribunal de Justiça, ordenou a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, para que se conheça das questões suscitadas e omitida, nomeadamente, da validade da prova pericial aos telefones e telemóveis, da incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa e do não preenchimento dos pressupostos da co-autoria, bem como do crime de associação criminosa.
P. Contudo, pelo acórdão proferido a fls.., pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, 3.ª Secção, continuou sem se pronunciar sobre as questões suscitadas e que estava obrigado, em obediência ao ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Q. Salvo melhor opinião, que é muita, constitui uma violação ao dever de obediência aos tribunais superiores consagrado na Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, artigo 4.º, número 1.
R. Nestes termos, também deverá ser declarada a nulidade resultante de omissão de pronúncia.
S. A omissão de pronúncia traduz-se, na ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias relativamente às quais a lei impõe que tome posição expressa, ou seja, sobre as questões que os sujeitos processuais lhe submetem e aquelas de que deve conhecer oficiosamente.
T. Logo, o Tribunal da Relação de Lisboa, independentemente da obediência a que estava adstrito, deixou de se pronunciar sobre questões que deveria, obrigatoriamente, apreciar.
U. A omissão de pronúncia, no contexto legal português, refere-se à nulidade de uma decisão judicial que ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre questões relevantes para a decisão de mérito, ou seja, questões que foram submetidas ao tribunal para apreciação, o que, in casu, sucede.
V. A lei exige que o tribunal tome posição expressa sobre as questões que lhe são apresentadas, e a omissão de pronúncia ocorre quando essa posição não é tomada – e conforme se demonstrou, existiram várias questões, pelas quais, o tribunal que estava adstrito a pronunciarse, não se pronunciou, nomeadamente, validade da prova pericial aos telefones e telemóveis, da incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa e do não preenchimento dos pressupostos da co-autoria, bem como do crime de associação criminosa.
W. No caso em apreciação o Tribunal da Relação de Lisboa, não adotou a obrigatoriedade a que estava adstrito, não corrigindo a nulidade identificada.
X. De facto, deixou de se pronunciar sobre as questões suscitadas, apenas submetendo-as a simples argumentos, opiniões ou doutrinas, ou remetendo para a decisão condenatória da primeira instância.
Y. Ainda quanto à omissão de pronúncia, em conjugação com a matéria de facto impugnada, o ora arguido, rogou, em expor todas as especificações, meios de prova e fundamentação, pelo qual, impunham decisão diversa da proferida.
Z. A eventual falta de indicação das questões suscitadas e que se encontram subjacentes processo em apreço e a omissão quanto à impugnação da matéria de facto, constitui omissão de fundamentação da decisão proferida.
AA. O arguido, ora recorrente, requer que seja declarada a nulidade prevista nos artigos 379.º, número 1, alíneas a) e c), 425.º, número 4, e 428.º, do Código de Processo Penal.
II. DA NULIDADE POR INCORRETA APRECIAÇAO DA PROVA
BB. Além disso, existiu uma apreciação incorreta dos factos assentes e não assentes, considerados como provados, designadamente os factos NÃO ASSENTES com relevância para a descoberta da verdade, que a ser feita de uma forma correta impunha uma decisão diferente daquela que foi proferida, designadamente quanto ao crime de associação criminosa;
CC. Nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 379.º, por não conter todas as menções referidas no n.º 2, do artigo 374.º, ambos do Código de Processo Penal (doravante abreviadamente CPP), na alínea d), do n.º 2, do artigo 120.º, ex vi artigo 340.º, n.º 1, ambos do mesmo diploma legal e do que resulta inequivocamente erro na apreciação da prova, conforme o disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, deverá ser o presente acórdão nulo.
DD. O arguido ora Recorrente, requereu a admissão aos autos de Parecer Jurídico do Professor António André Inácio (Professor Auxiliar na Faculdade de Direito, ULHT Doutor em Direito Público pela Universidade San Pablo Ceu, Madrid Investigador no CEAD/ULHT).
EE. Por despacho datado de 17-10-2022 o tribunal “a quo” admitiu a junção aos autos do Parecer Jurídico, constante a fls. 1542 e seguintes nos termos do disposto no artigo 340.º e 165.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
FF. O qual nunca foi apreciado pelo Tribunal ora Recorrido, Devendo o acórdão recorrido ser declarado nulo por omissão de pronúncia nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.
GG. O dever de fundamentação das decisões judiciais é um imperativo constitucional em consequência dos princípios informadores do Estado de Direito Democrático e no respeito pelo efetivo direito de defesa consagrado no art. 32º, nº1 e no artigo 202º, nº 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, que merecem especial acuidade no campo Penal.
HH. Violou o Tribunal “a quo” o dever de fundamentação da sentença, com as devidas consequências legais, concretamente a NULIDADE da decisão.
II. Bem como, foi violado o direito ao exercício do contraditório e não facultado à defesa o acesso à imediação e à oralidade da prova em julgamento.
JJ. Perante esta situação, devia ser o princípio do contraditório garantido na medida em que todos os intervenientes têm acesso à imediação e oralidade do julgamento e a todas as provas e estão livres os sujeitos processuais para as chamar à imediação e à oralidade.
KK. Determinando a nulidade de todo o julgamento por violação do artigo 32.º, n.º 1 e n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e do artigo 61.º, n.º 1, al. a), conjugado com os artigos 327.º, n.º 2, 355.º e 361.º, n.º 1 e 2 todos do Código de Processo Penal.
LL. E ainda, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal que é nula a sentença quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
MM. Pelo que, o tribunal “a quo” não poderia deixar de decidir as nulidades invocadas pela defesa, o tribunal tem de se pronunciar sobre todas as questões relevantes para uma justa decisão, - caso o tribunal não se pronuncie sobre tais questões, estamos perante omissão de pronúncia, sendo nula a sentença recorrida.
NN. Termos em que deverá o acórdão recorrido ser declarado nulo por omissão de pronúncia nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.
OO. Quanto à abordagem do barco, o que resulta da mencionada decisão do TEDH, é de que a autorização das autoridades espanholas que permitiu o embarque, que deu controlo judicial à medida.
PP. No caso em apreço, não existiu autorização judicial por parte das autoridades portuguesas, nem houve um pedido do estado de bandeira do navio, pelo que a abordagem e embarque é nula.
QQ. Face a todo o exposto, foram violados os preceitos nos artigos 24.º, 127.º e 340.º, todos do Código de Processo Penal, violando o princípio do in dúbio pro reo.
III. DA INEXISTENCIA DOS PRESSUPOSTOS DO CRIME DE ASSOCIAÇAO CRIMINOSA
1. O aqui arguido e recorrente, nunca impulsionou ou desenvolveu qualquer atividade adequada a criar uma associação criminosa, bem como nunca fundou ou se encontrou subordinado à uma vontade coletiva com finalidades criminosas;
2. Aliás, o aqui recorrente agiu de modo antagónico, tendo somente aceitado um trabalho com um objetivo individual, garantir a sua subsistência e qualidade de vida básica – ter um teto, água, alimentação e ganhar um bom salário por tal serviço;
3. Resulta cristalino que os factos descritos, dados como não provados e realmente com grande relevo para a decisão em causa, são essenciais à descoberta da verdade e da não aplicação do crime de associação criminosa;
4. Não resulta provado que existisse uma estrutura humana, estável e hierarquizada, considerando que não se provou a finalidade do tipo de crime aplicado, a introdução e comercialização do produto estupefaciente;
5. Não existiu qualquer distinção de tarefas, de responsabilidades e sobretudo de ganhos, porquanto não existiu qualquer tipo de comunicação entre o arguido e alegados contactos necessários à comercialização do produto estupefaciente,
6. A atuação nunca passou pela coordenação e concertação, muito pelo contrário, foi tudo com base em improviso e pura sobrevivência.
7. Nunca agiram como sócios ou parceiros com objetivo comum, - sempre agiram como desconhecidos, com objetivos individuais face às necessidades da sua vida privada.
8. O aqui arguido, realizou-o por um fim individual e no seu interesse mais puro enquanto pessoa singular, nunca se propondo a viver ou a atuar num programa criminoso,
9. Nunca agindo em cooperação ou concertação com outras pessoas, nem devendo disciplina e hierarquia.
10. Aliás, crê-se que, o único objetivo que o mesmo teria seria sair VIVO da situação em que o colocaram e infelizmente com o nível de pobreza apresentado e necessidade se colocou!
11. Face a todo o exposto, não se encontram preenchidos os elementos necessários para o crime da Associação criminosa, designadamente, o elemento organizativo; o elemento de estabilidade associativa e o elemento da finalidade criminosa.
IV. DA MEDIDA E DOS FINS DAS PENAS
1. Face às condições pessoas do aqui arguido, ora Recorrente, a pena concreta a aplicar será determinada, dentro da moldura referida, em função da culpa de cada um dos arguidos enquanto limite máximo da punição.
2. Não fez a sentença ora recorrida qualquer apreciação da culpa individualizada de cada arguido.
3. Não pode a sentença ignorar o facto assente de que na cabine do arguido, ora recorrente não existia qualquer produto estupefaciente.
4. As exigências de prevenção, geral e especial, postas pelo caso em apreço – em cuja valoração se atenderá a todas as concretas circunstâncias que, no caso, não fazendo parte do tipo legal, manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram [a obtenção de vantagens patrimoniais é discernível, direta ou indiretamente, em ambos os crimes]. Inexiste qualquer prova sobre a vantagem patrimonial, em concreto, no que ao arguido diz respeito.
5. Factos assentes que depõem a favor do arguido e que deveriam ter sido valorados, (arts. 71º n.º 2 do CP), não o tendo sido, requer-se que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa valore em acórdão os mesmos.
6. Entendemos que face aos factos assentes a sua pena deveria ser de cinco (5) anos.
7. Porquanto deverá ser absolvido do crime de associação criminosa e atenta a moldura penal do ilícito de tráfico de estupefacientes p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, concretamente de 04 a 12 anos, considerando o meio da pena em 08 anos, e os fatos assentes supra mencionados, a pena aplicada não deverá exceder os cinco (5) anos.
8. Como sabemos a medida concreta da pena do concurso é determinada, tal como a das penas singulares, em função da culpa e das necessidades de prevenção, tal como estipulado pelos artigos 40º e 71º do Código Penal (doravante CP).
9. Sem nunca olvidar, in casu, o critério específico da consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente, como também previsto no artigo 77.º, n.º 1, do CP.
10. Devia o Tribunal a quo ter assumido a particular relevância das suas condições sociais, económicas e pessoais do arguido que denotam integração a nível social e familiar, e mesmo a nível laboral a situação profissional do Arguido, ilações que se retiram do relatório social do Arguido e dos factos assentes de 43 a 56.
11. De igual modo, milita a favor do Arguido que este vivia socialmente enquadrado e apoiado familiarmente, com apoio dos pais que estiverem sempre presentes nas audiências de julgamento.
12. Tais factos abalam qualquer convicção de que o Arguido poderá prosseguir qualquer tipo de actividade delitual.
13. O que, certamente, desde logo, atenua significativamente as exigências de prevenção do caso concreto.
14. Sempre haverá, ademais, que considerar as consequências nefastas e o carácter altamente repressivo da prisão, que segrega, retirando a liberdade, a sua família e o direito ao trabalho.
15. Tal lógica permite, novamente, concluir que o Arguido revelará uma propensão inexistente para a prática de crimes, ciente dos custos da vida prisional e da sua reclusão da comunidade e principalmente junto da família.
16. Assim haverá que sopesar aquando do cálculo da aplicação de uma pena justa e moralmente aceitável para a sociedade, mas ao mesmo tempo, que permita ao arguido ter ainda uma segunda oportunidade na sua vida.
17. Isto é, com vista a assegurar as finalidades preventivas da pena será mais seguro optar por manter o Recorrente integrado do que condená-lo a viver na reclusão e no desaconselhável ambiente prisional.
18. Assim, a pena imposta ao recorrente deveria ter uma extensão inferior, atentos os comandos dos artigos 40º, n.ºs 1 e 2, 71º, n.ºs 1 e 2, e 77.º todos do CP, reduzindo a pena, mas que sobretudo, nos termos do disposto no artigo 50.º do CP, determinando a suspensão da respetiva execução.
19. Pelo que, é nosso modesto entendimento que o Acórdão proferido ora recorrido, violou as disposições constantes dos artigos 40°, 41°, 50°, n.° 1, 70°, 71.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal e artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa porquanto mesmo sem esquecer as necessidades de prevenção geral ou os concretos crimes cometidos a ameaça do cumprimento da pena, bem como a sujeição a um regime de prova, ainda que dilatado, seria suficientes para afastar o recorrente da prática de futuros crimes remetendo-o para a execução da pena em comunidade sendo determinada a suspensão da execução da pena de prisão em que o recorrente foi condenado, por igual período, sujeita a um regime de prova;
- CC, pugnando pela revogação do acórdão recorrido no que concerne ao crime de associação criminosa e, consequentemente, o arguido ser absolvido da respectiva prática e ser a pena aplicada ao arguido ser fixada perto do mínimo legal, rematado o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:
“ I. O Recorrente foi condenado pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B anexa a tal diploma, na pena de dez anos de prisão e pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de oito anos e seis meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de catorze anos de prisão.
II. Condenação e penas essas que foram mantidas no aresto de que aqui se recorre.
III. No entanto e salvo melhor opinião, no que concerne ao crime de associação criminosa não estão preenchidos os elementos do tipo legal, a que se refere o art.º art.º 28.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
IV. Pois dos factos dados como provados não é possível retirar tal conclusão.
V. Embora respeitando opinião diferente, é certo que os factos dados como provados que enquadram a condenação do Recorrente pela prática do crime de associação criminosa são conclusivos, não sendo feita qualquer referência a factos concretos específicos.
VI. O crime de associação criminosa exige a congregação de três elementos essenciais: um elemento organizativo, um elemento de estabilidade associativa e um elemento de finalidade criminosa.
VII. Para a existência do crime de associação criminosa para a prática de actividades de tráfico de droga, devem existir uma pluralidade de indivíduos, com o mínimo de estrutura organizatória e com um sentimento comum de ligação dos seus membros a um qualquer processo de formação da vontade colectiva.
VIII. Assim, verifica-se este crime quando duas ou mais pessoas decidiram criar uma estrutura de carácter permanente, organizada e estável, com vista a dedicar-se ao crime de tráfico de droga ou para a prática de branqueamento de bens e capitais provenientes do tráfico, e a existência de um qualquer processo de formação de vontade colectiva.
IX. Tal não ocorre no caso concreto dos presentes autos pois, quanto muito, entre os arguidos existia uma conjugação de esforços e vontades, com vista à prossecução de um fim comum – o transporte e desembarque de droga.
X. Portanto, reiteramos, quanto muito, estamos apenas em presença da mera comparticipação criminosa, pois a actuação dos arguidos visaria apenas a obtenção de lucro pessoal.
XI. Parafraseando o Prof. Figueiredo Dias, para que exista o crime de associação criminosa para a prática de actividades de tráfico de droga, devem existir uma pluralidade de indivíduos, com o mínimo de estrutura organizatória e com um sentimento comum de ligação dos seus membros a um qualquer processo de formação da vontade colectiva.
XII. E, ainda reproduzindo o pensamento do mesmo insigne autor, não se pode falar de associação criminosa quando os agentes se propõem praticar e praticam quaisquer infracções em nome e no interesse próprio, mesmo que para o efeito tenham que recorrer à colaboração mais ou menos organizada, mais ou menos duradora de outras pes*soas. Em tal caso, deverá ser no contexto da doutrina geral, nos termos do regime da comparticipação que há-de aferir-se da responsabilidade individual dos intervenientes singulares”
XIII. Ora, no caso dos autos não está demonstrada a existência de uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses de cada um dos arguidos, nem a existência efectiva duma estrutura organizativa minimamente hierarquizada e estável.
XIV. Pois, no limite, os arguidos agiram segundo os seus próprios interesses e não segundo um interesse superior de qualquer organização.
XV. Portanto, no caso concreto, não se verificam os elementos objectivos e subjectivos típicos do crime de associação criminosa previsto e punido pelo artº 28.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
XVI. Ao arrepio do que determinam os art.ºs 40.º, n.ºs 1 e 2; 70.º e 71.º, todos do Código Penal, as penas aplicadas ao Recorrente foram demasiado gravosas.
XVII. Embora no caso da prática efectiva dos crimes em questão, a necessidade de prevenção geral seja elevada, as necessidades de prevenção especial no que ao Recorrente respeita são diminutas.
XVIII. Já que, como resultou provado nos autos, o Recorrente não tem antecedentes criminais, encontra-se inserido social e familiarmente
XIX. Toda a sua vida anterior aos factos que deram origem aos presentes autos foi de absoluto compromisso com a vida em sociedade.
XX. Não obstante a gravidade dos factos pelos quais o Recorrente se encontra condenado, admitindo-os apenas por exercício de raciocínio e dever de patrocínio, estes constituíram uma excepção na sua vida.
XXI. Pelo que o juízo de prognose relativamente ao comportamento futuro do Recorrente tem necessariamente que ser favorável.
XXII.O que impõe uma pena que, embora constituindo uma penalização que tem que se refletir no Recorrente, deve permitir a sua reinserção e ressocialização, pelo que não deve afastar dos mínimos legalmente previstos.
5. Admitidos todos os recursos e cumprido o disposto no artigo 411.º/5 CPPenal, a Magistrada do MP apresentou a sua resposta no tribunal recorrido no sentido da improcedência dos recursos e da manutenção do acórdão recorrido.
5. Remetidos a este Supremo Tribunal de Justiça, em vista dos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º CPPenal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se, da seguinte forma:
1. uma vez que o arguido AA requereu a realização de audiência nos termos do artigo 411.º/5 CPPenal para debater oralmente as questões da omissão de pronúncia, da formação do caso julgado formal, do preenchimento dos pressupostos típicos do crime de associação criminosa e da medida das penas, deve ser designada data para a sua realização;
2. ao indeferir a «irregularidade» e a «nulidade» do acórdão de 19 de março de 2025, o acórdão de 21 de maio de 2025 não conheceu, a final, do objeto do processo, ou seja, não conheceu «do mérito ou fundo da causa, enfim da viabilidade da acusação, com o inevitável desfecho de condenação ou absolvição do arguido» (Pereira Madeira, Código de Processo Penal comentado, António Henriques Gaspar e outros, 4.ª edição revista, Almedina, página 1240);
- o recurso deva ser rejeitado por inadmissibilidade legal (artigos 400.º, n.º 1, alí-nea c), 414.º, n.ºs 2, 1.ª parte, e 3, 417.º, n.º 6, alínea b), e 432.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal);
3. Recursos do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.3.2025:
1. Julgamento do recurso sem realização da audiência – AA:
- no recurso do acórdão do Juízo Central Criminal de Lisboa, que apresentava 114 (cento e catorze) conclusões, o arguido AA requereu a realização de audiência «para debater todos os pontos da motivação do recurso que ora se apresenta» [recurso com a ref.ª 34748033 de 16 de janeiro de 2023];
- tal formulação não satisfaz minimamente o mencionado requisito legal;
- «a indicação dos pontos a debater na audiência, como sendo, por remissão, a totalidade dos pontos da motivação e conclusões que a elas se seguem, não respeita nem o texto, nem o elemento racional que subjaz ao ónus imposto no n.º 5 do art. 411.º do CPP, que é o de permitir aos restantes sujeitos processuais que participam na audiência conhecer de modo claro quais as concretas questões, os específicos pontos da motivação do recurso que o recorrente pretende ver debatidos oralmente, de modo a prepararem-se para o julgamento» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de junho de 2023, processo 1031/11.0GCALM.L1.S1, relatado pelo conselheiro Orlando Gonçalves).
«[N]ão é ao Tribunal que compete descortinar quais são as "questões de direito" que o recorrente pretende discutir, sendo a este que cabia o ónus de as indicar especificadamente. (…) O significado de especificar é descrever detalhada e exaustivamente algo, indicar minuciosamente, pormenorizar, particularizar. Antónimo de especificação é a indicação lata, generalizada, indistinta, total, global. (…) II - A declaração de que se pretende debater na audiência todos os pontos da motivação de recurso não cumpre minimamente o requisito legal que exige a indicação especificada dos pontos que pretende ver debatidos na audiência, como também não o cumpriria se indicasse todos os pontos, pormenorizando um a um» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de janeiro de 2025, processo 150/23.5GACDV.L1.S1, relatado pelo conselheiro Celso Manata);
- o julgamento do recurso em conferência não padece, assim, de qualquer vício.
O arguido AA defende a revogação do acórdão recorrido por ter julgado o recurso do acórdão da 1.ª instância sem realizar a audiência prevista no artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal (conclusões 7 a 9).
Nos termos do artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, no requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos.
A realização da audiência no tribunal superior pressupõe, assim, que o recorrente especifique os pontos da motivação de recurso que pretende ver discutidos.
A «sujeição do recorrente a um ónus processual de identificação dos pontos da motivação de recurso que pretende discutir, mediante alegações orais, constitui medida adequada e idónea a assegurar uma maior eficiência e celeridade na tramitação processual penal (…) tal medida tanto permite ao julgador (e aos recorridos, em particular ao Ministério Público, que exerce a acção penal) preparar(em) as questões a discutir em audiência de julgamento – note-se, a este propósito, que cabe ao Relator junto do tribunal recorrido, elaborar uma "exposição sumária sobre o objecto do recurso, na qual enuncia as questões que o tribunal entende merecerem exame especial" (artigo 423.º, n.º 1, do CPP) –, como, simultaneamente, implica um esforço adicional dos recorrentes na compressão e síntese dos pontos da motivação a discutir, oralmente, em audiência» (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 163/2011, relatado pela conselheira Ana Maria Guerra Martins).
2. Nulidade do acórdão por falta de fundamentação e omissão de pronúncia - AA e BB:
Segundo os arguidos, o acórdão recorrido não responde às questões apontadas no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de janeiro de 2025 (conclusões 1 e 3 do capítulo QUESTÃO PRÉVIA e O, P, R, S a X do capítulo I do recurso do arguido BB, e 5, 10 a 15, 18 e 29 a 31 do recurso do arguido AA), e não se pronuncia sobre um parecer jurídico junto aos autos (conclusões DD a FF capítulo II do recurso do arguido BB e 47 do recurso do arguido AA).
O arguido BB considera ainda que o acórdão recorrido não «examina criticamente as provas e as respetivas ilações dos factos apresentados, ignorando a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção» (conclusão B do capítulo I).
O arguido AA reitera que o Tribunal da Relação de Lisboa não se pronunciou ou pronunciou-se insuficientemente sobre a questão da impugnação da matéria de facto (conclusões 16 e 18 a 27) e não apreciou o protesto ditado para a ata durante a sessão de julgamento de 22 de setembro de 2022 (conclusão 40).
De acordo com as disposições conjugadas dos artigos 379.º, n.º 1, alínea a), e 374.º, n.ºs 2 e 3, alínea b), do Código de Processo Penal, a sentença é nula quando não contiver a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, e a decisão condenatória ou absolutória.
As finalidades perseguidas com a exigência de fundamentação são várias: «Autocontrole por parte daquele que profere a decisão, permitindo-lhe refletir, reponderar e reanalisar os seus próprios motivos que terão que ser pessoais e corresponder a uma posição sua. Heterocontrole por parte dos destinatários do ato de modo a que sendo perfeitamente percetível as razões da decisão possam exercer na sua plenitude o direito de recurso, bem como por aqueles que vão sindicar a decisão (v.g. tribunais de recurso, juiz de instrução, superior hierárquico do MP). Garantia de defesa, de intervenção no processo e pleno acesso ao Direito e aos Tribunais, pois só conhecendo os argumentos de uma decisão podem os visados, destarte os sujeitos processuais, reagir processualmente, apresentar a sua contra-argumentação e, assim, efetivar os seus direitos. Legitimação, transparência e prestação de contas, no sentido de justificar perante os cidadãos em nome de quem se administra a justiça o porquê do decidido» (Tiago Caiado Milheiro, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, 2.ª edição, Almedina, página 1090).
Para «que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora Lda., página 687).
Só «a falta absoluta de fundamentação, embora referida ou aos fundamentos de facto ou aos fundamentos de direito, é que conduz verdadeiramente à nulidade da decisão. Quando se esteja perante uma fundamentação insuficiente, deficiente ou não convincente, não se configurará nulidade da decisão» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de setembro de 2024, processo 2511/24.3T8PRT.P1.S1, relatado pelo conselheiro Agostinho Torres).
Segundo o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, a sentença é ainda nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A este respeito é pacífico que «a nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista» (citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de setembro de 2024, processo 2511/24.3T8PRT.P1.S1, relatado pelo conselheiro Agostinho Torres, com apontamento de doutrina e jurisprudência). «O preceito legal em causa não impõe a discussão e apreciação, fiel e seguidista, de toda a argumentação desenvolvida no recurso, mas sim o conhecimento das questões suscitadas e legalmente cognoscíveis» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de novembro de 2023, processo 151/14.4T3GDL.E2.S1, relatado pela conselheira Ana Barata Brito).
As mencionadas disposições são aplicáveis aos acórdãos proferidos em recurso por força do artigo 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, sem prejuízo, como se adiante dirá, das devidas adaptações.
Pois bem, no que se refere à falta de fundamentação no que toca ao exame crítico das provas e aos fundamentos decisivos para a convicção é manifesta a falta de razão do recorrente BB.
Na verdade, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa reproduziu e sufragou, justificando-o, a fundamentação probatória da convicção alcançada pelo tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de Lisboa relativamente à factualidade dada como assente (páginas 56 a 61 e 105 a 111 do ficheiro pdf do acórdão a propósito do recurso do arguido AA e página 124 do mesmo ficheiro quanto ao recurso do arguido BB), devendo salientar-se a este respeito que «a fundamentação decisória da Relação é exercida sobre uma outra decisão que, por seu turno, já motivou a convicção (…) sendo-lhe lícito, ao sindicar a decisão recorrida, recorrer também à fundamentação desta para justificar as suas próprias razões» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de abril de 2024, processo 1819/18.1T9VNG.P1.S1, relatado pelo conselheiro Jorge Gonçalves), o que significa que «o tribunal de recurso, caso entenda que se mostram corretas a valoração e a apreciação da prova, pode apenas e só limitar-se a explicitar as razões da adesão a todo o exame / ponderação / avaliação executados pelo tribunal recorrido» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de maio de 2025, processo 28/21.7PAPBL.C1.S1, relatado pelo conselheiro Carlos Campos Lobo).
Contrariamente ao que os arguidos sustentam, a Relação tomou posição expressa sobre os recursos dos despachos interlocutórios (páginas 2 a 11 e 77 a 89 do ficheiro pdf do acórdão), as questões da incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa (páginas 76 e 77 do ficheiro pdf do acórdão), o protesto ditado para a ata (páginas 92 a 95 do ficheiro pdf do acórdão), o parecer jurídico junto aos autos (páginas 94 e 95 do ficheiro pdf do acórdão), a impugnação ampla da matéria de facto (páginas 97 a 102 do ficheiro pdf do acórdão) e o preenchimento dos pressupostos da coautoria e do tipo de associação criminosa (páginas 112 a 117, 123 e 124 do ficheiro pdf do acórdão).
Afirma-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de janeiro de 2025 que o anterior acórdão da Relação de Lisboa de 28 de junho de 2023 não se pronunciou quanto à validade da prova pericial aos telefones e telemóveis.
Ou seja, em síntese útil, o recorrente questionou a validade do exame pericial aos telefones apreendidos – exame que, importa ter presente, foi devidamente autorizado pelo Sr. juiz de instrução [despacho de 24 de novembro de 2021 com a ref.ª .......99] – a propósito da impugnação da matéria de facto em virtude de o mesmo não estar junto aos autos no momento em que foi deduzida a acusação e de não ter sido notificado da sua ulterior junção, o que, na sua conformação, prejudicou a consulta desse elemento de prova e o exercício da defesa.
Ora, também esta questão foi apreciada pela Relação de Lisboa como resulta do segmento que, para uma melhor elucidação, passamos a transcrever (páginas 107 e 108 do ficheiro pdf do acórdão):
«O tribunal recorrido formou a sua convicção em provas não proibidas e fundamentou a fixação da prova com base no princípio da livre apreciação da prova, pelo que, só pode prevalecer a convicção da primeira instância não se encontrando vício algum na decisão objeto de recurso.
Basta ter em conta a prova produzida conjugando-a entre si e as regras da experiência e da lógica que o recorrente tem de admitir que as condutas, apuradas e a factualidade fixada preenche quer o tráfico quer a associação criminosa os precisos termos em que o tribunal a quo fundamenta a decisão.
Tudo o que se alega é vago, constitui afirmações conclusivas, desculpas e desresponsabilização. Note-se, aliás, no que concerne à questão do exame pericial a que o arguido alude, como bem refere o MP na sua resposta, o exame pericial cujas folhas se determinou fossem (em parte) traduzidas, consta dos autos desde 16.05.2022, integralmente digitalizado, à inteira disposição da defesa, conforme resulta da mera consulta do citius [ref.ª 125931], tendo sido junto antes da realização do Debate Instrutório, que ocorreu a 25.05.2022.; isto é, tal exame esteve disponível para plena consulta e rebate, por parte dos arguidos, desde antes da realização do debate Instrutório, pelo que, na realidade, nenhuma violação da possibilidade do exercício do contraditório aqui existe. Tal exame é meio de prova que se mostra abrangido pelo art.º 163 do CPPenal, pela que a mera discordância do recorrente e negação do seu conteúdo, não tem relevância efetivamente contraditória. E no mesmo consta – sem que tenha havido impugnação que ultrapasse a mera negação – como se refere na motivação realizada pelo tribunal "a quo", que de igual modo, resulta de forma objetiva do exame pericial realizado aos telefones satélite, constante de fls. 1130 e ss., que os tripulantes do barco contactavam com terra, dando notícias da viagem e recebendo Indicações, de indivíduos não identificados»
Diante de todo o exposto só nos resta concluir que o acórdão recorrido não padece da nulidade, por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia, que os arguidos BB e AA lhe assacam.
3. Violação do artigo 407.º, n.º 1, do Código de Processo Penal pelos despachos que admitiram os recursos dos despachos interlocutórios de 29 de julho, 22 de setembro e 14 de dezembro de 2022 – AA;
O arguido AA insurge-se ainda quanto ao momento da subida dos recursos interlocutórios estabelecido nos correspondentes despachos de admissão proferidos pelo Juízo Central Criminal de Lisboa (conclusões 32 a 39).
Dispõe o artigo 405.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, que do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, cabe reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige no prazo de dez dias contados da notificação do despacho que não tiver admitido o recurso ou da data em que o recorrente tiver tido conhecimento da retenção.
Daqui se extrai que o despacho em questão é irrecorrível (artigo 399.º do Código de Processo Penal).
«O meio especificamente posto à disposição dos interessados para reagir contra esse acto judicial é a reclamação. De outra forma, não faria sentido algum a existência deste procedimento específico de reacção contra uma específica decisão judicial. Para o objecto dos recursos, fica a generalidade das decisões» (Pereira Madeira, obra citada, página 1305).
Ora, se os despachos que admitiram os recursos intercalares para subirem a final nos próprios autos são irrecorríveis, por maioria de razão o é também o segmento do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que apreciou essa questão (páginas 91 e 92 do respetivo ficheiro pdf).
E como as decisões em apreço podiam ser impugnadas através de reclamação, que o recorrente optou por não exercer, não se vislumbra em que termos a solução legal possa beliscar a Constituição, nomeadamente as garantias de defesa do arguido.
Em todo o caso, ao julgar improcedente a pretensão recursória do arguido AA a respeito do momento da subida dos recursos interlocutórios, o acórdão recorrido não conheceu, a final, do objeto do processo pelo que, face ao disposto nos artigos 400.º, n.º 1, alínea c) e 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, e na linha do já expendido a propósito do recurso do mesmo arguido do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de maio de 2025 [26.A.], o recurso sempre teria de ser rejeitado nessa parte.
4. Violação do regime das nulidades, do princípio do contraditório e dos direitos de defesa – AA e BB:
Em termos vagos e indefinidos, os recorrentes BB e AA alegam ainda que «foi violado o direito ao exercício do contraditório», negado «à defesa o acesso à imediação e à oralidade da prova em julgamento» (conclusões II a KK do capítulo II recurso do arguido BB e conclusões 43, 44, 49 e 51 do recurso do arguido AA) e «os artigos 118.º e seguintes» do Código de Processo Penal (conclusão 57 do recurso do arguido AA).
Nos termos do artigo 432.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, recorre-se para o Supre-mo Tribunal de Justiça de decisões das Relações proferidas em 1.ª instância [v.g. as decisões previstas nos artigos 12.º, n.º 3, alíneas a), c) e d), e 235.º do Código de Processo Penal, 109.º, alínea b), do Código de Justiça Militar (Lei n.º 100/2003, de 15 de novembro), 49.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto (extradição), 15.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto (execução do mandado de detenção europeu), e 13.º, n.º 1, e 34.º, n.º 1, da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro (reconhecimento e execução de sentenças penais de Estados membros da União Europeia que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas de liberdade e de sentenças ou de decisões relativas à liberdade condicional], visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º [alínea a)], de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º [alínea b)], de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º [alínea c)] e de decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores [alínea d)].
O artigo 434.º seguinte, por sua vez, dispõe que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º
- no caso em apreço, como estamos perante a hipótese do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, o recurso não pode assentar nas nulidades que não devam considerar-se sanadas (artigo 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal);
- não sendo admissível recurso com tal fundamento nem emergindo da leitura do acórdão recorrido qualquer indício que revele terem sido violados o regime das nulidades, o contraditório ou o acesso à imediação e à oralidade da prova em julgamento, deve o mesmo ser rejeitado nessa parte (artigos 414.º, n.ºs 2 e 3, e 420.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal).
5. A inexistência de caso julgado formal – AA:
- quanto a este ponto nada se oferece dizer neste momento porquanto o arguido AA requereu o debate em audiência e a questão não é colocada pelo coarguidos nos respetivos recursos (artigo 416.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
6. A incorreta fixação da matéria de facto provada – AA e BB:
Os arguidos intentam ainda impugnar a factualidade dada como assente afirmando que o acórdão padece de erro notório na apreciação da prova (conclusão CC do capítulo II do recurso do arguido BB), que foram erradamente considerados não provados factos com grande relevo para a decisão da causa (conclusão 3 do capítulo III do recurso do arguido BB) que a Relação de Lisboa valorou mal o exame pericial aos telefones satélite (conclusão 84 do recurso do arguido AA) e afrontou os princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo (conclusão 99 do recurso do arguido AA).
- os recursos dos presentes autos visam exclusivamente o reexame da matéria de direito (artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 434.º do Código de Processo Penal);
- «Nos recursos para o Supremo, a matéria de facto é, assim, como regra, um dado adquirido, cujo julgamento ficou esgotado pelas instâncias» (Pereira Madeira, obra citada, página 1467);
- a sindicância do acórdão recorrido quanto à valoração da prova constitui matéria de facto;
- o Supremo Tribunal de Justiça «é um tribunal de revista, competindo-lhe apenas, salvo nos casos expressamente previstos, conhecer da aplicação do direito. Consequentemente não pode sindicar a valoração das provas que tenha sido feita nas instâncias (na 1.ª e na Relação). Se reapreciasse as provas produzidas no julgamento, estaria a introduzir um terceiro grau de jurisdição em matéria de facto, em clara violação do art. 434.º, do CPP» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de maio de 2019, processo 476/15.1PELSB.L1.S1, relatado pelo conselheiro Nuno Gonçalves);
- muito embora a limitação do recurso ao reexame da matéria de direito não impeça o conhecimento oficioso dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nomeadamente do erro notório na apreciação da prova, em cujos moldes também pode ser apreciada a violação do princípio do in dubio pro reo, corolário lógico do princípio da presunção de inocência (cf. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de junho de 2015, processo 28/11.5TACVD.E1.S1, relatado pelo conselheiro Pires da Graça), se «constatar que a decisão recorrida, devido aos vícios que denota ao nível da matéria de facto, inviabiliza a correcta aplicação do direito ao caso» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de outubro de 2020, processo 74/17.5JACBR.C1.S1, relatado pelo conselheiro Manuel Augusto de Matos), esses vícios devem resultar do texto da decisão, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, e não se confundem com «erros de julgamento da matéria de facto, nomeadamente de apreciação das provas, cujo conhecimento se encontra subtraído a este Tribunal» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de setembro de 2020, processo 260/18.0PBLRS.L1.S1, relatado pela conselheira Margarida Blasco);
- não se extraindo da leitura do trecho dedicado à fundamentação da convicção que as provas apontem claramente no sentido oposto às conclusões extraídas pelo tribunal ou que o tribunal tivesse ficado ou devesse ter ficado com quaisquer dúvidas quanto aos acontecimentos e à participação dos arguidos, o recurso deva improceder nesta parte.
7. A não verificação dos pressupostos da coautoria – AA:
- da matéria de facto provada – que deve, conforme já referido, considerar-se definitivamente estabilizada – resulta que os arguidos AA, BB e CC, de forma livre, deliberada e consciente (facto provado 15), atuando em conjugação de vontades e esforços entre si e com terceiros não identificados (facto provado 12) e de acordo com um plano previamente delineado (factos provados 2 e 3), efetuaram o transporte por via marítima de 4575 placas de cocaína com o peso líquido total superior a 4.666 quilogramas entre as proximidades da América do Sul e da Península Ibérica (facto provado 5);
- é, por isso, incontroverso que esta conduta ajusta-se à figura da coautoria.
O arguido AA sustenta ainda que não se encontram preenchidos os pressupostos da coautoria (conclusões 100 e 101).
A coautoria, segundo a definição do artigo 26.º do Código Penal, «consiste na execução do facto por mais do que uma pessoa, agindo os vários agentes de acordo com uma decisão criminosa conjunta. (…) pressupõe uma decisão conjunta de executar um facto punível (o que constitui a componente subjetiva da coautoria), que é o fundamento para que cada um dos coautores, apesar de apenas ter levado a cabo uma parte da execução típica, possa responder pela totalidade do delito» (Duarte Rodrigues Nunes, Curso de Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Gestlegal, 1.ª edição, páginas 607-608).
8. A verificação dos pressupostos típicos do crime de associação criminosa – AA, BB e CC:
- diversamente do preconizado pelos arguidos, o legislador não exige a verificação de «uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses» dos membros singulares (conclusões 1 do capítulo III do recurso do arguido BB, 103 do recurso do arguido AA e XIII do recurso do arguido CC);
- não se vislumbra decorrer da letra da lei as referidas exigências doutrinárias, no sentido de que para além do acordo de vontades de [duas] ou mais pessoas surja, paralelamente, a aludida realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros, que consubstancie um efectivo centro distinto de motivação e imputação fáctica das acções prosseguidas em nome e no interesse do conjunto;
- não obstante se considerar que, efectivamente, o tipo legal de crime não exige, para a sua consumação, que se verifique quer um processo de formação da vontade colectiva, quer um sentimento comum de ligação, ter-se-á, sempre, de distinguir as situações de associação criminosa, daquelas que consubstanciariam meras formas de comparticipação;
- foi precisamente com esse desiderato que a Lei n.º 59/2007 aditou o n.º 5 ao artigo 299.º, clarificando, assim, o conceito de associação criminosa para efeitos do referido normativo legal, especificando, na respectiva Exposição de Motivos, que a referida alteração visava a distinção da associação da mera comparticipação criminosa, requerendo-se, por isso, a actuação concertada dos agentes durante um certo período de tempo;
- no âmbito da aludida alteração, o legislador optou, expressamente, pela definição do conceito legal de associação criminosa, para efeitos de incriminação penal, não tendo feito constar da letra da Lei nem da mesma resultando sequer indirectamente a necessidade de outros elementos adicionais, como os referidos supra;
- assim sendo, considera-se que "[n]ão existe, na letra da lei, qualquer restrição, delimitação do âmbito da figura da associação criminosa, mediante a verificação de uma "realidade transcendente à vontade e interesses individuais" das pessoas que actuam concertada e duradouramente e que por ser transcendente, essa realidade funcione como centro autónomo de imputação e motivação. Nem se alcança como dessa curiosidade subjectiva de abstracção engendrada no íntimo de cada um dos membros de uma associação criminosa possa resultar maior dignidade penal ou maior perigo.» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de julho de 2025, processo 699/23.0JGLSB.P1.S1, relatado pela conselheira Ana Paramés);
- no caso dos autos resultou provado que os arguidos e outros indivíduos não identificados integram um grupo organizado que se dedica à aquisição, transporte e venda de cocaína da América do Sul para a Europa por via marítima (facto provado 1), que entre data anterior a 11 de outubro de 2021 e 17 de outubro seguinte, atuando em concerto com essoutros indivíduos e no âmbito da referida organização com a qual aceitaram colaborar, de forma livre, deliberada e consciente, sabendo as suas condutas proibidas (factos provados 12 e 15), transportaram desde a América do Sul até às imediações da Península Ibérica cerca de 4666 quilogramas de cocaína (factos provados 2, 3 e 5);
- mostram-se, por isso, preenchidos todos os elementos típicos, objetivos e subjetivos, do tipo de associações criminosas do artigo 28.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro.
Os arguidos BB, AA e CC entendem ainda que a factualidade provada não reúne os pressupostos típicos do crime de associação criminosa do artigo 28.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro (conclusões 1 a 11 do capítulo III do recurso do arguido BB, 102 a 110 do recurso do arguido AA e III a XV do recurso do arguido CC).
O artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, sob a epígrafe «associações criminosas», pune com prisão de 10 a 25 anos quem promover, fundar ou financiar grupo, organização ou associação de duas ou mais pessoas que, atuando concertadamente, vise praticar algum dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º (n.º 1) e com prisão de 5 a 15 anos quem prestar colaboração, direta ou indireta, aderir ou apoiar o grupo, organização ou associação referidos no número anterior (n.º 2).
Para uma definição mais completa de «grupo, organização ou associação» importa ainda recorrer ao artigo 299.º do Código Penal cujo n.º 5 considera existir grupo, organização ou associação quando esteja em causa um conjunto de, pelo menos, três pessoas, atuando concertadamente durante um certo período de tempo.
Da conjugação dos dois preceitos resulta, assim, que no plano objetivo o crime de associações criminosa caracteriza-se:
- Por ter um número mínimo de membros («duas ou mais pessoas»);
- Por dispor de uma estrutura minimamente organizada, com relações de coordenação («actuando concertadamente») e repartição de responsabilidades e de funções entre os seus agentes («promover, fundar ou financiar» e «prestar colaboração, direta ou indireta, aderir ou apoiar»);
- Por ter alguma durabilidade temporal («durante um certo período de tempo»);
- Por prosseguir o cometimento de crimes de tráfico de estupefacientes e outras atividades ilícitas e de precursores («vise praticar algum dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º»).
Sob o ponto de vista subjetivo, trata-se de um crime doloso (artigo 13.º do Código Penal), o que significa que cada um dos respetivos agentes deve atuar com a vontade e a consciência de promover, fundar, financiar, aderir, prestar colaboração ou apoiar o grupo, organização ou associação, sabendo que a mesma se dirige à prática de crimes de tráfico de estupefacientes e outras atividades ilícitas e de precursores e que tais condutas são proibidas e punidas por lei.
9. O excesso da medida das penas – AA, BB e CC:
- olhando para os correspondentes segmentos do acórdão recorrido (páginas 68 a 70, 117 a 121, 123, 125 e 126), conclui-se que o tribunal respeitou os critérios e finalidades definidos nos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 71.º, n.ºs 1 e 2, e 77.º, n.º 1, parte final, do Código Penal, e aplicou penas que, em atenção à natureza e gravidade dos crimes cometidos (transporte de mais de quatro toneladas e meia de cocaína e colaboração e apoio a associação criminosa dirigida ao tráfico intercontinental de cocaína) e à censurabilidade da conduta dos arguidos (agiram com dolo direto e, conforme resulta das páginas 56 e 57 do ficheiro pdf do acórdão, procuraram «exclusivamente, distanciar-se dos factos e ocultar a respectiva participação nos mesmos» sem revelarem arrependimento ou consciência crítica das suas condutas), mostram-se ajustadas à culpa e exigências de prevenção que se verificam no caso.
10. A nulidade da declaração de voto – AA:
- como as declarações de voto podem «respeitar ao resultado da deliberação (decisão), expressando a discordância quanto à mesma, ou apenas ao caminho trilhado para chegar àquele resultado (fundamentação), expressando dissenso quanto ao mesmo» (António Latas e Pedro Soares de Albergaria, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, Maio de 2024, Almedina, página 294), não se identificam razões que justifiquem qualquer censura ao seu teor.
O arguido AA insurge-se ainda contra a declaração de voto lavrada no acórdão recorrido (conclusões 117 a 151).
Nas suas palavras «não se trata de uma declaração de voto de vencido, atento a que a decisão não é distinta das dos demais Senhores Juízes Desembargadores que compõem o Coletivo de Juízes, mas sim com uma fundamentação divergente, mas que acaba por convergir na decisão tomada de negar provimento ao recurso interposto» (conclusão 118), o que, na sua conformação, «constitui uma dupla fundamentação negativa» que «viola o disposto no n.º 2 do artigo 425.º do CPP e o artigo 32.º, n.º 1 e o artigo 205.º da nossa Constituição» (conclusão 126) e que deverá ser declarada nula e inconstitucional (conclusão 127).
A pretensão revela-se destituída de qualquer utilidade prática.
Com efeito, o que deve ser considerado para o desfecho do(s) recurso(s), para o respetivo sucesso ou insucesso, é o texto do acórdão que fez vencimento, e não a declaração de voto.
Seja como for, a Sr.ª desembargadora expressou efetivamente na declaração de voto uma discordância em relação à posição que prevaleceu relativamente à factualidade que devia integrar o inventário dos factos provados, como claramente resulta, desde logo, do seu intróito (página 127 do ficheiro pdf do acórdão):
«Acho que os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa proferidos em 10 de Fevereiro e 16 de Fevereiro de 2022, respectivamente nos apensos A e C que confirmaram a decisão proferida no primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos que além de ter aplicado as medidas de coacção de prisão preventiva, se pronunciou sobre todas as questões suscitadas nos recursos interlocutórios – ilegalidade da detenção, nulidade da constituição de arguidos, falsidade da data e hora da detenção, incompetência internacional dos Tribunais portugueses; incompetência territorial do juízo central criminal de Lisboa nulidade da abordagem e subsequente busca realizada à embarcação, por violação do artº 17º nº 3 da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988 – e ainda o que conheceu do recurso da decisão que indeferiu a providência de habeas corpus, confirmando esta, nos excertos em que esses acórdãos tomaram posição expressa sobre essas questões, assim como as decisões objecto dos recursos interlocutórios deveriam integrar a fundamentação de facto do acórdão, como factos provados»
6. Notificados, nos termos e para os efeitos do artigo 417.º/2 CPPenal, os arguidos BB e CC nada disseram.
7. Admitida a realização da audiência, requerida pelo arguido AA ainda que delimitada a 3 das 4 questões por si enunciadas, colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência na data designada e foram os autos submetidos à conferência, no tocante aos dois restantes recursos, tendo dos correspondentes trabalhos resultado o presente Acórdão.
Como é sabido o recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente, cfr. artigos 402.º, 403.º e 412.º CPPenal, sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2 CPPenal, cfr. acórdão de fixação de jurisprudência 7/95, de nulidades não sanadas, n.º 3 do mesmo preceito e de nulidades da sentença, cfr. artigo 379.º/2 CPPenal, na redação da Lei 20/2013.
E, então, as questões suscitadas nos 3 recursos podem ser assim enunciadas:
- arguido AA:
- a irregularidade por falta de audiência de discussão e julgamento.
- omissão de pronúncia, quanto,
- à questão da incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa;
- violação do dever de obediência aos tribunais superiores consagrado no artigo 4.º/1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário;
- à questão da validade da prova pericial aos telefones e telemóveis;
- à questão do não preenchimento do tipo de associação criminosa;
- impugnação da matéria de facto;
- nulidade por não pronúncia ou insuficiente pronúncia quanto à questão de o acórdão apenas se encontrar numerado até à página 81, sendo que a página 81 encontra-se parcialmente em branco;
- violação do artigo 407.º/1 CPPenal;
- inconstitucionalidade da interpretação dada pelo tribunal “a quo” ao disposto no artigo 407.º/1 CPPenal;
- nulidade por não apreciação do protesto;
- violação do direito ao exercício do contraditório e não foi facultado à defesa o acesso à imediação e à oralidade da prova em julgamento;
- nulidade de todo o julgamento por violação do artigo 32.º/1 e 5 da CRP e do artigo 61.º/1 alínea a) CPPenal conjugado com os artigos 327.º/2, 355.º e 361.º/1 e 2 CPPenal;
- violação do caso julgado formal;
- omissão de pronúncia quanto às questões prévias de,
- nulidade do processo e da incompetência dos tribunais portugueses;
- incumprimento da cooperação judiciária internacional em matéria penal;
- incompetência do Tribunal da Comarca de Lisboa;
- omissão de apreciação do parecer;
- violação dos mais elementares direitos de defesa dos arguidos, ao arrepio do nos artigos 30.º e 32.º da nossa Constituição;
- violação do artigo 374.º/1 alínea d) e 2 CPPenal;
- violação do regime das nulidades processuais previstas nos artigos 118.º e seguintes do Código de Processo Penal e os mais elementares direitos de defesa do arguido;
- violação do artigo 311.º CPPenal, dos mais elementares direitos de defesa do arguido e bem assim o instituto do caso julgado;
- violação dos artigos 141.º/1 CPPenal e 31.º da Constituição;
- violação das regras da cooperação judiciária e a Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar;
- violação do artigo 229.º e ss. CPPenal e do estatuído pela Lei n.º 87/2021, de 15/12 (Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal);
- violação do artigo 19.º CPPenal;
- violação do artigo 126.º/3 CPPenal;
- violação do artigo 92.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, o artigo 6.º da Directiva 2010/64/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 20/10/2010;
- violação do artigo 127.º CPPenal;
- violação dos artigos 249.º e 355.º/1 CPPenal;
- nulidade da fase instrutória;
- violação dos princípios da Presunção da Inocência e o princípio do “In dubio pro rReo”;
- não preenchimentos dos requisitos da co-autoria;
- não preenchimento dos elementos do tipo de associação criminosa;
- quantum da pena;
- violação de todos os direitos de defesa dos arguidos constitucionalmente consagrados no artigo 32.º e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
- a declaração de voto proferida no acórdão recorrido viola o disposto no n.º 2 do artigo 425.º CPPenal e 32.º/1 e 205.º da Constituição, quando interpretados que as decisões dos tribunais têm que ser fundamentadas na forma prevista na lei e não com a fundamentação proferida por cada um dos Juízes que componha o órgão colegial;
- nulidade e a inconstitucionalidade da declaração de voto;
- irregularidade por falta de realização da audiência – devendo o acórdão proferido e a declaração se voto serem revogados, determinando-se a realização da audiência nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 411.º CPPenal;
- a declaração de voto viola ainda o regime das nulidades processuais previstas nos artigos 118.º e seguintes do Código de Processo Penal e os mais elementares direitos de defesa do arguido;
- a declaração de voto de que ora se recorre viola assim artigos 118.º e seguintes, artigo 311.º todo do Código de Processo Penal, os mais elementares direitos de defesa do arguido e bem assim o instituto do caso julgado.
- violação dos artigos 32.º/1 e 5 e 202.º da Constituição;
- BB:
- a questão prévia da não pronúncia sobre as questões suscitadas pelo STJ,
- validade da prova pericial aos telefones e telemóveis,
- incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa;
- não preenchimento dos pressupostos da co-autoria, bem como do crime de associação criminosa;
- nulidade do acórdão, porque,
- não se examina criticamente as provas e as respetivas ilações dos factos apresentados, ignorando a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção;
- não está em harmonia com o consagrado processualmente, porquanto, não cumpre com os princípios da clareza e autossuficiência das decisões judiciais;
- violação ao dever de obediência aos tribunais superiores consagrado no artigo 4.º/1 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto;
- impugnação da matéria de facto;
- nulidade do acórdão, por,
- incorrecta apreciação da prova;
- nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º, por não conter todas as menções referidas no n.º 2, do artigo 374.º, ambos do Código de Processo Penal, na alínea d), do n.º 2, do artigo 120.º, ex vi artigo 340.º, n.º 1, ambos do mesmo diploma legal e do que resulta inequivocamente erro na apreciação da prova, conforme o disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal;
- omissão por não apreciação do parecer;
- violação do dever de fundamentação;
- violação do direito ao exercício do contraditório;
- violação do artigo 32.º/1 e 5 da Constituição da República Portuguesa e do artigo 61.º/1 alínea a), conjugado com os artigos 327.º/2, 355.º e 361.º/1 e 2 CPPenal;
- por omissão de pronúncia quanto às nulidades invocadas pela defesa;
- dado que a abordagem ao barco é nula;
- violação dos artigos 24.º, 127.º e 340.º CPPenal;
- violação do princípio do in dúbio pro reo;
- não preenchimento dos elementos do tipo de crime de associação criminosa;
- quantum e espécie da pena do crime de tráfico de estupefacientes;
- violação dos artigos 40.º, 41.°, 50.°/1, 70.°, 71.º/1 e 2 CPenal e 18.º/2 da Constituição da República Portuguesa;
- CC:
- não preenchimento dos elementos constitutivos do tipo legal de crime de associação criminosa;
- o quantum das penas.
2. Delimitação do objecto do recurso.
O recurso, para o STJ, que é circunscrito a matéria de direito, nos termos do artigo 434.º CPPenal, tem por objeto um acórdão da Relação proferido em recurso, que confirmou a decisão de aplicação aos 3 arguidos, aqui recorrentes, de 2 penas parcelares e das respectivas penas únicas, todas elas, superiores a 8 anos de prisão.
Acórdão assim, recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, cfr. artigos 399.º, 400.º/1 alínea f) e 432.º/1 alínea b) CPPenal.
Estabelece o artigo 400.º/1 alínea f) CPPenal, sob a epígrafe de “decisões que não admitem recurso”, que,
“1 - Não é admissível recurso:
(…)
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;
(…)”.
Por sua vez, dispõe o artigo 432.º CPPenal, sob a epígrafe “recursos para o Supremo Tribunal de Justiça”, que.
“1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;
b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;
d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.
2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º”.
Finalmente, o artigo 434.º, sob a epígrafe “poderes de cognição”, dispõe que,
“O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º” – resultando o segmento final da redação dada pela Lei 94/2021.
Da enunciação deste regime resulta, assim, que só é admissível recurso, para o STJ, de acórdãos das Relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão, independentemente da existência de dupla conforme.
Tal significa só ser admissível recurso de decisão confirmatória da Relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico (cfr., entre muitos arestos que estão disponíveis para consulta, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 11.3.2021, processo 809/19.1...; de 2.12.2021, processo 923/09.1...; de 12.1.2022, processo 89/14.5...; de 20.10.2022, processo 1991/18.0...; de 30.11.2022, processo 1052/15.4... e de 15.1.2025, processo 687/22.3, todos disponíveis em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).
No caso em apreço, aprecia-se o recurso de uma decisão confirmatória da Relação de Lisboa, relativamente a 3 arguidos punidos com 2 penas parcelares superiores a 8 anos de prisão, ou seja, uma situação de “dupla conforme”.
Os recorrentes não limitaram os recursos a um segmento específico da decisão recorrida.
A decisão recorrida é, pois, recorrível para o STJ quanto às questões relativas a todas as penas, a ambos os crimes, bem como à pena única, nos termos dos artigos 400.º/1 alínea f), a contrario e 432.º/1 alínea b) CPPenal e, por isso, será o recurso apreciado, nos segmentos questionados.
Bem como, naturalmente, quanto à nulidade da decisão recorrida.
Suscita o arguido AA a questão da violação dos princípios da presunção da inocência e do “in dubio pro reo”.
De acordo com o já citado artigo 434.º, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, pelo que o conhecimento das questões em matéria de facto esgota-se nos tribunais da Relação, que conhecem de facto e de direito, cfr. artigo 428.º CPPenal.
Tratando-se de um recurso de acórdão da Relação proferido em recurso, cfr. artigo 432.º/1 alínea b) CPPenal, não é admissível recurso para o STJ “com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º”, isto é, com fundamento nos vícios da decisão recorrida e em nulidades não sanadas - aditamento do artigo 11.º da Lei 94/2021 - diversamente do que ocorre com os recursos previstos nas alíneas a) e c), o que, todavia, não prejudica os poderes de conhecimento oficioso de vícios da decisão de facto quando constatada a sua presença e a mesma seja impeditiva de prolação da correta decisão de direito, cfr. artigo 434.º CPPenal.
Isto é, mesmo nos casos em que o recurso apenas se pode dirigir à matéria de direito, é possível intervenção nos matizes da existência de vícios decisórios expressos nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º CPPenal, conquanto resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e, bem assim, em casos de alguma nulidade que não deva considerar-se sanada.
E, assim, considerando o regime vigente advindo das alterações ao CPPenal, introduzidas pela Lei 94/2021, o recurso para o STJ, nos casos subsumíveis à previsão das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º CPPenal, visa-se exclusivamente o reexame da matéria de direito, a existência dos vícios decisórios ou a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.
Por outro lado, a literalidade da alínea b) do nº 1 do citado inciso legal, não referenciando que o recurso nela previsto se destina exclusivamente o reexame da matéria de direito, ou aos fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º CPPenal, impõe a conclusão de que foi propósito do legislador excluir como fundamento dos recursos subsumíveis à sua previsão, o conhecimento dos vícios decisórios.
Ou seja, nos recursos a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º CPPenal, os recorrentes não podem invocar, como fundamento do recurso, a existência, no acórdão recorrido, de vícios decisórios, o que, em todo o caso, não impede o seu conhecimento oficioso.
Assim, tem sido posição unânime do STJ que, no regime em vigor, os vícios decisórios e as nulidades referenciados no artigo 410.º/2 e 3 CPPenal, só constituem alicerce recursivo para o STJ nos casos previstos na alínea a) – recurso de decisão da relação proferida em 1ª instância – e alínea c) – recurso per saltum de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo – do n.º 1 do artigo 432.º CPPenal, não sendo pois, nos termos da alínea b) do mesmo n.º 1 admissível recurso para o STJ com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do dito artigo 410.º, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios decisórios, quando a correta decisão de direito a proferir possa vir a ser afetada pela sua subsistência.
Nesta senda, parece entendimento consolidado que julgado pelo Tribunal de 2.ª Instância um recurso interposto da decisão proferida em 1.ª Instância, o recorrente, discordando da decisão daquele, apenas pode impugnar esta última decisão e não (re)introduzir no recurso para o STJ a impugnação da decisão da 1.ª instância.
Como é sabido a questão da violação do princípio in dubio pro reo e da presunção da inocência, em que aquele se pode traduzir, pode e deve ser conhecida em sede do vício do erro notório na apreciação da prova – como foi, de resto, na decisão recorrida.
Desde logo parece que o recorrente confunde o vício de erro notório na apreciação da prova, com a valoração desta.
Enquanto que esta obedece ao regime do artigo 127.º CPPenal e, é prévia à fixação da matéria de facto, aquele – bem como os demais vícios constantes das alíneas do n.º 2 do artigo 410.º CPPenal – só surgem perante o texto da decisão em matéria de facto que resultou daquela valoração da prova.
Mesmo a invocação do princípio in dubio pro reo que o recorrente na motivação diz ter sido violado, acaba por se dizer respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do artigo 410.º/2 CPPenal, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.
Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual fica afastado o princípio do in dubio pro reo, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355.º/1 CPPenal, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme artigo 32.º/1 da Constituição da República.
Sendo as questões suscitadas nas referidas conclusões questões em matéria de facto, há que ter em atenção, que, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º CPPenal, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, pelo que as questões de facto não se encontram integradas nos seus poderes de cognição.
Por outro lado, não é da competência do Supremo Tribunal de Justiça conhecer dos vícios aludidos no artigo 410.º/2 CPPenal, como fundamento de recurso, quando invocados pelos recorrentes, uma vez que o conhecimento de tais vícios sendo do âmbito da matéria de facto, é da competência do tribunal da Relação, cfr. artigos 427.º e 428.º/1 CPPenal.
Dai que o Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de revista, apenas conheça de tais vícios oficiosamente, se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, uma vez que o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, cfr. artigo 434.º CPPenal.
Como decidiu o Acórdão de 8-11-2006, deste Supremo Tribunal, in Proc. n. 3102/06 - 3.ª Secção, os vícios elencados no artigo 410.º/2 CPPenal, respeitam à matéria de facto; são anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito. Também o apelo ao princípio in dubio pro reo respeita à matéria de facto.
O tribunal vocacionado para o reexame da matéria de facto é o da Relação, a quem cabe, em última instância, decidir a matéria de facto – artigos 427.º e 428.º CPPenal.
Se o agente intenta ver reapreciada a matéria de facto, esta e a de direito, ou só a de direito, recorre para a Relação; se pretende ver reapreciada exclusivamente a matéria de direito recorre para o STJ, no condicionalismo restritivo vertido nos artigos 432.º e 434.º CPPenal, pois que este tribunal, salvo nas circunstâncias exceptuadas na lei, não repondera a matéria de facto.
Sobre matéria de facto, o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não confere a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.
Acresce que a Relação sindicou a decisão recorrida quanto aos vícios constantes do artigo 410.º/2 CPPenal e concluiu pela sua inexistência.
Como já atrás se deixou referido, o Supremo Tribunal de Justiça só tem competência para apreciar matéria de direito, constituindo única exceção a esta regra as situações em que ocorrem os vícios e nulidades a que se reportam as als. a) e c) do nº2 do artigo 432º do Código de Processo Penal.
Daí que, desde logo, não seja possível apreciar erros de julgamento. E o mesmo acontece quanto aos vícios da decisão.
Com efeito, dado que está em apreciação um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu um primeiro recurso do tribunal da primeira instância, este Supremo Tribunal não pode conhecer dos vícios e nulidades a que se reportam os n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º CPPenal.
Com efeito e como decorre claramente do disposto no artigo 434º do Código de Processo Penal tal apenas seria possível
a. Relativamente a um acórdão do Tribunal da Relação proferido em primeira instância e visando exclusivamente matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 410. CPPenal;
b. Relativamente a acórdão final proferido pelo tribunal coletivo ou pelo tribunal do júri que tenha aplicado pena de prisão superior a 5 anos e visando exclusivamente matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º CPPenal.
Termos em que, o recurso tem de ser rejeitado, neste segmento.
O mesmo se diga em relação à violação do princípio in dubio pro reo.
Com efeito, a violação do princípio in dubio pro reo diz respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicada pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do artigo 410.º/2 CPPenal, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.
Na verdade, o princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, mas é antes uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido m obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
Saber se o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto, mas que exorbita o poder de cognição do Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista.
E, assim, também, neste segmento, o recurso é rejeitado.
Quanto às demais questões.
A recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432.º CPPenal, dispondo a alínea b) do n.º 1 que se recorre “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”.
Deste preceito destaca-se a alínea c) do seu n.º 1, que estabelece serem irrecorríveis os “acórdãos proferidos, em recurso pelas Relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º”.
No caso, não se verifica a excepção prevista na parte final desta norma.
O objeto do processo penal é delimitado pela acusação ou pela pronúncia e constitui a definição dos termos em que vai ser julgado e decidido o mérito da causa – ou seja, os termos em que, para garantia de defesa, possa ser discutida a questão da culpa e, eventualmente, da pena.
O acórdão da Relação na parte em que julgou improcedente os recursos interpostos dos despachos interlocutórios proferidos em 1.ª instância, cabe na previsão da referida norma.
Em todos os segmentos do acórdão, proferido em via de recurso, de que os arguidos pretendem recorrer – com excepção, em relação a todos eles, das questões atinentes com o preenchimento dos elementos do tipo de associação criminosa e da medida das penas - não se conheceu do objecto do processo, porque não decidiu nem sobre a culpabilidade nem sobre a pena, mas antes de várias questões processuais incidentais suscitada pelos arguidos AA e BB, no recurso que interpuseram do acórdão condenatório, bem como de outras suscitadas pela fundamentação da decisão recorrida.
Com efeito, nessa parte o acórdão em causa, ao manter o despacho da 1.ª instância não conheceu, e muito menos a final, do objecto do processo.
No caso de recurso para a Relação a matéria do recurso intercalar, fica definitivamente julgada em 2.º grau, ou seja, obtêm decisão definitiva no grau admissível - que constitui a regra geral do artigo 427.º, em conjugação com o artigo 399.º, ambos do CPP.
O recurso não é, assim, admissível, nos termos dos artigos 432.º alínea b) e 400.º/1 alínea c) CPPenal.
Todas elas questões, que não colocaram, nem eram suscetíveis de ter colocado termo ao processo, delas não sendo admissível recurso para este STJ. Com efeito, as decisões interlocutórias caem sobre a alçada do artigo 400.º/1 alínea c) CPPenal e, como tal, não podem sustentar um recurso para o STJ, cfr. artigo 432.º/1 alínea b) CPPenal.
Conforme jurisprudência deste STJ tirada em situações similares, não é a circunstância de a questão interlocutória não ter sido objeto de recurso autónomo e ser processada no recurso do acórdão sobre o mérito que lhe pode conferir recorribilidade (v. Ac. de 06.02.2013, Proc. 593/09.7 TBBGC.P1.S1 - 3.ª).
Assim sendo, não se admite o recurso nessa parte, cujo conhecimento ficou encerrado na Relação.
E, assim, todas as questões reportadas aos aludidos recursos interlocutórios dos despachos de 14.2.2022, sobre omissão de diligências probatórias, atinente com a inquirição de testemunhas, despacho de 22.9.2022, sobre a nulidade da abordagem e da subsequente busca e despacho de 29.7.2022, sobre as nulidades alegadas na contestação, ou sobre a validade da decisão instrutória extravasam do âmbito de cognição deste Supremo Tribunal, não podendo ser aqui reapreciadas.
Restringir-se-á, então, o nosso conhecimento, com a realização de audiência, apenas no que se reporta à nulidade da decisão recorrida, à verificação, ou não, dos elementos constitutivos do tipo legal de associação criminosa e medida das penas.
Pelo que, nesta parte, o recurso tem de ser rejeitado, nos termos do disposto nas normas acima indicadas e no disposto nos artigos 420.º/1 alínea b) e 414.º/1 CP Penal.
Aqui se incluem as seguintes questões:
- a irregularidade por falta de audiência de discussão e julgamento.
- violação do artigo 407.º/1 CPPenal – norma não aplicada na decisão recorrida – e inconstitucionalidade da interpretação dada pelo tribunal “a quo” ao disposto no artigo 407.º/1 CPPenal;
- violação do direito ao exercício do contraditório e não foi facultado à defesa o acesso à imediação e à oralidade da prova em julgamento;
- violação do direito ao exercício do contraditório e não foi facultado à defesa o acesso à imediação e à oralidade da prova em julgamento;
- nulidade de todo o julgamento por violação do artigo 32.º/1 e 5 da CRP e do artigo 61.º/1 alínea a) CPPenal conjugado com os artigos 327.º/2, 355.º e 361.º/1 e 2 CPPenal – normas não aplicadas na decisão recorrida;
- violação dos mais elementares direitos de defesa dos arguidos, ao arrepio do nos artigos 30.º e 32.º da nossa Constituição;
- violação do artigo 374.º/1 alínea d) e 2 CPPenal;
- violação do regime das nulidades processuais previstas nos artigos 118.º e seguintes do Código de Processo Penal e os mais elementares direitos de defesa do arguido;
- violação do artigo 311.º CPPenal, dos mais elementares direitos de defesa do arguido e bem assim o instituto do caso julgado;
- violação dos artigos 141.º/1 CPPenal – norma nem sequer aplicada na decisão recorrida - e 31.º da Constituição;
- violação das regras da cooperação judiciária e a Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar;
- violação do artigo 229.º e ss. CPPenal e do estatuído pela Lei n.º 87/2021, de 15/12 (Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal);
- violação do artigo 19.º CPPenal;
- violação do artigo 126.º/3 CPPenal;
- violação do artigo 92.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, o artigo 6.º da Directiva 2010/64/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 20/10/2010;
- violação do artigo 127.º CPPenal;
- violação dos artigos 249.º e 355.º/1 CPPenal;
- nulidade da fase instrutória;
- violação de todos os direitos de defesa dos arguidos constitucionalmente consagrados no artigo 32.º e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
- a declaração de voto proferida no acórdão recorrido viola o disposto no n.º 2 do artigo 425.º CPPenal e 32.º/1 e 205.º da Constituição, quando interpretados que as decisões dos tribunais têm que ser fundamentadas na forma prevista na lei e não com a fundamentação proferida por cada um dos Juízes que componha o órgão colegial;
- a declaração de voto viola ainda o regime das nulidades processuais previstas nos artigos 118.º e seguintes do Código de Processo Penal e os mais elementares direitos de defesa do arguido;
- a declaração de voto de que ora se recorre viola assim artigos 118.º e seguintes, artigo 311.º todo do Código de Processo Penal, os mais elementares direitos de defesa do arguido e bem assim o instituto do caso julgado.
- violação dos artigos 32.º/1 e 5 e 202.º da Constituição;
- violação ao dever de obediência aos tribunais superiores consagrado no artigo 4.º/1 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto;
- violação do dever de fundamentação;
- violação do direito ao exercício do contraditório;
- violação do artigo 32.º/1 e 5 da Constituição da República Portuguesa e do artigo 61.º/1 alínea a), conjugado com os artigos 327.º/2, 355.º e 361.º/1 e 2 CPPenal – normas todas elas, também, não aplicadas na decisão recorrida, por omissão de pronúncia quanto às nulidades invocadas pela defesa;
- violação dos artigos 24.º, 127.º e 340.º CPPenal, o primeiro e o último não aplicados na decisão recorrida e, o segundo, que extravasa os poderes de cognição deste Supremo Tribunal.
Isto dito.
Vejamos o que subsiste.
Como resulta do acórdão recorrido, no recurso para o Tribunal da Relação os arguidos suscitaram as seguintes questões:
- AA:
- nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, uma vez que não se pronunciou quanto a um “Protesto” formulado em Acta, na Sessão de Julgamento realizada no dia 22/09/2022; não se pronunciou sobre questões fundamentais, não se formando, durante o Processo, qualquer “Caso Julgado Formal”, quanto às questões já alegadas antes e repetidas aquando da realização da Audiência de Discussão e Julgamento e, porque as provas apreciadas pelo Tribunal não constavam, integralmente, na Acusação, pelo que não podiam ter sido analisadas pelo Tribunal, havendo violação dos “Direitos de Defesa do Arguido”;
- impugnação da matéria de facto;
- vícios da decisão;
- violação do princípio in dubio pro reo;
- verificação do preenchimento do ilícito de associação criminosa – em co-autoria;
- medida da pena;
- BB:
- nulidade do Acórdão, porque o Tribunal deveria ter aceitado as provas apresentadas e tomado posição quanto a todas elas e porque não se pronunciou sobre o protesto ditado para a acta, nem sobre questões fundamentais, já alegadas antes e repetidas aquando do julgamento, não se formando qualquer Caso Julgado Formal;
- violação do in dúbio pro reo;
- verificação do crime de associação criminosa e co autoria;
- medida da pena;
- CC:
- vício da contradição entre a matéria de facto provada e a fundamentação;
- verificação do crime de associação criminosa;
- medida da pena.
Conhecendo das questões suscitadas, o acórdão recorrido:
- manteve inalterados os factos provados,
- julgou improcedentes os recursos na totalidade e também, no respeitante,
- à não verificação da co-autoria;
- ao não preenchimento do tipo de associação criminosa;
- ao carácter excessivo das penas.
Subsiste, assim, o seguinte:
- em relação ao arguido AA:
- omissão de pronúncia, quanto,
- à questão da incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa;
- violação do dever de obediência aos tribunais superiores consagrado no artigo 4.º/1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário;
- à questão da validade da prova pericial aos telefones e telemóveis;
- à questão do não preenchimento do tipo de associação criminosa;
- impugnação da matéria de facto;
- nulidade por não pronúncia ou insuficiente pronúncia quanto à questão de o acórdão apenas se encontrar numerado até à página 81, sendo que a página 81 encontra-se parcialmente em branco;
- nulidade por não apreciação do protesto;
- omissão de pronúncia quanto às questões prévias de,
- nulidade do processo e da incompetência dos tribunais portugueses;
- incumprimento da cooperação judiciária internacional em matéria penal;
- omissão de apreciação do parecer;
- não preenchimentos dos requisitos da co-autoria;
- não preenchimento dos elementos do tipo de associação criminosa;
- quantum da pena;
- BB:
- a questão prévia da não pronúncia sobre as questões suscitadas pelo STJ,
- validade da prova pericial aos telefones e telemóveis,
- incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa;
- não preenchimento dos pressupostos da co-autoria, bem como do crime de associação criminosa;
- nulidade do acórdão, porque,
- não se examina criticamente as provas e as respetivas ilações dos factos apresentados, ignorando a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção;
- não está em harmonia com o consagrado processualmente, porquanto, não cumpre com os princípios da clareza e autossuficiência das decisões judiciais;
- violação ao dever de obediência aos tribunais superiores consagrado no artigo 4.º/1 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto;
- nulidade do acórdão, por,
- incorrecta apreciação da prova;
- nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º, por não conter todas as menções referidas no n.º 2, do artigo 374.º, ambos do Código de Processo Penal, na alínea d), do n.º 2, do artigo 120.º, ex vi artigo 340.º, n.º 1, ambos do mesmo diploma legal e do que resulta inequivocamente erro na apreciação da prova, conforme o disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal;
- omissão por não apreciação do parecer;
- não preenchimento dos elementos do tipo de crime de associação criminosa;
- quantum e espécie da pena do crime de tráfico de estupefacientes;
- violação dos artigos 40.º, 41.°, 50.°/1, 70.°, 71.º/1 e 2 CPenal e 18.º/2 da Constituição da República Portuguesa;
- CC:
- não preenchimento dos elementos constitutivos do tipo legal de crime de associação criminosa;
- o quantum das penas.
Para proceder a esta enunciada apreciação importa, antes de mais, atentar na matéria de facto provada.
Se é certo que no caso concreto não está prejudicado o poder de conhecimento oficioso de vícios da decisão de facto, previstos no artigo 410.º/2 CPPenal, quando constatada a sua presença e a mesma seja impeditiva de prolação da correta decisão de direito, cfr. artigo 434.º CPPenal, não menos certo é que tal se não verifica.
Com efeito, da leitura da decisão e, designadamente dos segmentos dos factos provados e da motivação, caldeada com as regras da experiência comum, pois que a outros elementos não pode o Tribunal socorrer-se, não se vislumbra que se patenteie,
- insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, pois não se vê que matéria de facto, com utilidade e pertinência, poderia o tribunal, mais ter averiguado e não averiguou;
- erro notório na apreciação da prova, pois que não existem pontos de facto fixados na decisão recorrida, tão manifestamente arbitrários, contraditórios ou violadores das regras da experiência comum;
- contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão, já que não se descortina a existência de factos ou de afirmações que estejam entre si numa relação de contradição.
Como vimos, o Tribunal da Relação manteve inalterados os seguintes factos dados como provados no acórdão da 1.ª instância, que, assim, se mostram estabelecidos:
1. Os arguidos, actuando de forma concertada com outros indivíduos não identificados, integram um grupo organizado, que se dedica à aquisição, transporte e venda de cocaína da América do Sul para a Europa, por via marítima.
2. De acordo com o plano previamente delineado, em data não concretamente apurada, anterior a 11 de Outubro de 2021, os arguidos utilizaram o veleiro de nome GS...", do tipo "sloop" (de apenas um mastro), com matrícula V1, registo ....81, de pavilhão espanhol.
3. De acordo com o plano previamente delineado, os arguidos navegaram de Espanha, até local não concretamente apurado no mar, sito nas proximidades da América do Sul, onde pkon2n de 7m recolheram 183 sacos contendo cocaína, que transportaram até local não concretamente identificado no mar, nas proximidades da Península Ibérica, com o propósito de os entregarem a terceiros pertencentes àquela organização.
4. A embarcação "GS...", de pavilhão espanhol, na qual seguiam os arguidos BB, AA e CC arvorava uma bandeira dos Países Baixos (que se encontrava completamente enrolada ao mastro onde estava presa), exibindo no casco, na popa, à ré, uma placa aparafusada com o nome de "M...", que não correspondia à documentação da mesma.
5. No interior do veleiro, os arguidos transportavam um total de 183 sacos de ráfia, que foram apreendidos no dia 17.10.2021 e que continham no seu interior:
975 placas de cocaína (cloridrato), com o peso liquido de 995493,134 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 89,7%.
1350 placas de cocaína (cloridrato), com o peso liquido de 1372070,219 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 87,6%.
725 placas de cocaína (cloridrato), como peso líquido de 737925,343 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 83,2%.
725 placas de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 744672,750 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 88,6%.
- 75 placas de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 75897,454 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 89,7%.
75 placas de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 73104,806 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 92,3%.
50 placas de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 50709,204 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 83,4%.
600 placas de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 616843,377 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 84,6%, sendo que alguns se encontravam dissimulados nos compartimentos da popa da embarcação e outros distribuídos/espalhados pelo chão da cozinha, da sala de jantar e da sala de convívio, cujo acesso era efectuado pela zona comum do veleiro.
6. No dia 17.10.2021 foram ainda apreendidos:
O veleiro com o nomeGS..., matrícula V1, com o n. 2 de registo ....81, da marca e modelo DYNAMIQUE 80, com o n. 2 de serie 17D08, com cerca de 23,44 metros, de cor branca e lista azul, cujo proprietário registado é GG.
- No compartimento da cozinha/sala de jantar/convívio, situado a meia nau:
- 1 (uma) caixa hermética de plástico transparente e tampa branca e 1 (uma) caixa hermética de plástico transparente e tampa amarela, que continham cocaína (clorid rato), com os pesas líquidos de:
12,204 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 62,0%.
59,477 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 66,8%.
74,100 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 69,4%.
- 1 (um) tabuleiro de cor laranja, bem como um canudo em papel e um papel plastificado, todos com resíduos de cocaína.
- 1 (uma) pasta de cartão, de cor preta, contendo diversa documentação relativa à embarcação GS..., nomeadamente as plantas de construção e remodelação.
-1 (uma) mala com fecho, de cor preta, da marca "Data Offlce", contendo documentação vária referente à embarcação GS....
2 (duas) folhas de papel autocolante, com as Inscrições "M...";
1 (uma) folha autocolante, onde se repete por quatro vezes a inscrição da matrícula "V1", referente à embarcação GS...;
- 1 (um) equipamento de acesso à internet via satélite, da marca Inmarsat, modelo Wideye, com o IMEI .............63 – com a indicação ANTENA 1 (VIEJA) – contendo o cartão SIM Inmarsat BGAN com a referência n.º ................39;
- 1 (um) equipamento de acesso à internet via satélite, da marca Inmarsat, modelo Wideye, com o IMEI .............15 – com a indicação ANTENA 2 (VIEJA) – contendo o cartão SIM Inmarsat BGAN com a referência n.º ................79;
- 1 (um) equipamento de acesso à internet via satélite, da marca Explorer Cobham, modelo TT-3711A, com o IMEI .............96 – com a indicação ANTENA 3 (NUEVA) – contendo o cartão SIM Inmarsat BGAN com a referência n.º ................74;
- 1 (um) livro de Rol de Despacho y Dotación, emitido pelo Ministério de Fomento Espanhol e relativo à embarcação GS..., com a matrícula n.º V1 e onde consta uma fotografia da referida embarcação;
- 1 (um) computador portátil da marca HP, modelo 15s-eq1101n e o S/N 5CD115OVM9;
- 1 (um) aparelho de navegação GPS, da marca Garmin, modelo GPSmap 78, com código de barras 1WQ138584;
- 3 (três) detectores de actividade de radiofrequência e monitor, da marca JJN DIGITAL, modelo WAM-108t e respectivos carregadores de parede (dois);
- 1 (um) computador portátil da marca HP, modelo 15s-eq1101n e o S/N 5CD115OV8F;
1 (um) inibidor de sinal (jammer) de dez antenas, sem marca visível e com o número de Série C2002263;
1 (um) aparelho de navegação GPS, da marca Garrnin, modelo GPSmap 78, com código de barras 1WQ,136778;
1 (um) caderno A5, da marca "Frost", com a capa esverdeada, contendo diversos apontamentos manuscritos;
1 (um) caderno AS, com capa transparente, contendo diversos apontamentos manuscritos;
2 (duas) folhas A4, com diversos apontamentos manuscritos;
1 (um) talão de compra da superfície comercial "Decathlon", datado de 19.09.2020, no montante de € 1.211,32.
7. No camarote utilizado pelo arguido AA, situado à popa (sendo que o camarote onde o arguido CC pernoitava situava-se na proa, a bombordo, enquanto que o do arguido BB se situava na proa, a estibordo), foram encontrados e apreendidos no dia 17.10.2021:
1 (um) telefone satélite da marca Iridium, com o IMEI .............80, contendo o cartão SIM da Iridium com a referência .................78;
2 (duas) Pen Drive da marca JJM digital, relativa aos programas dos detectores de actividade de radiofrequência e monitor;
- 1 (um) telemóvel da marca Redml, modelo M2003J6A1G, sem cartão SIM;
1 (um) telemóvel da marca Alcatel, com os IMEIs .............22 e .............30, contendo o cartão SIM Vodafone yu, com a referência n.° ...............33;
1 (um) cartão de suporte de cartão SIM, da Vodafone yu, com a referência nº ...............33 (PIN ..88);
1 (uma) capa de cor verde, protectora do inibidor de sinal (jammer) de dez antenas.
8. Nessa altura, na posse do arguido AA foram encontrados e apreendidos:
A quantia monetária de €10.300,00 (dez mil e trezentos euros);
1 (um) telefone satélite da marca "IRIDIUM", modelo 9555N, com o IMEI .............50, e, inserido, 1 (um) cartão SIM com a designação "IRIDIUM EVERYWHERE", e o n..................69;
- 2 (dois) carregadores e 2 (dois) adaptadores do telefone satélite da marca IRIDIUM";
- 1 (um) leitor de DVD externo da marca "LITEON" com o n° de série 426047501201 3734508400;
1(um) telemóvel da marca LG, de cor cinzenta, desligado;
1 (um) telemóvel de cor azul, sem marca visível, também desligado, com as indicações
de modelo V420A, nº de série .........57, e IMEI .............88 e .............70;
- 2 (dois) cabos adaptadores de cor branca;
1 (um) carregador de equipamentos electrónicos da marca HP, e 2 (dois) carregadores sem indicação de marca.
9. Na mesma altura, na posse do arguido BB foi encontrada e apreendida:
A quantia monetária de €890,00 (oitocentos e noventa euros).
10. Na mesma ocasião, na posse do arguido CC foram encontrados e apreendidos:
A quantia monetária de €485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros);
um telemóvel de marca "Samsung", de cor azul.
11. Os arguidos conheciam a natureza e as características estupefacientes da cocaína que lhes foi apreendida, bem sabendo que a detenção, o transporte e a comercialização deste produto eram proibidos e punidos por lei.
12. Os arguidos agiram em conjugação de vontades e esforços entre si e com terceiros não identificados, no âmbito de uma organização destinada à operação de comercialização de cocaina, aceitando colaborar nos termos supra referidos, sabendo que tal produto se destinava à venda a terceiros, a troco de quantias monetárias.
13. As quantias monetárias apreendidas aos arguidos, eram resultantes da actividade de transporte de cocaína.
14. O equipamento de acesso à intemet via satélite, da marca inmarsat, modelo Wideye, com o IMEI .........04-2263 — com a indicação ANTENA 1 (VIDA) — contendo o cartão SIM inmarsat BGAN com a referência n. . ................39; o equipamento de acesso à internet via satélite, da marca inmarsat, modelo Wideye, com o IMEI .............15 — com a indicação ANTENA 2 (VIDA) — contendo o cartão SIM I nmarsat BGAN com a referência n. . ................79; o equipamento de acesso à internet via satélite, da marca Explorer Cobham, modelo TT-3711A, com o IMEI .............96 — com a indicação ANTENA 3 (NUEVA) — contendo o cartão SIM inmarsat BGAN com a referência n. . ................74; o aparelho de navegação GPS, da marca Garmln, modelo GPSmap 78, com código de barras 1W0,138584; os três detectores de actividade de radiofrequência e monitor, da marca JJN DIGITAL, modelo WAM-108t e respectivos carregadores de parede (dois); o inibidor de sinal (jammer) de dez antenas, sem marca visível e com o número de Série C2002263; o aparelho de navegação GPS, da marca Garmin, modelo GPSmap 78, com código de barras 1WQ136778; o telefone satélite da marca Iridium, com o IMEI .............80, contendo o cartão SIM da Iridium com a referência .................78; as duas Pen Drive da marca JJM digital, relativa aos programas dos detectores de actividade de radiofrequência e monitor; o telefone satélite da marca "IRIDIUM", modelo 9555N, com o IMEI .............50, e, inserido, 1 (um) cartão SIM com a designação "IRIDIUM EVERYWHERE", e o n . .................69; os dois carregadores e dois adaptadores do telefone satélite da marca "IRIDI UM", destinavam-se a ser utilizados pelos arguidos na navegação e nos contactos realizados com terceiros não identificados, com quem haviam concertado o transporte de cocaina supra referido.
15. Os arguidos atuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Condições pessoais e antecedentes criminais do arguido CC
16. Natural da Galiza, CC é mais novo de fratria de dois, tendo o processo de desenvolvimento decorrido no seio do agregado dos progenitores e irmão, junto do qual beneficiou de um ambiente afectuoso e estruturado, bem como de um modelo educacional normativo.
17. O progenitor, por motivos profissionais (camionista) ausentava-se frequentemente de casa, condição que concorreu para o estreitamento dos vinculos com a mãe e os avós matemos, coadjuvantes no seu processo educacional.
18. A progenitora, doméstica, assegurava as tarefas domésticas e o cuidado dos filhos, regressando o pai a casa, por vezes, somente ao fim-de-semana.
19. Os pais do arguido separaram-se em 2017.
20. No plano escolar, o arguido vivenciou uma trajectória regular, marcada pelo desempenho satisfatório, tanto ao nível do aproveitamento escolar, como ao nível do comportamento disciplinar, tendo concluído o nível secundário aos dezasseis anos de idade.
21. A pós a saída escolar, deu início a actividade laboral como empregado de mesa, assumindo as referidas funções cerca de um ano.
22. Posteriormente, trabalhou em colaboração com o pai e um tio, no mesmo sector, em negócio familiar.
23. Na sequência do encerramento do estabelecimento explorado pelo progenitor, contava vinte anos de idade, CC assumiu funções num bar/cafetaria, onde se manteve a trabalhar com vinculo, até cerca dos vinte e sete anos.
24. Cumulativamente, fazia trabalhos por conta própria, como empregado de mesa, em eventos recreativos (festas particulares).
25. Em 2019, já residia com a actual companheira, em Barcelona, CC abandonou a actividade na restauração, para se dedicar à venda de produtos de saúde (material ortopédico e outro) ao domicilio, tendo exercido a referida actividade com vínculo cerca de seis meses.
26. Contudo, as restrições à actividade comercial impostas no âmbito da crise pandémica do COVIL) 19, acabaram por desencadear o abandono do posto de trabalho, levando-a permanecer cerca de três meses desempregado.
27. A residir na Corunha desde 2021, CC veio a retomar as mesmas funções, com contrato, junto de um novo empregador, em meados de 2020, tendo-se mantido em tal posto de trabalho até inicio 2021, o qual veio a abandonar na sequência do encerramento da entidade empregadora.
28. Posteriormente, em data não apurada, veio a assumir funções de comercial/vendedor, junto de uma empresa de venda de máquinas de esterilização de água, auferindo um vencimento mensal na ordem dos 1100 euros, onde se manteve até Setembro de 2021.
29. A quando da sua detenção à ordem destes autos, o arguido encontrava-se desempregado.
30. CC tem um filho de sete anos de Idade — por referência à data do julgamento [Setembro de 2022] - fruto de um relacionamento extinto, com quem o arguido não mantém relação próxima.
31. Mantém relação marital com uma cidadã romena desde 2018, ligação afectivamente gratificante e harmoniosa, da qual não existem descendentes.
32. À data da prisão do arguido, o casal residia em habitação arrendada, na Corunha, morada que veio a ser alterada após aquele evento, em razão das dificuldades da companheira do arguido em assegurar as despesas com a renda de casa.
33. A companheira do arguido trabalha como polícia auxiliar.
34. Por volta dos 27 anos teve consumos esporádicos de cocaína, em contexto recreativo.
35. A companheira trabalha há vários anos como polícia auxiliar, auferindo um vencimento de cerca de 1000 euros.
36. Uma vez em liberdade, o arguido perspectiva regressar à Corunha, para junto da companheira.
37. CC tem vindo a usufruir de visitas por parte da companheira.
38. No plano laboral, pretende voltar a trabalhar no sector da restauração, eventualmente como empregado de mesa, tendo a expectativa de obter colocação num restaurante, em Vila Garcia, onde já trabalhou.
39. CC foi preso preventivamente à ordem do presente processo, tendo dado entrada inicialmente no Estabelecimento Prisional de Lisboa, após o que foi transferido para o Estabelecimento Prisional instalado junto à Policia Judiciária de Lisboa, em 2022.06.09.
40. Em meio prisional, o arguido tem mantido um comportamento normativo e convergente com as regras instituídas, isento de processos disciplinares, desenvolvendo recentemente, actividade laboral como faxina na prisão.
41. O arguido encontra-se abstinente de consumos de estupefacientes, não beneficiando de acompanhamento clinico na prisão.
42. O arguido não tem antecedentes criminais registados.
Condições pessoais e antecedentes criminais do arguido BB
43. BB, natural do Peru, é o mais velho de 3 irmãos tendo crescido numa família estruturada, com dinâmica intrafamillar funcional e situação socioeconómlca equilibrada, sendo o pai militar da marinha de guerra e a mãe ajudante de enfermagem, entre outras actividades que veio a desenvolver.
44. A pós concluir o ano de escolaridade que antecede a universidade, o arguido manteve os estudos na Escola da Marinha Mercante durante 3 anos, o que lhe deu o titulo de oficial de máquinas, vindo posteriormente a desenvolver a sua actividade de mecânico de máquinas em embarcações.
45. Em 2005 emigrou para Espanha, onde se manteve até 2014, vindo a obter o titulo de autorização de residência permanente.
46. Durante os anos em que permaneceu em Espanha, manteve-se integrado profissionalmente a exercer a actividade de mecânico de barcos para várias empresas, habitando em casas arrendadas, numa situação de vida equilibrada.
47. BB é consumidor de cocaína em contextos de convívio social desde a adolescência, até à data da actual reclusão, não percepcionando que os mesmos lhe retirem funcionalidade na sua vida.
48. Em 2014 regressou ao Peru para reestruturar a sua vida, com o objectivo de vir a casar, situação que não velo a acontecer, tendo somente vivido maritalmente com a companheira durante cerca de 3 anos na habitação do pai desta.
49. Manteve-se depois a residir no piso superior da vivenda dos pais, em situação autónoma de vida, trabalhando numa empresa de aviação como técnico de manutenção de terra, vindo a constituir, em 2018, uma empresa de prestação de serviços em várias áreas da construção civil e outras.
50. Conciliava com a sua actividade laboral, a frequência do curso superior de engenharia industrial.
51. Com o objectivo de manter o título de residência permanente, a partir de 2018, começou a deslocar-se a Espanha, onde permanecia curtos períodos de tempo, realizando trabalhos indiferenciados e habitando em quartos.
52. No período que antecedeu a presente situação Jurídico-penal, o arguido mantinha-se numa situação devida autónoma e equilibrada, embora condicionada pela pandemia por Covid 19, exercendo actividade na sua empresa e frequentando o 42 ano do curso de engenharia industrial, mantendo uma ligação muito próxima e gratificante com os seus familiares.
53. Em situação de reclusão, tem beneficiado do apoio dos seus familiares e amigos, tendo usufruído de visitas dos pais e da sua madrinha, esta residente em Espanha, e de amigos.
54. O arguido apresenta como projectos devida, quando em liberdade, vir a regressar ao seu país de origem e retomar as actividades que detinha à data da prisão.
55. Apesar deter sido abo de uma sanção disciplinar por posse de telemóvel, tem revelado, no geral, um comportamento institucional adequado, tendo participado numa peça de teatro.
56. O arguido não tem antecedentes criminais registados.
Condições pessoais e antecedentes criminais do arguido AA
57. AA, natural da Galiza, Espanha, é o mais velho de 3 irmãos, tendo crescido no interior de uma família descrita como estruturada, com dinâmica intrafamiliar funcional e situação socioeconómica equilibrada, sendo o pai advogado e a mãe costureira.
58. Em termos escolares, o arguido veio a concluir o 129 ano de escolaridade, tendo após os 16 anos de idade, começado a trabalhar, durante as férias escolares, na empresa de familiares ligada à aquacultura de mexilhão numa embarcação pesqueira, actividade que veio a manter pontualmente.
59. Com cerca de 17/18 anos, o arguido, iniciou o consumo de cocaína.
60. A os 19 anos foi para as Ilhas Canárias integrando o agregado familiar de uns familiares, onde permaneceu cerca de 3 anos, vindo a concluir um curso de transporte marítimo pesqueiro e a trabalhar numa empresa de aluguer de automóveis.
61. Neste local, chegou a autonomizar-se arrendando um quarto.
62. Quando regressou à Galiza, veio a concluir novo curso avançado de transporte marítimo pesqueiro como capitão de barca, tendo desenvolvido, durante cerca de um ano, a actividade num barco pesqueiro.
63. Com cerca de 27 anos de Idade, decide ir viver em França, durante um ano, onde permaneceu em casa de um amigo e trabalhou como Indiferenciado numa adega de vinhos, altura em que se começou a interessar por vinhos.
64. Quando regressou à Galiza manteve-se a trabalhar numa adega, vindo a concluir um curso de provador de vinhos.
65. Trabalhava, também, pontualmente, na embarcação pesqueira na empresa dos seus familiares.
66. Com 31 anos de idade, estabeleceu a relação marital com a sua actual cônjuge, vindo a casar um ano depois, constituindo agregado familiar próprio em Madrid, residindo numa habitação do pai da cônjuge.
67. Da relação veio a nascer o seu filho, em 2020.
68. Em Madrid veio a estabelecer-se como comerciante de vinhos, representando várias marcas de vinhos de Espanha.
69. No período que antecedeu a sua presente reclusão, o arguido constituía agregado familiar com a cônjuge, técnica contabilista numa empresa da construção civil e com o filho, em Madrid, mantendo a sua actividade profissional como comerciante de vinhos, sendo a situação de vida estruturada e equilibrada, com sustentabilidade económica, apesar dos condicionalismos advindos da pandemia por Covid 19.
70. Enquanto recluso, o arguido beneficia do apoio afectivo e material dos seus familiares, que o visitam mensalmente, aos sábados, sendo que em termos de projectos futuros, após liberto da sua presente situação jurídico-penal, pretende regressar ao seu pais de origem, vir a reintegrar o seu agregado familiar e retomar a actividade laboral como comerciante de vinhos.
71. O arguido tem revelado, no geral, um comportamento institucional adequado, embora tenha cumprido uma sanção disciplinar por posse de telemóvel.
72. O arguido não tem antecedentes criminais registados.
4. Apreciando, as questões suscitadas nos 3 recursos.
Dado o carácter absolutamente prolixo e repetitivo das conclusões dos recursos, em vez de como seria normal e espectável conhecermos das questões aí suscitadas, de forma agrupada tematicamente, pela ordem da sua precedência lógico-processual, independentemente do arguido que as suscitou, seguiremos o método de as conhecer, ponto por ponto, tal e qual como foram suscitadas, por cada um dos arguidos em cada um dos recursos.
Se tal teria o inconveniente de possível quase certa repetição – que sempre poderá ser evitada, com a remissão para o anteriormente decidido - terá a grande e insuperável vantagem, de através de tal metodologia se estar mais perto de vir a obviar a uma potencial alegação de nulidade por omissão de pronúncia – afinal, a trave mestra que atravessa 2 dos 3 recursos aqui em causa.
“ (…)
Nos presentes autos vieram AA, BB, CC, recorrer da decisão que os condenou - o arguido CC pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B anexa a tal diploma, na pena de dez anos de prisão.
- o arguido BB pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B anexa a tal diploma, na pena de dez anos de prisão.
o arguido AA pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B anexa a tal diploma, na pena de dez anos de prisão.
- o arguido CC pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de oito anos e seis meses de prisão.
- o arguido BB pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de oito anos e seis meses de prisão. - o arguido AA pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de oito anos e seis meses de prisão. - Em cúmulo jurídico, condenar o arguido CC na pena única de catorze anos de prisão. - Em cúmulo jurídico, condenar o arguido BB na pena única de catorze anos de prisão. - Em cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de catorze anos de prisão.
AA recorreu ainda dos despachos datados
Do despacho datado de 14-12-2022 que indeferiu o pedido de diligências probatórias de inquirição dos inspetores da PJ por as considerar supérfluas
Despacho de 22.09.2022 proferido em acta – nulidade da abordagem e subsequente busca á embarcação que entendeu que a questão já tinha sido apreciada pelo TRL nada mais cumprindo apreciar encontrando-se esgotado o Poder Jurisdicional face ao trânsito em julgado
Do despacho datado de 29.07.2022 que decidiu que relativamente à contestação apresentada os arguidos já haviam invocado a nulidade do auto de constituição de arguido e a falsidade do dia e hora indicados como hora de detenção - apreciadas no despacho de pronúncia Recursos nos quais mantem interesse.
(…)
AA recurso da decisão principal
(…)
BB recurso da decisão principal
(…)
CC recurso da decisão principal
(…)
Da decisão recorrida resulta que discutida a causa, mostram-se provados os factos que supra já deixamos enunciados em 3.
(…)
E depois de se transcrever a decisão da 1.ª instância, entrando no capítulo do conhecimento do recurso consta o seguinte:
CUMPRE DECIDIR
QUESTÕES PRÉVIAS
1º Os recorrentes, requereram a realização de audiência, com o objectivo de discutir todos os pontos da motivação do seu recurso.
No entanto, não indicam pois, com precisão e especificadamente como a lei exige apenas indicaram como acontece com o arguido CC. Mas também este, embora nomeie os pontos, concretamente indica não alguns, mas remete para todos os pontos da motivação apresentada. Não seleciona alguns.
Ora, não nos parece que seja esta a melhor forma ou a forma correta de elaborar requerimento para realização de audiência de julgamento uma vez que, a especificação dos factos que pretende ver discutidos ou tratados, é um pressuposto legal da realização da audiência, conforme se afere do disposto art 411º nº 5 do CPP.
Tanto assim que o relator, elabora sumariamente, os pontos que se pretende ver discutidos, mas devem, por força da lei, ser indicados pelo recorrente e não por tópicos.
O que se compreende já que a vocação do Tribunal da Relação não é a realização de um novo julgamento.
E, como já se decidiu noutros processos da mesma relatora e nesta secção, não podemos considerar que o pedido efetuado de modo algum satisfaz tal requisito, já que remete para a globalidade da motivação apresentada, sendo que a sua aceitação levaria a que o preceito em causa se transformasse em letra morta e desprovido de qualquer eficácia.
Assim sendo, entendemos que não estão reunidos os pressupostos para a realização da audiência, pelo que sempre a mesma seria indeferida por ser este o entendimento deste tribunal.
Também assim no que se refere à renovação da prova que pressupõe que a prova cuja renovação se requer deva ter sido já objeto de produção de prova em 1. instância e que a decisão recorrida padeça de algum dos vícios indicados nas alíneas do n. 2, do artigo 410., CPP e a audiência evite o reenvio – 430º nº 1 CPP.
No caso em apreço em sede liminar, com o devido respeito por opinião em contrário, analisada a sentença recorrida, em conjugação com as regras de experiência comum, desde já podemos concluir, com a necessária segurança, que aquela não padece de qualquer vício intrínseco – 430º nº 1 CPP.
Outro entendimento relativamente a estes pontos e, o recurso para a Relação deixaria de ser um remédio para suprir deficiências da decisão daquela instância passando a ser um segundo julgamento, um novo julgamento, desvirtuando o regime recursivo em processo penal – ver Paulo Pinto Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, edição de 2011, pag 1180.
Assim indefere-se desde já o pretendido sem alteração de processado.
2ª Segunda questão que consideramos prévia por entender a Colenda Conselheira que este Tribunal não se pronunciou, face ao recurso em causa, sobre a invocada incompetência territorial do tribunal recorrido.
Na verdade, e mais uma vez, veio o recorrente levantar a questão já decidida, também nesta secção por acórdão proferido em 16.02.22 e, portanto, com Caso Julgado de não ser o tribunal de 1ª instância o Competente para a causa.
Não vamos, pois, conhecer de novo do já decidido já que o acórdão de 16.02. 2022 é demasiado claro e esclarecedor quanto á competência do Tribunal de 1ª Instância que julgou a questão.
Tal matéria encontra-se protegida pela existência de exceção de caso julgado o que nos impediu e nos impede, ainda que o STJ isso não entenda, e inclua na falta de fundamentação, de conhecer da questão de incompetência territorial.
Trataremos agora dos recursos interlocutórios em que manteve interesse AA
Vejamos
Recurso do despacho datado de 14-12-2022 o tribunal “a quo” indeferiu as diligências probatórias requeridas pela defesa por as considerar supérfluas nos termos do disposto no artigo 340.º, n.º 4, alínea b) CPP.
Na sequência da comunicação de existência uma alteração não substancial de um facto a defesa do arguido ora recorrente requereu prazo de 5 dias para apresentação de defesa, ao abrigo do disposto no artº 358º nº 1 do C.P.P. apresentado a mesma e requerido diligências probatórias que, por despacho indeferiu as diligências probatórias requeridas - artigo 340.º, n.º 4, alínea b) CPP não permitindo assim , no entendimento do recorrente exercer o seu direito de defesa e demonstrarem que os aludidos aparelhos ao arrepio do que foi comunicado em sede de alteração não substancial dos factos não se destinavam aos arguidos comunicarem com terceiros.
O arguido requereu a reinquirição dos inspetores da polícia judiciária – HH, II e JJ, requereu ainda a inquirição dos militares da DAE e requereu a perícia técnica aos aparelhos. Tendo para tal especificado os pontos concretos a que deveria ser inquirida cada umas das testemunhas e justificado a reinquirição e inquirição das mesmas.
No seu entender porque, “não foram de forma exaustiva, escalpelizada, aquando da respetiva inquirição, dado que o facto comunicado a que se apresentou defesa não constava do libelo acusatório e como tal a defesa não realizou questões acerca do mesmo que pudessem afirmar ou infirmar o facto ora comunicado em sede de alteração não substancial dos factos.”
Vejamos se o despacho recorrido viola o artigo 340.º e o artigo 358.º ambos do Código de Processo Penal e viola ainda o direito constitucionalmente consagrado, nos termos do artigo 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, de o processo criminal assegurar todas as garantias de defesa ao arguido.
Do despacho em causa e sob recurso resulta:
Na sequência da comunicação da ocorrência de uma eventual alteração não substancial de factos, realizados por despacho proferido no dia 07.12.22 requereram os arguidos prazo para a apresentação de defesa o que foi concedido.
Entendeu o tribunal que os documentos de prova, incluindo os formulados ao abrigo do disposto no artº 358º CPP, encontram-se sujeitos ao crivo do artº 340º nº 3 e 4ºdo CPP que determina:
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 328.º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respetivo meio forem legalmente inadmissíveis.
4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que: a) (Revogada.)
b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.
Ora entendeu e fundamentou o Tribunal a quo que o requerimento de CC não apresenta qualquer fundamento para reinquirir as testemunhas que indica face à matéria que foi comunicada pelo que indeferiu o requerido.
O requerimento de AA, considera-se face á prova testemunhal já produzida em julgamento e agora pretendida para reinquirição, repetitivo, uma vez que foram já exaustivamente escalpelizadas aquando da respetiva inquirição em audiência pelo que tal repetição de depoimentos se mostra supérflua pelo que foi indeferido o pretendido- 340º nº 4 b)CPP
Finalmente no que concerne à análise pela defesa com os seus próprios técnicos dos equipamentos em questão, verificando-se conforme pedido, se os mesmos foram ou não utilizados, quando e em que moldes para que se verifique se os equipamentos eram pré existentes a bordo, considerou o tribunal o teor ininteligível, não se percebendo a que aparelhos se refere a defesa, nem que tipo de análise pretende seja realizada pelo que indeferiu o pretendido nos mesmos termos.
O Despacho que deu lugar a alteração não substancial e ao pedido de produção de prova contém o seguinte:
“Em função do decurso do julgamento e dos termos da prova nele produzida poderão diagnosticar-se alterações da factualidade descrita no despacho de pronúncia [para além daquelas que correspondem a meras concretizações ou explicitações da matéria factual imputada aos arguidos, não tendo autonomia na aferição da sua responsabilidade criminal por não terem «relevo para a decisão da causa», na fórmula do art. 358º n.º1 do Código de Processo Penal, e bem assim daquelas que foram expressamente admitidas, onde vale o disposto no art. 358º n.º2do CPP, ou daquelas que correspondem a um minus face ao alegado].
São estas as eventuais alterações consideradas relevantes:
1. O equipamento de acesso à internet via satélite, da marca Inmarsat, modelo Wideye, com o IMEI .............63 – com a indicação ANTENA 1 (VIEJA) –contendo o cartão SIM Inmarsat BGAN com a referência n.º ................39; o equipamento de acesso à internet via satélite, da marca Inmarsat, modelo Wideye, com o IMEI .............15 – com a indicação ANTENA 2 (VIEJA) – contendo o cartão SIM Inmarsat BGAN com a referência n.º ................79; o equipamento de acesso à internet via satélite, da marca Explorer Cobham, modelo TT-3711A, com o IMEI .............96 – com a indicação ANTENA 3 (NUEVA) – contendo o cartão SIM Inmarsat BGAN com a referência n.º ................74; o aparelho de navegação GPS, da marca Garmin, modelo GPSmap 78, com código de barras 1WQ138584; os três detectores de actividade de radiofrequência e monitor, da marca JJN DIGITAL,modelo WAM-108t e respectivos carregadores de parede (dois); o inibidor de sinal (jammer) de dez antenas, sem marca visível e com o número de Série C2002263; o aparelho de navegação GPS, da marca Garmin, modelo GPSmap 78, com código de barras 1WQ136778; o telefone satélite da marca Iridium, com o IMEI .............80, contendo o cartão SIM da Iridium com a referência .................78; as duas Pen Drive da marca JJM digital, relativa aos programas dos detectores de actividade de radiofrequência e monitor; o telefone satélite da marca “IRIDIUM”, modelo 9555N,com o IMEI .............50, e, inserido, 1 (um) cartão SIM com a designação “IRIDIUM EVERYWHERE”, e o nº.................69; os dois carregadores e dois adaptadores do telefone satélite da marca “IRIDIUM”, destinavam-se a ser utilizados pelos arguidos na navegação e nos contactos realizados com terceiros não identificados, com quem haviam concertado o transporte de cocaína.
Desta forma, e ao abrigo do disposto no art. 358º n.º1 do Código de Processo Penal, comunica-se a ocorrência das aludidas eventuais alterações (não substanciais) dos factos, para os termos da parte final do mesmo artigo 358º n.º1.”conforme se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14:33 horas e o seu termo pelas 14:36 horas. *
Vejamos:
Ora na verdade, tais aparelhos estavam já apreendidos, faziam já parte do objeto da investigação - barco, os inspetores foram já inquiridos a tal matéria e os arguidos tiveram a sua oportunidade de defesa. O barco apreendido trazia consigo tal material, tais equipamentos não foram surpreendidos pela existência dos mesmos.
Reinquirir os inspetores da PJ seria isso mesmo, apenas reinquirir.
A matéria que o Tribunal acrescenta á matéria de facto provada relativamente às apreensões, não tem autonomia na aferição da responsabilidade criminal por não ter relevo para a decisão da causa, apenas servindo para completar a matéria de facto provada quanto aos objetos apreendidos na embarcação.
As perguntas pretendidas: - Se em qualquer momento anterior à “detenção” ou posterior à mesma se soube quem era o dono do produto estupefaciente; - não afasta o transporte que nitidamente faziam
- Se qualquer dos arguidos tinha contactos com outros indivíduos ligados a atividades ilícitas com relevância para a causa;- não afasta o transporte nem as evidências da associação criminosa
- Se da análise dos aparelhos se consegue aferir em que momento foram desligados;- em nada altera a prova fixada, em nada favorece a defesa dos arguidos
- Se foram tentadas impressões digitais; em nada afasta o transporte óbvio a qualidade e quantidade da droga transportada pelos arguidos.
- Se tais aparelhos anteriormente haviam sido monitorizados, nomeadamente no âmbito de outros processos, visto que existem mensagens anteriores à “viagem” realizada pelo arguido AA; - não tem qualquer interesse nem para a defesa nem para a acusação. É inócuo.
- Se resulta da investigação do arguido AA colaborasse ou tivesse aderido a algum grupo ou organização; - em nada altera os factos provados, a ilicitude ou a medida da culpa
- Ou pelo menos tivesse concertado com alguém; em nada altera os factos provados, a ilicitude ou a medida da culpa
- Em que datas; em nada altera os factos provados, a ilicitude ou a medida da culpa
- Com quem; em nada altera os factos provados, a ilicitude ou a medida da culpa
- De onde resulta tal conhecimento; em nada altera os factos provados, a ilicitude ou a medida da culpa
- Onde se encontravam os equipamentos; Não acrescenta nada ao já apurado
- Já haviam sido movidos; Não acrescenta nada ao já apurado
- Foram ou não usados; Não acrescenta nada ao já apurado
- Estavam a ser utilizados; Não acrescenta nada ao já apurado
- Por quem foram utilizados; Não acrescenta nada ao já apurado
- Seria possível serem utilizados por todos os arguidos; Não acrescenta nada ao já apurado
- Todos tinham conhecimento da sua existência; Não acrescenta nada ao já apurado
Era possível alguém ou alguns não terem conhecimento da sua existência; Não acrescenta nada ao já apurado
Resultava em algum meio de prova determinar se alguém ou alguns arguidos teriam consertado ou aderido a alguma associação; não diz respeito aos factos julgados.
- Se sabe quem é o dono do estupefaciente. Já se disse acima que não afasta o transporte que nitidamente faziam
Ora, não é de concluir que uma embarcação como a que foi apreendida e, se destinou ao que se destinou, não fizesse uso dos objetos e telecomunicações, eletrónica que faziam parte do barco. Não resulta das regras da experiência e da lógica que o barco navegasse com o fim para que navegava, sem que se fizesse a tripulação uso dos aparelhos encontrados, ainda por cima quando falam do transbordo entre embarcações. Tinha de haver necessariamente comunicações e tinham interesse em anular o sinal, e captar os sinais.
Não vê este Tribunal, como não viu o Tribunal a quo, interesse em proceder a produção de prova, como audição de testemunhas, para contrariar a existência evidente dos objetos em causa dentro do barco.
Como cita o Ministério Público na sua resposta
“Os meios de prova admissíveis são aqueles cujo conhecimento se afigure necessário para a descoberta da verdade e boa decisão da causa – e o árbitro da necessidade é o tribunal” – Ac. R. Évora de 01/04/2008, disponível em www.dgsi.pt.
Assim o refere também Maia Gonçalves (CPP Anotado, edª Almedina, página 608):
“consagra-se neste artigo [340.º do C.P.P.], para a audiência, afloramento do princípio da investigação, também designado de princípio da verdade material, que domina o processo penal. Mas este princípio tem limites: Os meios de prova admissíveis são aqueles cujo conhecimento se afigure necessário para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (n.º 1). É afloramento do princípio da necessidade.”
Na verdade, o artigo 340° não é um recetáculo infinito de provas.
Nessa conformidade, o Tribunal indeferiu as diligencias de prova requeridas.
Fez um juízo sobre a sua necessidade, pertinência e utilidade e, entendendo que nada acrescentariam ao presente pleito, indeferiu-as, tendo cobertura legal para o fazer no uso do seu poder dever de condução da audiência e de gestão do processo.
Por essa razão, não tendo sido violada qualquer garantia de defesa do Arguido ora recorrente, limitando-se o Tribunal a seguir o regime constante do artigo 340° do CPP
Claudica o recurso nesta parte.
AA - Recurso interlocutório – despacho de V2
Entendeu o tribunal a quo que os arguidos já haviam invocado a nulidade do auto de constituição de arguido e a falsidade do dia e hora indicados como hora da detenção, questões que foram apreciadas no despacho de pronúncia, nos termos que deu por integralmente reproduzidos, concluindo que as questões colocadas foram já apreciadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que considerou que foi adotada toda a devida tramitação legal, nenhuma nulidade se verificando, nada mais cabendo decidir a esse respeito, em face do caso julgado. Na verdade, requereram a abertura da instrução
Invocando entre outras coisas a nulidade do auto de constituição de arguidos e a falsidade do dia e da hora indicados como hora da detenção, a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, a violação do art. 6.º da Lei n.º 87/2021, de 15/12, e das regras da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, a aplicação da lei mais favorável aos arguidos, a incompetência territorial do Tribunal da Comarca de Lisboa, a nulidade da busca e do auto de busca e apreensão de fls. 30 a 33, a nulidade do auto de revista e apreensão, a violação dos arts. 92.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 6.º da Diretiva 2010/64/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 20/10/2010 relativo ao direito à interpretação e tradução em processo penal, a violação do disposto no artº 32.º, n.ºs 2 e 5, da Constituição da República Portuguesa, a nulidade da acusação e a não verificação dos elementos subjetivos e objectivo do tipo de ilícito de associação criminosa.
A decisão instrutória decidiu não se verifica qualquer nulidade, que, aliás, também não foi tempestivamente arguida, atento o disposto nos arts. 118.º a 123.º do Código de Processo Penal.
No que se refere à invocada falsidade, importa referir que os três arguidos, em 18/10/2021, interpuseram providência de habeas corpus com fundamento em que foram detidos cerca da uma hora da manhã do dia 16 de Outubro de 2021, quando foram abordados no mar, mas que dos documentos que “foram obrigados a assinar” consta a detenção no dia 17, às oito horas, pelo que, à data do pedido, tinha sido excedido o prazo de entrega “ao poder judicial” de 48 horas.
Ora, tal providência foi indeferida.
Dessa decisão foi interposto recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu, julgando o recurso improcedente, por Acórdão proferido no dia 16-02-2022, Proc. n.º 308/21.1JELSB-C.L1-3 (cfr. fls. 830 a 836), já transitado em julgado, no qual se explanou que, na sequência da devida tramitação pela PJ, os ora arguidos foram detidos e constituídos arguidos no dia 17, no momento próprio, quando a suspeita se objetivou, o que só aconteceu, depois da busca e apreensão, no momento em que se confirmou, mediante teste rápido, que o produto que transportavam deu positivo para cocaína, isto é, uma base indiciária segura para lhes imputar a prática de crime de tráfico de estupefacientes, não tendo sido, pois, cometida qualquer detenção ilegal, porque não foi ultrapassado o prazo de 48 horas para os arguidos serem presentes a autoridade judiciária para efeitos do disposto no art 141.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Assim como bem foi decidido e várias vezes, face do caso julgado, nada mais cabe decidir a respeito.
Quanto à incompetência dos Tribunais portugueses para realização da diligência de 1.º interrogatório judicial de arguido detido, tendo para o efeito alegado, em síntese:
-que não houve notícia do crime em Portugal;
-que os factos ocorreram em Espanha, motivo pelo qual entendem dever ser remetidos os autos para Espanha;
-que a incompetência dos Tribunais portugueses radica, ainda, na circunstância de a detenção dos arguidos não ter sido comunicada às autoridades do pavilhão, pelo que ocorreu uma violação do disposto no art. 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas.
Decidiu o JIC que tendo a interceção ocorrido fora do território nacional, a lei penal portuguesa, no que diz especialmente respeito ao tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, é, ainda assim, aplicável, nos termos do art. 49.º do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, acima transcrito e do art. 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n,º 29/91, de 06/09, e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 45/91, de 06/09 e ainda no disposto no art. 6.º, n.ºs 1 e 2, al. k) do D.L. n.º 43/2002, de 02/03 concluindo-se pela inexistência de qualquer nulidade ou vício.
Da decisão proferida pelo Mmº JIC foi também interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que já se pronunciou sobre esta questão, no sentido da inexistência de qualquer vício, por acórdão transitado em julgado (cfr. fls. 761 a 819), pelo que nada mais cabe decidir a tal respeito.
Não se verifica a violação de qualquer regra de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, apesar das invocações a tanto dirigidas por parte dos arguidos.
O despacho recorrido não viola, pois, nenhum direito de defesa dos recorrentes nem pode invocar-se o disposto no artº 311º CPP para atacar de novo o decidido pelo Tribunal que se limitou a observar o decidido pelo Tribunal Superior.
Na verdade, como também diz o MP a decisão do Tribunal da Relação vincula o Tribunal recorrido não por ter força hierárquica mas a respeitar o que relativamente à decisão foi fixado.
A exceção de caso julgado visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior. O caso julgado formal apenas tem força obrigatória dentro do processo em que a decisão é proferida. É o que sucede no caso dos autos.
Já o caso julgado material tem força obrigatória não só dentro do processo como também, e principalmente, fora dele.
Na verdade, o caso julgado enquanto pressuposto processual, conforma um efeito negativo que consiste em impedir qualquer nova apreciação da mesma questão.
Trata-se do respeito pelo princípio do ne bis in idem, consagrado como garantia fundamental pelo art. 29,º/5 da CRP: ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.
O caso julgado formal refere-se a inimpugnabilidade de uma decisão no âmbito do mesmo processo havendo, pois, um efeito conclusivo da questão tratada convergindo com o efeito da exequibilidade da sentença - efeito executivo.
O caso julgado material tem por efeito que o objeto da decisão não possa ser objeto de outra apreciação, de um dar o dito por não dito ficando esgotado o direito do Estado a prosseguir criminalmente o facto ilícito está esgotado.
Verifica-se caso julgado formal quando a decisão se torna insuscetível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução.
Tudo com vista como defende o MP à estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito. Sem sobressaltos e imprevistos, ou decisões surpresas numa roda de arbitrariedade que não é permitida por lei.
No âmbito do processo penal o caso julgado formal atinge, pois, no essencial, as decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental garantindo a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão.
Assim, não podem ser apreciadas permanente e sucessivamente as mesmas questões já decididas e fixadas, sob pena de, como diz o MP na sua resposta ao recurso, os autos constituírem um aglomerado caótico e contraditório de decisões, sem qualquer ordem e disciplina processual, o que não se pretende.
Acresce que o Tribunal, nos termos do artigo 340º do CPP, pode sempre com observância do princípio da verdade material ordenar, independentemente de requerimento das partes, as diligências necessárias para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
O despacho recorrido não viola os artigos 118.º e seguintes, artigo 311.º CPP, nem os mais elementares direitos de defesa do arguido nem o instituto do caso julgado.
Assim claudica também o recurso interposto do despacho em causa.
AA - Recurso interlocutório – despacho de 22.09.22
O arguido ora recorrente veio aos autos invocar a nulidade da abordagem e subsequente busca realizada à embarcação, por violação do artigo 17.º n.º 3 do Código de Processo Penal e por violação de um acórdão do Tribunal Europeu e da Convenção de Viena. Requereu ainda o arguido ora recorrente que fosse determinada a conexão de processos, juntando estes autos aos que correm termos no Tribunal de Pontevedra com o nº 18/2021, propondo-se fazer a junção da documentação.
A primeira questão tinha já sido também apreciada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão de 10.02.2022 pelo que, uma vez mais estamos perante a questão do Caso Julgado formal como supra tratado.
É certo que em processo penal a lei impõe ao Juiz que se pronuncie sobre as questões prévias ou incidentais, bem como as nulidades que possa desde logo conhecer, que não tenham já si objeto de decisão que tenha transitado em julgado.
A questão da incompetência internacional do tribunal português foi já tratada pela decisão instrutória e pelo TRLx que conheceu do recurso da mesma, pelo que, quando o tribunal a quo invoca os limites do seu poder jurisdicional, não está a praticar uma omissão de pronuncia nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP. mas sim a cumprir a decisão do tribunal superior não se verificando nenhuma nulidade.
O tribunal a quo aplicou e respeitou o conceito de caso julgado formal.
Não podem os recorrentes esquecer que um Tribunal superior se pronunciou sobre as questões em causa.
Argumenta o recorrente que as decisões sobre medidas de coação não vinculam o tribunal de julgamento.
É certo que não desde que se verifique a alteração dos pressupostos que as determinaram. Mas não é disso que trata o despacho recorrido como já vimos e nem é disso que o recorrente recorre.
Não há nenhuma inconstitucionalidade
Ainda que a decisão instrutória que não tenha valor de caso julgado formal, uma vez que atendendo à última alteração legislativa não é suscetível de recurso a decisão de um Tribunal Superior vincula o Tribunal recorrido, impendendo sobre o juiz titular deste último o dever de acatar e de cumprir essa decisão ao que acresce a realidade das diversas oposições, impugnações e inúmeras invalidades invocadas, que após decisão, estas constituem verdadeiro “caso julgado formal”, com eficácia no processo, pelo que o Tribunal não pode reapreciar, permanente e sucessivamente as mesmas, pelas razões já supra expostas
Nada há, pois, a apontar ao despacho que obedeceu ao decidido pelo Tribunal Superior formando Caso Julgado Formal nos termos supra tratados.
Claudica esta questão e o recurso em causa.
****
Tratar-se-á desde agora a impugnação da matéria de facto feita ainda pelo arguido AA, CC e BB que arguem exatamente os mesmos vícios com poucas diferenças entre si
Pretendem os recorrentes: Arguido CC:
a) Que existe contradição entre a matéria de facto provada e a fundamentação;
b) Não se verifica o crime de Associação Criminosa;
c) A Medida da Pena encontrada pelo Tribunal é excessiva.
2) No caso do Arguido BB, ainda que de forma desorganizada pretende
a) Existe nulidade do Acórdão, uma vez que o Tribunal deveria ter aceitado as provas apresentadas e tomado posição quanto a todas elas;
b) Nulidade do Acórdão porque não se pronunciou sobre o protesto ditado para a acta, nem sobre questões fundamentais, já alegadas antes e repetidas aquando do julgamento, não se formando qualquer Caso Julgado Formal;
c) Não se verifica do crime de Associação Criminosa;
d) A Medida da Pena encontrada pelo Tribunal é excessiva;
3) No caso do Arguido AA, tentando colocar alguma ordem nas conclusões pretende o recorrente:
a) O efeito conferido aos inúmeros Recursos apresentados foi errado, deveria ser sempre Efeito Suspensivo;
b) O Acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia, uma vez que não se pronunciou quanto a um “Protesto” formulado em Acta, na Sessão de Julgamento realizada no dia 22/09/2022;
c) O Acórdão recorrido é nulo, uma vez que não se pronunciou sobre questões fundamentais, não se formando, durante o Processo, qualquer “Caso Julgado Formal”, quanto às questões já alegadas antes e repetidas aquando da realização da Audiência de Discussão e Julgamento;
d) Não se verifica o crime de Associação Criminosa;
e) As provas apreciadas pelo Tribunal não constavam, integralmente, na Acusação, pelo que não podiam ter sido analisadas pelo Tribunal, havendo violação dos “Direitos de Defesa do Arguido”, pelo que o Acórdão é nulo;
f) A Matéria de Facto considerada provada que foi incorretamente analisada.
g) Pretende uma pena educacional e ressocializadora ou absolvição
Alegam ainda que não há coautoria por não estarem preenchidos os pressupostos do artº 26º CP.
E defendem que o acórdão recorrido viola também os princípios da Presunção da Inocência e o princípio do “In Dubio Pro Reo”.
Começaremos por tratar o recurso do último arguido - AA
1ª Questão
Relativamente à questão do tribunal a quo ter retido os recursos, aplicando a lei e fazendo-os subir a final com o que viesse a ser interposto da decisão final porque, no entender do recorrente os recursos interlocutórios teriam necessariamente efeito suspensivo, convém deixar aqui claro que o recorrente interpôs, entre outros, três recursos interlocutórios, nos dias 30/08/2022, 16/10/2022 e 14/12/2022.
Recursos dos despachos dos quais já se conheceu supra
Por outro lado, o que nos parece é que o recorrente pretende alterar o despacho que recebeu tais recursos e lhes fixou o efeito.
O tribunal a quo respeitou o disposto no artº 407º CPP
A decisão objeto de recurso interlocutório não está contemplada no artº 407º nº 1 do CPP já que a subida diferida do recurso desta decisão não o torna absolutamente inútil, como invoca o reclamante porque o eventual provimento do recurso implica a anulação de todo o processado posterior à decisão recorrida, tendo em conta o pretendido no seu requerimento, o que sempre lhe aproveitaria.
Acresce que o despacho de admissão de recurso, proferido nos termos do n.º 1 do artigo 414.º CPP não conhece de nenhuma questão interlocutória tendo uma função meramente ordenadora do andamento processual e, por ser assim, é um despacho de mero expediente n.ºs 1 e 2 do artigo 414.ºCPP .
Na verdade, pode nem chegar a produzir efeitos já que não vincula o tribunal superior nos termos do disposto no artº 414.º, n.º 3, CPP não formando, esse sim, caso julgado formal.
Sendo despachos de mero expediente não podem ser objeto de recurso - artº 400.º, n.º 1, alínea a), CPP:
Claudicaria sempre o recurso interposto pelas razões apontadas logo ao início, ou seja, o eventual provimento do recurso implicaria sempre a anulação de todo o processado posterior à decisão recorrida, tendo em conta o pretendido no seu requerimento, o que sempre lhe aproveitaria, não havendo qualquer atentado á sua defesa ou aos seus direitos constitucionais, ao fixar-se efeito meramente devolutivo, não os tornando absolutamente inúteis já que não perdem o seu objetivo. Não há nenhuma inconstitucionalidade nesta forma de proceder de acordo com a Lei.
Acresce que, discordando o arguido da retenção dos recursos interlocutórios por si interpostos, poderia ter suscitado, em sede de reclamação para o presidente deste TRL, ao abrigo do disposto no artº 405 nº1 do C.P.P tal questão, pedindo alteração do efeito de subida.
Não o fez. Não se compreende por isso como, tendo ferramentas processuais ao seu dispor, que não utilizou, venha agora invocar ilegalidades e inconstitucionalidades de actuação do tribunal.
Claudica o recurso mais uma vez
Vejamos agora quanto ao protesto de que, na opinião do recorrente o tribunal a quo fez tábua rasa e que trata de uma invocação de nulidade nos termos do art.º 80.º, n.º3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro e, segundo defende, determina a nulidade de todo o julgamento por violação do artigo 32.º, n.º1 e n.º 5 da CRP e do artigo 61.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal conjugado com os artigos 327.º, n.º 2, 355.º e 361.º, n.º 1 e 2 todos do Código de Processo Penal.
Na Sessão de Julgamento realizada no dia 22/09/2022, o Defensora do Arguido AA apresentou, em Acta, seguinte Requerimento, que denominou de “Protesto”:
“A defesa considera que se encontram a ser violados os direitos de defesa dos arguidos, ao não se poder questionar, quem e de que forma, trouxe aos autos informações, nomeadamente, sobre onde se encontrava a embarcação, quem é que deu a informação sobre a localização da embarcação, pois que considera que as excepções levantadas anteriormente, sem audição de testemunhas e só com o entendimento do Ministério Público e das conclusões, sem qualquer contradição nos termos da lei constitucional, deverão ser mantidas e decididas em juízo, porquanto não se encontram, no nosso ver, um caso julgado, porque se está a produzir prova, nomeadamente de sabermos com exatidão, quem forneceu a localização, qual foi o país de origem, se houve agente infiltrado ou não, se houve agente instigador, se houve um acordo realizado nos EUA e em que termos e se, através dessas situações, foram facultadas as informações à Polícia Judiciária portuguesa; assim, a não realização das perguntas, coarte o direito de defesa, nos termos do art° 32°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa, o principio do contraditório nos termos do art° 32°, n° 5 da Constituição da República Portuguesa e torna inoperante qualquer defesa a ser realizada nos autos”.
O defensor do Arguido BB também subscreveu o “Protesto” referido pelo que tudo o que se disser aqui aproveita ao mesmo.
Há que ter em conta que da ata em que foi lavrado o protesto consta um despacho do tribunal no seguinte sentido:
Acta, “seguidamente, após deliberação, pela Mmª Juiz Presidente foi proferido despacho no sentido de determinar que relativamente à primeira questão levantada pela defesa, uma vez que já foi apreciada, por decisões transitadas em julgado, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nada mais cumpre apreciar por este Tribunal, encontrando-se esgotado o poder jurisdicional quanto a tal questão”.
O protesto em causa, para quem siga a audiência de julgamento vem na sequência do exercício de um poder dever do tribunal, na pessoa da presidente do coletivo, de dirigir a audiência.
Porque, quer queira o recorrente, ou quer não queira, quem dirige a audiência e filtra as perguntas tendenciosas, repetitivas, o trato mantido com as testemunhas, é o presidente do coletivo. É ele que conduz a audiência de julgamento e não a acusação ou a defesa - artºs.322° e 323° do CPP.
“Na prossecução do dever de patrocínio, o Advogado deve ser admitido a requerer o que tiver por conveniente no decorrer da audiência ou outro ato em que intervenha.
Acaso não seja concedida a palavra ao Advogado ou o requerimento não seja lavrado ou transcrito em ata é que está previsto o exercício do direito ao protesto.
Assim, o direito ao protesto, previsto no artigo 80º do EOA tem subjacente que o direito a requerer tenha sido negado” – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13/01/2022, disponível em www.dgsi.pt.
Mas o ilustre mandatário do ora recorrente não requereu nada, apenas manifestou o seu desacordo quanto à forma como o tribunal, na pessoa da senhora juíza presidente estava a conduzir a audiência.
Situação que lhe é legítima se entendermos como protesto uma manifestação de liberdade de expressão quanto ao que não nos agrada e pode ficar exarado em acta, mas que, no caso concreto não é incidente de protesto e portanto, não exigia resposta do Tribunal por não se enquadrar no disposto do citado artº 80º.
Não pode o recorrente pretender que é ele que determina as regras de inquirição das testemunhas, ou conduz a audiência. Pode manifestar-se contra, mas tem necessariamente de acatar.
A audiência está gravada o que significa que poderá sempre, se tiver matéria para isso, proceder de acordo com o que a lei lhe permite, mas não contra legem.
Claudica mais uma vez o recurso quanto a mais um ponto.
Ora, estando este tribunal perante o caso julgado, nada mais há a acrescentar à insistente insistência do recorrente.
Quanto ao parecer jurídico, datado de 22/09/2022 da autoria do Professor António André Inácio (Professor Auxiliar na Faculdade de Direito, ULHT Doutor em Direito Público pela Universidade San Pablo Céu, Madrid Investigador no CEAD/ULHT) admitida a junção aos autos por despacho datado de 17-10-2022 o tribunal “a quo” é como o próprio recorrente diz, um elemento de prova que o tribunal aprecia de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, facto que o recorrente reconhece e debita levando este tribunal debruçarse sobre questões absolutamente desnecessárias, sabendo bem que o são.
O parecer não contém factos, contém opinião. A opinião ainda que abalizada não faz prova. O Juiz é o perito dos peritos.
O parecer não tinha de fazer parte do acórdão assim como não fazem parte todos os livros, códigos e manuais de Direito que, embora doutos, não serviram à decisão da causa.
Não há omissão de pronúncia
Improcede de novo a pretensão do recorrente.
Só porque no seu recurso da decisão final o recorrente levanta de novo a questão da busca, sempre se dirá ainda que:
Da busca há que elaborar auto que descreva os termos em que a mesma decorreu, quem nela interveio e o que dela derivou, sendo o auto assinado, para além do mais, pelo buscado – artigos 95.º e 99.º do Código de Processo Penal.
A lei fala no consentimento dos visados, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado, mas nada refere quanto ao momento em que esse consentimento deve ser prestado nem quanto à forma como deve ocorrer essa documentação.
Na falta de exigência legal, a documentação pode ser feita, por qualquer forma, nos autos, ainda que posteriormente.
Nesse sentido Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código de Processo Penal, 2ª edição atualizada, p. 474): «O consentimento só é relevante se prestado pelo visado.
Ele pode ser prestado oralmente antes da busca, mas deve ser posteriormente documentado», citando jurisprudência, a que acrescentamos o acórdão da Relação de Évora, de 14/07/2015 (processo 266/15.1PAOLH-B.E1,) em cujo sumário se diz «O consentimento do visado, livre e esclarecido, tem de preceder a busca, podendo ser prestado de forma verbal, impondo-se, quando assim acontece, que, ulteriormente, tal consentimento seja documentado».
Diz-nos o Prof. Germano Marques da Silva (in Direito Processual Penal Português vol. 3, edição da Universidade Católica, p. 67) que «Além das hipóteses excepcionais admitidas pelo artigo 174, n.º 5, o artigo 251º admite também como medida cautelar que, em caso de urgência, os órgãos de polícia criminal procedam à revista de suspeitos e a buscas nos lugares onde eles se encontrem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objetos relacionados com o crime, susceptíveis de prova e que, de outra forma, poderiam perder-se. A urgência da medida e a utilidade para o processo justificam a atribuição de competência às polícias para a sua prática, ainda antes de lhes serem ordenadas ou autorizadas».
São, portanto, nas palavras do acórdão do STJ de 7/04/2005[5], de que é relator Madeira Pinto (processo 05P767, acessível em www.dgsi.pt) “medidas urgentes, que importa adoptar em face das circunstâncias do caso, com vista a evitar, nomeadamente, a perda das provas presumidamente albergadas pelo objeto da busca. E cuja execução eficaz é incompatível, por isso mesmo, com qualquer dilação, nomeadamente a condição de imposição de prévia autorização judicial.»
Ora, existiam nos autos elementos suficientes para considerar que os recorrentes eram, já na altura, suspeitos da prática de um crime de tráfico de droga, existindo indícios do transporte e consequente detenção de uma quantidade significativa de uma substância como tal qualificada.
Existiam, de igual forma, elementos que levavam a acreditar que essa droga, objeto do indicado crime, se encontrava no interior do barco em causa sendo a sua apreensão uma diligência da máxima importância para se obter prova desse mesmo tráfico, apreensão essa que, se não fosse realizada naquele momento, poderia vir a ser impossível.
Tanto assim é que se veio a provar a detenção, o transporte, a qualidade e a quantidade e quem fazia a detenção e o dito transporte.
Existia, portanto, base legal para a realização da indicada busca naquele preciso momento, diligência cuja realização, pela sua urgência, não podia ser adiada e que veio a ser judicialmente validada, factor que já foi aqui discutido e explicado, para além de ter sido amplamente decidido já, por este Tribunal Superior.
Não foi violado o disposto no artigo 126.º, n.º 3 CPP.
Relativamente a prova que o recorrente AA diz não ter tido acesso, muito se estranha já que o processo não está em segredo de Justiça e na audiência de julgamento não levantou essa questão que, por essa razão não se trata aqui em sede de recurso de decisão final, entendendo-se já desatempada tal questão.
Entende o recorrente que a prova foi mal apreciada e que tudo o que resultou da audiência, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas que indica, deveria ter levado a uma absolvição.
Se o recorrente entende que a prova foi mal apreciada procede à impugnação da decisão sobre a matéria de facto conforme o art.º 412.º, n.º 3 e não conforme o disposto no artº 410º do CPP. De acordo com o disposto neste artigo
1– Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2– Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Qualquer dos vícios referidos no nº 2 tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos a ele estranhos.
Na revista alargada a apreciação não se restringe ao texto da decisão, estendendo-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.° 3 e 4 do art. 412.° do C.P. Penal.)
No entanto há que ter em conta que mesmo o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria já julgada, mas uma apreciação com base na audição de gravações. O Tribunal da Relação faz uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa sobre as questões por si levantadas.
Isto porque se trata de um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, sendo por essa razão que o recorrente deverá expressamente indicar o que pretende de acordo com o disposto no artigo 412°, n.°3, do C.P. Penal, apontando
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.1
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas, uma vez que na acta não consta o início e termo das declarações, com referência «às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».
Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008 (Processo:07P4375, www.dgsi.pt), a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçandose sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
a) a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
b) a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
c) a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção se for caso disso; d) a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.°3 do citado artigo 412.°.
Tendo em conta que o que se exige é que o recorrente, sustentando que um determinado ponto de facto foi incorretamente julgado, o indique expressamente, mencionando a prova que confirma a sua posição; e tratando-se de depoimento gravado, que indique também, por referência ao correspondente suporte técnico, os segmentos relevantes da gravação.”
Interpretação esta que está em conformidade com o Ac. T.C. 488/04.
Tenhamos presente ainda, o Ac. do S.T.J. de 24/10/2002, proferido no Processo n.º 2124/02, em que pode ser lido o seguinte: “(…) o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorretamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida – art.º 412.º,n.º 3, als. a) e b) do C.P.P. e levam à transcrição (n.º 4 do art.º 412.º do C.P.P.).
Se o recorrente não cumpre esses deveres, não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respetivos suportes”.
Mais, como se observa no Acórdão do S.T.J. de 26/1/2000, publicado na Base de Dados da DGSI (www.dgsi.pt) sob o n.º SJ200001260007483: “Não são os sujeitos processuais (nem os respetivos advogados) quem fixa a matéria de facto, mas unicamente o Tribunal que apura os factos com base na prova produzida e conforme o princípio da livre convicção -artigo 127.º, do Código de Processo Penal-, aplicando, depois, o direito aos mesmos factos, com independência e imparcialidade”.
E também não é ao tribunal que cabe individualizar os factos incorretamente julgados tendo em conta o pretendido pelo recorrente.
No caso sob análise o recorrente indicou, e de forma generalista, a factualidade que impugna e apenas no corpo da sua motivação. Por outro lado depois de oferecer telegraficamente os depoimentos escolhidos vai argumentando com a forma como o tribunal avaliou e interpretou a prova, fazendo a sua interpretação da mesma prova e chegando sempre , como pretende à sua irresponsabilidade nos factos que levaram à insolvência verificada e pela qual foi acusado e condenado.
No entanto nas conclusões não indicou qualquer passagem das declarações ou depoimentos produzidos na audiência de julgamento transcrevendo apenas telegraficamente depoimentos e identificando os seus autores.
O recorrente insurgiu-se contra a generalidade da matéria de facto dada como provada, não cumprindo, de forma cabal, o verdadeiro ónus de impugnação que se encontra contido no art.412.º n.º 3 e n.º 4 CPP. Repetiu-se nas suas pretensões e pretendeu ultrapassar o Caso Julgado Formal já formado nos autos.
Não indicou as provas que impõem decisão diversa da recorrida e a sua argumentação não leva a entendimento diferente do atingido pelo Tribunal a quo. Não rebate a convicção do tribunal, nem demonstram uma errada valoração da prova pelo tribunal a quo limitando-se a discordar .
O recorrente concretiza de forma esquartejada os pontos de facto que reputa de incorretamente julgados. Encontra-se, assim, respeitado o ónus imposto pela al. a) do nº2 do artº 412º do CPP.
Porém, no que toca à exigência de especificação das provas que impõem decisão diversa que como acima referimos impunham a concretização das passagens das gravações em que se funda a impugnação, verifica-se que o recorrente omite por completo tal concretização limitando-se a questionar a forma como foi produzida e valorada a prova e a apontar timidamente uma ou outra declaração na sua motivação de recurso, assim como a arguir nulidades, atropelos e a levantar questões já anteriormente levantadas e tratadas, como se estendesse o seu direito ao recurso eternamente sobre os mesmos pontos.
Acresce que ainda que o tivesse feito, a especificação prevista no artigo 412º, n. 3) e 4 do CPP não se basta com a transcrição integral dos depoimentos ou declarações, nem com a indicação do fim e do início, mas com a indicação dos erros ponto por ponto e com a menção das provas, nomeadamente das passagens em que se funda o seu entendimento e que demonstram esses erros (acórdão do TRP, de 02-12-2015, Proc. n.º 253/06.0GCSTS.P1, Relator Desembargador Artur Oliveira ; AC do TRC, de 16-11-2016, Proc. n.º 208/14.1JACBR.1, Relator Desembargador Vasques Osório, ambos in www.dgsi.pt).
Ou seja, a especificação das “concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida” (arts. 412.º, n.º 3, alínea b) do CPP) só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico da prova que impõe a pretendida alteração.
E, como sublinha Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, UCP, p. 1135, “o recorrente deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação” sendo que “o grau acrescido de concretização exigido pela Lei n.º 48/2007, de 29.8, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado”.
Assim, não tem este Tribunal de Recurso de conhecer da matéria de facto, por violação do previsto no art.412.º n.º 3 do C. P. Penal, debruçando-se assim apenas o tribunal sobre o conhecimento dos vícios do 410º do CPP.
E se, como começámos por dizer, as conclusões delimitam o objeto do recurso, não conhecendo o Tribunal das que o recorrente não transportou (ainda que de forma resumida, mas clara), das motivações para as conclusões, este Tribunal limitar-se-á a apreciar a decisão quanto aos possíveis vícios alguns deles invocados ainda que de forma apenas conclusiva e colocando apenas em causa a convicção do julgador.
Assim sendo verifiquemos se existe erro na apreciação da prova,
Trataremos ainda a existência de violação do in dubio e a medida da pena
Como se sabe quando é posta em causa a apreciação da prova não pode o tribunal ad quem deixar de ter em conta a convicção da 1ª Instância. Na verdade, a oralidade e a imediação conferem aos julgadores do Tribunal a quo a possibilidade de assistirem à produção e prova em direto com a riqueza de resultados que essa possibilidade confere.
Assenta essa apreciação na imediação e na oralidade, pelo que o Tribunal de recurso só pode censurá-la se demonstrado ficar que tal opção é de todo em todo inadmissível face às regras de experiência comum.
A produção da prova e o que é transmitido por testemunhos em audiência é uma verdade empírica que frente a um mesmo facto diversos testemunhos presenciais, de boa fé, incorrem em observações distintas.
A convicção do Tribunal forma-se na ponderação de toda a prova produzida, não podendo censurar-se aquele por nesse juízo ter optado por uma versão em detrimento de outra.
Alega o recorrente que existe erro notório na apreciação da prova pelo que há que verificar se, do texto da decisão recorrida, ou seja, sem recurso a qualquer outro elemento externo – declarações, depoimentos, etc., por si só ou conjugada com as regras de experiência comum e de uma forma tão patente que não escape à observação do homem médio, decorre algum erro tão evidente que qualquer leitor da decisão daria por ele.
É pois este erro, a falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
O erro é notório quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.
É a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência - decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido.
De qualquer forma, não pode incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efetuar à livre valoração da matéria de facto produzida em audiência, realizada pelo tribunal recorrido de harmonia com o preceituado no art. 127º do Código de Processo Penal. 2
Esquece o recorrente que artº 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, não se encontrando o julgador sujeito às regras rígidas da prova tarifada, o que não significa que a atividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional legitimando assim a sua decisão.3
Há que ter ainda em conta que as normas dos arts. 126.º e 127.º CPP podem ser interpretadas de modo que possam ser provados factos sem que exista uma prova direta deles, basta a prova indireta, circunstancial ou presuntiva, conjugada e interpretada no seu todo.
Sendo que tal interpretação não ofende quaisquer princípios constitucionais, como o da legalidade, ou das garantias de defesa ou da presunção de inocência e/ou do contraditório – artº 32.º CRP, desde que haja fundamentação crítica dos meios de prova e um grau de recurso em matéria de facto para efetivo controlo da decisão.
Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos como já dissemos.
A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma perceção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão”, confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reações humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
A ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º).
Ora, a decisão recorrida está bem fundamentada no que diz respeito à apreciação crítica que fez, nomeadamente das declarações prestadas em audiência, analisando cada um dos depoimentos e explicando a valoração que fez dos mesmos. Analisou ainda os documentos juntos aos autos e conjugou a prova documental com a restante prova, explicando sempre o seu raciocínio e a lógica que utilizou na escolha dos factos provados e não provados.
O Tribunal a quo apreciou a prova de forma lógica e coerente, de acordo com as regras da experiência e da livre convicção, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal. 4
Acrescente-se que a questão em análise não oferecia dificuldades ao julgador tal era a forte conjugação de factos, indícios e prova.
O tribunal fundamentou a sua decisão de forma clara, analisando os depoimentos prestados pelos inspetores da PJ, pelos arguidos e analisando a prova documental que foi colocada ao dispor dos intervenientes nos autos e na audiência.
Da fundamentação escolhemos estas passagens, elucidativas quanto á convicção do tribunal e ao seu apoio na prova:
“Concordantes, foram as declarações dos arguidos, no que tange aos factos que afirmaram desconhecer: que o propósito da viagem fosse recolher cocaína; o montante que iriam receber pela travessia; qual o local concreto a que correspondiam as coordenadas do primeiro ponto onde se haviam dirigido e onde o transbordo tivera lugar; quem era o dono da mercadoria e quem era o dono do barco”;
“É manifesto, não só pelas contradições evidenciadas, como pela total ausência de verosimilhança, que as declarações dos arguidos visaram, exclusivamente, distanciar-se dos factos e ocultar a respectiva participação nos mesmos”;
“Com efeito e desde logo, é absolutamente inverosímil que um transporte com a dimensão do que se aprecia nos autos, não fosse cuidadosamente planeado, com recurso a indivíduos experientes - capazes de navegar em alto mar, durante um período de tempo muito significativo, com recurso a uma tripulação reduzida – cientes da necessidade de absoluto sigilo quer quanto à empreitada em si, quer quanto ao modo de navegação, que se pretendia permanecesse indetectada. E que assim era, resulta não só das mais evidentes regras de experiência comum e de normalidade, mas também do material apreendido na embarcação destinado a detectar actividade de radiofrequência e a inibir a emissão de sinais radioeléctricos [“jammer”, cfr. auto de apreensão de fls. 30 e ss.]”; ·
“De igual modo, resulta de forma objetiva do exame pericial realizado aos telefones satélite, constante de fls. 1130 e ss., que os tripulantes do barco contactavam com terra, dando notícias da viagem e recebendo indicações, de indivíduos não identificados”.
Pensamos que está tudo dito logo aqui. O tribunal conjugou todas as provas e analisou-as tirando das mesmas as consequências lógicas e evidentes e, considerando a globalidade da prova produzida em audiência, incluindo as declarações dos arguidos.
A impugnação feita pelo recorrente limita-se a negar a prática e o envolvimento o transporte e na posse do estupefaciente, o que, tendo em conta as regras da experiência e da lógica, é claramente fruto de uma tentativa de construção de uma defesa absolutamente impossível.
No caso concreto está demonstrado que o juízo constante da decisão recorrida é compatível com os critérios de análise da prova, não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada, não podendo a convicção da primeira instância ser colocada em causa já que, depois de ler a decisão, se concluiu que só podia ser esta e não outra a decisão proferida.
O tribunal recorrido formou a sua convicção em provas não proibidas e fundamentou a fixação da prova com base no princípio da livre apreciação da prova, pelo que, só pode prevalecer a convicção da primeira instância não se encontrando vício algum na decisão objeto de recurso.
Basta ter em conta a prova produzida conjugando-a entre si e as regras da experiência e da lógica que o recorrente tem de admitir que as condutas, apuradas e a factualidade fixada preenche quer o tráfico quer a associação criminosa os precisos termos em que o tribunal a quo fundamenta a decisão.
Tudo o que se alega é vago, constitui afirmações conclusivas, desculpas e desresponsabilização. Note-se, aliás, no que concerne à questão do exame pericial a que o arguido alude, como bem refere o MP na sua resposta, O exame pericial cujas folhas se determinou fossem (em parte) traduzidas, consta dos autos desde 16.05.2022, integralmente digitalizado, à inteira disposição da defesa, conforme resulta da mera consulta do citius [ref.ª 125931], tendo sido junto antes da realização do Debate Instrutório, que ocorreu a 25.05.2022.; isto é, tal exame esteve disponível para plena consulta e rebate, por parte dos arguidos, desde antes da realização do debate Instrutório, pelo que, na realidade, nenhuma violação da possibilidade do exercício do contraditório aqui existe. Tal exame é meio de prova que se mostra abrangido pelo artº 163 do C.P.Penal, pela que a mera discordância do recorrente e negação do seu conteúdo, não tem relevância efetivamente contraditória. E no mesmo consta – sem que tenha havido impugnação que ultrapasse a mera negação – como se refere na motivação realizada pelo tribunal “a quo”, que de igual modo, resulta de forma objetiva do exame pericial realizado aos telefones satélite, constante de fls. 1130 e ss., que os tripulantes do barco contactavam com terra, dando notícias da viagem e recebendo Indicações, de Indivíduos não identificados.
Não é por muito se repetir que existe uma verdadeira contradição conceptual, antagónica com a verdade material e diferente da prova feita, que existe o vício de erro notório na apreciação da prova ou insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito.
Não se vislumbra nenhuma carência de factos que conduza à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de Direito, sobre a mesma. A impugnação do recorrente passa por negar, opor-se á forma de apreciar a prova por parte do Tribunal e pouco mais.
Não existe erro na apreciação da prova só porque não se valorizou a prova produzida de acordo com a interpretação do recorrente que não tem de se sobrepor à feita pelo Tribunal.
Na decisão recorrida nada é contraditório, está mal explicado ou incompleto. Tudo se conjuga num raciocínio lógico e simples, ao encontro das regras da experiência e da lógica e os factos provados e não provados não entram em choque ou contradição.
A fundamentação da decisão recorrida não impõem decisão oposta, mostrando-se a decisão ora posta em crise pelo arguido, devidamente fundamentada, seguindo um raciocínio coerente que não levanta qualquer dúvida sobre as razões que levaram a que fossem dados como provados estes factos e não outros, inexistindo qualquer contradição entre a fundamentação e a motivação plasmada na decisão recorrida.
No que tange ao vício de insuficiência que o arguido também invoca, cabe notar que o vício de insuficiência não tem qualquer correlação com a noção de falta ou ausência de prova.
Reporta-se a falta ou ausência de factos.
Na verdade, se a prova produzida é ou não suficiente para fundar uma convicção, não é questão que se resolva através da análise prevista na mencionada al. a) (que se reconduz à chamada revista alargada), mas antes implica uma reapreciação probatória, apenas alcançável através do instituto da impugnação ampla, cujos requisitos se mostram enunciados no artº 412 nºs 3 e 4 do C.P. Penal e que é mecanismo recursivo que o recorrente não evoca, nem sequer seria de passível apreciação, por total ausência de preenchimento dos seus requisitos legais.
Assim, face ao que o recorrente invoca, constata-se que, em sede do vício de insuficiência, o mesmo se mostra manifestamente inexistente, uma vez que em parte alguma o arguido fundamenta essa sua verificação naquilo que realmente o consubstancia; isto é, os factos dados como efetivamente assentes pelo tribunal “a quo” (e não a prova que levou à sua fixação) são manifestamente suficientes para fundarem a asserção de preenchimento do tipo, não sendo igualmente posta em questão a ausência de ponderação de qualquer elemento probatório que, podendo ter sido produzido, o não foi.
Finalmente, no que respeita ao vício de contradição que imputa, existente, no seu entendimento, entre o facto 4. E a al. b) dos factos não provados (4. A embarcação "GS...", de pavilhão espanhol, na qual seguiam os arguidos BB, AA e CC arvorava uma bandeira dos Países Baixos (que se encontrava completamente enrolada ao mastro onde estava presa), exibindo no casco, na popa, à ré, uma placa aparafusada com o nome de "M...", que não correspondia à documentação da mesma) b) Os telemóveis e respectivas cartões telefónicos apreendidos aos arguidos fossem por estes usados nos contactas necessários à comercialização do produto estupefaciente e tenham sido adquiridos com proventos dai resultantes.), inexiste a mesma, porque uma coisa é proceder ao transporte de estupefaciente e outra (que pode ocorrer em simultâneo ou não) proceder à sua efectiva comercialização. E a existência de um grupo estruturado, que tem como propósito adquirir, importar, transportar e vender estupefacientes permite, precisamente, que os seus vários membros se dediquem a específicas tarefas dentro deste circuito.
Não se vislumbra, pois, qualquer contradição.
No que se refere à questão da actuação culposa, cuja ausência o arguido reclama, mostra-se a mesma verdadeiramente incompreensível, atento o que consta no ponto dos factos assentes e em sede de motivação da convicção, designadamente:
1. Os arguidos, actuando de forma concertada com outros indivíduos não identificados, integram um grupo organizado, que se dedica à aquisição, transporte e venda de cocaína da América do Sul para a Europa, por via marítima.
2. De acordo com o plano previamente delineado, em data não concretamente apurada, anterior a 11 de Outubro de 2021, os arguidos utilizaram o veleiro de nome GS...", do tipo "sloop" (de apenas um mastro), com matrícula V1, registo ....81, de pavilhão espanhol.
3.De acordo com o plano previamente delineado, os arguidos navegaram de Espanha, até local não concretamente apurado no mar, sito nas proximidades da América do Sul, onde pkon2n de 7m recolheram 183 sacos contendo cocaína, que transportaram até local não concretamente identificado no mar, nas proximidades da Península Ibérica, com o propósito de os entregarem a terceiros pertencentes àquela organização.
5. No interior do veleiro, os arguidos transportavam um total de 183 sacos de ráfia, que foram apreendidos no dia 17.10.2021 e que continham no seu interior:
11. Os arguidos conheciam a natureza e as características estupefacientes da cocaína que lhes foi apreendida, bem sabendo que a detenção, o transporte e a comercialização deste produto eram proibidos e punidos por lei.
12.Os arguidos agiram em conjugação de vontades e esforços entre si e com terceiros não identificados, no âmbito de uma organização destinada à operação de comercialização de cocaina, aceitando colaborar nos termos supra referidos, sabendo que tal produto se destinava à venda a terceiros, a troco de quantias monetárias.
15.Os arguidos atuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
No que tange aos elementos psicológicos e volitivos imputados aos arguidos—factos 11. e 12. - considerou-se que estes factos decorriam deforma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas dos mesmos - aliás, tais factos encontram-se numa relação de quase necessidade com essas condutas.
O mesmo vale, como uma evidência até, para o facto dado como provado em 15.
É pois, manifesto, não assistir igualmente razão ao recorrente neste ponto.
Por outro lado, a violação do princípio in dubio pro pode e deve ser tratado como erro notório na apreciação da prova, o que significa que a sua existência também só pode ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma mais do que evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-3-99, Coletânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1999, I-247; ou quando, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, esta resultar evidente do próprio texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência, ou seja, quando é verificável que a dúvida só não é reconhecida em virtude de um erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal – acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3-3-1999 e 4-10-2006, ambos acessíveis em www.dgsi.pt e ainda da Relação de Évora de 30-1-2007, no mesmo sítio da Internet.
Como é sabido, o princípio do in dubio pro reo é um corolário da presunção de inocência, consagrada constitucionalmente no art.º 32.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Constitui um dos direitos fundamentais dos cidadãos (cfr. art.º 18.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa; 11.°, da Declaração Universal dos Direitos do Homem; 6.°, n.º 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos e Liberdades Fundamentais, e 14.°, n.º 2, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos).
Com efeito, enquanto não for demonstrada a culpabilidade do arguido, não é admissível a sua condenação. O que quer significar que só a prova de todos os elementos constitutivos de uma infração permite a sua punição. Mas esse é um problema de direito probatório em processo penal, de factos apurados, de interpretação e conjugação da prova.
Como nos diz Helena Bolina in Razão de Ser, Significado e Consequências do Princípio da Presunção de inocência , Boletim da Faculdade de Direito 70(1994), p. 433-46 I) princípio in dubio pro reo, constitui um princípio probatório, segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto, tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido, traduzindo o correspetivo do princípio da culpa em direito penal, a dimensão jurídicoprocessual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológiconormativo da pena.
- Este princípio não tem quaisquer reflexos ao nível, da interpretação das normas penais. Em caso de dúvida sobre o conteúdo e o alcance das normas penais, o problema deve ser solucionado com recurso às regras de interpretação, entre as quais o princípio do in dubio pro reo não se inclui, uma vez que este tem reflexos exclusivamente ao nível da apreciação da matéria de facto - sejam os pressupostos do preenchimento do tipo de crime, sejam os factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa. -
Vem tudo isto a propósito de que da leitura da fundamentação da decisão recorrida, resulta que o Tribunal a quo não teve dúvidas sobre os factos que deu como assentes, dúvidas que este Tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, também não tem, pois que só se a fundamentação revelasse que o tribunal a quo, face a algum ou alguns factos, tivesse ficado em dúvida "patentemente insuperável", como se referiu no Ac. do STJ de 15-600, publicado na Coletânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.000, II-228, ou se, embora o tribunal "a quo" não reconhecesse o estado de dúvida, ele resultasse do texto da decisão recorrida só por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, só não sendo declarada pelo tribunal "a quo" por força de erro notório na apreciação da prova, é que se podia afirmar que havia sido postergado o princípio in dúbio pro reo, que sendo um corolário da presunção de inocência, só vale até ser elidida em Julgamento .
Não procede, pois, a invocada violação do Principio basilar do nosso ordenamento jurídico.
(…)
Tratemos por fim o recurso do arguido Arguido BB
a) Existe nulidade do Acórdão, uma vez que o Tribunal deveria ter aceitado as provas apresentadas e tomado posição quanto a todas elas;
B) Nulidade do Acórdão porque não se pronunciou sobre o parecer junto aos autos, nem sobre o protesto realizado, nem sobre questões fundamentais, já alegadas antes e repetidas aquando do julgamento, não se formando qualquer Caso Julgado Formal;
c) Existe violação do In dubio
d)Não se verifica do crime de Associação Criminosa nem a co autoria
e) A Medida da Pena encontrada pelo Tribunal é excessiva;
Ora, todas as questões levantadas por este arguido estão já supra tratadas e aplicamse ao seu recurso.
Não existe nulidade do acórdão pelas razões supra invocadas e descontruídas.
Não há erro na apreciação da prova conforme já afirmado e se encontra supra tratado.
Por o arguido não concordar com a forma como a prova foi analisada e apreciada pelo tribunal não quer dizer que haja erro na apreciação da prova, ou apreciação acrítica da mesma.
Não é nula a decisão porque não houve omissão de diligências probatórias.
O dever de fundamentação das decisões judiciais é um imperativo constitucional em consequência dos princípios informadores do Estado de Direito Democrático e no respeito pelo efetivo direito de defesa consagrado no art. 32º, nº1 e no artigo 202º, nº 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, que merecem especial acuidade no campo Penal e o tribunal a quo respeitou-o.
A sentença encontra-se clara e exaustivamente fundamentada, de forma cuidada e perspicaz. Nada há a apontar à fundamentação conforme já supra referido.
Nunca foi violado o direito ao exercício do contraditório e não facultado à defesa o acesso à imediação e à oralidade da prova em julgamento. O que é invocado agora nunca foi invocado em sede de audiência de julgamento, sítio próprio para o ter feito
O artigo 32.º, n.º 1 e n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e do artigo 61.º, n.º 1, al. a), conjugado com os artigos 327.º, n.º 2, 355.º e 361.º, n.º 1 e 2 todos do Código de Processo Penal não foram violados ou esrespeitados de forma alguma em momento algum pelo Tribunal a quo.
Não existe omissão de pronuncia tendo o Tribunal recorrido respeitado sempre a Lei e as decisões proferidas em sede de recurso por este Tribunal da Relação conforme já supra referido mostrando-se esgotado o poder jurisdicional quanto à mesma, por força do caso julgado formal que se formou”.
Dispõe o artigo 379.º CPPenal, sob a epígrafe de “nulidade da sentença”, que,
“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º
3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade”.
Esta norma é aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, nos termos do artigo 425.º/4 CPPenal.
4. 1. 2. 1. Recurso do arguido AA.
Está aqui em causa, na perspectiva do arguido, a nulidade do acórdão com base nas situações previstas nas alíneas a) e c), respectivamente, a falta das menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º e, a não pronúncia sobre questões que devessem ter sido apreciadas – sendo certo, contudo, que não enquadra nenhum dos fundamentos que invoca na primeira norma.
Omissão de pronúncia.
Como vimos o STJ através do acórdão de 29.1.2025, analisando o acórdão recorrido, constatou que o mesmo se não pronunciou sobre,
- a questão da incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa,
- a validade da prova pericial aos telefones e telemóveis,
- o não preenchimento dos pressupostos da coautoria (recorrente AA),
- bem como do crime de associação criminosa (recorrentes BB e AA e CC),
tendo concluído que deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar (artigos 379.º n.º1 alínea c), e 425.º n.º 4, do Código de Processo Penal), decretando a sua nulidade e ordenando fosse proferido novo acórdão, no qual se conhecesse das referidas questões.
Nesta sequência depois de proferido novo acórdão e de ter sido arguida a irregularidade atinente com a não realização de audiência e a nulidade por omissão de pronúncia, pelo arguido AA, veio a ser proferido acórdão a declarar julgar improcedente o recurso, entendendo-se que vinha suscitada a irregularidade por falta de realização da audiência de discussão e julgamento e a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.
Diz o arguido que a decisão recorrida omitiu pronúncia sobre as questões da incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa, da validade da prova pericial aos telefones e telemóveis e do não preenchimento dos pressupostos da coautoria, bem como do crime de associação criminosa.
Sobre a primeira entendeu-se que,
- o arguido veio levantar a questão já decidida, também nesta secção por acórdão proferido em 16.02.22 e, portanto, com Caso Julgado de não ser o tribunal de 1ª instância o Competente para a causa;
- não se iria, pois, conhecer de novo do já decidido já que o acórdão de 16.02.2022 é demasiado claro e esclarecedor quanto á competência do Tribunal de 1ª Instância que julgou a questão;
- tal matéria encontra-se protegida pela existência de exceção de caso julgado o que nos impediu e nos impede, ainda que o STJ isso não entenda, e inclua na falta de fundamentação, de conhecer da questão de incompetência territorial.
Não existe, pois, manifestamente, omissão de pronúncia, tão pouco, violação do dever de obediência aos tribunais superiores consagrado no artigo 4.º/1 da Lei 62/2013, de 26 de agosto, Lei da Organização do Sistema Judiciário.
O que se verifica é que tendo este STJ ordenado se conhecesse de determinada questão, omitida no primeiro acórdão, veio o Tribunal da Relação a decidir sobre tal matéria, no sentido de que a mesma estava já decidida em acórdão proferido, anteriormente, pelo mesmo Tribunal.
Quanto à questão da validade da prova pericial aos telefones e telemóveis e quanto à questão do não preenchimento do tipo legal de associação criminosa.
Como parece medianamente evidente da mera leitura da decisão recorrida carecem de fundamento todas as invocadas omissões de pronúncia.
Com efeito, a decisão recorrida pronunciou-se sobre todas as questões sobre as quais se tinha que pronunciar.
Quer aquelas que constam especificadamente, do anterior acórdão deste Supremo Tribunal, a saber:
- a questão da incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa,
- a validade da prova pericial aos telefones e telemóveis,
- o não preenchimento dos pressupostos da coautoria (recorrente AA),
- bem como do crime de associação criminosa (recorrentes BB e AA e CC).
Quer todas as demais agora suscitadas – e ainda a questão dos vícios da decisão, da violação do princípio in dubio pro reo, da subsunção dos factos ao Direito e da medida das penas - a saber:
- recurso do despacho datado de 14-12-2022 o tribunal “a quo” indeferiu as diligências probatórias requeridas pela defesa por as considerar supérfluas nos termos do disposto no artigo 340.º, n.º 4, alínea b) CPPenal;
- recurso interlocutório – despacho de V2
- a incompetência dos Tribunais portugueses - para realização da diligência de 1.º interrogatório judicial de arguido detido;
- recurso interlocutório – despacho de 22.09.22;
- a impugnação da matéria de facto feita ainda pelo arguido AA, CC e BB que arguem exatamente os mesmos vícios com poucas diferenças entre si
Pretendem os recorrentes: Arguido CC:
a) Que existe contradição entre a matéria de facto provada e a fundamentação;
b) Não se verifica o crime de Associação Criminosa;
c) A Medida da Pena encontrada pelo Tribunal é excessiva.
2) No caso do Arguido BB, ainda que de forma desorganizada pretende
a) Existe nulidade do Acórdão, uma vez que o Tribunal deveria ter aceitado as provas apresentadas e tomado posição quanto a todas elas;
b) Nulidade do Acórdão porque não se pronunciou sobre o protesto ditado para a acta, nem sobre questões fundamentais, já alegadas antes e repetidas aquando do julgamento, não se formando qualquer Caso Julgado Formal;
c) Não se verifica do crime de Associação Criminosa;
d) A Medida da Pena encontrada pelo Tribunal é excessiva;
3) No caso do Arguido AA, tentando colocar alguma ordem nas conclusões pretende o recorrente:
a) O efeito conferido aos inúmeros Recursos apresentados foi errado, deveria ser sempre Efeito Suspensivo;
b) O Acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia, uma vez que não se pronunciou quanto a um “Protesto” formulado em Acta, na Sessão de Julgamento realizada no dia 22/09/2022;
c) O Acórdão recorrido é nulo, uma vez que não se pronunciou sobre questões fundamentais, não se formando, durante o Processo, qualquer “Caso Julgado Formal”, quanto às questões já alegadas antes e repetidas aquando da realização da Audiência de Discussão e Julgamento;
d) Não se verifica o crime de Associação Criminosa;
e) As provas apreciadas pelo Tribunal não constavam, integralmente, na Acusação, pelo que não podiam ter sido analisadas pelo Tribunal, havendo violação dos “Direitos de Defesa do Arguido”, pelo que o Acórdão é nulo;
f) A Matéria de Facto considerada provada que foi incorretamente analisada.
g) Pretende uma pena educacional e ressocializadora ou absolvição
Alegam ainda que não há coautoria por não estarem preenchidos os pressupostos do artº 26º CPenal;
- recurso do arguido - AA:
- retenção dos recursos;
- o protesto.
- o parecer jurídico;
- a busca;
- impugnação da matéria de facto;
- do preenchimento do crime de associação criminosa;
- co-autoria;
(…)
Improcede esta pretensão assim como o não preenchimento do crime de associação criminosa já tratado no recurso anterior (…)
Não terminamos sem perguntar se “integra um grupo organizado”, por outro, dá como assente que o mesmo aceitou “colaborar” com uma organização que se dedica à comercialização de cocaína, será um circunstancialismo tão diferenciado que gere contradição e perguntaríamos como o MP:
Perguntar-se-á, uma pessoa que integra um grupo, não aceita colaborar com esse grupo ?
Uma pessoa que aceita colaborar com um grupo organizado não faz parte do grupo em causa ?
Será um “integrante” mais importante que um “colaborador” ? Ou vice-versa ?
Presidirá ao pensamento do Arguido CC que um colaborador é um “freelancer” que resolveu, discretamente, transportar cinco toneladas de cocaína e não está inserido numa qualquer organização ?
Não há obviamente qualquer contradição entre a fundamentação e a factualidade apurada ou dada como provada.
Improcede pois o recurso na totalidade;
- no que concerne à questão de não preenchimento do tipo, no que toca ao crime de associação criminosa, remetemos para o que deixámos exposto relativamente ao arguido AA, que aqui damos por transcrito, por plenamente aplicável.
(…)”.
Não deve confundir-se o regime da nulidade estabelecido nesta norma com dimensões que comportam as causas de nulidade da sentença, nomeadamente, com a vertente da discordância que envolva as razões e os fundamentos da decisão - situação que comporta eventuais e autónomos fundamentos de recurso.
No âmbito do artigo 379.º CPPenal estão em causa, tão só, a nulidade decorrente dos fundamentos aqui especifica e concretamente previstos.
Como afinal, ao contrário do que expressiva, mas erradamente, refere o arguido AA, apenas a não pronúncia – e já não a pronúncia insuficiente – é susceptível de integrar a aludida causa de nulidade, prevista na alínea c)
Isto dado que afinal a da alínea a) não vem caracterizada em qualquer das muitas omissões imputadas.
O que nos remete – afinal como a decisão recorrida, que conheceu das nulidades, dá devida nota, para a mera discordância do arguido para com o sentido do decidido, “uma reclamação ou uma arguição de nulidades não é um recurso, o que significa que não se pode fundar em argumentos relativos à discordância do recorrente relativamente ao decidido.
Sucede que tudo aquilo que o reclamante apelida de nulidades, se consubstancia no seu pessoal inconformismo quanto ao decidido, em nada preenchendo as tipificações legais que o reclamante avança.
Um acórdão não é um exercício teórico sobre questões de direito, nem se impõe ao julgador debater, uma a uma, cada uma das particularidades ou teses que cada recorrente resolve avançar.
O que lhe compete é debruçar-se sobre as questões – de facto e/ou de direito – que interessam à decisão do caso concreto que analisa, com base nos elementos que se mostram presentes nos autos, seguindo a sua linha argumentativa de raciocínio.
E, para que se verifique a nulidade da sentença por omissão de pronúncia (que o reclamante invoca), é necessário que o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões pertinentes para o objeto do processo, tal como delimitado pela acusação e pela contestação
A eventual não ponderação de algum argumento, tese ou doutrina esgrimidos pelos sujeitos processuais escapa aos referidos vícios decisórios, desde que a questão colocada e em cuja discussão se insiram seja efetivamente apreciada e decidida.
Este é um entendimento pacífico e generalizado, a nível jurisprudencial, como nos dá conta, entre muitos outros, o Ac. do STJ de 02/02/2006, Pº 05P2646, relator Cons. Simas Santos; ou seja, não existe omissão de pronúncia nem falta de fundamentação, em todos os casos em que o tribunal tenha apreciado as questões que lhe competia apreciar, o tenha feito de modo a que o destinatário possa compreender o seu raciocínio lógico e fundamentação e, efetivamente, o decidido abranja todas as questões suscitadas em sede de recurso, o que manifestamente não implica que o julgador tenha de seguir o raciocínio do recorrente, a par e passo.
Tem de decidir e tem de o fazer explicando as razões da decisão de cada questão. E, no caso, em parte alguma da sua o recorrente afirma a sua incompreensibilidade quanto ao decidido. O que diz é que discorda…
Em seu entender este TRL não cuidou de, em sede de apreciação das questões por si suscitadas em termos de recurso, cuidar de apreciar a factualidade subjacente ao por si esgrimido e pretendido.
Sucede, todavia, que não só não lhe assiste razão a este respeito como, ainda que assim não fosse, não se estaria perante qualquer vício já que, como igualmente decorre da leitura do decidido, o que este tribunal entendeu é que, a decisão da primeira Instância estava proferida de forma correta e alguns dos pontos agora invocados já haviam sido antes tratados havendo caso julgado sobre os mesmos.
O recorrente não está de acordo com essa linha de fundamentação também jurídica, seguida pelo acórdão, o que é um direito que lhe assiste, mas tal discórdia não integra a prática de um vício, mas antes uma análise jurídica que o arguido pretende rebater, o que se não integra no âmbito de uma reclamação ou arguição de nulidade, mas antes, e como já dissemos, constitui eventual matéria de recurso.
Inexiste, pois, a, nulidade invocada.
Assim sendo, as questões que o arguente avança, nesta sede, não se enquadram em nenhum dos fundamentos quer de correção da sentença, previstos no artigo 380.º CPPenal, quer de nulidades suscetíveis de serem supríveis, após se encontrar esgotado o poder jurisdicional deste TRL, enunciadas no artigo 379.º CPPenal”.
A mera discordância com o sentido e, ou com a fundamentação aduzida para o suportar, vg.,
- a violação do dever de obediência aos tribunais superiores consagrado no artigo 4.º/1 da Lei 62/2013,
- violação do instituto do caso julgado,
- a violação dos artigos 118.º e ss. e 311.º CPPenal,
- a violação dos mais elementares direitos de defesa do arguido, o esvaziamento do artigo da imediação da prova, da publicidade,
- a violação do artigo 32.º/1 e 5 ou do artigo 202.º da Constituição,
- a violação do artigo 407.º/1 CPPenal,
- a violação do direito ao exercício do contraditório e do acesso da defesa à imediação e à oralidade da prova em julgamento,
- a violação dos artigos 61.º/1 alínea a) CPPenal conjugado com os artigos 327.º/2, 355.º e 361.º/1 e 2 CPPenal,
- violação dos mais elementares direitos de defesa dos arguidos, isto é relativamente às já alegadas omissões de pronúncia o tribunal “a quo” não permitiu à defesa inquirir as testemunhas acerca das invocadas nulidades/irregularidades alegadas em sede de contestação, ao arrepio do nos artigos 30.º e 32.º da nossa Constituição;
- violação do disposto no artigo 374.º/1 alínea d) e 2 CPPenal – ainda que a falta dos requisitos aqui previstos possa conduzir à nulidade da sentença nos termos do já referido artigo 379.º/1 alínea a) CPPenal, o certo é que o arguido não concretiza – e não, não vislumbramos, porventura, como o arguido também não vislumbrou - o que entende estar aqui em falta no acórdão recorrido – quando aquela norma se aplica directamente às sentenças e acórdão da 1.ª instância e, apenas, por remissão, aos acórdãos dos tribunais superiores,
- violação do regime das nulidades processuais previstas nos artigos 118.º e ss. CPPenal e os mais elementares direitos de defesa do arguido.
- violação do artigo 311.º CPPenal;
- violação dos artigo 141.º/1 CPPenal e 31.º da Constituição,
- violação do artigo 229.º e ss. CPPenal e do estatuído pela Lei 87/2021, de 15/12 (Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal,
- violação do artigo 19.º CPPenal,
- violação do artigo 126.º/3 CPPenal, por não autorização da busca,
- violação dos artigos 92.º/2 CPPenal e 6.º da Directiva 2010/64/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 20/10/2010,
- violação do artigo 127.º CPPenal,
- violação dos artigos 249.º e 355.º/1 CPPenal,
- violação de todos os direitos de defesa dos arguidos constitucionalmente consagrados no artigo 32.º e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
não podem ser confundidas com a apontada causa de nulidade, por omissão de pronúncia,
Desde logo, porque, por definição e pelo rigor dos princípios, apenas a pura e simples omissão de pronúncia, a total omissão de pronúncia é susceptível de integrar a causa de nulidade da omissão de pronúncia.
Não deve confundir-se o regime da nulidade estabelecido nesta norma com dimensões que comportam as causas de nulidades, nomeadamente com a discordância que envolva a razão e os fundamentos da decisão, situação que comporta eventuais e autónomos fundamentos de recurso.
Nesta norma estão em causa, tão só, a nulidade decorrente dos fundamentos aqui específica e concretamente previstos.
A deficiente, insuficiente, obscura ou ininteligível pronúncia – a pressupor, logicamente que existe - constituirá causa de impugnação da decisão por via de recurso, por violação da lei.
Institutos absolutamente diversos, nulidade e violação da lei, omissão de pronúncia ou discordância do sentido do decidido, de natureza e consequências, distintas.
E, ademais estamos perante a invocação de violações de normas não aplicadas na decisão recorrida e de normas que se aplicadas não integram matéria que se possa integrar no supra definido âmbito de cognição deste Supremo Tribunal – como a invocada nulidade da decisão instrutória, a nulidade do julgamento ou a violação dos princípios da presunção da inocência e do “in dubio pro reo” e, outras que se reportam a questões decididas em sede de recursos interlocutórios:
- omissão de diligências probatórias, inquirição de testemunhas, recurso do despacho de 14.7.2022;
- nulidade da abordagem e da subsequente busca, recurso do despacho de 22.9.2022 e,
- nulidade da constituição como arguido, invocada na contestação, recurso do despacho de 29.7.2022.
Do que vem de ser transcrito resulta manifesto e ostensivo que a decisão recorrida se pronunciou – ou para utilizar a terminologia do arguido, não omitiu o dever de se pronunciar – indeferindo, é certo, sobre todas as questões cuja omissão o arguido aqui invoca – não sendo, pois, caso de nulidade.
A saber,
- a validade da prova pericial aos telefones e telemóveis;
- o não preenchimento do tipo legal de associação criminosa,
- a impugnação da matéria de facto.
Ao contrário do que diz o arguido a decisão recorrida não se limitou-se a concretizar meros conceitos legais sem responder aos temas do recurso, remetendo para a decisão proferida em 1.ª instância.
Como refere o arguido, se o que se pedia era que o tribunal proferisse decisão, nem que seja que o recorrente não tem razão nenhuma e que a prova era mais que suficiente para se dar como provados os factos impugnados, então foi o que foi, efectivamente efectuado – não era de conhecer da impugnação da matéria de facto, porque não estavam cumpridos os exigidos requisitos legais.
Da mesma forma, se pronunciou quanto ao efeito dos três recursos interlocutórios – apesar de constituir questão absolutamente intempestiva e, por isso, deslocada processualmente e, nos termos em que o fez, pela inoportunidade que considerou, não aplicou a norma cuja interpretação o arguido agora pretende ser inconstitucional.
Da mesma forma fez referência ao protesto e ao parecer, ainda que não da forma que o arguido esperaria.
A invocação do caso julgado formal, porque as questões teriam sido já decididos em anterior acórdão da Relação, mostrando-se esgotado o poder jurisdicional, não traduz, obviamente, qualquer omissão de pronúncia sobre as questões concretas que se refere como estando sob a sua alçada – no caso, as aludidas questões prévias, da nulidade do processo, da incompetência dos tribunais portugueses; do incumprimento da cooperação judiciária internacional em matéria penal; da incompetência do Tribunal da Comarca de Lisboa.
Nunca a eventual violação do caso julgado formal constitui a nulidade de omissão de pronúncia.
E, assim, somos chegados a duas realidades intrínsecas da decisão recorrida.
A da página em branco e subsequente falta de numeração e a da declaração de voto.
Diz o arguido que a decisão recorrida de 19.3.2025 apenas se encontra numerada até à página 81, sendo que a página 81 encontra-se parcialmente em branco, desconhecendo-se os motivos pelos quais existe uma página parcialmente em branco e porque o acórdão não se encontra numerado na sua totalidade.
A este propósito considerou-se na decisão recorrida, aquela onde se indeferiu a arguição de nulidades, que, “verificámos qua na verdade o acórdão não está numerado a partir da página 81 “sendo que a página 81 encontra-se parcialmente em branco, desconhecendo-se os motivos pelos quais existe uma página parcialmente em branco e porque o acórdão não se encontra numerado na sua totalidade.
Atribuímos tal a uma formatação automática feita pelo CITIUS aquando da inserção do acórdão o que não lhe tira qualquer sentido durante a sua leitura”.
Da mesma forma, cremos, se terá que concluir, ainda assim, sem qualquer causa de nulidade da decisão recorrida.
Quanto à declaração de voto, diz o arguido que,
- o acórdão recorrido foi elaborado e revisto pela Exma. Sra. Juíza Desembargadora- Relatora Adelina Barradas de Oliveira e consta do mesmo, fazendo parte integrante a declaração de voto elaborada pela Exma. Sra. Juíza Desembargadora Cristina de Sousa;
- a declaração de voto em apreço não se trata de uma declaração de voto de vencido, atento a que a decisão não é distinta das dos demais Senhores Juízes Desembargadores que compõem o Coletivo de Juízes, mas sim com uma fundamentação divergente, mas que acaba por convergir na decisão tomada de negar provimento ao recurso interposto;
- o que constitui uma dupla fundamentação negativa;
- a dupla fundamentação negativa obsta assim a uma realização efetiva e plena do direito ao recurso por parte do arguido;
- se cada um dos Venerandos Juízes Desembargadores que compõem o Coletivo decidisse de forma diferente em bom rigor não teríamos uma decisão una, mas sim três decisões, o que dificulta e muito a tarefa da defesa e o exercício do direito ao recurso por parte do arguido;
- segundo o entendimento do n.º 2 do artigo 425.º CPPenal que consagra que são admissíveis declarações de voto, tal visa permitir ao Juiz que compõe o órgão colegial manifestar a sua posição, quando discorde dos demais e não quando concorde com os restantes Juízes, mas apenas discorde de alguns aspectos de fundamentação, conforme sucedeu no presente caso concreto;
- a declaração de voto é vista como instrumento que reforça a transparência e legitimação da decisão jurisdicional e não deve consistir numa dupla fundamentação da decisão;
- as decisões proferidas por órgãos colegiais devem refletir a posição da maioria dos Juízes, sem suprimir o direito individual do Juiz manifestar a sua discordância;
- a declaração de voto proferida no acórdão recorrido viola o disposto no n.º 2 do artigo 425.º CPPenal e os artigos 32.º/1 e 205.º da Constituição, quando interpretados que as decisões dos tribunais têm que ser fundamentadas na forma prevista na lei e não com a fundamentação proferida por cada um dos Juízes que componha o órgão colegial.
E, assim, defende se declare a nulidade e a inconstitucionalidade da declaração de voto ou, caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, com ela não se conforma, porque,
- se considera que a fundamentação aí aposta não é divergente, mas convergente com a fundamentação constante do acórdão;
- a declaração de voto não apresenta fundamentação diversa da constante do acórdão, mas sim fundamentação diversa e discordante com o acórdão proferido pelo STJ.
Vejamos.
Com efeito depois de se afirmar que claudicam manifestamente e na totalidade todos os recursos, que nada há a censurar à decisão posta em causa que se mantém e de se negar provimentos aos recursos interpostos, mantendo-se a decisão recorrida sem mais, surge uma denominada declaração de voto, subscrita pela Sra. Desembargadora, 2.ª adjunta, onde, em resumo, se refere o seguinte:
“- concordo com o indeferimento do pedido de realização da audiência, com os argumentos expendidos a páginas 88 a 90 da projecto;
- concordo com a confirmação da decisão da primeira instância, com o enquadramento jurídico penal como crimes de associação criminosa e de tráfico de estupefacientes, em concurso real praticados por todos os arguidos e com a manutenção das penas únicas de catorze anos que lhes forma aplicadas;
- também acho que os recursos interlocutórios não são para deferir e que há caso julgado quanto a todas as questões neles suscitadas, com excepção do recurso da decisão de 14 de Dezembro de 2022;
- porém, há várias aspectos de que discordo:
- acho que os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa proferidos em 10 de Fevereiro e 16 de Fevereiro de 2022, respectivamente nos apensos A e C que confirmaram a decisão proferida no primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos que além de ter aplicado as medidas de coacção de prisão preventiva, se pronunciou sobre todas as questões suscitadas nos recursos interlocutórios – ilegalidade da detenção, nulidade da constituição de arguidos, falsidade da data e hora da detenção, incompetência internacional dos Tribunais portugueses; incompetência territorial do juízo central criminal de Lisboa nulidade da abordagem e subsequente busca realizada à embarcação, por violação do artº 17º nº 3 da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988 – e ainda o que conheceu do recurso da decisão que indeferiu a providência de habeas corpus, confirmando esta, nos excertos em que esses acórdãos tomaram posição expressa sobre essas questões, assim como as decisões objecto dos recursos interlocutórios deveriam integrar a fundamentação de facto do acórdão, como factos provados - de harmonia com os princípios da clareza, da completude e autossuficiência das decisões judiciais só dessa forma fica perfeitamente ilustrado, no texto da decisão, o sentido e alcance da argumentação em torno da força vinculativa do caso julgado e da impossibilidade dele emergente de este Tribunal, no presente recurso, voltar a apreciar tais questões;
- assim e em conformidade:
- quanto a páginas 90 a 96 acerca recurso interlocutório do despacho de 14.12.2022
- concordo que a competência territorial está fixada, com trânsito em julgado, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, não em 16 de Fevereiro como consta do texto, mas em 10 de Fevereiro de 2022, no apenso A, mas considero que o excerto do acórdão que decidiu essa questão deveria constar da matéria de facto provada com o seguinte excerto:
“ (…)
Entendem os recorrentes que o Juízo de Instrução Criminal de Lisboa é territorialmente incompetente, pois "o tribunal "a quo" não ponderou que os arguidos foram abordados e detidos na localização 36°21.3N, 013°13.10W e que o porto português mais perto que os mesmos se encontravam era o porto de Sagres e não o porto de Lisboa ou de S. Vicente, ... A decisão recorrida viola a interpretação do disposto no artigo 20. ° do Código de Processo Penal ... Devendo ao abrigo do disposto no artigo 266° do Código de Processo Penal os presentes autos serem transmitidos ao Magistrado do Ministério Público competente ou seja para o Ministério Público — DIAP de Portimão."
Diz-se no despacho recorrido:
«Resulta dos autos que, após o seu apresamento em alto mar, a embarcação e os arguidos foram transportados para a Base Naval de Lisboa, pelo que foi no DIAP de Lisboa que o Ministério Público adquiriu notícia do crime (a este respeito, cfr. fls. 126 a 128 e despacho do Ministério Público de fls. 129 e 130), dúvidas não se suscitam em como, atento o disposto no art. 20.º, n.º 3 do CPP, é o Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, o tribunal territorialmente competente.
Além do disposto no art. 20º n.º 3 do CPP , determinam os ns.° 1 e 2 do art.° 264.° do C. P. P:
"1 - É competente para a realização do inquérito o Ministério Público que exercer funções no local em que o crime tiver sido cometido 2 - Enquanto não for conhecido o local em que o crime foi cometido, a competência pertence ao Ministério Público que exercer funções no local em que primeiro tiver havido notícia do crime. "
Foi na Base do Alfeite que se teve notícia do crime com a realização dos testes ao produto estupefaciente; ou seja, no caso em apreço, o inquérito iniciou-se na 1ª Secção do D.I.A.P de Lisboa, em momento prévio à apreensão do estupefaciente e à consequente detenção dos arguidos, onde ainda continua, sendo certo que onde se adquire notícia do crime é na área da competência do D.I.A.P. de Lisboa; logo o Juízo de Instrução Criminal de Lisboa é territorialmente competente.
Improcede, nesta parte, a instância recursória. ( páginas 50 e 51 do Acórdão da Relação de Lisboa proferido em 10 de Fevereiro de 2022, no apenso A com a referência Citius 18029795)
E além da impossibilidade de o Tribunal se pronunciar sobre questões já julgadas, com trânsito em julgado, como é próprio dos valores da certeza e segurança jurídica que o caso julgado visa assegurar, no caso da competência territorial, está há muito ultrapassado o momento processual em que a mesma poderia ter sido deduzida e apreciada, conforme o que dispõe o art. 32º nº 2 al. b) do CPP.
Também no que se refere à apreciação do recurso interlocutório interposto pelo arguido AA deste despacho de 14.12.2022, que, depois de ter comunicado a alteração não substancial de factos, decidiu indeferir o pedido de reinquirição dos Inspectores da PJ, que essa tramitação processual – o despacho de comunicação da alteração não substancial, o requerimento do arguido a requerer tal reinquirição e o despacho recorrido – deveriam constar da matéria de facto provada.
Esses despachos e requerimentos têm o seguinte conteúdo:
Na sessão do julgamento realizada no dia 7 de Dezembro de 2022, foi proferido pelo Tribunal o seguinte DESPACHO
“Em função do decurso do julgamento e dos termos da prova nele produzida poderão diagnosticar-se alterações da factualidade descrita no despacho de pronúncia [para além daquelas que correspondem a meras concretizações ou explicitações da matéria factual imputada aos arguidos, não tendo autonomia na aferição da sua responsabilidade criminal por não terem «relevo para a decisão da causa», na fórmula do art. 358º n.º1 do Código de Processo Penal, e bem assim daquelas que foram expressamente admitidas, onde vale o disposto no art. 358º n.º2 do CPP, ou daquelas que correspondem a um minus face ao alegado].
São estas as eventuais alterações relevantes:
1. O equipamento de acesso à internet via satélite, da marca Inmarsat, modelo Wideye, com o IMEI .............63 – com a indicação ANTENA 1 (VIEJA) – contendo o cartão SIM Inmarsat BGAN com a referência n.º ................39; o equipamento de acesso à internet via satélite, da marca Inmarsat, modelo Wideye, com o IMEI .............15 – com a indicação ANTENA 2 (VIEJA) – contendo o cartão SIM Inmarsat BGAN com a referência n.º ................79; o equipamento de acesso à internet via satélite, da marca Explorer Cobham, modelo TT-3711A, com o IMEI .............96 – com a indicação ANTENA 3 (NUEVA) – contendo o cartão SIM Inmarsat BGAN com a referência n.º ................74; o aparelho de navegação GPS, da marca Garmin, modelo GPSmap 78, com código de barras 1WQ138584; os três detectores de actividade de radiofrequência e monitor, da marca JJN DIGITAL, modelo WAM-108t e respectivos carregadores de parede (dois); o inibidor de sinal (jammer) de dez antenas, sem marca visível e com o número de Série C2002263; o aparelho de navegação GPS, da marca Garmin, modelo GPSmap 78, com código de barras 1WQ136778; o telefone satélite da marca Iridium, com o IMEI .............80, contendo o cartão SIM da Iridium com a referência .................78; as duas Pen Drive da marca JJM digital, relativa aos programas dos detectores de actividade de radiofrequência e monitor; o telefone satélite da marca “IRIDIUM”, modelo 9555N, com o IMEI .............50, e, inserido, 1 (um) cartão SIM com a designação “IRIDIUM EVERYWHERE”, e o nº.................69; os dois carregadores e dois adaptadores do telefone satélite da marca “IRIDIUM”, destinavam-se a ser utilizados pelos arguidos na navegação e nos contactos realizados com terceiros não identificados, com quem haviam concertado o transporte de cocaína.
Desta forma, e ao abrigo do disposto no art. 358º n.º1 do Código de Processo Penal, comunica-se a ocorrência das aludidas eventuais alterações (não substanciais) dos factos, para os termos da parte final do mesmo artigo 358º n.º1.”conforme se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14:33 horas e o seu termo pelas 14:36 horas.
De seguida, foi dada a palavra aos ilustres mandatários dos arguidos, tendo por todos sido requerido, um prazo não inferior a 10 dias, para apresentação de defesa, conforme se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em horas.
Nesta altura, após deliberação, pela Mmª Juíza Presidente foi proferido DESPACHO no sentido de, tendo em conta a matéria ora comunicada e a sua extensão, conceder o prazo de 5 dias para apresentação de defesa, ao abrigo do disposto no artº 358º nº 1 do C.P.P. e de designar o próximo dia 15-12-2022, pelas 15:00 horas para a continuação da audiência de julgamento, conforme se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14:41 horas e o seu termo pelas 14:41 horas. (acta da audiência de discussão e julgamento de 7 de Dezembro de 2022, com a referência Citius .......25);
Por requerimento de 12.12.2022 [ref.ª......14], o arguido CC, requereu, em síntese, a reinquirição das testemunhas KK, LL, MM, FF, II e HH, bem como que sejam chamadas a depor todos os elementos do Destacamento de Acções Especiais (DAE) da Marinha de Guerra Portuguesa que em primeiro lugar entraram no barco apreendido nos presentes autos.
Por requerimento de 12.12.2022 [ref.ª ......95], o arguido AA, requereu a reinquirição da testemunha HH, do inspector JJ e II, a audição dos militares que entraram a bordo, bem como a realização de análise pela defesa com os seus próprios técnicos, aos equipamentos em questão.
Sobre estes requerimentos foi proferido despacho em 14.12.2022, referência Citius .......94, com o seguinte teor (transcrição integral):
Na sequência da comunicação da ocorrência de uma eventual alteração não substancial de factos, realizada por despacho proferido no dia 07.12.2022 [ref.ª........25], requereram os arguidos, prazo para apresentação de defesa, nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o que lhe foi concedido, por 5 dias.
Nesse seguimento, apresentou o arguido CC, requerimento junto a 12.12.2022 [ref.ª34430714], no qual requereu, em síntese, a reinquirição das testemunhas KK, LL, MM, FF, II e HH, bem como que sejam chamadas a depor todos os elementos do Destacamento de Acções Especiais (DAE) da Marinha de Guerra Portuguesa que em primeiro lugar entraram no barco apreendido nos presentes autos.
De igual forma, requereu a defesa do arguido AA, por requerimento junto a 12.12.2022 [ref.ª 34437295], em suma, a reinquirição da testemunha HH, do inspector JJ e II, a audição dos militares que entraram a bordo, bem como a realização de análise pela defesa com os seus próprios técnicos, aos equipamentos em questão.
Os requerimentos de prova, incluindo os formulados ao abrigo do disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal, encontram-se sujeitos ao crivo do artigo 340.º, n.º 3 e 4 do Código de Processo Penal, de acordo com o qual:
“(…) 3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 328.º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.
4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) (Revogada.)
b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.”
Daqui decorre, que qualquer requerimento de prova terá de ser acompanhado da respectiva fundamentação, por forma a habilitar o tribunal a decidir quanto à respectiva admissibilidade, à luz dos critérios supra referidos.
No caso, vê-se que no que se refere ao requerimento do arguido CC, o mesmo não apresenta qualquer fundamento para a (re)inquirição das testemunhas que indica, face à matéria que foi comunicada, donde, sem necessidade de outras considerações, cumpre indeferir o requerido, nos termos do disposto no artigo 340.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, por legalmente inadmissível nos termos formulados.
No que tange ao requerido pelo arguido AA, considera-se, face à prova testemunhal já produzida em audiência de julgamento, concretamente, ao depoimento das testemunhas HH, JJ e II, que o conhecimento que tais testemunhas têm relativamente ao objecto do processo, em geral, e às questões ora suscitadas pela defesa, em particular , foram já, de forma exaustiva, escalpelizada, aquando da respectiva inquirição, donde a repetição de tais depoimentos se mostrar supérflua, sendo de indeferir a mesma, nos termos do disposto no artigo 340.º, n.º4, al. b) do Código de Processo Penal.
No que se refere à inquirição dos militares da DAE, vê-se que o fundamento da respectiva inquirição, face à produção de prova já realizada, designadamente à prova documental junta aos autos e ao depoimento dos elementos policiais que realizaram as diligências de prova que conduziram à apreensão dos aparelhos mencionados no despacho que comunicou as (eventuais) alterações não substanciais de factos, se mostra, igualmente supérflua, donde ser de indeferir a mesma, nos termos do disposto no artigo 340.º, n.º4, al. b) do Código de Processo Penal.
Finalmente, no que concerne ao requerimento de “realização de análise pela Defesa com os seus próprios técnicos dos equipamentos em questão” que adiante é concretizado (?) nos seguintes termos: “- Relativamente às perícias aos aparelhos deverá ser verificado se os aparelhos foram ou não utilizados, quando e em que moldes, tal perícia é necessária para que se verifique que os equipamentos eram pré-existentes a bordo”, considera-se que o respectivo teor é ininteligível, não se logrando compreender, desde logo, a que aparelhos se refere a Defesa, nem que tipo de análise pretende seja realizada, donde ser de indeferir a mesma, nos termos do disposto no artigo 340.º, n.º4, al. b) do Código de Processo Penal.
Notifique”;
- e depois na análise, concordo que se trataria de diligências supérfluas e meramente dilatórias, pois que, perante as questões reproduzidas a páginas 94 e 95, além de algumas serem repetitivas, as que o não são, são totalmente irrelevantes, sendo certo que apenas está em causa uma descrição mais pormenorizada e conforme ao auto de apreensão dos equipamentos e objectos encontrados no interior da embarcação, aquando da detenção dos arguidos”;
- quanto a páginas 96 a 98 do acórdão sobre o recurso interlocutório do despacho de 29.07.2022
- quanto ao recurso interlocutório do arguido AA do despacho de V2 sobre a nulidade do auto de constituição de arguido e falsidade do dia e hora indicados como hora da detenção – páginas 95 a 98 também concordo com a análise feita no texto, mas acho que deveria constar da matéria de facto provada:
- desde logo, a decisão recorrida que tem o seguinte teor:
I. Contestação apresentada pelos arguidos AA e BB:
Os arguidos, por impugnação:
- impugnaram toda a prova documental junta aos autos;
- invocaram a nulidade do auto de busca e de apreensão de fls. 30-33;
- impugnaram o auto de constituição de arguido de fls. 78, 82 e 86;
- impugnaram os TIR de fls. 80, 84 e 88;
- impugnaram toda a prova pericial junta aos autos.
Para além disso, quanto a prova:
- requereram, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo Penal a reconstituição dos factos ocorridos no dia 16-10-2021 e no dia 17-10-2021 e a realização de vistoria à embarcação;
- requereram a realização de segunda perícia à droga;
- requereram que se oficie à Marinha de Guerra Portuguesa para vir aos autos fornecer a identificação dos elementos do DAE;
- requereram que se oficie à Força Aérea Portuguesa para fornecer a posição de satélite do momento da abordagem à embarcação onde os mesmos se encontravam;
- e que, consequentemente de acordo com a informação prestada, se solicite que se averigue qual o porto e a comarca mais próxima do lugar onde ocorreu a abordagem.
Os arguidos já haviam invocado a nulidade do auto de constituição de arguidos e a falsidade do dia e hora indicados como hora da detenção, questões que foram apreciadas no despacho de pronúncia, nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos, concluindo que as questões colocadas foram já apreciadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que considerou que foi adotada toda a devida tramitação legal, nenhuma nulidade se verificando, nada mais cabendo decidir a esse respeito, em face do caso julgado.
Sem prejuízo disso, quer no que tange com a impugnação dos meios de prova juntos aos autos, cuja avaliação depende da prova a produzir nos autos, quer no que respeita às diligências de prova requeridas, cuja pertinência deve ser aferida pelos elementos que integram o coletivo de juízes que irá apreciar a prova produzida em audiência de julgamento, relega-se, na totalidade, a apreciação do invocado e peticionado pelos mencionados arguidos para momento oportuno da audiência de julgamento.
Notifique.
II. Quanto ao arguido CC veio, em contestação, além do mais, suscitar a incompetência dos tribunais portugueses, o incumprimento da cooperação judiciária em matéria penal (que no fundo se reconduz novamente à questão de as autoridades portuguesas não terem jurisdição sobre o presente caso) e a incompetência territorial do Tribunal da Comarca de Lisboa.
Sobre a incompetência dos tribunais portugueses foi já proferida decisão no despacho de 25 de julho de 2022, nada mais havendo a determinar quanto a tal.
Quanto ao incumprimento da cooperação judiciária em matéria penal trata-se de questão que se mostra apreciada na decisão instrutória (estando claramente relacionada com a invocada incompetência internacional dos tribunais portugueses), onde se deixou exposto, aquilo que aqui se reitera:
“A Lei n.º 87/2021, de 15 de Dezembro, não tem qualquer relevância para o caso, sendo desprovida de sentido a referência que pelos arguidos lhe é feita.
Para além disso, não se verifica, como já explanado, qualquer violação do disposto no n.º 3 do art. 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988.
Como já exposto e decidido, e aqui se dá por reproduzido, é patente a sem razão dos arguidos, resultando da factualidade retratada nos autos que as autoridades nacionais actuaram de acordo com os procedimentos impostos e admitidos naquele art. 17.º.
Não se verifica a violação de qualquer regra de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, apesar das invocações a tanto dirigidas por parte dos arguidos”.
Nestes termos, julga-se também improcedente o invocado “incumprimento da cooperação judiciária internacional em matéria penal”.
Relativamente à questão da incompetência territorial do Tribunal da Comarca de Lisboa, há que atentar no disposto no artigo 20.º do Código de Processo Penal, nos termos do qual:
1 - É competente para conhecer de crime cometido a bordo de navio o tribunal da área do porto português para onde o agente se dirigir ou onde ele desembarcar; e, não se dirigindo o agente para território português ou nele não desembarcando, ou fazendo parte da tripulação, o tribunal da área da matrícula. (…)
3 - Para qualquer caso não previsto nos números anteriores é competente o tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia do crime.
Como resulta claro da nossa lei processual penal, que contém norma expressa sobre os crimes cometidos a bordo de navio ou embarcação, como é o caso, o primeiro critério a atender é o do «porto português para onde o agente se dirigir ou onde ele desembarcar».
Ora, da acusação não consta a indicação de qual o porto português para onde os agentes se dirigiam ou iriam desembarcar, sendo que como já referido na decisão instrutória, a embarcação não se dirigiu ou voluntariamente foi desembarcada no Alfeite (zona de Almada), apenas para lá tendo sido dirigida por atuação das autoridades.
Seguir-se-ia a competência do tribunal da área da matrícula – caso a embarcação tivesse matrícula portuguesa –, o qual também resulta afastado, pela circunstância de a embarcação ter pavilhão espanhol e, logo, presume-se matrícula desse mesmo país.
Caímos, assim, na aplicação do critério residual do n.º 3 do citado normativo, que determina ser competente o tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia do crime, o que ocorreu na área de competência do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, como, aliás, já havia sido decidido quando a mesma questão foi colocada em sede de decisão instrutória.
Nestes termos, indefere-se o requerido pelo arguido CC quanto à incompetência territorial deste Tribunal.
Notifique (despacho de 29 de Julho de 2022, com a referência Citius .......05)”;
- o acórdão proferido em 16 de Fevereiro de 2022, no apenso C de Habeas Corpus e mencionado a páginas 97 do acórdão versa sobre a questão da falsidade da data e hora da detenção, mas também ele, na parte em que decidiu que a detenção ocorreu no dia 17 de Outubro de 2021, deveria constar da factualidade provada ou melhor da fundamentação de facto deste acórdão, nos seguintes termos:
- “os arguidos BB, AA e CC interpuseram, a 18/10/2021, providência de habeas corpus com fundamento em que foram detidos cerca da uma hora da manhã do dia 16 de Outubro de 2021, quando foram abordados no mar, mas que dos documentos que “foram obrigados a assinar” consta a detenção no dia 17, às oito horas, pelo que, à data do pedido, tinha sido excedido o prazo de entrega “ao poder judicial” de 48 horas (Apenso C).
Em 18.10.2021 foi proferido despacho que considerou a providência de habeas corpus improcedente com o seguinte teor:
«O tribunal é competente.
Os arguidos AA, BB e CC têm a legitimidade para deduzir o presente requerimento de Habeas Corpus em virtude de detenção ilegal.
Tendo-se procedido à tomada de declarações aos arguidos, pelos mesmos foi referido, de forma, no essencial coincidente, que a embarcação em que seguiam foi abordada em alto mar por uma outra embarcação, no dia 16 de Outubro de 2021, entre a 01H00 e a 01H30 da madrugada, ocasião em que os arguidos foram algemados, tendo o arguido AA e o arguido BB adiantado que, de seguida. a embarcação em que seguiam foi conduzida para junto da costa portuguesa, tendo todos os arguidos referido, de forma coincidente, que no dia 17 de Outubro foram interpelados por elementos da Polícia Judiciária.
As declarações dos arguidos apresentam-se, neste particular, em consonância com o acervo documental junto aos autos, de onde resulta que no dia 16 de Outubro pelas 02h38m (hora portuguesa), elementos do destacamento de acções especiais da Marinha Portuguesa, nas coordenadas 36 21 3N – 013 13 10W, no âmbito da convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar, de 10 de Dezembro de 1982, ao abrigo do art. 110.º, procederam à intersecção/abordagem de embarcação suspeita, tendo nessa ocasião encontrado a bordo dessa embarcação dezenas de embalagens (tipo fardo), que se encontravam em zonas comuns, na sequência do que foi accionado o convénio existente entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha (tratado entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para a repressão do tráfico ilícito de droga no mar, em conformidade com o art. 17.º, n.º 9 da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.
Apenas na sequência da realização do teste rápido, documentado nos autos a fls. 36, é que foi determinada a apreensão da embarcação, tipo veleiro, que navegava com a denominação M... (cfr. auto de apreensão de fls 68) e que os Inspectores da Polícia Judiciária procederam à detenção dos três arguidos, que, como resulta do expediente que integra fls. 107 a 114, apenas teve lugar no dia 17 de Outubro de 2021, pelas 08H00, pela que não se suscitam quaisquer dúvidas, em como, no caso vertente, a detenção dos arguidos foi efectuada por autoridade competente, e foi observado o prazo de 48 horas para apresentação dos arguidos, a que é feito a menção no art.º 254.º, n.º 1, al. a) do Cód. Processo Penal.
Não se suscitam, pelo exposto, quaisquer dúvidas quanto à legalidade da detenção de qualquer um dos três arguidos, o que se declara, considerando-se improcedente o requerimento de Habeas Corpus, em virtude de o requerimento de Habeas corpus em virtude de detenção ilegal, apresentado pelos arguidos, carecer de fundamento legal.
Termos em que se mantém a detenção dos arguidos e se determina que os mesmos sejam presentes, de imediato, para se proceder à diligência de 1.º interrogatório judicial de arguido detido.
Notifique (Auto de Audição nos termos e para o efeitos do art. 221º do CPP de 18.10.2021, com a referência Citius .......77 do apenso A).
Os arguidos CC, AA e BB, recorreram do despacho proferido em 18/10/2021, que considerou o requerimento de Habeas Corpus improcedente (despacho de admissão dos recursos de 3.12.2021, com a referência Citius .......60 do apenso A).
Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 16.02.2022, no Apenso C foi julgado improcedente o recurso do despacho que indeferiu o pedido de habeas corpus, tendo sido decidido, além do mais que (transcrição parcial):
(…) Toda a abordagem feita pelos oficiais da Marinha de guerra, no âmbito dos referidos acordos internacionais, com reporte para os Ministérios da Justiça de ambos os países, têm correspondência com o conteúdo das normas relativas ao direito de visita, a que se reporta a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar, aos deveres a que Portugal está adstrito relativamente à Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas e bem assim ao Tratado entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para a Repressão do Tráfico ilícito de Droga no Mar.
A abordagem feita ao veleiro, no dia 16/10/2022, destinou-se exclusivamente à verificação da sua identificação completa, o que quer dizer, à avaliação da legalidade da sua circulação –relativamente à qual, diga-se, foram evidenciadas violações graves, conforme do relatório elaborado se fez constar.
Só depois de entregue o barco à PJ é que se procedeu, legalmente, à detenção dos arguidos e apreensão dos objectos relativos à prática do crime. Toda esta tramitação, levada a efeito pela PJ, foi processada no dia 17 e os arguidos foram entregues ao MP para primeiro interrogatório de detidos no dia 18, dia em que foram efectivamente ouvidos e mantidos em prisão preventiva, por fortes indícios da prática de um crime de tráfico de estupefacientes.
Conforme refere o MP:
«- a Marinha não actuou como órgão de polícia criminal, mas na intercepção da embarcação, o que só ela o podia fazer, ao abrigo da legitimidade conferida pelo art.° 17° da Convenção de 1988, no âmbito, apenas, da cooperação devida à P.J e - a Polícia Judiciária efectuou as pertinentes diligências processuais penais, de investigação nos presentes autos após receber informação policial remetida pelo Maritime Anlyysis and Operations Centre - Narcotics (doravante MAOC), dando conta de um possível transporte de produto estupefaciente, por via marítima, informação que necessitava de ser confirmada.(…)
Os recorrentes foram detidos e constituídos como arguidos “no momento próprio quando a suspeita se objetivou o que só aconteceu, depois da busca e apreensão, no preciso momento em que se confirmou mediante “teste rápido, Tipo F -reagente Scott” que o produto que transportava deu positivo para cocaína, isto é, uma base indiciária segura para lhe imputar a prática de crime de tráfico de estupefacientes (art. 58.71/c, 255.71/a, CPP, art. 21.° DL 15/93).” (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 28-01-2021, 2976/19.5JAPRT.P1. SI -5a Secção.)»
Não foi, pois, cometida qualquer detenção ilegal, porque não foi ultrapassado o prazo de 48 horas para os arguidos serem presentes a autoridade judiciária para efeitos do disposto no artigo 141º/1 do CPP.
Improcede, consequentemente, o presente recurso (Ac. da Relação de Lisboa de 16 de Fevereiro de 2022, proferido no Apenso C com a referência Citius 18050574)”.
- as questões da ilegalidade da detenção e da nulidade da constituição de arguido e foram também decididas com trânsito em julgado, cuja regularidade até foi também afirmada no Ac. da Relação de Lisboa proferido em 10 de Fevereiro de 2022, no Apenso A a propósito da questão da ilegalidade da detenção dos arguidos por estes suscitada, no recurso que interpuseram da medida de coacção de prisão preventiva que lhes foi imposta, no seguinte excerto de páginas 44 e 45:
DA MANIFESTA ILEGALIDADE DA DETENÇÃO DOS ARGUIDOS.
Alegam os Recorrentes que foram violados os arts.° 141.°, n.°1 do Código de Processo Penal e o artigo 31.° da nossa Constituição, porquanto:
"Em sede de audiência de habeas corpus por detenção ilegal os arguidos ora Recorrentes declararam que foram detidos no dia 16/10/2021, pelas 02h38, dia e hora em que a embarcação em que seguiam foi abordada e que desde esse dia e hora que os mesmos foram algemados e privados da sua liberdade de acção. Porém os arguidos apenas foram interrogados pelo Juiz de instrução no dia 18/10/2021nesgotado que estava o prazo máximo de 48 horas."
A referência às declarações dos arguidos não pode ser valorada nesta sede; pois que os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a obter decisões ex novo sobre questões não colocadas ao tribunal a quo, mas sim a obter o reexame das decisões tomadas sobre pontos questionados, procurando obter o cumprimento da lei.
O tribunal superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre.
PORÉM, sempre se dirá que:
No dia 16/10/2021, pelas 02h38, os arguidos não foram detidos, como resulta da matéria fáctica, ponto n° 12: “a embarcação “S. Giro” foi abordada por elementos da Marinha de Guerra Portuguesa, no âmbito das suas competências, com a finalidade de se proceder à sua identificação completa (nome, registo e pavilhão).”
Resulta dos factos imputados - n.ºs 16 a 18 - a detenção só ocorreu após a entrada do Sr. Inspector da P.J na embarcação ocorrida dia 16/10/2021, pelas 08h00, e a realização do “teste rápido à substância existente nesses fardos", tendo o mesmo tido resultado positivo para cocaína.”
OS RECORRENTES FORAM CONSTITUÍDOS COMO ARGUIDOS «no momento próprio, quando a suspeita se objetivou o que só aconteceu, depois da busca e apreensão, no preciso momento em que se confirmou mediante "teste rápido, Tipo F - reagente Scott" que o produto que transportava deu positivo para cocaína, isto é, uma base indiciária segura para lhe imputar a prática de crime de tráfico de estupefacientes (art. 58.°/1/c, 255.°/1/a, CPP, art. 21.° DL 15/93)." - (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 28-01-2021, 2976/19.5JAPRT.PI. SI -5° Secção).
Assim, foi cumprido o prazo consignado no preceito invocado, pelo que só resta concluir que não se verifica a invocada inconstitucionalidade (art. 31º da CRP) nem violação do indicado preceito do CPP, não existindo qualquer detenção ou prisão ilegal.
Improcede também o recurso neste ponto.
- em relação à questão da incompetência internacional também concordo com o exposto a páginas 98 e seguintes do acórdão que a questão já foi decidida com trânsito em julgado, mas mais uma vez, em nome da clareza e da completude do presente acórdão, considero que deveria constar da fundamentação de facto, como facto provado, o trecho do acórdão da Relação de Lisboa, que decidiu que são competentes internacionalmente os Tribunais portugueses e que é o acórdão de 10 de Fevereiro de 2022, proferido no apenso A com a referência Citius 18029795), no seguinte segmento de páginas 46 a 50:
TERCEIRA QUESTÃO A DECIDIR
DA INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
Alegam os recorrentes que «O tribunal "a quo" considerou que o tribunal português é internacionalmente competente para conhecer dos presentes factos e que não se suscita qualquer dúvida quanto à legitimidade do procedimento levado a cabo, pelo que a abordagem efectuada à embarcação e os actos que se lhe seguiram, designadamente o seu apresamento e condução para território nacional e a apreensão do produto estupefaciente, documentada a fls. 30 a 33, não foi feita à revelia de qualquer disposição legal, nem padece de qualquer nulidade, ou de qualquer vício.
Porém resulta dos presentes autos que a embarcação em que os arguidos seguiam foi abordada na localização 36°21.3N, 013°13.10W, ou seja fora do território nacional, ao que acresce que a embarcação não tem pavilhão português motivos pelos quais não é o tribunal português o tribunal internacionalmente competente para conhecer dos presentes factos, nem se aplica aos presentes autos o disposto no artigo 49.° do Decreto-Lei n.° 15/93 de 22 de Janeiro.»
No despacho recorrido seguiu-se a jurisprudência dos Tribunais Superiores nesta matéria, designadamente, estabelecendo-se:
«1. —A Zona Económica Exclusiva não integra o território nacional, tal como tradicionalmente este é entendido.
Na ZEE, os Estados costeiros exercem soberania e jurisdição nos termos previstos na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, especialmente o n° 1 do seu art° 56°, traduzidas no direito a explorar, gerir e conservar os recursos naturais aí existentes, vivos e não vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, incluindo a exploração e aproveitamento dos recursos energéticos renováveis, a partir do vento, das ondas e das correntes marinhas.
Tratam-se, pois de jurisdição e soberania limitadas àqueles fins e por assim ser, não correspondem a soberania e jurisdição clássicas, idênticas às exercidas no solo nacional.
Mas, em caso de tráfico de estupefacientes, a lei penal portuguesa é aplicável a factos cometidos fora do território nacional, quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado pelo correspondente Estado de pavilhão a tomar as medidas previstas no artigo 17.° da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, nos termos da alínea b) do art° 49° do Dec. Lei n° 15/93 de 22.1, diploma que visou justamente adaptar a lei nacional às exigências da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, de que Portugal é parte, em consonância, de resto, com o que dispõe o n° 2 do art° 5° do Código Penal.
Em conformidade, o n° 1 e a alínea k) do n° 2 do art° 6° do Dec. Lei n° 43/2002, de 2.3, atribuem à Autoridade Marítima Nacional, dependente de órgão de soberania nacional, competência para a prevenção e repressão do narcotráfico nos espaços marítimos sob jurisdição nacional e no âmbito dos parâmetros permitidos pelo direito internacional, o que conjugado com o art° 4° do mesmo diploma torna clara a pretensão do Estado Português relativamente a tal jurisdição em relação à ZEE.
6.—Assim, em caso de crime de tráfico de estupefacientes cometido na ZEE é aplicável a lei portuguesa e são competentes os tribunais nacionais, a partir do momento em que haja autorização do Estado de bandeira." (Ac. da Relação de Lisboa de 08-06-2021, 206/18.6JELSB.L2-5).»
Ou seja, em causa está um crime de tráfico de estupefacientes e sobre a matéria rege a alínea b) do artº 49º do Dec.-Lei nº 15/93 de 22.1, segundo o qual “para efeitos do presente diploma, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional... (…) quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988”.
Como resulta claro do respectivo preâmbulo, aquele decreto-lei visou justamente adaptar a lei nacional às exigências dos tratados internacionais de que Portugal é parte. “A aprovação da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, oportunamente assinada por Portugal e ora ratificada - Resolução da Assembleia da República n.º 29/91 e Decreto do Presidente da República n.º 45/91, publicados no Diário da República, de 6 de Setembro de 1991- é a razão determinante do presente diploma.
Tal instrumento de direito internacional público visa prosseguir três objectivos fundamentais.
Em primeiro lugar, privar aqueles que se dedicam ao tráfico de estupefacientes do produto das suas actividades criminosas, suprimindo, deste modo, o seu móbil ou incentivo principal e evitando, do mesmo passo, que a utilização de fortunas ilicitamente acumuladas permita a organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as estruturas do Estado, as actividades comerciais e financeiras legítimas e a sociedade a todos os seus níveis.
Em segundo lugar, adoptar medidas adequadas ao controlo e fiscalização dos precursores, produtos químicos e solventes, substâncias utilizáveis no fabrico de estupefacientes e de psicotrópicos e que, pela facilidade de obtenção e disponibilidade no mercado corrente, têm conduzido ao aumento do fabrico clandestino de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.
Em terceiro lugar, reforçar e complementar as medidas previstas na Convenção sobre Estupefacientes de 1961, modificada pelo Protocolo de 1972, e na Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971, colmatando brechas e potenciando os meios jurídicos de cooperação internacional em matéria penal.
A transposição para o direito interno dos objectivos e regras que, num processo evolutivo, vão sendo adquiridos pela comunidade internacional mostra-se necessária ao seu funcionamento prático, acontecendo que as disposições mais significativas daquela Convenção das Nações Unidas não são exequíveis sem mediação legislativa.
Perfeitamente consonante se mostra, ainda, aquela norma do artº 49º do Dec.-Lei nº 15/93 de 22.1 com a que resulta do disposto no nº 2 do artº 5º do Código Penal, segundo o qual “a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional que o Estado Português se tenha obrigado a julgar por tratado ou convenção internacional”.
Acresce ainda o que dispõe a alínea k) do nº 2 do artº 6º do Dec.-Lei nº 43/2002, de 2.3, do qual resulta atribuição a autoridade nacional (Autoridade Marítima Nacional), dependente do orgão de soberania Governo, para “prevenção e repressão da criminalidade, nomeadamente no que concerne ao combate ao narcotráfico” por forma a “garantir o cumprimento da lei nos espaços marítimos sob jurisdição nacional, no âmbito dos parâmetros de actuação permitidos pelo direito internacional e demais legislação em vigor”, tal como resulta do nº 1 do mesmo artigo legal.
E o normativo que antecede, conjugado com o que o dispõe o artº 4º do mesmo diploma, que define quais sejam os espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional, não deixa margem para dúvidas sobre a pretensão do Estado Português relativamente a tal jurisdição, expressamente, em relação à Zona Económica Exclusiva.
E as normas gerais que a propósito da extensão das zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional e os poderes que o Estado Português nelas exerce, bem como os poderes exercidos no alto mar, são traçadas pela Lei n.º 34/2006 de 28 de Julho, em nada contendem com o que antecede.
O que conjugado com o princípio revelado pelo disposto no nº 1 do artº 6º do Código Penal (pretensão de punição criminal, ainda que a título subsidiário), implica inelutavelmente a competência jurisdicional nacional, logo dos correspondentes tribunais (neste sentido vão os acórdãos do S.T.J. - em DGSI - de 3.2.2021 – procº 99/16.8JELSB.L1.S1 – de 22.6.2011 – procº 65/11.0YFLSB.S1 – e de 5.7.2007 – procº 07P1496).
Quanto à competência interna e tal como sucedeu, foi a mesma deferida nos termos do nº 3 do artº 20º do Código de Processo Penal.
Ou seja, a lei aplicável é a portuguesa e são nacionais os tribunais competentes.
Improcedem, pois, as Motivações de recurso neste ponto;
- quanto ao recurso interlocutório do arguido AA do despacho de 22 de Setembro de 2022 (páginas 100 a 102 do acórdão):
- também considero que deveria constar da matéria de facto provada o requerimento e o despacho que sobre ele incidiu e que constitui a decisão recorrida, ou seja:
Que na sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 22 de Setembro de 2022, a Ilustre Mandatária do Arguido AA a nulidade da abordagem e subsequente busca realizada à embarcação, por violação do artº 17º nº 3 e a existência do acórdão do Tribunal Europeu da Convenção de Viena e requereu que seja determinada a conexão de processos, juntando estes autos aos que correm termos no Tribunal de Pontevedra com o nº 18/2021, propondo-se fazer a junção da documentação na próxima sessão de julgamento (acta da audiência de discussão e julgamento do dia 22 de Setembro de 2022, com a referência Citius .......50);
Que sobre esse requerimento recaiu despacho no sentido de, determinar que relativamente à primeira questão levantada pela defesa, uma vez que já foi apreciada, por decisões transitadas em julgado, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nada mais cumpre apreciar por este Tribunal, encontrando-se esgotado o poder jurisdicional quanto a tal questão (acta da audiência de discussão e julgamento do dia 22 de Setembro de 2022, com a referência Citius .......50);
E também deveria constar da fundamentação de facto do acórdão como facto provado que, sobre esta questão recaiu o acórdão da Relação de Lisboa de 10 de Fevereiro de 2022, no apenso A com a referência Citius 18029795 que confirmou a decisão que aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, na qual além do mais, se referiu o seguinte:
Para determinação do lugar da prática do facto deve atender-se ao disposto no art. 7.º do Código Penal, cujo n.º 1 estatui que “O facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no tipo de crime se tiver produzido”.
No que diz respeito à aplicabilidade da lei penal portuguesa, em razão do lugar da prática do facto, o art. 4.º do Cód. Penal assume o valor de princípio geral, consagrando o princípio da territorialidade, ao dispor:
“Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados:
a) Em território português, seja qual for a nacionalidade do agente; ou
b) A bordo de navios ou aeronaves portuguesas”.
Porém, tal regra é excepcionada nos termos do disposto no art. 49.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro (diploma que tem como objecto a definição do regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes), que estatui:
“Para efeitos do presente diploma, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional:
a) Quando praticados por estrangeiros, desde que o agente se encontre em Portugal e não seja extraditado;
b) Quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988”.
Assim, e no que ora releva, importa verificar se os factos em causa nos presentes autos podem ser considerados praticados em território nacional (i), em navio ou aeronave com pavilhão nacional (ii) ou fora do território nacional, a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988 (iii).
Desde logo importa enunciar encontrar-se o território nacional delimitado pelo art. 5.º da Constituição da República Portuguesa, nele se incluindo as águas territoriais, bem como a zona económica exclusiva, dispondo o n.º 2 desta disposição legal que “A lei define a extensão e o limite das águas territoriais, a zona económica exclusiva e os direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos”.
Da interpretação conjugada do disposto no n.º 3 do art. 2.º preambular, do art. 56.º, com a epígrafe de “Direitos, jurisdição e deveres do Estado costeiro na zona económica exclusiva”, e do art. 57.º, com a epígrafe de “Largura da zona económica exclusiva”, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 10 de Dezembro de 1982 e o Acordo Relativo à Aplicação da Parte XI da Convenção adaptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 28 de Julho de 1994, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 60-B/97, de 14 de Outubro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67-A/97, de 14 de Outubro, encontra-se reconhecido que “De acordo com as disposições da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, Portugal goza de direitos soberanos e de jurisdição sobre uma zona económica exclusiva de 200 milhas marítimas contadas desde a linha de base a partir da qual se mede a largura do mar territorial”.
No caso vertente, o local de intercepção da embarcação “GS...” ocorreu na localização 36º21.3N, 013º13.10W, ou seja, em águas não integradas na zona económica exclusiva, logo, fora de território nacional, tendo, de imediato, os elementos da Marinha de Guerra Portuguesa constatado que a bordo da embarcação se encontravam inúmeros fardos, contendo no seu interior uma substância suspeita de se tratar de produto estupefaciente, mais concretamente cocaína.
Tendo esta intercepção ocorrido fora do território nacional, a lei penal portuguesa, no que diz especialmente respeito ao tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, é, ainda assim, aplicável, nos termos do art. 49.º do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, acima transcrito.
In casu, importa atender ao art. 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n,º 29/91, de 06/09, e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 45/91, de 06/09, com a epígrafe de “Tráfico ilícito por mar”, que estatui o seguinte:
“1. As Partes cooperam o mais amplamente possível para eliminar o tráfico ilícito por mar, em conformidade com o direito internacional do mar.
(…)
4. De acordo com o n.º 3 ou com os tratados em vigor entre as Partes ou com qualquer outro acordo ou protocolo por elas celebrado, o Estado do pavilhão pode autorizar o Estado requerente a, inter alia:
a) Ter acesso ao navio;
b) Inspeccionar o navio;
c) Se se descobrirem provas de envolvimento no tráfico ilícito, adoptar medidas adequadas em relação ao navio, às pessoas e à carga que se encontrem a bordo.
(…)
9. As Partes devem considerar a possibilidade de celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou regionais com vista a dar aplicação às disposições do presente artigo ou a reforçar a sua eficácia”.
No caso vertente, os arguidos sustentam que as autoridades portuguesas, ao fazerem a abordagem da embarcação GS... em alto mar, nos termos em que o fizeram, actuaram de forma ilegítima.
No entanto, neste particular, é patente a sem razão dos arguidos, resultando da factualidade retratada nos autos que as autoridades nacionais actuaram de acordo com os procedimentos impostos e admitidos no referido art. 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, acima transcrito.
No momento em que a Marinha de Guerra Portuguesa, autoridade marítima com atribuições no âmbito da prevenção e controlo da criminalidade, designadamente, narcotráfico (a este respeito, cfr. o disposto no art. 6.º, n.ºs 1 e 2, al. k) do D.L. n.º 43/2002, de 02/03), procedeu à abordagem da embarcaçãoGS...em alto mar, estava na presença de uma embarcação que arvorava pavilhão do Reino de Espanha, tendo, por esse motivo, actuado em escrupulosa observância dos procedimentos impostos e admitidos no art. 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas e no Convénio (acordo bilateral) existente entre a República portuguesa e o reino de Espanha (Tratado entre a República Portuguesa e o reino de Espanha para a Repressão do Tráfico Ilícito de Droga no Mar), não se suscitando qualquer dúvida quanto à legitimidade do procedimento levado a cabo, pelo que a abordagem efectuada à embarcação e os actos que se lhe seguiram, designadamente o seu apresamento e condução para território nacional e a apreensão do produto estupefaciente, documentada a fls. 30 a 33, não foi feita à revelia de qualquer disposição legal, nem padece de qualquer nulidade, ou de qualquer outro vício (cfr. páginas 18 e 19 do acórdão da Relação de Lisboa de 10.02.2022, proferido no Apenso A com a referência Citius 18029795 que transcreve a decisão recorrida)”.
- na abordagem das questões de direito, discordo do seguinte:
- a páginas 102 refere-se «Tratar-se-á desde agora a impugnação da matéria de facto feita ainda pelo arguido AA, CC e BB que arguem exatamente os mesmos vícios com poucas diferenças entre si», mas logo de seguida são enunciadas todas questões suscitadas pelos três arguidos em cada um dos seu recursos interpostos do acórdão condenatório, pelo que acho que, por uma questão de clareza da exposição, melhor seria dizer que passará a tratar-se dos recursos interpostos do acórdão;
- da afirmação contida a páginas 107 de que o parecer jurídico junto pelo arguido AA « é como o próprio recorrente diz, um elemento de prova que o tribunal aprecia de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (…), porque um parecer jurídico não nem meio de prova, nem meio de obtenção de prova e nem sequer vincula o Tribunal, que nem sequer tem qualquer dever legal de se debruçar sobre ele;
- além disso, esta afirmação parece-me estar em manifesta contradição com o que se diz logo de seguida: «O parecer não contém factos, contém opinião. A opinião ainda que abalizada não faz prova»;
- da apreciação feita a páginas 108 e 109 a propósito da legalidade da busca na embarcação porque, em linha de coerência com o que foi sendo dito a propósito de questões como a da nulidade da constituição de arguidos, da detenção ilegal, ou da incompetência internacional dos tribunais portugueses, a validade da busca já havia sido apreciada, com trânsito em julgado pelo Ac. da Relação de Lisboa de 10 de Fevereiro de 2022, proferido no apenso A que confirmou a decisão de aplicação das medidas de coacção e considerou válida a busca;
- da afirmação contida a páginas 113 de que « Repetiu-se nas suas pretensões e pretendeu ultrapassar o Caso Julgado Formal já formado nos autos», em virtude de não encontrar qualquer conexão entre a exigência de indicação dos factos erradamente considerados provados e da indicação das provas concretas que determinam, necessariamente, decisão diversa da recorrida, com a pertinente argumentação relacionada com a inobservância de alguma das regras vigentes em matéria de exame e análise crítica da prova apta a ilustrar uma impossibilidade lógica, uma arbitrariedade, ou ilegalidade da decisão de facto, ou um mero impressionismo da valoração das provas sem respaldo no seu conteúdo, necessários ao sucesso da impugnação ampla e consequente alteração da matéria de facto, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 412º nºs 3, als. a) a c), 4 e 6 e 431º al. b) do CPP e o caso julgado que, nestes autos só se formou quanto às questões já apreciadas e decididas nos recursos a que se refere os acórdãos deste Tribunal da Relação proferidos nos apensos A e C;
- também discordo da apreciação da violação do princípio «in dubio pro reo» nos termos restritos em que a mesma parece defluir da fundamentação exposta a páginas 123 e 124, do acórdão pois dela parece resultar que só haverá violação do princípio em causa, como vício decisório.
(…);
- da afirmação de que «A associação criminosa dada como provada, necessariamente aponta para a co autoria que se provou», contida na página 129, bem como da afirmação de que «A coautoria está mais que evidenciada tendo em conta a associação criminosa» a páginas 138.
(…)”.
Do que vem de ser transcrito, resulta estarmos perante uma declaração de voto, que consubstancia, em determinados pontos, um voto de vencido, quanto à insuficiência da fundamentação e, por outro lado, quanto a divergências, sobre determinadas matérias, como a questão da aplicação e âmbito do princípio in dubio pro reo e quanto à questão da afirmação da co-autoria e do crime de associação criminosa.
Sem influir no sentido do decidido, como ali expressamente se afirma.
Donde, nenhuma nulidade processual, como pretende o arguido a integrar no regime das nulidades prevista no artigo 118.º CPPenal e ss.
Improcede, assim, este segmento do recurso.
4. 1. 2. 2. Recurso do arguido BB.
Diz o arguido que a decisão recorrida é nula porque vem transcrever muito do anterior acórdão anulado, a nova “decisão” do TRLx não se pronunciou sobre as questões suscitadas pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, quando foi de tal forma “contrariado” pela decisão do STJ que obrigaria a reformular a decisão proferida que não o faz, limitando-se – por isso o natural incómodo que se verifica na declaração posterior à “decisão” da veneranda desembargadora – a escrever (depois de copy past dos recursos e eventual recurso a IA) apenas, (...) nega-se provimento aos recursos interpostos, mantendo-se a decisão recorrida sem mais (…) - ou seja, não responde a nenhuma das questões suscitadas no acórdão do STJ;
- não foram apreciadas devidamente as questões de direito suscitadas, desrespeitando princípios constitucionalmente consagrados, tantos outros estatuídos no nosso ordenamento processual penal e por fim, em consideração à declaração de voto, em discordância com diversos pontos do acórdão proferido, em virtude das consequências, pela aplicação da lei, da transparência e descoberta da verdade;
- quanto à falta de fundamentação legalmente exigível no ordenamento processual penal e omissão de pronúncia:
- no acórdão recorrido não se examina criticamente as provas e as respetivas ilações dos factos apresentados, ignorando a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção;
- o acórdão recorrido não está em harmonia com o consagrado processualmente, porquanto, não cumpre com os princípios da clareza e autossuficiência das decisões judiciais;
- quanto à sua fundamentação é obscuro e inatingível, não se extraindo o sentido e alcance da argumentação apresentada, perdendo toda a sua força vinculativa;
- como consequência, poderá o douto tribunal, voltar a apreciar as questões suscitadas pelo ora arguido, porquanto perdeu-se a força vinculativa do caso julgado, porquanto toda a matéria de facto adquirida e extraída dos factos apurados, não integram, na sua plenitude, a fundamentação de facto;
- não basta a fixação dos factos provados e não provados, terá, sempre, o douto tribunal, de clarificar, apresentando a argumentação e raciocínio lógico para fundamentar as ilações retiradas do acórdão;
- deverá manter-se a utilidade, numa exposição sucinta e fundamentada, quanto aos depoimentos das testemunhas no processo em apreço - não se compreendendo, à luz dos princípios processuais penais, a concretização do depoimento do Inspetor da Polícia Judiciária DD, para a fundamentação de facto apresentada, assim como das Inspetoras da Polícia Judiciária EE e FF;
- o dever de fundamentação das decisões judiciais que não se limitam a regular, de harmonia com a lei, os termos e andamento do processo, prende-se intimamente com a necessidade de credibilização dos actos decisórios perante a coletividade, impedindo que assentem em critérios puramente discricionários;
- é evidente que o acórdão recorrido omite decisões judiciais relevantes e atos importantíssimos praticados pelos ora arguidos, tanto quanto à aplicação da medida de coação, como pela detenção ilegal, nulidade da constituição de arguidos, falsidade da detenção, incompetência internacional dos tribunais portugueses, incompetência territorial do juízo central criminal de lisboa, nulidade da abordagem e da respetiva busca à embarcação, em sua defesa, cabal e efetiva, na fundamentação de facto, afastando os princípios primordiais do direito;
- deve, assim, ser declarada a irregularidade e a nulidade do acórdão recorrido, porquanto a lei adjetiva penal consagrou o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o ato ilegal é irregular, artigo 118.º/1 e 2 CPPenal;
- com a declaração de nulidade do acórdão datado de 28 de junho de 2023, o douto Supremo Tribunal de Justiça, ordenou a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, para que se conheça das questões suscitadas e omitida, nomeadamente, da validade da prova pericial aos telefones e telemóveis, da incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Lisboa e do não preenchimento dos pressupostos da co-autoria, bem como do crime de associação criminosa;
- contudo, pelo acórdão recorrido a Relação de Lisboa continuou sem se pronunciar sobre as questões suscitadas e que estava obrigado, em obediência ao ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça – o que constitui uma violação ao dever de obediência aos tribunais superiores consagrado no artigo 4.º/1 da Lei 62/2013 – pelo que, nestes termos, também deverá ser declarada a nulidade resultante de omissão de pronúncia;
- omissão de pronúncia que traduz na ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias relativamente às quais a lei impõe que tome posição expressa, ou seja, sobre as questões que os sujeitos processuais lhe submetem e aquelas de que deve conhecer oficiosamente - entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes na defesa das teses em presença (pelo que só em relação àquelas e não a estes se pode colocar a possibilidade de o tribunal ter omitido pronúncia).
De assinalar a pessoal percepção do arguido do incómodo na elaboração do acórdão, por se ter afirmado, “depois de copy paste dos recursos e eventual recurso a IA”, apenas, que se nega provimento aos recursos, mantendo-se a decisão recorrida, sem mais.
Curiosa e peculiar esta leitura e interpretação do arguido, sem dúvida. Da afirmação da improcedência dos recursos conclui pelo incómodo de quem sobre eles se teve de pronunciar – ainda que com eventual recurso a IA...
Afirmação gratuita, como de resto, a esmagadora maioria das razões afirmadas ao longo do recurso, seguramente que sem o recurso a IA, no caso concreto, como resulta evidente do facto de o arguido entender que,
- no acórdão recorrido não se examina criticamente as provas e as respetivas ilações dos factos apresentados, ignorando a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção;
- o acórdão recorrido não está em harmonia com o consagrado processualmente, porquanto, não cumpre com os princípios da clareza e autossuficiência das decisões judiciais;
- quanto à sua fundamentação é obscuro e inatingível, não se extraindo o sentido e alcance da argumentação apresentada, perdendo toda a sua força vinculativa;
- como consequência, poderá o douto tribunal, voltar a apreciar as questões suscitadas pelo ora arguido, porquanto perdeu-se a força vinculativa do caso julgado, porquanto toda a matéria de facto adquirida e extraída dos factos apurados, não integram, na sua plenitude, a fundamentação de facto;
- não basta a fixação dos factos provados e não provados, terá, sempre, o douto tribunal, de clarificar, apresentando a argumentação e raciocínio lógico para fundamentar as ilações retiradas do acórdão.
Como o arguido começa, desde logo, por afirmar, o que entende é que não foram apreciadas devidamente as questões de direito suscitadas, desrespeitando princípios constitucionalmente consagrados, tantos outros estatuídos no nosso ordenamento processual penal e por fim, em consideração à declaração de voto, em discordância com diversos pontos do acórdão proferido, em virtude das consequências, pela aplicação da lei, da transparência e descoberta da verdade.
O que tanto basta, como se disse já a propósito do recurso do arguido AA, para concluir pela não verificação da nulidade por omissão de pronúncia.
O arguido afinal entende é que a resposta dada ao recurso não foi a devida. Não, que não foi dada resposta.
O que, como vimos já faz toda a diferença, em termos de instituto processual pertinente e adequado para reagir.
E, assim, não existe, manifestamente, qualquer omissão de pronúncia.
Apenas e, tão, só, divergência entre as razões invocadas pelo arguido e o sentido do decidido - que as não acolheu.
Depois, em concreto, começa o arguido por suscitar a nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia quanto às questões assinaladas no anterior acórdão deste Supremo Tribunal.
Questão supra abordada aquando do conhecimento do recurso do arguido AA e para aí remetemos.
Requer o arguido que seja declarada a irregularidade e a nulidade do acórdão proferido.
Para o que alinha o seguinte raciocínio:
- o acórdão proferido não se examina criticamente as provas e as respetivas ilações dos factos apresentados, ignorando a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção,
- o acórdão proferido não está em harmonia com o consagrado processualmente, porquanto, não cumpre com os princípios da clareza e autossuficiência das decisões judiciais,
- todo o acórdão quanto à sua fundamentação se encontra obscuro e inatingível, não se extraí o sentido e alcance da argumentação apresentada, perdendo toda a sua força vinculativa,
- como consequência, poderá o douto tribunal, voltar a apreciar as questões suscitadas pelo ora arguido, porquanto perdeu-se a força vinculativa do caso julgado, porquanto toda a matéria de facto adquirida e extraída dos factos apurados, não integram, na sua plenitude, a fundamentação de facto,
- para além de que não basta a fixação dos factos provados e não provados, terá, sempre, o douto tribunal, de clarificar, apresentando a argumentação e raciocínio lógico para fundamentar as ilações retiradas do acórdão,
- deverá manter-se a utilidade, numa exposição sucinta e fundamentada, quanto aos depoimentos das testemunhas no processo em apreço - não se compreendendo, à luz dos princípios processuais penais, a concretização do depoimento do Inspetor da Polícia Judiciária DD, para a fundamentação de facto apresentada, assim como das Inspetoras da Polícia Judiciária EE e FF,
- o dever de fundamentação das decisões judiciais que não se limitam a regular, de harmonia com a lei, os termos e andamento do processo, prende-se intimamente com a necessidade de credibilização dos actos decisórios perante a coletividade, impedindo que assentem em critérios puramente discricionários,
- resultando evidente, que o acórdão proferido, omite decisões judiciais relevantes e atos importantíssimos praticados pelos ora arguidos, tanto quanto à aplicação da medida de coação, como pela detenção ilegal, nulidade da constituição de arguidos, falsidade da detenção, incompetência internacional dos tribunais portugueses, incompetência territorial do juízo central criminal de lisboa, nulidade da abordagem e da respetiva busca à embarcação, em sua defesa, cabal e efetiva, na fundamentação de facto, afastando os princípios primordiais do direito,
- a lei adjetiva penal consagrou o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o ato ilegal é irregular, artigo 118.º/1 e 2 CPPenal.
Igualmente aqui remetemos para o que supra se disse a propósito do brocardo latino, segundo o qual das nulidades e ou irregularidades processuais se reclama e dos despachos, das sentenças e dos acórdãos recorre-se.
Diz mais o arguido que na sequência do acórdão deste Supremo Tribunal de 29.1.2025 se verificou à luz do ordenamento jurídico vigente, a inexistência de qualquer suporte normativo válido que possa legitimar a continuidade da medida de coação de prisão preventiva aplicada ao arguido, o que determina a carência absoluta de fundamento legal para a manutenção da sua privação da liberdade, a consubstanciar, assim, uma situação de excesso de prisão preventiva e detenção ilegal.
Curioso este entendimento – que porventura terá estado na base da providência de habeas corpus que o arguido AA intentou a 21.3.2025 e, que foi indeferida, por acórdão de 27.3.2025.
Questão, de qualquer forma, aqui absolutamente estranha, como parece, medianamente evidente.
Também a questão da alegada violação do dever de obediência aos tribunais superiores consagrado no artigo 4.º/1 da Lei 62/2013 foi já abordada e decidida e, por isso para aí remetemos.
Sobre o entendimento do arguido de que a nulidade por omissão de pronúncia se traduz na ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias relativamente às quais a lei impõe que tome posição expressa, remetemos também par o que supra se disse a este propósito no confronto entre total falta de pronúncia com insuficiente, ou deficiente pronúncia – que pressupõe que, afinal, existe.
É evidente que a decisão recorrida sobre as questões enunciadas anteriormente por este Supremo tribunal não se limitou, como diz o arguido, a simples argumentos, opiniões ou doutrinas ou a remetendo para a decisão da 1.ª instância.
Também, a questão da omissão de pronúncia quanto à impugnação da matéria e facto foi já abordada e decidida supre, donde, igualmente, para aí se remete.
Depois invoca o arguido a nulidade da decisão recorrida, por incorrecta apreciação da prova, afirmando que existiu uma apreciação incorreta dos factos assentes e não assentes, considerados como provados, designadamente estes últimos, com relevância para a descoberta da verdade - que a ser feita de uma forma correta impunha uma decisão diferente daquela que foi proferida, designadamente quanto ao crime de associação criminosa, defendendo que nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 379.º CPPenal, por não conter todas as menções referidas no n.º 2 do artigo 374.º CPPenal, do n.º 2 do artigo 120.º, ex vi artigo 340.º/1 CPPenal, resulta inequivocamente erro na apreciação da prova, conforme o disposto no artigo 410.º/2 alínea c) CPPenal.
Salvo a manifesta confusão de conceitos e de realidades jurídico-processuais, errada apreciação da prova, vício da decisão, nulidades processuais e nulidades da sentença, tudo misturado a abarcar uma mesma realidade, cremos bem que nenhuma delas se enquadra, por definição, no invocado vício da decisão.
Com efeito não se vislumbra o que falta de entre os requisitos que deve conter o acórdão, de entre os previstos no n.º 2 do artigo 374.º CPPenal.
A não ser, mais uma vez, a evidente razão de irresignação do arguido – a sua discordância para com o que vem decidido.
A questão da alegada omissão de pronúncia sobre o parecer e sobre o protesto resulta já abordada e apreciada supra, para onde, também, aqui se remete.
Depois, surge a alegação da violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, imposto pelos artigos 32.º/1 e 5 e 202.º/1 da Constituição, como fundamento para a nulidade da decisão recorrida, bem como a violação do direito ao exercício do contraditório, ao não ser facultado à defesa o acesso à imediação e à oralidade da prova em julgamento, com base na violação do artigo 61.º/1 alínea a), 327.º/2, 355.º e 361.º/1 e 2 CPPenal.
Como vem de ser dito nunca a violação de normas legais ou constitucionais importa a nulidade da sentença, nem no caso se evidencia que o acórdão que recai sobre um recurso da sentença condenatória possa ter violado o acesso á imediação e à oralidade da prova.
Ainda que sob a capa de omissão de pronúncia sobre as nulidades invocadas pela defesa.
E, assim, se remete, também, aqui para o já referido supra sobre tal questão.
Depois sobre a abordagem do barco, diz o arguido que no caso não existiu autorização judicial por parte das autoridades portuguesas, nem houve um pedido do estado de bandeira do navio, pelo que a abordagem e embarque é nula, invocando, assim, a violação dos artigos 24.º, 127.º e 340.º CPPenal, bem como, do princípio in dubio pro reo.
A propósito do arguido BB da mera leitura do acórdão recorrido resulta, de forma assaz manifesta, não se verificar o invocado vício da omissão de pronúncia, a que se alude no artigo 379.º/1 alínea c), aqui aplicável por via do artigo 425.º CPCivil.
Com efeito, é pacífico o entendimento de que se verifica omissão de pronúncia sempre que o tribunal não respeita os seus poderes/deveres de cognição e ponderação, omitindo pronunciar-se sobre aspetos que devia.
A omissão de pronúncia significa, essencialmente, a ausência de tomada de posição ou decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa.
A pronuncia - cuja omissão determina a nulidade da sentença – deve incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegados.
São questões que o tribunal tem que apreciar todas aquelas que as partes tenham submetido à apreciação do tribunal (…) para além das de conhecimento oficioso (…) daquelas que o tribunal tem o dever de conhecer independentemente de alegação (…) quer elas digam respeito à relação processual, quer à relação material controvertida.
E, assim, não existe fundamento para este segmento do recurso, atinente com a nulidade por omissão de pronúncia.
Com efeito, a decisão recorrida tomou posição sobre todas as questões submetidas à sua apreciação.
E a não referência ao parecer junto e ao protesto, apenas significam isso mesmo. Que o Tribunal não entendeu que sobre tais questões se tivesse que pronunciar.
O Tribunal na análise das questões submetidas não tem que se pronunciar sobre tudo o que o arguido alega. Sobre todos os argumentos e razões aduzidos.
O protesto, vale por si mesmo. Sem qualquer consequência em sede de acórdão.
E o parecer jurídico, da mesma forma, vale o que vale. Como a Doutrina que foi citada ou a Jurisprudência, que apesar de invocada não foi atendida. Constituem meros argumentos a demonstrar a validade da questão suscitada.
E, aqui, repete-se - porque, as questões suscitadas são elas mesmo a repetição, quase ipsis verbis, do que diz o arguido AA (este em duas ocasiões distintas) o que se disse a este propósito no acórdão de 21.5.2025:
“A verdade é que a pronúncia não foi ao encontro da pretensão do arguido, não tendo eles deixado de demonstrar a sua discordância para com o sentido do decidido.
O que constitui realidade processual diversa da nulidade por omissão de pronúncia.
Expediente, processual, impugnação por via de recurso, de que o arguido lançou mão.
Isto é pretendendo, afinal, a modificação do sentido da decisão, fazendo-o através da invocação de nulidades que, a existirem, implicariam não a revogação do decidido mas a sua anulação, para serem sanadas, eventuais omissões.
Com efeito, a discordância com o sentido do decidido, desde logo, até por manifesta e inerente impossibilidade lógica, não é susceptível de preencher a causa de nulidade por omissão de pronúncia.
Por definição e pela própria natureza das coisas, se existe omissão de pronúncia nunca poderá existir motivo para discordância com o sentido do decidido.
Esta pressupõe a pronúncia e, apenas e, tão só, será susceptível de traduzir – o que não se vislumbra, ainda assim – um errado julgamento, uma errada interpretação e aplicação da lei.
Mas nunca nulidade por omissão de pronúncia”.
Improcede, pois, este segmento do recurso.
4. 3. A subsunção dos factos ao Direito.
4. 3. 1. Os fundamentos da decisão recorrida.
“Do preenchimento do crime de associação criminosa
Entende o recorrente que não se verifica o preenchimento do ilícito em causa pelo qual foi acusado, julgado e condenado relativo á associação criminosa assim como entende que não há co-autoria.
Ora provado ficou que:
- Facto nº 1 da matéria de facto provada:
“Os arguidos, actuando de forma concertada com outros indivíduos não identificados, integram um grupo organizado, que se dedica à aquisição, transporte e venda de cocaína da América do Sul para a Europa, por via marítima”;
- Facto nº 12 da matéria de facto provada:
“Os arguidos agiram em conjugação de vontades e esforços entre si e com terceiros não identificados, no âmbito de uma organização destinada à operação de comercialização de cocaína, aceitando colaborar nos termos supra referidos, sabendo que tal produto se destinava à venda a terceiros, a troco de quantias monetárias”.
Mais á frente, no capítulo denominado “3. Motivação da Matéria de Facto”, refere-se no Acórdão:
“No que se refere ao facto de os arguidos terem actuado no âmbito de um grupo organizado, com vista ao transporte e venda de cocaína, tal resulta de forma inequívoca do que já supra se referiu, quanto ao percurso realizado pelos arguidos e à combinação subjacente ao mesmo [recolha e entrega de cocaína no meio do mar, em pontos pré-determinados] conjugado com o teor das chamadas realizadas, mensagens recebidas e enviadas através do telefone satélite analisado a fls. 1134 a 1137 e cuja tradução consta do processo electrónico sob a ref.ª ......30, de 17.11.202
+.
Com efeito, daqui resulta que os arguidos se mantinham em contacto com indivíduos que se encontravam em terra, a quem pediam e davam informações, em termos previamente combinados, os quais, por sua vez, transmitiam as mensagens que recebiam do “patrão”.
Evidente se torna, pois, que os arguidos atuaram integrados numa organização mais ampla e estável, formada por número não apurado de membros, mas seguramente mais de dois, funcionando numa estrutura hierárquica - como bem revela a alusão à existência do ” - organizado em função de uma determinada atividade ilícita, no caso, a recolha e entrega de 55.325.211,1g de cocaína, com um grau de pureza entre os 83,4 e os 89,7%, quantidade e qualidade de estupefaciente, só por si é demonstrativa do poderio económico subjacente a tal organização”.
O tribunal a quo fez uma extensa análise do tema da Associação Criminosa, nos seguintes termos.
“Nos termos desta norma penal, incorre em responsabilidade criminal quem prestar colaboração, direta ou indireta, aderir ou apoiar o grupo, organização ou associação referidos no número anterior. Por sua vez, neste número anterior (n.º 1 do mesmo artigo), pune-se quem promover, fundar ou financiar grupo, organização ou associação de duas ou mais pessoas que, atuando concertadamente, vise praticar algum dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º.
Dispensamo-nos de repetir aqui tudo o que o tribunal a quo muito bem fundamentou em termos jurídicos optando por uma noção mais abrangente de associação criminosa e concluindo que os factos apurados os factos apurados e descritos permitem afirmar, de forma evidente, que estes elementos se verificam quanto ao aludido grupo de indivíduos, vocacionado para a realização de transportes de droga e ajustando-se, de forma concertada e estável, para alcançar essa finalidade.
Após, confronta-a com a matéria de facto apurada e considera que se verifica nos autos, sem qualquer sombra de dúvida.
Tendo em consideração a matéria de facto que deu como provada e a conceção adotada, o Tribunal teria que concluir, como o fez, pela existência de uma Associação Criminosa.
E na verdade existe claramente um concerto de vontades entre os diversos indivíduos que navegavam no veleiro e transportavam a cocaína impossível de ser ocultada ou disfarçada.
Cada um deles actuou no seu próprio interesse e concertadamente com os demais elementos, tendo em vista um projeto que era comum. Quando promove, funda, faz parte, apoia, chefia ou dirige uma associação, não está a agir em representação de qualquer entidade, mas em nome próprio. Nem está a agir tendo em vista uma finalidade que não seja sua.
Ora, os Arguidos “actuando de forma concertada com outros indivíduos não identificados, integram um grupo organizado”.
Provou-se que os arguidos, actuar de forma concertada com outros indivíduos não identificados, integram um grupo organizado, que se dedicava à aquisição, transporte e venda de cocaína da América do Sul para a Europa, por via marítima utilizando o veleiro de nomeGS...", do tipo "sloop" de pavilhão espanhol.
De Espanha até determinado lugar na costa da América do sul transportaram183 sacos contendo cocaína, até às proximidades da Península Ibérica, com o propósito de os entregarem a terceiros pertencentes àquela organização.
Na embarcação "GS...", seguiam os arguidos BB, AA e CC arvorava uma bandeira dos Países Baixos e uma placa aparafusada com o nome de "M...", que não correspondia à documentação da mesma.
Há que ter principalmente em conta as quantidades transportadas que eram significativas e demonstram só por isso a capacidade de organização para a qual trabalhavam e com a qual trabalhavam
Na verdade
975 placas de cocaína com o peso líquido de 995493,134 gramas e um grau de pureza de 89,7%.
1350 placas de cocaína com o peso líquido de 1372070,219 gramas, e um grau de pureza de 87,6%.
725 placas de cocaína como peso líquido de 737925,343 gramas, um grau de pureza de 83,2%.
725 placas de cocaína com o peso líquido de 744672,750 gramas, com um grau de pureza de 88,6%.
75 placas de cocaína com o peso líquido de 75897,454 gramas, e um grau de pureza de 89,7%.
75 placas de cocaína com o peso líquido de 73104,806 gramas, e um grau de pureza de 92,3%.
50 placas de cocaína com o peso líquido de 50709,204 gramas, e um grau de pureza de 83,4%.
600 placas de cocaína com o peso líquido de 616843,377 gramas, e um grau de pureza de 84,6%, sendo que alguns se encontravam dissimulados nos compartimentos da popa da embarcação e outros distribuídos/espalhados pelo chão da cozinha, da sala de jantar e da sala de convívio, cujo acesso era efetuado pela zona comum do veleiro.
Muito sucintamente e em resumo: os Arguidos transportavam, num veleiro, cinco- 5 Toneladas de Cocaína. Estamos perante Tráfico Intercontinental e perante um flagrante delito. Não como fugir.
Como negar as evidências?!
Tais quantidades demonstram à exaustão que os arguidos trabalhavam de forma organizada com quem lhe podia fornecer tanta quantidade de estupefaciente e lhe permitia ou canalizava o transporte dum barco como o que foi apreendido nos autos o que demonstra claramente a associação criminosa.
Para além disso o tribunal a quo fundamenta com detalhe a sua convicção para o preenchimento do tipo ou seja, os motivos por que deu como provados os factos acima referidos, que consubstanciam o crime de Associação Criminosa.
Para tanto, destacam-se as seguintes expressões que utiliza:
“O percurso realizado”;
“A combinação subjacente ao mesmo [recolha e entrega de cocaína no meio do mar, em pontos pré-determinados]”;
“O teor das chamadas realizadas”;
“O teor das mensagens recebidas através do telefone satélite”;
“O teor das mensagens enviadas através do telefone satélite”;
“O contacto que os arguidos mantinham com indivíduos que se encontravam em terra”;
“As informações que prestavam e solicitavam, em termos previamente combinados”;
“As mensagens que recebiam dessas pessoas, com menções frequentes ao «patrão»”;
“A estrutura hierárquica em que se integravam”;
“A circunstância de fazerem parte de uma entidade organizada em torno de uma actividade ilícita, mais precisamente, a recolha e entrega de 55.325.211,1g de cocaína” quase 6 toneladas;
“A quantidade e qualidade de estupefaciente, que é bem demonstrativa do poderio económico subjacente a tal organização”.
Importa, igualmente, não perder de vista duas realidades apreciadas, que respeitam à enorme quantidade, grau de pureza e qualidade do produto estupefaciente apreendido, que os Arguidos, ao longo das respectivas Motivações de Recurso, ignoram olimpicamente.
Pergunta-se de novo como resposta:
Como negar as evidências?
Os factos, quer os provados, quer os não provados, não estão mal fixados nem a decisão viola o princípio basilar do nosso ordenamento jurídico - in dubio pro reo.
Quanto à co autoria há que esclarecer que.
A co-autoria pressupõe um elemento subjectivo - o acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica, e um elemento objectivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte directa na execução.
A execução conjunta, neste sentido, não exige que todos os agentes intervenham em todos os actos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina.
Tal como o autor deve ter o domínio funcional do facto, também o co-autor tem que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo, e que, na execução desse acordo, se dispôs a levar a cabo. O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à realização desse objectivo.
Todo o envolvimento isolado no mar, dentro de um barco, com o estupefaciente entregue aos 3 arguidos, aponta para a co -autoria como a definiu o tribunal a quo e a entendemos nós
A associação criminosa dada como provada, necessariamente aponta para a co-autoria que se provou”.
(…)
Vejamos o recurso do arguido CC:
Improcede (…) a questão do não preenchimento do crime de associação criminosa já tratado no recurso anterior, improcedendo também pelas razões apontadas a questão relativa á pena e á impossibilidade de absolvição.
Não terminamos sem perguntar se “integra um grupo organizado”, por outro, dá como assente que o mesmo aceitou “colaborar” com uma organização que se dedica à comercialização de cocaína, será um circunstancialismo tão diferenciado que gere contradição e perguntaríamos como o MP:
Perguntar-se-á, uma pessoa que integra um grupo, não aceita colaborar com esse grupo ?
Uma pessoa que aceita colaborar com um grupo organizado não faz parte do grupo em causa ?
Será um “integrante” mais importante que um “colaborador” ? Ou vice-versa ?
Presidirá ao pensamento do Arguido CC que um colaborador é um “freelancer” que resolveu, discretamente, transportar cinco toneladas de cocaína e não está inserido numa qualquer organização ?
Não há obviamente qualquer contradição entre a fundamentação e a factualidade apurada ou dada como provada.
Improcede pois o recurso na totalidade.
No que concerne à questão de não preenchimento do tipo, no que toca ao crime de associação criminosa, remetemos para o que deixámos exposto relativamente ao arguido AA, que aqui damos por transcrito, por plenamente aplicável.
(…) BB
Todas as restantes questões de preenchimento do crime de associação criminosa , do não preenchimento do princípio in dubio pro reo resulta cristalino que os factos descritos, dados como provados e realmente com grande relevo para a decisão em causa, são essenciais à descoberta da verdade e do preenchimento do crime de associação criminosa;
O improviso que o arguido refere estava de tal forma bem organizado que arriscaram transportar quase 6 toneladas de cocaína com grau de pureza elevado.
Também a questão do in dubio já foi tratada e afastada.
O acórdão recorrido, ao proceder ao exame critico da prova produzida – na sua fundamentação de facto e de direito – analisou todos os pressupostos que permitiram tipificar a matéria fáctica dada como provada, com obediência ao art. 374.º, n.º 2 do C.P.P. e em consonância com o princípio da livre apreciação da prova, enunciado no art.° 127.º do mesmo diploma legal, resultando com clareza da motivação da decisão de facto quanto aos factos considerados provados e não provados.
E o raciocínio no mesmo plasmado revela-se perfeito e percetível para qualquer destinatário normal e médio, que é o suposto ser querido pela ordem jurídica”.
A este propósito, transcrevemos, ainda, o essencial do voto de vencido:
“Discordo.
Da afirmação de que «A associação criminosa dada como provada, necessariamente aponta para a co autoria que se provou», contida na página 129, bem como da afirmação de que «A coautoria está mais que evidenciada tendo em conta a associação criminosa» a páginas 138.
Isto, porque, no meu modo de ver, o que determina a comparticipação de todos os três arguidos em coautoria, no que se refere à execução dos actos típicos de tráfico encontram-se descritos nos pontos 1 a 5 e 11 e 12 da matéria de facto provada dos quais resulta como refere o acórdão recorrido com todo o acerto « Na verdade, os arguidos gizaram um plano, que executaram em conjunto [entre si e com terceiros não identificados], de transportar cocaína, praticando cada um dos arguidos, no quadro do acordo (ou da vontade de colaboração recíproca), tarefas essenciais para a execução do facto, sendo certo que actuaram de forma livre, deliberada e consciente.»
Por conseguinte, não é por todos os arguidos fazerem parte de uma mesma organização criminosa que são co-autores do crime de tráfico de estupefacientes.
São co-autores do crime de tráfico de estupefacientes porque realizaram uma transporte transfronteiriço de quase seis toneladas de cocaína agindo de forma conjunta e em execução de um plano de actuação criminosa gizado entre todos, tal como ilustrado nos factos provados 2, 3, 5, 11, 12 e 15, sendo que deles resulta também que qualquer dos três arguidos tinha o domínio funcional do facto quanto ao se e ao como da realização típica, tanto na perspectiva do domínio positivo do facto (a capacidade de o fazer prosseguir até à consumação), como do domínio negativo do facto (a capacidade de o fazer gorar) (cfr. Jescheck e Weigend, Tratado de Derecho Penal – Parte General, trad. da 5ª edição de 1996, p. 791-792, Roxin, Problemas Fundamentais de Direito Penal, p. 145, ss )”.
4. 3. 2. A isto que contrapõem os arguidos?
Entende o arguido AA que os arguidos não devem ser condenados por co-autoria pois não estão preenchidos os pressupostos do estatuído no artigo 26.º CPenal.
Para o que alinha o seguinte raciocínio:
- da matéria de facto provada não existe um único facto que permita condenar o arguido pela prática de um crime de associação criminosa, com o desenho típico que lhe empresta o artigo 28.º da Lei da Droga ou o artigo 299.º do Código Penal;
- resulta da matéria provada não se poder sustentar que provou a existência de uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros;
- não se demonstrou que o arguidos tivessem uma realidade autónoma diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros, pois, cada um terá aceitado participar no seu único e exclusivo interesse, sem qualquer aderência a uma realidade autónoma, diferente e superior às suas próprias vontades e interesses;
- cada um dos arguidos terá “trabalhado” no seu exclusivo interesse;
- os factos provados não preenchem, a nenhum título, a factualidade típica do crime de associação criminosa, tanto do lado do tipo objetivo, como do lado do tipo subjetivo (dolo-do tipo);
- verifica-se uma ausência total e insuprível de factos subjectivos correspondentes aos elementos cognitivo e volitivo do dolo-do-tipo do crime de associação criminosa;
- o não preenchimento do tipo objectivo é patente e insofismável a seguir-se a doutrina dominante por falta de uma realidade transcendente aos membros individuais, persistente e subsistente como centro autónomo de motivação e de imputação das ações dos membros individuais e da falta do indispensável do sentimento de pertença pro parte dos arguidos, que nunca agiram em obediência às normas e à “subcultura” da alegada organização, nem se moveram em nome das suas estratégias e interesses;
- não se verificando ao nível da factualidade típica as exigências de uma estrutura organizacional supra-individual e duradoura;
- a decisão recorrida não afirmou, nem sustentou o insuprível juízo de culpa, isto é não qualificou a conduta dos arguidos como culpa;
- a falta duma categoria nuclear da infracção criminal (culpa) afasta de forma definitiva e inultrapassável a condenação dos arguidos;
- a ausência de culpa e o não preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo impõem a sua absolvição.
Por seu lado defende, também, o arguido BB a inexistência dos pressupostos do crime de associação criminosa.
Isto porque,
- não se encontram preenchidos os elementos necessários para o crime da associação criminosa, designadamente, o elemento organizativo; o elemento de estabilidade associativa e o elemento da finalidade criminosa;
- nunca impulsionou ou desenvolveu qualquer atividade adequada a criar uma associação criminosa, bem como nunca fundou ou se encontrou subordinado à uma vontade coletiva com finalidades criminosas;
- agiu de modo antagónico, tendo somente aceitado um trabalho com um objetivo individual, garantir a sua subsistência e qualidade de vida básica – ter um tecto, água, alimentação e ganhar um bom salário por tal serviço;
- resulta cristalino que os factos descritos, dados como não provados e realmente com grande relevo para a decisão em causa, são essenciais à descoberta da verdade e da não aplicação do crime de associação criminosa;
- não resulta provado que existisse uma estrutura humana, estável e hierarquizada, considerando que não se provou a finalidade do tipo de crime aplicado, a introdução e comercialização do produto estupefaciente;
- não existiu qualquer distinção de tarefas, de responsabilidades e sobretudo de ganhos, porquanto não existiu qualquer tipo de comunicação entre o arguido e alegados contactos necessários à comercialização do produto estupefaciente;
- a actuação nunca passou pela coordenação e concertação, muito pelo contrário, foi tudo com base em improviso e pura sobrevivência;
- nunca agiram como sócios ou parceiros com objetivo comum - sempre agiram como desconhecidos, com objetivos individuais face às necessidades da sua vida privada;
O arguido realizou-o por um fim individual e no seu interesse mais puro enquanto pessoa singular, nunca se propondo a viver ou a actuar num programa criminoso;
- nunca agindo em cooperação ou concertação com outras pessoas, nem devendo disciplina e hierarquia;
- o único objetivo que o mesmo teria seria sair vivo da situação em que o colocaram e infelizmente com o nível de pobreza apresentado e necessidade se colocou.
Finalmente defende o arguido CC que não se verificam os elementos objectivos e subjectivos típicos do crime de associação criminosa previsto e punido pelo artigo 28.º/1 e 2 do Decreto Lei 15/93.
Isto porque entende que,
- dos factos provados não é possível retirar tal conclusão;
- os factos provados que enquadram a sua condenação pela prática do crime de associação criminosa são conclusivos, não sendo feita qualquer referência a factos concretos específicos;
- o crime de associação criminosa exige a congregação de três elementos essenciais: um elemento organizativo, um elemento de estabilidade associativa e um elemento de finalidade criminosa;
- para a existência do crime de associação criminosa para a prática de actividades de tráfico de droga, devem existir uma pluralidade de indivíduos, com o mínimo de estrutura organizatória e com um sentimento comum de ligação dos seus membros a um qualquer processo de formação da vontade colectiva;
- verifica-se este crime quando duas ou mais pessoas decidiram criar uma estrutura de carácter permanente, organizada e estável, com vista a dedicar-se ao crime de tráfico de droga ou para a prática de branqueamento de bens e capitais provenientes do tráfico, e a existência de um qualquer processo de formação de vontade colectiva;
- tal não ocorre no caso concreto dos presentes autos pois, quanto muito, entre os arguidos existia uma conjugação de esforços e vontades, com vista à prossecução de um fim comum – o transporte e desembarque de droga;
- quando muito, estamos apenas em presença da mera comparticipação criminosa, pois a actuação dos arguidos visaria apenas a obtenção de lucro pessoal;
- para que exista o crime de associação criminosa para a prática de actividades de tráfico de droga, devem existir uma pluralidade de indivíduos, com o mínimo de estrutura organizatória e com um sentimento comum de ligação dos seus membros a um qualquer processo de formação da vontade colectiva;
- não se pode falar de associação criminosa quando os agentes se propõem praticar e praticam quaisquer infracções em nome e no interesse próprio, mesmo que para o efeito tenham que recorrer à colaboração mais ou menos organizada, mais ou menos duradora de outras pessoas - em tal caso, deverá ser no contexto da doutrina geral, nos termos do regime da comparticipação que há-de aferir-se da responsabilidade individual dos intervenientes singulares;
- no caso dos autos não está demonstrada a existência de uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses de cada um dos arguidos, nem a existência efectiva duma estrutura organizativa minimamente hierarquizada e estável;
- no limite, os arguidos agiram segundo os seus próprios interesses e não segundo um interesse superior de qualquer organização.
Desde logo, uma primeira dificuldade decorrente do modo como os arguidos estruturam este segmento do recurso surge com a circunstância de estar em causa um momento processual atinente à prova dos factos, sendo que questionam uma norma retirada de um preceito legal de natureza marcadamente substantiva ou material.
Não obstante o aparente desencontro normativo, sempre se poderá afirmar que a decisão recorrida, com base nos factos provados, acolheu a interpretação de que os arguidos discordam, reportada ao preenchimento do tipo legal do artigo 28.º/2 do Decreto Lei 15/93.
De todo o modo, ao analisar a questão, não poderá o Tribunal deixar de considerar, em primeira linha, os factos tidos como definitivamente fixados na decisão recorrida. Ou dito de outra maneira, a factualidade dada como provada, por definição, é a única que pode ser atendida, para se efectuar a qualificação jurídico-penal, para a operação de subsunção dos factos ao Direito.
Vem provado, com pertinência para esta questão o seguinte:
1. Os arguidos, actuando de forma concertada com outros indivíduos não identificados, integram um grupo organizado, que se dedica à aquisição, transporte e venda de cocaína da América do Sul para a Europa, por via marítima.
2. De acordo com o plano previamente delineado, em data não concretamente apurada, anterior a 11 de Outubro de 2021, os arguidos utilizaram o veleiro de nome Siro", do tipo "sloop" (de apenas um mastro), com matrícula V1, registo ....81, de pavilhão espanhol.
3. De acordo com o plano previamente delineado, os arguidos navegaram de Espanha, até local não concretamente apurado no mar, sito nas proximidades da América do Sul, onde pkon2n de 7m recolheram 183 sacos contendo cocaína, que transportaram até local não concretamente identificado no mar, nas proximidades da Península Ibérica, com o propósito de os entregarem a terceiros pertencentes àquela organização.
12. Os arguidos agiram em conjugação de vontades e esforços entre si e com terceiros não identificados, no âmbito de uma organização destinada à operação de comercialização de cocaina, aceitando colaborar nos termos supra referidos, sabendo que tal produto se destinava à venda a terceiros, a troco de quantias monetárias.
Vista a questão de factos, atentemos na de Direito.
Os arguidos foram acusados pela prática, em co-autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º/1 e 24.º alínea c) do Decreto Lei 15/93, com referência à tabela I-B, anexa a este diploma e de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º/1 e 2 do mesmo diploma legal.
E foram condenados pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º/1 do Decreto Lei 15/93, com referência à tabela I-B anexa a tal diploma e pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º/1 e 2 do mesmo diploma legal.
É autor de um crime quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, cfr, definição contida no artigo 26.º CPenal.
A co-autoria fundamenta-se também no domínio do facto; o domínio do facto deve ser, então, conjunto, devendo cada co-autor dominar o facto global em colaboração com outro ou outros. A co-autoria supõe sempre uma “divisão de trabalho” que torne possível o crime, o facilite ou diminua essencialmente o risco da acção.
Exige uma vinculação recíproca por meio de uma resolução conjunta, devendo cada co-autor assumir uma função parcial de carácter essencial que o faça aparecer como co-portador da responsabilidade para a execução em conjunto do facto. Por outro lado, a contribuição de cada co-autor deve revelar uma determinada medida e significado funcional, de modo que a realização por cada um do papel que lhe corresponde se apresente como uma peça essencial da realização do facto, cfr. HANS-HEINRICH JESCHECK e THOMAS WEIGEND, “Tratado de Derecho Penal – Parte General”, trad. da 5ª edição de 1996, 726.
Na co-autoria a execução é fruto de uma decisão conjunta, em conexão mútua entre as partes de execução do facto a cargo de cada um dos co-autores numa consideração objectiva.
A decisão deve revelar-se através de acções expressas ou acções concludentes e, por isso, qualquer dos co-autores responde pela totalidade da realização típica, ibidem, 791-792.
Vejamos a estrutura e configuração do tipo de crime de associação criminosa.
Dispõe o artigo 299.º CPenal sob a epígrafe de “associação criminosa” que,
“1 - Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2 - Na mesma pena incorre quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações ou quem os apoiar, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para as reuniões, ou qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos.
3 - Quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações referidos nos números anteriores é punido com pena de prisão de dois a oito anos.
4 - As penas referidas podem ser especialmente atenuadas ou não ter lugar a punição se o agente impedir ou se esforçar seriamente por impedir a continuação dos grupos, organizações ou associações, ou comunicar à autoridade a sua existência de modo a esta poder evitar a prática de crimes.
5 - Para os efeitos do presente artigo, considera-se que existe grupo, organização ou associação quando esteja em causa um conjunto de, pelo menos, três pessoas, actuando concertadamente durante um certo período de tempo”.
Dispõe, por sua vez, o artigo 28.º do Decreto Lei 15/93, sob a epígrafe de “associações criminosas” que,
“1 - Quem promover, fundar ou financiar grupo, organização ou associação de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, vise praticar algum dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º é punido com pena de prisão de 10 a 25 anos.
2 - Quem prestar colaboração, directa ou indirecta, aderir ou apoiar o grupo, organização ou associação referidos no número anterior é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
(…)”.
A generalidade da doutrina e jurisprudência, cfr. acórdão deste STJ de 3.2.2021, enuncia os seguintes elementos do tipo legal de crime de associação criminosa:
a) Uma pluralidade de pessoas (duas ou mais) – pressupondo um encontro de vontades dos participantes;
b) Uma certa duração ou permanência do grupo, organização ou associação – não carecendo de ser determinada ou duradoura, exigindo-se que exista o tempo suficiente para a realização do fim criminoso;
c) Um mínimo de estrutura organizatória que sirva de substrato material à existência de algo que supere os agentes – não se exigindo uma estrutura do tipo societária, mas requerendo uma certa estabilidade ou permanência das pessoas que compõem a organização;
d) Uma qualquer formação de vontade coletiva – independentemente do princípio a que obedeça, nomeadamente autocrático ou democrático; interessa para não confundir uma vontade coletiva com a expressão da vontade individual de um chefe que atua em nome e em seu proveito exclusivos, caso em que se estaria perante um bando, como se verá; e
e) Um sentimento de ligação por parte dos membros da associação – não apenas ao seu chefe, mas entre os vários membros, como algo que os transcende e se apresenta como uma unidade diferente de qualquer um dos elementos que a compõem.
Naturalmente que a associação tem de preexistir aos crimes praticados, como um factor que os originou e impulso inicial da actividade criminosa. Acresce que o facto de prosseguir um escopo criminoso não significa que os crimes tenham de ser praticados por membros da associação, sendo suficiente que esta ofereça um apoio essencial à sua prática, mesmo que por pessoas ou organizações que lhe sejam estranhas”.
Do confronto entre ambas as normas, ressalta que o tipo do artigo 28.º do Decreto Lei 15/93 – que se encontra numa relação de especialidade com o crime previsto no CPenal - prescinde, desde logo, do requisito “do certo período de tempo”, previsto no n.º 5 do artigo 299.º - que não tem ali correspondência.
E, enquanto o tipo do CPenal fala em “conjunto de pelo menos 3 pessoas”, o tipo do artigo 28.º menciona “duas ou mais pessoas”.
São estas, as duas grandes diferenças entre ambos os tipos legais.
As duas a alargar a previsão do tipo legal do artigo 28.º - no confronto com o tipo do CPenal - na medida em que prescinde, ao contrário deste, do elemento “certo período de tempo” e, se basta com o mínimo de duas pessoas e, não três, como o tipo do CPenal.
Enquanto no crime de associação criminosa do artigo 299.º são traves mestras o fim abstracto de cometer um ou mais crimes, a estabilidade organizativa e uma ideia de permanência ou de duração que traduza o propósito dos agentes de "fazerem vida" da actividade criminal, no crime de associações criminosas do artigo 28.º, não se exige uma estrutura organizativa do grupo ou associação tão estável ou perene, por isso, podem ser formadas apenas para a concertada prática de um crime de tráfico de estupefacientes, não havendo que falar aí, propriamente, numa "actividade" destinada à prática de um ou mais crimes.
“O bem jurídico protegido pela norma incriminadora, em qualquer dos casos, é a paz pública, pela especial perigosidade para a paz social que as organizações que tenham por escopo a prática de crimes significam - constituindo um crime de perigo abstrato. Assim, basta a ameaça da prática de crimes (na previsão do artigo 28.º, os crimes dos artigos 21.º e 22.º, tráfico de estupefacientes e precursores) por um grupo de pessoas, em razão do estímulo para a sua concretização gerado pela associação de pessoas/membros com vista à sua prática, para que o crime seja consumado.
A mera existência de associações criminosas, ligada à dinâmica que lhes é inerente, põe em causa o sentimento de paz que a ordem jurídica visa criar nos seus destinatários e a crença na manutenção daquela paz a que os cidadãos têm direito, substituindo-os por um nocivo sentimento de receio generalizado e de medo do crime”, cfr. neste sentido acórdão do STJ de 14.7.2021.
Anabela Morais in Controvérsias do crime de associação criminosa, análise do tipo legal, Julgar on line, DEZ2019, na esteira de Figueiredo Dias, refere que “é reconhecida a altíssima e especialíssima perigosidade da associação, derivada do seu particular poder de ameaça e dos fenómenos miméticos e sugestivos, de natureza criminosa, que aquela gera nos seus membros, sendo estas as razões subjacentes à opção do legislador de antecipação da tutela penal para o momento anterior ao da efectiva perturbação da segurança e tranquilidade públicas, mas em que já se criou um especial perigo de perturbação. Formalmente, é um crime autónomo, diferente, dos crimes que venham a ser deliberados, preparados e executados e consuma-se com a fundação da associação ou, relativamente a associados não fundadores, com a adesão ulterior, independentemente da execução de qualquer dos ilícitos que se propôs realizar, bastando-se com a mera organização votada e ajustada a esse fim.”
Por outro lado, diversamente do que defendem os arguidos, o legislador não exige a verificação de uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos membros singulares.
Como recentemente decidiu a Relação do Porto através de acórdão de 10.7.2024, processo 1190/20KRPRT, “impor a indagação de uma "realidade transcendente à vontade e interesses individuais" - das pessoas que actuam concertada e duradouramente – além de contrariar o princípio da legalidade, por exigir elemento não constante do texto legal e, das razões de política criminal que motivaram a tutela antecipada, conferida pelo legislador à paz pública (bem jurídico tutelado com a incriminação) conduz ao esvaziamento de utilidade de tal incriminação, porquanto se exigiria, para a punição, a verificação de uma realidade inexistente ou raramente verificável e, que nada acrescenta ao perigo típico”.
E, a questão da associação criminosa versus comparticipação criminosa, suscitada pelo arguido AA, é abordada, de forma, deveras, clara e expressiva, no acórdão deste STJ de 11.5.2023:
“Donde, se a união de diferentes pessoas apenas se fez para a realização de um ou mais crimes determinados, não tendo, porém, carácter permanente, poderá existir comparticipação criminosa, mas não haverá uma associação para delinquir.
A primeira implica a cooperação de diferentes pessoas em um ou mais crimes. A segunda a associação estável de diversas pessoas com o propósito genérico de praticar uma pluralidade de crimes.
Pode haver, portanto, comparticipação, sem associação criminosa; por exemplo, se o crime que se teve em vista foi só um. Pode haver a segunda sem a primeira, se, tendo-se formado a associação para delinquir, todavia não executou crime algum. E podem coexistir, se a associação se formou com o fim genérico de cometer crimes e se de facto se cometeram ou tentaram cometer crimes com a cooperação de vários associados. (...). A razão de ser da punibilidade da associação para delinquir - afirmava - está na ofensa da tranquilidade pública e no grave perigo da prática de crimes que oferece um agrupamento formado para a realização de efeitos ilícitos penais, com uma cooperação que se apresenta com uma certa estabilidade ou permanência".
Assim, estão reunidos os requisitos teóricos do crime de associação criminosa se duas ou mais pessoas se unem voluntariamente para cooperar na realização de um programa criminoso, independentemente da tomada de resolução para a execução de um crime determinado, pressupondo-se uma actuação concertada e conjugada dos agentes por forma a traduzir o seu propósito de, em conjunto, "fazerem vida" da actividade criminosa;
Este propósito resulta, na maior parte das vezes, de um acordo verbal ou até tácito assumido pelos agentes do ilícito, revelando-se a respectiva existência, sobretudo pela repetição em conjunto dos ditos actos ilícitos, pela homogeneidade respectiva das condutas de cada um dos agentes, pela verificação da colocação de meios individuais ou colectivos ao serviço comum, com a finalidade da prática dos crimes em proveito comum de todos e sob a responsabilidade maior ou menor de cada um deles;
Exige-se, ainda, que essa associação tenha carácter de permanência ou estabilidade, ou, pelo menos, propósito de ter esta;
É o fim abstracto e a ideia de permanência que distinguem a associação criminosa da comparticipação - esta, é um simples acordo conjuntural para cometer um crime, em concreto.
O elemento fundamental da associação criminosa e que verdadeiramente a distingue da comparticipação, é que, na associação e derivada dela própria, existe uma nova estrutura autónoma e superior ou diferente dos elementos que a integram e que não aparece na comparticipação (cfr. Ac. do STJ, de 08/01/1998.
A autonomia da punição desta infracção tem o seu fundamento na ofensa do bem jurídico - a paz pública - e no grave perigo da prática de crimes que oferece um agrupamento formado para a realização de ilícitos penais com carácter de permanência ou de estabilidade, em particular, quando o objectivo é, por exemplo, o tráfico de estupefacientes;
Quanto ao dolo, o mesmo não tem por objecto cada um dos crimes concretos cometidos, mas antes a aquiescência à finalidade comum (cfr. Ac. do TRE, de 24/01/1987, in BMJ, n°. 353, p. 526);
Conforme foi vertido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 27/11/2013, "o crime de associação criminosa destina-se à perigosidade acrescida e à criminalidade organizada, visando a segurança da comunidade perante a circunstância de diversas pessoas se unirem tendo como escopo a prática de crimes. O bem jurídico protegido é a paz pública inerente às expectativas da sociedade, perante um especial perigo de perturbação que só por si viola a mesma;
- o critério para aferir se estamos perante uma mera comparticipação ou perante uma crime de associação criminosa, parte da consideração da maior existência de perigo pela mera associação de vontades: saber se por essa mera associação de vontades resulta desde logo a perturbação da paz social ou se a mesma é apenas tocada pela prática concreta dos crimes que sejam encetados; (...).
O bem jurídico assume, na questão da tipicidade, um relevo primacial e insubstituível, devendo recorrer-se aos restantes elementos típicos numa perspectiva de consideração global do sentido social do comportamento que integra o tipo. Só assim se pode ter a esperança de acederá compreensão do sentido jurídico-social do comportamento delituoso. No caso em apreciação, o bem jurídico protegido pelo crime de associação criminosa é a paz pública, como resulta desde logo da secção II, em que o tipo se integra. Trata-se de intervir num estádio prévio, quando a segurança e a tranquilidade públicas não foram ainda necessariamente perturbadas, mas se criou já um especial perigo de perturbação que só por si viola a paz pública. (...)
A propósito da distinção entre associação criminosa e mera comparticipação criminosa, o Prof. Figueiredo Dias observa o seguinte:
«O problema mais complexo de interpretação e aplicação que aqui se suscita é, na verdade, o de distinguir cuidadosamente - sobretudo quando se tenha verificado a prática efectiva de crimes pela organização - aquilo que é já associação criminosa daquilo que não passa de mera comparticipação criminosa. Para tanto indispensável se torna uma cuidadosa aferição, pelo aplicador, da existência in casu dos elementos típicos que conformam a existência de uma organização no sentido da lei (cfr. infra § 9 ss.)
Em muitos casos porém tal não será suficiente. Sendo neles indispensável que o aplicador se pergunte se, na hipótese, logo da mera associação de vontades dos agentes resultava sem mais um perigo para bens jurídicos protegidos notoriamente maior e diferente daquele que existiria se no caso se verificasse simplesmente uma qualquer forma de comparticipação criminosa. E que só se a resposta for indubitavelmente afirmativa (in dubio pro reo) possa vir a considerar integrado o tipo de ilícito do artigo 299°.
«Um bom critério prático residirá aliás em o juiz não condenar nunca por associação criminosa, à qual se impute já a prática de crimes, sem se perguntar primeiro se condenaria igualmente os agentes mesmo que nenhum crime houvesse sido cometido e sem ter respondido afirmativamente à pergunta».
De acordo com esta doutrina, proposta pelo Prof. Figueiredo Dias, não é correcto condenar-se por associação criminosa quem tenha já levado a cabo a prática de crimes, sem perguntar primeiro se se condenaria do mesmo modo os próprios componentes da associação mesmo que nenhum crime tivesse sido cometido e sem se ter respondido afirmativamente a tal questão”.
Como se entendeu no citado acórdão deste STJ de 14.7.2021, “aquela especial perigosidade do crime prende-se com as transformações da personalidade individual no seio da organização, derivada do seu particular poder de ameaça e dos mútuos estímulos e contra-estímulos de natureza criminosa que aquela cria nos seus membros (cf., neste sentido, Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, II, pág. 1156 e ss.).
Assim, a associação, grupo, ou organização, pressupõe uma entidade prévia à prática do crime que constitui o seu objetivo, colocando-se num estádio anterior, numa congregação de vontades, na criação de uma entidade pré-ordenada ao cometimento de crimes (cf. Ac. do STJ de 27.5.2010, relatado pelo Cons. Raúl Borges, proc. 17/07.2GAAMT.P1.S1, em www.dgsi.pt)”.
De permeio entre a associação criminosa e a simples co-autoria, intercala-se a figura de bando, na noção de cooperação duradoura entre várias pessoas, que o legislador introduziu a propósito do crime de furto.
O conceito de bando é menos exigente que o de associação criminosa, pois que, diferentemente desta, não pressupõe uma estrutura organizacional, mas também não se basta com uma mera associação conjuntural (ocasional) de pessoas”, essência do conceito de co-autoria, nos termos do artigos 26.º e 28.º CPenal.
Isto dito, voltamos ao ponto de partida. Aos factos provados que os arguidos, também, neste segmento, fazem por olvidar. Trata-se de uma questão de facto, de prova:
1. Os arguidos, actuando de forma concertada com outros indivíduos não identificados, integram um grupo organizado, que se dedica à aquisição, transporte e venda de cocaína da América do Sul para a Europa, por via marítima.
2. De acordo com o plano previamente delineado, em data não concretamente apurada, anterior a 11 de Outubro de 2021, os arguidos utilizaram o veleiro de nomeGS...", do tipo "sloop" (de apenas um mastro), com matrícula V1, registo ....81, de pavilhão espanhol.
3. De acordo com o plano previamente delineado, os arguidos navegaram de Espanha, até local não concretamente apurado no mar, sito nas proximidades da América do Sul, onde pkon2n de 7m recolheram 183 sacos contendo cocaína, que transportaram até local não concretamente identificado no mar, nas proximidades da Península Ibérica, com o propósito de os entregarem a terceiros pertencentes àquela organização.
12. Os arguidos agiram em conjugação de vontades e esforços entre si e com terceiros não identificados, no âmbito de uma organização destinada à operação de comercialização de cocaina, aceitando colaborar nos termos supra referidos, sabendo que tal produto se destinava à venda a terceiros, a troco de quantias monetárias.
Materialidade esta julgado como provada, desde logo, de acordo com as regras da experiência comum. Com efeitos pessoas como os arguidos, com as vidas e situações sócio-económicas bem retratadas nos factos provados, por si só, não tinham capacidade para encetar o empreendimento que aqui pretendiam levar a cabo, com os meios logísticos disponibilizados e com a natureza da carga em causa.
É claro que em tese sempre se pode configurar a hipótese de uma situação digna de actuação em outsourcing. A organização incumbe alguém a ela estranho de determinada actividade, no caso, o transporte de produto estupefaciente.
Mas não é isso que a materialidade provada denuncia.
Pelo contrário vem provado, desde logo, que,
- os arguidos integram um grupo organizado;
- se dedica à aquisição, transporte e venda de cocaína da América do Sul para a Europa, por via marítima;
- de acordo com o plano previamente delineado, os arguidos navegaram de Espanha, até local não concretamente apurado no mar, sito nas proximidades da América do Sul, onde pkon2n de 7m recolheram 183 sacos contendo cocaína, que transportaram até local não concretamente identificado no mar, nas proximidades da Península Ibérica, com o propósito de os entregarem a terceiros pertencentes àquela organização;
- agiram em conjugação de vontades e esforços entre si e com terceiros não identificados, no âmbito de uma organização destinada à operação de comercialização de cocaina, aceitando colaborar nos termos supra referidos, sabendo que tal produto se destinava à venda a terceiros, a troco de quantias monetárias.
Por detrás dos factos subjacentes ao ostensivo crime de tráfico de estupefacientes, não pode deixar de estar, subjacente uma outra realidade – a existência de uma organização, visível, omnipresente, evidenciada, pelo conjunto da objectividade das provas e dos factos.
São as condições pessoais e económicas dos arguidos que o evidenciam, dada a sua impossibilidade de serem detentores, por conta própria, de tão exorbitante negócio, atentos os valores necessariamente investidos, traduzido no transporte intercontinental, por via marítima, de cerca de 6 toneladas de cocaína, de valor económico absolutamente estratosférico, assim como a necessária componente económica de suporte da embarcação, da viagem e de tantas mais despesas inerentes, veja-se a panóplia de material apreendido.
O que não está ao alcance da disposição de meras pessoas isoladas, exigindo a conclusão da verificação de um interesse superior que, de certa forma, ultrapassasse os meros intentos pessoais dos arguidos, de indícios de adesão a associação criminosa, cujos responsáveis máximos, como se entendeu no acórdão deste STJ de 3.2.2021, numa típica acção de “Cartel”, nunca confiariam o transporte de tão valiosa quantidade de cocaína a pessoas “externas” à associação, num “outsourcing” – o que poderia permitir o roubo, o desvio do produto por um “Cartel” rival - a qualquer pessoa que não fizesse parte integrante da associação criminosa e que no final não recebessem uma contrapartida pecuniária, como é consabido pelas regras da experiência comum.
A organização que planeou e decidiu o elevadíssimo investimento com a montagem da operação concreta, aqui em causa, exige, atentas as regras da lógica comercial e das regras da experiência comum, a absoluta necessidade de entregar a execução da operação a pessoas da sua confiança absoluta, a quem assegurasse, a quem desse a garantia de que iriam não só colaborar, mas executar o plano de transporte, do modo, por eles definido, em segurança máxima.
Caso contrário estar-se-ia a colocar em risco a segurança da operação e o não só, o não retorno, mas a perda total do, necessariamente, vultuoso, investimento efectuado.
Atente-se no mais diverso equipamento apreendido de acesso à internet, via satélite, detectores de actividade de radiofrequência e monitor e inibidor de sinal, destinado a ser utilizado pelos arguidos nos contactos realizados com terceiros não identificados, com quem haviam concertado o transporte.
Apenas fazendo parte e integrando um colectivo, em colaboração de esforços e intentos com outros indivíduos cuja identidade se desconhece, poderiam estes arguidos, como caracterizados nos factos provados, pessoas de ccondição social média de modesta condição económica, actuar como o fizeram, submetidos à vontade e aos desígnios de uma entidade superior - a associação criminosa - que por todos repartiria os lucros da operação/actividade de trafico de estupefacientes.
Desta forma, está demonstrado o fim da associação criminosa, do artigo 28.º, na qual se reconhecem os referidos elementos estruturantes e essenciais:
- estrutura organizacional - pluralidade de pessoas; dando corpo a uma entidade distinta dos próprios membros, e que os superava; formação da vontade coletiva; sentimento de ligação por parte dos elementos do grupo e,
- e finalidade criminosa, direccionada à prática do crime de tráfico de estupefacientes.
Muito para além do que seria a mera comparticipação criminosa – como pretendem os arguidos - na acepção e limites que anteriormente se enunciaram – caracterizada por uma mera associação conjuntural, ocasional e inorgânica de pessoas.
E, aqui reside, precisamente, a especial perigosidade do crime, relacionada com as transformações da personalidade individual de cada um dos membros no seio da organização, derivada do seu particular poder de ameaça e dos mútuos estímulos e contra-estímulos de natureza criminosa que aquela cria nos seus membros.
O dolo dos arguidos, membros do grupo, resulta provado no aludido ponto 15. dos factos provados.
O que se é suficiente, também, exige, a condenação dos arguidos pela prática do crime previsto no artigo 28.º, de forma independente da sua posterior atuação criminosa em execução do escopo prosseguido pelo grupo.
Por essa razão se justifica o concurso real entre os dois crimes cometidos.
Com efeito, pressuposto do crime do artigo 28.º é precisamente a violação de bem jurídico distinto do protegido pelo artigo 21.º.
Aqui a saúde pública, nas suas vertentes física e psíquica.
E, ali a paz pública, referindo o Professor Figueiredo Dias - a propósito do crime do artigo 299.º - in Comentário Conimbricense ao Código Penal – Parte Especial”, Coimbra Editora, 1999, II,.1157, que, “o bem jurídico tutelado pela incriminação da associação criminosa é a paz pública, no sentido das expectativas sociais de uma vida comunitária livre da especial perigosidade de organizações que tenham por escopo o cometimento de crimes”.
Aquele constitui um crime de perigo concreto, que não necessita, sequer, que o crime para cuja execução a associação foi criada seja, de facto, praticado.
Como foi, no entanto, no caso, o crime de tráfico de produtos estupefacientes crime de perigo abstracto, para cuja consumação não se exige a verificação de dano real ou efetivo, que se consuma com a simples criação de um perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido.
A propósito da autonomia do crime de associação criminosa face aos crimes posteriormente cometidos, já entendeu este STJ, através do acórdão de 27.5.2010, que,
“VII - Formalmente, o crime de associações criminosas “é um crime autónomo, diferente e separado dos crimes que venham a ser deliberados, preparados ou executados. (…) O crime consuma-se com a fundação da associação com a finalidade de praticar crimes, ou – relativamente a associados não fundadores – com a adesão ulterior. Haverá sempre que distinguir claramente o crime de associações criminosas dos crimes que venham a ser cometidos por todos ou alguns dos associados; entre um e outros haverá concurso de crimes. Caracteriza a associação o fim que se propõe: a prática de crimes. Mas sendo de excluir os crimes que não possam por qualquer modo considerar-se ofensivos da «paz pública», ou de ramos de Direito Penal especial, bem como de contra-ordenações. Como associação, basta que tenha o mínimo de dois associados, mas pressupõe uma chefia e uma disciplina ou norma de funcionamento da organização.
XVIII - Por conseguinte, o crime de associação criminosa consuma-se independentemente do começo de execução de qualquer dos delitos que se propôs levar a cabo, bastando-se com a mera organização votada e ajustada a esses fins, sendo certo que o facto de a associação ser já de si um crime conduz a que os participantes nela sejam responsabilizados pelos delitos que eventualmente venham a ser cometidos no âmbito da organização, segundo as regras da acumulação real”
E, repetimos o essencial, na qualificação de associação criminosa versus co-autoria.
Para aferir se, em determinado caso concreto, a associação de vontades dos agentes preenche os elementos do crime de associação criminosa, importa questionar se o juiz condenaria os agentes mesmo que não tenham cometido outro crime – aquele a que se destinaria a associação criminosa.
E só no caso de resposta positiva se poderá afirmar indubitavelmente ter sido violado o bem jurídico que o crime visa proteger: a paz pública, “no preciso sentido das expetativas sociais de uma vida comunitária livre de especial perigosidade de organizações que tenham por escopo o cometimento de crimes, não se tratando pois da intervenção da tutela penal apenas quando foi posta em causa a ‘segurança’ ou a ‘tranquilidade’ públicas pela ocorrência efetiva de crimes ou de violências, mas de intervir num estádio prévio, através de uma dispensa antecipada de tutela, quando a segurança e a tranquilidade públicas não foram ainda necessariamente perturbadas, mas se criou já um especial perigo de perturbação que só por si viola a paz pública.”
A resposta no caso concreto é, inequívoca e incontornavelmente afirmativa.
E, assim, perante a autonomia dos dois crimes e da concreta agressão pelos arguidos de bens jurídicos diferenciados que ambos tutelam, sendo aqui a pluralidade de bem jurídico o indiciador da pluralidade de sentidos de ilicitude, é de confirmar a afirmação – contestada – da verificação do crime do artigo 28.º, bem como, a afirmação – incontestada, esta - da relação de concurso real com o crime de tráfico de estupefacientes.
E, não se diga como faz o arguido AA, que não tinha produto estupefaciente no seu aposento na embarcação.
Com efeito, desde logo, o artigo 21.º consagra uma ampla abrangência de condutas integradoras do tipo de ilícito, não sendo necessário o contacto físico direto do agente com a droga.
Além de que no caso, este tipo legal sempre tem subjacente a sua prática em co-autoria, em que o resultado é imputado a todos independentemente e dos actos concretos materiais levados a cabo, por cada um, na execução do plano previamente delineado.
É certo, como se salienta no voto de vencido, que não existe rigor em termos de dogmática jurídico-penal, na afirmação de que a associação criminosa dada como provada, necessariamente aponta para a co-autoria.
Mas, olvida-se aqui que não estamos no âmbito do artigo 299.º CPenal, em que se estrutura sempre o voto de vencido.
Esta norma, como vimos já, dispõe no seu n.º 1 que, “quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes é punido com pena de prisão de um a cinco anos”.
E no caso, estamos no âmbito do
artigo 28.º do Decreto Lei 15/93, que no seu n.º 1 dispõe que, “quem promover, fundar ou financiar grupo, organização ou associação de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, vise praticar algum dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º é punido com pena de prisão de 10 a 25 anos”.
Substancialmente diversas ambas as previsões legais.
Desde logo, quanto ao que aqui está em discussão.
A norma de carácter especial contida do artigo 28.º, ao contrário da de carácter geral contida no CPenal, pressupõe como seu elemento constitutivo, de natureza objectiva, a actuação concertada para a prática do crime de tráfico de estupefacientes.
E, assim, é certo que – como se refere, assertivamente, no texto do acórdão - a associação criminosa dada como provada, necessariamente aponta para a co-autoria do crime de tráfico de produtos estupefacientes. No sentido de que a pressupõe. Sem ela não existia, não se verificava o preenchimento do tipo de associação criminosa.
Ou que a co-autoria está mais que evidenciada tendo em conta a associação criminosa.
No sentido de que só se verifica o crime de associação criminosa dada a actuação concertada dos arguidos para o cometimento do crime de tráfico de produtos estupefacientes.
Através de actuação concertada, planeada, combinada, onde, naturalmente, se inclui a forma de actuação destes concretos e específicos 3 arguidos.
Apesar de estarmos perante realidades de natureza distinta, sem que, no texto de carácter geral, pressuponham a sua inter-conexão ou relacionação intrínseca, o certo e que na lei especial, uma realidade – a associação criminosa – pressupõe, de forma directa, necessária, automática a outra – o crime de tráfico de estupefacientes, através de actuação concertada.
Na lei especial não se verifica associação criminosa sem co-autoria no crime de tráfico de estupefacientes.
Se na lei geral se pode estar perante uma associação criminosa, sem que os seus membros que executem determinado crime sejam, todos eles, co-autores do crime que foi levado a cabo, no seio da organização.
Já na lei especial tal não pode acontecer. Apenas estamos perante o crime de associação criminosa se verificada a co-autoria, a actuação concertada, em vista da prática do crime de tráfico de estupefacientes.
E assim se mostra preenchida a previsão legal do artigo 28.º/2 do Decreto Lei 15/93 - prestar colaboração, directa ou indirecta, aderir ou apoiar.
Donde, também, este segmento dos recursos está votado ao insucesso.
4. 4. 1. A decisão de 1ª instância sobre a questão da determinação da medida das penas – mantidas intocadas pela Relação – fundamentou assim, esta matéria.
“5. Determinação medida concreta da pena
O crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º/1 do DL 15/93, de 22.01, é punido com pena de quatro a doze anos de prisão.
O crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º/1 e 2, do mesmo diploma legal, é punido com pena de cinco a quinze anos de prisão
A pena concreta a aplicar será determinada, dentro da moldura referida, em função da culpa de cada um dos arguidos enquanto limite máximo da punição, e ainda das exigências de prevenção, geral e especial, postas pelo caso em apreço — em cuja valoração se atenderá a todas as concretas circunstâncias que, no caso, não fazendo parte do tipo legal, deponham contra ou a favor dos arguidos (ens. 71° n.° 2 do CP), designadamente:
- o grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres Impostos ao agente [releva, na associação, a amplitude de meios evidenciada, reveladora da sua dimensão e capacidade financeira, bem como o papel concreto dos arguidos desempenhado na mesma, que se situa num plano intermédio na cadeia delitiva; no tráfico, monta a quantidade, muito expressiva, de droga em causa e respectivo grau de pureza, relevando ainda a sua natureza, com um grau de danosidade acrescido e o facto de se tratar de um transporte marítimo internacional];
a intensidade do dolo ou negligência [o dolo foi directo e intenso em todos os casos];
os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram [a obtenção de vantagens patrimoniais é discernível, directa ou indirectamente, em ambos os crimes];
as condições pessoais do agente e a sua situação económica [os arguidos apresentam situações pessoais aparentemente estáveis e normalizadas nos demais aspectos das suas vidas; beneficiam de apoio familiar];
a conduta anterior ao facto e posterior a este [não constam condenações nos certificados criminais dos arguidos];
a falta de preparação para manter uma conduta licita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena [nada de relevante se apurou nesta sede].
Pelo exposto, julga-se ajustada a fixação das seguintes penas:
- dez anos de prisão, para cada um dos arguidos, pela pratica do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º/1 do DL 15/93, de 22.01.
- oito anos e seis meses de prisão para cada um dos arguidos, pela prática do crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º/1 e 2 do DL 15/93, de 22.01.
O cúmulo de penas:
Vê-se que os crimes ora imputados aos arguidos se encontram numa relação de concurso para os efeitos do artigo 77.º/1 do Código Penal, importando assim proceder à realização do respectivo cúmulo. Face ao disposto no n. 2 do citado art. 77, a moldura penal determinada pelo presente concurso tem como limiar máximo, dezoito anos e seis meses de prisão e como limiar mínimo, dez anos de prisão.
Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa (cfr. art. 77.º/1, 2.ª parte), especialmente a relação temporal existente (próxima), e o relacionamento existente entre os crimes e o que isso revela da personalidade (desvaliosa) dos arguidos, reputa-se ajustada a fixação da pena em catorze anos de prisão para cada um dos arguidos”.
4. 4. 2. A este propósito entendeu-se na decisão recorrida o seguinte:
“AA
Vejamos agora no que respeita à pena fixada.
Nos termos do artº 71º, n.º 1 do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na norma incriminadora, far-se-á em função da culpa e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal, nesta determinação, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente.
Interessa-nos na determinação da medida concreta da pena a consideração do ilícito típico, ou seja, “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, conforme prevê o art. 71º, n.º 2, al. a) e a medida da culpa. A culpa, como fundamento último da pena, funcionará como limite máximo inultrapassável da pena a determinar – artº 40º, n.º 2, fornecendo a prevenção geral positiva “proteção de bens jurídicos” o limite mínimo que permita a reposição da confiança comunitária na validade da norma violada.
Por fim, é dentro desses limites que devem actuar considerações de prevenção especial, isto é, de ressocialização do agente, ou seja, de recuperação e afastamento deste da prática de novos ilícitos.
Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 227 e seguintes; Anabela Rodrigues, in R.P.C.C., 2, 1991, pág. 248 e seguintes; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1994, in B.M.J. 441º, pág. 145).
O arguido recorrente não se conforma com a condenação
A pena fixada pelo tribunal corresponde ao mínimo imprescindível à prevenção geral positiva e ao máximo consentido pela culpa, resultando no espaço possível de resposta às necessidades de reintegração do agente.
Há, pois, que não esquecer a factualidade que levou á determinação da medida concreta da pena que lhe foi fixada.
Sendo a pena do artº 21º, nº 1, do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, de prisão de 4 a 12 anos e a pena relativa ao crime de associação criminosa provado nos de cinco a quinze anos de prisão
As consequências do tráfico de droga são por demais conhecidas e, principalmente, todos sabemos o dinheiro fácil conseguido nessas atividades e, neste caso temos uma atividade em grande, temos lucros em grande, temos grandes quantidades, temos os arguidos no seu núcleo de actuação, claramente conscientes e cientes do que estavam a fazer.
Há que olhar para a quantidade e qualidade das substâncias em causa.
E há que ter em conta que estamos perante um crime de perigo abstracto. Censura-se e pune-se logo o perigo, porque tais condutas são de tal modo reprováveis que merecem imediatamente censura ético-social. Devido à natureza dos efeitos altamente danosos que estas condutas ilícitas podem desencadear, o legislador penal não pode esperar que o dano se produza, tem de fazer recuar a proteção penal para momentos anteriores, isto é, para o momento em que o perigo se manifesta. Repare-se que da estrutura do tipo não faz parte a lesão de qualquer bem jurídico concreto e individualizado como o tribunal a quo faz notar e a jurisprudência entende. A primeira característica do modelo penal de resposta às condutas de tráfico de drogas está, com efeito, na antecipação repressiva ao limiar da perigosidade abstrata.
Por isso se diz, que o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato. No mesmo sentido e entre outros, o Ac. do S.T.J., de 02.05.90, B.M.J. 397.º.
De perigo, porque não se exige, como nos crimes de dano ou de resultado, uma efetiva lesão, mediante a destruição ou diminuição do bem jurídico. Basta o perigo de lesão, o dano provável, a potencialidade da acção para ocasionar a perda ou diminuição de um bem, o sacrifício ou restrição de um interesse.
O bem protegido pela norma – a saúde pública.
Pondo de parte uma discussão demasiado extensa sobre a teoria do direito da droga e, portanto, os debates que se geram em torno de três ideias principais: proibição, liberdade e regulamentação em que, segundo Francis Caballero os sistemas proibicionistas que assentam no princípio da interdição geral e absoluta de todas as drogas ou de uma parte delas, se degladiam com os sistemas liberais ou libertários que assentam no principio do auto controlo das drogas pelos consumidores, ficando entre estes dois sistemas, os sistemas da distribuição controlada, pondo portanto de parte fundamentos morais, sociais e até económicos, não se deixará contudo de frisar que a Lei em vigor proíbe este tipo de atitudes, nomeadamente e com vigor, o tráfico.
Se a legislação, a doutrina e a jurisprudência é compreensiva com o consumidor e com o pequeno traficante, não deixa de ser exigente e severa com o traficante que consegue à custa da sua atividade, sobreviver economicamente e por vezes, ainda consumir.
E tenhamos em conta que no caso concreto, a droga é uma droga a que vulgarmente se chama droga dura, e que a actuação é de elevada ilicitude estando bem clara a culpa e à medida desta bem fixada a pena.
A necessidade de travar o tráfico de droga é cada vez mais forte quando se descriminaliza o consumo e ainda mais tendo em conta que o tráfico se faz por águas internacionais.
Por outro lado, os fins das penas, é de satisfazer as exigências de prevenção geral e especial. Tudo isso o Tribunal a quo teve em conta.
A droga a qualidade e a quantidade e a forma de actuar, tendo em conta o lucro apenas, merecem uma censura do facto que faça sentir a quem se dedica e consente fazer estes transportes em particular e à sociedade em geral que, a prática deste tipo de ilícitos não é facilmente desculpabilizável e é punida fazendo sentir também que a censura penal é severa e atenta.
A prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro lado, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então, parece evidente que – dentro, claro está, da moldura penal – a moldura penal a aplicar ao caso concreto há-se definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social - cfr., Ac. do S.T.J. de 09.12.1998, consultado no site www.dgsi.pt.
Como se lê supra “a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena” assim sendo, tendo em conta a prevenção geral não encontramos outra pena que esteja à medida e na medida da culpa do agente que não a que foi encontrada pelo Tribunal a quo.
A pena encontra-se calculada de acordo com a medida da culpa.
Nenhum dos arguidos agiu coagido, foi enfiado dentro do barco á força, podia ignorar a atividade a que ía e que garantia. Agiram todos, como diz o acórdão com conhecimento dos factos, com vontade de actuar.
Fazer milhas marítimas para recolha da quantidade de produto dirigirem-se a vários pontos marcados e combinados, não pode ser ignorado por nenhum deles.
A culpa é o grau de imputabilidade do arguido no momento da prática do acto e o grau de empenho que demonstra durante a prática do auto, a facilidade que tem em desistir ou prosseguir do acto criminoso.
A prova que se fez é claramente de coautoria e não numa plurima autoria paralela, pois estas (autorias paralelas), pela sua natureza, exigem que não haja qualquer acordo ou colaboração entre os diversos autores, sequer o conhecimento do agir de outrem, não é claramente o caso aqui.
A determinação da medida concreta da pena efetuada de acordo com o artigo 70º, do Código Penal, a culpa do agente, as exigências de prevenção geral e especial, bem como todas as circunstâncias, quer atenuantes quer agravantes, constantes da matéria de facto dada como provada, tendo ainda em conta que é elevado o grau da ilicitude.
As penas encontram-se devidamente fixadas e ponderadas, á medida da culpa e das exigências de prevenção geral e especial, remetendo-se, em tudo o demais, o que se mostra vertido pelo tribunal “a quo” no que respeita à apreciação da pena a impor em relação a cada um dos ilícitos praticados, bem como em sede de cúmulo jurídico das penas parcelares, atenta a personalidade do agente e as circunstâncias do caso, por às mesmas darmos o nosso acordo.
(…)
Finalmente, no que toca à questão das penas parcelares e única impostas:
Entende o recorrente beneficiar de circunstâncias atenuantes relevantes, que não terão sido devidamente valoradas pelo tribunal “a quo”.
Não lhe assiste qualquer razão. Na verdade, as circunstâncias a que alude (inserção familiar e social), nada têm de extraordinário e, infelizmente, não tiveram qualquer efeito dissuasor da sua actuação vertida nestes autos. Assim, embora tal inserção tenha uma valor atenuativo, mostra-se o mesmo de muito pouco relevo, dada a gravidade da culpa, da ilicitude e atentos os fins de prevenção geral e especial, nos termos já supra abordados e também referidos pelo tribunal “a quo”, não permitindo qualquer desagravamento quer das penas parcelares quer da pena única imposta. Tais circunstâncias já foram, no momento da determinação da medida das penas, devidamente sopesadas pelo tribunal “a quo”.
BB
A pena mostra-se fixada á medida das culpas e das exigências de prevenção geral e especial.
O arguido pretende que os factos assentes que depõem a seu favor sejam valorados, mas não os aponta arts. 71º n.º 2 do CP.
Tendo em conta o mínimo legal da pena dos crimes cometidos nunca a pena do arguido poderia ser de 5 anos de prisão e muito menos ser absolvido do crime de trafico ou ser-lhe suspensa a pena tendo em conta a actuação internacional em que esteve envolvido, o volume e a qualidade do produto transportado e os lucros a alcançar.
Não há violação os artigos 40°, 41°, 50°, n.° 1, 70°, 71.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal e artigo 18.º n.º 2 da CRP sendo a pena de prisão efetiva a única pena á medida dos factos praticados e da gravidade dos mesmos.
A coautoria está mais que evidenciada tendo em conta a associação criminosa
A pena mostra-se devidamente ponderada só podendo ser, face á factualidade apurada a que realmente foi fixada a cada um dos intervenientes.
Assim e para finalizar, não estão o Tribunal a quo nem o Tribunal ad quem convencidos, face ao já supra exposto e explanado, de que as penas possam ser outras e muito menos que sejam possíveis absolvições no caso concreto. Veja-se ainda o que a este propósito se refere no que toca ao arguido CC, aplicável ao presente recorrente, por as circunstâncias serem em tudo similares.
Tal seria atentatório da inteligência de qualquer cidadão comum e da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a este tipo de crime e faria desacreditar as expectativas na punição do tráfico de estupefacientes
(…)
BB
A pena mostra-se fixada á medida das culpas e das exigências de prevenção geral e especial.
O arguido pretende que os factos assentes que depõem a seu favor sejam valorados, mas não os aponta arts. 71º n.º 2 do CP.
Tendo em conta o mínimo legal da pena dos crimes cometidos nunca a pena do arguido poderia ser de 5 anos de prisão e muito menos ser absolvido do crime de trafico ou ser-lhe suspensa a pena tendo em conta a actuação internacional em que esteve envolvido, o volume e a qualidade do produto transportado e os lucros a alcançar.
Não há violação os artigos 40°, 41°, 50°, n.° 1, 70°, 71.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal e artigo 18.º n.º 2 da CRP sendo a pena de prisão efetiva a única pena á medida dos factos praticados e da gravidade dos mesmos.
A coautoria está mais que evidenciada tendo em conta a associação criminosa
A pena mostra-se devidamente ponderada só podendo ser, face á factualidade apurada a que realmente foi fixada a cada um dos intervenientes.
Assim e para finalizar, não estão o Tribunal a quo nem o Tribunal ad quem convencidos, face ao já supra exposto e explanado, de que as penas possam ser outras e muito menos que sejam possíveis absolvições no caso concreto. Veja-se ainda o que a este propósito se refere no que toca ao arguido CC, aplicável ao presente recorrente, por as circunstâncias serem em tudo similares.
Tal seria atentatório da inteligência de qualquer cidadão comum e da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a este tipo de crime e faria desacreditar as expectativas na punição do tráfico de estupefacientes
(…)
CC
Finalmente, no que toca à questão das penas parcelares e única impostas:
Entende o recorrente beneficiar de circunstâncias atenuantes relevantes, que não terão sido devidamente valoradas pelo tribunal “a quo”.
Não lhe assiste qualquer razão. Na verdade, as circunstâncias a que alude (inserção familiar e social), nada têm de extraordinário e, infelizmente, não tiveram qualquer efeito dissuasor da sua actuação vertida nestes autos. Assim, embora tal inserção tenha uma valor atenuativo, mostra-se o mesmo de muito pouco relevo, dada a gravidade da culpa, da ilicitude e atentos os fins de prevenção geral e especial, nos termos já supra abordados e também referidos pelo tribunal “a quo”, não permitindo qualquer desagravamento quer das penas parcelares quer da pena única imposta. Tais circunstâncias já foram, no momento da determinação da medida das penas, devidamente sopesadas pelo tribunal “a quo”.
4. 4. 3. A isto contrapõem os arguidos o seguinte:
Diz o arguido AA que a pena em que foi condenado viola os princípios orientadores da teoria dos fins das penas, pugnando pela revogação da decisão recorrida, devendo ser proferido novo acórdão que tenha como base a aplicação da teoria dos fins das penas existente no nosso sistema penal, e caso não se absolva o arguido, dever-se-á optar pela aplicação ao ora recorrente de uma pena educacional e ressocializadora.
Para o que alinha o seguinte raciocínio:
- a pena tem como primeira referencia a culpa e, depois, e num segundo momento, mas ao mesmo nível, a prevenção;
- quanto à culpa, o facto ilícito praticado é prevalentemente decisivo, devendo, antes de tudo o mais, ser valorado em função do seu efeito externo (ataque ao objecto em particular, designadamente dos danos ocasionados e a extensão dos efeitos produzidos);
- quanto à prevenção, constitui um fim, relevando para a determinação da pena necessária em função da maior ou menor exigência do ponto de vista preventivo, acabando por fornecer, em último termo, a medida da pena;
- havendo conflito entre a pena da culpa e a pena necessária, por as exigências de prevenção serem mais extensas do que a culpa, prevalece a medida mais extensa desta, por força do artigo 40.º/2 CPenal;
- a culpa do arguido está sensivelmente diminuída;
- quanto à prevenção geral, embora se possa considerar que esta é elevada deve ter-se em conta a questão da diminuição da culpa, pelo que deverá sempre aplicar-se uma pena próxima dos mínimos legais;
- o arguido nunca foi condenado por nenhum crime da mesma jaez e está socialmente inserido, vive com a sua esposa e tem um filho menor, sendo as necessidades de prevenção especial diminutas;
- não foi ponderada nem valorada a sua confissão, assim como não foi valorado o arrependimento, nem o facto de não ter antecedentes criminais;
- também não foi ponderado que o arguido encontra-se socialmente integrado, quer familiarmente quer profissionalmente a integração social e familiar faz ter a expectativa que o mesmo não incorra na prática de novos ilícitos e reduz as necessidades de prevenção especial, uma vez que em termos de personalidade e objetivamente não existem circunstâncias que determinem ou que se evidencie a necessidade de um maior acautelamento das regras da prevenção especial;
- relativamente à prevenção geral o alarido social dá-se sobretudo pelo facto dos próprios OPC’s que investigam este tipo de ilícito tornarem públicos os processos, porém nunca deve de haver uma sobreposição daquilo que são as necessidades de prevenção geral da sociedade em relação àquilo que é a prevenção especial do próprio individuo, sob pena de que o mesmo venha ser responsabilidade para com a sociedade, como se tivesse que dar um exemplo, o que contraria implacavelmente a sua própria ressocialização social.
Por sua vez, o arguido BB, no pressuposto da sua absolvição pelo crime de associação criminosa, defende que a decisão recorrida violou os artigos 40.°, 41.°, 50.°/1, 70.°, 71.º/1 e 2 CPenal e 18.º/2 da Constituição da República Portuguesa porquanto mesmo sem esquecer as necessidades de prevenção geral ou o concreto crime cometido, a ameaça do cumprimento da pena, bem como a sujeição a um regime de prova, ainda que dilatado, seriam suficientes para afastar o recorrente da prática de futuros crimes remetendo-o para a execução da pena em comunidade sendo determinada a suspensão da execução da pena de prisão, por igual período, sujeita a um regime de prova.
Para o que alinha o seguinte raciocínio:
- face às suas condições pessoais, a pena concreta a aplicar será determinada, dentro da moldura referida, em função da culpa de cada um dos arguidos enquanto limite máximo da punição;
- a decisão recorrida não fez qualquer apreciação da culpa individualizada de cada arguido – quando não podia ignorar o facto assente de que na cabine do arguido não existia qualquer produto estupefaciente;
- as exigências de prevenção, geral e especial, postas pelo caso em apreço – em cuja valoração se atenderá a todas as concretas circunstâncias que, no caso, não fazendo parte do tipo legal, manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram [a obtenção de vantagens patrimoniais é discernível, direta ou indiretamente, em ambos os crimes] e inexiste qualquer prova sobre a vantagem patrimonial, em concreto, no que ao arguido diz respeito;
- os factos assentes depõem a seu favor e deveriam ter sido valorados, nos termos do artigo 71.º/2 CPenal, não o tendo sido, devendo ser agora valorados, a justificar – decretada a absolvição pelo crime de associação criminosa e atenta a moldura penal do ilícito de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º/1 do Decreto Lei 15/93, concretamente de 4 a 12 anos, considerando o meio da pena em 8 anos - a aplicação de uma pena de 5 anos de prisão;
- devia ter assumido a particular relevância das suas condições sociais, económicas e pessoais, que denotam integração a nível social e familiar, e mesmo a nível laboral a situação profissional do arguido - ilações que se retiram do relatório social e dos factos assentes de 43 a 56;
- a pena aplicada é desajustada quer por ser excessiva tout court quer porque, designadamente:
- não tendo o domínio dos factos - não era o dono da embarcação;
- não era dono do produto estupefaciente, no máximo, por analogia, aquilo que vulgarmente se chama de “mula”;
- não tem antecedentes criminais registados;
- está enquadrado social e familiarmente: em situação de reclusão, tem beneficiado do apoio dos seus familiares e amigos, tendo usufruído de visitas dos pais e da sua madrinha, esta residente em Espanha, e de amigos;
- conciliava com a sua actividade laboral, a frequência do curso superior de engenharia industrial;
- no período que antecedeu a presente situação jurídico-penal, o arguido mantinha-se numa situação de vida autónoma e equilibrada, embora condicionada pela pandemia por Covid 19, exercendo actividade na sua empresa e frequentando o 4º ano do curso de engenharia industrial, mantendo uma ligação muito próxima e gratificante com os seus familiares;
- sem olvidar que na sua cabine não existia qualquer produto estupefaciente e que inexiste qualquer prova sobre a vantagem patrimonial, em concreto, no que ao arguido diz respeito e, que dos factos não provado não resulta que tenha utilizado os aparelhos de comunicação;
- de igual modo, milita a seu favor que este vivia socialmente enquadrado e apoiado familiarmente, com apoio dos pais que estiverem sempre presentes nas audiências de julgamento;
- factos que abalam qualquer convicção de que poderá prosseguir qualquer tipo de actividade delitual – o que, certamente, desde logo, atenua significativamente as exigências de prevenção do caso concreto;
- haverá, ademais, que considerar as consequências nefastas e o carácter altamente repressivo da prisão, que segrega, retirando a liberdade, a sua família e o direito ao trabalho - lógica que permite, novamente, concluir que o arguido revelará uma propensão inexistente para a prática de crimes, ciente dos custos da vida prisional e da sua reclusão da comunidade e principalmente junto da família;
- havendo que sopesar aquando do cálculo da aplicação de uma pena justa e moralmente aceitável para a sociedade, que, ao mesmo tempo, permita ao arguido ter ainda uma segunda oportunidade na sua vida;
- com vista a assegurar as finalidades preventivas da pena será mais seguro optar por manter o arguido integrado do que condená-lo a viver na reclusão e no desaconselhável ambiente prisional.
Finalmente, o arguido CC defende que,
- ao arrepio do que determinam os artigos 40.º/1 e 2, 70.º e 71.º CPenal, as penas aplicadas foram demasiado gravosas.
Isto porque,
- embora no caso da prática efectiva dos crimes em questão, a necessidade de prevenção geral seja elevada, as necessidades de prevenção especial no que a si diz respeito são diminutas;
- como resultou provado, não tem antecedentes criminais e encontra-se inserido social e familiarmente, mantendo uma relação afectiva harmoniosa e gratificante com a sua companheira;
- sendo ainda jovem, a infância e adolescência decorreram sem problemas comportamentais, nomeadamente disciplinares, tendo tido um aproveitamento escolar satisfatório, concluindo o nível secundário com 16 anos de idade;
- toda a sua vida anterior aos factos que deram origem aos presentes autos foi de absoluto compromisso com a vida em sociedade;
- desde que foi detido à ordem dos presentes autos, sempre tem tido um comportamento isento de falhas, não tendo tido qualquer processo disciplinar e exercendo actividade no estabelecimento prisional;
- apesar da gravidade dos factos pelos quais se encontra condenado, os mesmos constituíram uma excepção na sua vida e, portanto, o juízo de prognose que se pode fazer relativamente ao seu comportamento futuro apenas pode ser favorável;
- o que impõe uma pena que, embora constituindo uma penalização, deve permitir a sua reinserção e ressocialização, pelo que não deve afastar dos mínimos legalmente previstos.
Como é sabido a questão da medida da pena não é do conhecimento oficioso por parte do tribunal de recurso.
Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena, o juiz serve-se do critério global contido no artigo 71º C Penal, estando vinculado aos módulos – critérios de escolha da pena constantes do preceito. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O dever jurídico, substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo da decisão sobre a determinação da pena.
Acerca da questão da cognoscibilidade, controlabilidade da determinação da pena, no âmbito do recurso, há que dizer que a intervenção do tribunal nesta sede, de concretização da medida da pena e do controle da proporcionalidade no respeitante à sua fixação concreta, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada.
Vem-se entendendo que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.
Com efeito, o recurso não se destina a proceder a uma nova determinação da pena, mas, apenas, a verificar o respeito por aqueles critérios que presidem à sua determinação, com eventual correção da medida da pena aplicada se o caso a justificar.
Ultrapassada que está a fase da consideração, como ponto de partida para a determinação da medida concreta da pena (onde, coincide a aplicada nos autos) o do ponto médio da sua moldura abstracta, bem como o de ser esta a matéria onde transparece e se assume na plenitude, a arte de julgar, como ponto incontornável de partida e de chegada, temos que a operação de determinação da medida da pena, se faz em função dos critérios gerais de medida da pena, seja, a culpa do agente e as exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Dispõe o artigo 40.º C Penal - diploma a que pertencerão as disposições legais doravante citadas sem menção de origem - que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, n.º1 e, que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, n.º 2.
As finalidades da pena são, nos termos do artigo 40.º CPenal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições normativas específicas que devem ser respeitadas: a formulação da norma reveste a “forma plástica” de um programa de política criminal cujo conteúdo e principais proposições, cabe ao legislador definir e que, em consequência, devem ser respeitadas pelo juiz.
A norma do artigo 40° condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, sendo a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.
Por sua vez, nos termos do artigo 71º/1 e 2 C Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
Considerando, nomeadamente, nos termos do n.º 2 desta norma:
“a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência:
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.
A este processo deve presidir uma preocupação de tratamento justo do caso concreto, adequado à vontade e intenções da lei, que haverá que passar pela escolha de reacção sancionatória com aptidão e eficácia bastantes à ideal/tendencial protecção do bem jurídico violado e à dissuasão da prática de novos crimes, constituindo a retribuição justa do mal praticado, dando satisfação ao sentimento de justiça e segurança da comunidade e contribuindo, na medida do possível, para a reinserção social do delinquente.
A culpa constitui, assim, o limite inultrapassável do quantum da pena, dentro é certo da sub-moldura da prevenção geral e ponderadas as necessidades que o agente apresente em sede de prevenção especial.
Esta medida concreta da pena a aplicar ao arguido, tendo em atenção que a mesma assenta na “moldura de prevenção”, cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do quantum da pena imprescindível, no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, deve ser encontrada dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, artigos 40º/2 e 71°/1 CPenal.
Isto é, se a culpa constitui o pressuposto e o limite da pena, as suas finalidades são a prevenção geral e especial.
O modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é, como ensina o Professor Figueiredo Dias, “aquele que comete à culpa a função, única, mas nem por isso menos decisiva, de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral, de integração, a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa e, cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dento da referida “moldura de prevenção”, que sirva melhor as exigências de socialização ou, em casos particulares, de advertência ou segurança do delinquente” in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril - Dezembro 1993, 186-187.
Como vimos já, os arguidos foram condenados,
- nas penas de dez anos de prisão, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º/1 do Decreto Lei 15/93,
- nas penas de oito anos e seis meses de prisão, pela prática do crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º/1 e 2 do Decreto Lei 15/93,
- nas penas únicas de catorze anos de prisão.
A medida da pena é determinada a partir do que resulta dos factos provados (e do que deles se pode deduzir) em relação a cada arguido que tenha cometido um ilícito penal e não a partir de considerações, por si, feitas, que não se extraem ou que não encontrem apoio nesses mesmos factos dados como provados.
Passando a analisar os argumentos apresentados pelos recorrentes, desde logo há a sublinhar que não podemos ter em conta factos por eles alegados, mas que não constam da matéria dada como provada.
Será o caso em relação ao arguido AA,
- culpa sensivelmente diminuída;
- o alarido social dá-se sobretudo pelo facto dos próprios OPC’s que investigam este tipo de ilícito tornarem públicos os processos;
- a sua confissão e o seu arrependimento.
Tendo, então, presente que a culpa constitui o limite inultrapassável do quantum da pena, dentro é certo da sub-moldura da prevenção geral e ponderadas as necessidades que o agente apresente em sede de prevenção especial, a propósito da fixação e determinação da medida concreta da pena, no caso em apreço, perante a singela e básica factualidade provada, há que convocar os seguintes factores:
1. Os arguidos, actuando de forma concertada com outros indivíduos não identificados, integram um grupo organizado, que se dedica à aquisição, transporte e venda de cocaína da América do Sul para a Europa, por via marítima.
3. De acordo com o plano previamente delineado, os arguidos navegaram de Espanha, até local não concretamente apurado no mar, sito nas proximidades da América do Sul, onde pkon2n de 7m recolheram 183 sacos contendo cocaína, que transportaram até local não concretamente identificado no mar, nas proximidades da Península Ibérica, com o propósito de os entregarem a terceiros pertencentes àquela organização.
5. No interior do veleiro, os arguidos transportavam um total de 183 sacos de ráfia, que foram apreendidos no dia 17.10.2021 e que continham no seu interior:
975 placas de cocaína (cloridrato), com o peso liquido de 995493,134 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 89,7%.
1350 placas de cocaína (cloridrato), com o peso liquido de 1372070,219 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 87,6%.
725 placas de cocaína (cloridrato), como peso líquido de 737925,343 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 83,2%.
725 placas de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 744672,750 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 88,6%.
- 75 placas de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 75897,454 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 89,7%.
75 placas de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 73104,806 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 92,3%.
50 placas de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 50709,204 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 83,4%.
600 placas de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 616843,377 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 84,6%, sendo que alguns se encontravam dissimulados nos compartimentos da popa da embarcação e outros distribuídos/espalhados pelo chão da cozinha, da sala de jantar e da sala de convívio, cujo acesso era efectuado pela zona comum do veleiro.
6. No dia 17.10.2021 foram ainda apreendidos:
- 1 (uma) caixa hermética de plástico transparente e tampa branca e 1 (uma) caixa hermética de plástico transparente e tampa amarela, que continham cocaína (clorid rato), com os pesas líquidos de:
12,204 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 62,0%.
59,477 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 66,8%.
74,100 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 69,4%.
- 1 (um) tabuleiro de cor laranja, bem como um canudo em papel e um papel plastificado, todos com resíduos de cocaína.
8. Nessa altura, na posse do arguido AA foram encontrados e apreendidos:
A quantia monetária de €10.300,00 (dez mil e trezentos euros);
9. Na mesma altura, na posse do arguido BB foi encontrada e apreendida:
A quantia monetária de €890,00 (oitocentos e noventa euros).
10. Na mesma ocasião, na posse do arguido CC foram encontrados e apreendidos:
A quantia monetária de €485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros);
13. As quantias monetárias apreendidas aos arguidos, eram resultantes da actividade de transporte de cocaína.
Condições pessoais e antecedentes criminais do arguido CC
29. A quando da sua detenção à ordem destes autos, o arguido encontrava-se desempregado.
30. CC tem um filho de sete anos de Idade — por referência à data do julgamento [Setembro de 2022] - fruto de um relacionamento extinto, com quem o arguido não mantém relação próxima.
31. Mantém relação marital com uma cidadã romena desde 2018, ligação afectivamente gratificante e harmoniosa, da qual não existem descendentes.
32. À data da prisão do arguido, o casal residia em habitação arrendada, na Corunha, morada que veio a ser alterada após aquele evento, em razão das dificuldades da companheira do arguido em assegurar as despesas com a renda de casa.
33. A companheira do arguido trabalha como polícia auxiliar.
34. Por volta dos 27 anos teve consumos esporádicos de cocaína, em contexto recreativo.
35. A companheira trabalha há vários anos como polícia auxiliar, auferindo um vencimento de cerca de 1000 euros.
36. Uma vez em liberdade, o arguido perspectiva regressar à Corunha, para junto da companheira.
37. CC tem vindo a usufruir de visitas por parte da companheira.
38. No plano laboral, pretende voltar a trabalhar no sector da restauração, eventualmente como empregado de mesa, tendo a expectativa de obter colocação num restaurante, em Vila Garcia, onde já trabalhou.
40. Em meio prisional, o arguido tem mantido um comportamento normativo e convergente com as regras instituídas, isento de processos disciplinares, desenvolvendo recentemente, actividade laboral como faxina na prisão.
41. O arguido encontra-se abstinente de consumos de estupefacientes, não beneficiando de acompanhamento clinico na prisão.
42. O arguido não tem antecedentes criminais registados.
Condições pessoais e antecedentes criminais do arguido BB
43. BB, natural do Peru,
45. Em 2005 emigrou para Espanha, onde se manteve até 2014, vindo a obter o titulo de autorização de residência permanente.
46. Durante os anos em que permaneceu em Espanha, manteve-se integrado profissionalmente a exercer a actividade de mecânico de barcos para várias empresas, habitando em casas arrendadas, numa situação de vida equilibrada.
47. BB é consumidor de cocaína em contextos de convívio social desde a adolescência, até à data da actual reclusão, não percepcionando que os mesmos lhe retirem funcionalidade na sua vida.
48. Em 2014 regressou ao Peru para reestruturar a sua vida, com o objectivo de vir a casar, situação que não velo a acontecer, tendo somente vivido maritalmente com a companheira durante cerca de 3 anos na habitação do pai desta.
49. Manteve-se depois a residir no piso superior da vivenda dos pais, em situação autónoma de vida, trabalhando numa empresa de aviação como técnico de manutenção de terra, vindo a constituir, em 2018, uma empresa de prestação de serviços em várias áreas da construção civil e outras.
50. Conciliava com a sua actividade laboral, a frequência do curso superior de engenharia industrial.
51. Com o objectivo de manter o título de residência permanente, a partir de 2018, começou a deslocar-se a Espanha, onde permanecia curtos períodos de tempo, realizando trabalhos indiferenciados e habitando em quartos.
52. No período que antecedeu a presente situação Jurídico-penal, o arguido mantinha-se numa situação devida autónoma e equilibrada, embora condicionada pela pandemia por Covid 19, exercendo actividade na sua empresa e frequentando o 42 ano do curso de engenharia industrial, mantendo uma ligação muito próxima e gratificante com os seus familiares.
53. Em situação de reclusão, tem beneficiado do apoio dos seus familiares e amigos, tendo usufruído de visitas dos pais e da sua madrinha, esta residente em Espanha, e de amigos.
54. O arguido apresenta como projectos devida, quando em liberdade, vir a regressar ao seu país de origem e retomar as actividades que detinha à data da prisão.
55. Apesar deter sido abo de uma sanção disciplinar por posse de telemóvel, tem revelado, no geral, um comportamento institucional adequado, tendo participado numa peça de teatro.
56. O arguido não tem antecedentes criminais registados.
Condições pessoais e antecedentes criminais do arguido AA
59. Com cerca de 17/18 anos, o arguido, iniciou o consumo de cocaína.
60. A os 19 anos foi para as Ilhas Canárias integrando o agregado familiar de uns familiares, onde permaneceu cerca de 3 anos, vindo a concluir um curso de transporte marítimo pesqueiro e a trabalhar numa empresa de aluguer de automóveis.
61. Neste local, chegou a autonomizar-se arrendando um quarto.
62. Quando regressou à Galiza, veio a concluir novo curso avançado de transporte marítimo pesqueiro como capitão de barca, tendo desenvolvido, durante cerca de um ano, a actividade num barco pesqueiro.
63. Com cerca de 27 anos de Idade, decide ir viver em França, durante um ano, onde permaneceu em casa de um amigo e trabalhou como indiferenciado numa adega de vinhos, altura em que se começou a interessar por vinhos.
64. Quando regressou à Galiza manteve-se a trabalhar numa adega, vindo a concluir um curso de provador de vinhos.
65. Trabalhava, também, pontualmente, na embarcação pesqueira na empresa dos seus familiares.
66. Com 31 anos de idade, estabeleceu a relação marital com a sua actual cônjuge, vindo a casar um ano depois, constituindo agregado familiar próprio em Madrid, residindo numa habitação do pai do cônjuge.
67. Da relação veio a nascer o seu filho, em 2020.
68. Em Madrid veio a estabelecer-se como comerciante de vinhos, representando várias marcas de vinhos de Espanha.
69. No período que antecedeu a sua presente reclusão, o arguido constituía agregado familiar com a cônjuge, técnica contabilista numa empresa da construção civil e com o filho, em Madrid, mantendo a sua actividade profissional como comerciante de vinhos, sendo a situação de vida estruturada e equilibrada, com sustentabilidade económica, apesar dos condicionalismos advindos da pandemia por Covid 19.
70. Enquanto recluso, o arguido beneficia do apoio afectivo e material dos seus familiares, que o visitam mensalmente, aos sábados, sendo que em termos de projectos futuros, após liberto da sua presente situação jurídico-penal, pretende regressar ao seu pais de origem, vir a reintegrar o seu agregado familiar e retomar a actividade laboral como comerciante de vinhos.
71. O arguido tem revelado, no geral, um comportamento institucional adequado, embora tenha cumprido uma sanção disciplinar por posse de telemóvel.
72. O arguido não tem antecedentes criminais registados.
Neste âmbito apenas há que ponderar e extrair ilações dos factos provados, que se repercutam na operação de determinação da medida concreta da pena, não podendo este Tribunal imiscuir-se nem nos factos, nem criticar as ilações deles retiradas, porque a sua intervenção está reservada à matéria de direito.
E, no caso concreto, não se mostra que tenham sido ponderadas circunstâncias que não o devessem ser ou deixado de ponderar outras que o devessem ser.
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.
Estamos perante a violação de dois bens jurídicos de grande importância na vida em sociedade, quer, a saúde quer, a paz públicas, bens fundamentais e suporte que alicerçam a vida em sociedade, que aqui se materializam, em concreto, em factos com elevado grau de ilicitude, ponderando a forma de actuação – em co-autoria - através de uma organização criada para o efeito, para o transporte, por via marítima, de cerca de 6 toneladas de cocaína, com elevado grau de pureza, algures da América do Sul para a Europa.
b) A intensidade do dolo ou da negligência.
A culpa dos arguidos é de normal intensidade a nível de dolo directo, não mitigado por qualquer circunstancialismo.
Isto porque, apesar da actuação com dolo directo, tal não se traduz, de forma necessária, numa culpa de elevada intensidade – como se decidiu.
Com efeito, dolo directo não significa dolo intenso, não significa intenção criminosa de grande intensidade. Significa, tão só, que o agente actuou com vontade dirigida à realização do facto. De resto, a materialidade provada evidencia, também, aqui, uma mediana, absolutamente normal, intensidade dolosa, no cometimento dos factos. Estamos, com efeito, perante um caso absolutamente paradigmático, sem nada de realce que o distinga da normalidade, em relação à forma de cometimento deste ilícito penal, na sua vertente de transporte internacional e intercontinental de produto estupefaciente.
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram.
Naturalmente que subjacente á actuação dos arguidos, está o objectivo de angariaram proventos económicos, tirando partido dos vultuosos lucros que o tráfico internacional de cocaína produz, ao longo da sua corrente de comercialização, entre a origem, entre a produção e o mercado final, do consumo.
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica.
Os arguidos são de modesta condição económica e média condição social e estavam integrados em termos familiares e profissionais á data dos factos, com excepção do CC que estava desempregado.
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.
Nada havendo de realce neste capítulo, a não ser a já mencionada falta de antecedentes criminais de todos os arguidos.
Finalmente, as prementes necessidades de prevenção geral, designadamente, a particular ressonância que estes crimes – que ocorrem com, cada vez maior, inusitada e assustadora frequência, à escala nacional e global - sempre provocam na comunidade e, as não tão prementes, de prevenção especial, pois que os arguidos não têm antecedentes criminais, muito embora, todos eles ligados ao consumo de estupefacientes e estavam inseridos, ao tempo dos factos, em termos familiares e profissionais, com excepção do CC, que estava desempregado.
Factores, que, não obstante, não os impediu, não os dissuadiu, não bloqueou o desígnio criminoso.
Nenhuma das considerações acerca da dogmática do direito penal e nenhuma das circunstâncias, por si só, ou todas ponderadas, em conjunto, de entre as tecidas e alegados pelos arguidos, permite fundamentar a redução das medidas concretas das penas parcelares, desde logo.
Que – recorde-se - numa moldura abstracta de prisão de 4 a 12 anos e de 5 a 15, foram condenados nas penas de 10 e de 8 anos e 6 meses.
Sem embargo de aqui se poder reconhecer uma certa incoerência interna, em termos de equilíbrio e proporcionalidade das medidas concretas das penas. A que, contudo, não é alheia - e, pode justificar, no caso, o resultado encontrado - a absolutamente inusitada dimensão, natureza e características do produto estupefaciente aqui em causa.
Penas inferiores às aplicadas não seriam, nunca, como defendem os arguidos, harmoniosas, nem proporcionais, nem justas em face dos seus medianos graus de culpa, a título de dolo directo.
É inquestionável o elevado grau de ilicitude revelado pelo tipo e pela quantidade do produto de estupefaciente – cocaína – com o peso bruto de cerca de 6 toneladas, transportado no âmbito de uma associação criminosa.
Nem se diga, em benefícios dos aqui arguidos que são meros correios de droga ou mulas.
Estes correios de droga, são, com efeito, utilizados pelas redes e organizações de tráfico em situações de carência económica e fragilidade de que os donos do negócio, visam tirar vantagem.
E, são, quem, no terreno desempenham um papel fundamental no transporte, disseminação e comercialização ao serviço das redes e associações criminosas que se dedicam ao tráfico internacional, visando a obtenção de elevadas vantagens económicas provenientes dos mercados ilícitos onde se inserem e actuam.
Assim, assumindo decisiva importância no funcionamento deste mercado ilícito, em particular na disseminação de produtos estupefacientes, nomeadamente de cocaína, da origem para a Europa.
Não sendo, embora os donos da droga, são uma peça importante, porventura cada vez mais importante para fazer a conexão entre a produção e o consumo, sem a qual não existe negócio, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 19.2.2014, processo 86/13.8JELSB.S1, em www.dgsi.pt.
São, pois, muito elevadas as necessidades de prevenção geral, reconhecidas, designadamente, na “Estratégia da UE em Matéria de Drogas 2021-2025”, em https://www.consilium.europa.eu/media/54087/qc0521073ptn_002.pdf, adoptada pelo Conselho da União Europeia, face ao aumento e elevada gravidade, dimensão e sofisticação das atividades do crime organizado.
Convergem neste sentido, os relatórios de segurança interna, que identificam o «tráfico ilícito de estupefacientes» como um fenómeno que continua a impor-se «como uma das principais áreas de atuação do crime organizado», constituindo o tráfico através dos aeroportos uma «ameaça adicional» (assim, Relatório Anual de Segurança Interna, 2024, p. 60-61), em https://www.portugal.gov.pt/pt/gc24/comunicacao/documento?i=relatorio-anual-de-seguranca-interna -rasi-2024.
O relatório de 2023 do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência salienta, uma vez mais, os elevados riscos para a saúde e para a vida dos consumidores e a dimensão e dinâmica dos mercados internacionais e nacionais das drogas ilícitas, incluindo a cocaína, recentemente confirmado no relatório de 2025, acessíveis em https://www.emcdda.europa.eu/publications/european-drug-report/2023/cocaine_en e https://www.euda.europa.eu/publications/european-drug-report/2025/cocaine_en.
Em face do que vem de ser dito, manifestamente, que as medidas concretas das pena parcelares não ficam nem aquém, nem além, do que no caso se deve ter como aceitável e adequado à medida das respectivas culpas e, da mesma forma, se mostram fixada em valores, que se têm como susceptíveis de assegurar, quer, o premente interesse da prevenção geral, quer, o, ainda assim, necessário, de socialização e de dissuasão, reportado à prevenção especial. E, assim, de cumprir a sua função de transmitir a noção de censura social dos apurados comportamentos dos arguidos.
Isto porque como expressivamente se referiu no Ac. STJ de 1.4.98, in CJ, S, II, 175, “as expectativas da comunidade saem goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o vigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício”.
Tendo em conta todo o exposto consideramos justas, adequadas e proporcionais as penas parcelares aplicadas, sem que se justifique a intervenção corretiva deste Supremo Tribunal.
Vejamos agora a pena única, em face da já afirmada verificação de concurso real de crimes.
Dispõe o artigo 77.º/1 CPenal que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”
Por seu lado dispõe o n.º 2 da mesma norma que, “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
Quanto aos limites, ela deve ser encontrada, no caso, entre os 10 e os 18 anos e 6 meses de prisão.
Na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os factos que concretamente fundamentaram as penas parcelares – a acentuada ilicitude, foram praticados com dolo direto, de mediana intensidade, sendo elevadas as necessidades de prevenção geral e não tão prementes, ainda assim, as de prevenção especial, dadas as apontadas personalidades dos arguidos, primários e integrados em termos familiares e, dois deles, profissionais.
O que aqui importa é a imagem global do facto, a visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso, sobre aquele “pedaço” de vida dos arguidos, num indesmentível quadro de directa e imediata ligação e motivação entre ambos os crimes, tendo presente o número, a natureza e a suas características, a fornecer a gravidade do ilícito global, sempre, naturalmente, reportada às personalidades de cada um deles, ali traduzidas e materializadas.
No caso uma indesmentível e patente pluriocasionalidade – ainda assim, reveladora de especial perigosidade - e não uma qualquer tendência ou carreira criminosa.
Visto o exposto em tendo em conta a moldura do concurso, apreciando os factos na sua globalidade e as apuradas personalidades dos arguidos, neles vertidas, bem como as penas parcelares, não se vê como necessária a intervenção corretiva deste Supremo Tribunal no sentido de reduzir qualquer das penas únicas, que consideramos justas e adequadas e, ainda contida no grau de culpa dos arguidos.
A pena única de 14 anos de prisão não só respeita os limites do artigo 77.º/2 CPenal, como foi fixada abaixo do ponto médio da moldura penal abstracta, o que é revelador de séria preocupação com as necessidades de reinserção social dos arguidos.
Afinal a grande preocupação por todos eles demonstrada e que atravessa, transversalmente, as respectivas conclusões dos recursos.
Todas as circunstâncias apuradas, inclusive as que eram favoráveis aos arguidos, foram devidamente ponderadas na decisão recorrida, depois de o terem sido, igualmente, na 1.ª instância, tendo em atenção o conjunto dos factos dados como provados e as respectivas personalidades, sendo-lhes atribuído o valor adequado e ajustado, não merecendo censura a avaliação que delas foi feita.
O facto de o tribunal não lhes dar a mesma relevância que os arguidos pretendem, não significa que tivesse feito uma avaliação errada ou incorreta, antes revela que estes partem de pressupostos errados. Sobrevalorizando-as, a seu favor indevidamente e de forma subjetiva, portanto, sem razão.
Assim, na presença e consideração de todos estes elementos, não se surpreende motivo que justificadamente possa constituir base de divergência, também, quanto à medida das penas únicas.
Sequer, com fundamento na violação dos critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade legalmente impostos na sua determinação.
Improcedem, assim, também, estes segmentos dos recursos.
4. 5. As inconstitucionalidades.
Diz o arguido AA,
- relativamente aos três recursos interlocutórios retidos o tribunal “a quo” considerou que o tribunal de 1.ª instância respeitou o disposto no artigo 407.º CPPenal e que não há nenhuma inconstitucionalidade nesta forma de proceder de acordo com a lei e, assim, passa a invocar, desde já, a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo tribunal “a quo” ao disposto no artigo 407.º/1 CPPenal para efeito de futuro e eventual recurso para o Tribunal Constitucional.
- foi violado o direito ao exercício do contraditório e não foi facultado à defesa o acesso à imediação e à oralidade da prova em julgamento, o que determina a nulidade de todo o julgamento por violação do artigo 32.º/1 e da CRP;
- o acórdão recorrido viola ainda os mais elementares direitos de defesa dos arguidos, isto é relativamente às já alegadas omissões de pronúncia o tribunal “a quo” não permitiu à defesa inquirir as testemunhas acerca das invocadas nulidades/irregularidades alegadas em sede de contestação, ao arrepio do nos artigos 30.º e 32.º da Constituição;
- andou mal o tribunal “a quo” na esteira do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ao considerar que os arguidos apenas foram detidos no dia e hora em que assinaram o auto de detenção, afigurando-se a detenção dos arguidos manifestamente ilegal, pelo que a decisão recorrida viola o artigo 141.º/1 CPPenal e o artigo 31.º da Constituição;
- não se conforma com o acórdão de que ora se recorre e entende que o mesmo viola todos os direitos de defesa dos arguidos constitucionalmente consagrados no artigo 32.º e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
- a declaração de voto proferida no acórdão recorrido viola o disposto no n.º 2 do artigo 425.º CPPenal e os artigo 32.º/1 e 205.º da Constituição, quando interpretados que as decisões dos tribunais têm que ser fundamentadas na forma prevista na lei e não com a fundamentação proferida por cada um dos Juízes que componha o órgão colegial;
- a interpretação realizada do artigo do caso julgado em direito penal deve ser a de que na fase de inquérito e de instrução nenhuma das questões forma caso julgado, podendo ser todas as questões apreciadas em sede de audiência de julgamento sob pena de esvaziamento do artigo da imediação da prova, da publicidade e da violação do artigo 32.º/1 e 5 da Constituição, que não determinam uma preclusão do direito de defesa do arguido, permitindo que esse direito de defesa prevaleça até após a condenação definitiva e transitada em julgado a fim de que se possa permitir a descoberta da verdade material, princípio fundamental do direito penal;
- verifica-se ainda a inconstitucionalidade por violação do artigo 32.º/1 e 5 da Constituição porquanto a interpretação realizada faz precludir o exercício do direito de defesa reconduzindo a um exercício único, a que se poderá exercitar uma única vez, ou na fase inquérito ou na faz de instrução ou na fase de julgamento;
- na verificação intersistemática e na construção do artigo 32.º/1 e 5 da Constituição não pretendeu o legislador constitucional limitar o direito de exercício do arguido a um só momento estanque antes possibilita que o mesmo possa nas várias fases processuais e a todo o momento nos termos do artigo 61.º CPPenal poderá apresentar a sua defesa, falar em todos os momentos sempre que julgue e creia oportuno, não podendo ser limitado o direito de defesa do arguido e o direito de contraditório a uma fase anterior ao do julgamento em que o mesmo tenha acesso a todos os elementos que militam contra si e em que possa questionar quem realizou os autos que compõem o processo;
- a interpretação realizada do instituto do caso julgado determina a violação expressa do artigo 32.º/1 e 5 da Constituição porquanto não é facultado o direito de defesa, preconizando a interpretação realizada um princípio matemático de formação de vontade do tribunal e um apogeu da prova pré- constituída anterior à da realização do julgamento;
- no caso em apreço a declaração de voto viola ainda o princípio constitucional de que o Julgador administra a Justiça em representação do povo, pois que no caso concreto ao povo só era facultado e só é facultado, embora já dificultado pelos inúmeros seguranças que impedem muitas vezes o acesso livre do povo às salas de audiências, reconduzindo-se cada vez mais os tribunais a reuniões secretas, com excepção dos casos mediáticos, e é neste momento de publicidade do julgamento e em que a bondade ou não da aplicação da lei deve ser considerada se o povo em nome do qual se administra a justiça aceita as decisões, pois que as decisões são coletivas, não só daquele coletivo mas de uma comunidade politicamente organizada;
- ao não se permitir o debate na assembleia cujo povo preside embora representado, viola grosseiramente o tribunal “a quo” esta norma constitucional prevista no artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa.
Desde logo impõe-se realçar que as decisões judiciais que conhecem do mérito das questões suscitadas pelos sujeitos processuais, não são susceptíveis de recurso de constitucionalidade. O recurso para o Tribunal Constitucional é de cariz exclusivamente normativo e não de controlo da regularidade e/ou do mérito das decisões dos tribunais judiciais.
Como é sabido não pode suscitar-se a questão da constitucionalidade da decisão – ou no que vai dar ao mesmo, de entendimentos nela sufragados - enquanto acto de aplicação de normas jurídicas, mas tão só, das normas - ou da sua interpretação - que na mesma decisão hajam sido aplicadas.
No sistema de fiscalização de constitucionalidade vigente, a competência jurisdicional cinge-se ao controlo da (in)constitucionalidade normativa, seja das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas – caso em que o recorrente deve indicar com precisão e clareza, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional) e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas – como acontece com o recurso de amparo espanhol ou a queixa constitucional alemã.
Afirma o recorrente invocar a inconstitucionalidade da decisão recorrida, para efeito de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional.
A alegada inconstitucionalidade não está – como deveria – direccionada a normas ou dimensões normativas de normas.
Esta forma de alegar não só não satisfaz as apontadas exigências de direccionar, fundamentadamente, o juízo de inconstitucionalidade para normas jurídicas ou para a concreta interpretação que das mesmas se fez, como, constitui erro, que não pode deixar de conduzir ao seu não conhecimento, aqui e agora.
Quanto ao mais.
A totalidade das alegadas inconstitucionalidades, mormente as concretizadas, dizem respeito, a sua quase totalidade a questão que nem sequer foram apreciadas e a normas não aplicadas na decisão recorrida, mas sobretudo e decisivamente, a questões que estão fora do âmbito de cognição deste Supremo Tribunal como vimos já. O que lógica e necessariamente, prejudica e impede o conhecimento de todas as questões que lhe são precedentes, incluindo quaisquer inconstitucionalidades.
Com efeito, estão nesta situação,
- a alegada inconstitucional interpretação do artigo 407.º/1 CPPenal;
- a alegada violação do artigo 32.º/1 CRP por violação do direito ao exercício do contraditório, por não ter sido facultado à defesa o acesso à imediação e à oralidade da prova em julgamento, o que determina a nulidade de todo o julgamento;
- a alegada violação dos elementares direitos de defesa dos arguidos, isto é relativamente às já alegadas omissões de pronúncia o tribunal “a quo” não permitiu à defesa inquirir as testemunhas acerca das invocadas nulidades/irregularidades alegadas em sede de contestação, ao arrepio do nos artigos 30.º e 32.º da Constituição;
- a alegada violação dos artigos 141.º/1 CPPenal e 31.º da CRP, por se ter considerado que os arguidos apenas foram detidos no dia e hora em que assinaram o auto de detenção, afigurando-se a detenção dos arguidos manifestamente ilegal;
- a alegada violação de todos os direitos de defesa dos arguidos constitucionalmente consagrados no artigo 32.º e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
- a alegada violação do disposto nos artigos 425.º/2 CPPenal e 32.º/5 e 205.º da CRP, quanto à declaração de voto, na interpretação de que as decisões dos tribunais têm que ser fundamentadas por cada um dos Juízes que componha o órgão colegial e, não na forma prevista na lei e não com a fundamentação proferida por cada um dos Juízes que componha o órgão colegial;
- a alegada violação do artigo 32.º/1 e 5 da Constituição, na interpretação realizada quanto à norma do caso julgado em direito penal, pois que na fase de inquérito e de instrução nenhuma das questões forma caso julgado, podendo ser todas as questões apreciadas em sede de audiência de julgamento - sob pena de esvaziamento do artigo da imediação da prova, da publicidade - não determinando uma preclusão do direito de defesa do arguido, permitindo que esse direito de defesa prevaleça até após a condenação definitiva e transitada em julgado a fim de que se possa permitir a descoberta da verdade material, princípio fundamental do direito penal;
- a alegada violação do artigo 32.º/1 e 5 da CRP porquanto a interpretação realizada faz precludir o exercício do direito de defesa reconduzindo a um exercício único, a que se poderá exercitar uma única vez, ou na fase inquérito ou na faz de instrução ou na fase de julgamento;
- a alegada violação do artigo 202.º da CRP ao não se permitir o debate na assembleia cujo povo preside embora representado.
Ainda assim, como é sabido, quem recorre não se pode limitar a proclamar, muito menos, a sugerir ou aventar hipóteses de violações normativas, erros de julgamento, vícios da decisão.
Tem obrigatoriamente, até pelo princípio da lealdade, probidade e honestidade, a que está vinculado, de fazer a crítica das soluções para que propendeu a decisão de que recorre, aduzindo os motivos do seu inconformismo, a base jurídica em que se apoia e o caminho que deveria ter sido percorrido ou que haverá a percorrer.
Não basta alvitrar a violação de princípios ou de normas constitucionais, necessário é afirmar e tentar demonstrar a incorrecção da aplicação do Direito e o sentido em que as apontadas normas foram interpretadas e o sentido com o qual o deveriam ter sido.
Com efeito, dispõe o artigo 639.º/2 CPCivil, que versando o recurso, matéria de direito, as conclusões devem indicar o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou a norma, que tem por violada, ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ser aplicada.
Ora a esta regra básica, não obedeceram, seguramente, os arguidos, que nem indicam, concretizam, especificam quais os precisos segmentos do princípios e normas que têm por violadas.
Tendo, então, que sofrer as consequências derivadas do incumprimento do ónus que sobre eles recaía, seja o seu não conhecimento, pois que não tem o Tribunal de recurso, em casos que tais, que iniciar qualquer manobra exploratória, destinada a suprir as omissões dos recursos, descobrindo hipotéticas razões de discordância não enunciadas.
E, diz o arguido BB,
- o dever de fundamentação das decisões judiciais é um imperativo constitucional em consequência dos princípios informadores do Estado de Direito Democrático e no respeito pelo efetivo direito de defesa consagrado no artigo 32.º/1 e no artigo 202.º/1 da Constituição da República Portuguesa, que merecem especial acuidade no campo Penal;
- violou o Tribunal “a quo” o dever de fundamentação da sentença, com as devidas consequências legais, concretamente a nulidade da decisão, bem como, foi violado o direito ao exercício do contraditório e não facultado à defesa o acesso à imediação e à oralidade da prova em julgamento e, perante esta situação, devia ser o princípio do contraditório garantido na medida em que todos os intervenientes têm acesso à imediação e oralidade do julgamento e a todas as provas e estão livres os sujeitos processuais para as chamar à imediação e à oralidade, determinando a nulidade de todo o julgamento por violação do artigo 32.º/1 e 5 da Constituição da República Portuguesa e do artigo 61.º/1 alínea a), conjugado com os artigos 327.º/2, 355.º e 361.º/1 e 2 CPPenal;
- o acórdão proferido ora recorrido, violou as disposições constantes dos artigos 40.°, 41.°, 50.°/1, 70.°, 71.º71 e 2 CPenal e 18.º/2 da Constituição da República Portuguesa porquanto mesmo sem esquecer as necessidades de prevenção geral ou os concretos crimes cometidos a ameaça do cumprimento da pena, bem como a sujeição a um regime de prova, ainda que dilatado, seria suficientes para afastar o recorrente da prática de futuros crimes remetendo-o para a execução da pena em comunidade sendo determinada a suspensão da execução da pena de prisão em que o recorrente foi condenado, por igual período, sujeita a um regime de prova.
Do que vem de ser dito, manifestamente que nenhuma norma ou princípio de natureza constitucional se mostram violados nos apontados segmentos da decisão recorrida.
Improcedem, pois, também, este segmento dos recursos.
E com ele a totalidade dos recursos.
III. Dispositivo
Por todo o exposto, decide-se:
1. rejeitar os recursos interpostos pelo arguido AA,
1. 1. relativamente aos interlocutórios, dado que os mesmos não são admissíveis, nos termos do disposto nos artigos 400.º/1 alínea c), 432.º/1 alínea b) (a contrario sensu), 420.º/1 alínea b) e 414.º/1 CPPenal;
1. 2. relativamente aos vícios da decisão e à violação do princípio in dubio pro reo, dado não ser admissível, nos termos do disposto nos artigos 434.º, 432.º/1 alínea b) (a contrario sensu), 420.º/1 alínea b) e 414.º/1 CPPenal;
2. negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos, relativamente às nulidades da decisão recorrida, qualificação jurídico-penal dos factos, à co-autoria e à medida das penas.
3. negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos AA e BB, relativamente à inconstitucionalidade da decisão recorrida.
Custas pelos arguidos, com taxa de justiça, que se fixa, individualmente, em 9 UC,s para o arguido AA e 6 Uc,s para os arguidos BB e CC, dada a inerente tramitação e complexidade processual, artigos 513.º/1 e 514.º/1 CPPenal e 8.º/9 e Tabela III RCP.
Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e, assinado eletronicamente por si, pelos Srs. Juízes Conselheiros adjuntos e pela Sra. Juíza Conselheira Presidente da secção, nos termos do artigo 94.º/2 e 3 CPPenal.
Supremo Tribunal de Justiça, 2025NOV06
Ernesto Nascimento – Relator
Vasques Osório – 1.º Adjunto
Jorge Gonçalves – 2.º Adjunto
Helena Moniz – Presidente da secção