CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUÇÃO
DIREITO AO TRABALHO
Sumário


I- O exercício da condução de veículo motorizado sob uma TAS igual ou superior a 1,2 gr/l assume especial perigosidade, tanto maior quanto maior for o grau de alcoolémia detetado, pelo que a taxa concreta de álcool no sangue constitui fator essencial na determinação da medida concreta da pena acessória prevista no art. 69º, n. 1, b) do Código Penal.
II- O crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto no art. 292º do Código Penal visa a salvaguarda de direitos fundamentais como a vida, a integridade física e o património.
III- Já o exercício da condução de veículos motorizados é uma atividade sujeita ao cumprimento de regras, e de acesso condicionado, destinada somente aos cidadãos legalmente habilitados para o efeito, não estando em causa o exercício de um direito fundamental com tutela Constitucional.
IV-Por assim ser, a sua limitação temporal por via da aplicação da sanção acessória prevista no 69º, n. 1, b) do Código Penal não viola o direito ao trabalho.

Texto Integral


Acordam em conferência os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

Nos presentes autos com o n.º 10/25.5GASBR.G1 que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo Local Criminal, em processo sumário, com intervenção do tribunal singular, foi o arguido AA condenado por decisão de 6-03-2025, pela prática, em 20-02-2025, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia global de €550,00 (quinhentos e cinquenta euros).
E ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 (nove) meses, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Não se conformando com tal condenação, o arguido interpôs recurso da sentença, extraindo da motivação as seguintes Conclusões (transcrição):

«CONCLUSÕES:
I.O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, que condenou o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º e 69.º do Código Penal, na pena de 100 (cem)dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de (nove) meses, nos termos do artigo69.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal;
II.Em sede de audiência de discussão e julgamento, o arguido prestou declarações e foi julgada a acusação incita no auto de detenção provada e procedente, dando-se como provados todos os factos aí descritos;
III. Assim, deu-se como factos provados, que aos 20 dias do mês de fevereiro do corrente ano, pelas17h:51m, o arguido conduziu o veículo automóvel, de matrícula ..-..-NI, na Rotunda ..., ... ..., ..., ...;
IV.Submetido a exame de pesquisa de álcool pelo método do ar expirado, o arguido apresentou uma taxa de alcoolemia no sangue de 3.012 gr/l, valor este obtido após ser deduzido o valor do erro máximo admissível à taxa de álcool registada de 3.17 gr/l no sangue em tal exame;
V. Deu-se também como facto provado, a inexistência de qualquer condenação, conforme o Certificado de Registo Criminal, junto aos autos;
VI.A pena concretamente aplicada ao arguido, varia em função da culpa do agente, não podendo ir além desta;
VII. No que se refere ao caso concreto, não foram alegados factos que permitam fazer um juízo de culpabilidade agravada por parte do arguido;
VIII.O arguido reside em ..., encontra-se desempregado, fazendo pequenos trabalhos de pintura a pessoas que o conhecem e que lhe pedem esses trabalhos, auferindo cerca de300€/400€ por cada mês em que efetua esses trabalhos;
IX. Necessita de conduzir o seu veículo para se deslocar até às habitações dos clientes para efetuar os seus trabalhos de pintura, sem esses pequenos trabalhos o arguido apenas sobrevive com o valor que recebe de subsídio de desemprego e tem uma filha de 6 anos, contribuindo para as despesas mensais da mesma que vive com a mãe, ex-companheira do arguido;
X.O valor da pena de multa que foi aplicado não teve em conta os critérios estabelecidos no artigo71.º, n.º 1 e 47.º, n.º 2 do Código Penal (C.P.), nomeadamente, no que respeita à situação económica e financeira do arguido e os seus encargos pessoais, pelo que, não se concorda com tal valor aplicado de 550€ (quinhentos e cinquenta euros);
XI. Atenta a culpa do agente, as exigências de prevenção, bem como a situação económica e financeira do arguido, entendemos que a pena de multa aplicada ao arguido não teve em conta os critérios estabelecidos no artigo 71.º, n.º 1 e 47.º, n.º 2 do C.P., devendo a mesma ser reduzida em consideração a tais critérios;
XII. Como pena acessória que é, a proibição de conduzir obedece, na determinação da sua medida concreta, essencialmente aos mesmos critérios que para o efeito são utilizados no que respeita à pena principal e que constam do artigo 71.º do Código Penal, visando principalmente censurar a perigosidade do agente e contribuir para a sua emenda, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral de intimidação, a funcionar exclusivamente dentro do limite da culpa;
XIII. A culpa do arguido não pode deixar de se considerar diminuta, como diminutas são as necessidades de prevenção especial, atendendo a que se trata de um arguido primário, sem antecedentes criminais, tratando-se de um episódio único os factos por que vem acusado; Aliás, mesmo do ponto de vista estradal, o arguido nunca cometeu nenhuma contraordenação, sendo, por isso, um condutor exemplar, estando inserido profissional e socialmente, é condutor diligente, responsável e cumpridor do Código de Estrada, sendo que os factos de que vem acusado são uma exceção à sua normal condução e comportamento;
XV.O arguido necessita de conduzir o seu veículo para se deslocar até às habitações dos clientes para efetuar os seus trabalhos de pintura;
XVI. Tais factos não terão sido relevados na determinação da medida da pena e que agora se requer que o sejam, pois, fica por demais evidente que o arguido necessita da carta de condução, bem como da viatura e respetiva utilização para a realização do seu trabalho, e única forma de subsistência
XVII.A pena aplicada causar-lhe-á inúmeros prejuízos, que podem colocá-lo numa situação de carência económica, o que certamente provocará sérios problemas na sua vida profissional e pessoal;
XVIII. Deste modo, a sentença recorrida não andou bem na determinação da medida da pena acessória, pois não ponderou que face a todos os factos dados como provados, o que melhor se articula com a manutenção do emprego do arguido, e permite salvaguardar as expectativas de prevenção geral e especial que o ordenamento jurídico impõe, harmonizando a necessária punição do agente pela prática do ilícito, ao mesmo tempo que salvaguarda o direito ao trabalho (artigo47.º, 1da Constituição da República Portuguesa), nunca seria uma condenação em 9 (nove) meses de proibição de condução de veículos a motor;
 XIX. Entende-se que o mínimo de 3 (três) meses, ou um período próximo deste, de pena de proibição de condução de veículos a motor, representam para o arguido um verdadeiro e justo sacrifício, bem como satisfaz a integral realização das finalidades gerais das sanções criminais;
XX. De facto, os fundamentos em que assentou a medida da sanção acessória não tiveram em atenção a ilicitude do facto, a inexistência de antecedentes criminais, as condições pessoais do arguido e a sua situação económica e profissional e, por outro lado, as exigências de prevenção especial e geral também não justificam tal medida;
XXI. Todos estes fatores atenuam a necessidade da pena, permitindo que seja inferior àquela que, em tese, seria aplicável;
XXII. Veja-se a título de exemplo, a jurisprudência de tribunais superiores, cujo acesso é possível através do endereço www.dgsi.pt, quanto a arguidos sem antecedentes criminais e com apresentação de uma TAS idêntica à que o arguido apresentava:
o Acórdão de 28/10/2009, processo 288/07.6PAMAI.P1, relatado por Ricardo Costa e Silva, que aplicou a sanção acessória de 5 meses, numa TAS de 3,38 gr/l;
o Acórdão de 15/10/2008, processo 0843665, relatado por Isabel Pais Martins, que aplicou a sanção acessória de 5 meses, numa TAS de 3,10 gr/l;
o Acórdão de 23/01/2017, processo 437/15.0GAMNC.G1, relatado por Alda Casimiro, que aplicou a sanção acessória de 6 meses, numa TAS de 3,31 gr/l;
o Acórdão de19/09/2018, processo267/17.5PAPBL.C1, relatado por Orlando Gonçalves, que aplicou a sanção acessória de 7 meses e 15 dias, numa TAS de 2,80 gr/l;
o Acórdão de 11/03/2019, processo 38/18.2GAVNF.G1, relatado por Armando Azevedo, que aplicou a sanção acessória de 7 meses, numa TAS de 3,10 gr/l;
XXIII.Atento o grau de ilicitude do facto e as referidas exigências de prevenção, entendemos que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 3 (três) meses, ou outro próximo deste, é adequada e suficiente para fazer interiorizar a necessidade de conformação da conduta posterior do arguido à vigência da norma e servirá, certamente, como efeito redentor da conduta assumida, capacitando o arguido da necessidade de suster qualquer impulso de ingestão de bebidas alcoólicas sempre que tenha que conduzir;
XXIV. Pelo exposto, o tribunal a quo violou, entre outros, os arts. 69º e 71º, todos do C.P..

Nestes termos e nos mais de Direito, V. Exas. Doutamente suprirão, deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA, devendo para o efeito:

a) Ser dado provimento ao presente recurso, sendo julgado procedente e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida quanto às penas aplicadas;
b) Ser a pena de multa aplicada ao arguido reduzida, tendo em conta, especialmente, as suas condições económicas;
c)Ser a pena acessória aplicada ao arguido reduzida para o seu limite mínimo, ou, subsidiariamente, ser reduzida para um período próximo deste.»

Foi proferido despacho que admitiu correctamente o recurso interposto, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes Conclusões que aqui se transcrevem:

«CONCLUSÕES -
1.Alega o arguido que as penas aplicadas não obedecem aos critérios legais, devendo a pena de multa ser reduzida, tendo em conta, especialmente, as condições económicas e a pena acessória ser reduzida ao mínimo, por se mostrar adequado e suficiente face às exigências de prevenção.
2.O arguido vem condenado pela prática de crime rodoviário – condução sob o efeito do álcool - cuja frequência é avassaladora e reconhecido flagelo em Portugal, ao que está causalmente ligada a alta taxa de sinistralidade, com aumento sucessivo de vítimas mortais, pelo que as exigências de prevenção geral são muito significativas.
3.O arguido actuou com dolo directo e elevado grau de ilicitude: conduziu automóvel em dia útil, ao final da tarde, numa freguesia da localidade de ..., na pretensão de percorrer percurso de cerca de 8 km, com taxa de álcool no sangue de 3,012 g/l.
4.O legislador prevê molduras penais de plasticidade suficiente a integrar os mais diversos níveis de exigências de prevenção geral, especial, graus de ilicitude e culpa.
5.Admitir-se a diminuição dos dias de multa (fixada em 100 Dias) ou da pena acessória (fixada em 9 Meses), para mínimos legais ou valores próximos, a alguém que conduziu com taxa de álcool de 3,012 g/l é grassar a impunidade.
6.A taxa diária de 5,50 EUR, que já se situa próxima do mínimo legal, teve em conta a situação socioeconómica do arguido (faz biscates; aufere média de 300,00 EUR/400,00 EUR por mês e 45,00 EUR diários; vive em casa dos pais que o ajudam; não contribui para as despesas do agregado; tem filha de 6 anos que vive com a mãe e o arguido suporta as compras mensais; tem o 12.º Ano e não tem dívidas).
7.Cabe ao arguido zelar pela manutenção das condições para o cumprimento da sua prestação de trabalho, decidindo, em momento próprio, não conduzir após a ingestão de bebidas alcoólicas ou não ingerir bebidas alcoólicas previamente ao acto da condução, sendo que os custos que podem advir da inibição são próprios das penas, representando justo sacrífico, assim se acautelando as exigências de prevenção sentidas.
8. Assim, tendo em conta as condições factuais em causa, o grau de ilicitude, o quadro legal de referência quanto à determinação da medida das penas, as exigências de prevenção do caso, o dolo e a culpa com que o arguido actuou e, ainda, os princípios constitucionais da adequação, necessidade e proporcionalidade, é forçoso concluir que as penas aplicadas nos autos não se mostram excessivas.
(…) Deverá ser negado provimento ao recurso.»

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso, salientando que a pena, mesmo de multa, e a sanção acessória de inibição de conduzir, têm de ter dignidade punitiva e revelarem-se dissuasoras, não podendo representar um papel meramente simbólico, o que ocorreria se ambas as penas, a de multa e a sanção acessória, fossem fixadas abaixo das penas concretas aplicadas pelo Tribunal a quo.

Dado cumprimento ao estabelecido no artigo 417º, nº 2 do CPP, nada mais foi acrescentado.

Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.
                                                        
II- Fundamentação

Do âmbito do recurso e das questões a decidir:

O âmbito do recurso, conforme jurisprudência assente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso do tribunal. (cfr. artigos 402º, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP e acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995 e, entre outros, acórdãos do STJ de 12.09.2007 no proc. n.º 07P2583 e de 29.01.2015 no proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1 ambos em www.dgsi.pt, remetendo-nos sempre, doravante, para esta última fonte citada na indicação de jurisprudência, salvo indicação diversa).

Assim, considerando o teor das conclusões do recurso interposto, a questão a decidir circunscreve-se a apreciar se a concreta pena de multa de 100 dias à taxa diária de 5,50 euros, e a sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados fixada em 9 (nove) meses, ao abrigo do art.º 69.º n.º 1 al. a) do CP é excessiva, como defende o recorrente, ou se deve ser mantida.

Mostram-se definitivamente assentes os seguintes factos, com relevância para a apreciação do presente recurso:

1-No dia 20 do mês de fevereiro de 2025, pelas 17h:51m, o arguido conduziu o veículo automóvel de matrícula ..-..-NI, na Rotunda ..., ... ..., ..., ....

2-Submetido a exame de pesquisa de álcool pelo método do ar expirado, o arguido apresentou uma taxa de alcoolemia no sangue de 3.012 gr/l, valor este obtido após ser deduzido o valor do erro máximo admissível à taxa de álcool registada de 3.17 gr/l no sangue em tal exame.

3-O arguido ingeriu bebidas alcoólicas voluntariamente, bem sabendo que não podia conduzir veículos no estado alcoolizado em que se encontrava, e, não obstante, quis e conduziu na via pública o veículo supra identificado.

4-Agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

5-O arguido reside em ..., encontra-se desempregado auferindo subsídio de desemprego, e faz pequenos trabalhos de pintura a pessoas que o conhecem e que lhe pedem esses trabalhos, auferindo cerca de 300€/400€ por cada mês em que efetua esses trabalhos.

6-Vive em casa dos pais que o ajudam; não contribui para as despesas do agregado; tem filha de 6 anos que vive com a mãe e o arguido suporta as compras mensais; tem o 12.º Ano e não tem dívidas.

7-Nada consta do Certificado de Registo Criminal do arguido, e confessou parcialmente os factos.

Apreciando, se a medida concreta da pena de multa e da sanção acessória aplicadas ao recorrente são excessivas, devendo ser alteradas para penas inferiores ao fixado.
Defende o recorrente que ambas as penas deverão ser fixadas próximo dos seus limites mínimos legais.
Para tal assinala que a sua culpa não pode deixar de se considerar diminuta, como diminutas são as necessidades de prevenção especial, atendendo a que se trata de um arguido primário, os factos configuram um episódio único sendo exceção à sua normal condução e comportamento, mesmo do ponto de vista estradal o arguido nunca cometeu nenhuma contraordenação, sendo, por isso, um condutor exemplar, estando inserido profissional e socialmente, é condutor diligente, responsável e cumpridor do Código de Estrada.
Mais alega que necessita da carta de condução, bem como da viatura e respetiva utilização para a realização do seu trabalho, única forma de subsistência, e a sua falta causar-lhe-á carência económica e colidirá com o seu direito ao trabalho.
Conclui, assim, que o mínimo de 3 (três) meses, ou um período próximo deste, de pena de proibição de condução de veículos a motor, representam para o arguido um verdadeiro e justo sacrifício, bem como satisfaz a integral realização das finalidades gerais das sanções criminais, pelo que a sentença recorrida não sopesou a diminuta ilicitude do facto, e as demais circunstâncias atenuantes.
Vejamos.

Colhendo quer os ensinamentos doutrinais de Figueiredo Dias (em “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 78-85 e em “Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime”, Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, págs. 84-121), quer os ensinamentos jurisprudenciais do STJ (entre outros, o acórdão do STJ de 16-01-2008, no processo n.º 4565/07 e o acórdão do STJ de 25/5/2016, no processo nº 101/14.8GBALD.C1.S1, ambos em dgsi.pt) podemos sintetizar os critérios legais de fixação das penas nos seguintes termos:
- As penas como instrumentos de prevenção geral são instrumentos político-criminais destinados a actuar sobre a globalidade dos membros da comunidade, visando afastá-los da prática de crimes, através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução, desempenhando uma função de prevenção geral negativa.
-Também tendo uma função de prevenção geral positiva ou de integração como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal.
-E como instrumento, por excelência, destinado a revelar, perante a comunidade, a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese embora todas as suas violações que tenham tido lugar. Sendo este o ponto de partida da finalidade primária das penas: o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal do arguido.
- O ponto de chegada das penas está nas exigências de prevenção especial, mais concretamente, da prevenção especial positiva -ressocialização do arguido- e da prevenção especial negativa -neutralização daquele tipo de conduta criminosa.
- Tudo isto, sempre, sem olvidar o princípio da culpa inerente ao nosso Estado de Direito Democrático: em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa, ou seja, a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.
Deste modo, e perante cada caso concreto, a pena deve ser encontrada pelo Juiz dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e negativa (que são, respectivamente, o limite máximo e o limite mínimo desta “moldura” de pena – pois a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), e ponderando as circunstâncias do caso concreto, bem como o nível e premência das necessidades especiais que se lhe apresentem de prevenção especial positiva e negativa (que são, respectivamente, a ressocialização do arguido e a prevenção da sua reincidência, tais como as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento, os seus antecedentes criminais), ao mesmo tempo que também estas lhe transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente (sem ultrapassar a medida da culpa concreta), o Julgador fixará o “quantum” da pena.
No caso concreto, após termos procedido à audição da sentença sindicada, verificamos que esta, na determinação da medida concreta da pena de multa e da sanção acessória de inibição de conduzir aplicada ao recorrente, ponderou de forma critica e bem motivada todos os parâmetros legais que se lhe impunham, valorando com adequação, proporcionalidade e justiça todas as circunstâncias que importava ponderar na determinação da pena e da sanção, no quadro da culpa e da prevenção.
Na verdade, os concretos dias de multa e a sua taxa diária, bem como o período concreto fixado de inibição de conduzir, mostram-se sustentados, e bem, nas elevadas exigências de prevenção geral, sendo do conhecimento do comum dos cidadãos (por força de inúmeras campanhas publicitárias e de sensibilização) os elevadíssimos índices de sinistralidade rodoviária nas estradas portuguesas, decorrentes maioritariamente da condução sob o efeito do álcool, a qual teima em ceifar números crescendos de vidas.   
Na medida concreta da pena ponderou-se igualmente a média/baixa exigência de prevenção especial, considerando a circunstância de o arguido não ter antecedentes criminais, nomeadamente no âmbito estradal, e estar bem inserido social e familiarmente.
Assinalamos, neste particular, que apesar de o recorrente pretender que o tribunal a quo pondere nunca ter cometido nenhuma contraordenação estradal, sendo, por isso, um condutor diligente, responsável e cumpridor do Código de Estrada, enfim, um condutor exemplar, tal factualidade não resultou provada. Em bom rigor, desconhecemos se o arguido praticou, ou não, alguma infração contraordenacional estradal. E ainda que se tenha apurado que não consta do seu CRC nenhum crime rodoviário averbado, deste facto não resulta a prova de que seja um condutor diligente, responsável, cumpridor e exemplar, mas apenas que no exercício da sua condução não foi fiscalizado e detectado a cometer alguma infração estradal. De onde, também não podia o tribunal recorrido atender ao que não consta do processo.
Foi igualmente sopesada a confissão parcial dos factos feita pelo arguido, assinalando-se aqui que não admitiu a taxa de álcool que apresentava, e o seu arrependimento é meramente verbalizado, já que sem a assunção de ter conduzido com uma TAS de 3,16 gr/l também não se vislumbra do que possa estar arrependido.
De forma correcta e devidamente bem ponderado foi também sopesado o grau de culpa do arguido expresso no dolo directo com que actuou, na elevadíssima taxa de álcool de que era portador, e na distância considerável de 8 quilómetros que se determinou a percorrer, sob o efeito daquela TAS, quando iniciou a actividade da condução.
Na verdade, a TAS de 3,16 gr/l que o recorrente apresentava implica necessariamente um comprometimento severo da sua coordenação motora, do seu ponto de equilíbrio e do tempo de reação dos seus actos reflexos, tudo traduzido numa perigosa diminuição de controle do veículo automóvel, designadamente, na velocidade empregue, trajectória e tempo de travagem, numa ausência de percepção, ou percepção distorcida,  dos factores externos como a existência de sinais de transito, de outros condutores, peões na via, ou imprevistos de diversa natureza, assim como gravíssimas alterações da consciência, tais como dupla visão, e, no limite, risco elevado de perda súbita e total da consciência, ou entrada em estado de coma.
Ora, conduzir veículo automóvel na via pública, que só por si constitui actividade potencialmente perigosa, no descrito estado de alcoolémia, é prosseguir actividade que, de forma iminente, pode ceifar as vidas ou produzir lesões físicas graves de todos os que se encontrem naquela via ou se cruzem com o arguido, sendo patente o elevado estado de perigosidade deste ultimo e, por isso, a reclamar uma sanção acessória de inibição de conduzir que se afaste claramente do mínimo legal, ao contrário do por si defendido.
Conforme assinalado no acórdão deste Tribunal de 24-04-2017, proc 12/17.5GAPTL G1, que aqui acompanhamos (em www.dgsi.pt), «A condução automóvel, em si, já é uma atividade perigosa e sê-lo-á muito mais quando exercida por quem, por ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, não está em condições de o fazer. Trata-se de uma conduta que, por colocar frequentemente em causa valores de particular relevo, como a vida, a integridade física e o património, se reveste de acentuada perigosidade.
É justamente essa perigosidade que se visa prevenir com a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir.
Uma vez que tal perigosidade é tanto maior quanto maior for o grau de alcoolemia detetado no condutor, a taxa de álcool no sangue há-de constituir um fator relevante na determinação da medida da pena acessória.»
É pacifico o entendimento de que a fixação da medida concreta da pena acessória obedece aos critérios gerais dos arts.º 40.º e 71.º do C.Penal, exactamente como para a concretização da pena principal. Todavia, não se pode olvidar que as necessidades de prevenção geral e especial são distintas, já que a pena acessória tem objectivos mais específicos que a pena principal.
Na pena acessória do art.º 69.º do C.Penal, as necessidades de prevenção geral traduzem-se na reafirmação da importância do cumprimento das normas estradais e da adopção de uma forma de condução segura, de forma a evitar que a sinistralidade rodoviária continue a subir e a provocar vítimas.
Relativamente às necessidades de prevenção especial, a pena acessória tem como objectivo primordial que o condutor que colocou em risco a segurança rodoviária corrija o seu comportamento e interiorize a gravidade das suas condutas.
Ora, no caso concreto, pese embora a ausência de antecedentes criminais do arguido, as necessidades de correcção do  seu comportamento e de interiorização da gravidade da sua conduta não são diminutas como defende, mas antes se situam num nível médio/alto, já que o recorrente apesar de conduzir veículo automóvel com uma TAS de 3,16 gr/l vem defender no presente recurso ser diminuta a ilicitude dos factos que praticou, numa notória desvalorização da gravidade da sua actuação, revelando uma fraca interiorização do desvalor do acto que praticou.
Nestes termos, tendo em conta tudo o que já foi referido quanto à conduta do arguido, com especial destaque para a elevada taxa de álcool no sangue, entende-se ser perfeitamente adequado e proporcional ao caso concreto a fixação da pena de multa em cem dias, e a sanção acessória de inibição de condução fixada em nove meses, sendo certo que o seu limite mínimo é de três meses e o máximo de três anos.
Relativamente ao quantitativo diário da multa fixado em 5,50 euros, considerando que o limite mínimo do quantitativo diário é de 5,00 euros, e que o recorrente vive em casa dos pais que o ajudam a nível da alimentação, não contribuindo para as despesas do agregado, que aufere mensalmente o subsidio de desemprego e cerca de 300,00 euros a 400,00 euros da sua actividade profissional, que tem uma filha com 6 anos de idade que vive com a mãe, suportando o arguido as compras mensais, entendemos que o tribunal a quo ponderou de forma equilibrada e ajustada a situação económica do arguido, concordando-se também aqui com o quantitativo fixado.
Em suma, a pena de multa de cem dias á taxa diária de 5,50 euros, e a inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de nove meses mostram-se perfeitamente ajustadas ás finalidades da punição que o caso concreto reclama, relembrando-se, também, que as sanções penais devem implicar um real sacrifício para o condenado, sob pena de se apresentarem inócuas e irrelevantes.
Relativamente á questão invocada pelo recorrente no tocante à necessidade da carta de condução e de conduzir, para continuar a exercer a sua actividade laboral sem o que se porá em risco a sua única forma de subsistência, acompanhamos inteiramente o acórdão do TRL de 13-07-2016, Processo nº 202/16.8PGDL.L1-3, em www.dgsi.pt, no que aqui transcrevemos, com sublinhado nosso:
«(…) O exercício da condução automóvel não constitui um direito fundamental, com foros de garantia constitucional.
Trata-se de uma atividade permitida apenas aos cidadãos que revelem ter as condições necessárias para o seu exercício, legalmente habilitados para o efeito e, à semelhança de muitas outras atividades de acesso condicionado, sujeita ao cumprimento de regras, postulando estas a fiscalização do seu cumprimento pelo Estado.
Procura-se, aliás, proteger o próprio condutor dos riscos que, com esse consumo excessivo de álcool, cria para si próprio, mas cura-se também de proteger a vida, a integridade física e o património de terceiros, do perigo representado pelos condutores alcoolizados.
(…) Não estando o arguido/recorrente perante qualquer perda do direito de conduzir, mas apenas perante uma limitação do exercício da condução, não poderá considerar-se que a liberdade de exercer labor esteja postergada. O núcleo desse direito mostra-se agasalhado.
Razões de índole laboral não podem conceder ao arguido o direito a uma especial clemência. Antes lhe impõe o dever (de cidadania) de especial cuidado de conduzir abstinente e sóbrio, nomeadamente no intento de prevenir o aumento do risco de estropiar ou de tirar a vida ao seu semelhante já decorrente da circulação rodoviária como bem patenteiam os elementos estatísticos neste aresto referidos.»
Em conclusão, improcede totalmente o recurso.

III- Decisão

Face ao exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso, mantendo-se integralmente a sentença a recorrida.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Unidades de Conta.                                                      

Guimarães, 30 de setembro de 2025
(O presente acórdão foi processado em computador pela relatora, sua primeira signatária, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art. 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)

Paula Albuquerque (Relatora)
Pedro Cunha Lopes (1º Adjunto)
Pedro Freitas Pinto (2º Adjunto)