A conformidade decisória impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, é apreciada, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível do acórdão recorrido.
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recorrente: AA
Recorrida: Aegon Santander Portugal Vida
I. — RELATÓRIO
1. AA propôs a presente acção declarativa de condenação contra Aegon Santander Portugal Vida, formulando os seguintes pedidos:
a) Declarar abusiva e, por isso, nula a cláusula inserta no contrato de seguro de vida celebrado entre as partes sob a apólice supra identificada referente à definição de Invalidez Absoluta e Definitiva da Pessoa Segura, na parte em que estabelece como condição de verificação do risco “o recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa para os actos básicos da vida diária, incluindo necessariamente a dependência total de terceiros para a higiene e alimentação”;
b) Declarar verificado o risco por o Autor se encontrar, em virtude das doenças que padece, numa situação de invalidez absoluta e definitiva;
c) Caso assim não se entenda, excluir a dita cláusula, por violação dos deveres de informação na parte onde refere “o recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa para os actos básicos da vida diária, incluindo necessariamente a dependência total de terceiros para a higiene e alimentação”.
d) Condenar sempre a Ré Seguradora a pagar ao beneficiário Banco, o remanescente em dívida com respeito ao crédito à habitação concedido ao Autor;
e) Condenar a Ré Seguradora a reembolsar ao Autor as prestações por este pagas ao Banco Beneficiário desde pelo menos a data da Junta Médica ou seja, de 22/11/2021 ou da sua data de invalidez, se a mesma for fixada em data anterior, bem como os prémios de seguro e demais despesas pagas por si.
Subsidiariamente,
Deve a presente ação proceder por provada e por via disso:
a) Declarar-se a ativação do seguro de vida identificado nos presentes autos, com efeitos pelo menos a partir de 22/11/2021, ou sobre a data de fixação de invalidez do Autor, se for anterior a esta, data anterior a esta, por verificação do risco coberto;
b) Condenar-se a Ré Aegon a pagar ao Santander Totta o valor em dívida do empréstimo identificado nos artigos 2º e 3º da P.I., à data do trânsito em julgado da sentença;
c) Condenar-se a Ré Aegon a pagar ao Autor o valor correspondente às prestações mensais dos empréstimos (amortizações de capital, juros, spread e despesas, designadamente comissão de processamento e imposto de selo inerente) vencidas após 22.11.2021 (ou sobre a data de fixação da sua invalidez, se for anterior a esta), inclusive, até à presente data, no montante de 1635.50€ (ou no montante preciso que o Banco Santander indique) e todas as demais que o Autor pagar doravante até integral pagamento pela Ré.
d) Deve a Ré ser condenada a restituir ao Autor a quantia relativa aos prémios dos seguros de vida pagos por si e referentes ao mesmo período, no valor de 380,55€ (apenas estão contabilizados desde 22/11/202) e todos os demais que o Autor pagar doravante, até integral pagamento pela Ré.
2. A Ré Aegon Santander Portugal Vida contestou, defendendo-se por impugnação.
3. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré Aegon Santander Portugal Vida de todos os pedidos.
4. Inconformado, o Autor AA interpôs recurso de apelação.
5. O Tribunal da Relação julgou parcialmente procedente o recurso de apelação.
6. O dispositivo do acórdão proferido pelo Tribunal de 1.º instância é do seguinte teor:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação e, em consequência, decide-se:
i) revogar a sentença recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido principal formulado em a) e, em consequência, declara-se nulo e excluído do contrato em causa o segmento da cláusula das condições gerais que exige que a verificação da “Invalidez Absoluta e Definitiva” para efeitos do seguro esteja dependente da necessidade do recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa para os atos básicos da vida diária, incluindo necessariamente a dependência total de terceiros para a higiene e alimentação;
ii) confirmar, no mais, a sentença recorrida.
Custas da ação e da apelação a cargo do apelante/autor e da apelada/ré, na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixam em 4/5 para o apelante e 1/5 para a apelada, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
7. Inconformado, o Autor AA interpôs recurso de revista.
8. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
1- O Douto Tribunal recorrido incorreu numa errada aplicação dos factos provados ao Direito, bem como numa errada interpretação do conceito de Invalidade Absoluta e Definitiva.
2- Efetivamente o I. Tribunal excluiu (e bem) o segmente da necessidade como condição de verificação do risco “o recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa para os atos básicos da vida diária, incluindo necessariamente a dependência total de terceiros para a higiene e alimentação” pelo A./recorrente.
3- Mas face aos factos provados, uma invalidez absoluta e definitiva será, para o A./recorrente colocado na posição de um declaratário normal, um estado que o deixa totalmente incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua atividade, designadamente laboral.
4- O que igualmente resulta dos documentos que a Ré/Recorrida enviou ao A./recorrente, desde o teor das apólices até às comunicações que foram realizadas quando o Recorrente participou o sinistro, meio de prova que foi ignorado pelo I. Tribunal, incorrendo na violação do artigo 413º do CPC.
5-Dos factos provados, afere-se igualmente o estado de grande limitação física do A./recorrente, bem como das suas capacidades sociais e profissionais.
6- O Recorrente exercia a profissão de serralheiro, o que fez toda a sua vida e devido ás doenças que o acometeram ficou incapacitado de exercer a sua atividade e qualquer outra que exija esforços físicos, podendo apenas e de forma abstrata e genérica exercer atividades como recepcionista ou porteiro (desde que o faça sentado) ou seja atividades que não exijam esforços físicos e que nunca foram por si exercidas.
7- Tem agora 69 anos de idade e nunca tendo executado essas atividades ou similares, tem necessidade de uma reconversão profissional, já que as atividades que abstratamente poderia realizar exigem conhecimentos que o A./Recorrente não tem, bem como necessita de ter formação para as realizar.
8- Com o devido respeito, o A/recorrente á data da contratação da apólice não iria determinar que o conceito de invalidez absoluta e definitiva não compreendia apenas o seu trabalho habitual, mas todos os outros, que fossem remunerados, independentemente de terem ou não alguma relação com a sua profissão.
9- Sendo que a Jurisprudência tem decidido que as atividades laborais a considerar tem de ser analisadas casuisticamente, com avaliação de vários aspetos.
10- Ou seja terá de se determinar a possibilidade de exercício de uma atividade remunerada pelo do A./recorrente, tendo em atenção a atividade por si desenvolvida, a sua idade, o restante tempo da vida profissional, o tipo de doença e as restrições à sua saúde, as suas habilitações literárias e profissionais e a possibilidade de reconversão para a atividade profissional compatível com essas habilitações e capacidades.
11- No caso em apreço, a possibilidade de reconversão para a atividade profissional compatível com essas habilitações e capacidades pelo Recorrente encontra-se extremamente limitada, pelas apontadas condições pessoais.
11- Não tendo assim sido considerado pelo I. Tribunal Recorrido.
12- Esta interpretação gera um desequilíbrio na relação contratual, em prejuízo do Recorrente.
13- Quando o A/recorrente subscreveu o seguro em causa, era serralheiro de profissão, tendo sido essa atividade que exerceu durante a sua vida laboral.
14- Adiantar que o A/recorrente possa exercer a atividade de recepcionista ou de porteiro não é compatível com essa função.
15- A sua incapacidade ocorreu numa situação de risco enquadrável na apólice contratada, devendo o conceito de invalidez definido nas condições particulares ser considerado preenchido e por via disso ser declarado a ocorrência do risco, responsabilizando a Ré/recorrida pelos pagamentos peticionados.
16- Ao assim não ter decidido o I. Tribunal violou o artigo 236º 1 do CC e o artigo 10º do RJCCG.
Nestes termos e nos mais de direito e por tudo o que se expôs, deve o presente recurso proceder por provado e o Douto Acordão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue a ação procedente por provada, com as consequências legais, fazendo assim, V. Exas., aliás, como sempre, Justiça!!
9. A Ré Aegon Santander Portugal Vida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
10. Em 6 de Outubro de 2025 foi proferido o despacho previsto no artigo 655.º do Código de Processo Civil.
11. O Recorrente AA respondeu ao despacho previsto no artigo 655.º do Código de Processo Civil.
12. Fê-lo nos seguintes termos:
“Entende o Recorrente, ao contrario do disposto no Douto Despacho proferido, que o recurso é admissível face á alteração da decisão operada pelo Tribunal da Relação de Guimarães e tal resulta, essencialmente, do seguinte:
— Os segmentos de recurso estão interligados, isto porque só é possível analisar se a incapacidade do A. ocorreu numa situação de risco enquadrável na apólice porque o I. Tribunal recorrido redefiniu o conceito de invalidez inserido nas condições particulares, retirando a necessidade de dependência de terceiros para os atos da vida diária e por via disso poder ser considerado preenchido e declarado a ocorrência do risco.
È nosso entendimento que a análise da questão objeto do presente recurso não se encontra dissociada da decisão alterada pelo Tribunal Recorrido.
Se o Tribunal recorrido mantivesse a decisão da Primeira Instancia não seria possível apresentar o presente recurso, já que estaríamos na presença da dupla conforme.
O Recorrente pretende ver analisada a interpretação que o Tribunal da Relação efetuou á luz da alteração do conceito de invalidez que definiu, constituindo por isso uma questão nova e ainda sem um segundo juízo, não preenchendo o requisito da dupla conforme.
Na optica do Recorrente, esse conceito face à alteração operada teria de ter uma decisão diferente.
O I. Tribunal recorrido, alterou o conceito, mas decidiu que face á matéria de facto provada, a incapacidade do A. não o preenchia, residindo ai a discordância do requerente.
Para identificar a recorribilidade de um ato decisório necessário se torna atender aos princípios gerais sobre interpretação da lei consagrados no art. 9º C.C.
Entendemos que ao efetuar a alteração da definição da cláusula que definia a incapacidade no contrato de seguro e não podendo esta (na nossa opinião e com todo o respeito) ser dissociada da incapacidade tida pelo A./recorrente, a fundamentação entre as duas decisões (da 1ª Instancia e do Tribunal da Relação) foi essencialmente diferente, já que a da Primeira Instancia considerou a não dependência do A. para os atos da vida diária de terceiros, o que desde logo excluía a responsabilidade da recorrida porquanto o A. não esta dependente de terceiros, enquanto a 2ª Instancia já não considerou esse aspeto e a questão da incapacidade do A. foi analisada á luz dessa nova definição e por isso alterou na sua essencialidade a decisão recorrida.
Face ao exposto, deve o recurso ser admitido e apreciado.
13. O Recorrido Aegon Santander Portugal Vida não respondeu ao despacho previsto no artigo 655.º do Código de Processo Civil.
II. — FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
14. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:
1. A 16 de setembro de 2016, o autor, à data com 59 anos de idade, adquiriu um prédio urbano, destinado à sua habitação, sito no lugar do Ribeiro, União das Freguesias de Santa Cruz e Trindade, concelho de Chaves, inscrito na matriz sob o artigo ...3 e descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º ...1, da extinta freguesia de Sanjurge.
2. Para pagamento parcial do referido imóvel, no mesmo ato contraiu um mútuo com o Banco Santander Totta, no valor de 47.300,00€, pelo prazo de 180 meses, tendo constituído para garantia do pagamento do valor mutuado, hipoteca sobre o mesmo imóvel.
3. Para concessão do empréstimo, o autor tinha de subscrever uma apólice de seguro de vida, tendo o Banco como beneficiário, cobrindo os riscos de morte e invalidez absoluta e definitiva ou outros riscos por acidente e/ou doença, consoante o acordado com o Banco e até ao limite do capital mutuado e dentro das condições contratadas.
4. O processo burocrático que conduziu à celebração do contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca foi estruturado e dirigido pela referida instituição bancária, bem como a instrução de todos os documentos necessários, incluindo os impressos relativos ao contrato de seguro.
5. A ré Aegon Santander Portugal Vida elaborou antecipadamente os impressos das propostas de seguro, tendo-lhe sido apresentados pelo Banco, que agiu na qualidade de mediador de seguros.
6. O contrato de seguro aqui causa é o denominado VIDA MENSAL MAIS - MULTITULAR, titulado pela apólice n.º .......59, com início em 21 de setembro de 2016, cujo capital seguro ascendia à quantia de 47.300,00€ (quarenta e sete mil e trezentos Euros), celebrado entre o autor, enquanto Tomador de Seguro e Pessoa Segura, e a ré enquanto Seguradora.
7. A apólice n.º ........9 tinha como coberturas contratadas a morte, a invalidez absoluta e definitiva, sendo seus beneficiários irrevogáveis o Banco Santander Totta, S.A, para o capital em dívida no âmbito do empréstimo contraído e, para o remanescente, a existir, os herdeiros legais.
8. A contratualização efetuou-se por meio de preenchimento de questionário e assinatura de boletim de adesão.
9. O autor era serralheiro de profissão.
10. Encontra-se reformado por velhice desde 11-09-2021.
11. O Requerimento apresentado pelo autor na Segurança Social para obter a Pensão por Invalidez foi indeferido, por, entretanto, reunir as condições para atribuição da Pensão por Velhice.
12. No ano de 2019, a partir do mês de outubro, começou a ter problemas de saúde, relacionados com a sua coluna, anca e joelhos, impeditivos de exercer a sua atividade profissional.
13. Esteve de baixa médica, com incapacidade para o trabalho desde então, até à data em que foi reformado.
14. Foi-lhe diagnosticado “síndrome de coluna com radiação de dor”, “coxartrose” e gonatrose”, concluindo os médicos que sofria de patologia steo articular degenerativa atingindo a coluna vertebral, as ancas e os joelhos, com inicio em outubro de 2019.
15. A 22 de novembro de 2021 foi sujeito a uma Junta Médica, onde lhe foi atribuída uma incapacidade permanente global de 75%, e declarado que o autor apresenta dificuldades no acesso ou na utilização de transportes públicos coletivos convencionais, bem como no exercício da condução.
16. Essa incapacidade foi classificada com natureza definitiva.
17. Em 23 de novembro de 2021, através do email que pertence à sua filha, BB, o autor comunicou à ré Aegon, a sua situação clínica, de forma a acionar o seguro que havia contratado quando adquiriu a sua habitação.
18. Na sequência da participação recebida, a ré diligenciou pela abertura e enquadramento do sinistro, com o consequente pedido de acesso a documentação clínica, o que fez a 24 de novembro de 2021.
19. O autor facultou os documentos solicitados.
20. A 07 de janeiro de 2022, por email, a ré Aegon declinou a sua responsabilidade no pedido de reembolso que lhe foi efetuado pelo Autor, dizendo “(…) constatou-se a inexistência de incapacidade para o trabalho, pelo que o presente sinistro se encontra excluído nas Condições Gerais da Apólice, uma vez que o seu estado clínico não se enquadra no conceito de Invalidez Definitiva para a Profissão ou atividade compatível, definido nas Condições que especiais do seguro que subscreveu”.
21. Na mesma comunicação, enviaram um extrato com as condições que definem o conceito de Invalidez Absoluta e Definitiva, informando que é “Quando na pessoa segura se verifique uma incapacidade total para o exercício de qualquer atividade, necessitando do recurso á assistência permanente de uma terceira pessoa para os atos básicos da vida diária, incluindo necessariamente a dependência total de terceiros para a higiene e alimentação”.
22. Não se conformando com a decisão, o autor solicitou à ré, que reavaliasse o seu processo, tendo para o efeito alegado que não podia exercer qualquer atividade e estava a ser ajudado pela filha, juntando o Atestado Multiusos, emitido pela Junta Médica.
23. A ré manteve a sua decisão e inclusive enviou-lhe uma carta datada de 02 de fevereiro, onde anexou as coberturas subscritas pelo autor.
24. Nos termos da apólice aqui em discussão, define-se:
“Invalidez Absoluta e Definitiva: Quando na Pessoa Segura se verifique uma incapacidade total para o exercício de qualquer atividade, necessitando do recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa para os atos básicos da vida diária, incluindo necessariamente a dependência total de terceiros para a higiene e alimentação.”
25. Aquando da contratação, a Ré, por intermédio do Banco, informou o Autor das cláusulas contratuais do seguro a que aderia, as quais lhes foram entregues.
26. É prática do Santander e da Ré proceder à entrega das Condições Gerais e Especiais do produto.
27. O autor declarou que todos os esclarecimentos e informações lhe haviam sido prestados e nunca solicitou qualquer esclarecimento durante a sua vigência.
28. O autor assinou proposta de adesão a contrato de seguro com a cobertura Invalidez Definitiva para a Profissão ou Atividade Compatível (66%), e, posteriormente, decidiu aderir ao contrato de seguro com a cobertura mais exigente.
29. O problema de saúde do autor acarreta-lhe dores, tendo de tomar medicação para controlo e alivio da dor.
30. Não está acamado, nem precisa que lhe deem de comer.
31. O Autor é destro e apresenta marcha normal, sem apoio nem claudicação.
32. Como sequelas, apresenta:
- no Ráquis: palpação da coluna lombar dolorosa; limitação da mobilidade lombar (distância dedos-solo de vinte centímetros); ROT presentes e simétricos; sinais de Laségue e de Bragard negativos bilateralmente.
- No membro inferior direito: palpação da anca e do joelho referida como dolorosa; limitação da mobilidade da anca (flexão até aos 60%, extensão até 10%, adução até 10% e abdução até 10%); limitação da mobilidade do joelho (flexão até 70%), sem valgismo ou varismo; sem edema do joelho; sem sinais de instabilidade articular do joelho; sem hipotrofia da coxa (perímetro das coxas de cinquenta e três centímetros);
- No membro inferior esquerdo: palpação da anca e do joelho referida como dolorosa; limitação da mobilidade da anca (flexão até aos 60%, extensão até 10%, adução até 10% e abdução até 10%); limitação da mobilidade do joelho (flexão até 70%), sem valgismo ou varismo; sem edema do joelho; sem sinais de instabilidade articular do joelho; sem hipotrofia da coxa (perímetro das coxas de cinquenta e três centímetros);
33. Apresenta quadro de patologia osteoarticular degenerativa, mais intensa ao nível da coluna lombar, das ancas e dos joelhos.
34. É seguido pelo seu médico assistente, estando medicado com AINES.
35. De acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades para acidentes de trabalho e doenças profissionais, a 16 de junho de 2023, foi-lhe atribuída uma incapacidade permanente parcial de 57,053%.
36. Encontra-se incapaz de exercer a sua profissão habitual (que exercia antes de se ter reformado por velhice).
37. Não está incapaz para toda e qualquer profissão.
38. Poderá exercer profissões em que permaneça sentado, como por exemplo, telefonista, rececionista ou porteiro (ex. registando entradas e saídas de pessoas ou veículos).
39. O autor não necessita de apoio de terceira pessoa para as atividades da vida diária.
40. A 12 de novembro de 2019, o capital em dívida do empréstimo bancário contraído pelo autor junto do Banco Santander Totta, ascendia a 39.025,06€, sendo que, até 10.11.2022 foi amortizado € 3.385,26.
15. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:
a) O autor aderiu ao seguro de vida por imposição do Banco.
b) Quando o autor contratou o seguro de vida, foi-lhe dito que garantia o pagamento do empréstimo, se o mesmo ficasse com invalidez e incapacitado para o trabalho.
c) O autor sempre considerou e entendeu que o seguro cobriria uma situação de invalidez como a que padece.
d) Os problemas de saúde referidos em 12) impediram o autor, naquela data, de exercer qualquer atividade profissional.
e) O autor ainda tentou retomar ao trabalho, mas só o conseguiu fazer um dia e num período desse dia, devido às fortes dores que sentia.
f) O autor não consegue executar qualquer atividade lucrativa, impedido de executar pequenos trabalhos de agricultura para o seu próprio sustento.
g) O autor claudica e não consegue estar na mesma posição.
h) O autor não consegue ficar sentado.
i) A ré (por intermédio do Banco) não comunicou ao autor que para poder ser acionado o seguro, não bastava que ficasse com invalidez absoluta funcional, mas que essa incapacidade teria de ser para toda a atividade e ainda tinha de necessitar da ajuda de terceira pessoa para se alimentar, fazer a sua higiene ou executar qualquer ato que fizesse parte da sua vida diária (apenas o fez agora, quando declinou o reembolso do seguro).
j) O que lhe foi dito pelo Banco, aquando da contratualização do seguro de vida, e foi por ele compreendido, foi que, em caso de morte ou de invalidez, pagaria o capital seguro que se encontrasse em divida.
k) Apenas o informaram, que teria um seguro que cobriria a sua invalidez, e não lhe explicaram que para poder beneficiar do seguro não poderia ter capacidade para fazer nada e além disso ainda teria de depender de terceiro para tudo o que envolvesse a sua vida quotidiana.
l) O autor tem o 8.º ano de escolaridade.
m) O autor tem vindo a pagar mensalmente as prestações devidas (amortização + juros + spread + despesas, designadamente comissão de processamento e imposto de selo inerente) e, bem assim, os prémios dos seguros de vida, no valor de pelo menos 380.55€.
O DIREITO
16. Entrando na apreciação preliminar da admissibilidade, dir-se-á o seguinte:
17. O n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil é do seguinte teor:
“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.
18. O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/2022, de 20 de Setembro de 2022, concretiza o critério n.º 3 do artigo 671.º nos seguintes termos:
“Em acção de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, a conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, avaliada em função do benefício que o apelante retirou do acórdão da Relação, é apreciada, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão indemnizatória global se encontra decomposta”.
19. Embora não esteja em causa uma acção de responsabilidade civil, o critério do acórdão de uniformização deverá aplicar-se, a pari, ao caso sub judice.
20. Em primeiro lugar, deve averiguar-se se há segmentos decisórios autónomos e cindíveis.
21. O Tribunal de 1.ª instância distinguiu, na fundamentação,
— a decisão relativa à validade da cláusula, “na parte em que estabelece como condição de verificação do risco ‘o recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa para os actos básicos da vida diária, incluindo necessariamente a dependência total de terceiros para a higiene e alimentação’”;
— a decisão relativa à verificação do risco coberto pelo contrato de seguro.
22. O Tribunal da Relação distinguiu-as, seja na fundamentação seja na decisão.
23. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão recorrido, considerar-se que os dois segmentos decisórios devem considerar-se autónomos e cindíveis.
24. O contrato de seguro subscrito pelo Autor, agora Recorrente, e pela Ré, agora Recorrida, cobre o risco de Invalidez absoluta e definitiva 1 e define Invalidez absoluta e definitiva como a situação que se dá “[q]uando na pessoa segura se verifique uma incapacidade total para o exercício de qualquer atividade, necessitando do recurso á assistência permanente de uma terceira pessoa para os atos básicos da vida diária, incluindo necessariamente a dependência total de terceiros para a higiene e alimentação” 2.
25. A decisão sobre a validade circunscreve-se a uma parte da cláusula controvertida — “[à] parte em que estabelece como condição de verificação do risco ‘o recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa para os actos básicos da vida diária, incluindo necessariamente a dependência total de terceiros para a higiene e alimentação’”.
26. Ora, ainda que seja inválida “[na] parte em que estabelece como condição de verificação do risco ‘o recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa para os actos básicos da vida diária, incluindo necessariamente a dependência total de terceiros para a higiene e alimentação’”, daí não decorre que a cláusula seja inválida na parte em que estabelece como condição de verificação do risco a incapacidade total “para o exercício de qualquer actividade [remunerada]” — e, em consequência, daí não decorre que se verifique o risco coberto pelo contrato de seguro concluído entre o Recorrente e a Recorrida.
27. Em segundo lugar, em relação a cada um dos segmentos decisórios autónomos e cindíveis, deve averiguar-se se o acórdão do Tribunal da Relação confirma a decisão do Tribunal de 1.ª instância.
28. Em tema de validade da cláusula, “na parte em que estabelece como condição de verificação do risco ‘o recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa para os actos básicos da vida diária, incluindo necessariamente a dependência total de terceiros para a higiene e alimentação’”, o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação decidiram de forma divergente.
29. Enquanto o Tribunal de 1.ª instância considerou a cláusula válida, atendendo ao princípio da liberdade contratual 3 e o Tribunal da Relação considerou-a nula, atendendo aos artigos 15.º e 16.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais 4.
30. Em tema de verificação do risco coberto pelo contrato de seguro, o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação decidiram de forma convergente.
31. O Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação concordaram em que os factos dados como provados sob os n.ºs 36 a 38 excluíam a verificação do risco coberto pelo contrato de seguro.
32. O Autor, agora Recorrente, ainda que esteja incapaz de exercer a sua profissão habitual, ou seja, “[a profissão] que exercia antes de se ter reformado por velhice” 5, não deveria considerar-se incapaz para exercer “toda e qualquer profissão” 6 — “[podendo] exercer profissões em que permaneça sentado, como por exemplo, telefonista, recepcionista ou porteiro (ex. registando entradas e saídas de pessoas ou veículos)” 7.
33. Em consequência, os factos dados como provados nunca seriam suficientes para que se desse como verificada a incapacidade total “para o exercício de qualquer actividade [remunerada]” — e, em especial, para que se desse como verificado o risco coberto pelo contrato de seguro.
34. Em terceiro lugar, em relação a cada um dos segmentos decisórios autónomos e distintos em que o acórdão da Relação confirme a decisão do Tribunal de 1.º instância, deve averiguar-se se o confirma sem fundamentação essencialmente diferente.
35. O recurso interposto pelo Autor, agora Recorrente, circunscreve-se ao segundo segmento decisório — à decisão sobre a verificação do risco coberto pelo contrato de seguro.
36. Ora, o acórdão da Relação confirma em tudo a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, subscrevendo sem qualquer reserva ou restrição os seus fundamentos.
37. O Tribunal de 1.º instância diz, na fundamentação da sua sentença, que
“compulsada a factualidade em apreço, e considerando que se deu como provado que o Autor não está incapaz para toda e qualquer profissão, que pode exercer profissões em que permaneça sentado e que não necessita de apoio de terceira pessoa para as atividades da vida diária, […] ficou por provar a verificação do risco coberto pelo contrato de seguro que o mesmo celebrou com a Ré”.
38. O Tribunal da Relação diz, na fundamentação do seu acórdão, que
“o autor/recorrente não provou que tivesse ficado incapacitado para o exercício de qualquer atividade remunerada, antes resultando demonstrado que, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades para acidentes de trabalho e doenças profissionais, a 16 de junho de 2023, foi atribuída uma incapacidade permanente parcial de 57,053% […], não está incapaz para toda e qualquer profissão […] e poderá exercer profissões em que permaneça sentado, como por exemplo, telefonista, rececionista ou porteiro (ex. registando entradas e saídas de pessoas ou veículos) […] não necessitando de apoio de terceira pessoa para as atividades da vida diária (ponto 39 dos factos provados).
Conclui-se que o autor não fez prova da ocorrência do evento suscetível de desencadear a cobertura do risco de Invalidez Absoluta e Definitiva prevista no contrato de seguro”.
39. Estando preenchidos os pressupostos do n.º 3 do artigo 671.º, constata-se que o Autor, agora Recorrente, não requereu em momento nenhum que o recurso fosse admitido como revista excepcional, ao abrigo do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.
40. O recurso de revista não pode ser admitido por via normal, em consequência do n.º 3 do artigo 671.º — e, não tendo sido apresentado requerimento nos termos do artigo 672.º do Código de Processo Civil, também não pode ser admitido por via excepcional.
III. — DECISÃO
Face ao exposto, não se toma conhecimento do objecto do presente recurso.
Custas pelo Recorrente AA, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe tenha sido concedido.
Lisboa, 13 de Novembro de 2025
Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)
Maria de Deus Correia
Rui Machado e Moura
______________________
1. Cf. facto dados como provados sob os n.ºs 6 e 7.
2. Cf. facto dado com provado sob o n.º 24.
3. Na fundamentação da sentença proferida pelo Tribunal de 1.º instância diz-se textualmente o seguinte: “fazendo jus ao principio da liberdade contratual, em que as partes são livres de contratar e de inserirem as clausulas que entenderem, desde que não sejam contrárias ao princípio da boa-fé e não haja um excesso em beneficio da parte mais forte, por regra, os Bancos e as Seguradoras, entendemos que a cláusula (no caso é o próprio conceito de invalidez absoluta e definitiva) que estipula que prevê a dependência total de terceira pessoa, no caso, por ter sido ‘querida’ e compreendida, e que não foi imposta, não é abusiva, e por isso, não é nula”.
4. Na fundamentação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação diz-se textualmente o seguinte: “a cláusula que exige, na consideração da situação de invalidade absoluta e definitiva, que a pessoa segura necessite ainda de recorrer de modo contínuo à assistência de terceira pessoa para os atos normais da vida diária, nada tem a ver com a afetação da sua capacidade de trabalho e de obter rendimentos, antes vai além da razão de ser do contrato, determinando um desequilíbrio das prestações contratuais e frustração da confiança do segurado, sendo por isso abusiva por desproporcionada e contrária boa fé. […]é forçoso concluir que a cláusula contratual em referência é nula no segmento em que exige que a verificação da ‘Invalidez Absoluta e Definitiva’ para efeitos do seguro esteja dependente da necessidade do recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa para os atos básicos da vida diária, incluindo necessariamente a dependência total de terceiros para a higiene e alimentação, nos termos do disposto nos artigos 15.º e 16.º do Dec. Lei n.º 446/85 de 25-10”.
5. Cf. facto dado como provado sob o n.º 36.