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PESSOA COLECTIVA
PENA DE MULTA
QUANTITATIVO DIÁRIO
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário
I - O quantitativo diário da pena de multa aplicada a uma pessoa coletiva deve ser fixado em função da concreta situação económica e financeira da mesma, sendo insuficiente, para estabelecer tal quantitativo, o raciocínio segundo o qual “não se tendo apurado dados atuais concretos da arguida pessoa coletiva, mas encontrando-se a mesma ainda em laboração, e tratando-se de uma pessoa coletiva, entende-se ser de fixar a taxa no valor de 10 euros”. II - O tribunal está obrigado, na falta de elementos que lhe permitam desenhar o quadro da situação económica da pessoa coletiva, a encetar todas as diligências que julgue necessárias para apurar essa matéria, sob pena de, não o fazendo, a sentença padecer do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº 2, al. a), do C. P. Penal). III - Não constando dos autos qualquer elemento de prova, designadamente prova documental, que permita ao tribunal de recurso a modificação da decisão sobre a referida matéria de facto (cfr. o disposto no artigo 431º, al. a), do C. P. Penal), a existência do apontado vício e a consequente impossibilidade de decidir a causa determinam o reenvio do processo para novo julgamento (apenas quanto à questão da fixação do quantitativo diário da pena de multa a aplicar à sociedade arguida).
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
1 - RELATÓRIO
A – Decisão Recorrida
No processo comum singular nº 281/23.1T9ADV, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo de Competência Genérica de Almodôvar, submetidos a julgamento nos termos da acusação formulada pelo MP, foram condenados os arguidos (transcrição):
NA PARTE CRIMINAL - ACUSAÇÃO PÚBLICA:
Pelo exposto, julgo a acusação pública provada e procedente e, em consequência, decido: A. Condenar a arguida H LDA, na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de € 10,00, perfazendo o montante global de € 2.400,00, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 107.º, n.º 1 e 2, 105.º, n.ºs 1, 4, alíneas a) e b), e 16.º, por referência aos artigos 2.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1 e 22.º, n.º 2 todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, anexo à Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e ainda ao artigo 42.º, n.º 1, da Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, e artigos 10.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, 26.º, 30.º, 79.º e 73.º do Código Penal; B. Condenar o arguido H na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, perfazendo o montante global de € 780,00, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 107.º, n.º 1 e 2, 105.º, n.ºs 1, 4, alíneas a) e b), e 16.º, por referência aos artigos 2.º, n.º 1 e 6.º, n.º 1 e 22.º, n.º 2, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, anexo à Lei n.º 15/2001, C. Condeno os arguidos a efectuar o pagamento do valor de 16.084,54 euros (dezasseis mil e oitenta e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos), a título de perda de produtos e vantagens a favor do Estado. D. Condenar os arguidos no pagamento das custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC para cada um (artigos 513.º, nºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1 do C.P.P. e artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e da tabela III anexa), reduzidas para metade atenta a confissão efectuada. *
Deposite (artigo 372.º, n.º 5, do C.P.P.).
NA PARTE CÍVEL
Pelo exposto e de harmonia com as disposições legais supra indicadas, julga-se totalmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado pelo INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL I.P., em consequência: a) condena-se os arguidos, aqui demandados, H e H LDA solidariamente a pagar ao demandante INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL I.P., a quantia de 16.084,54 euros (dezasseis mil e oitenta e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos), e acréscimos legais, acrescida dos juros, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido até efectivo e integral pagamento; b) custas a cargo dos demandados (artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 523.º do C.P.P.), fixando-se o valor da causa cível em 16.084,54 euros (dezasseis mil e oitenta e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos).
Registe.
B – Recurso
Inconformada com o assim decidido, recorreu a arguida, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição):
A. O Tribunal deverá firmar a sua convicção, positiva e negativa, na análise crítica, ponderada e global da prova produzida em audiência de julgamento, bem assim como dos documentos juntos aos autos e examinados em audiência, tudo devidamente apreciado com base nas regras da experiência comum e da normalidade da vida (cfr. art. 127.º do Cód. Proc. Penal). B. A arguida está numa situação real de insolvência, cujo preparação de processo para apresentação à insolvência está em curso. C. A sociedade não tem ativo, tendo passivo que ronda um milhão em dívida aos credores.
D. Pelo que, a falta de liquidez da sociedade é patente, o que, aliás, foi determinante para o incumprimento do plano de pagamentos que foi requerido junto da Segurança Social, conforme ampla prova documental constante dos autos e junta na fase de inquérito.
E. A variação da taxa diária visa assegurar o princípio da igualdade de ónus e sacrifícios e consequente eficácia preventiva da pena de multa, de forma a esbater a crítica de que o impacto desta pena nos condenados não é homogéneo, variando em função dos meios económicos de cada um.
F. A multa, enquanto pena criminal, deve sempre representar um sacrifício para o condenado, porém, não pode retirar-lhe o mínimo necessário e indispensável à satisfação das suas necessidades básicas e às do seu agregado familiar.
G. Conforme disposto no artigo 47.º do Código Penal, n.º 2, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 5 e (euro) 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
H. Assim, a arguida sociedade, ora Recorrente, deve ver reduzida a pena de multa no número dias e sempre à taxa diária de cinco euros, alterando-se a decisão com redução do valor da multa aplicada à arguida, considerando os factos provados, a situação de insolvência da mesma e os critérios legais a ter em consideração, aplicáveis às circunstâncias. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. não deixarão de doutamente suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e deverá a sentença posta em crise ser revogada e substituída por decisão que condene a Arguida numa pena de multa de menor valor, nomeadamente, com redução do número de dias e à taxa diária de cinco euros.
C – Resposta ao Recurso
O M. P, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
i. A pessoa colectiva arguida não se conformando com a Douta sentença recorrida, veio da mesma interpor recurso, no que concerne à medida da pena de multa a que foi condenada de 240 dias de multa, à taxa diária de € 10,00 perfazendo o montante global de € 2.400,00. ii. Nos presentes autos, os factos foram cometidos na forma continuada entre setembro de 2018 a setembro de 2022 e a vantagem do crime foi de valor elevado. iii. Na fundamentação da Douta sentença recorrida consta o seguinte: “Não se tendo apurado dados actuais concretos da arguida pessoa colectiva, mas encontrando- se a mesma ainda em laboração, e tratando-se de uma pessoa colectiva, entende-se ser de fixar a taxa no valor de € 10,00”. iv. Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. 3282/19.0T9GMR.G1 de 05-06-20242
“(…) 2. No caso de uma pessoa colectiva, como uma sociedade comercial, há que atender à totalidade dos proveitos de exploração, deduzidos os respectivos custos e impostos, bem como quaisquer encargos com o seu financiamento, porque só desse modo se percebe a existência de lucro ou de prejuízo de exploração; 3. Omitindo a sentença factos que permitam apurar a situação económica e financeira da sociedade arguida, padece a mesma do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, a) do Código de Processo Penal, cujo conhecimento é oficioso. (…)” v. Na Douta sentença recorrida, se o Tribunal a quo considerou que “Não se tendo apurado dados actuais concretos da arguida pessoa colectiva, mas encontrando-se a mesma ainda em laboração, e tratando-se de uma pessoa colectiva, entende-se ser de fixar a taxa no valor de € 10,00”, podia e devia ao abrigo do artigo 340.º do C.P.P., oficiosamente determinar as diligências idóneas a apurar a actual situação económica e financeira da sociedade arguida, e não o tendo feito, não podia presumir uma determinada condição económica somente pelo facto de a sociedade arguida estar “ainda em laboração”. vi. Se o Tribunal a quo tivesse encetado tais diligências, teria detectado os concretos lucros/prejuízos e dívidas actuais da sociedade arguida, e em consequência faria consignar expressamente essa situação na fundamentação da sentença recorrida respeitante à medida da pena de multa, nos termos do n.º 5 in fine do artigo 90.º-B do Código Penal. vii. Assiste razão à pessoa colectiva arguida quanto refere que não foi considerada, na fundamentação da Douta sentença recorrida, a sua concreta e actual situação económica e financeira na determinação da medida de pena de multa. viii. Assim, a sentença recorrida padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, a) do Código de Processo Penal. ix. Acresce ainda, que a taxa diária fixada na Douta sentença recorrida para a pessoa colectiva arguida viola o limite mínimo estabelecido no n.º 5 do artigo 90.º-B do Código Penal, que estabelece para as pessoas colectivas o quantitativo diário mínimo de € 100,00. x. Desta forma, ao contrário do alegado pela Recorrente, impõe-se subir a taxa diária fixada de € 10,00 para € 100,00 em conformidade com o disposto no º 5 do artigo 90.º-B do Código Penal. xi. Pelo exposto, deverá ser dado parcial provimento ao Recurso interposto pela pessoa colectiva arguida, alterando-se parcialmente a Douta sentença recorrida, no que concerne à consideração da sua concreta e actual situação económica e financeira na fundamentação da medida da pena de multa aplicada à Recorrente; e quanto ao limite mínimo do quantitativo diário estipulado no º 5 do artigo 90.º-B do Código Penal, o qual, não foi observado pelo Tribunal a quo. Nestes termos, deverá ser dado parcial provimento ao Recurso interposto pela pessoa colectiva arguida alterando-se parcialmente a Douta sentença recorrida no que concerne à medida da pena de multa aplicada à Recorrente, por não ter sido considerada a sua concreta e actual situação financeira e por o limite mínimo do quantitativo diário estipulado no º 5 do artigo 90.º-B do Código Penal não ter sido observado pelo Tribunal a quo, fazendo-se, desta forma, a desejada e costumada Justiça.
D – Tramitação subsequente
Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que pugnou pela insuficiência da decisão recorrida quanto à determinação da pena de multa a aplicar à recorrente, pugnando, por isso, pelo reenvio dos autos à 1ª instância, apenas quanto a esta questão, ou seja, a fixação do quantitativo diário da pena de multa a aplicar à arguida ora recorrente
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
2 - FUNDAMENTAÇÃO
A – Objecto do recurso
De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que a recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Na verdade e apesar de a recorrente delimitar, com as conclusões que retira das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.
A questão colocada pela recorrente prende-se com a aplicação de uma multa mais baixa, seja no número de dias, seja no seu quantitativo diário.
B – Apreciação
Definida a questão a tratar, importa considerar o que se mostra fixado, em termos factuais, pela instância recorrida.
Aí, foi dado como provado o seguinte:
I. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO (………………………………………….)
Das condições pessoais dos arguidos:
1. O arguido HÉLDER CRISTINA nasceu em (………….).
2. Vive com a mãe, em casa própria do arguido.
3. Paga mensalmente a título de água, luz e gás, aproximadamente a quantia de 150,00 euros (cento e cinquenta euros).
4. Despende a quantia mensal de 500,00 (quinhentos) euros a título de crédito para aquisição de habitação própria e permanente.
5. Despende ainda a quantia mensal de 117,49 (cento e dezassete euros e quarenta e nove cêntimos) euros título de crédito para aquisição de veículo automóvel.
6. Afirmou que declara auferir o valor de 875,00 euros mensais, contudo não aufere mensalmente tal valor pois a empresa onde trabalha, a aqui arguida H LDA, não tem liquidez para o efeito.
a. Factos não provados
Com relevância para a boa decisão da causa, não ficou por provar qualquer facto.
B.1. Da pena de multa aplicada à arguida
Invoca a recorrente estar numa situação de insolvência, sem activo e com um passivo a rondar um milhão de euros, assim solicitando uma redução da multa que lhe foi aplicada, seja no número de dias, seja no seu quantitativo diário, a concretizar na taxa diária de cinco euros, conforme disposto no nº2 do Artº 47 do C. Penal, que estipula que tal pena deve ser fixada em função da situação económica e financeira do condenado
A este nível, escreveu-se na decisão recorrida (transcrição):
O abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo artigo 87. ° n.ºs 1 e 3 do R.G.I.T., é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias (limite mínimo 10 dias – art. 12.º n.º 1 do R.G.I.T.).
Por força do disposto no art. 12.º, n.º 3 do RGIT, quando a pena de multa seja aplicada a uma pessoa colectiva, os seus limites mínimos e máximo elevam-se para o dobro. O que, in casu, pela conjugação do disposto no art. 105.º, n.º 1 e 12.º, n.º 2 e 3 do RGIT a moldura penal abstractamente aplicável à arguida pessoa colectiva é uma pena de multa a situar entre 40 e 720 dias.
*
No caso concreto, não foram apuradas quaisquer outras circunstâncias modificativas, agravantes ou atenuantes que impliquem a modificação ou alteração da moldura do crime em apreço para além da já operada.
* a. DA ESCOLHA DA PENA PRINCIPAL DE PRISÃO OU PENA DE MULTA
O artigo 70.º do C.P. estabelece que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. O sistema punitivo português tem, como primeiro objectivo, um efeito pedagógico e ressocializador, sendo a pena detentiva ou privativa da liberdade encarada como a ultima ratio. De facto, as finalidades da punição prendem-se, essencialmente e primeiramente, com uma função pedagógica e ressocializadora, visando a recuperação social do delinquente.
Neste sentido, e segundo Figueiredo Dias, “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa (…) e a sua efectiva aplicação” (Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Aequitas, Editorial Notícias, pág. 331). Com efeito, à escolha da pena presidem apenas considerações e finalidades exclusivamente preventivas, com prevalência dada à prevenção especial de socialização. No caso em concreto, não obstante o arguido H tenha uma condenação averbada ao seu registo criminal, a verdade é que à data da prática dos factos que aqui importam o mesmo não tinha sofrido qualquer condenação no âmbito do processo criminal, por isso é tido o mesmo por primário. Verifica-se ainda a ausência de antecedentes criminais relativamente à arguida, inexistindo assim particulares exigências de prevenção especial a acautelar. Posto isto, considera este Tribunal que a aplicação ao arguido H de uma pena não privativa da liberdade se mostra perfeitamente adequada e suficiente para acautelar as necessidades de punição aqui reclamadas, razão pela qual este Tribunal opta pela aplicação de uma pena de multa. Atendendo à natureza jurídica da arguida H LDA, por se tratar de uma pessoa colectiva, não há lugar à operação de escolha da pena aplicável, sendo, necessariamente, uma pena de multa. * b. DA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA PENA PRINCIPAL
Segundo o art. 71.º do C.P., a determinação da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. A culpa reflecte a vertente pessoal do crime, assegurando que a pena não irá violar a dignidade da pessoa do arguido, sendo esta limite inultrapassável da pena (artigos 40.º, 70.º e 71.º do C. P.). Por outo lado, nunca a medida da pena poderá descer a um nível inferior às exigências de prevenção evidenciadas no caso concreto.
As exigências de prevenção na determinação da pena reflectem-se em dois domínios: (i) no domínio da sociedade, visando restabelecer nela a confiança na norma violada e a sua vigência (prevenção geral positiva); (ii) no domínio pessoa do agente, tentando a sua reintegração e o respeito pelas normas jurídicas (prevenção especial positiva).
Entre o limite máximo da pena, fixado pela culpa, e o limite mínimo, determinado pelas necessidades de prevenção geral positiva, actuam as necessidades de prevenção especial de socialização, de modo a que a pena evite, tanto quanto possível, a quebra da inserção social do agente e permita a sua reintegração na sociedade (cfr. Figueiredo Dias, cf. «Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime», Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 321 a § 334).
Estes vectores da medida da pena são concretizados pelos factos de determinação da medida concreta da pena que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Alguns desses factores são elencados no art. 71.º, n.º 2 do C.P., a título exemplificativo. Sendo assim, na determinação da medida concreta da pena valorar-se-ão o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade dolosa do agente, as suas condições pessoais, a sua conduta anterior e posterior ao facto, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente, ou contra ele, tendo em conta as exigências de futuros crimes.
Desde logo, o Tribunal deverá atender ao princípio da proibição da dupla valoração, mediante o qual não devem ser apreciadas, na determinação da medida da pena, circunstâncias que integrem o tipo de crime, na medida em que já foram tomadas em consideração pelo legislador quando tipificou a conduta.
Assim, neste caso, e como factores de graduação da pena importa considerar: Em desfavor dos arguidos:
- as necessidades de prevenção geral são elevadas, considerando a necessidade de garantir uma correcta utilização dos dinheiros públicos, e a própria subsistência da segurança social.
- O grau de ilicitude é elevado, atendendo ao modo como os mesmos foram praticados pela arguida e referidas circunstâncias, e o lapso temporal decorrido (essencialmente considerando os montantes retidos e não entregues à Segurança Social, bem como a forma reiterada/continuada com que a sua conduta se pautou)
- O dolo, na sua modalidade mais intensa de dolo directo.
- as consequências dos factos é considerável, considerando que da sua conduta resultou um prejuízo para o erário público no montante total de € 16.84,54 euros
- conduta posterior aos factos: os arguidos não restituíram ao Estado qualquer quantia. A favor dos arguidos:
- quanto ao arguido H, as suas condições pessoaisque resultaram provadas e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, apenas abonando a seu favor a sua inserção familiar, profissional e social.
- as necessidades de prevenção especial são reduzidas, atento a que os arguidos não sofreu condenações no âmbito de procedimento criminal.
Assim, e depois de tudo devidamente ponderado, e atentos os critérios do art. 71.º do C.P., julga-se proporcional e adequado, condenar:
- o arguido H, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos art. 6.º (arguida singular), 7.º (arguida pessoa colectiva) e 107.º, n.º 1 e 2 do R.G.I.T., por referência ao art. 105.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, na pena de 120 dias de multa;
- a arguida H LDA, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos art. 6.º (arguida singular), 7.º (arguida pessoa colectiva) e 107.º, n.º 1 e 2 do R.G.I.T., por referência ao art. 105.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, na pena de 240 dias de multa.
*
Cumpre, por ora, determinar o quantitativo de cada dia de multa, o qual pode ser fixado numa quantia entre 5 euros e 5000 euros, em relação às pessoas colectivas, e entre € 1,00 e os € 500,00, em relação às pessoas singulares, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (cf. artigo 15.º n.º 1 do R.G.I.T..), visando-se salvaguardar o princípio da igualdade de sacrifícios e a eficácia preventiva da multa que nunca pode criar o sentimento de «impunidade» no agente e na comunidade.
No que se reporta ao seu quantitativo diário, sublinha o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8 de março de 2017, processo n.º 415/09.9GASPS.C1, disponível em www.dgsi.pt, que «Na fixação da taxa diária da pena de multa o tribunal tem que atender à situação presente para adequar a pena de multa de modo a não fixar uma pena nem que seja de cumprimento impossível, nem que se traduza numa quase absolvição.».
Posto isto, indubitável é que para a determinação do montante diário devido deverá pois, para além de se ter presente que a mesma deve implicar um sacrifício para o arguido, atender-se à situação económica do mesmo e aos seus encargos pessoais.
Não se tendo apurado dados actuais concretos da arguida pessoa colectiva, mas encontrando-se a mesma ainda em laboração, e tratando-se de uma pessoa colectiva, entende-se ser de fixar a taxa no valor de € 10,00.
Atento a situação económica do arguido, afigura-se como ajustado fixar a taxa diária no valor de € 5,00 (cinco euros), para a pena de multa que lhe é aplicada.
Tudo visto e ponderado, o Tribunal considera justa, adequada e proporcional a aplicação:
- o arguido H, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos art. 6.º (arguida singular), 7.º (arguida pessoa colectiva) e 107.º, n.º 1 e 2 do R.G.I.T., por referência ao art. 105.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), perfazendo o montante total de 600,00€ (seiscentos euros).
- a arguida H LDA, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos art. 6.º (arguida singular), 7.º (arguida pessoa colectiva) e 107.º, n.º 1 e 2 do R.G.I.T., por referência ao art. 105.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de 10,00 € (dez euros), perfazendo o montante total de 2.400,00€ (dois mil e quatrocentos euros).
*
A situação dos autos apresenta-se clara e evidente.
Ao nível da concretização da pena de multa a aplicar à sociedade arguida e ora recorrente, nomeadamente, no que toca ao seu valor diário, o tribunal a quo fez constar que “Não se tendo apurado dados actuais concretos da arguida pessoa colectiva, mas encontrando-se a mesma ainda em laboração, e tratando-se de uma pessoa colectiva, entende-se ser de fixar a taxa no valor de € 10,00”.
Como é sabido, na fixação da pena de multa, por força do estatuído no Artº 47 do C. Penal, ter-se-á de atender à situação económica e financeira do condenado, com vista à aplicação de uma pena justa e adequada, para que aquele a sinta como uma verdadeira pena, por um lado, mas que não constitua, a desmerecer tais aspectos, uma sanção injusta, por ser, na prática, de cumprimento impossível.
Daí que o tribunal esteja obrigado, na falta de elementos que lhe permitam desenhar o quadro dessa situação económica que é mister aferir, encetar todas as diligências que julgue necessárias para apurar essa matéria, sob pena de, não o fazendo, incorrer num quadro de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto na al. a) do nº2 do Artº 410 do CPP.
O tribunal recorrido, salvo melhor opinião, assim não procedeu, fixando um valor por se tratar de uma pessoa colectiva e ainda estar em laboração, critérios que são manifestamente insuficientes e não correspondem à exigência daquele comando legal, na medida que presumem uma determinada situação económica somente pelo facto de a ora recorrida se encontrar em laboração.
Como bem se refere no aresto citado pelo MP na sua resposta, do Tribunal da Relação de Guimarães, de 05/06/24, proferido no Proc. 3282/19.0T9GMR.G1:
“1. O quantitativo diário da pena de multa aplicada a pessoa singular ou pessoa colectiva, deve ser fixado em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos;
2. No caso de uma pessoa colectiva, como uma sociedade comercial, há que atender à totalidade dos proveitos de exploração, deduzidos os respectivos custos e impostos, bem como quaisquer encargos com o seu financiamento, porque só desse modo se percebe a existência de lucro ou de prejuízo de exploração;
3. Omitindo a sentença factos que permitam apurar a situação económica e financeira da sociedade arguida, padece a mesma do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, a) do Código de Processo Penal, cujo conhecimento é oficioso.
4. Não constando dos autos qualquer elemento de prova designadamente, prova documental que permita ao tribunal de recurso a modificação da decisão sobre esta matéria de facto (cf. o artigo 432.º a) do Código de Processo Penal), a existência do apontado vício e a consequente impossibilidade de decidir a causa, determino o reenvio do processo para novo julgamento apenas quanto à questão da fixação do quantitativo diário da pena de multa aplicada á Sociedade arguida.”
Ora, ainda que dos autos constem alguns elementos documentais em relação à saúde financeira (ou falta dela), da ora recorrente, a verdade é que a antiguidade dos mesmos não assegura qualquer rigor na percepção dessa realidade que, como sabemos, é dinâmica e, nalguns casos bastante volátil, de maneira que não é possível, a esta instância de recurso, com a prova junta ao processo, determinar a situação económica da recorrente à data da decisão condenatória.
Cabe pois ao tribunal recorrido apurar essa concreta situação económica da arguida, os seus lucros ou prejuízos e as dívidas que sobre ela recaiam, fazendo consignar tais matérias da factualidade provada, para depois, em sede de determinação concreta da pena, se mostrar justificada o que então decidir, sempre naturalmente, como bem nota o MP na sua resposta, com escrupuloso cumprimento do estatuído no nº5 do Artº 90-B do C. Penal, que estipula que o quantitativo diário mínimo para uma multa a aplicar a uma pessoa colectiva é de € 100,00, pelo que, também aqui, a decisão recorrida não respeita esse comando legal, quando condenou a recorrente numa taxa diária de € 10,000.00.
Preceitua o artº 410°, nº 2, do CPP, que, “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) - A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) - A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) - Erro notório na apreciação da prova”.
Dispõe ainda o seu nº 3, que, “o recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada”.
Como ressalta do nº2 do citado Artº 410, a norma reporta-se aos vícios intrínsecos da decisão, como peça autónoma, verificáveis pelo simples exame do seu texto ou por esse exame conjugado com as regras da experiência comum, sendo por isso evidente que os ditos vícios têm de resultar da decisão recorrida considerada na sua globalidade, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos que à mesma sejam estranhas, ainda que constem dos autos.
Daí que não possa invocar-se a existência de qualquer um dos vícios enumerados nas alíneas do referido nº2 apelando para elementos não constantes da sentença, como seja, por exemplo, um documento junto aos autos, ou um depoimento prestado em audiência, ainda que os depoimentos se achem documentados como é o caso dos autos.
São vícios que não podem ser confundidos - apesar de assim suceder com frequência - com o erro de julgamento, que resulta de uma errada apreciação da prova produzida ou da insuficiência desta para fundamentar a decisão recorrida.
O vício da insuficiência para a matéria de facto provada, resulta da circunstância de o tribunal não ter esgotado os seus poderes de indagação relativamente ao apuramento da matéria de facto essencial, ou seja, quando o tribunal, podendo e devendo investigar certos factos, omite este seu dever, conduzindo a que, no limite, não se possa formular um juízo seguro de condenação.
O conceito de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão (Cfr. o Acórdão do STJ de 04/10/2006, proc. 06P2678, Rel. Santos Cabral, in www.dgsi.pt).
Refere-se, por isso, à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito (e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova) e ocorre quando, nas palavras de Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, Editorial Verbo, 2000,pág. 340, “a matéria de facto se apresenta como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deviam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão”
Também no Ac. do STJ de 03/07/02, Proc. nº 1748/02-5ª se refere que a insuficiência “decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão”, ou seja, quando da decisão revidenda resulta que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição.
Ou seja, como é referido por inúmeras decisões jurisprudenciais, “a insuficiência para a decisão da matéria de facto, enquanto vício desta, com as consequências a que conduz – o reenvio do processo para novo julgamento quando não for possível decidir da causa, conforme consagra o nº 1, do artigo 426º, do CPP - não se identifica nem com a eventual insuficiência da prova produzida para se poder ter por assente a factualidade apurada pelo tribunal recorrido, nem com a dos factos provados para a decisão que está em causa, antes concerne à impossibilidade de permitir uma qualquer decisão segundo as várias soluções plausíveis para a questão. Se os factos provados permitem uma decisão, ainda que com orientação diferente da prosseguida, não estamos perante a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, mas, eventualmente, face a erro de julgamento e de subsunção dos factos provados ao direito.”
Esta é a situação dos autos, como exposto, na medida em que na determinação do valor concreto da multa a aplicar à recorrente, o tribunal recorrido não se fez acompanhar de factualidade bastante que apoiasse tal decisão, que a suportasse de acordo com os critérios plasmados no Artº 47 do C. Penal.
Nesta medida, existe uma efectiva e real omissão de pronúncia em relação aos factos alusivos à real e concreta situação económica e financeira da arguida, decisivos para a escolha e determinação da sanção, assim se concluindo que a sentença padece do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão (de direito), tal qual enunciado pelo Artº 410 nº2 al. a) do CPP.
Com os factos dados como provados em relação à situação económica da recorrente, não é possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, no que toca à determinação da pena, impondo-se, consequentemente, a averiguação dos factos em aferição, ou seja, da condição económica e financeira daquela.
Padecendo a sentença recorrida do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, tal implica a anulação parcial do julgamento e o reenvio do processo para que se proceda à reabertura da audiência de julgamento com vista a apurar o que supra se referenciou, elaborando-se em seguida nova sentença em consequência do que ali tenha sido apurado, tudo nos termos combinados dos Artsº 410 nº2 al. a), 426 nº1 e 426-A, todos do CPP.
Perante isto, fica obviamente prejudicado o conhecimento do recurso da arguida, no sentido de aferir da justeza e adequação da pena que lhe foi aplicada pelo tribunal a quo.
3 - DECISÃO
Nestes termos, determina-se, ao abrigo do Artº 426 nº1, do CPP, o reenvio do processo para novo julgamento, para o apuramento da concreta situação económica e financeira da recorrente, com a prolação de nova sentença, face ao que então se apurar.
O tribunal recorrido concretizará a aplicação do disposto no Artº 426-A do CPP.
Em consequência, fica prejudicado o conhecimento do recurso.
Sem custas.
xxx Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que a presente decisão foi elaborada pelo relator e integralmente revista pelos signatários.
Évora, 14 de outubro de 2025
Renato Barroso
Helena Bolieiro
Renata Whytton da Terra