CONTRA-ORDENAÇÃO
ELEMENTOS DA INFRACÇÃO
ELEMENTO SUBJECTIVO
NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
Sumário

I - A decisão da autoridade administrativa não é uma sentença penal, nem tem que obedecer ao formalismo da sentença penal.
II - Na fase administrativa do processo de contraordenação, caracterizada pela celeridade e simplicidade processuais, o dever de fundamentação tem uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal, comportando a decisão administrativa um modo sumário de fundamentar, desde que permita ao coimado perceber o que se decidiu e por que razão assim se decidiu.
III - Constando da decisão da autoridade administrativa a afirmação de facto de que o coimado, com a sua conduta, “não agiu com a diligência necessária ao cumprimento das obrigações legais a que estava adstrito e de que era capaz, não se descortinando quaisquer factos que retirem censurabilidade à sua conduta ou que excluam a ilicitude da mesma”, está suficientemente descrito o elemento subjetivo da infração praticada.

Texto Integral



ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


1. RELATÓRIO

A – Decisão Recorrida

No recurso de impugnação judicial nº 56/25.3T9FAL, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo de Competência Genérica de Ferreira do Alentejo, e tendo o arguido J sido condenado pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave, p.p., pelos Artsº 22 e 26 nº1 al. f) do DL nº 147/2008, de 29/07, sancionável nos termos do Artº 22 nº4 al. a) da LQCA, na coima de € 10.000,00 (dez mil euros), aplicada pela Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), foi proferida a seguinte decisão (transcrição):

Questão prévia
Analisados os autos, constata-se a existência de uma questão prévia determinante para o prosseguimento dos autos, a qual é de conhecimento oficioso e que, em qualquer caso, já foi expressamente suscitada pelo recorrente no recurso interposto (cf. fls. 61-62).
Por outro lado, o Ministério Público (único afectado desfavoravelmente pelo sentido da decisão) já se pronunciou no sentido de não se opor a que a decisão seja proferida através de simples despacho, nos termos do art. 64.º, n.º 2 do RGCO (cf. fls. 88).
Assim, atendendo a que a decisão se mostra favorável ao recorrente (não comprometendo os seus direitos de defesa), cumpre, desde já, analisar e decidir, de modo a evitar a prática de actos inúteis.

Da nulidade da decisão administrativa por insuficiência de matéria de facto para a decisão (elemento subjectivo)
Dispõe o art. 58.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo DL n.º 433/82 de 27-10 (“RGCO”) que “a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) a identificação dos arguidos; b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) a indicação das normas segundo quais se pune e a fundamentação da decisão; d) a coima e as sanções acessórias”.
Para que estejamos na presença de uma contra-ordenação é necessário, atento o disposto nos arts. 1.º e 8.º do RGCO, para além do mais, que estejamos perante um facto ilícito praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
Não cabe ao arguido/recorrente alegar e provar que actuou sem dolo ou negligência, antes se impondo à entidade administrativa o ónus de alegar os factos dos quais se depreenda que a actuação daquele foi dolosa ou negligente.
Para que se faça prova do dolo ou da negligência é necessário que sejam alegados factos que, uma vez provados e demonstrados, permitam concluir ter existido, em concreto, dolo ou negligência (esta última nos casos especialmente previstos na lei – cf. art. 8.º, n.º 1 do RGCO).
Tais factos implicam, por sua vez, a atribuição de um determinado comportamento ao recorrente susceptível de preencher, de forma suficiente, a exigência subjectiva da norma sancionatória, de modo a que o arguido se possa defender da imputação que lhe é feita na decisão administrativa.
A actuação a título de neglicência (admissível pelo tipo sancionatório subjacente aos autos – cf. art. 9.º, n.º 2 da Lei n.º 50/2006, de 29-08) carece, ainda, de ser factualizada na decisão administrativa de modo a que o julgador conclua se o arguido actuou com negligência consciente ou inconsciente (cf. art. 15.º do Cód. Penal, ex vi art. 32.º do RGCO).
Ora, ao nível da imputação subjectiva, age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, conforme as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, não chega sequer a representar a possibilidade de realização típica (negligência inconsciente – cf. al. b) do art. 15.º do Cód. Penal), bem como quem, de forma ilícita e censurável, representa como possível a realização típica, mas actua sem se conformar com essa realização (negligência consciente – cf. al. a) do art. 15.º do Cód. Penal).
No plano da culpa, a mesma implica uma “atitude interna de descuido ou leviandade perante o Direito e as suas normas” (cf. Figueiredo Dias, in Direito Penal - Parte Geral, Tomo I, 3.ª edição, pág. 1043).
Nessa medida, somente poder-se-á afirmar o conteúdo da culpa própria da negligência quando o agente, apesar da sua capacidade pessoal, não use do cuidado necessário para evitar o resultado cuja produção concebeu como possível ou poderia ter previsto como possível.
Volvendo ao caso dos autos, analisada a decisão administrativa proferida, mormente os factos dados como provados, concluímos que, com relevância para a questão em análise, apenas se deu como provado que:
«f) O Arguido, exercendo uma actividade da qual resultam, necessariamente, impactos no meio natural, tinha obrigação de conhecer e acatar todos os enquadramentos legais em que a mesma poderia ser, validamente, exercida, in casu o DL n.º 147/2008, de 29 de julho;
g) Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária no cumprimento das obrigações legais a que estava adstrito e de que era capaz, não se descortinando quaisquer factos que retirem censurabilidade à sua conduta ou que excluam a ilicitude da mesma.»
No caso concreto, a prática da contra-ordenação parece ser imputada ao recorrente a título de dolo (é o que parece resultar do ponto “V. Sanção”, segmento “Culpa”, a fls. 54), mas tal imputação vem desacompanhada de elementos de facto que permitam elucidar como é que o arguido actuou, de modo a subsumir a conduta praticada numa das modalidades de negligência.
Efectivamente, apesar de resultar da decisão administrativa que o recorrente não actuou com a diligência a que se encontrava obrigado e de que era capaz (concretamente de constituir uma garantia financeira que assegurasse a responsabilidade ambiental inerente à actividade desenvolvida pelo recorrente), nada mais decorre sobre a concreta actuação do recorrente.
Concretamente, não se refere se, ao não usar do cuidado necessário, o recorrente representou, ou não, como possível a realização típica e se actuou, ou não, sem se conformar com essa realização.
No primeiro caso, a sanção seria imputada a título de negligência consciente (o mais elevado grau de censura) e, no segundo caso, a título de negligência inconsciente (com um menor grau de censura).
Note-se que não se trata de uma conclusão lógica que possa ser retirada dos restantes factos vertidos na decisão administrativa, pois a matéria aqui em causa versa legislação ambiental, cujo conteúdo axiológico não é linear, quando contraposta com as normas punitivas de matéria penal: toda a gente o sabe que quem matar outrem incorre num crime de homicídio, mas nem todos têm consciência de que ao não contratar um garantia financeira que assegura a responsabilidade ambiental inerente à actividade de reparação automóvel incorre, necessariamente, numa contra-ordenação ambiental.
Assim, sem a alegação de uma factualidade concreta da qual resulte se o recorrente representou, ou não, como possível que ao omitir os deveres de cuidado incorria na infracção que lhe é imputada e se, ainda assim, se conformou, ou não, com essa possibilidade, não se mostra possível enquadrar de Direito o comportamento do arguido.
Tal factualidade era, assim, essencial não só para o preenchimento das exigências subjectivas do tipo, mas também para a definição da medida concreta da coima a aplicar (cf. art. 18.º do RGCO).
Os factos não alegados não poderão oficiosamente ser dados como provados, na medida em que é a matéria factual descrita na decisão administrativa e no próprio recurso de impugnação judicial que delimita o objecto processual, pelo que tal omissão não pode ser integrada em julgamento, conforme deflui da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (AUJ n.º 1/2015) e que não pode deixar se estender ao domínio contra-ordenacional, sob pena de se desvirtuar a estrutura acusatória que também impera no direito contra-ordenacional.
Nessa medida, considera-se que os factos descritos na decisão administrativa não são suficientes para que se dê por provado o elemento subjectivo da infracção, o que sempre conduzirá à nulidade da decisão administrativa e ao arquivamento dos autos (o que cumpre determinar) – cf. Ac. TRE de 23-04-2024, p. 1190/23.0T8OLH.E1. Em sentido idêntico, cf. Ac. TRP de 27-11-2024, p. 2659/24.4Y9PRT.P1 (ambos disponíveis em dgsi.pt).
A decisão desta questão torna inútil a apreciação do mérito da causa em si.
Em face do acima exposto, julga-se procedente o presente recurso de impugnação judicial interposto por J e, em consequência, decide-se julgar nula e de nenhum efeito a decisão administrativa proferida, a 18-10-2024, pelo Exmo. Senhor Inspector-Geral do IGAMAOT.
As custas judiciais ficam a cargo do erário público (art. 94.º, n.º 4 do RGCO), sem prejuízo de se notificar o recorrente para, em 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso (cf. art. 8.º, n.ºs 7 e 8 do Regulamento da Custas Processuais).
Notifique e deposite (art. 372.º, n.º 5 do Cód. Proc. Penal, aplicável ex vi art. 41.º, n.º 1 do RGCO).
Após o trânsito em julgado, comunique e envie certidão da presente decisão, nos termos do disposto no art. 70.º, n.º 4 do RGCO.
Oportunamente, após o trânsito em julgado, arquive.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o Ministério Público concluindo as suas motivações da seguinte forma (transcrição):

1.ª Em 03.06.2025 o tribunal a quo, proferiu sentença que julgou nula e de nenhum efeito a decisão administrativa proferida, a 18.10.2024 pelo Ex.mo Senhor Inspetor-geral do IGAMAOT e, após o trânsito, determinou o seu arquivamento.
2.ª Decidiu o tribunal a quo não apreciar o mérito do recurso por entender que na matéria de facto não se encontra descrito o elemento subjetivo.
3.ª O Ministério Público não concorda e não se conforma com a decisão proferida;
4.ª Da matéria dada como provada resulta clara a imputação da prática da infração e dos factos que integram o elemento subjetivo - negligência, designadamente da conjugação de todos os factos dados como provados.
5.ª Da decisão administrativa constam como provados os seguintes factos:
b) O proprietário da oficina era J (ora Arguido);
c) O Arguido não detinha qualquer garantia financeira (Apólice de Seguro, Garantia Bancária, Fundo Ambiental ou Fundo Próprio), que lhe permitisse assegurar a responsabilidade ambiental inerente à atividade que desenvolvia;
d) A GNR advertiu o Arguido para a obrigatoriedade de constituir uma garantia financeira;
e) A 18/10/2019, o Arguido constituiu um seguro de responsabilidade civil, contudo não acautela a responsabilidade ambiental inerente à atividade por si desenvolvida no âmbito do DL n.º 147/2008, de 29 de julho;
f) O Arguido, exercendo uma atividade da qual resultam, necessariamente, impactes no meio natural, tinha obrigação, de conhecer e acatar todos os enquadramentos legais em que a mesma poderia ser, validamente, exercida, in casu o DL n.º 1,47/2008, de 29 de julho;
g) Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária no cumprimento das obrigações legais a que estava adstrito e de que era capaz, não se descortinando quaisquer factos que retirem censurabilidade à sua conduta ou que excluam a ilicitude da mesma. [negrito e sublinhado nosso].
6.ª No segmento da decisão administrativa sob a epígrafe Culpa consta:
Pela matéria provada considera-se a conduta do Arguido subsumível na alínea a) do artigo 15.º do Código Penal aplicável ex vi do art. 32.º do RGCC2, termos em que, tendo violado o dever de cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, é sancionável a título de negligência, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º da LQCA.
7.ª Da decisão administrativa proferida pelo IGAMAOT resulta da matéria de facto que sendo o arguido alguém que atua, a título profissional, em determinado ramo de atividade, é exigível que conheça os diferentes regimes jurídicos que lhe são aplicáveis, mormente em área tão sensível como o caso do direito do ambiente, pelo que quer em momento de análise de defesa, quer em momento de factos provados ou de determinação de sanção tudo foi acautelado pela Inspeção-Geral para efeitos de descrição do elemento subjetivo (e objetivo).
8.ª Da matéria de facto resulta que o arguido foi advertido e ainda assim não adequou o seu comportamento em conformidade [cfr. als. c), d) e e)] e que o arguido não agiu com a diligência necessária no cumprimento das obrigações legais a que estava adstrito e de que era capaz [cfr. al. g), dos factos provados].
9.ª A decisão administrativa não é uma sentença, nem tem que obedecer ao formalismo da sentença penal.
10.ª É entendimento pacífico que na fase administrativa do processo de contraordenação, caracterizada pela celeridade e simplicidade processual, o dever de fundamentação tem uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal, comportando a decisão administrativa um modo sumário de fundamentar, desde que permita ao coimado perceber o que se decidiu e por que razão assim se decidiu;
11.ª Constando da decisão administrativa que integra os autos, a afirmação de facto de que o arguido não agiu com a diligência necessária para cumprir as suas obrigações legais, e a conclusão de facto de que o arguido agiu negligentemente;
12.ª Tendo o arguido, através da impugnação judicial que deduziu, revelado perfeito entendimento dos factos que lhe foram imputados na decisão administrativa e do título a que o foram, fica demonstrado que a fundamentação da decisão foi suficiente para permitir o exercício do direito de defesa e portanto, que a mesma observou as exigências do art. 58º, nº 1 do RGCOC.
13.ª Assim, (…) contém, (…), a descrição factual – objectiva e subjectiva – bastante para preencher o tipo objectivo e subjectivo da contra-ordenação nela imputada.
14.ª Toda a decisão administrativa vale como acusação, e não apenas os seus factos dados como provados, devendo ser entendida no seu todo.
15.ª É de um rigor excessivo (e sem qualquer justificação legal) afirmar um vício omissivo apenas porque determinado elemento da decisão condenatória em contraordenação não se encontra descrito no ponto da fundamentação de facto, sendo apenas descrito mais à frente num ponto posterior ao juízo subsuntivo.
16.ª A descrição factual constante da decisão administrativa é suficiente para que o arguido conheça os factos que lhe são imputados, e nesse âmbito também é suficiente para que se possa defender adequadamente.
17.ª A decisão do Tribunal a quo violou as normas dos artigos 1.°, 8.°, n.° 1, 41.°, 58.°, 62.°, n.°1, do RGCO, do artigo 22.º e alínea f), do n.º 1 do artigo 26.º do DL n.º 147/2008, de 29 de julho, artigos 13.°, 14.° e 15.°, do Código Penal e artigos 374.°, e 283.°, n.° 3, do Código de Processo Penal.
18.ª Face ao exposto, deverá o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente substituição por outra que, admitindo o recurso, o decida de mérito.
19.ª Caso assim se não entenda, o que só por mera cautela e sem conceder se aduz, e se
entenda que a decisão administrativa proferida padece do vício invocado, uma vez que tal vício é sanável, deverá ser ordenado o envio do processo à autoridade administrativa com vista à prolação de nova decisão, para suprimento dessa nulidade.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente pelo Venerando Tribunal ad quem assim se fazendo a necessária e costumada JUSTIÇA!

C – Resposta ao Recurso

Não houve resposta ao recurso.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista à Exmª Procuradora-Geral Adjunta, que se limitou a colocar o seu visto.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.


2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, impostas pelos Artsº 410 e 379 do CPP.
Por outro lado, em sede contravencional, os tribunais de recurso apenas conhecem de direito, nos termos do Artº 75 nº3 do D.L. 433/82 de 27/10.
O objecto do recurso cinge-se, assim, às conclusões do recorrente, nas quais solicita que o despacho recorrido seja substituído por outro que admita o recurso e o decida de mérito, ou, se assim não se entender, que os autos sejam reenviados à autoridade administrativa com vista à prolacção de nova decisão com suprimento da nulidade que ali se aponta.

B – Apreciação

Definidas as questões a tratar, de natureza eminentemente jurídica, importa dizer desde já que assiste inteira razão ao recorrente.

Entendeu o tribunal a quo que a decisão administrativa padecia do vício da insuficiência da matéria de facto para a condenação, na medida em que dela não constava, a nível factual, o preenchimento do elemento subjectivo da contraordenação em causa.
Com o devido respeito, não lhe assiste razão.
Dos factos plasmados na decisão administrativa consta o seguinte:
a) No dia 20/11/2018, pelas 10H00, na (…..), no decorrer de uma ação de patrulhamento no âmbito da "Operação Oficina Limpa", a GNR de Aljustrel (Núcleo de Proteção Ambiental) procedeu a uma fiscalização de uma oficina de reparação automóvel;
b) O proprietário da oficina era J (ora Arguido);
c) O Arguido não detinha qualquer garantia financeira (Apólice de Seguro, Garantia Bancária, Fundo Ambiental ou Fundo Próprio), que lhe permitisse assegurar a responsabilidade ambiental inerente à atividade que desenvolvia;
d) A GNR advertiu o Arguido para a obrigatoriedade de constituir uma garantia financeira;
e) A 18/10/2019, o Arguido constituiu um seguro de responsabilidade civil, contudo não acautela a responsabilidade ambiental inerente à atividade por si desenvolvida no âmbito do DL n.º 147/2008, de 29 de julho;
f) O Arguido, exercendo uma atividade da qual resultam, necessariamente, impactes no meio natural, tinha obrigação, de conhecer e acatar todos os enquadramentos legais em que a mesma poderia ser, validamente, exercida, in casu o DL n.º 1,47/2008, de 29 de julho;
g) Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária no cumprimento das obrigações legais a que estava adstrito e de que era capaz, não se descortinando quaisquer factos que retirem censurabilidade à sua conduta ou que excluam a ilicitude da mesma. [negrito e sublinhado nosso].

Da matéria de facto constante da decisão administrativa proferida pela IGAMAOT, resulta, com clareza suficiente, que o arguido, atenta a sua actividade profissional, tinha a obrigação de conhecer os impactos ambientais dela resultantes no meio natural e, consequentemente, a obrigação de constituir uma garantia financeira (Apólice de Seguro, Garantia Bancária, Fundo Ambiental ou Fundo Próprio), que lhe permitisse assegurar a responsabilidade ambiental inerente a essa actividade.
Isso era o que lhe era exigível, como, aliás, a qualquer cidadão, ou seja, o conhecimento/acatamento dos enquadramentos legais para poder, validamente, exercer a actividade profissional por si desenvolvida.
Ora, é isso mesmo que decorre da factualidade constante da decisão administrativa, mais se acrescentando a GNR advertiu o arguido para a obrigatoriedade de constituir uma garantia financeira, o que este não fez, na medida em que constituiu um seguro de responsabilidade civil, o qual, contudo, não acautela a responsabilidade ambiental inerente à actividade por si desenvolvida no âmbito do DL n.º 147/2008, de 29/09.
Dito de outro modo.
O arguido foi advertido da obrigatoriedade de adequar o seu comportamento aos comandos legais e, ainda assim, não acatou tal obrigação legal, o que consubstancia, objectiva e subjectivamente, a noção jurídica de negligência, no sentido de não ter agido com a diligência necessária ao cumprimento das obrigações legais a que estava adstrito e de que era capaz.
Nesta medida, e tendo em conta que as exigências de fundamentação de uma decisão condenatória em sede contravencional são diminutas, por comparação com as demandadas em domínio penal, nos autos apresenta-se uma estrutura factual que suporta, com suficiência bastante, a incriminação do arguido, nos termos em que a mesma foi considerada na decisão administrativa.
Valem aqui, por inteiro, as considerações expendidas no aresto do 09/01/19, Proc. 257/18.0T8STR.C1, do Tribunal da Relação de Guimarães;
“I – A decisão administrativa não é uma sentença, nem tem que obedecer ao formalismo da sentença penal.
II – É entendimento pacífico que na fase administrativa do processo de contraordenação, caracterizada pela celeridade e simplicidade processual, o dever de fundamentação tem uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal, comportando a decisão administrativa um modo sumário de fundamentar, desde que permita ao coimado perceber o que se decidiu e por que razão assim se decidiu.
III – Constando da decisão administrativa que integra os autos, a afirmação de facto de que a arguida não agiu com a diligência necessária para cumprir as suas obrigações legais, e a conclusão de facto de que a Arguida agiu negligentemente;
IV - Tendo a arguida, através da impugnação judicial que deduziu, revelado perfeito entendimento dos factos que lhe foram imputados na decisão administrativa e do título a que o foram, fica demonstrado que a fundamentação da decisão foi suficiente para permitir o exercício do direito de defesa e portanto, que a mesma observou as exigências do art. 58º, nº 1 do RGCOC.
V – Assim, não sendo decisão administrativa impugnada modelar, na descrição factual do elemento subjectivo, contém, no entanto, a descrição factual – objectiva e subjectiva – bastante para preencher o tipo objectivo e subjectivo da contra-ordenação nela imputada.”
O que importa é que a descrição dos factos imputados conste da decisão condenatória (Artº 58 nº1 al. b. do RGCO), de modo suficientemente desenhado, para que o arguido delas se aperceba e possa exercer adequadamente a sua defesa, o que, in casu, é manifesto que ocorreu, desde logo, pelo recurso de impugnação judicial por este interposto.
Em suma, a decisão administrativa não padece do vício que lhe é assacado pelo tribunal recorrido, pelo que o recurso não pode deixar de proceder, devendo a decisão recorrida, ser substituída por outra que conheça dos fundamentos do recurso.


3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso e em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que conheça do mérito do recurso interposto pelo arguido.
Sem custas.
xxx
Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que a presente decisão foi elaborada pelo relator e integralmente revista pelos signatários.

Évora, 11 de novembro de 2025
Renato Barroso
Fernando Pina
Henrique Pavão