ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
CONDENAÇÕES ANTERIORES NÃO TRANSITADAS EM JULGADO
ESCOLHA DA PENA
MODO DE EXECUÇÃO DA PENA
Sumário

I - Por força do disposto no artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação. A consideração da sentença condenatória não transitada em julgado no elenco dos factos provados afeta o estatuto de presumido inocente do arguido e, como tal, não pode servir de agravante na definição da pena ou da modalidade da sua execução em condenação posterior.
II - A sentença que considere a condenação penal não transitada em julgado no elenco dos factos provados (atribuindo-lhe, por esta via, uma relevância que a lei proíbe), e a tenha em conta na escolha da pena e na decisão sobre o modo da respetiva execução, padece do vício de erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, al. c), do C. P. Penal).
III - Ficando o vício decisório expurgado com a supressão do facto indevidamente considerado e da fundamentação de direito que a ele se refere, e tendo em conta que as únicas questões a decidir consistem em saber se poderá ser aplicada ao arguido pena não privativa da liberdade e, em caso negativo, se a pena aplicada deverá ser executada em meio prisional ou em regime de obrigação de permanência na habitação, nada impede que o tribunal de recurso conheça da causa, assim se evitando o reenvio do processo.

Texto Integral


Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.

Nos presentes autos de processo especial sumário que correm termos no juízo local criminal de Portimão, juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto no artigo 3.º, nºs 1 e 2 do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão.


Inconformado, o arguido recorreu, tendo apresentado, após a motivação, as seguintes conclusões (não se considerando aqui a nulidade arguida no recurso interposto e que derivaria da omissão de gravação de um depoimento, porquanto o arguido, expressamente, veio requerer que, nesta parte, o recurso seja desconsiderado pelos motivos que indica no seu requerimento de 24/06/2025):

I. O Arguido, AA, limitou-se a mobilizar a viatura cerca de dois metros, efetuando a manobra de marcha atrás, justamente para permitir a saída de outro veículo do parque de estacionamento onde se encontrava.

II. O Arguido, atuando motivado pelo facto supramencionado, apenas mobilizou a viatura, facto este que não é contrariado por qualquer prova, mesmo a testemunhal.

III. Demonstra-se ter sido procedida a uma assunção factual relativamente ao sucedido, em virtude dos próprios antecedentes do Arguido.

IV. Tal constando do próprio auto de notícia e dos restantes factos carreados aos autos, o que, inevitavelmente, introduz um elemento de subjetividade na forma como o mesmo observa, interpreta e relata os factos que agora são imputados ao Arguido.

V. Vendo-se assim prejudicada a perceção do próprio agente da autoridade, desde logo será de apurar a imparcialidade do agente da autoridade do próprio agente da autoridade.

VI. A este circunstancialismo acresce um elemento de risco adicional: o de que a atuação do agente em causa, ainda que inconscientemente, seja orientada por uma expectativa de reiteração de comportamentos ilícitos por parte do Arguido, independentemente da realidade objetiva dos factos.

VII. Ressaltam vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova pelo simples confronto dos factos considerados provados, por força do depoimento da referida testemunha.

VIII. De reforçar nitidamente aqui, o princípio in dubio pro reo nos termos do disposto do artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual, no âmbito da decisão de factos incertos a dúvida deverá favorecer o Arguido.

IX. A medida da pena, dentro da moldura penal abstrata, deve ser estabelecida entre as exigências da prevenção geral positiva, correspondendo às expectativas e exigências da comunidade, a culpa em concreto do Agente e todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do mesmo, assim como a expectativa da sua reintegração social.

X. Nestes termos, in casu, as necessidades de prevenção poderão afastar a possibilidade de suspensão da pena, mas não descartam a aplicação de pena privativa da liberdade em regime de permanência na habitação.

XI. Não se vislumbra vantagem no que concerne à garantia das finalidades de prevenção geral de reafirmação do bem jurídico penal e de defesa da comunidade com o Arguido, ora Requerente, a cumprir pena de prisão em estabelecimento prisional em 1 (um) ano de 7 (sete) meses.

XII. Do mesmo modo, não se vislumbra vantagem ou o apropriado alcance da mesma no que respeita à plena, responsável e efetiva ressocialização do Arguido.

XIII. A casa onde reside o Arguido possui todas as condições técnicas exigidas para a implementação da fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, tendo a autorização e o consentimento da sua companheira, para que sejam ali implementados os meios técnicos de

fiscalização.

XIV. No caso, não se trata de lícito típico de alarme social significativo, porquanto se afere uma pena mínima, atenta a própria natureza do bem jurídico tutelado.

XV. Sabido é que o Arguido é experiente, nunca causou qualquer acidente ou prejuízo a terceiros, nem colocou qualquer outra pessoa em situação de perigo.

XVI. O Arguido, ora Recorrente, ademais de demonstrar-se arrependido, confessou os factos e esclareceu os mesmos, assumindo uma postura colaborante e de cooperação.

XVII. Mais, revela estar socialmente inserido há largos anos em território nacional, possuindo bons laços familiares, prezando essa mesma estrutura composta pela sua companheira e pelos seus filhos.

XVIII. Ademais, a aplicação deste regime demonstra-se forçosamente necessária por força da condição pessoal e financeira do Arguido e do seu agregado, deste atualmente inteiramente dependente.

XIX. Submetido o Arguido a cumprimento de pena em estabelecimento prisional, tal acarretará incomportável situação financeira à sua família, projetando-se a necessidade de recurso por parte da sua companheira a benefícios de apoio social e outros, cuja concessão não será, todavia, possível garantir.

XX. Tal coloca a família do Arguido, composta pela sua companheira e pelos filhos menores em manifesta situação de precariedade social e financeira, com todas as consequências que daí, naturalmente e com elevada probabilidade, se preveem.

XXI. A manutenção da Douta Sentença, em nada mais se traduzirá do que em situação de manifesto prejuízo, quer no que concerne à própria não ressocialização do Arguido, mas sobretudo à situação pessoal, social e financeira da sua família e do seu outro filho ainda residente no estrangeiro, como também do próprio Estado, nas amplas vertentes que aqui se explanam.

XXII. Insta a aplicação do cumprimento da pena em regime de permanência na habitação desde que devidamente fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância, mormente reforçada pela prestação de trabalhos a favor do Estado ou outra que se demonstre complementar, realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

XXIII. Termos em que, esta situação poderá ser ultrapassada com uma pena não privativa da liberdade, com a atribuição de regras e imposições específicas e concretas à ressocialização do Arguido ou, em ultima ratio, pena privativa da liberdade, nos seus limites legais, permanecendo o Arguido na sua habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, al. c) do CP, somente com a concessão de saídas autorizadas para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, sentido em que não se levantam também obstáculos, visto o Arguido prestar a atividade para entidade específica.

XXIV. Por todo o exposto, subsumindo todos os factos acima referidos, deve ser revogada a decisão condenatória por manifestamente excessiva no que concerne ao modo de execução da pena, operando-se a sua substituição nos referidos termos, coadunando-se com as pretensões expostas.

Respondeu o Ministério Público, que apresentou, após a motivação, as seguintes conclusões:

1-O arguido AA foi julgado e condenado neste Tribunal pela prática de crime de condução sem habilitação legal na pena de 1 ano e 7 meses de prisão, a cumprir em meio prisional.

2-Recorre o arguido por discordar da aplicação da pena privativa de liberdade, apresentando motivação de oposição quanto à aplicação da pena de prisão a cumprir em meio prisional.

3- Aderindo na íntegra aos argumentos expendidos pela Mmª Juiz e ao longo CRC do arguido, era forçoso afastar o cumprimento em regime de permanência na habitação, pelo que entendemos que, bem andou a Mmª Juiz ao determinar o cumprimento em meio prisional.

4- Invoca o recorrente os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova;

5- Contudo, salvo o devido respeito, as questões suscitadas por aquele, nada têm que ver com o erro notório na apreciação da prova, nem com a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, enquanto vícios da sentença, mas sim com a divergência do recorrente quanto à convicção que o tribunal formou atentas as provas carreadas para os autos.

6- Os vícios referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo.

7-O erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, consiste num vício de raciocínio na apreciação das provas e que se traduz, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido, tendo em conta as regras da experiência, o que terá que resultar de forma evidente para os olhos do homem médio.

8- A decisão em recurso não padece de qualquer vício de raciocínio na apreciação das provas, não tendo sido suscitadas quaisquer dúvidas acerca da valoração da prova, pelo não foi violado o princípio “in dubio pro reo”.

9- A sentença contém a enumeração dos factos provados e não provados e respectivos motivos que fundamentaram a sua convicção, pelo que cumpriu de forma suficiente e adequada, a publicitação do processo probatório.

10-Inexistindo, no caso em apreço, os invocados vícios, nomeadamente o erro notório na apreciação da prova e as alegadas insuficiências da prova sobre os factos probandos, com a consequente violação do princípio “in dubio pro reo”.

11- Não enfermando, assim, a douta sentença recorrida de qualquer violação dos normativos legais invocados pelo recorrente.

O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu desenvolvido parecer em que conclui pela manutenção da sentença recorrida.


Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, na sequência do que o recorrente respondeu, sustentando a argumentação desenvolvida no recurso, acrescentando, muito em síntese, que o tribunal "a quo" não deu relevo aos depoimentos das testemunhas indicadas pelo arguido, ficando impossibilitado de concluir da caracterização da intencionalidade e dos concretos contornos da atuação do arguido.


Invoca ainda que a sentença recorrida padece de erro notório da apreciação na prova por nela se ter valorizado uma decisão não transitada em julgado (5/25.9...).


Procedeu-se a exame preliminar.


Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.



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II – Fundamentação.


II.I Delimitação do objeto do recurso.


Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do Código de Processo Penal e atendendo à jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, publicado no DR, I-A de 28 de dezembro de 1995, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.


Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.


No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, as questões a apreciar e a decidir consistem essencialmente em:


- Saber a sentença padece dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova;


- Saber se a sentença recorrida violou o disposto no artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que o tribunal "a quo" não recorreu ao princípio do in dubio pro reo;


- Saber se ao arguido poderá ser aplicada pena não privativa da liberdade, e


- Saber se a pena aplicada deverá ser executada em meio prisional ou se o tribunal "a quo" deveria ter optado pelo o seu cumprimento em regime de obrigação de permanência na habitação e não em meio prisional.



*




II.II - A decisão recorrida


A sentença recorrida é, nos segmentos que aqui interessa considerar (factos provados e fundamentação da espécie e medida da pena), do seguinte teor:

A) Factos provados

I.

1. No dia ... de ... de 2025, pelas 15h57m, o arguido AA conduziu o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula … -…-…., então sua propriedade, em zona de estacionamento sita na ..., sem possuir carta de condução que a tanto o habilitasse.

2. O arguido sabia que para conduzir aquele veículo na via pública necessitava de possuir carta de condução emitida por entidade competente, o que o não demoveu de sua conduta.

3. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.

4. O arguido não foi interveniente em acidente de viação na situação referida em 1.

5. O arguido confessou os factos.

6. No dia ........2025, o arguido procedeu à venda do veículo m.i. sob o ponto 1.

II.

7. AA tem relacionamento afetivo marital coeso com BB/... anos, encontrando-se a viver com a companheira há cerca de um ano, integrando o agregado familiar desta, composto também por dois filhos de sua companheira, fruto de anterior relacionamento da mesma, com 16 e 14 anos de idade, ambos estudantes.

8. O agregado reside em casa arrendada pela companheira do arguido, tratando-se de um apartamento de tipologia T3, localizado no núcleo urbano da cidade de Portimão, com boas acessibilidade e dispondo de suficientes condições de habitabilidade.

9. Profissionalmente AA desenvolve em situação irregular biscates como ... de ..., na construção civil, obtendo ganhos ao dia numa base de € 65,00, podendo auferir mensalmente montantes entre € 800,00/€ 900,00.

10. A companheira trabalha como empregada de limpezas num hotel na ..., auferindo cerca de € 820,00, recebendo ainda cerca de € 324,00 de abonos de família dos filhos, aos quais o respectivo progenitor não paga alimentos.

11. As despesas correntes identificadas pelo par com maior expressão dizem respeito à renda da casa (€ 500,00) e outras despesas domésticas, sendo referida situação económica suficiente. Foram também mencionados encargos do arguido devido aos processos judiciais, nomeadamente o pagamento de multas, sendo o pagamento destas últimas efectuado com o apoio da família de ambos.

12. O arguido tem um filho que vive no país de origem, a cargo de familiares maternos, mantendo contactos pontais com o mesmo.

13. A intervenção do sistema judicial por crimes de natureza estradal não é uma ocorrência inédita no percurso de vida do arguido, expressando-se AA sem capacidade de autocrítica face ao tipo de crime ora em causa nos autos e à reiteração de suas condutas, denotando ausência de sentido de responsabilidade face ao comportamento em causa, adoptando uma postura de imaturidade e desvalor, sem capacidade de perspetivar alternativas lícitas no contexto do seu quotidiano.

14. A companheira do arguido tem tido aulas de condução, pontualmente estudam em conjunto, no entanto as limitações na compreensão da língua portuguesa por parte do arguido mantêm-se.

15. O arguido encontra-se desde o dia ........2025 a cumprir uma pena de um ano e seis meses de prisão, em regime de permanência na habitação, fiscalizada com vigilância eletrónica, no âmbito do Proc. nº 227/24.0..., do Juízo Local Criminal de Portimão – Juiz 1, estando autorizado a ausentar-se para trabalhar, nos dias úteis da semana, das 7h00 às 19h00, nas áreas geográficas de Portimão, Albufeira e Faro e a deslocar-se para consultas dentárias.

16. O arguido revela apreensão perante a eventualidade de lhe ser aplicada uma sanção mais gravosa, colocando-se questões práticas em torno de sua colaboração na subsistência do agregado familiar. A companheira do arguido, mantendo o seu apoio ao mesmo, assume uma expressão ambivalente de inquietação e disponibilidade: por um lado, consegue antecipar as necessidades da família, recorrendo ao suporte de elementos da família alargada. Por outro, tem vindo a esperar que o arguido seja mais responsável e aceite a decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal.

17. No Certificado do Registo Criminal do arguido mostram-se averbadas as seguintes condenações:

i. No Proc. n.º 109/22.0..., por sentença proferida a 04.05.2022 e transitada em julgado a 03.06.2022, pela prática a 03.05.2022 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa, pena essa já declarada extinta pelo pagamento;

ii. No Proc. n.º 1902/22.9..., por sentença proferida a 09.10.2023 e transitada em julgado a 25.01.2024, pela prática de dois crimes de condução sem habilitação legal e de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena única de 300 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses (factos praticados a 21.08.2022 e 20.09.2021), tendo a pena acessória sido já declarada extinta pelo cumprimento;

iii. No Proc. n.º 79/23.7..., por sentença proferida a 26.04.2023 e transitada em julgado a 26.05.2023, pela prática a 11.04.2023 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa, pena essa ulteriormente declarada perdoada, sob condição resolutiva, ao abrigo da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08;

iv. No Proc. n.º 104/23.1..., por sentença proferida a 05.06.2023 e transitada em julgado a 05.07.2023, pela prática a 19.05.2023 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 110 dias de multa, pena essa ulteriormente declarada perdoada, sob condição resolutiva, ao abrigo da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08;

v. No Proc. n.º 266/23.8..., por sentença proferida a 13.09.2023 e transitada em julgado a 13.10.2023, pela prática a 03.07.2023 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 3 meses e 20 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com regime de prova contemplando a obtenção das condições necessárias à inscrição em escola de condução, designadamente, a regularização da sua situação em território nacional e aquisição de competências ao nível da língua portuguesa;

vi. No Proc. n.º 106/24.0..., por sentença proferida a 18.06.2024 e transitada em julgado a 03.09.2024, pela prática a 23.05.2024 de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, com regime de prova e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses;

vii. No Proc. n.º 227/24.0..., por sentença proferida a 20.12.2024 e transitada em julgado a 03.02.2025, pela prática a 04.11.2024 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica.

18. O arguido tem ainda pendente contra si o Proc. n.º 5/25.9..., no qual, por sentença proferida a 24.01.2025 e ainda não transitada em julgado por da mesma ter interposto recurso, foi condenado pela prática a 01.01.2025 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão.

B) Factos não provados (…)

19. Que o arguido tivesse agido erradamente convencido de que ao efectuar a manobra referida sob o ponto 1 se não encontrava verdadeiramente a conduzir o veículo e também que tivesse agido erradamente convicto de que por aquele local se destinar ao parqueamento de veículos ali poderia licitamente conduzir o veículo em questão, não obstante não ser titular de carta de condução.

C) Indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção

Na formação da sua convicção o Tribunal atendeu aos meios de prova disponíveis, atentando nos dados objectivos fornecidos pelos documentos juntos aos autos e efectuando a análise das declarações do arguido prestados em audiência de discussão e julgamento.

Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas produzidas.

Concretizando.

O arguido AA, confessou de forma livre, integral e sem reservas os factos pelos quais vem acusado, explicando que apenas conduziu o veículo em causa nos autos, de sua pertença, para efectuar uma manobra de marcha a trás e assim desimpedir a passagem a um outro veículo, cuja condutora buzinava, pois que o seu compadre que até àquele local o conduzira ali o havia deixado mal estacionado para ir a casa levar umas paletes de materiais, tendo então sido surpreendido pela polícia, logo tendo dito não ter carta de condução - o que já resultava do dos prints de fls. 23 e 24, extraídos da consulta efectuada às bases de dados do IMT -, sendo que o arguido denotou compreender que ao assim agir tinha efectivamente conduzido o veículo e que em momento algum alegou ter-lhe passado pela cabeça que por ali se tratar de uma zona de estacionamento, ali poderia licitamente conduzir o veículo em questão.

Importa salientar que, quer pelas suas palavras, quer pela sua postura relaxada e falha de sentido de auto-crítica face aos factos praticados, o arguido denotou desvalorizar sua conduta e não evidenciou quaisquer sinais de real arrependimento, sendo que não o vislumbramos no facto de ter entretanto vendido a viatura em causa, desde logo porquanto se percebeu das suas declarações e das de sua companheira que anteriormente a estes factos o arguido comprou um outro veículo, cujo registo de propriedade efectuou em nome da última, o qual ambos referiram ter sido vendido.

Como assim, o Tribunal dúvidas não teve em dar como provados os factos supra referidos sob os pontos 1 a 5, tendo ainda dado como provada a factualidade referida sob o ponto 6, ante o comprovativo da venda do veículo em causa nos autos, entretanto junto pelo arguido.

No que concerne à evolução pessoal, situação socioeconómica do arguido e seu posicionamento face aos factos praticados, o Tribunal teve essencialmente em consideração o teor do Relatório Social do arguido junto aos autos, o depoimento prestado pela companheira do arguido nesta matéria prestado e, bem ainda, o que lhe foi dado a observar da postura do arguido em sede de audiência de julgamento.

No que aos antecedentes criminais do arguido respeita, atentou-se no teor do seu Certificado de Registo Criminal junto aos autos e das certidões das sentenças de fls. 60 e ss.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Enquadramento Jurídico-penal

O arguido vem acusado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.

Dispõe o n.º 1, do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro que “quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias” e o seu n.º 2 que “se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.”

São elementos objectivos deste tipo de ilícito: a) a acção de condução; b) de veículo a motor (motociclo ou automóvel, no caso do n.º 2); c) em via pública ou equiparada; e d) sem habilitação legal.

No que ao elemento subjectivo deste tipo de ilícito respeita, o mesmo apenas poderá ser preenchido a título de dolo.

Da factualidade provada resulta que o arguido conduziu um veículo ligeiro de passageiros, na via pública (cfr. definição dada pelo artigo 1.º, alíneas v), x) e aa), do Código da Estrada), sem que fosse titular de carta de condução, documento esse que titula a habilitação para conduzir tais veículos (cfr. artigos 121.º, n.ºs 1 e 4 e 123.º, n.º 1 e 125.º, todos do Código da Estrada).

Mais resultou provado que o mesmo quis e decidiu empreender a condução nessas circunstâncias, ciente de que a condução desse veículo na via pública só é permitida a quem se encontra legalmente habilitado para o efeito e de que a sua conduta era por tal proibida e punida por lei, agindo assim de forma livre, deliberada e consciente.

Acresce que se não verificam quaisquer causas justificantes ou excludentes da culpa ou da ilicitude.

Assim, importa concluir que a conduta do arguido integra os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, pelo qual vem acusado.

B) Determinação da pena a aplicar

Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa, agora, nos termos dos artigos 70.º e 71.º do Código Penal, determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar-lhe.

B1) Determinação da medida legal ou abstracta da pena

Nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, conjugado com os artigos 41.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1 do Código Penal, a moldura abstracta da pena aplicável ao crime em causa é de prisão de 1 mês até 2 anos ou pena de multa de 10 até 240 dias.

B2) Escolha da pena

Perante um crime punido com penas alternativas de prisão e multa, cumpre desde logo proceder à escolha da pena a aplicar, escolha na qual o tribunal deverá dar prevalência à pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 70.º do Código Penal).

As finalidades da punição encontram-se expostas no artigo 40.º do Código Penal, que dispõe: “A aplicação de penas (…) visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

São, pois, finalidades de prevenção geral positiva de integração (protecção de bens jurídicos) e de prevenção especial (reintegração do agente) as que se têm em conta na escolha da pena, não se considerando aqui a culpa, que apenas será valorada na determinação da medida da pena.

No que à relação entre os dois tipos de prevenção respeita, é a prevenção especial que deve estar na base da escolha da pena, surgindo aqui a prevenção geral unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico.

No que às exigências de prevenção geral no que ao tipo de crime em causa nos autos as mesmas são elevadas, tendo em consideração que estamos perante um tipo de criminalidade que ocorre com uma frequência cada vez mais elevada a nível nacional, ao que esta Comarca não constitui excepção, e que potencia a ocorrência de sinistros rodoviários, quer porque por regra estes condutores não dominam as técnicas de condução, quer porque por regra desconhecem as normas legais que regulam a circulação estradal.

No que às exigências de prevenção especial respeita, as mesmas mostram-se significativamente elevadas no caso em apreço, atento o passado criminal do arguido, pois que o mesmo regista já oito anteriores condenações transitadas em julgado pela prática de 7 crimes de condução sem habilitação legal e também de 2 crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, quer em penas de multa, quer em penas de prisão suspensas na sua execução, quer em pena de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, tendo ainda pendente contra si um processo no qual foi, ainda que por sentença ainda não transitada em julgado, condenado em pena de prisão efectiva pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, sendo que tudo o não demoveu de reiteradamente continuar a delinquir, praticando no caso em apreço um novo crime de condução sem habilitação legal na pendência de uma pena de prisão suspensa na sua execução, dois dias antes de iniciar o cumprimento de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação e menos de dois meses após ter sido proferida sentença, da qual interpôs recurso, que o condenou em pena de prisão efectiva pela prática a 01.01.2025 de um crime de condução sem habilitação legal, denotando assim uma total ausência de interiorização do desvalor de sua condutas e uma completa indiferença pelas penas que lhe foram sendo aplicadas.

Como assim, importa concluir que a pena de multa se mostra manifestamente desadequada e insuficiente para acautelar a prática pelo arguido de futuros crimes, impondo quer a personalidade do mesmo revelada nos factos praticados, quer as exigências de defesa do ordenamento jurídico, a aplicação ao arguido de uma pena de prisão.

B3) Determinação da medida concreta da pena

Nos termos do disposto no artigo 71.º do Código Penal, a determinação da medida da pena deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor ou contra o agente.

A aplicação das penas visa, reafirme-se, a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva), é a finalidade primeira, que se prossegue no quadro da moldura abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 227/231).

Sendo que, até ao limite máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que vai determinar em definitivo a medida da pena.

Assim, a pena concreta, há-de ser encontrada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, havendo para tanto que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

Posto isto, in casu, assumem relevância para a determinação da medida da pena os seguintes factores:

- O grau da ilicitude dos factos, se em abstracto se situa-se num patamar inferior, a verdade é que, em concreto se mostra elevado, atenta a reiteração deste tipo de conduta revelada no percurso criminal que o arguido vem desenvolvendo;

- A ausência de consequências graves decorrentes de sua conduta, dado que não deu azo à ocorrência de sinistro rodoviário;

- O dolo e a culpa: o arguido agiu sob a forma mais gravosa do dolo, isto é, com dolo directo, mostrando-se a sua culpa significativamente elevada pois que agiu ciente das anteriores condenações já sofridas, as últimas bem recentes, pela prática do tipo de crime ora em causa nos autos, não se deixando sequer motivar pela aplicação de penas já privativas da liberdade;

- O comportamento anterior e posterior aos factos: o percurso criminal que o arguido vem registando – pese embora a sua inserção social e os hábitos de trabalho que regista -, praticando no espaço de cerca de três anos nove crimes relacionados com a circulação estradal – sete dos quais crimes de condução sem habilitação legal - e a personalidade do arguido nele revelada, denotando desconformidade ao Direito, acentuada persistência na prática deste tipo de ilícito e total indiferença em face das sucessivas condenações que vem sofrendo. Saliente-se que a confissão dos factos, quando detido em flagrante delito pela sua prática e sem que a par da mesma se denote interiorização do desvalor de sua conduta ou arrependimento, escasso relevo assume.

Tudo visto e ponderado, entende-se como justa, adequada e proporcional à culpa do arguido e às exigências de prevenção que se fazem sentir, a pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão.

B4) Da não substituição da pena de prisão por prestação de trabalho

Tendo em consideração o passado criminal do arguido, que já sofreu diversas anteriores condenações quer em penas de multa, quer em penas de prisão suspensas na sua execução, quer em penas de prisão efectiva, a substituição da pena de prisão aplicada por prestação de trabalho a favor da comunidade, manifestamente não satisfaz de forma adequada a exigências preventivas que no caso se fazem sentir, quer na perspectiva da manutenção da confiança da comunidade no ordem jurídica instituída, quer na perspectiva das necessidades de prevenção especial, afigurando-se-nos necessária a manutenção da pena de prisão como forma de advertência séria ao arguido que efectivamente o demova da prática de novos ilícitos.

B5) Da não suspensão da execução da pena da pena de prisão

Dispõe o artigo 50.º do Código Penal, o seguinte:

“1. O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. (…)

5. O período da suspensão é fixado entre um e cinco anos.”

A aplicação deste instituto pressupõe, assim, a formulação de um juízo de prognose favorável, que deverá assentar em bases de facto capazes de o suportarem com alguma firmeza. Tal não significa, porém, que o juiz tenha de atingir a certeza sobre o desenrolar futuro do comportamento do arguido.

Com efeito, conforme salienta Figueiredo Dias, " (…) o que está aqui em causa não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, o tribunal deve encontrar-se disposto a correr certo risco – digamos: fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade" (o autor cit., ob., cit., pág. 344, § 521).

No entanto, há ainda que ter em consideração que, "apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial e socialização – a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime”, posto "que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor as socialização em liberdade, que ilumina o instituto em análise" (o autor cit., ob., cit., pág. 344, § 520).

Ora, no caso em concreto, atentos os antecedentes criminais que o arguido regista e a sua personalidade claramente avessa à interiorização do desvalor de suas condutas e indiferente face às diversas intervenções no âmbito da justiça penal que vem sofrendo e que não lograram levar o arguido a alterar o seu comportamento criminógeno, não obstante as sucessivas oportunidades que lhe foram sendo concedidas, não é possível a este Tribunal efectuar um juízo de prognose favorável, antes pelo contrário, tudo leva o Tribunal a considerar existirem razões sérias para duvidar da capacidade do arguido de não voltar a delinquir, caso seja deixado em liberdade.

Por outro lado, as próprias exigências de tutela do ordenamento jurídico reclamam a necessidade da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, porquanto face à persistência da actividade criminosa, mal compreenderia a comunidade que o mesmo não fosse condenado em pena de prisão efectiva.

Como assim, não nos sendo dado a concluir que a simples cesura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não se determinará a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido

Acresce que, face à persistência e reiteração na prática do ilícito em causa nos autos que o arguido vem revelando - não se deixando sequer demover pela pena privativa da liberdade a cumprir em regime de permanência na habitação a que havia sido condenado por sentença proferida em Dezembro de 2024 e transitada em Fevereiro de 2025, nem sequer pela ameaça de uma pena de prisão a cumprir em estabelecimento prisional que, não obstante não transitada em julgado, sobre si pendia desde finais de Janeiro de 2025 -, e à personalidade do arguido reflectida no seu percurso criminal - avessa à interiorização do desvalor de suas condutas e indiferente face às diversas intervenções no âmbito da justiça penal que vem sofrendo -, quer as exigências de prevenção especial, quer as próprias exigências de tutela do ordenamento jurídico, reclamam a necessidade da execução da pena de prisão que ora lhe é aplicada em meio contentor prisional.”


***




II.III - Apreciação do mérito do recurso.


II.III.I – Questão prévia


O recorrente, ao longo da motivação de recurso e em parte das respetivas conclusões, põem em causa a matéria de facto julgada provada por a mesma se fundar essencialmente no depoimento da testemunha CC, agente da Polícia de Segurança Pública, testemunha que, pelos motivos constantes das conclusões III a VI do recurso, reputa de “parcial”. Afirmando ainda que o depoimento não foi devidamente documentado, argui a nulidade insanável com fundamento no artigo 119º, alínea d) do Código de Processo Penal.


Sucede que tal testemunha não depôs na audiência. Na verdade, tal como se retira da respetiva ata, a única testemunha que depôs foi a esposa do arguido, BB. Por tal motivo e por requerimento de 24 de junho de 2025 (apresentado depois de admitido o recurso, mas antes dos autos serem remetidos a este tribunal), veio o recorrente, por reconhecer que “a testemunha não foi inquirida em virtude da renúncia à produção de prova pela confissão dos factos” requerer “a desconsideração da requerida nulidade insanável da sentença proferida, nos termos do disposto no artigo 119.º, alínea d), do Código de Processo Penal”.


Nesta parte, o conhecimento das questões suscitadas no recurso relacionadas com o depoimento da testemunha acima identificada ficam prejudicadas, por o recorrente ter desistido da sua pretensão recursiva, o que lhe é consentido pelo artigo 415º do Código de Processo Penal. Assim, não se conhecerá da arguida nulidade.


O recorrente aponta à sentença recorrida erros de julgamento (artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal) e vícios da decisão (artigo 410º, nº 2 do mesmo código).


Ora, é sabido que constitui princípio geral que as Relações conhecem de facto e de direito (artigo 428 do Código de Processo Penal), sendo que, no tocante à matéria de facto, é também sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro, da impugnação alargada, se tiver sido suscitada, incumbindo a quem recorre o ónus de impugnação especificada, previsto no artigo 412º, nº 3 e 4 do citado diploma, condição para que a mesma seja apreciada e, depois e se for o caso, dos vícios a que alude o artigo 410 nº2 do aludido Código.


O recorrente invoca, na conclusão VIII do recurso, o princípio in dubio pro reo e o preceituado no artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.


Não se descortina a razão de ser desta argumentação. Tal como se retira da sentença e da ata da audiência, os factos da acusação foram julgados provados com base na confissão livre, integral e sem reservas do arguido. Sobre tais factos (e mesmo os demais que o tribunal julgou provados) não pairou qualquer dúvida.


Ora, o princípio “in dubio pro reo” constitui um critério de decisão em caso de dúvida quanto à verificação dos factos, uma regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos. O seu âmbito pressupõe a valoração pelo julgador de toda a prova produzida. Se o resultado desse processo de valoração for uma dúvida – uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos – o juiz terá que decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável ou julgando provado facto que lhe é favorável.


Não se retira da sentença que o tribunal tivesse dúvidas sobre qualquer facto que julgou provado ou não provado, sendo certo que o meio de prova mais relevante considerado pelo tribunal foi a confissão integral e sem reservas feita pelo arguido na audiência.


Como tal e sem necessidade de outras considerações, improcederá, nesta parte, o recurso apresentado.


Também na motivação e algumas conclusões, o recorrente refere-se a vários factos que não constam do elenco dos factos que o tribunal julgou provados e não provados (cf. artigos 3º e seguintes da motivação).


Daqui, poder-se-ia pensar que o recorrente pretende enveredar pela impugnação alargada da matéria de facto.


Mas não é assim.


Como é sabido, o recurso da matéria de facto só pode visar a reparação de erros de julgamento, não cumprindo proceder no tribunal de recurso a um segundo julgamento, ou seja, a uma reapreciação de provas na exata medida em que o fez o tribunal de julgamento. É, desde logo, o que decorre das alíneas a) e b) do artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, que se referem a concretos pontos da decisão de facto a, eventualmente, carecerem de correção com base em provas especificas que imponham decisão diversa da recorrida.


Ora, o recorrente não indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem indica as concretas provas (produzidas) que impõem decisão diversa da recorrida (não observando, pois, o exigido pelo artigo 412º, citado, nº 3, alíneas a) e b).


Por tal motivo, impedido fica este tribunal de conhecer de qualquer impugnação alargada da matéria de facto, devendo atender aos factos que o tribunal julgou provados (sem prejuízo do que resultar da análise dos vícios da decisão).


Quando respondeu ao parecer do Ministério Público junto deste tribunal de Relação, o recorrente voltou a referir-se à circunstância de o tribunal "a quo" não ter dado relevo aos depoimentos das testemunhas indicadas pelo arguido, ficando impossibilitado de concluir da caracterização da intencionalidade e dos concretos contornos da atuação do arguido. Ora, como acima se deixou referido, na audiência apenas foi inquirida uma testemunha que não presenciou os factos. Tal testemunhas (esposa do arguido) depôs apenas quanto à situação pessoal do arguido (tal como se colhe da ata da audiência).


Não há, pois, que conhecer, nesta parte da questão suscitada por a mesma ter como pressuposto provas que não foram produzidas.


Vejamos agora os vícios da decisão.


O conhecimento dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova [(artigo 410º, nº 2 citado, alíneas a) e c)] invocados no recurso e com a feição que ali lhes é dada estão prejudicados. Com efeito, o recorrente invoca tais vícios no artigo 37º da sua motivação nos seguintes termos:

“Subsiste na Douta Sentença, vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova pelo simples confronto dos factos considerados provados, com o teor do depoimento da testemunha, do qual resulta de todo impossível concluir da caracterização da intencionalidade e dos concretos contornos da atuação do Arguido, atendendo à factualidade que efetivamente lhe é subjacente.

A mesma ideia está presente na conclusão VII.


Como se vê, os vícios invocados pelo recorrente pressupõem o depoimento prestado por CC (depoimento que, repete-se, não teve lugar). Ainda assim, por se tratar de matéria de conhecimento oficioso, sempre se dirá que nunca a arguição dos vícios concretamente apontados à decisão vingaria.


Sabidamente, os vícios da decisão estão previstos no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, de onde resulta expressamente que a apreciação acerca da sua existência é restrita ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras de experiência comum. Significa isto que jamais será fundamento de vício qualquer apreciação que extravase do domínio da literalidade da sentença, ou seja, que implique, por exemplo, a apreciação da prova produzida no processo.


O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada verifica-se quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de abril de 2000, Boletim do Ministério da J nº 496, página 169).


Já quanto ao erro notório na apreciação da prova a lei não se basta com a possibilidade de existência de um erro na apreciação da prova (que, tem que resultar, como já referido, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum). Antes exige que o erro seja notório, isto é, ostensivo, evidente, patente, percetível e identificável pela generalidade das pessoas e ocorre, quando as provas revelem claramente um sentido contrário ao que se firmou na decisão recorrida.


É manifesto que não se deteta o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada invocado pelo recorrente. Da sentença constam os factos que definem todos os elementos do tipo incriminador imputado ao arguido e permitem graduar o dolo, a ilicitude e a culpa e todas as circunstâncias pertinentes à determinação da medida da pena.


De outro lado, tendo o tribunal acolhido a confissão integral e sem reservas do arguido feita na audiência e tendo, por via disso, acolhido os factos que constam da acusação e da contestação, não pode haver, como não há, nesta parte, erro notório na apreciação da prova.


Verifica-se, porém, que no elenco dos factos provados, a sentença recorrida dá como provado os seguintes factos

“18. O arguido tem ainda pendente contra si o Proc. n.º 5/25.9..., no qual, por sentença proferida a 24.01.2025 e ainda não transitada em julgado por da mesma ter interposto recurso, foi condenado pela prática a 01.01.2025 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão.”

Mais adiante, na parte em que a sentença se ocupa da escolha da pena, é referido:

No que às exigências de prevenção especial respeita, as mesmas mostram-se significativamente elevadas no caso em apreço, atento o passado criminal do arguido, pois que o mesmo regista já oito anteriores condenações transitadas em julgado pela prática de 7 crimes de condução sem habilitação legal e também de 2 crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, quer em penas de multa, quer em penas de prisão suspensas na sua execução, quer em pena de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, tendo ainda pendente contra si um processo no qual foi, ainda que por sentença ainda não transitada em julgado, condenado em pena de prisão efectiva pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, sendo que tudo o não demoveu de reiteradamente continuar a delinquir, praticando no caso em apreço um novo crime de condução sem habilitação legal na pendência de uma pena de prisão suspensa na sua execução, dois dias antes de iniciar o cumprimento de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação e menos de dois meses após ter sido proferida sentença, da qual interpôs recurso, que o condenou em pena de prisão efectiva pela prática a 01.01.2025 de um crime de condução sem habilitação legal, denotando assim uma total ausência de interiorização do desvalor de sua condutas e uma completa indiferença pelas penas que lhe foram sendo aplicadas (sublinhado nosso).

Mais adiante, na parte da sentença em que se fundamenta a não suspensão da execução da pena de prisão, pode ler-se:

Acresce que, face à persistência e reiteração na prática do ilícito em causa nos autos que o arguido vem revelando - não se deixando sequer demover pela pena privativa da liberdade a cumprir em regime de permanência na habitação a que havia sido condenado por sentença proferida em Dezembro de 2024 e transitada em Fevereiro de 2025, nem sequer pela ameaça de uma pena de prisão a cumprir em estabelecimento prisional que, não obstante não transitada em julgado, sobre si pendia desde finais de Janeiro de 2025 -, e à personalidade do arguido reflectida no seu percurso criminal - avessa à interiorização do desvalor de suas condutas e indiferente face às diversas intervenções no âmbito da justiça penal que vem sofrendo -, quer as exigências de prevenção especial, quer as próprias exigências de tutela do ordenamento jurídico, reclamam a necessidade da execução da pena de prisão que ora lhe é aplicada em meio contentor prisional”(sublinhado nosso).

O artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa estabelece que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação. Deste princípio, que encontra réplica nos artigos 11º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 6º, nº 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 48º, nº 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, decorrem outros como o “in dubio pro reo”. Mas o princípio da presunção de inocência é mais amplo do que aquele outro. Impõe-se ao tribunal desde o início do processo e até ao seu termo. Este termo consiste, justamente, no trânsito em julgado da decisão condenatória.


A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (artigo 628º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal).


Enquanto assim não for, não pode a condenação começar a ser executada, nem pode ela servir de agravante na definição da pena ou da modalidade da sua execução em condenação posterior. A afetação do estatuto de presumido inocente do arguido apenas se pode fazer através de mecanismos específicos, designadamente, os que regulam a aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial. Para quaisquer outros efeitos, a condenação penal não transitada em julgado constitui um “não facto”.


No caso presente, a sentença recorrida não só considerou a condenação penal não transitada em julgado no elenco dos factos provados (atribuindo-lhe, por esta via, uma relevância que, pelos motivos expostos, não tem), como a considerou na escolha da pena e na decisão sobre o modo da respetiva execução.


Acima deixou-se referido, relativamente ao erro notório na apreciação da prova, que a lei não se basta com a possibilidade de existência de um erro na apreciação da prova. Antes exige que o erro seja notório, isto é, ostensivo, evidente, patente, percetível e identificável pela generalidade das pessoas e ocorre, quando as provas revelem claramente um sentido contrário ao que se firmou na decisão recorrida. É tempo de acrescentar que cai no vício do erro notório da apreciação da prova julgar provado um facto com relevância para a determinação da espécie e medida da pena em violação de prescrições legais perentórias, como é o caso presente.


Deste modo, os factos descritos em 18 devem ser eliminados do elenco dos factos provados. Por consequência, deverão ser eliminadas também quaisquer referências feitas na fundamentação de direito à condenação a que alude aquele ponto da matéria de facto provado. Tais referências são as que acima se deixaram transcritas e sublinhadas.


Reconhecido vício da decisão, o tribunal de recurso deve determinar o reenvio do processo para novo julgamento na primeira instância, exceto se o vício puder ser suprido na instância de recurso. Neste caso, compete ao tribunal de recurso suprir o vício e decidir da causa (artigo 410º, nº 1 do Código de Processo Penal).


Ora, considerando que o vício fica expurgado do modo acima referido (suprimindo da matéria de facto e da fundamentação de direito o que delas não deveria constar) e tendo presente que as únicas questões que resta decidir consistem em saber se poderá ser aplicada ao arguido pena não privativa da liberdade e, em caso negativo, se a pena aplicada deverá ser executada em meio prisional ou em regime de obrigação de permanência na habitação, nada impede que este tribunal conheça da causa, assim se evitando o reenvio do processo.


O recorrente, na conclusão XXIII, aventa a adequação de uma pena não privativa da liberdade “com a atribuição de regras e imposições específicas e concretas à ressocialização do arguido” para, logo de seguida, sustentar que, a ser aplicada pena privativa da liberdade, deve estar se executada em regime de permanência na habitação. Neste particular (de aplicação de pena privativa da liberdade) o recorrente não põe em causa a medida da pena aplicada pelo tribunal recorrido.


Cumpre, antes de mais, conhecer da questão da escolha espécie da pena.


Têm-se aqui por reproduzida a matéria de facto julgada provada e as considerações que o tribunal "a quo" teceu a propósito da determinação da espécie e medida da pena (expurgadas dos factos descritos em 18 e as considerações que acima se deixaram sublinhadas).


Recorda-se apenas que o crime cometido pelo arguido é punível com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.


Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 70º do Código Penal).


A aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40º, nº 1 do Código Penal). Como se lê na sentença recorrida, são finalidades de prevenção geral positiva de integração (proteção de bens jurídicos) e de prevenção especial (reintegração do agente) as que se têm em conta na escolha da pena, não se considerando aqui a culpa, que apenas será valorada na determinação da medida da pena.


No caso presente, tendo em conta os antecedentes criminais do arguido, avultam as exigências de prevenção especial. Com efeito e como abaixo se analisará com maior pormenor, o arguido já sofreu várias condenações pela prática de crimes rodoviários (condução sem habilitação legal e condução em estado de embriaguez), tendo sido punido quatro vezes com multa, duas vezes com penas de prisão suspensas na sua execução e uma vez com pesada pena de prisão (1 ano e 6 meses) a ser executada em regime de permanência na habituação. Esta última condenação transitou em julgado em 3 de fevereiro de 2025. O crime pelo qual o arguido responde nos presentes autos foi cometido em março de 2025. É, pois, evidente (o que nos dispensa maior fundamentação), que a condenação do arguido em pena de multa substituída por qualquer pena de substituição legalmente admissível não corresponde às exigências de prevenção especial. O mesmo se diga da substituição da pena de prisão aplicada por pena de substituição (v.g. a suspensão da execução de pena ou prestação de trabalho a favor da comunidade – artigos 50 e 58º do Código Penal, respetivamente).


Aqui chegados, analisemos a última questão suscitada no recurso: deverá a pena aplicada ser executada em meio prisional ou, como pretende o recorrente, sob o regime de obrigação de permanência na habitação.


O artigo 43º do Código Penal dispõe, no segmento que aqui interessa considerar:

1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:

a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;

b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;

c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º

2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.

3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.

Tendo sido aplicada pena inferior a 2 anos de prisão, está preenchido o requisito previsto na alínea a). A questão que se impõe resolver consiste em saber se a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.


Já se referiu que as penas visam a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40º, nº 1 do Código Penal). Em especial, a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (artigo 42º, nº 1 do mesmo código).


Pode, pois, afirmar-se que, observados que estejam os demais requisitos legais, a pena de prisão deve ser executada em regime de permanência na habitação se tal for adequado e suficiente para promover a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, designadamente, para o afastar da prática de novos crimes e de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável.


Analisando os factos provados no seu conjunto e sem prejuízo do que se dirá mais adiante, verifica-se que o arguido tem uma inserção familiar isenta de problemas. Trabalha de modo irregular na construção civil. Vive com companheira e dois filhos desta. Os rendimentos da companheira (provenientes do trabalho e abono de família) ascende a €1 144,00. Por seu lado, a renda de casa é de €500,00.


Os antecedentes criminais do arguido são muito relevantes e demonstram que a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão. Assim:

• O arguido já sofreu sete condenações pela prática de nove crimes rodoviários. Concretamente, pela prática de dois crimes de condução em estado de embriaguez e sete crimes de condução de veículo sem habilitação legal;

• Os crimes foram cometidos entre 20 de setembro de 2021 e 11 de março de 2025 (este o crime pelo qual o arguido responde neste processo). Dentro deste período, o arguido cometeu crimes:

– Em 2022: dias 3 de maio e 21 de agosto;

– Em 2023: dias 11 de abril, 19 de maio e 3 de julho;

– Em 2024: 23 de maio e 4 de novembro.

• O arguido foi condenado quatro vezes em penas de multa. Depois, por duas vezes, foi condenado em penas de prisão suspensas na sua execução, a última das quais (pena de 1 ano suspensa na sua execução) transitou em julgado no dia 3 de setembro de 2024. Dois meses e um dia depois desta data (isto é, no decurso da suspensão da execução daquela pena), em 4 de novembro de 2024, o arguido voltou a cometer um crime de condução sem habilitação legal pelo qual foi condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão a cumprir em regime de obrigação de permanência na habitação. A sentença que aplicou esta pena transitou em julgado no dia 3 de fevereiro de 2025. Não obstante, 36 dias depois desta data, o arguido incorreu no crime pelo qual responde neste processo.


Todos estes factos evidenciam bem que as finalidades da execução da pena de prisão não ficam asseguradas com o regime de obrigação de permanência na habitação, impondo-se, por isso, a execução da pena em causa em meio prisional.



***




III- Dispositivo.


Por tudo o exposto, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

a. Julgar verificado o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal (ainda que por razões diversas das invocadas pelo recorrente);

b. Suprir tal vício eliminado dos factos provados os que estão descritos em 18 da sentença recorrida e bem assim as partes que da sentença que a tal facto se referem e que estão bem identificadas no presente acórdão;

c. Condenar o arguido AA, com os demais sinais identificadores constantes dos autos, como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, previsto no artigo 3.º, nºs 1 e 2 do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão, cujo cumprimento efetivo se determina;


Condena-se o recorrente em taxa de justiça que se fixa em três unidades de conta (artigo 513, nº 1 do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais).



*


(Redigido com apelo ao Acordo Ortográfico - ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redação original-).

(Processado em computador pelo relator e revisto integralmente pelos signatários).





Évora, 11 de novembro 2025


Henrique Pavão


Maria Gomes Perquilhas


Helena Bolieiro