I - Embora o recorrente tenha sido condenado em França, pela prática de um crime de homicídio involuntário por violação manifestamente deliberada de uma regra de segurança ou de prudência, p. e p. pelos art. 221.º, n.os 6, 8 e 10, do CP francês, na pena de 4 anos de prisão, para efeitos de verificação da dupla incriminação, prevista no n.º 2 do art. 3.º da Lei n.º 158/2015, de 17-09, a conduta praticada é qualificada na ordem jurídica portuguesa como crime de atentado à segurança de transporte rodoviário, p. e p. pelos arts. 290.º, n.º 1, al d) e 294.º, n.º 3, com referência ao art. 285.º, todos do CP, com pena de 1 ano e 4 meses a 6 anos e 8 meses de prisão, em concurso aparente com um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137.º, n.os 1 e 2, do CP.
II - Assim, não pode proceder a pretendida adaptação da pena de 4 anos de prisão imposta na sentença a reconhecer e executar.
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
Nos presentes autos de reconhecimento e execução de sentença nº 132/25.2YRCBR, o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra requereu o reconhecimento da sentença 13 de Junho de 2018, proferida no processo n.º 16085000009 do Tribunal de Grande Instância de Moulins, República Francesa, já transitada em julgado, visando a execução em Portugal, da pena de 1460 dias de prisão imposta no referido processo ao cidadão português AA, nascido em ..., Trancoso, a DM1973, filho de BB e de CC, residente na Rua 1, Trancoso.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 8 de Outubro de 2025, decidiu:
Pelo exposto, acordam os juízes da 4ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação em:
Reconhecer e declarar exequível a sentença proferida em 13/6/2018, pelo Tribunal de Grande Instância de Moulins, França, transitado em julgado em 4/7/2018, que condenou o requerido AA na pena de 4 (quatro) anos de prisão, e determinar que a referida pena de prisão seja executada em Portugal, após o desconto de 96 dias de prisão preventiva já cumprida, competindo tal execução ao tribunal da área da residência do requerido (cfr. o artigo 13º, nº 2 da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro).
*
Inconformado com o decidido, o requerido recorre para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
1. O arguido pretende a reapreciação da decisão proferida pelo Tribunal recorrido por entender que a mesma é injusta, imerecida e não consentânea com o espírito e a letra da Lei aplicável,
2. Não obstante o Tribunal recorrido ter solicitado a elaboração de relatório social ao arguido a decisão proferida desconsiderou tal relatório e, em nosso entendimento, decidiu mal,
3. A decisão ora recorrida é injusta, desde logo, porque impõe o cumprimento efectivo de uma pena de prisão de 4 anos a uma pessoa que se encontra socialmente integrado, em todas as vertentes, humana, familiar, social, laboral e financeira,
A uma pessoa que interiorizou a censura e a gravidade das consequências da sua conduta e que nos últimos 9 anos refez a sua vida,
A uma pessoa que nos últimos 9 anos não teve um único comportamento social passível de censura,
Uma pessoa de bem, que passou um período de 3 anos em tratamento psiquiátrico para aprender a viver com o peso emocional e a penitência das consequências da sua conduta, de que resultou também a perda de familiares directos,
A uma pessoa que ao fim de 9 anos apresenta um equilíbrio emocional com a vida e uma integração social e familiar completa,
A uma pessoa que é activa, que trabalha e que paga os seus impostos,
A uma pessoa respeitadora do próximo,
Os factos ocorreram há mais de 9 anos e após o sinistro o arguido ficou profundamente abalado emocionalmente, tendo recebido tratamento psiquiátrico contínuo durante 3 anos seguidos (Cfr. relatório social junto aos autos)
Com tal tratamento psiquiátrico o arguido aprendeu a viver com a ressonância interior diária dos factos,
Numa frase, o arguido é uma boa pessoa, é uma pessoa trabalhadora, socialmente integrada e emocionalmente recuperada,
Pelo que, nesta fase da vida e decorridos 9 anos desde a data dos factos, obrigar o arguido a cumprir pena de prisão efectiva de 4 anos é uma INJUSTIÇA,
Obrigá-lo a cumprir agora 4 anos de prisão é destruir-lhe a vida,
Obrigá-lo a cumprir agora 4 anos de prisão é violar o objectivo primeiro da Lei 158/2015 “….. com o objetivo de facilitar a reinserção social da pessoa condenada…” (cfr. art.º 1º nº 1, in fine, da Lei 158/2015)
Obrigar o arguido a cumprir 4 anos de prisão efectiva neste momento, na prática, é obliterar os últimos 9 anos da sua vida,
Será obliterar ao arguido todo o processo emocional de recuperação e reinserção social conseguido nos últimos 9 anos,
E isto será uma pena demasiado pesada,
Porque nada garante que, uma vez cumpridos os 4 anos de prisão, o arguido tenha força emocional suficiente para retomar um novo processo emocional de recuperação interior e de reinserção social e familiar.
Ou seja, a aplicação de 4 anos de prisão efectiva nesta fase da vida do arguido poderá constituir uma machadada final na sua vivência a na sua afirmação enquanto pessoa e enquanto ser humano,
E certamente que tal decisão não vai ao encontro do objectivo primeiro da referida Lei 158/2015, que é o de “reinserção social da pessoa condenada”
Deste modo,
Requer-se as Vossas Excelências que, encarecidamente, se dignem salvar e recuperar para a vida, este bom ser humano que é o arguido,
Apresenta-se como necessário que este ser humano seja salvo e recuperado para a vida, e não que lhe destruam a vida entretanto refeita.
4. Nos termos do disposto no art.º 17º nº 1, l) da referida Lei, deve recusar-se o reconhecimento e a revisão da Sentença se: “l) A sentença disser respeito a infrações penais que, segundo a lei interna, se considere terem sido praticadas na totalidade ou em grande parte ou no essencial no território nacional, ou em local considerado como tal.”
Ora, os factos que vêm imputados ao arguido aqui requerido foram praticados no essencial e na quase totalidade em território nacional,
A Sentença revidenda é desde logo contraditória em si mesma, porquanto, não obstante afirmar e dar como provado, que o aqui arguido confiou a condução do veiculo sinistrado a um terceiro, vem a final condená-lo por “homicídio involuntário na condução de um veículo com violação do dever de cuidado e das regras de segurança…”,
Sem qualquer referência a eventual cumplicidade, autoria moral ou comparticipação, o que, é, no mínimo, manifestamente incoerente e contraditório,
Mas não obstante, os factos considerados provados na Sentença revidenda e imputados ao aqui arguido são estes:
• O arguido tinha uma actividade em Portugal não declarada, de transporte de passageiros entre Portugal e a Suíça,
• No âmbito dessa actividade o arguido confiou a condução do veículo sinistrado (mercedes) a um terceiro, para transportar pessoas,
• O veículo tinha matrícula portuguesa,
• O veículo sinistrado tinha os pneus “carecas“, cintos empedrados e equipamento geral inadequado,
• O veículo foi adaptado manualmente para 12 lugares em Portugal, quando a sua homologação era de 6 lugares,
• A decisão de efectuar o transporte e o seu planeamento foram tomados em Portugal
• O veículo sofreu um sinistro rodoviário em França, no qual vieram a falecer 12 passageiros portugueses,
Dos factos acima descritos apenas um ocorreu em França, que foi o sinistro rodoviário, e cuja autoria nem sequer é imputada ao arguido na Sentença, uma vez que o aqui requerido não conduzia o veículo sinistrado no momento do sinistro e todos os demais factos foram praticados pelo arguido em Portugal,
Ou seja, todos os factos que sustentaram a condenação do aqui arguido no crime de homicídio involuntário por violação do dever de cuidado e de regras de segurança, foram praticados pelo arguido em Portugal,
Tanto basta para justificar a aplicação do disposto na invocada alínea l) do nº 1 do art.º 17º da Lei 158/2015 de 17-09,
Devendo pois ser recusado o reconhecimento e a revisão da Sentença requeridas, o que aqui se requer.
5. A referida Lei 158/2015 estabelece o regime jurídico “…….do reconhecimento e da execução, em Portugal, das sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade tomadas pelas autoridades competentes dos outros Estados membros da União Europeia, com o objetivo de facilitar a reinserção social da pessoa condenada…”.
É subsidiariamente aplicável o Código de Processo Penal, (cfr. art.º 1º nº 5 da referida Lei) e mostra-se exigível um controlo da dupla incriminação do facto (e art.º 3º nº 2, da referida Lei)
E ainda, nos termos do art.º 15º da referida lei, “A execução de uma condenação rege-se pela Lei Portuguesa”
Donde que, importa desde logo adaptar a pena aplicável em Portugal aos factos constantes da sentença revidenda,
A sentença revidenda condenou o aqui arguido numa pena de prisão de 4 anos, por homicídio involuntário, sem qualquer qualificação,
Na legislação Portuguesa prevê-se no art.º 137º nº 1 do Código Penal o crime de homicídio por negligência com uma pena de prisão de até 3 anos ou com pena de multa,
Donde que, impõe-se desde logo adaptar a pena aplicável em execução em Portugal, reduzindo-a para o máximo admissível de 3 anos de prisão,
Impõe-se ainda, deduzir aos referidos 3 anos de prisão os 96 dias de prisão já cumpridos pelo arguido em França,
Bem como,
Também se impõe determinar a suspensão da referida pena de prisão aplicável, nos termos do disposto no art.º 50º do Código de Processo Penal, o que desde já se requer,
Porquanto, o aqui arguido encontra-se socialmente integrado, exercendo a profissão e motorista de serviço público, desde 06-05-2019 (cfr. Relatório social e docs.2,3 da oposição)
É pessoa pacata, dedicada à família e aos amigos,
É trabalhador por conta de outrem,
Não tem antecedentes criminais prévios aos factos aqui invocados,
Nem posteriormente a estes factos praticou quaisquer outros factos susceptíveis de configurar qualquer tipo de ilícito
Nada existindo que impeça a suspensão da execução da referida pena de prisão.
Com interesse para a boa decisão da causa, veja-se entre outros:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-10-2024 Processo nº 3540/23.0YRLSB.S2
5.ª SECÇÃO
Relator: CELSO MANATA
6. O Acórdão recorrido violou o disposto no art.º 1º nº 1, in fine, no art.º 17º nº 1, l), no art.º 1º nº 5, no art.º 3º nº2 e no art.º 15º, todos da Lei 158/2015 de 17-09, bem como, violou o disposto no art.º 137º nº 1 do Código Penal e no art.º 50º do Código de Processo Penal
termos e nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, deve revogar-se o Acórdão recorrido e substituir-se por outro que:
a) Recuse o reconhecimento e a revisão da Sentença, nos termos do disposto no art.º 17º nº 1, l) da Lei 158/2015 de 17-09;
Se assim não se entender, deve:
b) Adaptar-se a pena de prisão aplicável, reduzindo-a para o máximo legal de 3 anos admissível pelo art.º 137º nº 1 do Código Penal
c) Deduzir-se à pena de prisão os 96 dias de prisão já cumpridos pelo arguido em França;
d) Suspender-se a execução da pena de prisão pelo período compreendido entre e 1 e 2 anos, nos termos do disposto no art.º 50 do Código Penal.
Por ser de Inteira Justiça.
*
O recurso foi admitido por despacho de 22 de Outubro de 2025.
*
Respondeu ao recurso a Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto do Tribunal da Relação de Coimbra, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:
1. O recorrente vem impugnar o Acórdão de 08.10.2025 que decidiu “Reconhecer e declarar exequível a sentença proferida em 13/6/2018, pelo Tribunal de Grande Instância de Moulins, França, transitado em julgado em 4/7/2018, que condenou o requeridoAA na pena de 4 (quatro) anos de prisão, e determinar que a referida pena de prisão seja executada em Portugal, após o desconto de 96 dias de prisão preventiva já cumprida, competindo tal execução ao tribunal da área da residência do requerido (cfr. o artigo 13º, nº 2 da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro).”
2. Aplicam-se, no presente caso, as normas da referida Lei 158/2015, bem como subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal.
3. Os tribunais nacionais não são instância de recurso de decisões proferidas por outros tribunais europeus, pelo que está vedada, nesta sede, qualquer consideração sobre o mérito da decisão – se é justa, merecida ou fundada foram considerações que tiveram o seu lugar na jurisdição própria, onde decorreu um julgamento, com as inerentes garantias próprias de um Estado de Direito, em que se inserem os tribunais franceses.
4. Não se verifica qualquer causa de recusa – nomeadamente a prevista no art.º 17º nº 1 alínea l) da Lei nº 158/2015, desde logo porque não são descritos factos localizados em Portugal e porque, em todo o caso, o crime se consumou no local onde ocorreu o resultado, no caso, o acidente rodoviário com múltiplas vítimas mortais.
5. A conduta em causa constitui infração segundo a lei penal nacional e a pena concreta aplicada não excedeu a moldura que lhe seria aplicável – cf. art.º 137º nº 1 e 2 do C. Penal.
6. O princípio do reconhecimento mútuo, pedra angular da cooperação judiciária na União, implica que uma decisão judicial tomada pela autoridade judiciária de um Estado-Membro, segundo a sua lei, é exequível diretamente pela autoridade judiciária de outro Estado-Membro, produzindo efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada por uma autoridade judiciária nacional.
7. Daí que o tribunal português fique vinculado pela natureza jurídica e pela duração da sanção, tal como resultam da condenação – sendo mínima a possibilidade de intervenção corretiva, por exemplo, ao caso em que seja aplicada uma pena que a lei portuguesa não admite – o que não sucede no caso dos autos.
8. Os argumentos invocados pelo recorrente já tinam sido apresentados em sede de oposição – tendo sido devidamente analisados e afastados pelo Tribunal recorrido.
9. Não deve, por isso, o recurso ser procedente em nenhuma das suas vertentes.
Pelo que, confirmando a decisão recorrida, V. Exas. farão, como habitualmente, JUSTIÇA!
*
*
Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência.
Cumpre decidir.
*
*
*
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Factos provados
A matéria de facto provada que fundamenta o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra é a seguinte:
a) Por decisão proferida no processo nº 16085000009 em 13/6/2018, pelo Tribunal de Grande Instância de Moulins, França, transitada em julgado em 4/7/2018, foi o requerido condenado numa pena de 1.460 dias de prisão pela prática de um crime de homicídio involuntário por condução de veículo terrestre em violação motora e manifestamente deliberada de um dever de segurança ou cuidado, cometido em Montbeugny, Allier, França, de 24 para 25 de Março de 2016, p. e p. pelos artigos 221º-6-1 1º, 221º-6, al. i, 221º-8 e 221º-10 do Código Penal, e 232º-1 e 224º-12 do Código da Estrada franceses.
b) Tal condenação baseou-se nos seguintes factos: na noite de 24 para 25 de março de 2016, ocorreu um acidente de viação entre uma carrinha Mercedes Sprinter, com reboque, e um camião de Itália, sendo que aquela carrinha se desviou da faixa de rodagem onde seguiu, vindo a colidir frontalmente com esse camião. A carrinha foi encontrada na vala, por baixo da faixa de rodagem. O requerido AA, que conduzia uma carrinha Mitsubishi com cinco pessoas no interior e que seguia a carrinha Mercedes, confiou a condução desta a terceiro, então com 19 (dezanove) anos de idade, no âmbito de uma atividade não declarada de transporte de passageiros entre Portugal e a Suíça. Esta carrinha tinha sido convertida à mão, para 12 (doze) lugares, enquanto a respetiva homologação apenas previa 6 (seis). O condutor não tinha experiência de condução, nem carta de condução para transportar mais de 9 pessoas. No momento do acidente, a carrinha Mercedes, conduzida pelo terceiro tinha iniciado a ultrapassagem a um camião e, vindo de frente o primeiro referido camião, não teve tempo de parar e de evitar a colisão, apesar da tentativa do condutor italiano de evitar o acidente. A carrinha Mercedes estava sobrecarregada, com pneus carecas, cintos empedrados e equipamento geral inadequado para a segurança dos passageiros. Os 12 (doze) passageiros da carrinha Mercedes, de nacionalidade portuguesa e com idades compreendidas entre os 7 (sete) e os 62 (sessenta e dois) anos, foram atirados para a frente do veículo e morreram na hora.
c) O requerido esteve presente no julgamento.
d) Há que deduzir ao tempo de prisão 96 dias de prisão preventiva, cumpridos entre 1/4/2016 e 18/7/2016.
e) O requerido é cidadão português e reside em Portugal, na Rua 2.
f) Nada consta no seu certificado de registo criminal português.
g) Em 2/5/2019 foi celebrado entre «União de Sátão & Aguiar da Beira, Lda» e o requerido um contrato de trabalho, segundo o qual este se obrigou a exercer as funções de motorista de serviço público por conta e sob a direcção daquela durante 40 horas semanais, no concelho de Viseu, mediante um vencimento base ilíquido mensal de 645 euros, acrescido de subsídio de alimentação.
h) O contrato referido na alínea anterior foi celebrado com data de início a 6/5/2019 e termo a 31/12/2019, mas em 3/2/2020 foi alterado para contrato de trabalho sem termo.
i) Em Maio de 2025 o requerido auferiu 1.338,51 euros líquidos.
j) O requerido vive com os pais em casa própria destes, encontrando-se ambos reformados.
k) O requerido suporta despesas com luz, água, serviços de telecomunicações e ajuda os pais em termos alimentares.
l) Os pais do requerido constituem-se o seu suporte emocional e no meio social envolvente é visto como uma pessoa educada e pacata, sem problemas de inserção.
m) O requerido tem sentido crítico sobre o sucedido, tendo consciência dos danos causados às vítimas e seus familiares .
n) O requerido sente vergonha pelo sucedido e, desde então, tem dificuldades em estabelecer interacções sociais, pelo que assumiu um estilo de vida de algum isolamento social.
B) Factos não provados
Inexistem factos não provados.
C) Fundamentação de direito do acórdão recorrido (transcrição)
A sentença penal condenatória a que respeitam os presentes autos provém de um Tribunal de um Estado-Membro da União Europeia, pelo que ao solicitado reconhecimento e execução, em Portugal, é aplicável o regime aprovado pela Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro, na redação introduzida pela Lei nº 115/2019, de 12 de Setembro, que aprovou o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade, para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, bem como o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças e de decisões relativas à liberdade condicional para efeitos da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas.
A Lei nº 158/2015 efetuou a transposição das Decisões-Quadro 2008/909/JAI, do Conselho, e 2008/947/JAI, do Conselho, ambas de 27 de Novembro de 2008, e afastou a necessidade de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, introduzindo no seu lugar um procedimento específico simplificado e célere, ao mesmo tempo que assegura o respeito pelos direitos fundamentais, com as inerentes garantias processuais que devem caracterizar a justiça penal, resultando da combinação de todos estes elementos a concretização do princípio do reconhecimento mútuo.
De acordo com o disposto no artigo 229º do C.P.P., os efeitos das sentenças penais estrangeira são regulados pelos tratados e convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pelo disposto em lei especial e ainda pelas disposições do seu Livro V (Relações com autoridades estrangeiras e entidades judiciárias internacionais).
Vejamos, pois o regime jurídico aplicável:
Nos termos do artigo 16º, nº 1 da Lei nº 158/2015, «Recebida a sentença, devidamente transmitida pela autoridade competente do Estado de emissão e acompanhada da certidão emitida de acordo com modelo que consta do anexo i à presente lei, o Ministério Público promove o procedimento de reconhecimento, observando-se o disposto no artigo seguinte.».
Por seu turno, dispõe o artigo 17º, sob a epígrafe «Causas de recusa de reconhecimento e de execução»:
«1-A autoridade competente recusa o reconhecimento e a execução da sentença quando:
a) A certidão a que se refere o artigo 8.º for incompleta ou não corresponder manifestamente à sentença e não tiver sido completada ou corrigida dentro de um prazo razoável, entre 30 a 60 dias, a fixar pela autoridade portuguesa competente para o reconhecimento;
b) Não estiverem preenchidos os critérios definidos no n.º 1 do artigo 8.º;
c) A execução da sentença for contrária ao princípio ne bis in idem;
d) Num caso do n.º 2 do artigo 3.º, a sentença disser respeito a factos que não constituam uma infração, nos termos da lei portuguesa;
e) A pena a executar tiver prescrito, nos termos da lei portuguesa;
f) Existir uma imunidade que, segundo a lei portuguesa, impeça a execução da condenação;
g) A condenação tiver sido proferida contra pessoa inimputável em razão da idade, nos termos da lei portuguesa, em relação aos factos pelos quais foi proferida a sentença;
h) No momento em que a sentença tiver sido recebida, estiverem por cumprir menos de seis meses de pena;
i) De acordo com a certidão, a pessoa em causa não esteve presente no julgamento, a menos que a certidão ateste que a pessoa, em conformidade com outros requisitos processuais definidos na lei do Estado de emissão:
i) Foi atempada e pessoalmente notificada da data e do local previstos para o julgamento que conduziu à decisão, ou recebeu efetivamente por outros meios uma informação oficial da data e do local previstos para o julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto e que foi atempadamente informada de que podia ser proferida uma decisão mesmo não estando presente no julgamento;
ii) Tendo conhecimento do julgamento previsto, conferiu mandato a um defensor por si designado ou beneficiou da nomeação de um defensor pelo Estado, para sua defesa, e foi efetivamente representada por esse defensor; ou
iii) Depois de ter sido notificada da decisão e expressamente informada do direito a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo a apresentação de novas provas, que pode conduzir a uma decisão distinta da inicial, declarou expressamente que não contestava a decisão ou não requereu novo julgamento ou recurso dentro do prazo aplicável;
j) Antes de ser tomada qualquer decisão sobre o reconhecimento e execução da sentença, Portugal apresentar um pedido nos termos do n.º 4 do artigo 25.º, e o Estado de emissão não der o seu consentimento, nos termos da alínea g) do n.º 2 do mesmo artigo, à instauração de um processo, à execução de uma condenação ou à privação de liberdade da pessoa em causa devido a uma infração praticada antes da sua transferência mas diferente daquela por que foi transferida;
k) A condenação imposta implicar uma medida do foro médico ou psiquiátrico ou outra medida de segurança privativa de liberdade que, não obstante o disposto no n.º 4 do artigo anterior, não possa ser executada em Portugal, em conformidade com o seu sistema jurídico ou de saúde;
l) A sentença disser respeito a infrações penais que, segundo a lei interna, se considere terem sido praticadas na totalidade ou em grande parte ou no essencial no território nacional, ou em local considerado como tal.».
Importa também considerar o que se dispõe no artigo 3º, nº 2 do mesmo diploma legal:
«No caso de infrações não referidas no número anterior, o reconhecimento da sentença e a execução da pena de prisão ou medida privativa da liberdade, da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas, bem como o reconhecimento da decisão relativa à liberdade condicional pela autoridade judiciária portuguesa competente, ficam sujeitos à condição de a mesma se referir a factos que também constituam uma infração punível pela lei interna, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação na legislação do Estado de emissão».
No caso em apreço, a sentença objecto de reconhecimento condenou o requerido pela prática de um crime de homicídio involuntário por condução de veículo terrestre em violação motora e manifestamente deliberada de um dever de segurança ou cuidado, p. e p. pelos artigos 221º-6-1 1º, 221º-6, al. i, 221º-8 e 221º-10 do Código Penal, e 232º-1 e 224º-12 do Código da Estrada franceses, integrando os factos pelos quais foi condenado e que estão descritos sumariamente na alínea b) da fundamentação supra, o crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137º, nºs 1 e 2 do C.P., em conjugação com o disposto no artigo 10º, nº 1 do mesmo código, pelo que verifica a condição da dupla incriminação consagrada no nº 2 do artigo 3º acima transcrito – cfr. ainda a alínea d) do nº 1 do artigo 17º a contrario.
Depois, a decisão do Tribunal de Grande Instância de Moulins foi devidamente transmitida pela autoridade competente do Estado de emissão, acompanhada da certidão cujo modelo consta do anexo I à Lei nº 158/2015. A certidão em questão mostra-se traduzida para a língua portuguesa.
Depois, estão verificados os critérios definidos no nº 1 do artigo 8º - cfr. a alínea b) do nº 1 do artigo 17º -, por referência ao disposto no artigo 10º, nº 5, al. a), pois o requerido é cidadão português e reside em Portugal.
Acresce que não há notícia de que a execução contrarie o princípio ne bis in idem, nos termos da lei portuguesa a pena não se mostra prescrita (cfr. o artigo 122º, nº 1, al. c) do C.P.), não existe qualquer imunidade que impeça a execução da condenação, o requerido é imputável em razão da idade, pois tinha 42 anos de idade aquando da prática dos factos, a pena a cumprir é superior a 6 meses, o requerido esteve presente no julgamento, não está em causa o princípio da especialidade, nem o cumprimento de qualquer medida do foro médico ou medida de segurança (cfr. as alíneas c), e), f), g), h), i), j) e k) do artigo 17º).
O artigo 17º, nº 1, al. l) da Lei nº 158/2015, norma invocada pelo requerido, impõe a recusa de reconhecimento e execução da sentença penal estrangeira quando «A sentença disser respeito a infrações penais que, segundo a lei interna, se considere terem sido praticadas na totalidade ou em grande parte ou no essencial no território nacional, ou em local considerado como tal.».
Porém, a situação concreta do requerido não se enquadra neste motivo de recusa: conforme consta dos factos descritos na alínea b) da fundamentação, o acidente de viação ocorreu, indubitavelmente, em França, pelo que a consumação do crime de homicídio teve lugar nesse país, e apenas terão sido praticados, eventualmente, no nosso país, o acto de confiança da condução da carrinha Mercedes a quem não tinha experiência de condução, nem carta de condução para transportar mais de nove pessoas, e a omissão do dever de cuidado quanto aos pneus, aos cintos e demais equipamento de segurança da viatura .
Acresce que a alegação de que a sentença a reconhecer e executar não faz referência à cumplicidade, à autoria moral, ou à comparticipação, não tem qualquer cabimento nestes autos, na medida em que o presente processo não visa a apreciação do mérito daquela sentença, e as questões levantadas agora pelo requerido poderiam era ter sido, quiçá, objecto de um recurso na ordem judiciária francesa .
Pretende ainda o requerido ver a pena que lhe foi aplicada – de 4 anos de prisão – adaptada e, em consequência, ver a mesma reduzida a 3 anos de prisão e ser suspensa na sua execução, ao abrigo do artigo 15º, nº 1 da Lei nº 158/2015, que estipula que «A execução de uma condenação rege-se pela lei portuguesa» .
Argumenta então que foi condenado numa pena de prisão de 4 anos, por homicídio involuntário, sem qualquer qualificação, e o art.º 137º nº 1 do Código Penal pune o crime de homicídio por negligência com uma pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, pelo que a sua pena deve ser reduzida para o máximo admissível de 3 anos de prisão, a que importa deduzir ainda os 96 dias de prisão já cumpridos pelo arguido em França.
Acresce que, como se encontra socialmente integrado, exercendo a profissão e motorista de serviço público desde 6/5/2019, é pessoa pacata, dedicada à família e aos amigos, e não tem antecedentes criminais prévios nem após os factos, deve ver tal pena suspensa na sua execução .
Em primeiro lugar, dir-se-á que a pretensão do requerido não encontra acolhimento na norma citada, que se dirige à execução da pena, não à sua aplicação . Na verdade, resulta de todo o artigo 15º da Lei nº 158/2015 que a aplicação da lei portuguesa cabe a institutos como o desconto, ou a liberdade condicional.
É certo que o artigo 16, nº 3 do mesmo diploma legal estipula que «Caso a duração da condenação seja incompatível com a lei interna, a autoridade judiciária competente para o reconhecimento da sentença só pode adaptá-la se essa condenação exceder a pena máxima prevista para infrações semelhantes, não podendo a condenação adaptada ser inferior à pena máxima prevista na lei interna para infrações semelhantes».
Contudo, não há lugar à aplicação desta norma, na medida em que o nº 2 do artigo 137º do C.P. prevê uma pena de prisão até 5 anos para o caso de o homicídio ter sido cometido com negligência grosseira.
Nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 5ª edição atualizada, UCE, p. 172, «O carácter grosseiro resulta do facto do agente revelar uma «especial aptidão», um «perigo intolerável» de ocorrência do resultado e, portanto, desde logo, uma ilicitude mais gravosa, a que acresce concomitantemente uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade» .
No caso, é preciso não esquecer que os factos praticados pelo requerido foram integrados no crime de homicídio involuntário por condução de veículo terrestre em violação motora e manifestamente deliberada de um dever de segurança ou cuidado – sublinhado meu –, o que já indicia uma omissão de cautelas elementares.
Depois, há que não esquecer que os factos provados apontam ao requerido :
- ter confiado a condução da carrinha em questão a uma pessoa com 19 anos de idade, sem experiência de condução, nem carta de condução para transportar mais de 9 pessoas, quando na carrinha seguiam 12 pessoas, para uma viagem longa, entre Portugal e a Suíça;
- a carrinha tinha sido convertida à mão para 12 lugares, quando a respetiva homologação apenas previa 6;
- a carrinha tinha os pneus carecas, cintos empedrados e equipamento geral inadequado para a segurança dos passageiros.
Neste quadro, dúvidas não temos em afirmar que a culpa do requerido é uma culpa que podemos apelidar de temerária, pelo que a sua conduta integra, nitidamente, a previsão do nº 2 do artigo 137º do nosso código penal.
Aqui chegados, importa analisar a pretensão do requerido em ver a pena aplicada, porque não ultrapassa os 5 anos de prisão – cfr. o nº 1 do artigo 50º do C.P. –, suspensa na sua execução.
O princípio do reconhecimento mútuo, já atrás aflorado, traduz a confiança recíproca entre os vários ordenamentos jurídicos, o que implica a aceitação da decisão tal como foi proferida. Isto é, a decisão condenatória não resulta do contributo dos dois ordenamentos estaduais – o do Estado requerente e o do Estado da execução –, que repartissem entre si as tarefas de determinação concreta da pena, a cargo do primeiro, e de aplicação de uma pena de substituição, a cargo do segundo .
À luz de tal princípio o Estado da execução fica vinculado pela natureza jurídica e pela duração da sanção aplicada pelo tribunal do Estado requerente, no caso, o tribunal francês, não podendo, por isso, ser ponderada por este foro a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao requerido, uma vez que o tribunal que o condenou se decidiu pelo seu cumprimento efectivo.
De resto, o Acórdão do S.T.J. de 24/10/2024, proferido no processo 3540/23.0yrlsb.S2m, invocado pelo requerido, reporta-se a um processo distinto do presente, de extradição, a que era aplicável o artigo 100º da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto.
Tudo para concluir não assistir qualquer razão ao requerido em ver a pena aplicada pelo tribunal francês suspensa na sua execução .
Por último, pretende o requerido que sejam suprimidas as sanções acessórias que lhe foram aplicadas, o que se indefere liminarmente, sem necessidade de grandes explicações, dado que não vem solicitado o seu reconhecimento ou execução.
*
*
*
Âmbito do recurso
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.
Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.
Por outro lado, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir no presente recurso, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são, por ordem de precedência lógica:
- A verificação do motivo de recusa de reconhecimento e de execução previsto no art. 17º, nº 1, l), da Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro;
- A adaptação da pena imposta pela sentença estrangeira, face ao limite máximo previsto na lei portuguesa para o crime praticado – homicídio por negligência – e o desconto do tempo de detenção – 96 dias – ocorrido em, França;
- A suspensão da execução da pena imposta pela sentença estrangeira.
*
*
*
Da verificação do motivo de recusa de reconhecimento e de execução previsto no art. 17º, nº 1, l), da Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro
1. A Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro aprovou, além do mais, o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade, para efeitos da sua execução na União Europeia, transpondo para a ordem jurídica nacional as Decisões-Quadro 2008/909/JAI, do Conselho, e 2008/947/JAI, do Conselho, ambas de 27 de Novembro de 2008.
In casu, o Estado requerente – República Francesa – e o Estado de execução – República Portuguesa – integram a União Europeia pelo que, as questões de cooperação judiciária internacional em matéria penal suscitadas nos autos deverão ser dirimidas à luz do supra citado diploma legal e, subsidiariamente, do C. Processo Penal (art. 1º, nº 5 da lei em referência).
Alega o recorrente – conclusão 3 – que a sentença francesa em reconhecimento e execução é injusta pois impõe o cumprimento de uma pena de 4 anos de prisão, por factos de há nove anos, a um cidadão que está socialmente integrado em todas as vertentes, com um comportamento imaculado, que teve acompanhamento psiquiátrico durante três anos para superar o peso emocional e a penitência das consequências suas condutas, violando o cumprimento da pena o objectivo primeiro da Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro, o facilitamento da reinserção social da pessoa condenada.
E, continua o recorrente – conclusão 4 –, está verificado o motivo de recusa de reconhecimento e de execução previsto no art. 17º, nº 1, l), da Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro, pois os factos provados da sentença francesa [que tinha em Portugal uma actividade não declarada de transporte de passageiros entre Portugal e a Suíça, que no âmbito desta actividade confiou a condução do veículo sinistrado a um terceiro, que este veículo tinha matrícula portuguesa, tinha os pneus gastos, tinha os cintos empedrados (sic), tinha o equipamento geral inadequado, e havia sido adaptado, manualmente, em Portugal, à lotação de doze lugares, estando homologado para seis, que a decisão e planeamento do transporte foram tomados em Portugal, e que o veículo sofreu um acidente rodoviário em França, no qual pereceram doze passageiros portugueses] foram praticados, no essencial e na quase totalidade, em Portugal, apenas tendo ocorrido em França o acidente, sendo certo que a referida sentença é contraditória pois veio a condená-lo pela prática de um crime de homicídio involuntário na condução de veículo com violação do dever de cuidado e das regras de segurança, quando não era o seu condutor e também não referiu qualquer modalidade de comparticipação, limitando-se a atribuir-lhe a acção de ter confiado a terceiro a condução do veículo sinistrado.
Vejamos.
a. A Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro que aprovou, conforme já dito, o regime jurídico da transmissão e execução de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas da liberdade, para efeitos da sua execução na União Europeia [doravante, UE], constitui mais um pilar do princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais em matéria penal, em que se funda toda a cooperação judiciária em matéria penal no âmbito do referido espaço europeu, como expressamente resulta do nº 4 do seu art. 1º.
A lei – nacional e europeia – não define o conteúdo do princípio do reconhecimento mútuo, mas podemos dizer que o seu núcleo se traduz em que a decisão definitiva da autoridade judiciária competente e em conformidade com o direito do respectivo Estado membro, dever ter efeito directo e pleno em todo o território da UE.
O TJUE vem afirmando de forma uniforme que o princípio do reconhecimento mútuo assenta em noções de equivalência e de elevado grau de confiança mútua nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros da UE, alicerçada no respeito pelos direitos fundamentais consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos. O direito da União assenta na premissa fundamental segundo a qual cada Estado‑Membro partilha com todos os outros Estados‑Membros, e reconhece que estes partilham com ele, uma série de valores comuns nos quais a União se funda, como precisado no artigo 2.º TUE. Esta premissa implica e justifica a existência da confiança mútua entre os Estados‑Membros no reconhecimento desses valores e, portanto, no respeito do direito da União que os aplica (Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.º 35; e de 15 de outubro de 2019, Dorobantu, C‑128/18, EU:C:2019:857, n.º 45) (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 2024, processo nº 55/24.EVR.S1, in www.dgsi.pt).
Convocando o que fica dito quanto ao princípio do reconhecimento mútuo e a imposta observância do mesmo no reconhecimento e execução de sentença penal, temos por certo que nesta modalidade de cooperação judiciária em matéria penal no âmbito da EU, não compete ao Estado de execução sindicar a sua adequação ao ordenamento jurídico do Estado de emissão, nem avaliar da justiça da mesma.
Com efeito, o Estado de execução, para além de poder recusar o reconhecimento e execução da sentença, verificado que esteja um dos motivos de recusa, previsto no art. 17º, da Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro, pode, apenas, adaptá-la à lei interna, quanto à duração da pena e quanto à natureza da pena, nas condições previstas no art. 16º, nºs 3, 4 e 5, da mesma lei.
Assim, não compete aos tribunais portugueses, no âmbito de reconhecimento de sentença penal francesa objecto dos autos, apreciar se a sentença a rever e executar fixou adequadamente os factos no que respeita à autoria do crime e se é injusta, quanto à escolha e medida da pena imposta, não podendo os tribunais nacionais funcionar, como bem assinala a Exma. Procuradora-Geral Adjunta na resposta ao recurso, como uma espécie de instância de recurso do tribunal francês que prolatou a sentença em causa.
b. Dispõe a alínea l) do nº 1 do art. 17º, da Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro que, [a] autoridade competente recusa o reconhecimento e a execução da sentença quando: (…); l) A sentença disser respeito a infracções penais que, segundo a lei interna, se considere terem sido praticadas na totalidade ou em grande parte ou no essencial no território nacional, ou em local considerado como tal.
Por sua vez, dispõe o art. 7º, nº 1, do C. Penal que, [o] facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no tipo de crime se tiver produzido.
Fixa a lei um critério misto – conduta ou resultado – para a determinação do lugar da prática do facto, equivalendo-se os dois indicados factores nessa determinação.
O acidente de viação em causa que causou a morte de doze passageiros da carrinha Mercedes, ocorreu em França, tendo aí sido o recorrente condenado pela prática de crime de homicídio involuntário por condutor de veículo terrestre a motor e violação manifestamente deliberada de regra de segurança ou de prudência.
Estando em causa um crime de homicídio, relativamente ao qual, os resultados morte ocorreram em França, pelo critério do resultado acima referido, é evidente que o facto se considera praticado em território não nacional.
Contrariamente ao pretendido pelo recorrente: não consta dos factos provados que tinha em Portugal uma actividade não declarada de transporte de passageiros entre Portugal e a Suíça, mas que o acidente aconteceu no âmbito de uma atividade não declarada de transporte de passageiros entre Portugal e a Suíça; não consta dos factos provados que a viatura Mercedes tivesse matrícula portuguesa; não consta dos factos provados que a transformação da capacidade da viatura Mercedes, de seis para doze pessoas tenha ocorrido em Portugal; não consta dos factos provados que a decisão e planeamento do transporte acidentado foram tomados em Portugal.
Por outro lado, consta dos factos provados que o recorrente tinha confiado a condução da viatura Mercedes a um outro cidadão, de 19 anos de idade, sem experiência e sem habilitação legal para conduzir veículos com lotação superior a nove passageiros, que a viatura Mercedes Benz, para além da modificação [manual] a que foi sujeita quanto à sua lotação, estava equipada com pneus gastos [lisos, sem rastos] e com cintos ‘empedrados’ [é manifesta a deficiência de tradução pois, «ceintures bricolées», como consta da sentença francesa, significa, cintos artesanais], que os doze passageiros foram atirados para a frente da viatura, e ainda que, o recorrente, no tempo e lugar do acidente, seguia a viatura Mercedes, conduzindo uma outra viatura, transportando cinco passageiros.
Como se vê, se não todos, seguramente a maior parte e, simultaneamente, a parte essencial dos factos ocorreu em território não nacional pelo que, também pelo critério da conduta, é evidente que o facto se considera praticado em território não nacional.
Assim, porque a sentença a reconhecer e executar respeita a um crime que, de acordo com a lei portuguesa, não foi praticado em Portugal, não se verifica o, pelo recorrente pretendido, motivo de recusa de reconhecimento e execução, previsto no art. 17º, nº 1, l), da Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro.
*
Da adaptação da pena imposta pela sentença estrangeira, face ao limite máximo previsto na lei portuguesa para o crime praticado – homicídio por negligência – e do desconto do tempo de detenção – 96 dias – ocorrido em, França
2. Alega o recorrente – conclusão 5 – que, atenta a exigência de controlo da dupla incriminação prevista no art. 3º, nº 2, da Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro, e porque a execução de uma condenação se rege pela lei portuguesa (art. 15º, nº 1, da mesma lei), tendo sido condenado na sentença a rever, na pena de 4 anos de prisão, por homicídio involuntário sem qualquer qualificação, prevendo e punindo o C. Penal, no seu art. 137º, nº 1, o crime de homicídio por negligência, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, impõe-se adaptar a pena imposta na sentença francesa para o limite máximo da pena aplicável ao crime correspondente em Portugal, fixando-a em 3 anos de prisão.
A questão suscitada pelo recorrente conduz-nos, previamente, para uma outra, que tem por objecto a verificação da dupla incriminação, prevista no nº 2 do art. 3º da Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro. Explicando.
O crime que integra o objecto da sentença francesa a reconhecer e executar é o de homicídio involuntário por violação manifestamente deliberada de uma regra de segurança ou de prudência [no caso, circulação de veículo ou elemento de veículo não homologado ou não conforme com o tipo de homologação e circulação de veículo a motor ou de reboque equipado com pneus lisos, rasgados ou com a tela à vista], p. e p. pelos arts. 221-6, 221-8 e 221-10, do C. Penal francês.
O referido art. 221-6 tem a seguinte redacção:
O facto de causar a morte de outra pessoa, nas condições e de acordo com as distinções previstas no artigo 121-3, por imprudência, desatenção, negligência ou incumprimento de regra de cuidado ou segurança imposta pela lei ou por regulamento, constitui homicídio involuntário, punível com pena de prisão de três anos e multa de € 45000.
No caso de a violação de regra de cuidado ou de segurança imposta por lei ou por regulamento ser manifestamente deliberada, as penas são agravadas para cinco anos de prisão e € 75000 de multa.
Por sua vez, o art. 121-3 tem a seguinte redacção:
Não há crime ou delito sem intenção de o cometer.
Contudo, quando a lei o preveja, existe delito quando deliberadamente seja colocada em perigo outra pessoa
Quando a lei o preveja, também existe delito, no caso de imprudência, negligência ou incumprimento de regra de cuidado ou segurança prevista por lei ou por regulamento, se for feita prova de que o autor dos factos não actuou com a diligência devida, em razão das suas atribuições e competências, bem como, dos poderes e meios de que dispunha.
No caso previsto no parágrafo anterior, as pessoas físicas que não causaram directamente o dano, mas que criaram ou contribuíram para criar a situação que conduziu à sua verificação, ou que não tomaram as medidas para evitá-lo, são penalmente responsáveis provando-se que violaram de forma manifestamente deliberada regra de cuidado ou segurança prevista por lei ou por regulamento, ou que cometeram falta que expôs outrem a perigo particularmente grave que não podiam ignorar.
Não existe infracção em caso de força maior.
A Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro prevê, no seu art. 3º, nº 1, o catálogo dos crimes que dispensa o controlo da dupla incriminação desde que, de acordo com o Estado de emissão, sejam puníveis com pena privativa da liberdade de duração máxima não inferior a três anos.
O seu nº 2, prevendo os casos de controlo da dupla incriminação, dispõe:
No caso de infracções não referidas no número anterior, o reconhecimento da sentença e a execução da pena de prisão ou da medida privativa da liberdade, da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas, bem como o reconhecimento da decisão relativa à liberdade condicional pela autoridade judiciária portuguesa competente ficam sujeitos à condição de a mesma se referir a factos que também constituam uma infracção punível pela lei interna, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação na legislação do Estado de emissão.
Convocando a matéria de facto provada relativa ao recorrente, da qual resulta, em síntese, ter este colocado ao volante de uma viatura automóvel, com reboque, sem condições mínimas de segurança [com a lotação particularmente aumentada, de seis para doze passageiros, pneus gastos, cintos de segurança artesanalmente feitos e colocados, excesso de peso], e com doze passageiros a bordo, um jovem inexperiente na condução e sem título habilitante bastante para conduzir viaturas com o referido número de passageiros, viatura que veio a ser interveniente em acidente de viação que causou a morte a todos os passageiros, e que o recorrente, nas condições de tempo e lugar do acidente, seguia, conduzindo um outro veículo no qual também procedia ao transporte de passageiros, cremos estarem presentes, in casu, os elementos definidores do crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, do C. Penal, que no seu nº 1 define os elementos constitutivos do tipo de ilícito, ao qual confere a moldura penal de prisão até três anos ou pena de multa, e no seu nº 2, introduzindo o grau aumentado de negligência, designado de negligência grosseira, confere ao crime uma moldura penal agravada, punindo-o com prisão té cinco anos.
O conceito de negligência grosseira implica, a verificação de uma negligência particularmente intensa, quer ao nível da culpa, quer ao nível do tipo de ilícito, requerendo, quanto a este, uma acção especialmente perigosa e um resultado de verificação muito provável, à luz da conduta praticada e, quanto à culpa, uma atitude descuidada especialmente censurável perante o comando jurídico-penal (Figueiredo Dias/Nuno Brandão, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, 2012, Coimbra Editora, págs. 184-185). E cremos ser este o grau de negligência que se verifica relativamente à conduta do recorrente, tendo em conta a factualidade descrita, com particular incidência, no aumento da lotação da viatura acidentada feita de forma particular, isto é artesanalmente e por isso, sem homologação das autoridades competentes, e na consequente colocação de cintos de segurança nas mesmas condições, pois, como se descreve na matéria de facto provada, na sequência da colisão, os doze passageiros foram atirados para a frente do veículo e morreram na hora, o que significa que os bancos e os cintos não se encontravam devidamente fixados [note-se que o condutor da viatura sobreviveu].
Contudo, dispõe o art. 290º, do C. Penal, com a epígrafe «Atentado à segurança de transporte rodoviário», na parte em que agora releva:
1 – Quem atentar contra a segurança de transporte rodoviário:
(…);
d) Praticando acto do qual possa resultar desastre;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
Nos termos do disposto no seu nº 3 do art, 294º, conjugado com o art. 285º, ambos do mesmo código, a pena é agravada de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, quando da conduta resulte a morte ou ofensa à integridade física grave de outra pessoa, portanto, em caso de crime agravado pelo resultado, a pena passa a ser a de 1 ano e 4 meses a 6 anos e 8 meses de prisão.
A alteração da lotação da viatura acidentada, de seis para doze passageiros e a instalação de cintos de segurança, nas condições em que foram feitas, já referidas, porque não puderam deixar de ser queridas e realizadas pelo recorrente, traduziram-se num comportamento doloso que, de forma clara e inequívoca criou risco de acidente, com a circulação do veículo.
Assim, ocorrido o acidente e dele resultando, como consequência adequada, a perda de doze vidas humanas, resultado este imputável a título negligente, preenchido está o tipo do crime de atentado à segurança de transporte rodoviário, p. e p. pelos arts. 290º, nº 1, d) e 294º, nº 3, com referência ao art. 285º, todos do C. Penal, o qual, refira-se, consome o crime de homicídio por negligência.
Aqui chegados.
Sendo a conduta do recorrente subsumível à previsão dos arts. 290º, nº 1, d) e 294º, nº 3, com referência ao art. 285º, todos do C. Penal, portanto, punível com prisão de 1 ano e 4 meses a 6 anos e 8 meses de prisão , não há lugar à pretendida adaptação da pena de 4 anos de prisão imposta na sentença a reconhecer e executar [como também não haveria, diga-se, no caso de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, nº 2, do C. Penal, punível com pena de prisão até 5 anos].
3. Pede ainda o recorrente – conclusão 5 – que sejam deduzidos à pena imposta na sentença a reconhecer e executar, os 96 dias de detenção a que foi sujeito em França.
Vejamos.
Foi considerado provado no acórdão recorrido que o recorrente esteve sujeito a prisão preventiva [em França, naturalmente], entre 1 de Abril e 18 de Julho de 2016, perfazendo 96 dias de privação da liberdade.
Dispõe o art. 15º, nº 4, da Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro que, [a] autoridade judiciária competente deduz a totalidade do período de privação da já cumprido, no âmbito da condenação a respeito da qual foi proferida a sentença, da duração total da pena de privação da liberdade a cumprir.
Acontece que no Dispositivo do acórdão recorrido, foi determinado, além do mais, que, «… a referida pena de prisão seja executada em Portugal, após o desconto de 96 dias de prisão preventiva já cumprida (…)», sendo assim, completamente carecida de fundamento esta pretensão do recorrente.
*
Da suspensão da execução da pena imposta pela sentença estrangeira
4. Pretende, por último, o recorrente – conclusão 5 – que a pena de prisão a reconhecer e executar seja suspensa na respectiva execução, argumentando que o objectivo visado pela nº 158/2015, de 17 de Setembro é facilitar a reinserção social do condenado, que, nos termos do seu art. 15º, [a] execução de uma condenação rege-se pela lei portuguesa, que se encontra social e laboralmente integrado, que é pessoa pacata, dedicada à família e aos amigos e não tem antecedentes criminais, nem condutas típicas praticadas posteriormente aos factos.
Vejamos.
Tem razão o recorrente quando diz que a Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro visa facilitar a reinserção social da pessoa condenada, pois é precisamente isso o que é afirmado no seu art. 1º, nº 1, e quando diz que, nos termos do art. 15º, nº 1, da mesma lei, a execução de uma condenação se rege pela lei portuguesa.
Sucede que a pretensão do recorrente não respeita à execução da condenação, dito de outro modo, à execução da pena aplicada na sentença a reconhecer, mas à escolha da própria pena.
Com efeito, a suspensão da execução da pena de prisão, não obstante a sua denominação, nada tem a ver com a execução da pena de prisão, sendo antes, uma pena de substituição (da pena de prisão), em sentido próprio.
Na verdade, o Código Penal francês prevê uma figura idêntica, a sursis simples [art. 132-29 a 132-39] e com regime de prova [art. 132-40 a 132-53] e, no entanto, optou pela sua não aplicação.
Assim, porque a requerida pena de substituição se insere em matéria de escolha da pena, não pode a República Portuguesa, enquanto Estado de execução, apreciar a pretensão, sob pena de violação do supra referido princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais em matéria penal.
Improcede, pois, esta pretensão do recorrente.
*
*
*
*
III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo do Supremo Tribunal de Justiça, em negar provimento ao recurso e, em consequência, se bem que por razões não totalmente coincidentes, confirmam o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCS. (art. 1º, nº 5, da Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro, art. 513º, nºs 1 e 3, do C. Processo Penal, e art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).
*
*
(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal).
*
*
Lisboa, 6 de Novembro de 2025
Vasques Osório
Donas Botto (1º Adjunto)
Jorge Jacob (2º Adjunto)