DIREITO DE SUPERFÍCIE
CONSTITUIÇÃO
CONTRATO PROMESSA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Sumário


O direito de superfície pode ser constituído por decisão judicial em ação de execução específica de promessa da sua constituição negocial, que se efetiva através de uma ação constitutiva destinada a produzir os efeitos da declaração negocial do contraente faltoso, e que consiste em o tribunal emitir uma sentença que produza os mesmos efeitos jurídicos da declaração negocial que não foi emitida, operando-se assim a constituição do contrato definitivo.

Texto Integral


Acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

EMP01...., S.A., com sede em ..., ... ..., instaurou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Massa Insolvente de EMP02... e Hidráulicas ..., S.A., com sede na Avenida ..., ... ..., ..., representada pela Administradora de Insolvência, BB, com domicílio profissional na Rua ..., ..., ..., pedindo a condenação da ré:

«a) A reconhecer a existência do direito de superfície e a propriedade superficiária da Autora localizados numa área que, desde 1992, se radica, pelo menos, no espaço urbanístico definido na Planta de Implantação identificada no doc. nº 2 junto a esta p.i.;
b) A proceder à alteração da operação do loteamento identificada no artº 10º desta p.i. em termos de ser agregada à área atualmente referenciada e reconhecida como lote ... (390m2), parte da área do lote ..., sejam os 610m2 necessários para preencherem a superfície reconhecida no direito de superfície (1000m2); sejam os 486,76m2 já anteriormente admitidos pela A. como necessários para perfazer as necessidades de implantação da propriedade superficiária (876,76m2) – cf. docs nºs 11 e 12) sejam, no mínimo os 264m2 necessários para satisfazer a área de implantação (654m2 – cf. doc. nº 2 -) apresentada à Câmara Municipal ..., em 1992!
c) A proceder à retificação das áreas dos artigos matriciais ...25 (cf. doc. nº 14) e ... (cf. doc. nº 15) reconstituindo tais áreas em conformidade com a alteração da operação de loteamento tal como peticionado na alínea b);
d) No mesmo contexto e no mesmo sentido e para os efeitos pretendidos a proceder à retificação das descrições registrais atualmente constantes dos artºs 1570º (cf. doc. nº 8) e 1571º (cf. doc. nº 9) de acordo com tais retificações matriciais;
e) A proceder ao registo do direito de superfície e da propriedade superficiária da A. na assim reconstituída descrição ...70º.
f) A proceder à correção do registo predial do direito de superfície da A., deixando o mesmo de figurar na descrição ...41: (cf. doc. nº 10).»

Alegou, em síntese, que através de contrato-promessa celebrado em 10 de agosto de 1992, a insolvente prometeu facultar-lhe o uso de um prédio urbano de que é proprietária, composto por um terreno para construção com a área de 14.600m2, sito no lugar de ..., freguesia de ..., do concelho de Vila Nova de Famalicão, prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...93 a fls. 51 do livro ...53, mediante a constituição do direito de superfície, por 25 anos, sobre uma área desse terreno, com cerca de 1000m2, para a construção de um Posto de Combustíveis.
No âmbito dos poderes conferidos nesse contrato-promessa, construiu, numa área delimitada e localizada do logradouro daquele prédio urbano, o previsto posto de abastecimento, de acordo com um projeto apresentado à Câmara Municipal ..., pelos responsáveis da ré, o qual continha uma planta de implantação no local com uma área de 654m2.
Apesar de o referido posto ter passado a ser explorado ao abrigo de um contrato de cessão de exploração, pela ré, esta nunca se mostrou disponível para realizar a devida escritura de constituição do direito de superfície, com a delimitação concreta da área ocupada para o exercício desse direito de superfície, o que forçou a autora a percorrer as várias instâncias judiciais para ver reconhecido o seu direito, o que veio a conseguir através da confirmação pelo Supremo Tribunal de Justiça (Proc. n.º 2025/01-6).
A decisão judicial que constituiu o direito de superfície foi levada ao registo predial de ..., constando no artigo ...41º da descrição n.º ...93 a fls. 51 – B-153 através da AP. ...02.
No ano de 2000, a ré iniciou uma operação de loteamento no referido imóvel decorrendo dessa operação o surgimento de novos artigos registrais, designadamente os 1568º, 1569º, 1570º, 1571º e 2041º (descrição na Conservatória ... – freguesia ...), todos eles provenientes da já referida descrição predial n.º ...93.
Como resultado, o direito de superfície titulado pela autora, que se encontra registado no artigo ...41º da descrição predial n.º ...93, deveria encontrar-se registado nas inscrições (1568º; 1569º; 1570º e 1571º) desanexadas daquela descrição, e o posto de abastecimento com a área e a localização constante da referida planta de implantação, judicialmente reconhecido como sendo a propriedade superficiária da autora decorrente do exercício daquele seu direito de superfície, está agora identificado como constituindo o lote ... do loteamento, lote referenciado com a descrição do artigo 1571º, e lote reduzido a uma dimensão de 390m2.
A reposição da verdade substancial e material das coisas implica que o reconhecimento do direito de superfície da autora sobre uma área de 1000m2, que contemple a implantação do posto de abastecimento de combustíveis tal como existe, pelo menos desde 1993, obrigue a uma alteração do loteamento que foi “forçado” pela ré a partir de 2000, o que implicará também o registo desse direito de superfície, se não sobre todos os artigos que abranjam tal loteamento, pelo menos sobre os artigos 1571º e 1570º (prédio limítrofe do anterior).

A ré contestou, por exceção e por impugnação, e deduziu reconvenção pedindo, em consequência, que seja «declarada a extinção, por caducidade, do direito de superfície alegado pela Autora/Reconvinda e ser ordenado o cancelamento do registo do direito de superfície que incide sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o nº ...41, da freguesia ..., inscrito a favor da Autora/Reconvinda pela AP. ...1 de 2002/09/16».

Alegou, em síntese e além do mais, que, entre as partes, foi alcançado um acordo global que consistiu na constituição de um direito de superfície a favor da autora, sobre um imóvel destinado à construção de um posto de abastecimento de combustíveis e, uma vez construído,
na cessão de exploração desse posto de abastecimento à ré.

A construção do posto de abastecimento ficou concluída no mês de dezembro de 1993; a licença de utilização do posto de abastecimento, sob o número 875, do ano de 1993, foi emitida em 29 de dezembro de 1993, a favor da ré, e a sua exploração foi iniciada, logo após, tendo sido, então, a partir do mês dezembro de 1993, que se iniciou o direito de superfície a favor da Autora.
Aliás, é dito expressamente na cláusula segunda do contrato-promessa de cessão de exploração que essa cessão é pelo prazo de 25 anos a partir da data da instalação daquele estabelecimento comercial. Ou seja, a autora cedeu a exploração do posto de abastecimento, por si construído, à ré, pelo prazo de 25 anos, a partir da instalação daquele posto, prazo esse que era o prazo de duração do seu direito de superfície.
Conclui, assim, que esse direito de superfície se extinguiu em dezembro de 2018, pelo decurso do prazo de 25 anos previsto pelas partes, nos termos do disposto no artigo 1536.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil.

A autora replicou, concluindo pela improcedência do pedido reconvencional.

Dispensada a realização de audiência prévia e fixado o valor da ação (em € 57.000,00), foi proferido despacho saneador tabelar, no qual se relegou para final o conhecimento da exceção perentória invocada pela ré; foi admitida a reconvenção; fixou-se o objeto do litígio e elencaram-se os temas de prova.

Realizou-se a audiência final, e veio a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto,
a) Julgo improcedente a exceção de extinção por caducidade do direito de superfície da A;
b) Absolvo a A dos pedidos contra si deduzidos;
c) Condeno a R Massa Insolvente da EMP03... - Bombas Centrífugas e Hidráulicas ..., SA, a reconhecer a existência do direito de superfície e a consequente propriedade superficiária da A localizado numa área que desde 1993 se radica no espaço urbanístico definido na planta de implantação identificada no doc nº 2 junto com a petição;
d) Condeno a R a proceder ao registo do direito de superfície da A no artigo ...70º com a área de implantação de 645 m2 que lhe compete, procedendo, para tal à alteração da operação de loteamento em conformidade- uma vez que o artigo ...70º dispõe apenas da área de 390 m2- de modo a fazer coincidir a situação no terreno com o registado;
e) Condeno a R a proceder à retificação das descrições prediais dos artigos ...70... e ...71º da freguesia ... da CRP ... e das áreas dos artigos da matriz ...25 e ...69 em conformidade com o ordenado em d);
f) Condeno, em consequência, a R a corrigir o registo predial do direito de superfície da A deixando de figurar este no artigo ...41º da freguesia ... da CRP ...

*
Não se conformando com o assim decidido, a ré Massa Insolvente de EMP02... e Hidráulicas ..., S.A. interpôs o presente recurso e apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:

«I.
Nos autos à margem identificados, o tribunal a quo proferiu a seguinte sentença:
“Pelo exposto,
a) Julgo improcedente a exceção de extinção por caducidade do direito de superfície da A;
b) Absolvo a A dos pedidos contra si deduzidos;
c) Condeno a R Massa Insolvente da EMP03... Bombas Centrífugas e Hidráulicas ..., SA, a reconhecer a existência do direito de superfície e a consequente propriedade superficiária da A localizado numa área que desde 1993 se radica no espaço urbanístico definido na planta de implantação identificada no doc nº 2 junto com a petição;
d) Condeno a R a proceder ao registo do direito de superfície da A no artigo ...70º com a área de implantação de 645 m2 que lhe compete, procedendo, para tal à alteração da operação de loteamento em conformidade- uma vez que o artigo ...70º dispõe apenas da área de 390 m2- de modo a fazer coincidir a situação no terreno com o registado;
e) Condeno a R a proceder à retificação das descrições prediais dos artigos ...70... e ...71º da freguesia ... da CRP ... e das áreas dos artigos da matriz ...25 e ...69 em conformidade com o ordenado em d);
f) Condeno, em consequência, a R a corrigir o registo predial do direito de superfície da A deixando de figurar este no artigo ...41º da freguesia ... da CRP ....”
II.
A Recorrente discorda da douta sentença, entendendo que deveria ter procedido a exceção de caducidade do direito de superfície da Autora/Recorrida por si invocada e ter sido julgado procedente a reconvenção deduzida e, consequentemente, ter sido ordenado o cancelamento do registo do direito de superfície que incide sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o nº ...41, da freguesia ..., inscrito a favor da Autora/reconvinda pela AP. ...1 de 2002/09/16, bem como, atenta a procedência daquela exceção, deveria a Recorrente ter sido absolvida de todos os pedidos formulados pela Autora/Recorrida.
A douta sentença recorrida violou a lei, sendo, por isso, ilegal, devendo a mesma ser revogada e proferida outra sentença que julgue procedente a reconvenção deduzida e improcedente a ação, sendo absolvida de todos os pedidos formulados pela Autora/Recorrida.
III.
A questão suscitada pela Recorrente e a apreciar no presente recurso é simples e é só uma: a de aferir se o direito de superfície invocado pela Autora/Recorrida caducou, estando, portanto, extinto – como se defende e entende – ou não (como defendido e declarado na douta sentença recorrida).
IV.
Quanto à exceção da caducidade do direito de superfície da Autora/Recorrida, suscitada pela Recorrente na sua Contestação/Reconvenção, o tribunal a quo pronunciou-se pela sua não caducidade, fundamentando, para esse efeito, da seguinte forma:
“A Ré veio invocar a extinção do direito de superfície da A por caducidade. Alega para o efeito que foi por A e insolvente acordado que uma vez construído o posto de abastecimento de combustíveis no imóvel da insolvente, a exploração seria cedida à insolvente.
Tendo o posto de abastecimento sido construído e a exploração sido cedida em dezembro de 1993, data a partir da qual a A passou a explorá-lo. Pelo que a R alega que o direito de superfície a favor da A se iniciou em dezembro de 1993. E invoca a seu favor a cláusula segunda do contrato promessa de cessão de exploração que diz expressamente que essa cessão é pelo prazo de 25 anos a partir da data da instalação daquele estabelecimento comercial.
Mas esquece-se que o contrato promessa não tem efeitos constitutivos, isto é, não constitui o direito de superfície da A. É apenas a promessa da sua constituição, que não foi cumprida, tendo a A que recorrer aos tribunais para ver ser declarado o seu direito de superfície, em execução específica daquele contrato promessa.
A R conclui o seu raciocínio pela extinção do direito de superfície em dezembro de 2018, pelo decurso do prazo de 25 anos previsto pelas partes nos termos do disposto no artigo 1536º, nº1 al c) do Código Civil.

Cumpre decidir.
Como dispõe o artigo 1528º do Código Civil o direito de superfície apenas pode ser constituído por contrato, testamento ou usucapião.
No caso em apreço, tendo a A e a sociedade insolvente celebrado um contrato promessa de constituição de direito de superfície, que não veio a cumprir-se por não ter sido celebrado o contrato prometido, a escritura de constituição do direito de superfície, só quando a A recorreu aos tribunais para obter a execução específica do contrato promessa, substituindo-se o tribunal ao contraente faltoso- a insolvente!- para a constituição do direito de superfície prometido é que este direito foi constituído.
Assim, não foi o direito de superfície constituído por mera sentença, mas por uma sentença que visa ter os efeitos da celebração de um contrato de constituição do direito de superfície entre as partes!
Pelo exposto, necessariamente, teremos de contar a duração desse direito desde a sua constituição. E, se com isso, a insolvente se sente lesada por entender que a A exerceu a exploração do posto com base naquele direito de superfície durante prazo superior àquele que as partes pretendiam inicialmente, sibi imputet, pois apenas a si cabe a responsabilidade por tal facto ao não celebrar o contrato prometido logo que o posto se encontrou construído.
Desta feita, tendo o Acórdão que declarou constituído o direito de superfície transitado em julgado em setembro de 2001, será a partir desta data que se contam os 25 anos de duração do direito, será em setembro de 2026 que se extingue o direito de superfície da A.
O direito de superfície não está extinto por caducidade, nem pode ser cancelado o seu registo, improcedendo a exceção invocada e consequente pedido reconvencional.”
A Recorrida entende que o tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei e dos factos, como se pretende demonstrar neste recurso.
V.
Como resulta dos autos, Insolvente e Autora/Recorrida celebraram um contrato promessa de constituição de direito de superfície, junto aos autos sob Doc. nº 1 da petição inicial, mediante o qual a Insolvente prometeu facultar à Autora/Recorrida o uso de um prédio/imóvel de sua propriedade, mediante a constituição do direito de superfície sobre determinada área desse prédio/imóvel, para construção, pela Autora/Recorrida, de um posto de abastecimento de combustíveis – vide cláusulas Primeira e Segunda do referido contrato.
As partes acordaram, ainda, que a duração desse direito de superfície seria pelo prazo de 25 anos, com início na data de celebração da escritura definitiva – vide cláusula Quarta do contrato-promessa.
VI.
Em simultâneo com a celebração e assinatura do supra referido contrato- promessa de constituição de direito de superfície, as partes celebraram, também, um contrato promessa de cessão de exploração, junto aos autos sob Doc. 1 da Contestação/Reconvenção.
VII.
Ambos os contratos foram objeto do reconhecimento de assinaturas, em igual data, quanto a cada uma das partes, em 20 de julho de 1992 e em 10 de agosto de 1992.
VIII.
No contrato-promessa de cessão de exploração, as partes acordaram que a Autora/Recorrida iria instalar um posto de abastecimento de combustíveis em parte de um prédio propriedade da Insolvente, prédio esse que lhe iria ser facultado através da constituição daquele direito de superfície supra mencionado – vide cláusula Primeira do contrato-promessa de cessão de exploração.
Acordaram, ainda, que a Autora/Recorrida prometia ceder a exploração do referido posto de abastecimento à insolvente, pelo prazo de 25 anos, a contar da data da instalação daquele estabelecimento comercial – vide cláusula segunda do referido contrato.
IX.
Com a celebração simultânea dos dois contratos promessa, ambos ficaram umbilicalmente ligados entre si, não existindo um sem o outro, uma vez que o objetivo pretendido pelas partes, quando prometeram constituir o direito de superfície, foi que a Autora/Recorrida, investida desse direito, construiria um posto de abastecimento de combustíveis para, depois, o ceder à exploração à Insolvente, dona/proprietária do prédio, ficando a duração dessa exploração dependente da existência do direito superficiário da Autora/Recorrida, ambos com a duração de 25 anos.
X.
Resultou provado na douta sentença recorrida que:
- A construção do posto de abastecimento ficou concluída no mês de dezembro de 1993 (Facto provado 15-);
- A licença de utilização do posto de abastecimento, sob o nº 875, do ano de 1993, foi emitida a ../../1993, a favor da insolvente (Facto provado 16-);
- E a sua exploração foi iniciada de seguida (Facto provado 17-);
- O posto de abastecimento encontra-se, desde a sua construção, perfeitamente delimitado, com vedações e delimitações em seu redor, separando-o dos prédios confinantes (Facto provado 20-).
XI.
Daqui resulta, de forma clara e inequívoca, que as partes não esperaram pela outorga dos contratos definitivos para atribuírem eficácia real aos mesmos e haver tradição da coisa, sendo certo que, nos termos da lei, a transferência de direitos reais sobre coisa determinada, como é o caso dos autos, dá-se por mero efeito do contrato – artigos 408º, nº 1 e 413º, do Código Civil.
Na realidade, logo após a outorga desses contratos, a Autora/Recorrida iniciou a construção do posto de abastecimento que, uma vez concluído em dezembro de 1993, passou, de imediato, a ser explorado pela Insolvente.
XII.
Dos referidos contratos promessa, resulta claro e inequívoco que a exploração do posto de abastecimento de combustíveis por parte da Insolvente só poderia iniciar-se na exata medida em que existisse o direito de superfície da Autora/Recorrida, tendo, ambos os direitos (o de cessão de exploração e o de superfície) exatamente a mesma duração – ou seja, 25 anos.
XIII.
Resulta expressamente da cláusula segunda do contrato-promessa de cessão de exploração que o prazo de 25 anos desse direito começaria a contar a partir da data de instalação daquele estabelecimento comercial (o posto de abastecimento de combustíveis).
Assim sendo, tendo resultado provado que a exploração do posto de abastecimento foi iniciada em dezembro de 1993, não obstante, nessa data, não terem sido, ainda, outorgados os contratos definitivos, foi a partir do mês dezembro de 1993, que se iniciou a contagem do prazo do direito de superfície a favor da Autora.
XIV.
E isto porque as partes (Autora/Recorrida e Insolvente) fizeram depender, expressamente e por acordo, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, ínsito no artigo 405º, do Código Civil, a contagem do prazo de 25 anos de duração do direito de superfície da Autora/Recorrida, da instalação daquele posto de abastecimento de combustíveis, prazo esse que era o prazo de duração do seu direito de superfície e do direito de cessão de exploração da Insolvente.
De outra forma não faria sentido, pois as partes não esperaram pela outorga dos contratos prometidos para, por um lado, construir o posto de abastecimento de combustíveis por parte da Autora/Recorrida e, por outro lado, pelo início da exploração desse posto por parte da Insolvente.
XV.
Tendo a exploração do posto sido iniciada em dezembro de 1993, direito esse dependente e subordinado à existência do direito de superfície da Autora/Recorrida (sem o qual esta nunca poderia construir aquele estabelecimento comercial), foi nessa data que se iniciou, também, a contagem da duração do direito de superfície tendo este direito, como consequência, se extinguido em dezembro de 2018, pelo decurso do prazo de 25 anos previsto e acordado expressamente pelas partes, nos termos do disposto no artigo 1536º, nº 1, alínea c) do Código Civil.
Mas, ainda que assim não se entenda, atenta a ação de execução específica intentada pela Autora/Recorrida, sempre o direito de superfície está caducado.
XVI.
Na fundamentação da douta sentença, diz o tribunal a quo:
“No caso em apreço, tendo a A e a sociedade insolvente celebrado um contrato promessa de constituição de direito de superfície, que não veio a cumprir-se por não ter sido celebrado o contrato prometido, a escritura de constituição de direito de superfície, só quando a A recorreu aos tribunais para obter a execução específica do contrato promessa, substituindo-se o tribunal ao contraente faltoso- a insolvente!- para a constituição do direito de superfície prometido é que este direito foi constituído.”
XVII.
A Recorrente não entende desta forma.
Como dispõe o artigo 1528º do Código Civil, o direito de superfície apenas pode ser constituído por contrato, testamento ou usucapião, não prevendo, a lei, a sua constituição por sentença judicial.
A sentença proferida na ação de execução específica, bem como os Acórdãos posteriores, do Tribunal da Relação de Coimbra e do Supremo Tribunal de Justiça, que substituem a declaração negocial do faltoso (a sociedade insolvente), são decisões judiciais.
XVIII.
O que foi decidido por essas instâncias foi a declaração de que o contrato promessa de constituição do direito de superfície foi validamente celebrado entre Autora/Recorrida e a sociedade insolvente.
Estas decisões judiciais não são decisões constitutivas, mas sim declarativas pois não constituíram um direito, melhor dito, um contrato, novo, mas apenas, e só, consideraram válido o contrato anteriormente celebrado pelas partes.
Daí que, os efeitos destas decisões judiciais, porque proferidas em ação declarativa e não em ação constitutiva, produzem-se ex tunc e não ex nunc.
XIX.
Serve isto para dizer que o Acórdão proferido pelo STJ, transitado em julgado em 11-10-2001 (cfr. certidão judicial junta aos autos), retroage os seus efeitos à data da propositura da ação declarativa de condenação intentada pela Autora/Reconvinda (a ação de execução específica).
Apesar de não constar dos autos a data da propositura dessa ação, tendo em conta que o processo em que a mesma foi proferida é o nº 125/1997, podemos seguramente afirmar que a mesma deu entrada em juízo no ano de 1997.
Não se sabendo a data exata do ano de 1997 em que a ação foi proposta, admitindo que a mesma deu entrada em juízo no último dia do ano, ou seja, em 31 de dezembro de 1997, sempre seria a partir desta data que se contaria o prazo de duração do direito de superfície da Autora/Recorrida.
Assim sendo, contando o prazo de 25 anos de duração do direito de superfície desde esta data, o mesmo terminaria em dezembro de 2022, data em que se extinguiu, por caducidade – artigo 1536º, nº 1, alínea c), do Código Civil.
Ainda que assim se não entenda, e caso se entenda que os efeitos ex tunc do Acórdão do STJ se devem reportar à data em que foi proferida a sentença da 1ª instância e não à data da entrada da ação de execução específica em juízo, sempre estaria caducado o direito de superfície.
XX.
Tendo em conta que a sentença da 1ª instância foi registada em 21-01-2000 (cfr. certidão judicial junta aos autos), sempre o decurso dos 25 anos de duração do direito de superfície teria terminado em janeiro de 2025, encontrando-se, assim, extinto o direito de superfície, por caducidade.
A entender-se, como entendeu a douta sentença recorrida, que o prazo de 25 anos do direito de superfície da Autora/Recorrida se começa a contar a partir da data do trânsito em julgado do Acórdão do STJ, proferido no âmbito da ação de execução específica intentada por aquela, o direito de superfície, ao invés dos 25 anos acordados e estipulado pelas partes, teria de duração mais os anos decorridos entre a efetiva ocupação do prédio/imóvel e início da exploração do posto de abastecimento de combustíveis (dezembro de 1993) – recorde-se, condição da qual as partes fizeram depender o início da contagem do prazo de duração do direito de superfície – e o trânsito em julgado daquele Acórdão, ou seja, mais 8 anos.
A acolher tal tese, o direito de superfície que as partes acordaram e estipularam ter a duração de 25 anos, teria, in casu, a duração de 33 anos, rectius, 34 anos (atento a que o mesmo, no entendimento da douta sentença recorrida, só caducará em setembro de 2026).
Caso a ação judicial tivesse decisão ao fim de 20, 30 ou 40 anos, por exemplo, teríamos que acrescentar esse tempo ao prazo de 25 anos de duração do direito de superfície e estaríamos perante um direito que, por absurdo, poderia durar ad aeternum – o que não faz qualquer sentido.
XXI.
Ficou provado que a exploração do estabelecimento comercial (posto de abastecimento de combustíveis) foi iniciada em dezembro de 1993 (Factos provados 15- e 17), exploração essa de que as partes fizeram depender a contagem do prazo de 25 anos de duração do direito de superfície, conforme cláusula segunda do contrato junto sob Doc. 1 da Contestação/Reconvenção.
XXII.
A caducidade é uma exceção perentória pois consiste na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor (artigo 576º, nº 3, do Código de Processo Civil) – atenta a caducidade, a Autora/Recorrida não está investida do direito de superfície que invocou e, como tal, não tem, sequer, qualquer legitimidade, para intentar a presente ação.
O que teria que levar, inevitavelmente, a que a Recorrente fosse absolvida da totalidade dos pedidos formulados pela Autora/Recorrida – artigo 576º, nº 3, do Código de Processo Civil).
XXIII.
A douta sentença recorrida e, por conseguinte, o tribunal a quo, violou, assim, o disposto nos artigos 408º, nº 1, 413º, 1528º e 1536, nº 1, alínea c), todos do Código Civil, e 576º, nº 3, do Código de Processo Civil, bem como o princípio da produção de efeitos ex tunc das decisões judiciais proferidas na ação de execução específica intentada pela Autora/Recorrida.
XXIV.
O direito de superfície da Autora/Recorrida, ao invés do decidido na douta sentença recorrida, encontra-se extinto, por caducidade, porque decorrido o seu prazo de duração de 25 anos acordado pelas partes – caducidade, essa, que se operou, como acima se alegou, em dezembro de 2018, dezembro de 2022 ou em janeiro de 2025.
Pelo que, o tribunal a quo deveria ter julgado procedente a exceção de caducidade invocada pela recorrente e, consequentemente, deveria ter julgado procedente a reconvenção deduzida e condenado a Autora/Recorrida no pedido reconvencional formulado.
Consequentemente, e uma vez procedente a exceção de caducidade, deveria o tribunal a quo ter absolvido a Recorrente de todos os pedidos formulados pela Autora/Recorrida.
XXV.
Pelo exposto, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e ser substituída por outra que julgue procedente a exceção de caducidade invocada pela Recorrente e, consequentemente, julgue procedente a reconvenção deduzida, com as legais consequências e, bem assim, julgue improcedente a ação e absolva a Recorrente de todos os pedidos formulados pela Autora/Recorrida.»
*
A autora EMP01...., S.A. apresentou contra-alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:

«1. O recurso versa exclusivamente sobre a caducidade, o seu objeto é delimitado pelas conclusões;
2. O direito de superfície só existe com título (contrato) ou sentença substitutiva (execução específica): arts. 1528.º e 830.º CC;
3. A contagem do prazo de 25 anos (arts. 1536.º/1 c) e 1538.º CC) faz-se desde a constituição do direito, aqui, desde o trânsito do acórdão em setembro/2001, e não desde a instalação do posto (1993), nem desde a propositura da ação (1997), nem desde o registo de 1.ª instância (2000);
4. A retroação reconhecida pela jurisprudência em sede de execução específica diz respeito ao registo e à oponibilidade a terceiros, não à contagem do prazo material do direito real;
5. A sentença apreciou corretamente a prova e ordenou a retificação registal para fazer coincidir registo e realidade física: solução necessária e juridicamente correta.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o recurso ser julgado improcedente, in totum, mantendo-se integralmente a sentença recorrida, com as legais consequências
*
A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II- DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1ª parte e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC) – sendo que o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de apreciar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. 
Por outro lado, não pode o Tribunal de recurso conhecer de questões novas, estranhas aos fundamentos da ação e da defesa e à decisão recorrida, delimitadora do objeto do recurso, com exceção das que sejam do conhecimento oficioso (cf. artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, ambos do CPC), uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.
Porque assim é, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela recorrente, cumpre apreciar a questão de saber se operou a caducidade do direito de superfície invocado pela autora, à luz do disposto no artigo 1536.º, n.º 1, al. c), do Código Civil (doravante CC).
***
2. Fundamentação de facto

O Tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:

1- A autora é uma sociedade comercial anónima que se dedica à comercialização de combustíveis, lubrificantes, e outros produtos derivados de petróleo, bem como de pneus, e acessórios para veículos automóveis, e exploração de estações de serviço, a exercer quer em estabelecimentos de sua propriedade, quer em estabelecimentos cuja exploração seja tomada pela sociedade, bem como exploração de lojas de conveniência, nomeadamente para venda de géneros alimentícios, bebidas, tabacos, artigos de imprensa, de utilidade doméstica, serviços da cafetaria, serviços de restauração, prestação de serviços de transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem, execução de instalações elétricas, comercialização a retalho de gás e eletricidade, incluindo a prestação de serviços energéticos e quaisquer outras atividades conexas, comércio por grosso de combustíveis sólidos, líquidos e gasosos, não derivados do petróleo, bem como produção de energia de origem eólica, geotérmica e solar.
2- A ré é dona de um prédio urbano composto por um terreno para construção com a área de 14.600 m2, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho ..., prédio descrito na CRP sob o n.º ...93.
3- Através de contrato-promessa celebrado entre a autora e a insolvente a 10.8.1992, esta prometeu facultar o uso daquele imóvel à autora mediante a constituição do direito de superfície sobre uma área desse terreno com cerca de 1000m2 para a construção de um posto de combustíveis.
4- A autora, no âmbito dos poderes conferidos nesse contrato-promessa, construiu, numa área delimitada e localizada do logradouro daquele prédio urbano, o previsto posto de abastecimento, de acordo com um projeto apresentado à Câmara Municipal ... pelos responsáveis da insolvente, o qual continha uma planta de implantação no local com uma área de 654m2 (seiscentos e cinquenta e quatro metros quadrados) (cf. doc. n.º 2 que se junta e dá aqui por reproduzido), área ainda assim inferior à área do direito de superfície prometido constituir.
5- Apesar de o referido posto ter passado a ser explorado, ao abrigo de um contrato de cessão de exploração, pela sociedade insolvente, esta nunca se mostrou disponível para realizar a escritura de constituição do direito de superfície, com a delimitação concreta da área ocupada para o exercício desse direito de superfície, tendo a autora percorrido as várias instâncias judiciais para ver reconhecido o seu direito apenas em setembro de 2001 através de Acórdão do STJ.
6- A decisão judicial que constituiu o direito de superfície foi levada ao registo predial de ..., constando no artigo ...41º da descrição n.º ...93, a fls. 51- B- 153 através da AP. ...02.
7- No ano 2000 a insolvente iniciou uma operação de loteamento no imóvel identificado no artigo 2º da petição decorrendo dessa operação o surgimento de novos artigos registais, designadamente os 1568, 1569, 1570, 1571 e 2041 da freguesia ..., Conservatória ..., todos eles provenientes da descrição predial n.º ...93 -docs. 6 e 7 pi.
8- Na criação destes novos artigos, apesar de se referir que a inscrição do loteamento donde todos provêm era desanexada da descrição n.º ...93 a fls. 51 do livro ...53, não se referiu que nessa descrição predial n.º ...93 deveria estar inscrito o direito de superfície constituído a favor da autora - doc. 4.
9- O direito de superfície reconhecido à autora e registado a seu favor no artigo ...41º não corresponde à realidade material e substancial das coisas uma vez que o posto de abastecimento com a área e a localização constante da planta de implantação, referida no doc. 1 junto com a petição, judicialmente reconhecido como sendo a propriedade superficiária da autora decorrente do exercício do seu direito de superfície está identificado como constituindo o lote ... do loteamento adrede referido, com a descrição do artigo 1571º, reduzido a uma dimensão de 390m2.
10- O reconhecimento do direito de superfície da autora sobre uma área de 1000m2 que contemple a implantação do posto de abastecimento de combustíveis tal como existe desde 1993 obriga ao registo do direito de superfície sobre os artigos 1571º e 1570º (prédio limítrofe do anterior).
11- A autora chegou a negociar com a gerência da insolvente a área concreta do objeto do seu direito de superfície, limitando essa área a 876,76m2.
12- Para o efeito haveria que proceder a uma alteração do loteamento referido retirando 486,76m2 à área descoberta do lote limítrofe - lote ...- inscrito no artigo ...70º e acrescentando essa área ao lote ..., inscrição ...71 que ficaria com a tal área de 876,76m2 (390+876,76) o que ficou a constar de um documento outorgado a 22.7.2014 entre as duas entidades interessadas – docs. 11 e 12 juntos com a pi.
13- O direito de superfície constituído num prédio urbano composto por um terreno para construção com a área de 14.600m2, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., para construção de um posto de abastecimento de combustíveis, encontra-se inscrito no artigo descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão, freguesia ..., sob o nº ...41 e inscrito na matriz urbana n.º ...18, composto por edifício de ... destinado a indústria, com a área de 6.726m2.
14- O posto de abastecimento que a autora edificou dando uso ao direito de superfície, encontra-se em parte localizado no prédio urbano situado em Lugar ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º ...71, freguesia ..., inscrito na matriz urbana sob o n.º ...25, composto por edifício de ..., destinado a estação de serviço de combustíveis e snack-bar, mas com a identificação de uma área (390m2) muito restringida.
15- A construção do posto de abastecimento ficou concluída no mês de dezembro de 1993 – doc. 2 junto com a contestação.
16- A licença de utilização do posto de abastecimento, sob o n.º 875, do ano de 1993, foi emitida a ../../1993, a favor da insolvente – doc. 3 junto com a contestação.
17- E a sua exploração foi iniciada de seguida.
18- O terreno foi objeto de um loteamento imposto pela Câmara Municipal ... que o fracionou em vários lotes.
19- A insolvente apenas tinha intenção de facultar à autora a área necessária à construção do posto.
20- O posto de abastecimento encontra-se, desde a sua construção, perfeitamente delimitado, com vedações e delimitações em seu redor, separando-o dos prédios confinantes.
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Considerando a questão a resolver no presente recurso, e tendo em atenção os princípios da celeridade e da economia processual, dada a posição assumida pelas partes no sentido do trânsito em julgado do acórdão do STJ referido no ponto 5, e o que resulta do teor do Doc. 3 junto com a petição inicial, bem como do ponto 2.º do elenco dos factos provados da sentença proferida no processo n.º 3443/04.7TJVNF, do Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, junta no apenso L, com a Ref.ª ...38, de que o aludido aresto transitou em julgado na data de 11 de outubro de 2001, julga-se indispensável a ampliação da matéria de facto, por forma a aditar os seguintes factos ao elenco dos factos provados, ao abrigo do previsto no artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC:

21- Consta do acórdão do STJ referido no anterior ponto 5 o seguinte:
«(…)
Foi proferida a seguinte sentença-Declaramos validamente celebrado entre a A. e a R. o contrato pelo qual a Segunda constituiu a favor da primeira, pelo preço de um milhão de escudos, durante 25 anos, o direito de superfície sobre a área de 1000m2 de um terreno para construção, sito (…).
A R. recorreu e a Relação confirmou a sentença.
(…)
Como a A. fez o depósito da contraprestação da cedência da superfície, a constituição desse direito tem de ser reconhecida como fizeram as instâncias.
(…)
Não merece censura o acórdão.
Em face do exposto negamos a revista».
22- O referido acórdão do STJ transitou em julgado em 11 de outubro de 2001.
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O Tribunal de 1ª instância considerou não provada a seguinte matéria de facto:

1- A autora construiu o referido posto de abastecimento na área que quis sem que tal tivesse sido imposto por ninguém.
***
3. Fundamentos de Direito
           
A recorrente insurge-se contra a sentença proferida nos autos, por entender que deveria ter procedido a exceção de caducidade do direito de superfície da autora/recorrida, por si invocada na sua contestação.

O Tribunal a quo apreciou a invocada caducidade nos seguintes termos:
«A R veio invocar a extinção do direito de superfície da A por caducidade.
Alega para o efeito que foi por A e insolvente acordado que uma vez construído o posto de abastecimento de combustíveis no imóvel da insolvente, a exploração seria cedida à insolvente.
Tendo o posto de abastecimento sido construído e a exploração sido cedida em dezembro de1993, data a partir da qual a A passou a explorá-lo. Pelo que a R alega que o direito de superfície a favor da A se iniciou em dezembro de 1993. E invoca em seu favor a cláusula segunda do contrato promessa de cessão de exploração que diz expressamente que essa cessão é pelo prazo de 25 anos a partir da data da instalação daquele estabelecimento comercial.
Mas esquece-se que o contrato promessa não tem efeitos constitutivos, isto é, não constitui o direito de superfície da A. É apenas a promessa da sua constituição, que não foi cumprida, tendo a A que recorrer aos tribunais para ver ser declarado o seu direito de superfície, em execução específica daquele contrato promessa.
A R conclui o seu raciocínio pela extinção do direito de superfície em dezembro de 2018, pelo decurso do prazo de 25 anos previsto pelas partes nos termos do disposto no artigo 1536º, nº1 al c) do Código Civil.
Cumpre decidir.
Como dispõe o artigo 1528º do Código Civil o direito de superfície apenas pode ser constituído por contrato, testamento ou usucapião.
No caso em apreço, tendo a A e a sociedade insolvente celebrado um contrato promessa de constituição de direito de superfície, que não veio a cumprir-se por não ter sido celebrado o contrato prometido, a escritura de constituição de direito de superfície, só quando a A recorreu aos tribunais para obter a execução específica do contrato promessa, substituindo-se o tribunal ao contraente faltoso- a insolvente!- para a constituição do direito de superfície prometido é que este direito foi constituído.
Assim, não foi o direito de superfície constituído por mera sentença, mas por uma sentença que visa ter os efeitos da celebração de um contrato de constituição do direito de superfície entre as partes!
Pelo exposto, necessariamente, teremos de contar a duração desse direito desde a sua constituição. E, se com isso, a insolvente se sente lesada por entender que a A exerceu a exploração do posto com base naquele direito de superfície durante prazo superior àquele que as partes pretendiam inicialmente, sibi imputet, pois apenas a si cabe a responsabilidade por tal facto ao não celebrar o contrato prometido logo que o posto se encontrou construído.
Desta feita, tendo o Acórdão que declarou constituído o direito de superfície transitado em julgado em setembro de 2001, será a partir desta data que se contam os 25 anos de duração do direito, será em setembro de 2026 que se extingue o direito de superfície da A.
O direito de superfície não está extinto por caducidade, nem pode ser cancelado o seu registo, improcedendo a exceção invocada e consequente pedido reconvencional

A Recorrida não concorda com esta fundamentação do tribunal a quo, alegando, em síntese, e além do mais, que, como resulta da letra dos contratos-promessa outorgados entre as partes, «a exploração do posto de abastecimento por parte da Insolvente só poderia iniciar-se na exata medida em que existisse o direito de superfície da Autora/Recorrida, tendo, ambos os direitos (o de cessão de exploração e o de superfície) exatamente a mesma duração – ou seja, 25 anos.
Resulta expressamente da cláusula segunda do contrato-promessa de cessão de exploração que o prazo de 25 anos desse direito começaria a contar a partir da data de instalação daquele estabelecimento comercial (o posto de abastecimento de combustíveis).
Assim sendo, tendo (como resultou provado) a exploração do posto de abastecimento sido iniciada em dezembro de 1993, não obstante, nessa data, não terem sido, ainda, outorgados os contratos definitivos, foi a partir do mês dezembro de 1993, que se iniciou a contagem do prazo do direito de superfície a favor da Autora.
E isto porque, como acima já se alegou, as partes (Autora/Recorrida e Insolvente) fizeram depender, expressamente e por acordo, ao abrigo do princípio da liberdade contratual ínsito no artigo 405º, do Código Civil, a contagem do prazo de 25 anos de duração do direito de superfície da Autora/Recorrida, da instalação daquele posto de abastecimento de combustíveis, prazo esse que era o prazo de duração do seu direito de superfície e do direito de cessão de exploração da Insolvente.
De outra forma não faria sentido, pois as partes não esperaram pela outorga dos contratos prometidos para, por um lado, construir o posto de abastecimento de combustíveis por parte da Autora/Recorrida e, por outro lado, pelo início da exploração desse posto por parte da Insolvente.
Como tal, tendo a exploração do posto sido iniciada em dezembro de 1993, direito esse dependente e subordinado à existência do direito de superfície da Autora/Recorrida (sem o qual esta nunca poderia construir aquele estabelecimento comercial), foi nessa data que se iniciou, também, a contagem da duração do direito de superfície tendo este direito, como consequência, se extinguido em dezembro de 2018, pelo decurso do prazo de 25 anos previsto e acordado expressamente pelas partes, nos termos do disposto no artigo 1536º, nº 1, alínea c) do Código Civil.
(…)
A sentença proferida na ação de execução específica, bem como os Acórdãos posteriores, do Tribunal da Relação de Coimbra e do Supremo Tribunal de Justiça, que substituem a declaração negocial do faltoso (a sociedade insolvente), são decisões judiciais.
O que foi decidido por essas instâncias foi a declaração de que o contrato promessa de constituição do direito de superfície foi validamente celebrado entre Autora/Recorrida e a sociedade insolvente.
Estas decisões judiciais não são decisões constitutivas, mas sim declarativas pois não constituíram um direito, melhor dito, um contrato, novo, mas apenas, e só, consideraram válido o contrato anteriormente celebrado pelas partes.
Daí que, os efeitos destas decisões judiciais, porque proferidas em ação declarativa e não em ação constitutiva, produzem-se ex tunc e não ex nunc.
Serve isto para dizer que o Acórdão proferido pelo STJ, transitado em julgado em 11-10-2001 (cfr. certidão judicial junta aos autos), retroage os seus efeitos à data da propositura da ação declarativa de condenação intentada pela Autora/Reconvinda (a ação de execução específica).
Apesar de não constar dos autos a data da propositura dessa ação, tendo em conta que o processo em que a mesma foi proferida é o nº 125/1997, podemos seguramente afirmar que a mesma deu entrada em juízo no ano de 1997.
Não se sabendo a data exata do ano de 1997 em que a ação foi proposta, admitindo que a mesma deu entrada em juízo no último dia do ano, ou seja, em 31 de dezembro de 1997, sempre seria a partir desta data que se contaria o prazo de duração do direito de superfície da Autora/Recorrida.
Assim sendo, contando o prazo de 25 anos de duração do direito de superfície desde esta data, o mesmo terminaria em dezembro de 2022, data em que se extinguiu, por caducidade – artigo 1536º, nº 1, alínea c), do Código Civil.
(…)
Tendo em conta que a sentença da 1ª instância foi registada em 21-01-2000 (cfr. certidão judicial junta aos autos), sempre o decurso dos 25 anos de duração do direito de superfície teria terminado em janeiro de 2025, encontrando-se, assim, extinto o direito de superfície, por caducidade

Vejamos então.
O direito de superfície, cuja noção nos é dada pelo artigo 1524.º do CC, consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações.
O direito de superfície pode ser perpétuo ou temporário. Preferindo a segunda opção, os interessados podem fixar a duração do direito mediante a estipulação de um termo certo ou por referência a um evento certo quanto à sua ocorrência, mas incerto quanto à data da sua verificação, como por exemplo, a fixação de um direito de superfície que dure até à morte do fundeito ou superficiário[1].
O artigo 1528.º do CC estabelece o princípio geral de que o direito de superfície pode ser constituído por contrato, testamento ou usucapião.
Assim, a constituição do direito de superfície pode resultar de factos jurídicos negociais, como o contrato e o testamento, sendo que apenas o proprietário tem legitimidade para constituir o direito de superfície sobre o prédio, e de factos jurídicos não negociais, como a usucapião.
Outra forma de constituição do direito de superfície é através da sentença judicial, que pode, de resto, funcionar como forma de aquisição de qualquer direito real, em caso de execução específica relativamente à promessa da sua constituição negocial (artigo 830.º do CC), ou caso exista previamente um direito real de aquisição (artigos 413.º, 421.º e 1410.º do CC)[2].
Como refere Ana Afonso[3], «[s]abendo que a tipicidade diz respeito às situações jurídicas reais e não aos seus factos constitutivos, a indicação não deve ser lida de forma restritiva, admitindo-se, nomeadamente, que o direito de superfície possa ser constituído por decisão judicial em ação de execução específica de promessa de venda de direito de superfície por falta de cumprimento do promitente vendedor (artigo 830.º). (…) A mesma ideia de que a tipicidade delimitativa (ou numerus clausus) diz respeito às situações jurídico-reais que podem ser constituídas serve-nos para lembrar que o contrato de constituição de direito de superfície poderá assumir tipos variados (compra e venda, doação, entrada para sociedade) e até configuração mista ou atípica, tendo, evidentemente, de consistir em contrato real quoad effectum (…). O contrato constitutivo de direito de superfície tem de respeitar a forma exigida pelo artigo 22.º, al. A), do DL n.º 116/2008 (escritura pública ou documento particular autenticado), sendo ainda um facto sujeito a registo nos termos previstos no artigo 2.º, n.º 1, a), da CRP
Sendo constituído por certo tempo, o direito de superfície extingue-se, tal como previsto no artigo 1536.º, n.º 1, al. c), do CC.
A referida alínea prevê, em conjugação com o n.º 2 do artigo 298.º do CC, a extinção do direito de superfície temporário, por caducidade.

Revertendo ao caso em apreço, verifica-se que entre autora e ré foram celebrados dois contratos-promessa, um contrato-promessa de constituição de direito de superfície, no qual figura como primeira outorgante a insolvente, ora ré, e como segunda outorgante a ora autora, e um contrato-promessa de cessão de exploração, no qual figura como primeira outorgante a ora autora e como segunda outorgante a insolvente, ora ré.

Do primeiro contrato-promessa constam, entre outras, as seguintes cláusulas:
«PRIMEIRA: Os primeiros outorgantes são donos e legítimos proprietários do seguinte imóvel:
“prédio urbano composto por terreno para construção com a área de 14.600m2, sito no lugar de ..., freguesia de ... do Concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o nº....09 a fls. 112 vº. do libro G-70, a favor dos primeiros outorgantes e descrito na mesma Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...93 a fls 51 do livro ...53, com o seguinte teor: Parcela de terreno para construção urbana com a área de 14.600m2, no lugar de ..., freguesia de ...”.
SEGUNDA: Por este contrato os primeiros outorgantes prometem facultar o uso daquele imóvel à segunda outorgante mediante a constituição do direito de superfície sobre uma área desse terreno com cerca de 1000m2 com frente para a estrada Municipal devidamente assinalada na planta anexa e que aqui se dá por reproduzida, para construção de um Posto de Abastecimento público de Combustíveis.
(…)
QUARTA: O prazo de duração será de 25 (vinte cinco) anos com início na data da celebração da escritura definitiva

Do segundo contrato-promessa constam, entre outras, as seguintes cláusulas:
«PRIMEIRA: A primeira outorgante vai instalar um Posto de Abastecimento de Combustíveis em parte do prédio urbano sito no lugar de ... freguesia de ... do Concelho de Vila Nova de Famalicão, propriedade dos segundos outorgantes, prédio esse que lhe vai ser facultado através da constituição de um direito de superfície por parte deste.
SEGUNDA: Pelo presente contrato a Primeira Outorgante promete ceder a exploração do referido Posto de Abastecimento aos Segundos Outorgantes pelo prazo de 25 anos, a partir da instalação daquele estabelecimento comercial.
(…)
QUARTA: A prometida cessão de exploração caducará se entretanto e por qualquer razão a 1ª Outorgante deixar de ser titular do direito de superfície referido na cláusula 1ª.»
 
A autora construiu, numa área delimitada e localizada do logradouro do prédio urbano da insolvente, o previsto posto de abastecimento (ponto 4 dos factos provados).

O referido posto de abastecimento passou a ser explorado pela insolvente, ao abrigo do contrato de cessão de exploração (ponto 5 dos factos provados).
Todavia, não foi outorgada a escritura pública de constituição do direito de superfície, porquanto a insolvente nunca se mostrou disponível para o efeito (ainda ponto 5 dos factos provados).
           
O artigo 830.º do CC determina que “[s]e alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida”.
Entende-se haver convenção em contrário, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, “se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa”.
O direito à execução específica não pode, no entanto, ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o n.º 3 do artigo 410.º, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito, ou seja, no caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir.

A execução específica do contrato-promessa, que se efetiva através de uma ação constitutiva destinada a produzir os efeitos da declaração negocial do contraente faltoso[4], consiste em o tribunal emitir uma sentença que produza os mesmos efeitos jurídicos da declaração negocial que não foi emitida, operando-se assim a constituição do contrato definitivo[5].
Por outras palavras, «fica a decisão judicial tendo valor igual ao do contrato prometido, cujos efeitos produz»[6].

No caso vertente, atento o não cumprimento da promessa por parte da insolvente, recorreu a autora à execução específica a fim de obter a satisfação do seu direito por via judicial, tendo o tribunal declarado «validamente celebrado entre a A. e a R. o contrato pelo qual a Segunda constituiu a favor da primeira, pelo preço de um milhão de escudos, durante 25 anos, o direito de superfície sobre a área de 1000m2 de um terreno para construção, sito (…)».
Contrariamente ao afirmado pela recorrente, o que foi decidido, não foi a declaração de que o contrato-promessa de constituição do direito de superfície foi validamente celebrado entre autora e insolvente, mas «validamente celebrado entre a A. e a R. o contrato pelo qual a Segunda constituiu a favor da primeira, (…), durante 25 anos, o direito de superfície sobre a área de 1000m2 de um terreno para construção».
A sentença proferida transitou em julgado em 11 de outubro de 2001 e ficou a valer como título de constituição do direito de superfície, com igual eficácia à que teria a respetiva escritura pública.
Como esclarece Inocêncio Galvão Teles[7], «[v]erdadeiramente, a sentença tanto substitui a declaração do faltoso, que a recusa, como a da outra parte, que estaria disposta a emiti-la. A sentença é um sucedâneo ou substitutivo do contrato prometido, tendo natureza e estrutura diversa, como acto jurisdicional, mas gerando efeitos idênticos aos do contrato prometido. Trata-se de um caso de intervencionismo judicial na regulação de interesses privados; o juiz substitui-se às partes nessa regulação, que não se torna possível pelo jogo espontâneo das suas vontades, dada a resistência oferecida por uma delas. A lei fala de execução específica para significar que se consegue resultado igual ao do contrato prometido, sem ou mesmo contra a vontade do contraente remisso».
 Daí que, contrariamente ao afirmado pela recorrente, a sentença proferida não tem efeitos ex tunc. Os seus efeitos produzem-se a partir do seu trânsito em julgado.

Isto posto, constituído o direito de superfície por decisão judicial com igual eficácia à que teria a respetiva escritura pública, só a partir da data do respetivo trânsito em julgado se poderá contabilizar o decurso do prazo de 25 anos para o exercício do aludido direito.
Ora, tal prazo ainda não decorreu na sua totalidade, porquanto, tendo-se iniciado naquela data, só terminará em outubro de 2026.

A argumentação da recorrente de que «[r]esulta expressamente da cláusula segunda do contrato-promessa de cessão de exploração que o prazo de 25 anos desse direito começaria a contar a partir da data de instalação daquele estabelecimento comercial (o posto de abastecimento de combustíveis)» e «[a]ssim sendo, tendo resultado provado que a exploração do posto de abastecimento foi iniciada em dezembro de 1993, não obstante, nessa data, não terem sido, ainda, outorgados os contratos definitivos, foi a partir do mês dezembro de 1993, que se iniciou a contagem do prazo do direito de superfície a favor da Autora», atendendo apenas ao que resulta do teor da cláusula segunda do contrato-promessa de cessão de exploração, parece olvidar o que a própria recorrente sustenta (no ponto IX das conclusões do recurso) – e resulta, quer do teor do contrato-promessa de constituição de direito de superfície, em cuja epígrafe, se refere «concomitante com o contrato-promessa de cessão de exploração», quer da cláusula quarta do contrato-promessa de cessão de exploração (“A prometida cessão de exploração caducará se entretanto e por qualquer razão a 1ª Outorgante deixar de ser titular do direito de superfície referido na cláusula 1ª.”) –  que, «[c]om a celebração simultânea dos dois contratos promessa, ambos ficaram umbilicalmente ligados entre si, não existindo um sem o outro, uma vez que o objetivo pretendido pelas partes, quando prometeram constituir o direito de superfície, foi que a Autora/Recorrida, investida desse direito, construiria um posto de abastecimento de combustíveis para, depois, o ceder à exploração à Insolvente, dona/proprietária do prédio, ficando a duração dessa exploração dependente da existência do direito superficiário da Autora/Recorrida, ambos com a duração de 25 anos», do que decorre que o referido prazo só poderia iniciar-se com a constituição do direito de superfície a favor da autora.
Não se compreende, de resto, a alegação da recorrente de que «tendo resultado provado que a exploração do posto de abastecimento foi iniciada em dezembro de 1993, não obstante, nessa data, não terem sido, ainda, outorgados os contratos definitivos, foi a partir do mês dezembro de 1993, que se iniciou a contagem do prazo do direito de superfície a favor da Autora», quando tal direito não existia, à data, na esfera jurídica da autora, e só foi constituído por decisão judicial transitada em julgado em outubro de 2001, com a duração de 25 anos.
Improcede, assim, o presente recurso, sem mais considerações, por desnecessárias.
***
III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
***
 Custas do recurso pela recorrida (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
 Notifique.
                                   
Guimarães, 4 de novembro de 2025

Susana Raquel Sousa Pereira – Relatora      
Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade – 1ª Adjunta
José Alberto Martins Moreira Dias – 2º Adjunto
           

[1] Assim, Fernando A. Ferreira Pinto e Diogo Pessoa, Comentário ao Código Civil Direito das Coisas, Universidade Católica Editora, outubro 2021, p. 657, nota 10.
[2] Assim, LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, 8.ª Edição, Almedina. Pp. 211-212.
[3] Obra citada, p. 666.
[4] Assim, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª Edição, Lex, Lisboa 1997, p. 611. 
[5] Assim, LUIS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. I, 3.ª Edição, janeiro 2003, Almedina, p. 229.
[6] Assim, INOCÊNCIO GALVÃO TELES, Manual dos Contratos em Geral refundido e actualizado, Coimbra Editora, 2002, p 221.
[7] Obra citada, p. 221, nota 224.