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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ROUBO
CONCURSO DE CRIMES
Sumário
I - O bem jurídico protegido pelo crime de violência doméstica é, primordialmente, a saúde da vítima, entendida nas suas vertentes de saúde física e psíquica, visando a incriminação protegê-la de comportamentos que obstem ou dificultem o normal desenvolvimento de uma pessoa, que afetem a dignidade individual da pessoa que com o agente mantém (ou manteve) vínculos relacionais estreitos e/ou duradouros. II - As condutas típicas do crime de violência doméstica incluem a prática, de modo reiterado ou não, de agressão física, agressão verbal, agressão emocional (p. ex., coagindo a vítima a praticar atos contra a sua vontade), agressão sexual, agressão económica (p. ex., impedindo-a de gerir os seus proventos) e a agressão às liberdades (de decisão, de ação, de movimentação, etc.), as quais, analisadas no contexto específico em que são produzidas e face ao tipo de relacionamento concreto estabelecido entre o agressor e a vítima, indiciam uma situação de maus tratos, ou seja, um tratamento cruel, degradante ou desumano desta. III – O crime de roubo, tratando-se de um crime complexo, visa proteger bens jurídicos patrimoniais, como o direito de propriedade e detenção de coisas móveis, e pessoais, como a liberdade individual de decisão de ação e a integridade física do ofendido, ou, mesmo a vida (cf. art. 210º/2/a) e 3, do CP). IV – O arguido comete um crime de roubo punível autonomamente, em concurso efetivo com um crime de violência doméstica, se a comprovada factualidade relativa à subtração violenta à ofendida de dinheiro a ela pertencente, sendo suscetível de integrar a tipicidade do crime de roubo e derivando de uma resolução criminosa autónoma, transcende, nessa parte em que atenta contra a propriedade/património da vítima, a conduta típica desvaliosa prevista para o crime de violência doméstica, cuja incriminação, contrariamente ao que sucede com aqueloutra, não se destina especialmente a conceder proteção àquele bem jurídico, acrescendo que o crime de roubo é, em abstracto, mais severamente punido do que a violência doméstica. V - A relação de subsidiariedade prevista no art. 152º, nº1, in fine, do CP, que determina a aplicação de disposição legal mais punitiva do facto, trata-se de uma remissão relativamente indeterminada (i.e., sem identificação expressa de outro normativo legal) e, por conseguinte, não prescinde de uma valoração concreta sobre se a norma que tipifica e pune o roubo esgota o desvalor do facto, impedindo a possibilidade de concurso. Na situação que nos ocupa, a aplicação da norma sancionatória do roubo não abarca o desvalor das restantes condutas perpetradas pelo arguido sobre a vítima, que, exteriorizando outras formas de condutas típicas, preenchem, por si, o crime de violência doméstica, nem concede a proteção quanto ao específico bem jurídico destoutra incriminação materializado na proteção da dignidade humana da vítima.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório: I.1 Decisão recorrida:
No âmbito do Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 498/24.1PBGMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz ..., por acórdão proferido e depositado no dia 08.05.2025 (referências ...36 e ...90, respetivamente), foi decidido:
“I. CONDENAR o arguido AA pela prática, como autor material, na forma consumada de: - um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. b), n.º 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão; e - um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; Em cúmulo jurídico, na PENA ÚNICA de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão. II. Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, BB, com afastamento da residência ou do local de trabalho desta, pelo período de 5 (cinco) anos;
III. Não aplicar o perdão de pena previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 02/08;
IV. Declarar perdido a favor do Estado o objeto apreendido nos autos (cfr. auto de fls. 110), nos termos do artigo 109.º, nº 1 do CP. V. Arbitrar em favor da vítima BB a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros), em cujo pagamento vai o arguido condenado, ao abrigo do artigo 82º-A do CPP. VI. Ao abrigo do artigo 213.º, nº1, al. b), nº2 e nº3, do CPP, determinar que o arguido AA continue a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a prisão preventiva. VII. Custas criminais a cargo do arguido, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 UCs.” I.2Recurso e contra-alegações:
I.2.1 Discordando da decisão condenatória proferida, interpôs recurso o arguido AA, cuja motivação culmina com as seguintesconclusões e petitório(referência ...89):
“1.
O arguido, AA, foi condenado pela prática, como autor material, na forma consumada de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. b), n.º 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão, e um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, o que em cúmulo jurídico, resultou na aplicação de uma pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão, e ainda, condenado na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, BB, com afastamento da residência ou do local de trabalho desta, pelo período de 5 (cinco) anos, e tendo ainda sido arbitrado em favor da vítima BB, a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros), ao abrigo do artigo 82º-A do CPP.
2.
Afigura-se ao aqui Recorrente AA, que o douto Acórdão condenatório, merece reparo e carece de fundamento de facto e de direito, tendo erradamente condenado o Recorrente pela prática de um crime de roubo, na forma consumada.
3.
Como ponto prévio, não queremos deixar de realçar que, sem prescindir as demais críticas que faremos, é nosso entendimento que o Tribunal a quo, apesar da reconhecida qualidade técnica, não efetuou nestes concretos autos e no que se refere ao crime de roubo aqui em apreço, pelo qual veio a ser condenado o arguido/recorrente AA, uma criteriosa e cuidada apreciação da prova validamente produzida e junta aos autos.
4.
Não podemos deixar de começar por salientar que, a este respeito, na formação da convicção, o Tribunal a quo deveria ter sempre como presente — o que não teve — que, tal como preceitua o artigo 32°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, "todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (...)", e que deste princípio da presunção de inocência decorre, como salienta JOSÉ M. ZUGALDÍÁ ESPINAR, que "partindo ele da ideia que o acusado é, em princípio, inocente (...),a sentença condenatória contra o mesmo só pode pronunciar-se se da audiência de julgamento resultar a existência de prova que racionalmente possa considerar-se suficiente para desvirtuar tal ponto de partida" JOSÉ M. ZUGALDÍA ESPINAR (Derecho Penal, Parte General, 2002, pás. 231).
5.
Ora, tal só sucederá quando, por um lado, a prova produzida em audiência permita logicamente (no sentido de racionalmente, coerentemente) afirmar a presença, no caso concreto, de todos os elementos (objetivos e subjetivos) dos crimes trazidos a Juízo, e, por outro lado, conduza, nos mesmos moldes, à conclusão de que foi o arguido o responsável pela sua ocorrência (assim, MERCEDES FERNANDEZ LÓPEZ, Prueba v presuncion de inocência. 2005, pág. 143 e nota 89).
6.
No fundo, do que se trata é de que só se pode condenar alguém se for possível imputar-lhe a realização de todos os pressupostos e condições legais exigidos para o efeito, devendo ditar-se uma absolvição se se provarem factos que neguem a possibilidade dessa imputação, ou se aqueles pressupostos e condições se não se verificarem no caso concreto (em sentido convergente, vd NEVIO SCAPIN1, La prova per indizi nel vigente sistema de processo penal, 2001, pág. 2), ou apenas se verificarem quanto a crime diverso.
7.
Este princípio, de alguma maneira, confunde-se com o princípio do in dubio pro reo – v. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, ed. 1974, pag. 213 e ss.
8.
O in dubio pro reo é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Estamos conscientes que o crime de violência doméstica é um crime cuja prova da ocorrência ou verificação é difícil - normalmente é cometido entre quatro paredes -, raramente presenciado e muitas vezes silenciado. Contudo, o aqui Recorrente AA, confessou, ainda que não o tenha feito na íntegra, a prática deste crime de violência doméstica.
9.
Porém, o Recorrente não admite a prática de um crime de roubo, mas o Tribunal a quo, erradamente, condenou-o pela sua prática.
10.
Não podemos superar dificuldades probatórias, com a derrogação deste princípio basilar do nosso Direito, valorando cegamente denuncias e declarações iniciais prestadas em inquérito, sem contraditório e em violação do princípio do acusatório, como veio a acontecer nos presentes autos, sendo dados como provados factos que o não podiam ter sido face à ausência de prova produzida validamente em julgamento, conforme infra demonstraremos, nem desvalorizando preconceituosamente outras provas - sem prescindir o princípio da livre apreciação da prova - em manifesto prejuízo do arguido.
11.
Esta conclusão assentou só e somente, nos depoimentos da ofendida BB, depoimentos esses, totalmente contraditórios, que adiante serão reproduzidos.
12.
Assim, estes últimos, conforme supra referido, não podiam, nem deviam ser valoradas cegamente como verdadeiras na sua integralidade, porque não foram corroboradas integralmente por qualquer elemento probatório nesse sentido e porque de facto, estas resultam infirmadas pelas declarações do arguido, o qual, por ter esse estatuto e por ter exercido violência sobre a vítima, não pode “perder” em absoluto a respectiva credibilidade.
13.
É certo que arguido praticou um crime de violência doméstica. Contudo, reitere-se, tal não importa que a vítima tenha vindo a juízo mentir, e não antes repor a verdade, exacerbando todas as situações, visando projetar um quadro de violência bem mais grave - não retirando a gravidade ao mesmo - do que aquele que existia de facto. E procurou assim, imputar além do crime de violência doméstica, um crime de roubo ao aqui Recorrente.
14.
Nestes autos, apesar de se reconhecer que estamos perante um crime de violência doméstica, não podemos considerar que foi praticado um crime de roubo pelo aqui Recorrente.
15.
É nosso entendimento que, de toda a prova validamente produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não resultava a autoria de um crime de roubo praticado pelo recorrente AA, mas sim a prática por aquele de um crime de violência doméstica, pelo que deveria ter sido ditada a absolvição quanto àquele crime, uma vez que não se podia, de forma racional e lógica, ter sido dado como provada a prática pelo recorrente desse concreto crime de roubo e o preenchimento, pela sua conduta, do respetivo tipo legal do crime pelo qual aquele veio a ser condenado.
16.
Compulsada e analisada criticamente toda a prova produzida, entende o recorrente AA, que não há, com o devido respeito e salvo melhor opinião, nestes autos, prova segura e inequívoca que permitisse, e permita, dar como provada a factualidade vertida nos infra citados pontos dos factos dados como provados que aqui se vão impugnar, mas antes pelo contrário, a prova produzida impunha decisão diversa e que esses factos fossem, tal como expressamente descritos, dados como não provados. E mesmo admitindo-se, sem prescindir, que aqueles factos foram corretamente dados como provados, é nosso entendimento que os mesmo não eram suscetíveis de integrar o tipo legal do crime de roubo, mas antes, serem subsumidos ao crime de violência doméstica.
17.
O acórdão é nulo, por carecer de fundamentação ou de fundamentação suficiente, de acordo com o disposto no artigo 379.º/1 alínea a) Código Processo Penal (doravante CPP).
18.
E, como prevê o artigo 374.º/2 do CPP, as sentenças devem conter os motivos de facto e de direito que, fundamentam a decisão.
19.
Desconhece-se qual foi a fundamentação e processo lógico-mental que permitiu ao douto Tribunal a quo dar como provado todos os factos supra elencados.
20.
Salvo o devido respeito, no presente caso, entendemos que os pressupostos não foram respeitados.
21.
ENCONTRA-SE ERRADA E INCORRECTAMENTE JULGADA A MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA NOS PONTOS 3, 5 e 30.
22.
Ora, salvo o devido respeito, não foi produzida prova segura e inequívoca que o arguido, ora Recorrente AA, praticou os factos dados por assentes nos n.ºs 3, 5 e 30 do douto Acórdão, que aqui impugnamos nas circunstâncias de tempo, modo e lugar supra descritas.
23.
Estes concretos pontos da matéria de facto que aqui impugnamos por se encontrarem incorretamente julgados, e que impugnaremos especificadamente, mas conjugadamente uma vez que estão concatenados, deveriam ter sido antes dados respetivamente como não provados, uma vez que a ausência de prova em sentido contrário assim o obrigava.
24.
Ora, o Tribunal deu como assente a referida factualidade com base, no essencial, no depoimento da vítima BB.
25.
Depoimento da vítima BB - gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:26:50 – 00:32:00, conforme ata de audiência de julgamento do dia 27 de março de 2025, que infra se transcrevem.
26.
Deste modo, dão-se aqui por reproduzidos os depoimentos prestados pela Sra. BB, em sede de audiência e discussão de julgamento do dia 27/03/2025, com o ficheiro n.º Diligencia_498-24.1PBGMR_2025-03-27_15-33-48.mp3.
27.
Declarações do arguido AA - gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:04:50 – 00:05:13, conforme ata de audiência de julgamento do dia 27 de março de 2025, que infra se transcrevem.
28.
Deste modo, dão-se aqui por reproduzidas as declarações prestadas pela Arguido AA, em sede de audiência e discussão de julgamento do dia 27/03/2025, com o ficheiro n.º Diligencia_498-24.1PBGMR_2025-03-27_14-43-26.mp3.
29.
Resulta inequívoco das declarações do arguido AA que o mesmo nunca retirou qualquer quantia à ofendida, BB. Afirmou clara e perentoriamente, perante o Tribunal, que "nunca lhe retirei um centavo que fosse", conforme supra se transcreveu.
30.
Todavia, o Tribunal formou a sua convicção exclusivamente com base no depoimento da ofendida. Importa desde logo salientar que tais declarações não foram corroboradas por qualquer outro meio de prova (testemunhal, pericial ou documental), o que fragiliza, de forma evidente, a robustez desta condenação.
31.
Ora, analisando com o devido rigor a prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente o depoimento da ofendida, facilmente se verifica que o seu depoimento é marcado por contradições, incertezas e incongruências, que comprometem seriamente a sua credibilidade.
32.
Desde logo, a ofendida reconhece, de forma expressa, que o dinheiro em causa lhe foi entregue voluntariamente pelo próprio arguido, tendo este recebido previamente a quantia de 800,00€ do padrinho da ofendida. A própria afirma, sem rodeios: “O AA entregou-me o dinheiro, guardei aqui”; “Foi o AA que me deu o envelope.”
33.
Contudo, de forma contraditória, vem mais tarde alegar que o arguido a teria manipulado para depois lhe retirar o dinheiro, afirmando que ele a teria roubado “do peito, do soutien”. Ora, esta mudança abrupta e não fundamentada de narrativa não é sustentada por qualquer explicação lógica, cronológica ou factual, nem é acompanhada de prova bastante que a confirme.
34.
Alega ainda a ofendida, que o arguido lhe deu o dinheiro “com o intuito de eu adormecer e roubar-me”, expressão que, além de confusa, denota um juízo subjetivo e especulativo da testemunha, em vez de uma descrição objetiva e cronológica dos acontecimentos. Não se compreende, por exemplo, como é que alguém que pretenda furtar um montante de dinheiro a outrem, lhe entregue previamente essa quantia, para depois a retirar de forma violenta, especialmente tratando-se de valores em numerário que facilmente poderiam ter sido ocultados ou apropriados sem conhecimento da ofendida – como aliás questionou pertinentemente e bem, a Sra. Magistrada Judicial durante a audiência de discussão e julgamento.
35.
Adicionalmente, há uma grave oscilação no valor monetário envolvido. A ofendida refere 800,00€, mas tanto a douta acusação, como o douto acórdão concluem que a quantia em causa, são 700,00€. Tal discrepância reforça a falta de certeza e de rigor probatório, sendo inadmissível num processo penal, sustentar uma condenação sobre provas tão frágeis.
36.
Não pode ainda deixar de se referir que, para que se verifique o crime de roubo, é necessário o preenchimento do tipo objetivo e subjetivo do artigo 210.º do CP, ou seja, a subtração de coisa alheia móvel com recurso a violência física ou ameaça. Não ficou demonstrado cabalmente nenhum destes elementos, pelo que não se pode dar por verificada a prática do crime imputado ao arguido.
37.
Aliás, o próprio Tribunal, durante a audiência de discussão e julgamento, revelou perplexidade face à narrativa da vítima, tendo inclusive a Sra. Magistrada Judicial questionado repetidamente as incongruências do seu depoimento. Contudo, foram tais factos dados como provados.
38.
Ainda nestes termos, cumpre-se necessário atender ao depoimento do Sr. CC, agente da PSP de ... - gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal, conforme ata de audiência de julgamento do dia 24 de abril de 2025, que infra se transcrevem.
39.
Deste modo, dão-se aqui por reproduzidas as declarações prestadas pela testemunha, em sede de audiência e discussão de julgamento do dia 24/04/2025, com o ficheiro n.º Diligencia_498-24.1PBGMR_2025-04-24_14-15-43.mp3
40.
Ainda nestes termos, impõe-se a análise do depoimento do Sr. CC, agente da PSP. Revela elementos claramente favoráveis à versão apresentada pelo arguido, corroborando, de forma objetiva, a ausência de elementos probatórios que sustentem a acusação deste crime.
41.
Assim, não foi detetada qualquer quantia em dinheiro na posse do arguido, nem se procedeu a qualquer revista ao mesmo, uma vez que o arguido se encontrava em tronco nu e apenas com calças justas, circunstância que, conforme descrito, permitiria visualizar facilmente qualquer volume escondido.
42.
Ademais, importa destacar que, mesmo perante o depoimento da ofendida no local, os agentes não observaram o arguido na posse do dinheiro alegadamente subtraído, nem houve qualquer outro meio de prova produzido que sustentasse a veracidade dessa acusação. A única base que se apresenta no processo é, novamente, a declaração isolada, subjetiva e contraditória da própria ofendida.
43.
Note-se ainda que, sendo a PSP chamada ao local por motivos de alegada discussão, violência e subtração de dinheiro, seria de esperar que, caso houvesse o mínimo indício da prática de um crime de roubo ou furto, fosse efetuada uma revista formal ao arguido, ou recolhido qualquer vestígio ou indício relevante. Mas nada disso ocorreu, porque o arguido não subtraiu qualquer dinheiro à alegada ofendida.
44.
Por fim, importa ainda destacar que, no mesmo depoimento, o agente da PSP refere escoriações na face da ofendida e no peito do arguido, o que mais uma vez revela um cenário factual ambíguo e inconclusivo, afastando uma narrativa unilateral ou inequívoca de agressão ou subtração. A mera existência de escoriações não permite extrair conclusões seguras sobre a intencionalidade ou dinâmica de um crime de roubo, mas sim e apenas, de um crime de violência doméstica, o qual o arguido confessou.
45.
Desta forma, conclui-se que o depoimento da testemunha CC não apenas não corrobora a versão da ofendida, como fragiliza seriamente a acusação, reforçando a ausência de prova bastante e credível relativamente aos pontos que impugnamos da matéria de facto.
46.
Tais dúvidas, deveriam ter operado a favor do arguido, nos termos do princípio do in dubio pro reo (artigo 32.º, n.º 2 da CRP e artigo 127.º do CPP), como já supra se referiu.
47.
A justiça exige certezas, e não suposições. A imputação de um crime deve assentar em provas concretas e inequívocas, e não em inferências que deixam margem para dúvida.
48.
Assim sendo, deve essa matéria ser considerada não provada, com as legais consequências que daí advêm para a absolvição do arguido.
49.
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção conforme dispõe o art.º 71º, n.º 1 do Código Penal. Na determinação concreta da pena devem ponderar-se todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente as referidas no n.º 2 da mesma disposição legal.
50.
Salvo devido respeito e melhor opinião, não ficou demonstrada a prática pelo recorrente AA do crime de roubo pelo qual foi o mesmo concretamente condenado, pelo que o mesmo deveria ter sido quanto a esse crime, absolvido.
51.
Ora, sem prescindir e no que à medida da pena diz respeito, o Tribunal a quo andou mais uma vez mal.
52.
Admitindo-se para mero efeito de raciocínio a factualidade dada como provada no douto Acórdão, é nosso entendimento que a alegada subtração da quantia monetária à ofendida BB, não poderia ter sido autonomizado. Supostamente, a subtração dá-se num momento de violência física e emocional entre o Arguido e a vítima. Certo seria, se se subsumisse tais factos, ao crime de violência doméstica, e não como se fez, autonomizando-o.
53.
Assim, sendo o presente recurso procedente, e por via disso, o arguido absolvido do crime de roubo pelo qual foi erradamente condenado, a pena parcelar de 3 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada, terá necessariamente de ser eliminada, subsistindo apenas a pena parcelar de 4 anos, que lhe foi aplicada pela prática de um crime de violência doméstica.
54.
Ora, salvo o devido respeito e sem prescindir tudo quanto dissemos supra quanto à absolvição do arguido, e atendendo apenas e exclusivamente à matéria efetivamente dada como provada pelo Tribunal a quo no seu douto Acórdão, é nosso entendimento que a decisão concretamente proferida contraria o objetivo da política criminal que a lei perspetiva e que a justiça não pode subtrair-se, que é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e da primazia e preferência da lei, por penas não privativas da liberdade, uma vez que condenou o arguido, numa pena privativa da liberdade de 4 anos de prisão, pelo crime de violência doméstica.
55.
Nestes termos, é nosso entendimento, salvo o devido respeito, que esta pena de prisão, de 4 anos, deverá ser suspensa na sua execução, por igual período de tempo, não obstante o Arguido não ser primário.
56.
Acresce que, o arguido, ora recorrente, reconhece e não nega os erros cometidos no passado, bem como o crime de violência doméstica por ele praticado, dos quais assume e já assumiu, total responsabilidade. Este reconhece a gravidade dos seus comportamentos passados e, mais do que tudo, manifesta uma clara intenção de mudar de vida, uma vez que já vivenciou por largos períodos de tempo a reclusão.
57.
Pretende, pois, afastar-se do caminho que outrora seguiu, erradamente, adotando uma conduta agora pautada pelos princípios do direito e da ordem social.
58.
O recorrente deseja construir um futuro diferente do seu passado, com a convicção de que a verdadeira reabilitação não se encontra apenas na punição, mas também nas oportunidades de reintegração e no apoio à sua reintegração social.
59.
Pelo exposto é nosso entendimento que o Tribunal deveria e deverá dar a derradeira oportunidade de vida ao arguido, acreditando que ainda será viável que alcance a sua socialização em liberdade, ficando igualmente garantida a segurança da comunidade, e absolver o arguido da prática do crime de roubo, mantendo a sua condenação no que à violência doméstica diz respeito, mas com a possibilidade desta ser suspensa na sua execução, uma vez que a mesma se revela suficiente e adequada à realização das finalidades da punição, as concretas exigências de prevenção geral e especial, sendo, assim, possível alcançar a almejada ressocialização do arguido.
Disposições violadas: Foram violados, os artigos 152º, 143º, 181º, 180º e 212º e os artigos 40º, 50º, 70º, 71º, 72º e 73º todos do Código Penal e os artigos 120º, n.º 2, d), 125º, 127º, 340º, 369º, 374º, 379º do Código Processo Penal, e ainda os artigos 32º e 216º da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que, se deverá absolver o arguido da prática do crime de roubo, em consequência, desfazer-se o cúmulo ora efetuado, e suspendendo-se a execução da pena “parcelar” pelo qual foi o mesmo condenado.
Assim se fazendo, JUSTIÇA!”
I.2.2 Na primeira instância, a Digna Magistrada do Ministério Público, notificada do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou resposta em que requer o mesmo seja julgado improcedente e mantido acórdão recorrido (referência ...54).
I.3 Posição do Ministério Público neste Tribunal superior:
Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer em que, citando pertinente doutrina e jurisprudência, conclui pela improcedência do recurso (referência ...54).
Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi deduzida resposta ao sobredito parecer.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
II – Âmbito objetivo do recurso (questões a decidir):
É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP)[1].
Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa decidir reportam-se às seguintes alegações:
A) Nulidade do acórdão por falta ou insuficiência de fundamentação (arts. 379º, nº1, al. a) e 374º, nº2, ambos do CPP).
B) Erro de julgamento relativamente aos pontos 3, 5 e 30 da factualidade provada, que devia ser dada como não provada (art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP), com a consequente absolvição do arguido quanto ao imputado crime de roubo.
C) Violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo.
D) Subsidiariamente, errada qualificação jurídica por não subsunção dos factos atinentes à subtração do dinheiro no crime de violência doméstica ou por não preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime de roubo.
E) Reclamada suspensão da execução da pena de prisão aplicada pela prática do incontestado crime de violência doméstica.
III – Acórdão recorrido:
III.1.1 – Factualidade dada por provada em primeira instância (transcrição):
1. O arguido AA iniciou uma relação de namoro, com coabitação, com a ofendida BB em inícios do mês de maio de 2024, passando a viver na residência da última, situada na Rua ..., na cidade ..., em comunhão de cama, mesa e habitação com ela, como se de marido e mulher se tratassem. 2. O arguido é consumidor habitual de bebidas alcoólicas e produtos estupefacientes. 3. No dia 25 de maio de 2024, cerca das 17h00, o arguido, quando já estava embriagado, no interior da casa morada de família, agarrou-a pelos braços, imobilizando-a, desferiu-lhe dois socos na face, atirou-a para o chão e retirou-lhe do interior do soutien que ela vestia a quantia de €700,00, que a mesma aí tinha guardada, no interior de um envelope. 4. O arguido desferiu-lhe, ainda, uma pancada, com um pau, no lado esquerdo do peito e nas costas e um murro no lado esquerdo da face, apertou-lhe o pescoço com ambas as mãos, desferiu-lhe murros e pontapés no corpo, deitou a porta da casa abaixo, apelidou-a várias vezes de “puta” e disse-lhe que a matava. 5. A seguir, o arguido ausentou-se na posse da quantia de €700,00, dela se apoderando e fazendo coisa sua. 6. Das agressões de que foi vítima resultou à ofendida uma equimose no canto interno do olho esquerdo com 1 cm de diâmetro, áreas de coloração roxa localizadas na face interna das mucosas do lábio superior e inferior do lado direito, escoriação linear com crosta de sangue com 4 cm de comprimento no quadrante lateral da mama esquerda, escoriação linear com crosta de sangue nos quadrantes superiores da mama direita, equimose violácea na aréola da mama esquerda, no quadrante medial, com 2 cm por 0,5 cm de maiores dimensões, equimose de coloração roxa no quadrante supero medial da mama esquerda com 3 cm de diâmetro, equimose de coloração roxa na face medial do terço médio do braço esquerdo com 2 cm de diâmetro e equimose de coloração roxa na face lateral do joelho esquerdo com 6 cm de diâmetro; 7. Os referidos ferimentos causaram, direta e necessariamente, à ofendida, 8 dias de doença, sem afetação da sua capacidade de trabalho, geral ou profissional. 8. Na tarde do dia 20 de junho de 2024, às 16h15, o arguido dirigiu-se à casa morada de família e, em virtude de não lhe ter sido franqueada a entrada pela ofendida, rebentou a fechadura da porta, introduziu-se no seu interior contra a vontade daquela e, sem a sua autorização, destruiu dois ecrãs plasma, partiu alguns móveis e frascos de perfume àquela pertencentes, rasgou-lhe várias peças de vestuário e lançou para a via pública todos os alimentos que ela guardava no frigorífico. 9. No dia 21 de junho de 2024, cerca das 21h35, porque a ofendida se recusou a acompanhá-lo até à cidade ... e rasgou os bilhetes do respetivo transporte, o arguido dirigiu-se à casa morada de família, bateu à porta e chamou-a, na altura em que a mesma aí se encontrava na companhia da testemunha DD. 10. Como a ofendida não lhe franqueou a entrada, o arguido desferiu vários murros e pontapés na porta da entrada da habitação, tentou rebentar a respetiva fechadura, sem sucesso e disse: “putas, vacas”. 11. Com medo de que ele lograsse atingir o seu objetivo e entrasse na residência, a ofendida chamou, de imediato, a entidade policial, tendo, quando se apercebeu da chegada dela, aberto a porta da entrada do apartamento e alertado o arguido para esse facto. 12. Cerca das 00h00 do dia 11 de julho de 2024 o arguido provocou, no interior da casa morada de família, uma discussão com a ofendida, no decurso da qual a apelidou de “puta” e “vaca”, abandonando, em seguida, a habitação. 13. Durante a madrugada do mesmo dia o arguido regressou à casa morada de família, rebentou a fechadura da porta da entrada, introduziu-se na mesma, imobilizou os braços da ofendida, desferiu-lhe vários murros e pontapés na face, costas e peito e queimou-lhe o braço esquerdo com um cigarro incandescente. 14. Das agressões de que foi vítima no dia 11 de julho de 2024 resultaram à ofendida dores à palpação na região torácica, dores à inspiração, dores nos membros superiores, equimoses e edema na região do nariz e órbita e queimaduras de ponta de cigarro no membro superior direito. 15. Na manhã do dia 11 de julho de 2024 o arguido dirigiu-se novamente à casa morada de família, rebentou a fechadura da porta, introduziu-se no seu interior contra a vontade da ofendida, desarrumou-a, estragou-lhe o secador de cabelo, uma máquina de manicure e o carregador de telemóvel e cortou-lhe várias peças de vestuário, sendo que todos estes artigos pertencentes à última. 16. No dia 25 de julho de 2024, cerca das 21h00, quando se encontravam na via pública, na Rua ..., em ..., o arguido pediu dinheiro à ofendida. 17. Em virtude da mesma se ter recusado a aceder à sua pretensão, o arguido puxou-lhe a carteira que ela trazia ao tiracolo, provocando-lhe a queda desamparada no solo. 18. A seguir, arrastou-a pelo chão durante alguns metros, só cessando a sua conduta quando um casal, que por aí passava, interveio. 19. Da agressão de que foi vítima no dia 25 de julho de 2024 resultaram à ofendida vários hematomas nos membros inferiores. 20. No dia 7 de setembro de 2024, às 12h45, o arguido dirigiu-se à casa morada de família, então unicamente habitada pela ofendida, rebentou a fechadura da porta da entrada e aí se introduziu contra a vontade da mesma. 21. No seu interior, o arguido tombou os móveis da sala, espalhou vários objetos pelo chão, apertou o pescoço e os braços à ofendida, desferiu-lhe murros e pontapés no corpo e disse-lhe que a matava. 22. Quando a entidade policial chegou ao local, o arguido disse ao agente da PSP, EE, que não sairia dali enquanto a ofendida não lhe entregasse os seus pertences e que, se isso não acontecesse, regressaria a sua casa e lhe cortaria o pescoço. 23. Na altura, o arguido tinha no interior da sua bolsa, uma navalha de enxertia que, analisada pelo Núcleo de Armas e Explosivos da PSP, verificou-se ter o comprimento total de 19,5 cm de comprimento e era dotada de uma lâmina, cortante e perfurante, com 8 cm de comprimento. 24. Da agressão de que foi vítima no dia 07.09.2024 resultou à ofendida uma equimose, com 2 por 1 cm de maiores dimensões na face medial do terço superior do braço direito e uma equimose arredondada, com 4 cm de diâmetro, na face lateral do terço superior do braço direito, ferimentos estes que lhe determinaram, direta e necessariamente, oito dias de doença, três dos quais com afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional. 25. Até o mesmo ser sujeito nos presentes autos à medida de coação de prisão preventiva, a ofendida viveu apavorada, com medo do arguido, temendo que este atentasse contra a sua integridade física ou mesmo contra a sua vida. 26. A reiteração das agressões físicas, ameaças e insultos supra referidos afetaram-na, direta e necessariamente, na sua honra e consideração e amedrontaram-na, fazendo com que se sentisse desvalorizada e triste e vivesse em estado de permanente desassossego e causou-lhe danos morais e sentimento de insegurança, ofendendo-a na sua dignidade pessoal. 27. Ao praticar os factos descritos, o arguido agiu com a intenção alcançada de maltratar, física e psicologicamente, a sua companheira, de a insultar, ameaçar, agredir fisicamente e aproveitar, para o efeito, a intimidade proporcionada pela casa morada de família, apesar de conhecer os especiais deveres de respeito que tinha para com ela devido ao projeto de vida comum que espontaneamente elegeu. 28. O mesmo sabia que, ao agir como descrito, a atingiria na integridade física e psicológica, molestando-a no corpo e na saúde, o que efetivamente veio a suceder, afetando-lhe a tranquilidade e o sentimento de segurança, resultado que representou e quis. 29. As expressões acima indicadas foram idóneas a causar na ofendida, tal como causaram e como o arguido pretendeu, medo e inquietação e a limitarem a sua liberdade de determinação. 30. No dia 25 de maio de 2024, o arguido agiu também com a intenção alcançada de, contra a vontade da ofendida e mediante a sua imobilização perante a utilização da força física e da violência, se apoderar da quantia em dinheiro de €700,00, apesar de saber que a mesma lhe não pertencia e que agia contra a vontade e sem o consentimento da sua proprietária. 31. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente e embora soubesse que praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis, não se inibiu de os concretizar. Mais se provou que: 32. À data dos factos, o arguido e a ofendida tinham casamento marcado para agosto de 2024. 33. Nas circunstâncias aludidas em 3 e 4, a ofendida desferiu uma pancada no corpo do arguido com o pau.
Condições de vida e antecedentes do arguido: 34. O arguido está habilitado com 7.º ano de escolaridade, que concluiu aos 14 anos, quando começou atividade laboral, na área da construção civil e de pintor de automóveis, com alguns períodos de emigração. 35. O arguido iniciou o consumo de estupefacientes aos 15 anos de idade, aos 28 anos com consumos de heroína e cocaína. 36. O arguido registou períodos de reclusão, com uma concessão de liberdade condicional em 2016, altura em que manteve uma relação com uma companheira, vítima do crime de violência doméstica pelo qual o arguido foi condenado e cumpriu pena de prisão entre ../../2018 e ../../2024. 37. Em 11-09-2024, o arguido deu entrada no estabelecimento prisional ..., sendo transferido para o E.P. ... em 16-09-2024, sujeito à medida de coação de prisão preventiva aplicada nestes autos. 38. Em meio prisional, o arguido mantém um percurso adaptado, sem registo de infrações disciplinares; beneficia de visitas esporádicas e apoio financeiro da mãe. 39. O arguido justifica as suas condutas criminais com o consumo excessivo de drogas e bebidas alcoólicas; assume uma postura de desvalorização relativamente à sua conduta, responsabilizando as vitimas dos factos ocorridos. 40. Do certificado de registo criminal do arguido constam averbadas as seguintes condenações:
i. no processo n.º 406/98, pela prática do crime de furto qualificado, por factos de 01.12.1996, e decisão com trânsito em 08.06.1999, em pena de 18 meses de prisão, suspensa por 2 anos, já extinta;
ii. no processo n.º 272/2000, pela prática do crime de condução ilegal, por factos de 08.07.2000, e decisão com trânsito em 28.09.2000, em pena de multa, posteriormente convertida em prisão subsidiária, já extinta;
iii. no processo n.º 322/99.1GCVCT, pela prática do crime de ofensa à integridade física simples, por factos de 22.05.1999, e decisão com trânsito em 19.02.2008, em pena de multa, posteriormente substituída por prisão subsidiária, já extinta;
iv. no processo n.º 65/08.7GCVCT, pela prática de dois crimes de coação, um na forma tentada, por factos de 25.01.2008, e decisão com trânsito em 22.06.2009, em pena única de multa, posteriormente substituída por prisão subsidiária, já extinta;
v. no processo n.º 232/10.3GCVCT, pela prática de um crime de resistência e coação e um crime de injúria agravada, por factos de 24.04.2010, e decisão com trânsito em 14.06.2011, em pena única de 8 meses de prisão, suspensa por 1 ano, suspensão posteriormente revogada, já extinta;
vi. no processo n.º 2270/11.0TAVCT, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada e um crime de furto simples, por factos de 09 e 11/2012, e decisão com trânsito em 13.05.2013, em pena única de 4 anos e 4 meses de prisão efetiva, já extinta;
vii. no processo n.º 474/13.0TAVCT, pela prática de um crime de dano qualificado, por factos de 04.03.2013, e decisão com trânsito em 16.12.2013, em pena de multa, já extinta;
viii. no processo n.º 143/16.9GCVCT, pela prática um crime de furto simples e um crime de ameaça agravada, por factos de 05.05.2016, e decisão com trânsito em 07.03.2018, em pena única de 1 ano de prisão efetiva, já extinta;
ix. no processo n.º 136/17.9GCVCT, pela prática um crime de violência doméstica (contra cônjuge ou análogos), por factos de 15.04.2017, e decisão com trânsito em 12.03.2018, em pena de 3 anos de prisão efetiva e pena acessória;
x. no aludido processo n.º 136/17.9GCVCT, foi proferido por acórdão cumulatório transitado em 10.09.2018, que englobaram as penas aludidas em viii e ix, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão efetiva, extinta em 05.02.2024.
III.1.2 – Factualidade dada por não provada em primeira instância (transcrição): A. Os factos do dia 25 de maio de 2024, pelas 17h00, tenham ocorrido depois de o arguido ter tentado, na manhã e tarde desse dia, manter relações sexuais com a ofendida, sem sucesso, por ter sido por ela rejeitado. B. Aquando das agressões aludidas em 4, o arguido tenha também introduzido um cobertor na boca da ofendida e tentado queimar-lhe os olhos com pontas de cigarro. C. Após os factos descritos em 11, o arguido agarrou a ofendida pelo braço esquerdo, arrastou-a pelo corredor existente no interior do prédio até ao exterior do edifício e disse-lhe que a matava, que matava a mãe dela e que, a seguir, se suicidava.
III.1.3 – O tribunal recorrido motivou a decisão sobre a matéria de facto do seguinte modo (transcrição):
“A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação de todos os meios de prova produzidos e/ou analisados em audiência de julgamento (cfr. artigo 355º, do CPP), sempre no confronto com as regras gerais da experiência e da norma do artigo 127º, do mesmo diploma legal, que estabelece o princípio da livre apreciação da prova.
Desde logo, o arguido, renunciando ao seu direito ao silêncio, entendeu prestar declarações para aceitar alguns dos factos imputados, embora atribuindo à ofendida, e ao seu feitio difícil, a causa dos desentendimentos. Assim, depois de explicar o início da relação dos dois – após a sua reclusão, em cumprimento de pena de prisão -, admitiu a discussão ocorrida em 25 de maio em que a ofendida o pressionava com frases como “tens de procurar trabalhar, tens que arranjar dinheiro para as despesas”, após o que, segundo ele, ela o começou a agredir com estalos de mão aberta, o que o levou, ao fim de 20 minutos, a dizer “já chega”, “amarrando-lhe” os braços e dando-lhe “duas chapadas na face”, até admitindo ter-lhe perguntado “gostas?”. Quanto ao dinheiro que aquela teria no soutien, negou, como negou que a tenha agredido com um pau, antes afirmando ter sido ele a ser agredido com este objeto. Admitiu chamá-la de “Puta” e ter arrombado a porta, quando a ofendida lha fechou. Confrontado com as lesões que foram verificadas na vítima, designadamente na zona do peito, a arguido reiterou nada saber a respeito.
Sobre os incidentes ocorridos em junho, o arguido admitiu que, exaltado por a ofendida estar a almoçar fora com uma amiga (DD), partiu um plasma e rasgou a roupa da companheira. Já no dia seguinte, recordou ter ido a casa da ofendida para falar com ela que, acompanhada da amiga, não lhe abriu a porta; negando ter agredido a ofendida, afirmou que foi ele quem, nesse dia, foi agredido com um pau, pela amiga daquela que lá se encontrava.
O arguido negou os factos relativos ao dia 11 de julho, mas reconheceu que, no dia 25, quando estavam em ..., lhe agarrou a carteira para reaver o dinheiro que, a seu pedido, a ofendida guardava e não lhe queria devolver.
Sobre o mês de setembro, afirmou que viveram juntos do dia 04 até dia 07, data em que a ofendida o expulsou, retendo os pertences, documentos e telemóvel. Por isso, naquele dia, porque a ofendida não lhe abriu a porta, disse ter entrado pela janela, o que fez tombar móveis; garante que apenas pediu as suas coisas, negando ter batido na ofendida; não obstante, admitiu a sua atitude e palavras perante a PSP.
Finalmente, o arguido sustentou que a ofendida nunca teve medo dele, tanto assim que o foi visitar aos calabouços, levando-lhe medicação, e tiveram até casamento marcado no Registo Civil, para agosto.
Sobre as circunstâncias e efeitos dos seus atos, o tribunal, como bem se vê, não deu credibilidade à negação/versão do arguido, tendo antes valorizado e dado crédito às declarações da ofendida BB, desde logo porque corroboradas pela prova pericial junta, como melhor se explicará.
Assim, a ofendida, esclarecendo a forma como conheceu o arguido na prisão (após ela própria ter cumprido pena de prisão) e, mais tarde, se reencontraram, descreveu a intermitência da relação em que, desde o seu início, ele se revelou muito violento, tendo recorrido ao auxílio policial por diversas vezes. Assim, num depoimento emotivo, por vezes até confuso, a ofendida recordou a primeira situação de agressão: por causa de dinheiro, o arguido, que nas suas palavras se “tornava um bicho”, partiu a casa toda, chamou-a de “puta” e agrediu-a com socos na cabeça. Explicou depois que, nessa ocasião, guardava no soutien - “porque tudo desaparecia” – o dinheiro que o seu padrinho lhe deu (por intermédio do arguido), dinheiro que o arguido lhe arrancou, “com dois socos na cara”. Nesta parte, como em outras, o depoimento da ofendida afigurou-se-nos totalmente credível, não apenas porque corroborado pela documentação hospitalar e prova pericial (a fls. 27 a 29, 97 e 98, que verificou e atestou a existência de lesões compatíveis com a descrição feita, designadamente na zona mamária, para a qual o arguido, ou a sua versão, não tinha explicação), mas também porque sincero, sem exageros ou empolamentos, negando que nesse dia tivesse sofrido queimaduras ou ataque com um cobertor, até assumindo ter batido no arguido com um pau, depois de levar com ele, para se defender (facto que assentamos sob o n.º 33).
Sem seguir uma ordem cronológica e evidenciando alguma confusão na datação dos eventos – que se explica, não apenas de ansiedade e perturbação geradas pelo relato de factos dolorosos, mas também pelo número de agressões sofridas em curto espaço de tempo, o que compreensivelmente retira rigor e exatidão ao relato -, a ofendida asseverou que houve uma vez em que o arguido a queimou no braço com um cigarro e que, na última situação, ele agarrou-a pelo pescoço, disse que a matava, que matava a mãe dele e se matava de seguida, asseverando desconhecer que tivesse uma faca, que nunca viu. Garantiu que, por causa do arguido, teve de trocar cinco ou seis vezes a fechadura da porta, recordando a ocasião em que chegou a casa e tinha a porta arrombada, a sua roupa destruída e a comida deitada fora. Sobre o dia em que estava em casa com a DD (“ex-sogra”), esclareceu que o arguido não a agrediu: ele estava do lado de fora da porta, a bater e pontapear e a chamá-la de “puta e vaca”, pelo que chamou a polícia; quando percebeu que a policia estava já na sua rua, a testemunha disse que abriu a porta e a amiga DD deu com o pau no arguido que caiu em cima de si, assim ficando até à chegada da polícia. Ora, mais uma vez, este testemunho revela-se sincero, assumindo que não houve qualquer agressão física por parte do arguido, facto que facilmente poderia ser “aditado”, confirmando a acusação, caso se movesse com propósitos vingativos ou falsos.
Sobre a situação ocorrida em ..., a ofendida afirmou que na altura “as coisas estavam bem”, não obstante o arguido agrediu-a na rua, em frente a um casal, tentou tirar-lhe a mala com o que a atirou ao chão, onde foi arrastada.
Finalmente, a ofendida explicou os efeitos psicológicos e emocionais que os factos ainda hoje têm em si, que a levaram a um estado depressivo, com tentativa de suicídio, pelo qual é seguida no hospital.
Como dito, o depoimento da ofendida mostra-se suportado em elementos objetivos que o corroboram, como sendo os autos de notícia ou aditamentos a que cada episódio deu origem (a fls. 9, 56 a 60, 63, 69, 73, 77, 89, 104 e 106, assim servindo para a respetiva datação) e os episódios de urgência e relatórios periciais (a fls. 27 a 29, 95 a 99, 163 a 167 e 224 a 226, que atestam as lesões, incluindo as queimaduras de cigarro, e o nexo causal com os eventos, assim se assentando os factos n.ºs 6, 7, 14, 19, 24 e 28).
Serviram, pois, estas declarações para esclarecer e compreender o contexto e verdadeiro alcance dos factos – alguns, e em alguma medida, já admitidos pelo arguido -, assim se assentando os factos sob os n.ºs 1 a 33. EE, agente da PSP da ..., confirmou o auto de fls. 107 de que foi autor, recordando a situação que o levou ao local, após chamada da central por violência doméstica: chegados à residência, viu o arguido a dizer que a vítima tinha coisas suas que queria reaver (telemóvel, documentos e dinheiro), o que era por ela negado; tendo o arguido abandonado o local. Cerca de uma hora depois, são novamente acionados à residência, onde viram os móveis tombados e encontraram a vítima a dizer que o arguido a tinha agarrado pelo pescoço e braços, dizendo que a matava; enquanto isso, o suspeito estava sentado na cama e recusou-se a sair, tendo até afirmado que se saísse voltaria e cortava-lhe o pescoço. Na sequência desta postura do arguido, foi-lhe feita a revista da qual resultou a navalha (encontrada na bolsa dele), que foi apreendida, conforme auto de fls. 110 e registo fotográfico de fls. 112. A testemunha mais esclareceu que aquela morada estava já referenciada por situações anteriores de violência doméstica. CC, agente da PSP de ..., autor do auto de fls. 4 e 8 do inquérito apenso, cujo teor confirmou, recordou a chamada da central para acorrer ao local onde encontrou um casal, ambos “bastante alterados” e com sinais de agressão (ela com escoriações na face e ele no peito); ali apurou que o motivo do desentendimento teria sido “700€” que a ofendida afirmou que o arguido lhe retirou do soutien, o que era por este negado. De acordo com a testemunha, esta foi a primeira vez que acorreu àquele local, embora houvesse registo de deslocações anteriores, por outros colegas. FF, agente da PSP de ... e autuante do aditamento de 11/07, cujo teor confirmou, relatou que integrava o carro patrulha quando recebeu chamada por alegada violência doméstica; deslocados ao local, aí encontraram a porta rebentada e móveis partidos, recordando que a vítima falou em queimaduras de cigarro, confirmando ter visto nela “marcas visíveis”, embora desconhecendo se recentes ou antigas. Foi chamada a ambulância para prestar assistência à vítima que foi notificada para comparecer no INML, tudo conforme fls. 58, 95 e 96. GG, agente da PSP de ..., reportou-se ao episódio ocorrido em 25/07/2024 e objeto do auto de fls. 89, cujo teor confirmou. Assim, relatou que, naquela altura, estava à porta da esquadra quando, alertados por um cidadão, se deslocaram ao local onde encontraram um casal “apartado”, com a vítima sentada a dizer que tinha sido agredida pelo companheiro; segundo a testemunha, a ofendida tinha “marcas vermelhas” nos braços e pernas e o arguido admitiu que lhe tinha pedido dinheiro, como ela não deu, ele retirou-lhe a bolsa, o que a fez cair no chão e magoar-se. Foi notificada para ir ao IML.
Como dito, da conjugação de toda a prova produzida e analisada, temos por confirmada a versão da ofendida, corroboradas que se mostram as respetivas circunstâncias e sequelas, cuja causalidade está pericialmente estabelecida. Ficou, assim, evidente o ambiente de violência e medo que pautava a relação do casal, alimentado pelas dependências do arguido, incapaz de as custear. Com efeito, como o mesmo admitiu, apenas a ofendida trabalhava e sustentava as despesas dos dois, contando o arguido apenas com a ajuda da sua mãe, o que esta aliás confirmaria. O alcoolismo, a droga e a falta de dinheiro para estes vícios, aliados a uma personalidade violenta e agressiva, levavam o arguido a “virar-se” contra a sua companheira, em absoluto desprezo dos seus direitos e liberdades. Não colheu a tese do arguido de que agia para reaver da ofendida o dinheiro que lhe pertencia: o arguido não trabalhava, não tinha qualquer fonte de rendimento, todo o dinheiro que conseguia (pela companheira ou pela mãe) era imediatamente gasto nos seus vícios; e quando não o conseguia, recorria à violência, quer para o obter, quer para descarregar as suas frustrações. Aliás, nem a presença dos agentes de autoridade o coibiram de anunciar o seu propósito de “cortar o pescoço” da ofendida, numa altura em que invadira a casa desta, destruíra o seu interior e tinha na sua posse/bolsa uma navalha!
Com efeito, a única testemunha arrolada pela defesa, HH, mãe do arguido, sem disfarçar a parcialidade com que encarava a situação do filho (classificando a ofendida de “muito arrogante” e que “só queria dinheiro”), confirmou que, apesar de ser reformada, enviou muitas vezes dinheiro para o arguido, através da conta da ofendida, acusando-a de se apropriar de tais quantias, ainda que ciente que o filho tinha despesas que apenas ela suportava, já que ele não trabalhava.
Infirmada, assim, a tese de que os € 700,00 escondidos no soutien da ofendida ou o dinheiro na sua carteira pertencessem ao arguido que, recorde-se, vivia às custas da ofendida e dos apoios enviados pela mãe, para acudir às despesas correntes.
No que se refere aos elementos psicológicos e volitivos imputados ao arguido, considerou-se que tais factos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das suas descritas condutas.
Já as condições de vida e antecedentes criminais dos arguidos (factos n.ºs 33 a 40), resultaram da análise do relatório social de fls. 240 e 241 e certificado de registo criminal de fls. 245 a 256.”
III.2 – Quanto à análise das sobreditas questões concretas suscitadas no recurso do arguido AA:
III.2.1 - Nulidade do acórdão por falta/insuficiência da fundamentação:
Alega o arguido recorrente, genericamente, que se desconhece qual foi a fundamentação e processo lógico-mental que permitiu ao douto Tribunal a quo dar como provado os factos supra elencados nos pontos 3, 5 e 30.
Assim, conclui, o acórdão é nulo, por carecer de fundamentação ou de fundamentação suficiente, de acordo com o disposto no artigo 379.º/1 alínea a) Código Processo Penal, com referência ao artigo 374.º/2 do mesmo código.
Conhecendo.
No que concerne aos requisitos da sentença, preceitua o art. 374º, nº2, do CPP, que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Por seu turno, prescreve o art. 379º, nº1, al. a), do CPP [na parte que ora releva]:
“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº2 e na alínea b) do nº3 do artigo 374º […]”.
No que tange ao conteúdo exigível da motivação do recurso e conclusões rege o art. 412º do CPP, que, entre o mais, preceitua:
“1 – A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
2 – Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada;”
Neste conspecto, o recorrente, incumprindo o estatuído no art. 412º, nº1, do CPP, limitou-se a invocar genericamente que o Tribunal recorrido não deu cumprimento às exigências de fundamentação da sentença, violando o disposto no art. 374º, nº 2 do CPP, pelo que a sentença padece de nulidade, não alegando porém, ainda que em súmula, como se impunha, qualquer fundamento concreto donde derivasse o suposto inadimplemento das normas legais e constitucionais atinentes ao dever de fundamentação das sentenças.
Assim, o recorrente não invoca, nem na motivação nem nas conclusões, que considerações o Tribunal devia ter realizado na fundamentação da decisão recorrida para que se percebesse o seu juízo valorativo da prova e que não produziu, pelo menos de modo suficiente.
Tal circunstância, traduzindo-se numa omissão absoluta das razões que sustentam a arguição da nulidade em causa, impede a formulação de convite ao aperfeiçoamento da motivação, o que, em bom rigor, determina a impossibilidade do conhecimento da questão e a consequente improcedência do petitório. Improcede, pois, manifestamente, a arguida nulidade do acórdão recorrido por falta ou insuficiência da fundamentação. III.2.2 – Erro de julgamento quanto aos factos dados como provados nos pontos 3, 5 e 30:
Peticiona o arguido/recorrente AA que a matéria de facto constante dos pontos dos factos provados identificados em epígrafe seja considerada como não provada, pelo menos por aplicação do princípio in dubio pro reo, por existir dúvida insanável e inultrapassável sobre a respetiva prova.
Para tanto, alega, em súmula, que:
- O Tribunal deu como assente a referida factualidade com base, no essencial, no depoimento da vítima BB, as quais não foram corroboradas por qualquer outro meio de prova (testemunhal, pericial ou documental) e são infirmadas pelas declarações prestadas pelo arguido, que negou perentoriamente ter cometido o imputado roubo, o que fragiliza, de forma evidente, a robustez desta condenação.
- O depoimento da ofendida é marcado por contradições, incertezas e incongruências, que comprometem seriamente a sua credibilidade. Desde logo, a ofendida reconhece, de forma expressa, que o dinheiro em causa lhe foi entregue voluntariamente pelo próprio arguido, tendo este recebido previamente a quantia de 800,00€ do padrinho da ofendida. Contudo, de forma contraditória, vem mais tarde alegar que o arguido a teria manipulado para depois lhe retirar o dinheiro, afirmando que ele a teria roubado “do peito, do soutien”. Ora, esta mudança abrupta e não fundamentada de narrativa não é sustentada por qualquer explicação lógica, cronológica ou factual, nem é acompanhada de prova bastante que a confirme. Alega ainda a ofendida, que o arguido lhe deu o dinheiro “com o intuito de eu adormecer e roubar-me”, expressão que, além de confusa, denota um juízo subjetivo e especulativo da testemunha, em vez de uma descrição objetiva e cronológica dos acontecimentos. Não se compreende, por exemplo, como é que alguém que pretenda furtar um montante de dinheiro a outrem, lhe entregue previamente essa quantia, para depois a retirar de forma violenta, especialmente tratando-se de valores em numerário que facilmente poderiam ter sido ocultados ou apropriados sem conhecimento da ofendida. Adicionalmente, há uma grave oscilação no valor monetário envolvido. A ofendida refere 800,00€, mas tanto a douta acusação, como o douto acórdão concluem que a quantia em causa, são 700,00€. Tal discrepância reforça a falta de certeza e de rigor probatório, sendo inadmissível num processo penal, sustentar uma condenação sobre provas tão frágeis.
- O depoimento de CC, agente da PSP, revela elementos claramente favoráveis à versão apresentada pelo arguido, corroborando, de forma objetiva, a ausência de elementos probatórios que sustentem a acusação deste crime. Assim, não foi detetada qualquer quantia em dinheiro na posse do arguido, nem se procedeu a qualquer revista ao mesmo, uma vez que o arguido se encontrava em tronco nu e apenas com calças justas, circunstância que permitiria visualizar facilmente qualquer volume escondido. No mesmo depoimento, o agente da PSP refere escoriações na face da ofendida e no peito do arguido, o que mais uma vez revela um cenário factual ambíguo e inconclusivo, afastando uma narrativa unilateral ou inequívoca de agressão ou subtração. A mera existência de escoriações não permite extrair conclusões seguras sobre a intencionalidade ou dinâmica de um crime de roubo, mas sim e apenas, de um crime de violência doméstica, o qual o arguido confessou.
Analisando.
Preceitua o art. 412º do CPP, na parte que ora releva:
“1 – A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
[…]
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
[…]
6 – No caso previsto no nº4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”
Como tem entendido sem disparidade o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorretamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) - art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP -, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer.[2]
Por outro lado, nessa tarefa de reapreciação da prova pelo tribunal de recurso intrometem-se necessariamente fatores como a ausência de imediação e da oralidade – sendo que, como é sobejamente sabido, a imediação e a oralidade constituem princípios estruturantes do direito processual penal português.
Em conformidade, a ausência de imediação e oralidade - dado que o “contacto” com as provas se circunscreve ao que consta das gravações - determina que o tribunal de segunda instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º][3].
Com efeito, quando está em causa a questão da apreciação da prova cumpre dar a devida relevância à perceção que a oralidade e a imediação conferem aos julgadoras do Tribunal a quo. Deste modo, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só pode censurá-la se demonstrado ficar que tal opção é de todo em todo inadmissível face às regras de experiência comum.
Como loquazmente se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/07/2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, acessível em www.dgsi.pt: «São os Juízes de 1.ª instância quem de forma direta e «imediata» podem observar as intransferíveis sensações que derivam das declarações e que se obtêm a partir do que os arguidos e das testemunhas disseram, do que calaram, dos seus gestos, da palidez ou do suor do seu rosto, das suas hesitações. É uma verdade empírica que frente a um mesmo facto diversos testemunhos presenciais, de boa-fé, incorrem em observações distintas. A congruência dos testemunhos entre si, o grau de coerência com outras provas que existam e com outros factos objetivamente comprováveis, quer dizer, a apreciação conjunta das provas, são elementos fundamentais para dar maior credibilidade a um testemunho que a outro. Para tal, a convicção do Tribunal tem de ser formada na ponderação de toda a prova produzida, não podendo censurar-se aquele por nesse juízo ter optado por uma versão em detrimento de outra. Não existindo prova legal ou tarifada que se impusesse ao Tribunal, o Tribunal julga a prova segundo as regras de experiência comum e a livre convicção que sobre ela forma (art. 127.º do Código de Processo Penal).»
Ou seja, é comumente aceite que a (re)apreciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso não implica a realização de um “segundo julgamento”, agora baseado na prova gravada, em que o tribunal ad quem aprecia toda a prova produzida e documentada em primeira instância, como se o julgamento ali realizado não existisse. Como se refere, de modo impressivo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19/05/2015, processo 441/10.5TABJA.E2, acessível em www.dgsi.pt, «O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância. Os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.»
Relevantes ainda as seguintes palavras de Paulo Saragoça da Matta[4]: «Ao Tribunal de recurso não cabe repetir a produção de prova havida, nem a prova anteriormente produzida na instância recorrida perde seja o que for de vivacidade. Pelo contrário, o Tribunal de recurso limitar-se-á a aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração. Com o que em nada se viola a imediação da prova, que fica acessível, imediatamente, ao juiz de recurso tal e qual como foi produzida em primeira instância.»
Concluindo: o artigo 412º, nº3, al. b) do CPP, ao exigir que o recorrente que impugne a decisão proferida sobre matéria de facto especifique as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, implica que o tribunal de recurso só pode (e deve) alterar aquela decisão se da análise que faz das provas documentadas indicadas pelo recorrente, em concatenação com as regras da experiência comum e da lógica, concluir que o juízo probatório levado a cabo pelo tribunal a quo é, à luz daqueles elementos, insustentável, indefensável (porque decidiu claramente sem prova ou em indiscutível contradição com as preditas regras), revelando-se por isso imperioso decidir de forma distinta.
Diferentemente, «se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a “tornam necessária” ou racionalmente “obrigatória”, então deve manter a decisão da primeira instância tal como está» - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2015, processo 159/11.5PAPTL.G1, acessível em www.dgsi.pt.
Retornando ao caso em apreço.
Em conformidade com o disposto no art. 412º, nº6 do CPP, procedemos à audição integral das declarações prestadas em audiência de julgamento pelo arguido AA, assim como dos depoimentos aí prestados pelas testemunhas invocadas pelo recorrente, BB (ofendida) e CC [gravações disponíveis no sistema informático citius – media studio].
O recorrente indicou os concretos pontos da matéria de facto sobre os quais julga ter existido erro de julgamento, assim como mencionou as concretas provas que, no seu entender, impunham decisão diversa da recorrida, procedendo para o efeito à indicação das concretas passagens – que transcreveu – dos sobreditos meios de prova.
Diremos desde já que cumpre negar provimento ao douto recurso do arguido pois que não se extrai das provas produzidas nos autos, particularmente das especificadas no recurso, valoradas à luz das regras de experiência comum e em concatenação com a restante prova, demonstração indubitável, indiscutível, de que os factos não aconteceram pelo modo como o Tribunal recorrido julgou provado, antes como o recorrente os pretende ver decididos.
O princípio da livre apreciação da prova, constituindo um princípio estruturante do direito processual penal português, encontra-se vertido no art. 127º do Código Processo Penal, que preceitua: “Salvo quando a lei dispuser diferentemente a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção da entidade competente.”
Tal princípio está intimamente conexionado com o princípio da descoberta da verdade material e contrapõe-se ao sistema probatório fundado nas provas tabelares ou tarifárias que estabelece um valor racionalizado a cada prova, porquanto por via da livre apreciação da prova concede-se ao julgador um âmbito de discricionariedade, ainda que limitada, na valoração de cada uma das provas atendíveis que estribam a decisão de facto.
Tal discricionariedade não é absoluta, antes balizada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação que devem nortear o decisor na apreciação da prova produzida. Por conseguinte, o juiz, na fundamentação da decisão de facto, deve justificar, fundamentando convenientemente, as suas próprias escolhas, ou seja, porque valorou cada prova de determinado modo (por exemplo, porque concedeu credibilidade ao depoimento de uma testemunha e negou credibilidade ao depoimento de outra testemunha). Compreende-se que assim seja, sob pena de a convicção do tribunal se tornar não sindicável, caindo no mero livre arbítrio, o que não se coaduna com um sistema de justiça próprio de um estado de direito democrático.
É por isso que José Mouraz Lopes, in “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo II, p. 78, entende que a «livre apreciação da prova» é, de alguma forma, um sofisma, na medida em que se deve falar é de uma livre apreciação racional e fundamentada da prova.
Nas palavras de José Tomé de Carvalho, in “Breves palavras sobre a fundamentação da matéria de facto no âmbito da decisão final penal no ordenamento jurídico português”, Revista Julgar, nº21, 2013, p. 84, «o livre convencimento não equivale assim a valoração livre, estando o processo deliberativo condicionado pelas regras de lógica, experiência, técnica e ciência, apesar de na reconstrução de determinado facto o juiz ser livre de crer (ou não) numa determinada fonte probatória, agora que o tempo das provas legais e tabelares se finou».
Assim também tem sido entendido, reiteradamente, pelo Tribunal Constitucional, num juízo de conformidade do disposto no art. 127º do CPP com a Constituição.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 1165/96, de 19.11.1996, in DR, Série II, de 06.02.1197 (reiterado pelo acórdão do mesmo Tribunal nº 464/97, de 01.07.1997, in DR, Série II, de 12.01.1998): «A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objetivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efetiva motivação da decisão».
Ainda o acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/02, no âmbito do processo nº 528/02, onde se lê «(…) de acordo com o entendimento que tem vindo a ser professado por este tribunal, a valoração da prova segundo a livre convicção do julgador não significa uma apreciação contra a prova ou uma valoração que se desprendeu da legalidade dos meios de prova ou das regras gerais de produção da prova, ou seja, não é admissível uma valoração arbitrária da prova, sendo a convicção do julgador «objetivável e motivável», conjugando-se com dever de fundamentar os actos decisórios e de promover a sua aceitabilidade».
Como pertinentemente se observa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.02.2005, proferido no Processo nº 04P4721, relator Henriques Gaspar, acessível em www.dgsi.pt, «A livre apreciação não significa, no entanto, apreciação segundo as impressões, nem inexistência de pressupostos valorativos, ou de desconsideração do valor de critérios, ainda objetivos ou objetiváveis, determinados pela experiência comum das coisas e da vida e pelas inferências lógicas do homem comum suposto pela ordem jurídica. A livre convicção não significa liberdade não motivada de valoração, mas constitui antes um modo não estritamente vinculado de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, isto é, uma conclusão subordinada à lógica e à razão e não limitada por prescrições formais exteriores.»
Primeiramente, urge notar que o Tribunal a quo, no contexto da sua exercida condicionada livre convicção, explanou convenientemente na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, designadamente da factualidade atinente ao imputado crime de roubo, os motivos para ter concedido credibilidade ao depoimento prestado pela ofendida BB em audiência de julgamento.
Assim, o Tribunal, não olvidando o caráter emotivo e, por vezes, até confuso (no que tange à ordem cronológica dos eventos narrados e respetiva datação), das declarações prestadas pela ofendida, manifestou a sua compreensão por tais circunstâncias em virtude «não apenas de ansiedade e perturbação geradas pelo relato de factos dolorosos, mas também pelo número de agressões sofridas em curto espaço de tempo, o que compreensivelmente retira rigor e exatidão ao relato». Tal perceção merece a nossa adesão, visto que as regras da experiência lhe concedem suporte. É habitual que quem vivencia uma experiência violenta, física e psicologicamente, reiterada, do tipo ajuizado nos autos, perpetrada por alguém de quem se espera, senão amor, pelo menos afetuosidade e respeito, fique afetado pelas nefastas consequências daí advindas [cfr. factos provados nos pontos 25, 26 e 28], de modo adequado e causal a perturbar a fluência e racionalidade do discurso da vítima de tais acontecimentos.
Acresce que, como sagazmente observam os Mmos. Julgadores, o depoimento da ofendida - objetivo quanto à razão para guardar o dinheiro no peito (soutien) e quanto ao modo de atuação do arguido -, não revelou um particular acinte, desprezo pelo arguido e desejo de vingança contra ele por via da sua condenação judicial, ao ponto de levar aquela a mentir, pois que, diversamente, as suas declarações afiguraram-se sinceras, sem exageros ou empolamentos, incluindo a expressa negação ou não confirmação de factos constantes da acusação de conteúdo assaz desfavorável para o arguido e assunção de agressão por ela perpetrada sobre este, ainda que com intuito defensivo (cfr. factualidade dada como não provada nos pontos A, B e C e provada no ponto 33).
Além disso, como notou o Tribunal recorrido e efetivamente ressuma dessa prova, a versão dos factos verbalizada pela ofendida foi corroborada, neste conspecto, pela documentação hospitalar e prova pericial junta aos autos a fls. 27 a 29, 97 e 98, que certificou a existência de lesões compatíveis com a descrição feita, designadamente na zona mamária, para a qual o arguido não logrou adiantar explicação.
Por último, não se descortina qualquer contradição, incerteza ou incongruência no facto de a ofendida ter admitido que tinha sido o arguido quem lhe entregou o envelope com dinheiro, dado pelo padrinho dela, mas ter referido também que ele o fez com o intuito de lho vir mais tarde a retirar (nomeadamente quando ela estivesse a dormir), como veio a acontecer.
É certo que o arguido podia ter optado por não ter entregue à ofendida o envelope em questão e apoderar-se desde logo do dinheiro que continha. Era uma hipótese. Contudo, não era a única possível, sequer a mais propicia a que, em tese, lograsse aceder impunemente ao dinheiro. Com efeito, não é difícil imaginar que a qualquer momento a ofendida viesse a saber pelo seu padrinho que ele lhe tinha enviado aquele montante monetário, através do seu companheiro, o ora arguido, assim se apercebendo que este não lhe tinha entregue, como devia, o dinheiro em causa, tendo-o feito coisa sua. Logo, é bastante viável ponderar a alternativa de o arguido ter preferido entregar primeiro o dinheiro à companheira para depois se apoderar do mesmo, preferencialmente sem que ela se apercebesse disso e, logicamente, sem recurso a violência, ainda que, na prática, não tenha sido essa via pacífica a vingar. Também não é despropositado aventar a possibilidade de o arguido, quando recebeu em mãos o envelope, não ter desde logo planeado apoderar-se do dinheiro, só lhe tendo assomado posteriormente tal intuito criminoso.
Ademais, o facto de a queixosa ter indicado em audiência de julgamento um valor menor para o dinheiro subtraído pelo arguido face àquele que constava da douta acusação pública não permite colocar em questão a seriedade e veracidade dessas declarações, quer porque a discrepância é pouco significativa (falamos de uma diferença de € 100,00, entre € 700,00 e € 800,00) e em favor do arguido, o que até abona a favor da credibilidade da declarante, quer porque, na ausência de cumprimento do disposto no art. 356º, nºs 2 e 5, do CPP, o Tribunal somente podia valorar a prova produzida em audiência (cf. art. 355º do mesmo diploma legal).
Relativamente ao preponderante valor probatório que o recorrente atribui às suas próprias declarações em audiência de julgamento, em que negou, nesta parte, os factos, diremos, salvo o devido respeito, que o mesmo se encontra injustificadamente assoberbado, porquanto desconsidera a falta de credibilidade que o Tribunal a quo, fundamentadamente, aponta à sua versão desses concretos acontecimentos, acrescendo que nenhuma outra prova produzida nos autos corrobora a sua versão, pelo menos de modo a impor decisão contrária ou diversa da proferida quanto ao julgamento dos respetivos pontos da matéria de facto.
O recorrente convoca ainda em prol da sua tese o teor do depoimento a este propósito prestado em audiência de julgamento pela testemunha CC, agente da PSPS que tomou conta da ocorrência do dia 25.05.2024 e lavrou o auto de notícia de fls. 4 a 9, em que é denunciante BB, e o auto de notícia de fls. 4 a 9 do apenso A, em que é denunciante o ora arguido, AA.
Assim, refere que não foi detetada qualquer quantia em dinheiro na posse do arguido nem se procedeu a qualquer revista ao mesmo, dado este se encontrar em tronco nu, vestindo apenas calças justas, circunstância que permitiria visualizar facilmente qualquer volume escondido, designadamente o maço de notas alegadamente subtraído à queixosa BB.
Acrescenta que a mera existência de escoriações na face da ofendida e no peito do arguido não permite extrair conclusões seguras sobre a intencionalidade ou dinâmica de um crime de roubo, mas sim e apenas, de um crime de violência doméstica, cujos factos o arguido confessou.
Donde, menciona, tais dúvidas deveriam ter operado a favor do arguido, nos termos do princípio in dubio pro reo (art. 32º, nº2 da CRP e art. 127º do CPP).
Diga-se, desde já, que a procedência da pretensão sindicante do recorrente dependia de as sobreditas circunstâncias probatórias por si invocadas determinarem, imperiosamente, a alteração do decidido em primeira instância, o que não sucede.
O depoimento prestado pela testemunha CC, por si só e/ou em conjugação com as regras da experiência e/ou dos conhecimentos técnico-científicos, não é bastante para impor decisão diversa, pois que o por si narrado em audiência de julgamento não infirma a versão dos factos transmitida ao Tribunal pela ofendida BB, nem a veracidade desta, reitera-se, é afastada pelo teor dos documentos clínicos e relatórios periciais juntos aos autos, tudo apreciado em concatenação e de acordo com as regras do normal suceder e da lógica.
Desde logo, exsuda do teor transcrito desse depoimento que a BB, ainda nesse dia 25.05.2024, aquando da denúncia, se queixou logo ao agente de autoridade de que o arguido havia subtraído da sua posse (guardada no soutien) a quantia de € 700,00, a ela pertencente, não sendo algo de que ela só se tivesse lembrado no decurso do processo.
Mais decorre que o agente policial só viu que a queixosa tinha escoriações na face (ele é que apresentava escoriações no peito).
Todavia, é compreensível que a testemunha não tivesse na ocasião visualizado as lesões na zona mamária (de ambos os lados) mais tarde examinadas e descritas no INML, pois a ofendida – diferentemente do que sucedia com o ora arguido – não se encontrava de tronco desnudado ou só com o soutien colocado, o que impediria a observação direta dessas equimoses e escoriação.
Por outro lado, não se pode retirar da circunstância de o arguido não deter consigo, na sua pessoa, o dinheiro subtraído à vítima no momento da abordagem do agente CC, que tal facto não aconteceu, uma vez que entre a ocorrência e a chegada da polícia ao local decorreu tempo suficiente para que aquele escondesse o dinheiro num qualquer local da casa.
Em conformidade, afigura-se-nos razoável o entendimento manifestado pelo Tribunal a quo de que a existência das lesões corporais em ambos os sujeitos processuais observadas pela testemunha CC, no circunstancialismo por si descrito, contribui para corroborar a versão da ofendida BB de que existiu uma contenda entre ambos no decurso da qual o arguido logrou retirar-lhe, de modo violento, o dinheiro que ela tinha guardado entre os peitos e o soutien que envergava, apesar de ela ter tentado impedi-lo, assim lhe provocando também lesões, designadamente na região torácica.
Resumindo.
O juízo valorativo da prova realizado pelo Tribunal a quo traduz uma realidade plausível, não inequivocamente infirmada pela globalidade da prova produzida nos autos nem pelas regras da experiência, do normal suceder.
A modificação pelo Tribunal ad quem da decisão sobre a matéria de facto provinda da primeira instância só pode ocorrer se a apreciação feita for ilógica, arbitrária, de todo insustentável face às regras da experiência comum ou dos conhecimentos técnico-científicos, o que, reitera-se, não se verifica no caso vertente.
Destarte, improcede a deduzida impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto. III.2.3 - Arguidas violações da presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo:
A Constituição da República Portuguesa, no seu art. 32º, nº1, estabelece que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa”. Nestas garantias inclui-se e emerge de modo assaz relevante o princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 32º, nº2 do Texto Fundamental, nos seguintes moldes: “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.
No presente caso, a decisão da matéria de facto operada pelo tribunal recorrido não encerra qualquer violação da presunção de inocência do arguido AA. Ao invés, é suportada em prova produzida nos autos, suficiente e idónea para o efeito, que foi valorada pelo tribunal em conformidade com os ditames legais, nomeadamente o principio da livre apreciação da prova consignado no art. 127º do CPP.
Não é uma decisão arbitrária, meramente discricionária, persecutória, eivada de pré-juízos contrários à posição do arguido.
Por seu turno, o princípio in dubio pro reo é complementar do princípio da presunção da inocência e o seu campo de aplicação encontra-se após a conclusão da tarefa judicial da valoração da prova produzida e quando o resultado desta não é conclusivo; neste caso, por via desta regra atinente à decisão, a dúvida insanável, inultrapassável sobre os factos deve favorecer o arguido.
Este princípio encerra uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.
À semelhança do que sucede com os vícios consagrados no n.º 2 do artigo 410.º, em sede de recurso a violação do princípio in dubio pro reo apenas ocorre quando tal vício resulte da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois o recurso não constitui um novo julgamento, antes sendo um remédio jurídico - cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.04.2008, processo 08P3456, do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.01.2015, processo 72/11.2GDSTR.C1, de 03.06.2015, processo 12/14.7GBSTR.C1, e de 12.09.2018, processo 28/16.9PTCTB.C1, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.07.2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
No caso sub judice, não resulta do texto da decisão recorrida, designadamente da motivação da decisão de facto, que o tribunal tenha sido assolado por uma dúvida razoável, muito menos insanável, que forçasse os julgadores a recorrer ao princípio in dubio pro reo paradar por não provada a factualidade constante dos pontos 3, 5 e 30 dos factos provados, de cujo julgamento o recorrente discorda.
O tribunal recorrido não se posicionou numa situação de dúvida quanto ao sentido da prova produzida sobre os factos em questão, sendo que o respetivo entendimento lavrado na decisão recorrida, atenta a prova produzida, é defensável face às regras da experiência comum e da lógica, que o não contrariam impreterivelmente (cf. art. 127º do CPP).
Deste modo, conclui-se pela inexistência de violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo.
III.2.4 – Alegada falta de autonomia típica da factualidade concernente ao imputado crime de roubo, por integração no crime de violência doméstica:
Prescreve o art. 152º do Código Penal, onde se prevê o crime de violência doméstica [na parte que ora releva]:
“1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: [redação conferida pela Lei nº 57/2021, de 16.08]
(…)
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga às dos cônjuges, ainda que sem coabitação; [redação da Lei nº 19/2013, de 21.02]
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 – No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima;
(…)
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.”
[redação da Lei nº 44/2018, de 09.08]
Como referido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.09.2011, processo nº 170/10.0GAVLC.P1, disponível em www.dgsi.pt., «no ilícito de violência doméstica é objectivo da lei assegurar uma “tutela especial e reforçada” da vítima perante situações de violência desenvolvida no seio da vida familiar ou doméstica que, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, evidenciem um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal quanto ao perigo ou de ameaça de prejuízo sério para a saúde e para o bem-estar físico e psíquico da vítima».
O sobredito aresto seguiu, nesta parte, a tese proposta por Nuno Brandão, in “A Tutela penal especial reforçada da violência doméstica”, Revista Julgar, 12 (Especial), p. 9-24, segundo a qual «o desvalor potencial fundamentalmente tomado em consideração para justificar esta específica modalidade de incriminação se prende com os riscos para a integridade psíquica da vítima que podem advir da sujeição a maus tratos físicos e/ou psíquicos, sobremaneira quando se prolongam no tempo» (pág. 18).
No crime de violência doméstica tutela-se a dignidade humana dos sujeitos passivos aí elencados, mormente na vertente da sua saúde, seja a nível físico ou psíquico, ou na vertente da sua privacidade, seja de liberdade pessoal ou de autodeterminação sexual.[5]
O bem jurídico protegido por este tipo legal de crime é, assim, primordialmente, a saúde da vítima, entendida nas suas vertentes de saúde física, psíquica e mental, visando a incriminação protegê-la de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal desenvolvimento de uma pessoa, afetem a dignidade pessoal e individual da pessoa que com o agente mantém (ou manteve) vínculos relacionais estreitos e/ou duradouros.
André Lamas Leite, in “A violência relacional íntima: reflexões cruzadas entre o Direito Penal e a criminologia”, Revista Julgar nº12 (especial), Edição da ASJP, 2010, págs. 46 e 47, após admitir as dificuldades derivadas de um tipo legal em cuja base se encontre um bem jurídico tão multimodo como o da violência doméstica, preconiza que «o fundamento último das ações e omissões abrangidas pelo tipo reconduz-se ao asseguramento das condições de livre desenvolvimento da personalidade de um indivíduo no âmbito de uma relação interpessoal próxima, de tipo familiar ou análogo.»
As condutas típicas preenchem-se com a inflição de maus tratos físicos (ofensas à integridade física simples) e maus tratos psíquicos (ameaças, humilhações, provocações, molestações).
A conduta típica do crime de violência doméstica inclui, assim, para além da agressão física (mais ou menos violenta, reiterada ou não), a agressão verbal, a agressão emocional (p. ex., coagindo a vítima a praticar atos contra a sua vontade), a agressão sexual, a agressão económica (p. ex., impedindo-a de gerir os seus proventos) e a agressão às liberdades (de decisão, de ação, de movimentação, etc.), as quais, analisadas no contexto específico em que são produzidas e face ao tipo de relacionamento concreto estabelecido entre o agressor e a vítima, indiciam uma situação de maus tratos, ou seja, um tratamento cruel, degradante ou desumano da vítima.
Os maus tratos podem ser infligidos de modo reiterado ou não (conduta isolada).
A este propósito urge ter presente a jurisprudência que já antes da alteração legislativa de 2007 considerava que uma conduta ainda que isolada podia configurar um crime de maus tratos desde que pela sua gravidade pusesse em causa a dignidade humana do ofendido.[6]
Importa aquilatar nessas situações se o comportamento único do agente reveste, ainda assim, uma certa gravidade, traduzindo crueldade, insensibilidade ou até vingança desnecessária da sua parte, a ponto de constituir causa justificativa da dissolução do vínculo conjugal, por comprometer a possibilidade de vida em comum.
O conjunto de ações típicas que integram o ilícito criminal em apreço, uma vez analisadas à luz do contexto especialmente desvalioso em que são cometidas, constituirão maus tratos quando revelem uma conduta maltratante especialmente intensa que deixa a vítima em situação degradante ou em estado de agressão permanente.
Tais comportamentos integram o conceito legal de “maus tratos” quando geram uma situação consubstanciadora de um padrão comportamental associado a uma perigosidade típica para o bem-estar físico e psíquico da vítima.
Ainda que indicie sobremaneira a ocorrência de sevícias típicas a existência de uma relação de domínio ou subjugação da vítima perante o agente, o tipo legal não exige necessariamente este predomínio constante ou habitual – neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.01.2025, proferido no Processo nº 227/22.4PBMTS.P1.S1, relator Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt.
O que justifica a punição mais severa do agente através deste tipo legal de crime numa situação de concurso aparente com as ofensas à integridade física simples, injúrias, ameaças ou outra conduta penalmente típica suscetível de integrar a violência doméstica, é precisamente o desprezo do agressor pela dignidade pessoal da vítima, enquanto revelador de um pesado desvalor de acção que agrava a ilicitude material do facto – Cf. Nuno Brandão, ob. cit., p. 18.
Como referido no aludido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.09.2011 - citando também Nuno Brandão e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17.05.2010, relatado pelo Exmo. Desembargador Cruz Bucho - «o importante é, pois, analisar e caracterizar o quadro global da agressão física de forma a determinar se ela evidencia um estado de degradação, enfraquecimento, ou aviltamento da dignidade pessoal da vítima que permita classificar a situação como de maus tratos, que, por si, constitui um risco qualificado que a situação apresenta para a saúde psíquica da vítima. Nesse caso, impõe-se a condenação pelo crime de violência doméstica, do art. 152º do CP. Se não, a situação integrará a prática de um ou vários crimes de ofensas à integridade física simples, do art. 143º, do CP».
E acrescenta-se no aresto: «a acção não pode limitar-se a uma mera agressão física ou verbal, ou à simples violação de alguma ou algumas das liberdades da pessoa (vítima) tuteladas por outros tipos legais de crimes. Importa que a agressão (em sentido lato) constitua uma situação de “maus tratos”. E estes (maus tratos) só se dão como verificados quando a acção do agente concretiza actos violentos que, pela sua imagem global do facto e pela gravidade da situação concreta são tipificados como crime pela sua perigosidade típica para a saúde e bem-estar físico e psíquico da vítima».
O elemento subjetivo do tipo preenche-se por qualquer forma de dolo.
Estatui o art. 210º, nº1, do Código Penal (ulteriormente designado CP):
“Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”
Como sublinha Conceição Ferreira da Cunha, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, anot. II, §3 ao art. 210º, pág. 160, «O roubo é um crime complexo que ofende quer bens jurídicos patrimoniais – o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – quer bens jurídicos pessoais – a liberdade individual de decisão e ação (em certos casos, a própria liberdade de movimentos) e a integridade física, sendo que, em certas hipóteses de roubo agravado, se põe em causa, ademais, o bem jurídico vida (art. 210º-2 a), primeira parte, e nº3. Saliente-se, no entanto, que a ofensa aos bens pessoais surge como o meio de lesão dos bens patrimoniais (…)»
Nos termos do art. 30º, nº1, do CP, “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.”
Entende o recorrente que o Tribunal de primeira instância errou ao ter autonomizado a subtração da quantia monetária à ofendida, ocorrida num momento de violência física e emocional entre o Arguido e a vítima, quando deveria ter subsumido tais factos ao crime de violência doméstica.
Como menciona Maria Paula Ribeiro de Faria, in “Formas Especiais do Crime”, UCE, Porto, 2017, pp. 381-382, «Existe um concurso aparente de normas sempre que as condutas praticadas correspondem abstratamente a várias fattispecies sancionatórias sem que se possa efetivamente falar de crimes autónomos. […] A necessidade de reconhecimento do concurso aparente de normas decorre do princípio segundo o qual ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo crime, pelo que, se a relação entre as normas não for devidamente esclarecida sob o ponto de vista interpretativo, deixa de existir correspondência entre a gravidade dos factos praticados pelo agente e a pena que lhe é efetivamente aplicada. Está aqui presente uma preocupação de equidade e de certeza jurídica a impedir uma resposta penal excessiva do Estado, que não seria legítima quer sob o ponto de vista da necessidade e proporcionalidade da pena, quer sob o ponto de vista da reeducação e da reintegração social do agente. De acordo com uma primeira explicação do concurso legal ou aparente [a adotada pela autora e por nós], todos os elementos das normas incriminadoras estão preenchidos, pelo que elas concorrem efetivamente entre si, embora só uma delas seja aplicável.»
A decisão de aplicação de uma das normas assenta na relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção que se estabeleça entre as normas abstratamente aplicáveis.
Relativamente à relação de especialidade, menciona a dita autora [idem, pp. 384, 385 e 387]: «Segundo este princípio existe concurso de leis quando uma das normas concorrentes contempla o facto de forma mais específica do que as restantes, devendo resolver-se o concurso dando preferência aplicativa à lei especial (lex specialis derrogat legem generalem) (..) A norma é especial quando exige um ou mais pressupostos além dos que são impostos pela norma geral. Todo o facto que preenche a norma especial integra os elementos constitutivos da norma geral, mas nem todo o facto que preenche a regra geral realiza os elementos constitutivos do preceito especial (…) Esta relação existe entre o tipo fundamental e o tipo qualificado e entre o tipo fundamental e o tipo privilegiado, e intercede também entre o tipo complexo e os tipos simples que o integram (…) Na relação de especialidade um dos tipos inclui uma maior materialidade típica do que o outro, ou porventura de forma mais correta, assinala uma materialidade típica mais específica.»
Aduz ainda a autora [ibidem, p. 390], agora quanto à relação de consunção - que é a outra relação potencialmente aplicável no caso - que a mesma assenta «numa valoração acerca do conteúdo de ilicitude material abrangido pelas disposições em confronto. Este critério impede a aplicação da norma “consumida” em favor da aplicação da norma que “consuma” (lex consumens derrogat legi consumptae). A relação de consunção deixa-se identificar sempre que a realização de um crime comporta também a realização de outro cujo desvalor normativo social é absorvido ou consumido pelo primeiro que comporta consequências sancionatórias mais graves. Diferentemente do que sucede no âmbito do princípio da especialidade, que exige a coincidência ao nível do núcleo descritivo ou valorativo (identidade do bem jurídico tutelado) dos tipos legais em confronto, a relação de consunção baseia-se num juízo de valor comparativo entre tipo legais autónomos pressupõe uma unidade normativa entre factos. Esta relação entre normas não exige a coincidência dos bens jurídicos tutelados, funcionando com base numa relação de similitude ou proximidade valorativa entre os bens jurídicos protegidos pelas normas em confronto.»
Posto isto, volvendo ao presente caso, entendemos que o arguido cometeu efetivamente crimes distintos, atendendo a que a factualidade relativa à subtração violenta à ofendida BB de coisa móvel a ela pertencente, sendo suscetível de integrar a tipicidade do crime de roubo e derivando de uma resolução criminosa autónoma, transcende, nessa parte em que atenta contra a propriedade/património da vítima, a conduta típica desvaliosa prevista para o crime de violência doméstica, cuja incriminação, contrariamente ao que sucede com aqueloutra, não se destina especialmente a conceder proteção àquele bem jurídico, acrescendo que o crime de roubo é, em abstracto, mais severamente punido do que a violência doméstica.
Ou seja, para além da conduta do arguido descrita nos pontos 3, 5 e 30 dos factos provados, atentar contra a dignidade humana da vítima, por via da ofensa à integridade física e humilhação, tratamento degradante, que é concedido a esta, também consubstancia um ataque consumado ao seu património.
Na hipótese de os factos em discussão nos autos se resumirem ao episódio em questão ou, havendo outros, como há, se o tipo legal do crime de violência doméstica previsse punição mais grave do que o crime de roubo, estaríamos eventualmente perante a existência de um concurso aparente de normas, devendo apenas aplicar-se uma delas.
Não é esse o caso, acrescendo que a relação de subsidiariedade prevista no nº1 do art. 152º, in fine, que determina a aplicação de disposição legal mais punitiva do facto, trata-se de uma remissão relativamente indeterminada (i.e., sem identificação expressa de outro normativo legal) e, por conseguinte, não prescinde de uma valoração concreta sobre se a norma que tipifica e pune o roubo esgota o desvalor do facto, impedindo a possibilidade de concurso[7]. Ora, na situação que nos ocupa, a aplicação da norma sancionatória do roubo não abarca o desvalor das restantes condutas perpetradas pelo arguido sobre a vítima, que, exteriorizando outras formas de condutas típicas, preenchem, por si, o crime de violência doméstica, nem concede a proteção quanto ao específico bem jurídico destoutra incriminação materializado na proteção da dignidade humana da vítima.
No sentido do concurso real entre o crime de violência doméstica e o crime de roubo, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.11.2018, Processo nº 329/17.9PALSB.L1-5, Vieira Lamim, acessível em www.dgsi.pt.[8]
Chamam-se ainda à colação, em prol da posição que aqui defendemos, as pertinentes considerações aduzidas pela Exma. PGA no douto parecer que lavrou nos autos: «Como é consabido e vem claramente explicitado na douta sentença e reforçado na resposta do MP, o crime de roubo tutela bens jurídicos distintos dos protegidos pelo crime de violência doméstica. Sem curar de analisar em profundidade a questão, repetiremos as palavras do Mestre Figueiredo Dias que melhor a esclarecem: “Da pluralidade de normas típicas concretamente aplicáveis ao comportamento global é legítimo concluir, prima facie, que aquele comportamento revela uma pluralidade de sentidos sociais de ilicitude e, em tal situação, estaremos perante um concurso efetivo puro ou próprio. Casos existem, no entanto, em que tal situação pode ser ilidida porque os sentidos singulares da ilicitude típica presentes no comportamento global se conexionam, se intercessionam ou parcialmente se cobrem de forma tal que, em definitivo, se deve concluir que aquele comportamento é dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social” (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Gestlegal, págs. 1069 e 1075). Descendo ao caso concreto e sendo evidente que os crimes em causa tutelam bens jurídicos distintos, a verdade é que, pela descrição factual dada como provada, o comportamento violento exercido sobre a vítima teve como escopo, no caso em análise, a apropriação da referida quantia monetária, apresentando-se, naquele caso concreto, desligado da violência doméstica e assumindo-se como autónomo e, portanto, com um autónomo sentido social de ilicitude. Ademais, tendo em consideração que o crime de violência doméstica pode comportar uma série de factos que constituem a prática de crimes autónomos, o próprio tipo legal excluía, in casu, a punição pelo crime de roubo ao prever que “quem, de modo reiterado ou não, infligir maus-tratos físicos ou psíquicos (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.»
Em suma, não sendo o crime de roubo objeto de consunção pelo crime de violência doméstica, revela-se adequada a condenação do arguido AA pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, dos dois imputados tipos de crime [como infra melhor se explanará no que tange ao crime de roubo, cuja prática foi colocada em crise pelo recorrente ao nível do direito aplicável]. Soçobra, nesta parte, o douto recurso.
III.2.5 – Alegado não preenchimento pela matéria de facto provada dos elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime de roubo:
Estatui o art. 210º, nº1, do CP “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”
São elementos objetivos do crime de roubo:
- Que a conduta típica incida sobre “coisa móvel”, entendida esta de modo não inteiramente coincidente com a noção civilística (art. 202º do Código Civil), abarcando toda a coisa (corpórea ou incorpórea) que tem existência física autónoma quantificável e suscetível de ser fruída ou usada por uma pessoa;
- O caráter alheio da coisa subtraída pressupõe que a mesma não pertence ao agente, ainda que em compropriedade ou comunhão com outros;
- A subtração da coisa implica a sua transferência da esfera de domínio do detentor para a esfera de domínio do agente, contra a vontade daquele;
- A infração é de execução vinculada, significando que quer a subtração, quer o constrangimento devem ser executados por meio de violência, ameaça ou colocação na impossibilidade de resistir.
Sobre este aspecto, consigna-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.04.2011, Processo nº 276/09.8PEOER.L1-3, disponível inwww.dgsi.pt: «I. A acção típica no crime de roubo, que pode consistir numa subtracção ou no constrangimento à entrega, tem de revestir uma de três características: - Consubstanciar a utilização de violência contra uma pessoa; - Consistir na utilização de ameaça com perigo eminente para a vida ou para a integridade física; ou - Implicar a colocação da vítima na impossibilidade de resistir. II. Existem diversas espécies de violência: - Violência própria, quando se utiliza a força física; - Violência imprópria, quando o constrangimento da vontade é feito por outros meios, como o uso de substâncias psicoactivas ou o hipnotismo; - Violência directa, em que a violência incide no corpo da pessoa; - Violência indirecta, em que a violência incide sobre coisas, só afectando mediatamente as pessoas. III. A violência incluída sob tal conceito no crime de roubo é a violência própria e directa que supõe uma actuação física sobre a vítima. IV. A violência que se exerça sobre terceiro é relevante na medida em que constitua uma ameaça implícita sobre a vítima. V. A impossibilidade de resistir consubstancia uma forma de violência imprópria. Nada tem a ver com a surpresa do ataque. VI. A ameaça tem de ter por efeito intimidar a vítima de forma a conseguir viciar a sua liberdade de determinação. A intimidação é o efeito psicológico causado pela utilização da ameaça. VII. A ameaça pode ter lugar por palavras, por gestos, por actos concludentes ou por qualquer outra forma de procedimento que manifeste à vítima a intenção de ameaçar.
VIII. É relevante a ameaça com meio fingidos, como a que é realizada, por exemplo, com pistolas ou outras armas falsas ou através da simulação da existência de uma arma no bolso.»
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03.04.2013, CJ, Tomo II, p. 212, advoga-se que a violência, para este efeito, «consiste no desenvolvimento de força física para vencer a resistência (real ou suposta) da vítima.»
O elemento subjetivo preenche-se com o dolo, em qualquer das suas modalidades (cf. art. 14º do CP).
Como para todos os ilícitos criminais, exige-se que o agente conheça da previsão e punibilidade penal da sua conduta.
Frisa-se o já expendido anteriormente (item III.2.4) de que o roubo é um crime complexo porquanto ofende uma pluralidade de bens jurídicos, patrimoniais e pessoais. Os primeiros traduzem-se no direito de propriedade sobre bens móveis e os segundos na liberdade de acção e de decisão e na integridade física, postos em causa pela violência contra uma pessoa, pela ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir.
Volvendo ao presente caso.
Está provado que o arguido AA, no circunstancialismo de tempo, modo e lugar mencionados nos nºs 3 e 5 dos factos provados, exerceu acção violenta sobre a ofendida BB, materializada no agarrar dos braços, imobilização, desferimento de dois socos na face e arremesso dela para o chão, desse modo logrando, adequada e causalmente, colocá-la na impossibilidade de resistir e, por isso, como pretendia, retirar-lhe do interior do soutien que ela vestia a quantia de € 700,00, que a mesma aí tinha guardada, no interior de um envelope.
Mais se provou que o arguido fez daquele dinheiro, que pertencia à ofendida, coisa sua.
Apurou-se ainda que o arguido agiu da forma descrita com a intenção alcançada de, contra a vontade da ofendida e mediante a sua imobilização perante a utilização da força física e da violência, se apoderar da quantia em dinheiro de €700,00, apesar de saber que a mesma lhe não pertencia e que agia contra a vontade e sem o consentimento da sua proprietária [facto provado no ponto 30].
Assim, atuou o arguido com dolo direito ou de primeiro grau (art. 14º, nº1, do CP).
Ademais, o arguido procedeu com consciência da ilicitude, pois que «agiu sempre livre, voluntária e conscientemente e embora soubesse que praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis, não se inibiu de os concretizar.» [facto provado no ponto 31].
Em conformidade, dúvidas não sobejam de que se mostram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº1, do CP, sendo também viável dirigir ao arguido um juízo de censura ético-social pelo comportamento livre, voluntária e conscientemente adotado em detrimento da lei. Não colhe, assim,este argumento recursório. III.2.6 – Supressão da pena aplicada ao recorrente pela alegada prática de um crime de roubo e suspensão da pena parcelar residual:
Neste segmento recursório, o arguido AA alega, em resumo:
- Sendo o presente recurso procedente, e por via disso, o arguido absolvido do crime de roubo pelo qual foi erradamente condenado, a pena parcelar de 3 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada, terá necessariamente de ser eliminada, subsistindo apenas a pena parcelar de 4 anos, que lhe foi aplicada pela prática de um crime de violência doméstica.
- Atendendo exclusivamente à matéria efetivamente dada como provada pelo Tribunal a quo, é nosso entendimento que a decisão concretamente proferida contraria o objetivo da política criminal que a lei perspetiva e que a justiça não pode subtrair-se, que é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e da primazia e preferência da lei, por penas não privativas da liberdade, uma vez que condenou o arguido, numa pena privativa da liberdade de 4 anos de prisão, pelo crime de violência doméstica.
- Esta pena de prisão, de 4 anos, deverá ser suspensa na sua execução, por igual período de tempo, não obstante o Arguido não ser primário.
A eventual procedência da clamada suspensão da execução da pena de 4 anos de prisão aplicada ao arguido pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº 1, al. b), e nº2, al. a), do CP, dependia de este Tribunal ad quem concluir pela revogação da decisão recorrida na parte em que o condenou igualmente na pena de 3 anos e 6 meses de prisão pela prática, em concurso efetivo, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº1 do mesmo diploma legal – e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 4 meses –, absolvendo-se deste segundo ilícito criminal, o que, como vimos, não sucede.
Donde, a medida da pena única cominada em primeira instância, e que é de manter, sendo superior a 5 (cinco) anos de prisão, obsta desde logo à aplicação da pena de substituição de suspensão da execução (cf. art. 50º, nº1, do CP).
Portanto, o acórdão recorrido também é de manter neste segmento concernente à pena aplicada.
Concluindo.
O acórdão recorrido não merece censura, uma vez que não violou qualquer norma legal ou constitucional, nomeadamente as invocadas pelo recorrente, sendo de manter integralmente com a consequente improcedência total do douto recurso.
IV - Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o douto recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente,manter integralmente o douto acórdão recorrido.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (arts. 513º, nº1 e 514º, ambos do CPP, e arts. 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, todos do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo).
Notifique (art. 425º, nº6, do CPP).
*
Guimarães, 30 de setembro de 2025,
Paulo Correia Serafim (Relator)
[assinatura eletrónica]
Anabela Rocha (1ª Adjunta)
[assinatura eletrónica]
Cristina Xavier da Fonseca (2ª Adjunta)
[assinatura eletrónica]
(Acórdão processado e revisto pelo relator, com recurso a meios informáticos, encontrando-se eletronicamente assinado pelos Desembargadores subscritores – cfr. art. 94º, nºs 2 e 3, do CPP)
[1] Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 335; Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que mantém atualidade. [2] Cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 31/05/2007, proferido no Processo nº 07P1412 [relatado pelo Exmo. Conselheiro Simas Santos], e de 23/05/2007, proferido no Processo nº 07P1498 [relatado pelo Exmo. Conselheiro Henrique Gaspar], ambos disponíveis in www.dgsi.pt. [3] Neste sentido, a título exemplificativo, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2015, processo 159/11.5PAPTL.G1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/03/2011, processo 288/09.1GBMTJ.L1-5, de 18/07/2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, de 21/05/2015, processo 3793/09.6TDLSB.L1-9, e de 08/10/2015, processo 220/15.3PBAMD.L1-9; e do Tribunal da Relação de Évora de 19.05.2015, processo 441/10.5TABJA.E2, todos disponíveis em www.dgsi.pt. [4]Idem, pp. 253-254. [5] cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.05.2010, processo nº 179/08.3GDSTS.P1, inwww.dgsi.pt. [6] Cf., a título exemplificativo, os Acórdãos da Relação de Coimbra de 13.06.2007, inwww.dgsi.pt, do Supremo Tribunal de Justiça de 14.11.1997, CJSTJ, III, 235, e de 17.10.1996, CJSTJ, IV, 170, da Relação de Évora de 23.11.1999, CJ, V, 283 e de 25.01.2005, CJ, I, 260, e da Relação do Porto, de 12.05.2004, Recurso 6422/03-4ª Secção, e de 06.10.2010, processo nº 296/08.0PDVNG.P1, inwww.dgsi.pt. [7] No caso de remissão determinada essa necessidade não existe porquanto aí o legislador já procedeu à avaliação das duas normas concorrentes de forma a concluir pela subsidiariedade da norma que opera o reenvio. [8] No mesmo sentido, ainda que referido a concurso efetivo entre o crime de violência doméstica e o crime de dano, veja-se, mutatis mutandis, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09.01.2017, Processo 204/15.1GCVIS.C1, Alcina da Costa Ribeiro, acessível em www.dgsi.pt.