RECURSO DE REVISÃO
FACTOS PROVADOS
INCONCIABILIDADE DE DECISÕES
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
NEGAÇÃO DA REVISÃO
Sumário


A possibilidade de revisão de sentença ao abrigo do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, reporta-se à inconciliabilidade entre factos provados em duas sentenças, da qual resultam graves dúvidas sobre a justiça da condenação, sendo inviável quando essa eventual oposição se estabelece entre factos provados na sentença revidenda e não provados na outra sentença.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:

A – Relatório

A.1. A decisão revidenda

No processo n.º 875/22.2T9CTB.C1, do Juízo Local Criminal de Castelo Branco- Juiz 1, foi proferida sentença, a 19 de dezembro de 2024, através da qual o arguido e ora recorrente foi condenado, para além do pagamento das custas, nos seguintes termos:

a) Condena o arguido AA pela prática, em abril de 2022, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de substâncias e métodos proibidos, p. p. pelo art. 57.º, n.º 1 da Lei n.º 81/2021, de 30 de novembro, e S.1 da Lista de Substâncias e Métodos Proibidos, em anexo à Portaria n.º 312/2021, de 21 de dezembro, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Não se conformando com essa decisão, o arguido dela interpôs recurso, o qual foi julgado totalmente improcedente pelo Tribunal da Relação de Coimbra, através de acórdão proferido a 14 de maio de 2025 e que transitou em julgado a 18 de junho de 20251.

A.2. O recurso para este Supremo Tribunal de Justiça

Inconformado com essa decisão, dela vem agora interpor recurso extraordinário de revisão nos termos do disposto no artigo 449.º, nº.1, al. c) do Código de Processo Penal (doravante “CPP”), o que faz através de peça processual que termina com as seguintes conclusões:

“Concluindo:

I. O arguido ora Recorrente AA, foi condenado por sentença proferida a 19/12/2024, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, Juízo Local Criminal de Castelo Branco – Juiz 1, no processo nº 875/22.2T9CTB, (Doc 2)

II. pela prática, em coautoria material (com o arguido BB e CC), e na forma consumada, de um crime de tráfico de substâncias e métodos proibidos, p. e p., pelo artigo 57º nº 1 da Lei nº 81/2021, de 30 de Novembro, e S1 da Lista de Substâncias e Métodos Proibidos, em anexo à Portaria nº 312/2021, de 21 de Dezembro, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão. (Doc 2)

III. Os factos que levaram à condenação do recorrente, neste processo, foram:

4) No dia 3 de abril de 2022, pelas 18h36, o arguido BB deslocou-se até à Rua 1, na proximidade do Estabelecimento Prisional de Castelo Branco, e arremessou para o seu interior um embrulho composto por meias de cor preta contendo no seu interior:

a) 199 comprimidos de metandienona, de marca Naposim (esteróides androgénicos anabolizantes) e

b) 202 comprimidos de oxandrolona, de marca Oxaver (esteróides androgénicos anabolizantes)

5) Devido à imperícia do arguido BB, o embrulho referido em 4., após arremessado, caiu no telhado do pavilhão C do Estabelecimento Prisional, onde ficou, não caindo para o solo no interior do espaço do mesmo, onde AA o iria recolher. (Doc 1 e Doc 2)

IV. O Recorrente AA, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que

correu seus termos na 5ª Secção (Recurso Penal), sob processo nº 875/22.2T9CTB.C1,

V. foi proferido Acórdão no passado dia 14/05/2025, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, 5ª Secção (Recurso Penal), processo nº 875/22.2T9CTB.C1, o qual, julgou não provido o recurso intentado pelo ora Recorrente, mantendo na íntegra a sentença recorrida. (Doc 3)

VI. Este Acórdão, mencionado supra, já transitou em julgado, no passado dia 18/06/2025.

VII. Por sua vez, os factos descritos em III das presentes conclusões, são os mesmos factos, que, no processo 2/21.3PECTB, o arguido/Recorrente foi absolvido, e que correu seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Juízo Central Criminal de Castelo Branco – Juiz 1, o qual proferiu Acórdão datado de 21/12/2022, (Doc 5) no qual,

VIII. foram dados como não provados, tendo o Recorrente sido absolvido, nomeadamente: “No dia 03 de abril de 2022, pelas 18:36 horas, o arguido BB deslocou-se às proximidades do EP de Castelo Branco, em local sito na Rua 1, e arremessou para o seu interior um embrulho composto por meias de cor preta contendo no seu interior 5 telemóveis e 12,65 gramas de cocaína, que apenas não chegaram à posse do arguido AA porque por imperícia de BB tais objetos ficaram retidos no telhado do pavilhão C do referido EP (cfr. sessões 2184, 2198, 2199, 2250, 2202 e 2205 do alvo .......40, sessões 2921 e 4062 do alvo .......40 – fls. 2880 e 2907, sessão 598 do alvo .......50 – fls. 2881, sessão 1678 do alvo .......50 - fls. 2882, auto de notícia a fls. 2859, auto de visionamento de imagens de fls. 3148-3149 e apenso C – processo n.º 464/22.1T9CTB).” (Doc 4, Doc 5)

IX. O Ministério Público interpôs recurso do Acórdão de 21/12/2022 supra, (Doc 6),

X. para o Tribunal da Relação de Coimbra, que correu seus termos na 4ª Secção (recurso penal) no processo nº 2/21.3PECTB.C1, sendo aí proferido Acórdão datado de 07/06/2023, que deu parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mas, nesta parte, não deu provimento ao recurso do Ministério Público, mantendo o Acórdão da 1ª instância, quanto aos factos de 3 de abril de 2022, pelas 18:36 horas... (Doc 7)

XI. É certo que este Acórdão de 07/06/2023, do Tribunal da Relação de Coimbra 4ª Secção, ordenou o reenvio do processo para novo julgamento, mas que não respeitam aos factos de 3 de abril de 2022 pelas 18:30 horas, supra, (Doc 7)

XII. Realizou-se novo julgamento, em 1ª instância, foi proferido novo Acórdão pelo Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, Juízo Central Criminal de Castelo Branco, datado de 23/04/2024, mas que não alterou os factos de 3 de Abril de 2022, pelas 18:30 horas, supra, (Doc 8)

XIII. Foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra datado de 09/10/2024, no processo nº 2/21.3PECTB.C2, mas que, também não alterou os factos de 3 de Abril de 2022, pelas 18:30 horas, supra ( Doc 10 )

XIV. Assim, pelo acima exposto, decisões diametralmente opostas, sobre os mesmos factos, mesmos intervenientes, Acórdãos proferidos pela Relação de Coimbra, que sobre os mesmos factos, que têm decisões diametralmente opostas, que,

XV. que levaram à condenação do Recorrente AA no processo nº 875/22.2T9CTB.C1, (Doc 3), e,

XVI. que levaram à absolvição do Recorrente AA, no processo nº 2/21.3PECTB.C1 (Doc 7) e no processo nº 2/21.3PECTB.C2 (Doc 10).

XVII. É precisamente a circunstância dos presentes autos, os mesmos factos (Dia, hora e local), os mesmos intervenientes (o Recorrente AA e o arguido BB), os mesmos atos e consequências, mas decisões definitivas diametralmente opostas. Esta incongruência fere o princípio da segurança jurídica e da coerência do ordenamento jurídico, justificado o presente recurso extraordinário de revisão.

XVIII. Esta contradição entre processos 875/22.2T9CTB (condenação) e 2/21.3PECTB (absolvição) é frontal, insuscetível de compatibilização e assenta nos mesmos factos essenciais imputados ao arguido Recorrente AA e arguido BB.

XIX. Esta duplicidade compromete a coerência do sistema de justiça penal, e justifica por completo o presente recurso.

XX. E a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, vai no mesmo sentido, como o Acórdão do STJ de 03/06/2020, processo nº 16086/01.8TDPRT-A.S1, relator: Nuno Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt, que se transcreve o seu sumário:

“I - Inscrevendo-se o direito à revisão extraordinária da condenação no elenco dos direitos fundamentais dos cidadãos injustamente condenados, sem dúvida que a segurança e a paz jurídicas devem ceder perante a necessidade de reafirmar o valor da justiça de modo a que sentença transporte para os autos e traduza no processo a realidade da vida. II - O recurso de revisão é um remédio que, atentando contra o efeito preclusivo do caso julgado e a inerente segurança e paz, cuida de manter o equilibro necessário entre o valor da certeza jurídica que lhe é imanente e a justiça material. III - Por isso, somente se admite a revisão quando o STJ se depara comum caso de condenação notoriamente equivocada, enquadrável em algumas das situações que o legislador taxativamente erigiu como podendo justificar a revogação da sentença condenatória firme. IV - A sua excecionalidade, ínsita na qualificação como extraordinário, resulta a taxatividade dos fundamentos catalogados na lei, não admitindo interpretação extensiva nem aplicação analógica –art.11.º do CC. V - O juízo rescindente só pode ser formulado e, consequentemente, autorizado novo julgamento, se proceder algum dos fundamentos constitucional ou legalmente previstos para que o caso julgado tenha de ceder perante a grave injustiça da condenação. VI - Não podem subsistir na ordem jurídica duas sentenças, em simultâneo, com factos assentes que entre si são antagónicos. VII - Há inconciliabilidade das sentenças, proferidas em processos distintos, quando os factos em que assenta a condenação proferida na sentença, confrontados com os factos provados na sentença proferida noutro processo chocam ou se excluem mutuamente. VIII - O antagonismo da factualidade provada tem de verificar-se entre factos provados que respeitam à existência do crime, ou aos elementos constitutivos do tipo de ilícito, ou à responsabilidade do condenado. IX – Graves dúvidas sobre a justiça da sentença revidenda são todas aquelas que poem em causa, de forma séria, a condenação de determinada pessoa, de molde a ter como praticamente certo que o tribunal, se tivesse conhecido dos factos contrários provados na outra sentença, teria absolvido o arguido. X - No caso, numa e na outra decisão, o mesmo facto naturalístico, o mesmo acontecimento da vida surge cometido, ao mesmo tempo, por duas pessoas diferentes (sem que se tenha provado qualquer relação de comparticipação). XI - É, pois, inegável a inconciliabilidade das duas condenações por patente incompatibilidade da factualidade provada atinente à autoria dos mesmos factos assentes na sentença e no acórdão referidos.”

XXI. Por sua vez, o Acórdão do STJ de 14/05/2015, processo nº 44/12.0IDFUN-A.S1, relator: Isabel São Marcos, disponível em www.dgsi.pt, que se transcreve parcialmente o seu sumário: “I – A inconciliabilidade das decisões a que se refere a alínea c) do nº 1 do artigo 449º do CPP não se reportando às soluções de direito acolhidas em uma e outra das decisões, há-de, antes, tem de materializar-se num antagonismo existente entre os factos que serviram de base à condenação e os factos dados como provados numa outra sentença, de sorte que, do confronto que se faça entre uns e outros, decorram graves dúvidas sobre a justiça da condenação. II – Por outro lado, as decisões inconciliáveis, não se tratando das decisões proferidas no mesmo processo, sobre o mesmo objeto, hão-de ser as decisões que, prolatadas em processos distintos, possuam eficácia executiva autónoma, que lhes advém do caso julgado que sobre elas se formou. Significa isto que a inconciliabilidade dos factos que fundamentaram a condenação e os dados como provados numa outra sentença pressupõe a existência de uma sentença externa, alheia e autónoma ao processo onde foi proferida a decisão revidenda. III - …”

XXII. Pelo que o arguido ora Recorrente AA, vem pedir ao Supremo

Tribunal de Justiça, que profira Acórdão, autorizando a revisão, revogando o Acórdão condenatório datado 14/05/2025 proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, 5ª Secção (Recurso Penal), no processo nº 875/22.1T9CTB.C, e proferida nova decisão, nos termos legais

XXIII. Subsidiáriamente que seja ordenado novo julgamento nos termos do artigo 457º do CPP.”

A.3. Resposta

O magistrado do Ministério Público junto daquele Tribunal apresentou resposta, na qual defende a procedência do recurso tendo, designadamente, consignado o seguinte:

“A pergunta a formular é a seguinte:

- existirá um único crime de tráfico de produtos estupefaciente por referência a todos os produtos estupefacientes apreendidos ou tantos quantos os produtos distintos (cf. cocaína e esteroides anabolizantes)?

Não se tendo apurado nada mais do que aquilo que consta das acusações, estamos manifestamente perante um único crime que devia ter tido uma investigação única, até pela simplicidade dos factos sob investigação.

Diferente teria sido se os produtos anabolizantes tivessem sido obtidos em datas distintas, com estruturas organizativas distintas, colocados em datas distintas, etc., o que não se apurou.

Tratando-se do mesmo crime, o dever de conhecimento de todos os factos impunha-se ao tribunal que primeiro julgou, e tendo ocorrido absolvição o trânsito em julgado da mesma apaga a condenação posterior.”

A.4. A informação judicial

O Venerando Juiz Desembargador depois de, num primeiro momento, se ter limitado a remeter os autos para este Alto Tribunal, prestou a informação a que se reporta o artigo 454º do CPP nos seguintes termos (transcrição integral):

“Em complemento da nossa informação que antecedeu a remessa deste Recurso Extraordinário para o STJ, diremos apenas:

Fazemos nossas as lucubrações apostas na resposta do MP nestes dois recursos.

E assim:

O inquérito 875/22.2T9CTB teve origem em certidão extraída do inquérito 2/21.3PECTB.

Na origem dessa certidão está o despacho do Ministério Público com a Referência Citius 34797704 prévio à acusação formulada no Inquérito 2/21.3PECTB, e que visava uma investigação mais completa ao tráfico de produtos esteroides anabolizantes, a qual, todavia, nada mais logrou apurar senão o que consta da acusação do inquérito 875/22.2T9CTB.

Da certidão extraída deste último inquérito verifica-se que a apreensão pelo Guarda Principal DD de telemóveis, cocaína e comprimidos foi única a 05/04/2022, pelas 13h45, no telhado do pavilhão C. Isto mesmo consta do Relatório n.º 09/2022 de 06.04.

A pergunta a formular é a seguinte:

- existirá um único crime de tráfico de produtos estupefaciente por referência a todos os produtos estupefacientes apreendidos ou tantos quantos os produtos distintos (cf. Cocaína e esteroides anabolizantes)?

Não se tendo apurado nada mais do que aquilo que consta das acusações, estamos manifestamente perante um único crime que devia ter tido uma investigação única, até pela simplicidade dos factos sob investigação.

Diferente teria sido se os produtos anabolizantes tivessem sido obtidos em datas distintas, com estruturas organizativas distintas, colocados em datas distintas, etc., o que não se apurou.

Tratando-se do mesmo crime, o dever de conhecimento de todos os factos impunha-se ao tribunal que primeiro julgou, e tendo ocorrido absolvição o trânsito em julgado da mesma apaga a condenação posterior.

Neste sentido assistirá razão aos recorrentes.

Os recursos extraordinários de revisão de Sentença, nos termos do artigo 449.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça, assentam em «Os factos que servirem de fundamento à condenação (se)rem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação».

Como referem Manuel Simas Santos/Manuel Leal-Henriques/João Simas Santos, «A inconciliabilidade de decisões traduz-se numa incompatibilidade, numa impossibilidade de combinar ou harmonizar, factos dados como provados na condenação com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação» (Noções de Processo Penal, 4.ª Edição, Rei dos Livros, páginas 699 a 700).

A violação do trânsito em julgado de decisão absolutória penal é um dos casos que melhor representa essa mesma inconciliabilidade.

O recurso de revisão constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado, e tem como fundamento principal a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.

Existindo inconciliabilidade de decisões, não resta senão eliminar a condenação posterior ao trânsito em julgado da absolvição do CC 2/21.3PECTB, não valendo aqui a regra do art.º 458.º, n.º 1 do CPP, pois trata-se dos mesmos arguidos em ambos os acórdãos. Valerá aqui o disposto no art.º 461.º do CPP.

Termos em que se entende dever ser dados provimento aos recursos interpostos, eliminando-se a condenação do CS 875/22.2T9CTB do Juízo Local Criminal de Castelo Branco - Juiz 1.

Esta a nossa informação sobre o mérito dos recursos (em questão impossível de ter sido detectada pelo nosso Colectivo aquando da prolação do aresto de 14.5.2025, e daí o nosso laconismo no despacho datado de 1.10.2025, nos apensos A e B).

Comunique de imediato ao STJ de forma a disto dar conhecimento aos Exmºs Juízes Conselheiros que tramitam os referidos dois apensos.”

A.5. Parecer

O Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu douto e esclarecido parecer, no sentido da negação da pretendida revisão de sentença, sublinhando, designadamente, o seguinte (transcrição parcial):

“Ora, não é esse o caso dos autos.

Por um lado, são referidos produtos diferentes num e noutro processo (estupefacientes num e, no outro, esteróides anabolizantes), levando à condenação por crimes diversos.

Mas – e principalmente – não se verificam «factos provados» opostos, antes provados num dos casos e não provados no outro. Referimo-nos a um dos processos se ter dado como provado ter sido o coarguido BB a efetuar o arremessa dos produtos e, no outro, não se ter concluído qual a identidade da pessoa que procedeu a tal ação.

Ou seja, no processo em que não se apurou a identidade da pessoa que fez o arremesso do pacote, não se concluiu que tal pessoa não haja sido o coarguido BB.

E daqui que o confronto seja entre factos provados num processo com factos não provados no outro, o que não cabe na previsão do artº 449º, nº 1, al. c), do CPP, pois que aí se exige, precisamente, a verificação de oposição direta entre factos provados numa e noutra decisão.

Como referido expressamente neste último acórdão – onde, aliás, se fazem diversas referências ao instituto da revisão, mencionando-se diversa jurisprudência de grande relevo - «Não há inconciliabilidade entre factos provados e factos não provados. Os factos não provados não afirmam os factos opostos. Apenas enunciam a inexistência de prova que sustentasse a comprovação dos factos.»

É precisamente esta, como se tem vindo a referir, a situação existente nos autos.

Como tal, não se verifica o preenchimento da previsão/exigência contida na alínea c) do nº 1 do artº 449º do Código de Processo Penal.”

Colhidos dos vistos legais e realizada a conferência, nela foi decidido o seguinte:

B – Fundamentação

B.1. Introdução

O nº 6 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa estabelece que “(o)s cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos”.

Também a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no Protocolo 7, art. 4.º, refere que a sentença definitiva não impede “a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento”.

O legislador ordinário, no artigo 449º do CPP, sob a epígrafe “Fundamentos e admissibilidade da revisão”, estabeleceu as situações (taxativos) em que este recurso extraordinário (respeitante a decisões transitadas em julgado) é admissível, da seguinte forma:

“1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a. Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b. Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c. Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d. Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e. Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;

f. Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g. Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.” (negrito nosso)

A propósito desta norma escreve Paulo Pinto de Albuquerque2 que “(esta) é uma norma excecional que prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave ao princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de direito.”

Conforme refere Pereira Madeira3 : ” O recurso extraordinário de revisão tem em vista superar, dentro dos limites que impõe, eventuais injustiças a que a imutabilidade absoluta do caso julgado poderia conduzir. “(…) “O princípio res judicata pro veritate é um princípio de utilidade e não de justiça e assim não pode impedir a revisão de sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos alcançar.”

Em igual sentido escreve Germano Marques da Silva4: “Há, porém, certos casos em que o vício assume tal gravidade que faz com que a lei entenda ser insuportável a manutenção da decisão. O princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança e a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado, o que é praticamente sensível no domínio penal em que as ficções de segurança dificilmente se acomodam ao sacrifício de valores morais essenciais.”

Também a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem, de forma uniforme, considerado que este recurso (extraordinário) constitui um meio de reação processual excecional, que visa reagir contra erros judiciários manifestos e intoleráveis, pois só a evidência de erro permitirá sacrificar os valores da segurança do direito e do caso julgado, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material.

É, como é igualmente referido por este Alto Tribunal, uma solução de compromisso entre a segurança que o caso julgado assegura e a reparação de decisões que seria chocante manter. E, por outro lado, não pode ser confundido, nem pode servir para obter resultados que poderiam e deveriam ser alcançados com os recursos ordinários.

Assim, e a título de mero exemplo vejam-se os seguintes acórdãos:

“I - O instituto do caso julgado é orientado pela ideia de conseguir maior segurança e paz nas relações jurídicas, bem como maior prestígio e rendimento da atividade dos tribunais, evitando a contradição de decisões.

II - Embora o princípio da intangibilidade do caso julgado não esteja previsto, expressis verbis, na Constituição, ele decorre de vários preceitos (arts. 29.º, n.º 4 e 282.º, n.º 3) e é considerado um subprincípio inerente ao princípio do Estado de direito na sua dimensão de princípio garantidor de certeza jurídica.

III - As excepções ao caso julgado deverão ter, por isso, um fundamento material inequívoco.

IV - Traço marcante do recurso de revisão é, desde logo, a sua excecionalidade, ínsita na qualificação como extraordinário. Regime normativo excepcional que admitindo interpretação extensiva não comporta aplicação analógica.

VIII - O recurso de revisão não pode servir para buscar ou fazer prevalecer, simplesmente, “uma decisão mais justa”. De outro modo, o valor do caso julgado passava a constituir a exceção e a revisão da sentença condenatória convertia-se em regra”

Ac STJ de 24 de fevereiro de 2021 – Processo 95/12.4GAILH-A.S1 in www.dgsi.pt

“A revisão de sentença é um recurso extraordinário e de utilização excecional com pressupostos de admissibilidade limitados e taxativos e não serve para obter efeitos que deveriam e poderiam ter sido alcançados por via do recurso ordinário, do qual os recorrentes não quiseram socorrer ou já se socorreram, ainda que sem êxito.”

Ac. STJ de 11 de julho de 2023 – Processo 5215/18.2T9CSC-A.S1 in www.dgsi.pt

* *

B.2. O caso dos autos

O recorrente fundamenta o seu recurso no disposto nas alíneas d), do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal.

Assim, defende que a matéria de facto apurada no Proc. nº 875/22.2T9CTB.C1-A.S1 - e que foi vertida na decisão revidenda - é inconciliável com aquela que foi apurada no Proc. nº 2/21.3PECTB.C1

B.2.1. Proc. nº 875/22.2T9CTB.C1-A.S1

B.2.1.1. Iter processual

Neste processo o arguido e ora recorrente interpôs recurso para o Venerando Tribunal da Relação5, suscitando, (curiosamente ou não…) a existência de erro de julgamento da matéria de facto constante dos pontos 2, 4, 5, 7 e 86 (artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal – doravante “CPP”), bem como a ocorrência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto como provada (artigo 410º, nº 2 do mesmo diploma legal e, ainda, a violação do princípio in dubio pro reo.

Contudo, dado que tal recurso foi julgado completamente improcedente, manteve-se a decisão sobre a matéria de facto proferida pela primeira instância

B.2.1.2. Matéria de facto dada como provada e não provada

Assim, foram considerados como provados e não provados os seguintes factos:

“1.1. FACTOS PROVADOS

O Tribunal, com relevo para a boa decisão da causa, julga provados os seguintes factos:

1) Em abril de 2022 o arguido AA encontrava-se recluso no Estabelecimento Prisional de Castelo Branco, sendo sua companheira a arguida CC, que se encontrava em liberdade.

2) Os arguidos AA, BB e CC elaboraram conjuntamente um plano para introduzir substâncias anabolizantes no interior do EP de Castelo Branco e ali as vender, trocar ou ceder a terceiros.

3) Para tal, a arguida CC adquiriu diversos comprimidos de Naposim e de Oxaver, a pessoa e por valores não concretamente apurados.

4) No dia 3 de abril de 2022, pelas 18h36, o arguido BB deslocou-se até à Rua 1, na proximidade do Estabelecimento Prisional de Castelo Branco, e arremessou para o seu interior um embrulho composto por meias de cor preta contendo no seu interior:

a) 199 comprimidos de metandienona, de marca Naposim (esteróides androgénicos anabolizantes) e

b) 202 comprimidos de oxandrolona, de marca Oxaver (esteróides androgénicos anabolizantes).

5) Devido à imperícia do arguido BB, o embrulho referido em 4., após arremessado, caiu no telhado do Pavilhão C do Estabelecimento Prisional, onde ficou, não caindo para o solo no interior do espaço do mesmo, onde AA o iria recolher.

(…)

1.2. FACTOS NÃO PROVADOS

O Tribunal, com relevo para a boa decisão da causa, julga não provados os seguintes factos:

a) O embrulho composto por meias de cor preta arremessado pelo arguido BB continha no seu interior 188 comprimidos de metandienona, de marca Naposim (esteróides androgénicos anabolizantes) e 230 comprimidos de oxandrolona, de marca Oxaver (esteróides androgénicos anabolizantes).

b) O arguido BB adquiriu diversos comprimidos de Naposim e de Oxaver, a pessoa e por valores não concretamente apurados.”

B.2.1.3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto

No que concerne a esta matéria o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra começa por transcrever a motivação da decisão da primeira instância nos seguintes termos (transcrição parcial):

«O Tribunal fundamentou a sua convicção na prova produzida em sede de audiência de julgamento, globalmente analisada e concatenada, em conjugação com as regras da lógica e da experiência comum.

Concretizando.

No que concerne à factualidade provada nos pontos 1 a 6, o Tribunal formou a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas EE, DD, FF e GG, em conjugação com o auto de notícia a fls. 5, o auto de visionamento a fls. 16-17, o auto de busca e apreensão a fls. 18-19, o relatório a fls. 26, o teste rápido a fls. 27, a cota a fls. 30, a informação da ADOP a fls. 78, o relatório pericial a fls. 100-101 e as transcrição de interceções telefónicas a fls. 260-265, 296-303 e 335-399.

Em primeiro lugar, cumpre assinalar que as interceções telefónicas são, nos termos do art. 187.º do Código de Processo Penal, um meio de obtenção de prova.

No entanto, quando transcritas, constituem um verdadeiro meio de prova, o qual deve ser analisado pelo Tribunal e conjugado com os demais meios de prova recolhidos (art. 188.º, n.º 9 do Código de Processo Penal).

No caso em apreço, os elementos probatórios recolhidos, de caráter documental e testemunhal, encaixam entre si como as peças de um puzzle.

Vejamos.

Os arguidos, presentes em audiência de julgamento, recusaram prestar declarações sobre os factos que lhes são imputados e sobre as suas condições pessoais e económicas, com exceção, nesta parte, para a arguida CC, no exercício de um direito próprio (art. 61.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Penal).

No entanto, desde logo, na sessão 270 do alvo .......50, transcrita a fls. 340-346, compreende-se, sem margem para dúvidas, que, no dia 30 de março de 2022, o arguido AA

recrutou o arguido BB a fim deste arremessar para o interior do estabelecimento prisional um pacote previamente preparado pela arguida CC, contendo esteróides anabolizantes, a consumir por si e por terceiros (“pá gente rebentar logo as t-shirts”; “pá malta rasgar logo as t-shirts”), dentro do estabelecimento prisional.

O referido recrutamento e explicação sobre o modo de proceder estendeu-se pela sessão 356 do alvo .......50, de 1 de abril de 2022 (transcrita a fls. 347-352).

Posteriormente, o arguido BB combinou com o arguido AA a recolha do pacote a arremessar para dentro do estabelecimento prisional em casa deste, onde a sua companheira, a arguida CC, se encontrava e onde, previamente, tinha procedido à preparação do referido pacote (sessões 394, 395, 396, 397, 400, 402, 404, 406, 408 e 409 do alvo .......50, de 1 de abril de 2022, transcritas a fls. 355-362).

Após, no dia 3 de abril de 2022, pelas 16h09, o arguido AA chegou mesmo a enviar uma mensagem escrita ao arguido BB, perguntando-lhe se poderia contar consigo (sessão 410 do alvo .......40, transcrita a fls. 303).

O certo é que, conforme decorre das sessões 2198, 2199 e 2200 do alvo .......40 (transcritas a fls. 260-261), o arguido AA pôde mesmo contar com a colaboração do arguido BB que, no dia 3 de abril de 2022, pelas 18h36, arremessou um pacote para o interior do estabelecimento prisional onde o arguido AA se encontrava recluído, enquanto mantinha uma chamada telefónica com este, a qual foi intercetada.

Por esse motivo, não restam quaisquer dúvidas ao Tribunal do dia e hora em que o arguido BB efetuou o arremesso.

De todo o modo, por imperícia, conforme resulta das transcrições a fls. 260-261, o pacote previamente preparado pela arguida CC caiu em cima do telhado do estabelecimento prisional, não tendo sido possível ao arguido AA recolhê-lo.

De facto, após se aperceber que o pacote arremessado pelo arguido BB não caiu onde era suposto, o arguido AA contactou, de imediato, com a sua companheira CC, questionando-a sobre a cor da meia que formava o referido pacote, bem como sobre o modo dela proceder na preparação, designadamente se tinha deixado registos ou impressões digitais, mais a informando que o plano tinha “corrido mal” (sessões 2202 e 2205 do alvo .......40, de 3 de abril de 2022, às 18h45 e às 19h05, transcritas a fls. 262-263).

Posteriormente, no dia 10 de abril de 2022, pelas 21h37, o arguido AA manteve uma conversação telefónica com o arguido BB, na qual dialogaram sobre a recuperação do mencionado pacote pelas autoridades (sessão 4062 do alvo .......40, transcrita a fls. 265).

Na verdade, as testemunhas EE, DD, FF e GG descreveram o modo como foi visualizado um pacote no telhado do estabelecimento prisional, o que foi feito para o recuperar e o que continha o mencionado pacote.

As referidas testemunhas, além de deporem de forma lógica, coerente, pormenorizada e objetiva, apresentaram versões dos factos coincidentes entre si e com o auto de notícia a fls. 5, o auto de visionamento a fls. 16-17, o relatório de fls. 26 e o teste rápido de fls. 27, narrando os factos de que tiveram conhecimento direto, na medida da intervenção de cada um.

A este propósito, cumpre assinalar que, apesar da testemunha EE ter garantido que o pacote não se encontrava no telhado há muito tempo, mas apenas, possivelmente, desde a manhã do dia 5 de abril de 2022, o Tribunal entendeu que, não obstante a testemunha possa estar convencida desse facto, o certo é que não restam dúvidas que o pacote intercetado foi o arremessado pelo arguido BB.

São as próprias conversações entre os arguidos, devidamente transcritas, que o confirmam.

Por outro lado, é perfeitamente possível que o referido pacote já estivesse no telhado do estabelecimento prisional e, apesar da diligência dos guardas-prisionais, o mesmo não tenha sido visualizado.

Acresce que, efetuadas buscas à residência da arguida CC, no dia 7 de junho de 2022, foram encontrados 122 comprimidos da marca Naposim, ou seja, precisamente da marca dos 199 comprimidos que estavam dentro do pacote arremessado pelo arguido BB para o interior do estabelecimento prisional (auto de busca e apreensão a fls. 18-19).

Cumpre acentuar que, conforme resulta do auto de busca e apreensão a fls. 18-19, foram encontradas na residência da arguida CC carteiras de comprimidos da marca Naposim completas e incompletas, denotando que alguns comprimidos já haviam sido retirados em momento anterior, o que se coaduna com o conteúdo do pacote intercetado.

Portanto, tudo devidamente ponderado e concatenado, não restam quaisquer dúvidas que foram os arguidos a praticar os factos, conforme descritos nos pontos 1 a 6.”

Depois, respondendo ao(s) recurso(s), faz consignar o seguinte (transcrição parcial):

“Alega a defesa que não foi feita prova do tráfico naquele dia 3 de Abril – entendem que não foi feita a ligação entre o arremesso mencionado no facto nº 4 e as pessoas dos dois recorrentes.

Entendem que não foi feita prova de que tenha sido o BB o autor desse arremesso e que o mesmo se destinaria ao AA, já recluso nesse EP, a fim de aí traficar tais comprimidos.

Ora, e antes de saber se aqui reside algum erro de julgamento, há que concluir que, sob o ponto de vista dos vícios do artigo 410º/2 do CPP, inexiste qualquer deficiência na sentença, referindo-se ainda que para a prova de um facto não se afere pelo número de testemunhas que corroboram o facto aludido mas pela pertinência do depoimento prestado, mesmo que isolado.

Não nos podendo nós socorrer, nesta fase, da prova gravada mas apenas do texto literal da sentença, ela permanece limpa e lógica e sem sombra de pecado.

Não faltam factos para justificar a condenação dos recorrentes, só podendo, assim improceder a alegação do vício do artigo 410º/1 a) do CPP.

3.1.7. Não há, ainda, qualquer incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão, não ocorrendo também qualquer erro notório na apreciação da prova.

Nem qualquer outro dos vícios do nº 2 do artigo 410º do CPP.

Resta, assim, o erro de julgamento.

3.1.8. Ouvidas as gravações das testemunhas indicadas, a que conclusão se chega então?

É verdade que nenhuma das 4 testemunhas ouvidas assistiu ao arremesso mencionado no facto nº 4.

Estamos a falar de dois guardas prisionais e de dois agentes da PSP, estes dois últimos envolvidos no Inqº que deu origem a estes autos (o nº 2/21.3PECTB) - a sentença sobre eles escreveu:

«Na verdade, as testemunhas EE, DD, FF e GG descreveram o modo como foi visualizado um pacote no telhado do estabelecimento prisional, o que foi feito para o recuperar e o que continha o mencionado pacote.

As referidas testemunhas, além de deporem de forma lógica, coerente, pormenorizada e objetiva, apresentaram versões dos factos coincidentes entre si e com o auto de notícia a fls. 5, o auto de visionamento a fls. 16-17, o relatório de fls. 26 e o teste rápido de fls. 27, narrando os factos de que tiveram conhecimento direto, na medida da intervenção de cada um.

A este propósito, cumpre assinalar que, apesar da testemunha EE ter garantido que o pacote não se encontrava no telhado há muito tempo, mas apenas, possivelmente, desde a manhã do dia 5 de abril de 2022, o Tribunal entendeu que, não obstante a testemunha possa estar convencida desse facto, o certo é que não restam dúvidas que o pacote intercetado foi o arremessado pelo arguido BB.

São as próprias conversações entre os arguidos, devidamente transcritas, que o confirmam.

Por outro lado, é perfeitamente possível que o referido pacote já estivesse no telhado do estabelecimento prisional e, apesar da diligência dos guardas-prisionais, o mesmo não tenha sido visualizado».

Ou seja, nada é trazido aos autos nestes dois recursos que infirme as conclusões do tribunal, na leitura que fez destes 4 depoimentos.

É certo e sabido que nenhum dos 4 assistiu ao arremesso mencionado no facto nº 4 (embrulho de cor preta).

Faz é o tribunal uma ligação hábil e razoável entre tal factualidade e o teor das intercepções telefónicas, devidamente transcritas nos autos a fls 260-265, 296-303, 335-399 [sessões 270, 356, 394, 395, 396, 397, 400, 402, 404, 406, 408, 409 (do alvo .......50), 401 (do alvo .......40) e 2198, 2199, 2200, 2202, 2205 e 4062 (do alvo .......40)].

E fá-lo através da assunção da chamada prova indirecta, ligando duas realidades – por um lado, foi feita prova de que houve certas conversas entre os arguidos; por outro, retira, de forma indirecta, a prova de que foi o BB o autor do arremesso do facto nº 4 e o AA o destinatário da encomenda.

É verdade que a transcrição de uma conversa telefónica apenas prova que houve essa conversa, não provando eles directamente os factos mencionados na dita conversa.

Mas, neste nosso caso, o raciocínio feito pelo tribunal recorrido é exemplar, ligando a prova:

«desde logo, na sessão 270 do alvo .......50, transcrita a fls. 340-346, compreende-se, sem margem para dúvidas, que, no dia 30 de março de 2022, o arguido AA recrutou o arguido BB a fim deste arremessar para o interior do estabelecimento prisional um pacote previamente preparado pela arguida CC, contendo esteróides anabolizantes, a consumir por si e por terceiros (“pá gente rebentar logo as t-shirts”; “pá malta rasgar logo as t-shirts”), dentro do estabelecimento prisional;

O referido recrutamento e explicação sobre o modo de proceder estendeu-se pela sessão 356 do alvo .......50, de 1 de abril de 2022 (transcrita a fls. 347-352);

Posteriormente, o arguido BB combinou com o arguido AA a recolha do pacote a arremessar para dentro do estabelecimento prisional em casa deste, onde a sua companheira, a arguida CC, se encontrava e onde, previamente, tinha procedido à preparação do referido pacote (sessões 394, 395, 396, 397, 400, 402, 404, 406, 408 e 409 do alvo .......50, de 1 de abril de 2022, transcritas a fls. 355-362);

Após, no dia 3 de abril de 2022, pelas 16h09, o arguido AA chegou mesmo a enviar uma mensagem escrita ao arguido BB, perguntando-lhe se poderia contar consigo (sessão 410 do alvo .......40, transcrita a fls. 303);

O certo é que, conforme decorre das sessões 2198, 2199 e 2200 do alvo .......40 (transcritas a fls. 260-261), o arguido AA pôde mesmo contar com a colaboração do arguido BB que, no dia 3 de abril de 2022, pelas 18h36, arremessou um pacote para o interior do estabelecimento prisional onde o arguido AA se encontrava recluído, enquanto mantinha uma chamada telefónica com este, a qual foi intercetada;

Por esse motivo, não restam quaisquer dúvidas ao Tribunal do dia e hora em que o arguido BB efetuou o arremesso;

De todo o modo, por imperícia, conforme resulta das transcrições a fls. 260-261, o pacote previamente preparado pela arguida CC caiu em cima do telhado do estabelecimento prisional, não tendo sido possível ao arguido AA recolhê-lo.

De facto, após se aperceber que o pacote arremessado pelo arguido BB não caiu onde era suposto, o arguido AA contactou, de imediato, com a sua companheira CC, questionando-a sobre a cor da meia que formava o referido pacote, bem como sobre o modo dela proceder na preparação, designadamente se tinha deixado registos ou impressões digitais, mais a informando que o plano tinha “corrido mal” (sessões 2202 e 2205 do alvo .......40, de 3 de abril de 2022, às 18h45 e às 19h05, transcritas a fls. 262-263);

Posteriormente, no dia 10 de abril de 2022, pelas 21h37, o arguido AA manteve uma conversação telefónica com o arguido BB, na qual dialogaram sobre a recuperação do mencionado pacote pelas autoridades (sessão 4062 do alvo .......40, transcrita a fls. 265)».

Límpido como água.

(…)

Diga-se que as transcrições das escutas telefónicas - prova documental - podem mesmo surgir como único meio de prova.

Nesse nosso caso, elas são a base – depois o tribunal juntou os outros elementos de prova (o Tribunal formou a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas EE, DD, FF e GG, em conjugação com o auto de notícia a fls. 5, o auto de visionamento a fls. 16-17, o auto de busca e apreensão a fls. 18-19, o relatório a fls. 26, o teste rápido a fls. 277, a cota a fls. 30, a informação da ADOP a fls. 78 e o relatório pericial a fls. 100-1018, ligando tudo a esta transcrição de intercepções telefónicas – as de fls 260-265, 296-303 e 335-399), chegando à prova da culpabilidade dos dois arguidos, sem margem para dúvidas.

A sentença explica que se partiu dos factos conhecidos por prova directa para o facto desconhecido, retirando dos primeiros as ilações que, na sua óptica, se impunham.

E isso é lícito fazer.

Ou seja, neste contexto de leitura unitária da prova no seu conjunto, não se alcança como não deixar de concluir, sem sombra de dúvida razoável (e com pleno e legítimo apelo à prova indirecta), quanto à intervenção dos arguidos em toda esta factualidade 2 a 6 e quanto à sua culpabilidade na eclosão deste tráfico:

Houve conversas interceptadas que dão conta que o AA recrutou o BB para arremessar para o interior do EP um pacote previamente preparado pela CC, contendo substâncias esteróides anabolizantes (sessões nºs 270 e 356);

(…)

A sentença explica que se partiu dos factos conhecidos por prova directa para o facto desconhecido, retirando dos primeiros as ilações que, na sua óptica, se impunham.

E isso é lícito fazer.

Ou seja, neste contexto de leitura unitária da prova no seu conjunto, não se alcança como não deixar de concluir, sem sombra de dúvida razoável (e com pleno e legítimo apelo à prova indirecta), quanto à intervenção dos arguidos em toda esta factualidade 2 a 6 e quanto à sua culpabilidade na eclosão deste tráfico:

Houve conversas interceptadas que dão conta que o AA recrutou o BB para arremessar para o interior do EP um pacote previamente preparado pela CC, contendo substâncias esteróides anabolizantes (sessões nºs 270 e 356);

Houve conversas telefónicas entre o BB e o AA no qual se combina a recolha do pacote em causa (sessões nºs 394, 395, 396, 397, 400, 402, 404, 406, 408 e 409);

O mesmo AA envia uma SMS ao BB no dia 3.4.2022, horas antes do arremesso real, perguntando-lhe se «podia contar consigo» (sessão nº 410);

Das sessões nºs 2189, 2199 e 2200 retira-se que o arremesso foi mesmo feito pelo BB (enquanto mantinham ambos entre si uma chamada telefónica, a qual foi interceptada);

Das sessões nºs 2202 e 2205 retira-se da conversa havida entre o AA e a CC, sua companheira, que algo «correu mal» naquele anterior arremesso;

Mais tarde, em 10.4.2022, o AA volta a falar com o BB, «na qual dialogam sobre a recuperação do mencionado pacote pelas autoridades».

Raciocínio este completo e razoável, só havendo que o validar, não sendo o mesmo temerário ou ousado, ultrapassando as regras da razoabilidade ou do normal acontecer da vida.”

B.2.2. Proc. nº 2/21.3PECTB.C1

Neste processo – no qual eram também arguidos HH, BB e CC – foi proferido acórdão a 21 de fevereiro de 2022, no Juízo Central Criminal de Castelo Branco – Juiz 1, em que, designadamente no que concerne ao arguido foi decidido:

“3.1- - (…)

- em coautoria (com BB, II e CC por factos cometidos após a sua entrada no EP de Castelo Branco) um crime de tráfico de estupefacientes agravado, como reincidente, previsto e punido pelo disposto nos artigos 21.º, n.º 1, 24.º, alíneas h) e j), ambos do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas, II-A, I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal e dos artigos 75.º e 76.º do Código Penal;

3.5- Condena, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do Dec.-Lei nº 15/93, de 22-01:

a) AA, como reincidente, na pena 7 anos e 3 meses de prisão;

3.7- Condena AA pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo disposto no artigo 86.º n.º 1, alínea c), por referência aos artigos 2.º, n.ºs 1, alíneas q) s), v), ae), ar), az), 3, alíneas l), m), p), ab), ac), 3.º, n.ºs 1, 2, alínea l), p), 3, 6, alínea c), todos da Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão ; --------------

3.8- Condena AA, em cúmulo jurídico das penas referidas em 3.5 al. a) e em 3.7, na pena única de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão.

O ora recorrente interpôs recurso para o Venerando Tribunal da Relação, colocando a este7, única e exclusivamente, a seguinte questão: a de se saber “se os factos provados referentes ao arguido AA se subsumem no crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25º, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93 de 22.1., e não no do artigo 21º, nº1, do mesmo diploma legal.”

Contudo, o Ministério Público também recorreu, designadamente e no que concerne ao arguido AA, por discordar da sua absolvição relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes agravado acima referido, colocando em causa a matéria de facto dada como apurada e invocando, para o efeito, a ocorrência de erro de julgamento bem como de erro notório na apreciação da prova.

Tal recurso foi julgado, quanto ao ora recorrente, completamente improcedente, por acórdão proferido a 7 de junho de 2023.

Contudo, nesta mesma decisão ordenou-se, designadamente, o reenvio do processo para novo julgamento, ao abrigo do disposto nos artigos 410º, nº 2, alínea b), e 426º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, restrito ao julgamento da factualidade vertida nos pontos 408 dos factos provados e 32 dos não provados, a efectuar de acordo com o disposto no artigo 426º-A do mesmo diploma legal.”

E, assim, dado cumprimento a esta decisão, o Juízo Criminal de Castelo Branco – Juiz 1 proferiu novo acórdão a 23 de abril de 2024 o qual, no qual concerne ao AA, manteve a absolvição acima referenciada (por factos cometidos depois de ter dado entrada no estabelecimento prisional), mantendo igualmente – e nos precisos termos acima referidos - as condenações pela prática dos crimes de tráfico de droga agravado e detenção de arma proibida, em como a condenação na pena única de 7 anos e 9 meses de prisão.

Deste novo acórdão apenas recorreu o Ministério Publico, que não colocou em causa ao decidido relativo ao ora arguido e recorrente.9

Assim e no que tange ao AA, o acórdão de 23 de abril de 2024 transitou em julgado a 23 de maio de 2024 cf. certidão emitida a 2 de junho de 2025 e junta a 1 de julho do mesmo ano (Refª Citius 261417)

B.2.2.2. Matéria de facto dada como provada e não provada

Relativamente aos factos provados nada consta que interesse ao caso em apreço.

Já no que tange à matéria de facto dada como não provada consta o seguinte:

“2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA

- Da acusação:

(…)

“40- No dia 03 de abril de 2022, pelas 18:36 horas, o arguido BB deslocou-se às proximidades do EP de Castelo Branco, em local sito na Rua 1, e arremessou para o seu interior um embrulho composto por meias de cor preta contendo no seu interior 5 telemóveis e 12,65 gramas de cocaína.”

B.2.2.3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto não provada

Relativamente a esta matéria (e, designadamente no que concerne ao ponto atras referido, o Tribunal a quo consigna uma motivação genérica, e que é a seguinte:

“Relativamente aos factos não provados, o Tribunal, essencialmente, não deu como assentes os factos cuja prova não foi além das meras sessões/escutas, desde que desacompanhadas de outra prova que pudesse corroborar os factos.”

B.2.3. Apreciação

AA vem interpor o presente recurso extraordinário de revisão, nos termos do disposto no artigo 449.º, nº.1, al. c) do CPP, relativamente à decisão proferida no Proc. nº 875/22.2T9CTB.C1-A.S1, por entender que a mesma é inconciliável com a que foi proferida no Proc. nº 2/21.3PECTB.C1.

Dispõe a alínea c) do nº 1 do artigo 449º do CPP o seguinte:

“1 A revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando:

(…)

d) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

In casu, o recorrente indica como facto que serviu à condenação do arguido no Proc. nº 875/22.2T9CTB.C1-A.S1 o seguinte:

4) No dia 3 de abril de 2022, pelas 18h36, o arguido BB deslocou-se até à Rua 1, na proximidade do Estabelecimento Prisional de Castelo Branco, e arremessou para o seu interior um embrulho composto por meias de cor preta contendo no seu interior:

a) 199 comprimidos de metandienona, de marca Naposim (esteróides androgénicos anabolizantes) e

b) 202 comprimidos de oxandrolona, de marca Oxaver (esteróides androgénicos anabolizantes).

5) Devido à imperícia do arguido BB, o embrulho referido em 4., após arremessado, caiu no telhado do Pavilhão C do Estabelecimento Prisional, onde ficou, não caindo para o solo no interior do espaço do mesmo, onde AA o iria recolher.”

Em seguida, e porque nada ficou provado quanto a estes factos no Proc. 2/21.3PECTB.C1, entende que tal facto é inconciliável com o seguinte facto NÃO PROVADO neste outro processo:

“No dia 03 de abril de 2022, pelas 18:36 horas, o arguido BB deslocou-se às proximidades do EP de Castelo Branco, em local sito na Rua 1, e arremessou para o seu interior um embrulho composto por meias de cor preta contendo no seu interior 5 telemóveis e 12,65 gramas de cocaína, que apenas não chegaram à posse do arguido AA porque por imperícia de BB tais objetos ficaram retidos no telhado do pavilhão C do referido EP (cfr. sessões 2184, 2198, 2199, 2250, 2202 e 2205 do alvo .......40, sessões 2921 e 4062 do alvo .......40 – fls. 2880 e 2907, sessão 598 do alvo .......50 – fls. 2881, sessão 1678 do alvo .......50 - fls. 2882, auto de notícia a fls. 2859, auto de visionamento de imagens de fls. 3148-3149 e apenso C – processo n.º 464/22.1T9CTB).”

Ora, apreciando, desde logo se sublinha que a c) do nº 1 do artigo 449º do CPP se reporta a factos “dados como provados noutra sentença”

Ou seja, a inconciabilidade entre matéria de facto que justifica o recurso de revisão de sentença transitada tem de ocorrer, de acordo com a lei e sem margem para dúvidas, entre FACTOS PROVADOS.

E, escusado será acrescentar, que um facto não provado não conduz à conclusão que o mesmo não ocorreu.

Apenas que, devido a circunstância várias – e que adiante melhor escalpelizaremos -, não se provou esse facto.

Tudo o mais que se queira afirmar a esse propósito não tem fundamento e é mesmo abusivo.

Assim – apenas para ser mais explícito e sem embargo do que adiante iremos referir (que é igualmente decisivo para a improcedência do recurso) – em tese o recorrente poderia ter razão se tivesse sido provado no Proc. nº 2/21.3PECTB.C1, que o arguido BB, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, não tinha atirado para dentro do estabelecimento prisional o aludido embrulho.

Finalmente, atentando no que deixámos consignado no início da fundamentação deste acórdão, compreende-se que a exigência de que tal inconciliabilidade tenha de se estabelecer entre factos dados como assentes. Na verdade, sendo este um recurso extraordinário e que coloca em causa o caso julgado só a existência de uma contradição insanável entre dois factos dados como provados pode colocar em causa a justiça da condenação e, ainda assim, desde que verificados igualmente os demais requisitos previstos na aludida norma.

Com efeito só a inconciliabilidade entre factos provados permite, em seguida, demonstrar /concluir, que tal diferença gera “graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Tem sido esta, aliás, a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça.

Assim e apenas a título meramente exemplificativo vejam- se os seguintes acórdãos:

“I - A possibilidade de revisão de sentença ao abrigo do disposto na al. c), do n.º 1, do art. 449.º do CPP reporta-se à inconciliabilidade entre factos provados em duas sentenças, da qual resultam graves dúvidas sobre a justiça da condenação, sendo inviável quanto essa eventual oposição se estabelece entre factos provados na sentença revidenda e não provados na outra sentença.”10

VI - Não há inconciliabilidade entre um facto julgado provado na sentença condenatória e a não prova do mesmo facto em outra sentença.11

“V - A inconciliabilidade de decisões que pode fundar a revisão tem de referir-se aos factos que fundamentam a condenação e aos factos dados como provados em outra decisão, de forma a suscitar dúvidas graves sobre a justiça da condenação, o que significa que é necessário que entre esses factos exista uma relação de exclusão, no sentido de que, se se tiverem por provados determinados factos numa outra sentença, não podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiros os tidos por provados na sentença revidenda”12

Tanto basta para o recurso tenha de ser improcedente.

Acresce que, in casu, as afirmações supra ainda ganham mais pertinência, já que os factos apreciados nos processos referenciados registam diferenças significativas e são inclusivamente subsumíveis a ilícitos criminais diversos.

Com efeito:

• No Proc. nº 875/22.2T9CTB.C1-A.S1 foi dado como provado que o coarguido BB arremessou para o interior do aludido estabelecimento prisional “um embrulho composto por meias de cor preta contendo no seu interior:

a) 199 comprimidos de metandienona, de marca Naposim (esteróides androgénicos anabolizantes) e

b) 202 comprimidos de oxandrolona, de marca Oxaver (esteróides androgénicos anabolizantes).”

• No Proc. nº 2/21.3PECTB.C1 foi dado como não provado que o coarguido BB arremessou para o interior do aludido estabelecimento prisional um embrulho contendo 5 telemóveis e 12,65 gramas de cocaína,

Defendem o recorrente, o Ministério Publico e até o Venerando Juiz Desembargador junto do Tribunal da Relação de Coimbra – embora com algumas diferenças - que os factos são subsumíveis a “um único crime de tráfico de produtos estupefaciente por referência a todos os produtos estupefacientes apreendidos ou tantos quantos os produtos distintos”.

Acontece que, no Proc. 875/22.2T9CTB.C1-A.S1, não foram arremessados para dentro da prisão quaisquer produtos estupefacientes mas, sim, comprimidos de metandienona e oxandrolona, substâncias que, não contando nas listas anexas ao Dec. Lei 15/93, de 22 de janeiro, não se encontram abrangidas nesse regime legal.

Com efeito tal facto constitui o crime de “Tráfico de substâncias e métodos proibidos” previsto e punível pelo art. 57.º, n.º 1 da Lei n.º 81/2021, de 30 de novembro, e S.1 da Lista de Substâncias e Métodos Proibidos, em anexo à Portaria n.º 312/2021, de 21 de dezembro (Lei antidopagem no desposto)

Por outro lado, e complementarmente, há que acrescentar que decorre da motivação acima transcrita que a justificação para num caso ter ocorrido condenação e noutro absolvição tem a ver, exclusivamente, com a forma como os Tribunais avaliaram a prova

Aliás, justamente por isso, O arguido interpôs (legitimamente) recurso da decisão proferida no Proc. 875/22.2T9CTB.C1-A.S1, alegando a existência de erro de julgamento da matéria de facto constante dos pontos 2, 4, 5, 7 e 8 (artigo 412º, nº 3 do CPP), bem como a ocorrência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto como provada (artigo 410º, nº 2 do mesmo diploma legal e, ainda, a violação do princípio in dubio pro reo.

Ou seja, esta matéria até já foi apreciada por um Tribunal Superior, que confirmou o acórdão proferido na primeira instância.

C Conclusão

Concluindo e sem necessidade de mais considerações – porque completamente despiciendas -, o recurso apresentado claramente improcede, não só porque os factos dados como provados não são inconciliáveis nem sequer são os mesmos que foram apreciados nos processos acima referidos mas, também, porque da prova realizada no processo Proc. 875/22.2T9CTB.C1-A.S1 – que foi inclusivamente objeto de nova apreciação em sede de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra - não resultam dúvidas – e muito menos “graves dúvidas” – sobre a justiça da condenação registada nos presentes autos.

Em suma, não estão demonstrados os fundamentos previstos na alínea c) do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, no qual o recorrente assentou o seu pedido de revisão e que, por isso mesmo, se mostra manifestamente infundado.

D – Custas

Ao abrigo do disposto no artigo 524º do Código de Processo Penal e dos artigos 1º, 2º e 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro), o Recorrente tem de pagar custas judiciais, cuja taxa de justiça varia, in casu e face à Tabela Anexa III ao aludido Regulamento, entre 5 e 10 unidades de conta.

Face ao exposto e tendo em conta a não complexidade da decisão, vai condenado em 5 (cinco) unidades de conta

Por outro lado, a rejeição do recurso implica ainda a condenação da recorrente no pagamento de uma importância entre 6 UC e 30 unidades de conta (que não são meras custas judiciais, tendo natureza sancionatória), por força do disposto no artigo 456º do Código de Processo Penal.

Com efeito, são cumulativas a condenação em custas do incidente e em multa no caso de pedido manifestamente infundado, pois elas visam propósitos diferentes: uma tributa o decaimento num ato processual a que deu causa e a outra castiga a apresentação de requerimento sem a prudência ou diligência exigíveis (Salvador da Costa, As custas Processuais, Coimbra: Almedina, 6.ª ed., 2017, p. 86).

Atendendo, por um lado, à não complexidade do objeto da decisão e, por outro, à manifesta falta de fundamento do recurso, considera-se ajustado fixar essa importância em 10 (dez) unidades de conta.

E – Decisão

Pelo exposto, acordam na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em:

a. Negar a revisão – art. 456.º do Código de Processo Penal;

b. Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) U.C., a que acresce a quantia de 10 (dez) U.C. – Artigos 524º do Código de Processo Penal e 1º, 2º e 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Judiciais e art. 456.º Código de Processo Penal.

Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada

(Processado e elaborado e revisto pelo relator, sendo assinado pelo próprio, pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos bem como pela Senhora Juíza Conselheira Presidente da Seção - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)

Celso Manata (Relator)

Vasques Osório (1º Adjunto)

Pedro Donas Botto (2º Adjunto)

Helena Moniz (Presidente da Secção)

_______________________________


1. Cf. certidão junta a 13 de outubro de 2025 - refª. Citius 12299404

2. “Comentário do Código de Processo Penal” II Vol. 5ª edição, pág. 755

3. “Código de Processo Penal Comentado” de Henriques Gaspar e outros, pág. 1609

4. ” Curso de Processo Penal”, III Vol., 1994, p. 359

5. O seu coarguido – BB – também recorreu e em termos similares.

6. Contudo e relativamente a este ponto importa esclarecer que o Tribunal da Relação de Coimbra não apreciou o recurso por falta de indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados.

7. Como se pode ler no respetivo acórdão.

8. O dispositivo desse segundo acórdão do Tribunal da Relação, prolatado a 19 de outubro de 2024, é o seguinte:

  “C – Decisão

  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em conceder total provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, decidem:

  - Suprir a nulidade de excesso de pronúncia, revogando o acórdão recorrido na parte em que suspendeu a execução da pena de prisão aplicada …, reafirmando-se, nessa parte, o já decidido no acórdão desta Relação de 7.6.2023, …

  - Revogar o acórdão recorrido na parte em que suspendeu a execução da pena aplicada à arguida …

  - Condenar a arguida … na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva;

  - Revogar o acórdão recorrido na parte em que suspendeu a execução da pena aplicada ao arguido DD …

  - Condenar o arguido DD … na pena de 5 anos de prisão efectiva.”

9. Ac. do STJ de 21 de março de 2024 – proc. nº 351/18.8PBLRA-A.S1 (relator Celso Manata), disponível em in www.dgsi.pt

10. Ac. do STJ de 13 de janeiro de 2021 – Proc. nº 757/18.2T9ESP-A.S1 (relator Nuno Gonçalves) disponível em https://jurisprudencia.pt/acordao/198807/

11. Ac. do STJ de 14 de janeiro de 2009 – Proc. 08P3929 (Relator Pires da Graça) – disponível em www.dgsi.pt