I – Na elaboração do cúmulo jurídico os factos fornecerão o âmbito de incidência do juízo de censura e a personalidade do agente funcionará como o seu elemento aglutinador.
II – Será através da correlação daqueles factos com esta personalidade que se determinará se os factos traduzem apenas uma actuação delitiva plúrima, que não permite afirmá-los como produto da natureza intrínseca do arguido (da sua personalidade), ou se constituem já a expressão de uma verdadeira tendência criminosa, reflexo de uma personalidade que optou decididamente pela senda do crime, caso em que se deverá atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.
III – Na determinação de cada uma das penas parcelares o agente é sancionado pelo facto criminoso individualmente considerado à luz do juízo de censura que esse facto merece enquanto que na fixação da pena única os factos são analisados no seu conjunto, numa perspectiva dinâmica, avaliando-se a dimensão e gravidade do ilícito global enquanto expressão da personalidade que lhe subjaz.
IV – A circunstância de os factores conformadores das exigências de prevenção, ou mesmo da culpa, terem sido já valorados na determinação concreta de cada uma das penas parcelares, não obsta a que esses factores sejam de novo atendidos em sede de determinação da pena única, não valendo aqui a objecção da proibição de dupla valoração. No cúmulo jurídico o que essencialmente releva é a visão de conjunto, pelo que a conformação individual de cada um dos factos criminosos se esbate perante a perspectiva do conjunto, por só esta permitir correlacionar os factos entre si em ordem à verificação de uma verdadeira tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade.
V – A adição a substâncias psicotrópicas não constitui circunstância dirimente da responsabilidade em termos de justificar a desculpabilização da opção pela conduta delitiva, ainda que influa na determinação da medida da pena por duas vias: por um lado, permite admitir que em alguma medida tenha sido afectada a capacidade de conformação do recorrente com os valores jurídico-criminalmente tutelados, circunstância que, projectando-se na culpa enquanto limite intransponível da pena, determinará uma ligeira redução da medida da culpa e, portanto, uma pequena redução do máximo de pena admissível, operando por essa via uma redução do máximo da submoldura penal (ou da faixa penal, se se proferir) em que a pena única deverá ser encontrada. Concomitantemente, oferece-se como factor criminógeno de forte relevância, consabidamente potenciador de actuações criminalmente relevantes, a impor um considerável agravamento das considerações de prevenção especial com o consequente impacto na concretização da pena, obrigando a que esta se afaste de modo muito significativo do mínimo exigido pela prevenção geral.
Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:
I – Relatório:
Por acórdão do Juízo Central Cível e Criminal de Évora - Juiz 3, procedeu-se ao
cúmulo jurídico das penas parcelares impostas nos autos com o n.º 826/19.1PBEVR, 284/20.8PBEVR, 1206/18.1T9EVR, 234/19.4PBEVR e 805/21.9T9EVR, fixando-se a pena única do concurso em 13 (treze) anos e 8 (oito) meses de prisão, a que acresce a pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 5 (cinco) anos, de frequência de um programa contra agressores dirigido à prevenção da violência doméstica e de proibição de uso e porte de arma pelo período de 5 (cinco) anos aplicada no proc. n.º 1206/18.1T9EVR.
Inconformado, recorre o arguido AA formulando as seguintes conclusões:
1º - A pena deve ser reduzida para 7 (sete) anos e 8 (oito) meses de prisão atendendo à ilicitude moderada (do ponto de vista dos valores apropriados) dos crimes patrimoniais perpetrados, não obstante a manifesta tendência para atentar contra o património alheio, à toxicodependência do arguido, a pena mais elevada em concurso é de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão, o transtorno de personalidade borderline, a data da prática dos factos e a desestruturação do arguido ou ausência de projecto de vida.
2º - Por isso, o tribunal recorrido violou o artigo 77º, nº 1, do CP, na medida em que aplicou uma pena desajustada ao conjunto dos factos avaliados e à personalidade do arguido.
Nestes termos e demais de direito deverá o presente recurso obter provimento e em consequência decidir-se em conformidade.
O M.P. respondeu, sustentando, em síntese, que a pena é perfeitamente adequada à situação em análise, por corresponder às exigências de prevenção sem ultrapassar a medida da culpa, pronunciando-se pela sua manutenção.
O Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pronunciando-se nos seguintes termos (transcrição parcial):
(…)
Cumpre emitir parecer nos termos do disposto no artº 416º do CPP, parecer em que se acompanha o referido pelo Ministério Público na 1ª instância, apenas se acrescentado o seguinte (tendo em conta, especificamente, o que o recorrente aponta na sua motivação):
Desde logo, embora se centre o alegado quanto aos crimes de furto (crimes contra a propriedade), há a notar que não é apenas tal tipo de crime que se reportou a atividade do arguido – o mesmo foi condenado pela prática, no processo 826/19.1PBEVR pela prática de um crime de roubo, no processo 284/20.8PBEVR pela prática de 1 crime de roubo tentado, de 1 crime da mesma natureza, tentado e de 1 crime de ofensa à integridade física, no processo 1206/18.1T9EVR pela prática de 1 crime de violência doméstica, 3 crimes de violação, 1 crime de ofensa à integridade física, no 234/19.4PBEVR, pela prática de 1 crime de furto qualificado, no 805/21.9T9EVR pela prática de 1 crime de dano qualificado.
Ou seja, apenas foi condenado pela prática de 1 crime de furto, sendo os demais de muito maior gravidade, por atentarem contra bens pessoais.
Daqui que toda a argumentação de que «os crimes contra a propriedade» se verificaram por via da toxicodependência não tem sustentação.
Aliás, toxicodependência deve ser utilizada, sim, não para atenuar, mas sim para agravar a pena a aplicar em cúmulo, dada a bem maior perigosidade do arguido que daí resulta, reforçando as necessidades de prevenção especial.
Daí, aliás, a sua desestruturação e personalidade demonstrada na prática dos crimes de elevada gravidade pelos quais foi condenado (e a forma como os praticou).
Na verdade, a toxicodependência, conforme tem sido entendido por este STJ (embora admite-se, de forma não totalmente uniforme), não constitui circunstância atenuante, – vejam-se, por exemplo, os acórdãos de 04.05.1995, no processo 047406 (relator – Nunes Cruz), o de 05.03.1997, no processo 96P505 (relator – Lopes Rocha) [«O ser o agente um toxicodependente não constitui circunstância mitigadora de culpa. Não há nisso nada também que diminua consideravelmente a ilicitude mas, pelo contrário, há uma certa culpa na formação da personalidade, por quanto não se é toxicodependente de um momento para o outro, tendo de obedecer a um "iter", umas vezes mais rápido, outras vezes mais longo, de degradação da personalidade e o próprio consumo já é, de si, um crime.»], de 03.03.2010, no processo 242/08.0GHSTC.S1 [relator – Armindo Monteiro): «A toxicodependência como regra não funciona como atenuante, a menos que, comprovadamente, exclua o juízo de censura a dirigir ou o mitigue de forma comprovada e só em condições especiais operando.
O consumo de estupefacientes é punível e o toxicodependente disso tem consciência, como tem a consciência do seu carácter altamente criminógeno, pelo que a permanência ao longo do tempo no seu consumo não deixa de reputar-se deficiência do consumidor em conformar a sua personalidade ao direito.»]. Mesmo a entender-se como atenuante, tal como referido igualmente por este STJ no acórdão de 31.01.2024, no processo 79/20.9T9ALJ.G1.S1 (relator – Ernesto Vaz Pereira) não justifica a redução da pena, como pretendido pelo arguido. Na verdade, como referido em tal aresto, «A toxicodependência, se bem que fator mitigante da culpa é também fator de maior perigosidade do arguido, na prática de ilícitos.» e, agora como referido no acórdão de 15.12.2022 no processo 351/19.6PAPTM.E1.S1 (relatora – Teresa de Almeida), nestes casos são elevadas as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir, sendo ainda que – e aqui como entendido em 20.10.2022 no processo 15/19.5MAPTM.E1.S1 (relatora – Leonor Furtado), «Os hábitos de consumo de estupefacientes são uma fonte de tendência para a prática de ilícitos, dados os custos associados e a adição resultante daquele hábito, pelo que, deve ser ponderado em termos de peso da punição, considerando a prognose sobre se os agentes recuperaram da sua dependência e se não voltam a persistir nesse tipo de consumos e, consequentemente a delinquir para satisfazer os seus hábitos.».
Assim sendo, o argumento utilizado para ser pedida a redução da pena não pode ser atendido.
E, atendendo a tudo o que ficou referido relativamente à personalidade do arguido, correta foi a pena única achada, razão alguma existindo para que se proceda à sua alteração (até porque, como é sabido, a intervenção do tribunal superior assume um carácter essencial de “remédio jurídico”, impondo-lhe, especialmente, identificar incorreções ou erros manifestos atinentes ao processo hermenêutico-aplicativo das normas constitucionais, convencionais e legais mobilizáveis, por parte da instância recorrida, o que não se verifica no caso e, assim, carece de legitimidade para proceder à alteração do quantum da pena como se não existisse decisão anteriormente proferida respeitador daqueles procedimentos).
- Termos em que é parecer do Ministério Público que a decisão recorrida deverá ser integralmente mantida, julgando-se improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.
Foram colhidos os vistos legais.
Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões formuladas, sem prejuízo das questões passíveis de oficioso conhecimento pelo tribunal ad quem, a única questão a apreciar consiste em verificar se é excessiva a pena única fixada no âmbito do cúmulo jurídico de penas a que se procedeu nos autos.
II – Fundamentação:
O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. Por acórdão proferido, no processo n.º 826/19.1PBEVR, a 21/03/2024 e transitado em julgado a 29/04/2024, foi o arguido condenado na pena de 1 (um) ano de prisão, pela prática, em 09/10/2019, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, tendo sido julgada provada a seguinte factualidade:
1) “Em 09 de outubro de 2019, o arguido AA contactou o ofendido BB, tendo acertado com este a marcação de um encontro junto ao posto dos correios de Évora, entre a Rua 1 e a Rua 2, nesse concelho.
2) Ali chegado, pelas 21:30 horas, o arguido AA encetou um breve diálogo com BB, até que no local se assomou o arguido CC.
3) Nessas circunstâncias de tempo e lugar, os arguidos AA e CC tomaram, então, a decisão conjunta de agredirem BB, bem como de lhe retirarem os seus pertences.
4) De imediato, AA desferiu um soco no ofendido.
5) E, de seguida, o arguido CC desferiu um soco no ofendido, o que lhe provocou a queda no chão, após o que lhe desferiu diversos pontapés e golpes de punho fechado na face e crânio, até que o mesmo perdeu momentaneamente os sentidos.
6) Nesse momento, o arguido CC aproveitou para retirar ao ofendido o telemóvel da marca Samsung, modelo Galaxy A5, no valor de 100.00, bem como todo o dinheiro que este trazia consigo, em quantia não concretamente apurada.
7) Por razões não concretamente apuradas, o arguido AA devolveu ao ofendido o referido telemóvel.
8) Uma vez na posse do dinheiro, os arguidos colocaram-se em fuga, abandonando o local com destino a parte incerta.
9) Mercê da conduta dos arguidos, o ofendido BB sofreu um edema na região frontal do crânio, uma ferida incisa de cerca de 2,5 centímetros na face e uma ferida incisa de cerca de um centímetro na região supra orbitária direita, resultando numa cicatriz de cerca de 2,5 centímetros na região frontal e cicatriz de um centímetro na região supra orbitária com caracter permanente; lesões que lhe determinaram treze dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.
10) Ao agirem da forma acima descrita, os arguidos, em comum acordo e em conjugação de esforços e intentos, atuaram com o propósito concretizado de, através de violência e rapidez de atuação e fazendo uso de agressividade física que exerceram sobre o ofendido BB, atingindo-o no seu corpo e provocando-lhe dores e lesões, fazerem seus os valores acima descritos, bem sabendo que não lhes pertenciam e que não tinham qualquer direito sobre os mesmos, e que actuavam contra a vontade do seu legítimo dono.
11) O arguido AA agiu, em todos os momentos, de modo livre, voluntario e conscientemente, apesar de saber serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal.
12) Das condições pessoais, sociais e económicas do arguido AA - do relatório social efectuado pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais consta designadamente que:
“AA é o único filho do casal progenitor. Nasceu de uma relação ocasional mantido pela mãe, pelo que, nunca conheceu o pai. O arguido viveu com a progenitora durante os primeiros meses de vida, mas, devido a situações de negligência e às dificuldades económicas que a mãe apresentava, foi institucionalizado Chão dos Meninos sita em Évora, onde permaneceu até aos 3 anos de idade.
Passado esse tempo, a mãe, com a ajuda dos patrões, o casal DD e EE, recuperou o filho, que deixou a instituição. A mãe trabalhava como empregada interna em casa dos senhores atrás referenciados e apesar de serem eles os seus tutores, era a mãe que se ocupava dele e o educava.
Permaneceu neste agregado até aos 9 anos de idade, passando depois a evidenciar incapacidade em cumprir as regras e orientações transmitidas pela mãe e pelos tutores, tendendo a desrespeitá-los, ao pretender gerir o seu tempo de acordo com a sua motivação. Apresentou elevado absentismo escolar e manteve comportamentos incorretos neste mesmo contexto. Na sequência destes comportamentos, o jovem beneficiou de intervenção no âmbito de Processo de Promoção e Proteção, na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens da área de residência, tendo sido encaminhado para acolhimento institucional, de novo onde permaneceu até aos 13 anos de idade. Aos fins-desemana e nos períodos de férias escolares regressava a casa dos tutores e ficava aos cuidados da mãe.
AA iniciou o percurso escolar em idade regular, mas por falta de motivação e absentismo, experienciou várias reprovações. Concluiu 8º ano de escolaridade em contexto institucional. Quando saiu da instituição iniciou a frequência do 9º ano de escolaridade, mas não o concluiu.
Quando o arguido tinha 13 anos de idade, a mãe faleceu. Nessa altura, AA foi transferido para a casa Pia de Lisboa, onde permaneceu até aos 16 anos de idade. Saiu desta instituição por ter sido decretada a medida de Confiança a Pessoa Idónea, ocasião em que integrou novamente o agregado familiar de DD e EE, agregado familiar com uma boa situação socioeconómica, pois DD era empresário e EE diretora de um Jardim de Infância.
O arguido manteve dificuldades em criar vínculos afetivos neste agregado, onde permaneceu cerca de dois anos. Após esse tempo iniciou uma relação de namoro com uma jovem da sua idade. Como este relacionamento não merecia a concordância de ambas as famílias, o arguido e a namorada saíram de casa e passaram a viver na condição de sem abrigo e mais tarde foram viver para casa da mãe da namorada e no final de 2018 foi expulso de casa pela mãe da namorada.
Após sair de casa da namorada, AA procurou apoio junto da família de acolhimento, mas devido a dificuldades de entendimento com os mesmos, apenas aí permaneceu dois dias, ficando novamente na condição de sem abrigo.
Quando saiu do Estabelecimento Prisional contou novamente com o apoio da tia – FF.
Neste agregado fazia algumas refeições, tratava da sua higiene e pernoitou durante cerca de 3 meses. Porém devido a dificuldades de entendimento com a tia e com um primo que vivia no mesmo agregado, a tia expulsou-o de casa.
Antes de preso, AA encontrava-se há cerca de 10 dias numa situação de grande vulnerabilidade, a viver em prédios abandonados, que se situavam na zona de Évora.
AA cumpre atualmente pena de prisão à ordem do proc. 1206/18.1T9EVR, condenado pela prática dos crimes de violência doméstica, violação e ofensa à integridade física qualificada. À data dos factos constantes da acusação em apreço, AA permanecia em Évora, pernoitando na rua em condição de sem abrigo. Não dispunha de fontes de rendimento, sobrevivendo através de atividades desviantes, consumindo estupefacientes e acompanhando pares com estilos de vida marginais, mercê da sua progressiva instabilidade e desorganização pessoal.
Presentemente e desde que foi preso mantém-se abstinente, encontrando-se a ser acompanhado pelos Serviços Clínicos do EP Linhó desde a sua transferência.
Mantém-se inativo a aguardar a possibilidade de colocação laboral que, entretanto, já solicitou.
No que concerne ao futuro, perspetiva, num primeiro momento, reintegrar o agregado familiar de uma amiga da progenitora, a residir em Évora, em morada que desconhece para, após colocação laboral, se autonomizar e reorganizar a sua vida.
O arguido iniciou consumos de estupefacientes na adolescência, inicialmente apenas haxixe, passando depois a consumir pastilhas MDMA e álcool.
AA aparenta uma postura intimidada perante a intervenção do sistema de justiça penal, mas fraca capacidade crítica face à tipologia criminal de que se encontra acusado, com dificuldade em avaliar o impacto em eventuais vítimas.
Em meio prisional tem apresentado uma conduta consentânea com as normas e regras institucionais. AA tem demonstrado uma postura de grande instabilidade emocional, por apresentar uma postura depressiva.
Fez tentativas de suicídio e recorreu à automutilação, pelo que esteve internado no Hospital Prisional de Caxias, entre 07/09/2021 e 16/09/2021. No E.P. mantém acompanhamento psicológico/psiquiátrico e faz medicação a nível de psicofármacos. No estabelecimento Prisional Leiria jovens nunca teve visitas.
DD e EE (família de acolhimento), não mais mantiveram contacto com o arguido desde que este saiu de casa e não lhe prestam qualquer tipo de apoio.
O arguido demonstra dificuldade para refletir sobre a sua conduta e sobre estratégias promotoras da sua inserção social.”
2. Por acórdão proferido, no processo n.º 284/20.8PBEVR, a 11/03/2022 e transitado em julgado a 17/08/2023, foi o arguido condenado na pena de 2 (dois) anos de prisão, pela prática, em 27/08/2020, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão pela prática a 10/09/2020 de um crime de roubo tentado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, e na pena de 8 (oito) meses de prisão pela pratica, no dia 10/09/2020, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, tendo sido julgada provada a seguinte factualidade para o que ora importa:
6) “Em data e por motivos que não foi possível precisar, AA ficou com o telemóvel de marca Wiko, modelo Y80, com o IMEI .............36, no valor de 129,00 euros, na sua posse.
7) Tal telemóvel pertencia a GG.
(…)
27) No dia 27 de agosto de 2020, pelas 20 horas e 30 minutos, AA e HH, agindo de forma concertada e em comunhão de esforços e vontades, abordaram II quando o mesmo se encontrava na fila do Drive do Mac Donald’s sito Avenida 3, em Évora acompanhado por JJ.
28) Então, HH abeirou-se do veículo conduzido por KK e perguntou-lhe sobre o que se passava entre ele e a sua namorada e, sem que nada o fizesse prever, HH desferiu-lhe uma chapada no lado esquerdo da face e disse-lhe para estacionar o veículo.
29) KK estacionou o veículo e saiu do seu interior para falar com o HH, momento em que AA se aproximou deles; então HH começou a revistar o interior do veículo, retirando do seu interior os documentos do veículo, e começou a pedir-lhe boleia para a cidade.
30) Na posse dos referidos documentos, HH disse a KK que só lhe devolvia os documentos se lhes desse boleia.
31) Face à postura de HH, KK decidiu ir levar a sua amiga, JJ a casa e voltar de seguida para reaver os documentos.
32) Regressado ao McDonald’s, parou o seu veículo do lado do Bairro da Torrejela, em Évora, junto a HH e AA, que lhes devolveram os documentos do veículo e insistiram para que KK lhes desse boleia, o que este recusou.
33) De seguida, HH retirou a pulseira e o anel de ouro que KK trazia consigo e depois de os observar devolveu-lhos.
34) Após, HH, entrou no veículo de KK, sentando-se ao volante, AA entrou na mala do veículo e KK sentou-se no lugar de pendura.
35) Logo, HH iniciou marcha do veículo, no entanto e a pedido de KK, oHH parou o veículo e KK retomou a condução.
36) Por indicação de HH deslocaram-se junto do Hotel Mar d’Ar e Restaurante Samurai, na cidade de Évora.
37) Nesse local e ainda no interior do veículo, os arguidos pediram-lhe tabaco e droga e disseram a KK que se fosse apresentar queixa à Polícia que lhe batiam, disseram ainda que o matavam e lhe partiam a espinha.
38) Na situação descrita, HH puxou o anel de ouro que KK usava no dedo e disse ao ofendido para lhe entregar a pulseira em ouro que aquele trazia consigo, o que aquele fez, por sentir medo dos arguidos.
39) A chorar KK solicitou-lhes que lhe devolvessem os artigos em ouro, altura em que HH pegou num saco contendo no seu interior 1,42 gramas canabis (resina) vulgo haxixe e entregou-o a KK dizendo que aquilo não era um roubo era uma troca, levando os referidos objetos em ouro consigo, fazendo-os seus.
40) Nesse circunstancialismo, os arguidos atuaram em conjugação de esforços para subtrair os referidos os objetos de valor que II tinha em seu poder.
41) Os referidos objetos têm valor não concretamente apurado, mas seguramente superior a 102,00 euros e foram recuperados em 19 de setembro de 2020 na posse de LL.
42) No dia 10 de setembro de 2020, pelas 01 horas e 10 minutos, AA e o HH abeiraram-se de MM, que se encontrava com NN e OO, que circulavam apeados na Praça 4, em Évora.
43) Após uma troca de palavras entre ambos, o arguido HH começou a desferir murros e pontapés no corpo de MM, que caiu ao chão, continuando HH a desferir-lhe pontapés na cabeça e no rosto.
44) Enquanto isso, AA agarrou NN por trás que, por sua vez, tentava libertar-se e na sequência desse confronto, envolveram-se os dois, sendo que AA desferiu uma bofetada na cara de NN e este desferiu um murro na cara daquele.
45) NN em resultado direto da atuação de AA sofreu cicatriz colóide de cerca de 6 mm na face interna direita do lábio superior lesão que lhe determinou um período de doença de 8 oito dias, sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional; NN teve necessidade e receber tratamento hospitalar, no Hospital do Espírito Santo, em Évora.
46) MM em consequência da conduta de HH, foi transportado pelo INEM para o Hospital do Espirito Santo, em Évora tendo sido posteriormente transferido para o Hospital de S. José, em Lisboa.
47) Em resultado direto e necessário da atuação do arguido HH, MM sentiu dores físicas em todo o corpo, resultando ferida no lábio superior com pequena hemorragia incontrolável, traumatismo no nariz e hematoma na região occipital, bem como status pos hemorragia subaracnoideu e status pos fratura dos ossos nasais, lesões que lhe determinaram um período de doença fixável 39 dias sem afetação da capacidade de trabalho normal ou profissional.
48) No dia 10 de setembro de 2020, entre a meia noite e a 01h00, AA e HH dirigiram-se a PP e QQ que se encontravam a circular apeados na Praça 5, em Évora.
49) Pediram-lhes um cigarro e drogas ao que os mesmos responderam que não tinham.
50) Face à resposta negativa, os referidos indivíduos pediram a PP para abrir a mochila que trazia consigo, ao que PP negou e perante isso, o arguido AA rasteirou PP, provocando a sua queda ao chão.
51) Após, AA começou a desferir murros e pontapés, em todo o corpo de PP, atingindo-o nas costas, na cabeça e na barriga.
52) QQ ao ver essas agressões colocou-se em fuga tendo sido perseguido por HH.
53) Em consequência das agressões infligidas, PP sofreu ferida parietotemporal esquerda, escoriação dos cotovelos, escoriação do joelho esquerdo, lesões que lhe determinaram um período de 15 dias de doença, sem afetação da capacidade de trabalho geral e da capacidade de trabalho profissional.
(…)
80) Ao agirem do modo descrito em 27 a 41 os arguidos AA e HH, atuaram em conjugação de esforços e vontades, querendo fazer seus os objetos aí descritos, cientes de que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do ofendido, II.
81) Sabiam que a sua atuação naquele circunstancialismo era adequada a constranger KK a entregar-lhes os objetos, o que o quiseram e conseguiram.
82) O arguido HH conhecia perfeitamente as características do produto que detinha e sabia ainda, que lhe estava vedada a cedência a qualquer título dos referidos produtos
83) Os arguidos AA e HH ao atuarem da forma descrita em 42 a 47, atuaram com a intenção de ofender corporalmente NN e MM, respetivamente, como aconteceu, cientes de que atuavam contra as suas vontades e sem os seus consentimentos, e bem sabendo que a sua conduta era adequada a causar dores e lesões corporais aos mesmos,
84) Ao agirem do modo descrito em 48 a 51, os arguidos AA e HH atuaram em conjugação de esforços e vontades, mediante um plano previamente definido, querendo fazer seus os objetos aí descritos, cientes de que os mesmos não lhes pertenciam e de que, agiam contra a vontade de PP.
85) Sabiam os arguidos que os empurrões, murros e pontapés desferidos a PP eram adequados a constrangê-lo a entregar-lhes os objetos o que quiseram e só não conseguiram concretizar as suas intenções por razões alheias às suas vontades.”
3. Por acórdão proferido a 26/11/2021 e transitado em julgado a 06/10/2022, foi o arguido condenado no processo n.º 1206/18.1T9EVR na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, pela prática, entre abril e dezembro de 2018, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b), 2, al. a) e 4, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão, pela prática de um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 3 (três) meses, pela prática de um crime de violação agravada, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 2, al. a) e 177.º, n.º 5, do Código Penal, e na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses pela prática, em 12/01/2019, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, tendo sido julgada provada a seguinte factualidade:
1) “Entre setembro de 2017 e janeiro de 2018, na Escola ..., em Évora, AA conheceu RR, com quem, em abril de 2018, iniciou um relacionamento amoroso.
2) Decorrido cerca de um mês sobre o início do relacionamento, em datas não apuradas, mas entre maio e junho de 2018, AA impediu RR de se relacionar e conviver com colegas de escola e com amigos e exigiu que esta lhe desse as palavras passe das redes sociais, o que RR fez, após o que o arguido visualizou as redes sociais daquela.
3) Nesse período temporal, em número de vezes não concretamente apurado, no interior do estabelecimento de ensino que frequentavam, AA disse a RR “puta”, “vadia”.
4) Simultaneamente, AA agarrou um dos braços de RR e, exercendo força muscular, apertou-o.
5) Em datas não concretamente apuradas, no mesmo período temporal, no interior do estabelecimento de ensino, AA desferiu uma dentada na cara de RR.
6) Também em datas não concretamente apuradas, no interior da escola, AA:
- desferiu, em duas ocasiões, um pontapé no joelho de RR;
- deu-lhe um murro;
- deu-lhe uma dentada na barriga.
7) No dia 16 de junho de 2018, dia em que RR perfazia 18 anos de idade, AA e RR mantiveram relações sexuais de cópula completa.
8) Nessa ocasião, AA, fazendo força, agarrou os braços de RR e jogou-a para cima da cama, tendo RR dito “as coisas não são assim”
9) Ato contínuo, AA começou a rir.
10) Ao que RR lhe disse para parar e que não estava a achar graça.
11) AA jogou-lhe, então, a mão ao pescoço, tendo RR dito que não queria estar com ele nem estava disposta a ter relações sexuais, que a deixasse sair dali.
12) AA elevou as pernas da mesma e impedindo-a de se mexer.
13) Então, RR começou a chorar.
14) Tendo AA começado a rir dizendo que ia ser como ele queria e que ela não o desafiava.
15) RR esperneou, gritou e pediu a AA que parasse, o que o mesmo não fez, tendo-lhe tapado a boca com a mão.
16) Ato contínuo, e após terem caído da cama, AA introduziu o pénis ereto na vagina de RR, fez com o seu corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual e ejaculou.
17) No período de férias escolares, entre julho e setembro de 2018, em várias ocasiões, AA enviou mensagens escritas a RR e exigiu que a mesma lhe dissesse o que estava a fazer, com quem estava e o que tinha vestido.
18) Nessas ocasiões, AA disse a RR que ela não podia vestir saias, calções, tops e artigos de vestuário transparentes, afirmando que ela queria “mostrar o rabo”.
19) Em agosto de 2018, AA soube que RR tinha ido à praia com um biquíni vestido.
20) Então, AA remeteu mensagens escritas a RR com o seguinte teor:
“Andas te com biquínis desses???”;
“N digo mais nd…acho que já deu para perceber”
“Tss. Está na hora de me exibir”;
“E ent, o que tem haver crl, e para que? Para provocares os gajos e?”;
“Se formos por aí vamos ver quem se da mal. Ads”;
“Que loucura diz lá”;
“Vais comer alguém é?”;
“Ent faz isso que vais ver”;
“Não respondas puta! Que vais ver”;
“Crl está me a errar Erritar!”;
“Tas a ouvir puta de merda”;
“Estás a gozar com a puta da minha cara não é? Tass bem!”;
“Não te vais ficar a rir”;
“Das Ads”.
21) Ainda em agosto de 2018, AA disse a RR que ela mantinha um relacionamento amoroso com um primo.
22) No dia 15 de setembro de 2018, AA telefonou a RR e disse-lhe que não entrasse no estabelecimento de ensino antes de ele chegar.
23) Então, RR entrou no estabelecimento de ensino e aguardou por AA junto de colegas e amigos.
24) Assim que se aproximou de RR, AA agarrou o braço da mesma e, exercendo força muscular, apertou-o, puxando-a.
25) Após, AA iniciou uma discussão verbal com RR.
26) Nesse dia, AA proibiu RR de conversar com SS, seu colega de turma.
27) Durante o mês de setembro de 2018, em várias ocasiões, enquanto RR permaneceu nas aulas, AA ficou, no exterior, a observar com quem a mesma se sentava e conversava.
28) Nessas ocasiões, terminadas as aulas, AA disse a RR que ela era uma “vadia”.
29) No final de setembro de 2018, AA e RR saíram das residências onde habitavam, sem informar os progenitores do local para onde iam.
30) Na primeira noite que passaram fora das respetivas residências, AA e RR pernoitaram no Hotel MOOV, em Évora.
31) Então, AA saiu para comprar comida e RR foi tomar duche.
32) Depois de regressar AA sentou-se na cama e aguardou que RR saísse do duche.
33) Assim que RR saiu do duche, nua e com uma toalha à volta do corpo, AA colocou as mãos nas costas da mesma e, fazendo força, empurrou-a, fazendo-a cair ao chão.
34) Enquanto RR permaneceu no chão, AA desferiu diversos pontapés na barriga e diversas bofetadas na face da mesma.
35) Decorrido algum tempo, AA sentou-se na cama e disse a RR que ela andava a traí-lo, que tinha beijado um rapaz na escola.
36) Então, RR negou ter traído AA.
37) Por não ter acreditado em RR, AA agarrou-a pelo pescoço e deitou-a na cama.
38) Ato contínuo, AA apertou o pescoço a RR e disse-lhe que ela não ia sair dali.
39) Algum tempo depois, AA largou RR e foi à casa de banho.
40) Depois de sair da casa de banho, AA aproximou-se de RR, que continuava nua com uma toalha à volta do corpo, e disse-lhe que pretendia manter relações sexuais.
41) Perante a recusa de RR, AA agarrou num dos braços de RR e, exercendo força, empurrou-a, fazendo-a cair sobre a cama.
42) Ato contínuo, AA colocou o seu corpo sobre o corpo de RR e puxou os braços da mesma para cima.
43) Após, AA colocou um dos braços sobre os braços de RR e as pernas sobre as pernas desta, impedindo-a de se debater.
44) De seguida, AA inseriu o pénis ereto na vagina de RR e fez com o seu corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual, até ejacular.
45) Simultaneamente, por diversas vezes, RR disse a AA que não queria e agitou os braços e as pernas, tentando sair debaixo dele.
46) Em consequência direta e necessária da conduta de AA, RR sofreu de nódoas negras, de dores físicas, de mal-estar psicológico, sentiu-se humilhada e achincalhada, e engravidou, tendo interrompido a gravidez no dia 16 de janeiro de 2019.
47) Depois dessa noite, entre setembro e novembro de 2018, AA e RR pernoitaram nas ruas de Évora.
48) Então, em várias ocasiões, RR pediu dinheiro ao pai, TT.
49) Numa ocasião, no referido período temporal, AA disse a RR “quando é que o velho vai aí fazer o depósito”.
50) Por não ter gostado que AA se referisse ao pai dela utilizando a expressão “velho”, RR cuspiu na face do mesmo.
51) De imediato, AA disse a RR para não voltar a cuspir para cima dele.
52) Noutra ocasião, no referido período temporal, RR disse a AA que não ia pedir mais dinheiro ao pai
53) Nessa ocasião, AA desferiu um murro na face de RR e um pontapé na barriga de RR e disse-lhe “olha o que me obrigaste a fazer”.
54) Ainda entre setembro e novembro de 2018, enquanto pernoitaram nas ruas, sempre que alguém olhou para RR, AA disse à mesma “cabra”, “vaca”, “puta”.
55) Entretanto, em novembro de 2018, depois de conversar com a mãe, UU, RR decidiu regressar a casa, tendo-lhe AA dito que se ela não o levasse ia fazer o mesmo a amigas dela.
56) Por ter sentido receio pelas amigas, RR levou AA para a residência, sita na Herdade 1, em Vila Nova da Baronia.
57) Enquanto coabitaram, entre novembro e dezembro de 2018, AA exigiu que RR tratasse de todas as tarefas domésticas.
58) Nesse período temporal, em data não concretamente apurada, AA disse a RR que ela era má namorada, que não o servia bem, e desferiu bofetadas na face da mesma.
59) Ainda no referido período temporal, numa ocasião, depois de visualizar as mensagens escritas que RR tinha recebido de colegas da escola, AA arremessou ao chão a roupa que a mesma tinha passado a ferro.
60) Após, AA exigiu que RR voltasse a passar a roupa a ferro e bloqueou-lhe as redes sociais, o que fez alterando a password, impedindo-a de contactar com colegas e amigos
61) Noutra ocasião, em data não concretamente apurada entre os meses novembro e dezembro de 2018, no interior da residência, RR estava sentada na entrada do sótão, com os pés pendurados para baixo.
62) Então, AA chamou RR, que não respondeu.
63) Ao que AA lhe disse: “Puta não me estás a ouvir!”.
64) De imediato, AA aproximou-se da entrada do sótão, agarrou os pés de RR e, fazendo força, puxou-os, fazendo-a cair ao chão.
65) Ato contínuo, AA desferiu um soco num armário, partindo-o.
66) De seguida, AA aproximou-se de RR, que se encontrava caída no chão, e começou a tentar retirar a roupa que a mesma tinha vestida.
67) Então, RR levantou-se e começou a caminhar apressadamente pelo interior da residência, fugindo de AA.
68) Junto a umas escadas de acesso ao piso inferior da residência, AA agarrou os cabelos de RR e, exercendo força muscular, puxou-os, arrastando-a pelos degraus das escadas.
69) Após, mantendo os cabelos de RR agarrados, puxando-os, enquanto fazia força, AA arrastou-a para um dos quartos.
70) Já no quarto, AA empurrou RR, fazendo-a cair sobre a cama.
71) Ato contínuo, AA levantou o vestido que RR tinha vestido para cima e deitou o seu corpo sobre o corpo dela.
72) Após, AA inseriu o pénis ereto na vagina de RR e fez com o seu corpo movimentos oscilantes característicos da relação sexual até ejacular.
73) Simultaneamente, RR esbracejou e esperneou, tentando sair debaixo de AA.
74) Nesse mesmo dia, no interior da referida residência, AA aproximou-se de RR, que se encontrava na sala, a conversar com a mãe ao telemóvel.
75) Então, RR continuou a conversar com a mãe, tendo AA saído.
76) Decorrido algum tempo, AA entrou na sala, empunhando uma faca de cozinha, e sentou-se numa cadeira, de frente para RR.
77) De seguida, AA pôs a faca perto do pescoço e fez, com a mesma, um movimento horizontal, simulando uma degolação.
78) Entretanto, RR continuou a conversar com a mãe, tendo-lhe AA dito que despachasse essa “merda”, pois tinham de conversar.
79) Como RR continuou a conversar com a mãe, AA encostou a faca ao pescoço da cadela de RR e disse “VV, tu és a próxima”.
80) De imediato, RR despediu-se da mãe e desligou o telefone.
81) Ato contínuo, AA exigiu que RR dissesse que o amava.
82) Por ter sentido receio, RR pediu desculpa a AA e disse que o amava.
83) Decorrido algum tempo, RR terminou o relacionamento amoroso com AA.
84) Inconformado com o fim do relacionamento, AA disse a RR “vais ver o que vai acontecer às tuas amigas”.
85) Após, AA telefonou e remeteu mensagens escritas a RR.
86) Ao agir da forma descrita, AA sabia que molestava a saúde física de RR, que a ofendia na sua honra e consideração, que fazia com que ela receasse pela sua vida, que abalava a sua segurança pessoal, o seu amor-próprio e a sua dignidade, ou seja, sabia que lhe provocava sofrimento físico e psíquico, o que pretendeu e fez de forma reiterada.
87) Ao atuar da forma descrita em 7. a 16., em 35. a 46. e em 61. a 72., ciente de que agia contra a vontade e sem consentimento de RR e de que desrespeitava a sua capacidade de decidir com quem e quando se relacionar sexualmente, AA quis exercer e exerceu força física sobre a mesma, impedindo-a de se debater e procurando mantê-la imobilizada, com o único propósito de com ela manter atos sexuais com introdução do pénis na vagina e de, assim, satisfazer os seus instintos libidinosos, o que logrou alcançar.
88) Antes de 16 de junho de 2018, RR nunca tinha tido relações sexuais.
89) Em virtude dos atos praticado pelo arguido, e para além do descrito em 86. e 87., RR sentiu tristeza, medo de estar sozinha em casa, angústia, receio por si e pelas suas amigas, tendo ainda medo de ter uma relação de namoro.
*
90) No dia 12 de janeiro de 2019, pelas 04H15, na Avenida 7, em Évora, AA desferiu diversos pontapés na cabeça WW, que se encontrava caído no chão.
91) Em consequência direta e necessária da descrita conduta de AA, WW sofreu de traumatismo craniano com perda de conhecimento, de múltiplos traços de fratura dos ossos do nariz, com envolvimento das apófises frontais e do septo nasal e marcado desalinhamento associado, de fratura do ramo esquerdo e do corpo à direita da mandíbula com desalinhamento, espessamento dos tecidos moles subcutâneos nas regiões malares em relação com traumatismo, de dores físicas e de mal-estar psicológico.
92) WW foi sujeito a cirurgia maxilofacial com colocação de material de osteossíntese com placas e parafusos de titânio, onde esteve internando 10 dias.
93) Lesões que determinaram vinte e oito dias de doença, sem afetação da capacidade para o trabalho.
94) Ao desferir diversos pontapés na cabeça de WW, AA sabia que iria provocar o mal-estar físico e psíquico de que aquele veio a sofrer, resultado que desejou e que logrou atingir.
95) O arguido AA agiu sempre, em todas a situações supra descritas, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, e tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa mesma avaliação.”
4. Por sentença proferida a 09/11/2023 e transitada em julgada a 12/06/2024, no âmbito do processo n.º 234/19.4PBEVR, foi o arguido condenado na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, pela prática, a 21/03/2019, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 204.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, à qual foi perdoada 1 (um) ano, tendo sido julgada provada a seguinte factualidade:
1) “Em dia 21 de março de 2019, pelas 18H10, XX e AA, em comunhão de esforços e vontades e mediante um plano previamente elaborado, dirigiram-se à residência de YY, sita na Rua 8, em Évora.
2) Aí chegados XX e AA, verificando que a residência é circundada por um muro, saltaram o portão de acesso ao local, de cerca de 2,5 metros de altura, e arrombaram o fecho das portadas de uma janela de acesso à casa de YY, penetrando, desta forma, no interior do mesmo.
3) Após, XX e AA, aproximaram-se da cómoda que se encontrava no quarto e, de cima da mesma, retiraram um relógio de pulso, da marca Longines, avaliado em €1.500,00 (mil e quinhentos euros) que se encontrava numa caixa própria.
4) XX e AA apoderaram-se do relógio descrito em 3. que se encontrava em cima da cómoda no quarto de YY, fazendo-o seus, sem autorização e contra a vontade da sua legítima proprietária.
5) XX e AA, de comum acordo, em conjugação de esforços e mediante plano previamente elaborado, agindo de forma deliberada, livre e consciente, pretendendo fazer seus, como fizeram, o objeto descrito em 3. que se encontravam no interior do quarto de YY, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia, que atuavam contra a vontade da legítima proprietária.
6) Agiram XX e AA de forma deliberada, voluntária e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.”
5. Por sentença proferida a 17/10/2024 e transitada em julgada a 18/11/2024, no âmbito do processo n.º 805/21.9T9EVR, foi o arguido condenado na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão, pela prática, a 08/02/2021, de um crime de dano qualificado, p. e p. pelo artigo 213.º, n.º 1, do Código Penal, à qual foi perdoada 1 (um) ano, tendo sido julgada provada a seguinte factualidade:
1) “No âmbito do inquérito n.º 284/20.8PBEVR, que correu termos no DIAP de Évora, arguido AA foi sujeito a 1.º interrogatório por se encontrar indiciado da prática de dois crimes de roubo, previstos e punidos pelo artigo 210.º, n.º 1, do Cód. Penal, e um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 210.º, n.º1, 22 e 23.º todos do Cód. Penal;
2) Na sequência do interrogatório, o arguido foi sujeito, nomeadamente, à medida de coacção de prisão preventiva a substituir por obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE), a qual foi revista e mantida por despachos proferidos em 04.01.2021 e 04.02.2021;
3) AA iniciou, em 05 de Janeiro de 2021, a execução da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica;
4) No passado dia 08 de Fevereiro de 2021, o sistema de monitorização eletrónica assinalou alarme indicativo de retirada do DIP, vulgo pulseira eletrónica, sendo que, nesse dia, pelas 17:46 horas, o arguido retirou o DIP, tendo-o danificado mediante o corte das braceletes, o que determinou a substituição por outro DIP no mesmo dia, pelas 18:22 horas;
5) Em 09-03-2021, foi revogado o estatuto coactivo do arguido AA na parte concernente à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com o recurso a vigilância electrónica e determinado que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, tendo sido restituído à liberdade no dia 29 de Abril de 2021;
6) Em 01-07-2021, foi determinado que o arguido AA aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, fiscalizada através de vigilância electrónica e foi autorizado as suas saídas de casa, por motivos de saúde urgentes ou devidamente comprovados, que obriguem à saída da habitação; para cumprimento de deveres legais; caso continuem a trabalhar ou a estudar/frequentar cursos profissionais, durante o horário normal de trabalho ou do curso, a definir por escrito pela entidade empregadora ou prestadora do curso, a que acresce o período de tempo estritamente necessário à realização do percurso da habitação para o local de trabalho/curso e deste para a habitação; e por motivos imprevistos e urgentes, que não lhe sejam imputáveis;
7) O arguido AA iniciou, em 05-07-2021, a execução da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE), no âmbito do referido processo;
8) Em 18-08-2021, após o regresso de AA da sua actividade laboral, o sistema de monitorização eletrónica assinalou alarme indicativo de movimentação e danificação da unidade de monitorização eletrónica, sendo que, em deslocação da equipa da DGRSP à habitação do arguido, esta verificou que a UML se encontrava danificada, pelo que foi efectuada a sua substituição;
9) O arguido AA encontrava-se acusado, por despacho de acusação proferido no dia 19-07-2021, pela prática em concurso real e em co-autoria, de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 do Código Penal, por referência aos NUIPC’s 284/20.8 PBEVR e 519/20.7 PBEVR; um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelos art.º 210.º, n.º 1, 22.º e 23.º todos do Código Penal, por referência ao NUIPC’s 515/20.4 PBEVR e 522/20.7PBEVR; e um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º do Código Penal, por referência aos NUIPC’s n.º 537/20.5 PBEVR, 536/20.7PBEVR;
10) No reexame oficioso dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, foi considerado adequada, proporcional e ainda cautelarmente ajustada a manutenção do arguido AA em OPHVE;
11) Em 23-08-2021, o sistema de monitorização eletrónica assinalou novo alarme indicativo de movimentação, danificação da unidade de monitorização eletrónica;
12) Sabia o arguido que a sua conduta era apta a provocar estragos nos aludidos DIP’s, vulgo pulseiras eletrónicas, e que atentas as suas características e especificidades técnicas, tais estragos se afiguravam avultados e impossibilitariam a sua normal utilização pelas organizações públicas competentes e inerente cumprimento das suas finalidades públicas, como aconteceu, resultado que previu e com o qual se conformou;
13) O arguido agiu, assim, de modo livre, voluntario e conscientemente, apesar de saber serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal;
14) O arguido confessou o facto referido em 4 e mostrou consciência do seu erro;
15) O arguido encontra-se no EP de Linhó em cumprimento de prisão efectiva;
16) Não tem qualquer relação com o pai e a mãe faleceu, de doença oncológica, quando o mesmo tinha 13 anos;
17) Antes da mãe falecer, esteve institucionalizado na Associação Chão dos Meninos e na Casa Pia;
18) Sofre de transtorno de personalidade borderline;
19) Faz medicação oral e é acompanhado por psicóloga no EP;
20) Trabalha a fazer limpezas, recebe € 58,00 por mês, e não tem registados incidentes disciplinares;
21) Tem uma namorada desde 2020;
22) É próximo de duas tias;”
Não foram assinalados quaisquer factos não provados, estando a matéria de facto motivada nos seguintes termos:
A convicção do Tribunal assentou nas certidões dos acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 826/19.1PBEVR, 284/20.8PBEVR, 1206/18.1T9EVR, 234/19.4PBEVR e 805/21.9T9EVR e no certificado de registo criminal do arguido.
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Entrando decididamente no tema do recurso, o tribunal recorrido procedeu ao cúmulo jurídico superveniente das penas parcelares aplicadas ao ora recorrente nos processos 826/19.1PBEVR, 284/20.8PBEVR, 1206/18.1T9EVR, 234/19.4PBEVR e 805/21.9T9EVR; e partindo duma moldura de concurso situada entre os 6 (seis) anos e 3 (três) meses e os 24 (vinte e quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão fixou a pena única em 13 (treze) anos e 8 (oito) meses de prisão, acrescendo a pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de 5 (cinco) anos, de frequência de um programa contra agressores dirigido à prevenção da violência doméstica e de proibição de uso e porte de arma pelo período de 5 (cinco) anos, aplicada no proc. n.º 1206/18.1T9EVR.
Pretende o recorrente a redução da pena única para 7 anos e 8 meses de prisão, fundando-se nas seguintes ordens de razões:
- Na ilicitude moderada (do ponto de vista dos valores apropriados) dos crimes patrimoniais perpetrados;
- Na sua toxicodependência;
- No transtorno de personalidade borderline à data da prática dos factos;
- E na sua desestruturação pessoal, pautada por uma ausência de projecto de vida.
Vejamos então como se determina a pena do concurso para depois analisarmos a concreta situação dos autos em ordem a verificar se a determinação da pena obedeceu ao critério legal e se esta foi fixada numa medida justa.
Dispõe a primeira parte do nº 1 do art. 77º do Código Penal que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Nisto consiste o cúmulo jurídico que, na pertinente expressão do Exmo. Juiz Conselheiro Nuno Gonçalves, constitui (…) uma construção normativa, de matriz dogmática, com a finalidade de fundir numa pena única as penas de prisão em que o mesmo agente foi condenado por ter cometido uma multiplicidade de crimes que, entre si, estão numa relação juridicamente determinada 1.
Estando em causa um conhecimento superveniente do concurso, rege o art. 78º, em cujos termos se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes (nº 1), regra aplicável exclusivamente aos crimes cuja condenação tenha transitado em julgado (nº 2), dispondo complementarmente o nº 3 que as penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.
A pena unitária pressupõe a prévia determinação da moldura do concurso segundo os ditames do art. 77º, nº 2, do Código Penal. Estando em causa exclusivamente penas de prisão, essa moldura deverá conter-se entre o limite máximo correspondente à soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes sem que possa exceder 25 anos e o limite mínimo correspondente à mais elevada das penas concretamente aplicadas.
Dentro dessa moldura funcionará o critério consagrado na parte final do nº 1 do art. 77º, na parte em que dispõe que “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
Em bom rigor, esta formulação não esgota os factores a ponderar, já que também a pena resultante do cúmulo jurídico pressupõe o recurso às exigências de prevenção, geral e especial, e também ela encontra limite na medida da culpa. Simplesmente, a determinação da pena única, por se tratar de uma pena referida a uma multiplicidade de factos temporalmente encadeados, já analisados relativamente a cada um dos crimes em presença, exige, em sede de cúmulo jurídico, a adopção de um critério complementar consubstanciado na ponderação conjunta dos factos e da personalidade do agente, posto que aqueles factos poderão ou não afirmar-se como um reflexo da personalidade. Assim, os factos fornecerão o âmbito de incidência do juízo de censura e a personalidade do agente funcionará como o seu elemento aglutinador, sendo através da correlação daqueles factos com esta personalidade que se determinará se os factos não são mais do que uma actuação delitiva plúrima, sem verdadeira interconexão 2, a reflectir essencialmente uma resposta conjuntural a condições de vida mais adversas, a um circunstancialismo mais propício ao cometimento dos crimes, ou a qualquer outro estímulo exógeno que não permite afirmar os factos como produto da natureza intrínseca do arguido, isto é, da sua personalidade, ou se constituem já a expressão de uma verdadeira tendência criminosa, reflexo de uma personalidade que optou decididamente pela senda do crime, caso em que se deverá atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta 3.
Ou seja, enquanto que na determinação de cada uma das penas parcelares o agente é sancionado pelo facto criminoso individualmente considerado à luz do juízo de censura que esse facto merece dentro dos limites admissíveis [em função da culpa e das particulares exigências de prevenção verificadas quanto a cada um dos crimes], na fixação da pena única os factos são analisados no seu conjunto, numa perspectiva dinâmica, avaliando-se a dimensão e gravidade do ilícito global 4 enquanto expressão da personalidade que lhe subjaz.
A personalidade do agente enquanto elemento aglutinador é alcançável através de múltiplos factores. Sem dúvida, através de relatórios médicos e sociais; mas também através dos factos concretos referentes aos crimes praticados, da sua motivação, da verificação da existência de uma interconexão revelada por uma reincidência homótropa ou por outros factores que permitam estabelecer uma relação entre eles; e ainda através do número de crimes cometidos, do período em que foram praticados e da sua gravidade objectiva com expressão ao nível das penas aplicadas.
Por fim, deverão intercorrer no juízo de formação da pena única considerações de adequação e de proporcionalidade, tendo subjacentes a culpa do arguido por referência à sua personalidade e as exigências de prevenção geral e de prevenção especial de socialização, estas últimas com particular relevo na análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente 5.
A gravidade relativa de cada um dos factos criminalmente relevantes é considerada na determinação da pena correspondente ao ilícito a que respeita, razão pela qual na determinação da pena conjunta os critérios gerais indicados no art. 71º – culpa e prevenção – funcionam, em princípio, apenas como referência da pena única. Não se segue, porém, que os factores conformadores das exigências de prevenção, ou mesmo da culpa, por já valorados na determinação concreta de cada uma das penas parcelares, não possam ser de novo atendidos, não valendo aqui a objecção da proibição de dupla valoração. Em sede de cúmulo jurídico o que essencialmente releva é a visão de conjunto, pelo que a conformação individual de cada um dos factos criminosos se esbate perante a perspectiva do conjunto, por só esta permitir correlacionar os factos entre si em ordem à verificação de uma verdadeira tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade. De resto, o problema clássico suscitado pela proibição da dupla valoração prende-se essencialmente com a autónoma valoração na determinação da pena de factos correspondentes a elementos já considerados no tipo. Na vertente do cúmulo jurídico de penas a questão não se coloca, suposto a valoração relativa ao conjunto dos factos revestir, face à ponderação individualizada de cada um dos crimes, uma coloração essencialmente diversa, evidenciando que em rigor não traduz a ponderação do mesmo factor já anteriormente considerado 6.
Como se viu supra, no caso vertente todas as penas em concurso são penas de prisão, estabelecendo-se a moldura do concurso entre um limite mínimo de 6 (seis) anos e 3 (três) meses e um máximo de 24 (vinte e quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão.
Determinada esta moldura, há que encontrar a pena única de acordo com uma visão de conjunto relativamente aos factos praticados, no seu ordenamento histórico e cronológico em interacção com a personalidade do agente, sopesando ainda os demais itens apontados no critério que desenvolvemos supra.
Anote-se que na sindicância da medida da pena o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que com ressalva dos casos de ostensiva violação dos critérios legais, não lhe compete imiscuir-se no quantum exacto de pena. Não obedecendo a determinação da pena a critérios aritméticos ou matemáticos, antes a um critério de ordem jurídica, a margem de intervenção do tribunal de recurso é balizada pela verificação dos critérios legais e pela adequação da dosimetria penal, valendo o paradigma da intervenção determinada pela congruência das normas e princípios legais com a decisão sindicada à luz dos ensinamentos da jurisprudência. Se, de acordo com os princípios, normas e critérios comummente aceites a pena estiver fundamentada e se oferecer como justa, estando, pois, verificado o critério geral do art. 71º do Código Penal sem que se evidencie violação das regras da experiência ou notório afastamento da quantificação efetuada relativamente aos critérios da jurisprudência, a pena deverá ser mantida. Só deverá ser alterada se porventura assim não suceder.
Vejamos então qual foi o raciocínio desenvolvido pelo tribunal recorrido na determinação da pena única, por apelo ao texto do correspondente acórdão, nessa parte, do qual consta o seguinte (transcrição):
(…)
Ora, tendo em conta a matéria dada como provada, dúvidas não há que os crimes em concurso subsumem-se, na sua generalidade, a crimes contra as pessoas e contra o património de alguma gravidade, tendo sido praticados em momentos temporais distintos num período de dois anos e cinco meses, sendo certo que vários foram praticados em momentos concomitantes ou separados por semanas ou escassos meses, o que é bem demonstrativo da acentuada propensão do arguido para o cometimento de ilícitos contra as pessoas e património.
Ademais, a personalidade do arguido, projetada nos factos em concurso, é marcadamente desviante, sendo de tal ilustrativo a circunstância de ter iniciado a prática de factos qualificados como ilícitos penais logo aos 17 anos de idade – pouco depois de se ter tornado penalmente imputável –, tê-lo feito desde logo de forma diversificada, praticando ilícitos distintos – roubos, violações, violência doméstica, ofensa à integridade física e furto qualificado – e gravosos pois na sua generalidade são crimes subsumíveis ao conceito de criminalidade especialmente violenta na aceção do artigo 1.º, al. l), do Código de Processo Penal.
Mais importa atender que o arguido, em momento anterior à situação de reclusão que se encontra, não dispunha de fontes de rendimento, sobrevivendo através de atividades desviantes e consumindo estupefacientes, mormente MDMA, tendo fraca capacidade crítica dos factos praticados, demonstrando dificuldade em avaliar o impacto em eventuais vítimas e em refletir sobre estratégias promotoras da sua inserção social.
Todas estas considerações encontram respaldo na matéria de facto provada, que dá nota das circunstâncias em que ocorreram os diversos crimes cometidos, denotando uma personalidade dominada por uma forte vontade de cometimento dos crimes, sobressaindo uma solução de continuidade que opera a ligação dos diversos ilícitos a uma personalidade claramente refratária aos valores jurídico-penais que conformam a vida em sociedade.
O arguido esgrime em abono do excesso da pena única em que foi condenado uma
ilicitude moderada (do ponto de vista dos valores apropriados) dos crimes patrimoniais perpetrados, alegação que escamoteia a circunstância de estarem em causa, para além da prática de um crime de furto qualificado, crimes de dano, de roubo e de roubo tentado, de ofensa à integridade física, de violência doméstica, e de violação, nos termos supra descritos. A gravidade dos factos pertinentes a cada um desses crimes, valorados no seu conjunto, projecta-se na culpa enquanto factor determinante de um juízo ético-jurídico de censura por referência à pessoa do seu agente (por não ter actuado de forma diversa podendo e devendo tê-lo feito), implicando um elevado juízo de censurabilidade, muito superior à mediania, contrariamente ao sustentado pelo recorrente. O número de crimes cometidos, a gravidade objectiva de cada um deles, tal como sobressai dos factos provados e o lapso temporal em que perdurou a actuação criminosa geram uma perspectiva de conjunto, ou seja, uma imagem global do facto em análise, que reclama expressão ao nível da pena única resultante do cúmulo jurídico enquanto reflexo de pertinentes exigências de prevenção especial.
Vê o recorrente a sua toxicodependência à data da prática dos factos como factor atenuante, mas sem razão. A adição a substâncias psicotrópicas não constitui circunstância dirimente da responsabilidade em termos de justificar a desculpabilização da opção pela conduta delitiva, ainda que influa na determinação da medida da pena por duas vias: por um lado, permite admitir que em alguma medida tenha sido afectada a capacidade de conformação do recorrente com os valores jurídico-criminalmente tutelados, circunstância que, projectando-se na culpa enquanto limite intransponível da pena, determinará uma ligeira 7 redução da medida da culpa e, portanto, uma pequena redução do máximo de pena admissível, operando por essa via uma redução do máximo da submoldura penal (ou da faixa penal, se se proferir) em que a pena única deverá ser encontrada. Concomitantemente, oferece-se como factor criminógeno de forte relevância, consabidamente potenciador de actuações criminalmente relevantes, a impor um considerável agravamento das considerações de prevenção especial, com o consequente impacto na concretização da pena, obrigando a que esta se afaste de modo muito significativo do mínimo exigido pela prevenção geral.
No que se refere ao transtorno de personalidade borderline à data da prática dos factos, dada a multiplicidade de consequências que daí poderiam advir 8 e que o recorrente não concretizou, estamos perante uma alegação inoperante e nessa medida inatendível, por se tratar de argumento genérico, totalmente desacompanhado de qualquer fundamentação.
Por fim, o argumento da desestruturação pessoal do recorrente, pautada por uma ausência de projecto de vida, apenas agrava as exigências de prevenção especial, não se alcançando as razões que conduziram à sua alegação como pressuposto para uma diminuição da pena única.
Em conclusão, no âmbito do enquadramento fáctico descrito, valorados os factos no seu conjunto a par da personalidade do recorrente, à luz, ainda, de todos os demais elementos relevantes, tal como se expôs, a pena única imposta ao recorrente pelo tribunal a quo não excede a medida da culpa, satisfaz critérios de proporcionalidade e de adequação, dá resposta às exigências de prevenção geral e especial e permite influir adequadamente no comportamento futuro do agente em termos de adesão aos valores ético-sociais. É, pois, uma pena justa, que tem subjacente um ponderado equilíbrio dos factos na sua relação com a personalidade do agente, tendo sido equilibradamente fixada dentro da moldura penal.
Consequentemente, o recurso afirma-se como totalmente improcedente.
III – Dispositivo:
Pelo exposto, acordam na 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso.
Fixa-se a taxa de justiça em 6 (seis) UC (art. 513º, nº 1 do CPP, art. 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e correspondente Tabela III).
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Supremo Tribunal de Justiça, 6 de novembro de 2025
(Processado pelo relator com recurso a meios informáticos e revisto por todos os signatários)
Relator: Jorge Miranda Jacob
1º Adjunto: Ernesto Nascimento
2ª Adjunta: Ana Paramés
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1. - Acórdão do STJ, de 15.12.2021, Proc. nº 5402/20.3T8LRS.S1
2. - «Uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade», na expressão de Figueiredo Dias. Cf. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 291.
3. - Figueiredo Dias, ob. e pág. citadas.
4. - A expressão é de Figueiredo Dias, ob. e pág. citadas.
5. - Uma vez mais Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 291/292.
7. - Ligeira, porque a adição é imputável ao próprio arguido enquanto reflexo da sua personalidade, não permitindo a exacerbação do seu contributo para a redução da culpa.
8. - O transtorno de personalidade borderline, sendo caracterizado por um padrão generalizado de instabilidade e hipersensibilidade nos relacionamentos interpessoais, instabilidade na autoimagem, flutuações extremas de humor e impulsividade, cujo diagnóstico depende de critérios clínicos, pode assumir conformações muito diversas. Veja-se, sobre o tema, o Manual MSD – versão para profissionais de saúde, acessível em https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-de-personalidade/transtorno-de-personalidade-borderline