COOPERATIVA
ASSEMBLEIA GERAL
CONVOCATÓRIA
VÍCIOS DE PROCEDIMENTO
INVALIDADE DAS DELIBERAÇÕES
VOTAÇÃO
LEGITIMIDADE PARA A AÇÃO DE ANULAÇÃO
Sumário

I – As nulidades da sentença não se confundem com as nulidades processuais, nem, umas e outras, com os erros materiais, de escrita ou de cálculo, inexatidões ou lapsos manifestos de que a sentença possa enfermar.
II – O erro material dá-se quando o juiz escreve uma coisa diversa do que queria escrever, ou seja, quando ocorre uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real do juiz. O erro de julgamento dá-se quando o juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, contra lei expressa ou contra os factos apurados.
III – É subsidiariamente aplicável às deliberações tomadas em assembleia geral de uma cooperativa agrícola o regime das deliberações previsto no Código das Sociedades Comerciais, na parte das sociedades anónimas.
IV – Decorrendo da lei e dos estatutos da cooperativa que a convocatória para a assembleia geral deve ser feita com pelo menos 15 dias de antecedência, o desrespeito por esta regra é causa de anulabilidade da deliberação que venha a ser tomada naquela assembleia, por vício de procedimento, atenta a desconformidade verificada no processo de formação do ato.
V – Este prazo é de natureza regressiva por se tratar de um prazo que deve ser contado desde o dia anterior àquele em que terá lugar a assembleia geral - contado da frente para trás - até ao 15.º dia que a antecede.
VI – A convocatória tem por função quer a garantia de preparação e informação dos sócios ou cooperadores, quer a de tutela dos interesses dos ausentes no sentido de poderem confiar que as deliberações tomadas na assembleia o serão dentro dos assuntos que ela indica.
VII – Se, apesar da ocorrência do indicado vício de procedimento, o cooperador se encontra presente na assembleia geral e, nela, postos à votação pelos cooperadores presentes os respetivos pontos da ordem dos trabalhos indicados na convocatória, não se abstém, nem vota contra a deliberação, a qual vem a ser aprovada por maioria, tal deliberação é válida e o cooperador carece de legitimidade para instaurar ação de anulação quanto à mesma, sendo de considerar ter votado, senão expressa, pelo menos concludentemente, “no sentido que fez vencimento”.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

Recorrente: A..., CIPRL

Recorrido: AA


*

AA instaurou a presente ação declarativa comum contra A..., CIPRL e contra BB, concluindo com a formulação dos seguintes pedidos: «a) Deverão ser declaradas nulas todas as deliberações tomadas nas Assembleias Gerais da 1.ª Ré realizadas a 10.11.2022, pelas 15h, 15h30 e 16h15, nos termos do disposto no artigo 56.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais; b) Sem prescindir e caso assim não se entenda, e a título subsidiário, deverão ser anuladas todas as deliberações tomadas nas Assembleias Gerais da 1.ª Ré realizadas a 10.11.2022, pelas 15h, 15h30 e 16h15, nos termos do disposto no artigo 58.º n.º 1 alínea a) Código das Sociedades Comerciais

*

Alegou, em síntese, como causa de pedir, que nos termos dos estatutos podem ser admitidos como membros efetivos da 1.ª ré outras pessoas singulares ou coletivas, designadamente autarquias locais, cooperativas, agricultores e sociedades ou associações agrícolas, sendo a admissão como membro efetuada mediante deliberação da assembleia geral, sob proposta da direção, subscrita pelo proposto; que a Câmara Municipal de Moimenta da Beira não foi admitida como membro da 1.ª ré, nem subscrito parte do seu capital social em observância do disposto no artigo 4.º n.º 5 dos Estatutos, pelo que não pode estar representada na 1.ª ré, nem fazer parte dos seus órgãos; não podendo, assim, o 2.º réu exercer funções de Presidente da Mesa da Assembleia Geral da 1ª ré (ou convocar assembleias gerais); que as convocatórias para a realização das assembleias gerais de 10/11/2022, porque assinadas pelo 2.º réu devem ter-se por não convocadas e, em consequência, nulas as deliberações aí tomadas. Subsidiariamente, sustentou que as convocatórias para as referidas assembleias não foram efetuadas com a antecedência mínima de 15 dias de acordo com Código Cooperativo e os Estatutos da 1.ª ré, o que constitui um vício no procedimento da deliberação que conduz à sua anulabilidade; que tais deliberações são nulas por violarem as disposições legais e estatutárias.

*

Os réus apresentaram contestação e nela deduziram defesa por impugnação e por exceção, sustentando que a Câmara Municipal de Moimenta da Beira é membro da autora, ora recorrente, desde 23.05.2011, por ter sido aprovada em assembleia a sua entrada, por unanimidade; que o 2.º réu, na qualidade de presidente da Câmara do Município de Moimenta da Beira, desde Outubro de 2021, é o legal representante desta; alegaram a caducidade da invocada anulabilidade das deliberações, concluindo pela improcedência da ação.

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O autor respondeu à matéria de exceção, concluindo pela sua improcedência.

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Foi realizada audiência prévia e depois proferido despacho saneador onde se conheceu e julgou improcedente a exceção da caducidade do direito de ação (anulação das deliberações), tendo sido fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

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Após realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença onde foi decidido o seguinte: “(…) julga-se parcialmente procedente por parcialmente provada a presente acção e, em consequência: a) Julga-se o 2.º réu, BB, parte ilegítima na presente acção, absolvendo-o da instância. b) Declaram-se anuladas as deliberações tomadas nas assembleias gerais da 1.ª ré, A... CIPRL realizadas no dia 10/11/2022, às 15h00m, 16h00m e 16h40m. c) Absolve-se a 1.ª ré do demais peticionado pelo autor (…)”

*

Do recurso

Não conformado com esta decisão, a 1.ª ré veio interpor recurso da mesma, formulando no final das suas alegações as seguintes conclusões, que a seguir se reproduzem:

(…).


*

O autor, ora recorrido, respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:

(…).


*

O recurso foi admitido.

*

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*

II – Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo se a lei o permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso – cf. art.s 608º-2, 635º-4 e 639º do CPC.

As questões a decidir, em face do teor das conclusões formuladas pela recorrente, consistem em:

(i) apurar se ocorre nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão ou apenas lapso ou erro de escrita, conjugando-se tal vício com a alegada impugnação da matéria de facto;

(ii)  apurar se é de manter a sentença recorrida na parte em que declarou anuladas todas as deliberações tomadas nas três assembleias gerais da 1ª ré.


*

III - Os factos

O tribunal recorrido proferiu a seguinte decisão quanto à matéria de facto provada:

“1) A 1.º ré é uma cooperativa de interesse público que tem como objecto social “A recolha, concentração, transformação, conservação, armazenagem de produtos horto frutícolas provenientes das explorações dos cooperadores associados ou de outras explorações. Mas neste último caso, excepcionalmente e, apenas quando esteja em causa a subsistência económica da Organização; A produção, aquisição- preparação e acondicionamento de factores de produção e de produtos destinados às explorações dos seus membros ou à sua própria actividade; A instalação e a prestação de serviços aos seus membros, nomeadamente de índole organizativa. técnica. tecnológica, económica, financeira, comercial, seguros, administrativa e associativa; O desenvolvimento, gestão, administração e conservação das infra-estruturas de sua propriedade ou de outras, cuja exploração tenha contratado, bem como das instalações que lhe sejam afectas com vista à prossecução dos seus objectivos; Promover e realizar acções de formação; Promover o comercio por grosso de fruta c produtos hortícolas, excepto batata; Promover a Preparação e conservação de frutos c produtos hortícolas por outros Processos; Promover a congelação de frutos e produtos hortícolas; Promover a fabricação de sumos de frutos e de produtos hortícolas; Promover o comércio por grosso de bebidas alcoólicas; Promover o Comércio por grosso de azeite, óleos e gorduras e Promover transmissões intra e extra comunitárias, importações e exportações relacionadas com o comércio de produtos dos seus membros ou colaboradores.”

2) A ré cooperativa rege-se pelos estatutos, cuja última redacção se encontra registada na CRC pela Ap. ...25, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.

3) De entre o teor dos estatutos, importam os seguintes artigos:

«Artigo 4°.

(Dos membros, admissão), direitos, deveres e penalidades)

1. São membros da A...:

a) Pela parte pública:

• A Camara Municipal de Tarouca;

• A Camara Municipal de Lamego;

b) Pela parte privada:

• A B..., B...;

• CC;

• DD;

• AA;

Podendo vir a ser admitidos outros membros.

2. Os membros fundadores silo, para todos os efeitos, considerados efectivos.

3. Podem ser admitidos como membros efectivos da A... outras pessoas singulares ou colectivas com interesse no objectivo por ela prosseguido, designadamente autarquias locais, cooperativas, agricultores e sociedades ou associa9oes agrícolas.

4. Pode, ainda, a Assembleia-Geral, mediante proposta da Direcção, conferir a quaisquer pessoas singulares ou colectivas a qualidade de membro honorário da A....

5. A admissão como membro da A... efetua-se mediante deliberação da Assembleia Geral, sob proposta da Direção, subscrita pelo proposto, da qual conste:

a) Denominação e demais elementos identificadores;

b) Natureza jurídica;

c) Indicação dos títulos de capital a subscrever;

d) Meios patrimoniais que, porventura, deseja afectar e titulo dessa afectação.

6. Da recusa de admissão, cabe recurso nos termos gerais;

7. Os associados da A... que sejam pessoas colectivas exercem os seus direitos e deveres através de representante por si designado nos termos legais e pelo prazo de 4 anos;

8. Os membros prosseguirão os interesses a que se propõe esta Cooperativa, no âmbito agrícola, respeitando estatutariamente os princípios Cooperativos aplicáveis.

Artigo 11.º

(Participação da parte pública nos Órgão Sociais)

1. A parte pública esta representada nos Órgãos Sociais, na proporção do respectivo capital,

Cabendo a designação dos seus representantes aos membros do Governo responsáveis pelas áreas da Agricultura e do sector Cooperativo ou aos Órgãos executivos do poder local, feita nos termos do n.º 2 do art. 8.º do C. Cooperativo.

2. A parte pública disporá sempre de, pelo menos, um representante na Direcção ou no Conselho Fiscal, a designar rotativamente pelos Associados que a constituam.

Artigo 13.º

(Da assembleia geral, natureza, composição e modo de funcionamento)

1. A Assembleia Geral e o Órgão Supremo da A... e as suas deliberações, tomadas nos termos legais e estatutários, são obrigatórias para os restantes Órgãos Sociais e para todos os membros da A....

2. A Assembleia Geral e constituída por todos os membros no pleno exercício dos seus direitos, cabendo a cada um, um voto por cada título de capital realizado.

3. E dirigida por uma Mesa, que enquanto a Cooperativa tiver menos de 20 membros será composta por um Presidente e um Vice-Presidente, e quando o número de membros for superior a vinte será composta por um Presidente, um Vice-Presidente e um Secretario.

4. A Assembleia Geral reunira, ordinariamente, duas vezes por ano, sendo uma reunião até 31 de Março, para apreciação e votação do Relatório e Contas do exercício anterior da Direcção e do respectivo parecer do Conselho Fiscal, e outra ate 31 de Dezembro, para apreciação e votação do Orçamento e Plano de Actividades para o exercício seguinte, bem como do respectivo Plano de lnvestimentos.

5. Trienalmente realizar-se-á uma Assembleia Geral ordinária no mês de Dezembro para eleição dos titulares da Direcção, do Conselho Fiscal e da Mesa da Assembleia, atento o disposto no n.º 2 do art. 8° do DL 31/84 de 21 Janeiro.

6. As Assembleias Gerais serão convocadas pelo respectivo presidente da mesa, por sua iniciativa ou a requerimento da direção ou do conselho fiscal.

7. A Assembleia Geral poderá reunir extraordinariamente requerida nos termos do

número anterior ou de 5% dos membros cooperantes.

8. Caso o Presidente da mesa da Assembleia Geral não convoque esta em sessão

extraordinária prevista no número anterior, podem os requerentes solicitar a respectiva convocação Judicial nos termos do art. 1486° do CPC, ou no caso de recusa ilegal pode o conselho fiscal convocar, nos termos do art.º 53.º do C. Coop.

9. A Assembleia reúne, em primeira convocatória, a hora marcada, com a presença de mais de metade dos membros com direito a voto e, não sendo possível, uma hora depois, com qualquernúmero de Membros presentes.

10. Caso a Assembleia Geral seja convocada a solicitação dos Cooperadores prevista no n.º 7, só se realizara se, a hora marcada, estiverem presentes, pelo menos, três quartos dos requerentes.

11. A convocação das Assembleias Gerais ordinárias será feita com antecedência mínima de 15 dias, nos termos do disposto no art. 36.º do C. Cooperativo, por avisos afixados nas instalações da régie, devendo sempre conter a respectiva ordem de trabalhos.

12. A convocatória será sempre enviada a todos os Membros por via postal ou entregue em mão neste caso, contra recibo;

13. De todas as reuniões será lavrada acta.

14. É admitido nas Assembleias Gerais o voto por correspondência e por representação no termos legais.

15. À Assembleia Geral compete pronunciar-se sobre todos os aspectos que lhe forem presentes, designadamente os constantes do art. 38.º do C. Cooperativo.

16. As deliberações são, em regra, tomadas por maioria simples.

17. Carecem de aprovação de dois terços dos votos expressos as seguintes delibera9oes:

a) Alterações de estatutos e aprovação de regulamentos internos;

b) Fusão, cisão, incorporação ou dissolução da régie;

c) Filiação da régie em organizações internacionais;

d) Exercício do direito de acção civil ou penal contra Directores, Gerentes, Mandatários e Membros do Conselho Fiscal da A...;

18. As alterações aos estatutos serão apreciadas em Assembleia Geral expressamente convocada para o efeito, devendo a convocatória da Assembleia Geral ser acompanhada das alterações propostas.

19. Não será aprovada a dissolução da A... se a ela se opuser um número de membros igual ou superior ao legalmente exigido para a sua constituição,

comprometendo-se aqueles a assegurar a continuação das respectivas actividades

4) O autor é membro fundador da cooperativa detendo 20 títulos de capital, no valor nominal de € 5,00 cada título.

5) A B..., CRL, DD, e EE também são membros fundadores da 1.ª ré.

6) Consta do escrito datado de 27/10/2022, assinada pelo 2.º réu, sob o título «Convocatória»:

«Nos termos do art º 34, 36 e 38 do Código Cooperativo, convoco os senhores Associados para a Assembleia-Geral da A... CIPRL para o dia 10 de Novembro de 2022 (Quinta-feira) pelas 15h00, nas instalações da ..., sito em ..., concelho ..., com a seguinte ordem de trabalhos:

Ponto 1 — Votar e aprovar os Relatórios, Balanço, demonstração de resultados e Contas da Direção relativo ao exercício de 2019;

Ponto 2 — Votar e aprovar o Parecer da Direção e do Conselho Fiscal relativo ao exercício de 2019;

Ponto 3 - Deliberar sobre a proposta da Direção, de aplicação de resultados do exercicio de 2019;

Ponto 4 - Outros assuntos do interesse geral.»

7) Consta do escrito escrito datado de 27/10/2022, assinada pelo 2.º réu, sob o título «Convocatória»: «Nos termos do art. º 34, 36 e 38 do Código Cooperativo, convoco os senhores Associados para a Assembleia-Geral da A... CIPRL para o dia 10 de Novembro de 2022 (Quinta-feira) pelas 15h30, nas instalações da ..., sito em ..., concelho ..., com a seguinte ordem de trabalhos:

Ponto 1 — Votar e aprovar os Relatórios, Balanço, demonstração de resultados e Contas da Direção relativo ao exercício de 2020;

Ponto 2 — Votar e aprovar o Parecer da Direção e do Conselho Fiscal relativo ao exercício de 2020;

Ponto 3 - Deliberar sobre a proposta da Direção, de aplicação de resultados do exercicio de 2020;

Ponto 4 - Outros assuntos do interesse geral

8) Consta do escrito datado de 27/10/2022, assinada pelo 2.º réu, sob o título «Convocatória»: «Nos termos do art. º 34, 36 e 38 do Código Cooperativo, convoco os senhores Associados para a Assembleia-Geral da A... CIPRL para o dia 10 de Novembro de 2022 (Quinta-feira) pelas 16h15, nas instalações da ..., sito em ..., concelho ..., com a seguinte ordem de trabalhos:

Ponto — Votar e aprovar os Relatórios. Balanço, demonstração de resultados e Contas da Direção relativo ao exercício de 2021;

Ponto 2 — Votar e aprovar o Parecer da Direção e do Conselho Fiscal relativo ao exercício de 2021;

Ponto 3 - Deliberar sobre a proposta da Direção, de aplicação de resultados do exercício de 2021;

Ponto 4 - Outros assuntos do interesse geral

9) Os documentos em 6), 7) e 8) têm a assinatura manuscrita do segundo réu sob a

epígrafe «O Presidente da Mesa da Assembleia-Geral».

10) No dia 10/11/2022 realizaram-se as três assembleias gerais da primeira ré, pelas 15h00m, 16h00m e 16h40m conforme actas juntas sob os n.ºs 3, 4 e 5 com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

11) No decurso da assembleia de 27/10/2022 às 15h00m ocorreram os factos descritos na acta respectiva entre os quais:

«O Sr. AA pediu a palavra para ler uma declaração em voz alta que vai ficar em arquivo.»

(…)

«Não havendo inscrições o Senhor Presidente da Mesa pôs à votação o ponto n. º 1 da O.T. - Votar e aprovar os Relatórios, Balanço, demonstração de resultados e Contas da Direção relativo ao exercício de 2019, 1 voto contra do Sr. CC, conforme declaração de voto, sendo este ponto aprovado por maioria.

De seguida entrou no ponto 2 - Votar e aprovar o Parecer da Direção e do Conselho Fiscal relativo ao exercício de 2019. O Sr. Presidente da Mesa leu o parecer do Conselho Fiscal, que deu parecer favorável às contas.

Não havendo dúvidas, o Senhor Presidente da Mesa colocou à votação o ponto n. º 2 da O.T. - Votar e aprovar o Parecer da Direção e do Conselho Fiscal relativo ao exercício de 2019, 1 voto contra do Sr. CC, conforme declaração de voto, sendo este ponto aprovado por maioria. - O Senhor Presidente da Mesa passou ao ponto n. º 3 da O.T. - Deliberar sobre a proposta da Direção, de aplicação de resultados do exercício de 2019, que propõe que o resultado líquido do exercício fosse para resultados transitados.

Finda a intervenção o Senhor Presidente da Mesa colocou à votação a proposta da Direção, 1 voto contra do Sr. CC, conforme declaração de voto, sendo este ponto aprovado por maioria

12) Na assembleia identificada em 11) é o seguinte o teor da declaração lida pelo

autor:

«Boa Tarde Meus Senhores

Quero apresentar-me hoje e aqui junto dos presentes apenas e só como Pessoas e em especial como um apaixonado pelo setor agrícola e pecuário.

No entanto também não faria sentido se não comparecesse no dia e hora que o Sr. Dr. BB teve a gentileza de me convidar e não convocar.

Compareci porque a minha educação, a minha cultura assim o exigem.

Com o respeito que o Sr. Dr. BB, me merece quero dizer-lhe o seguinte:

Sou Português e o meu e nosso País é um ESTADO DE DIREITO que me obriga a cumprir todas as leis e tudo o que das mesmas depender para um ou vários casos.

Refiro-me Sr. Dr. BB a todas as leis e com o pedido de desculpa pelo termo que vou utilizar “TODOS OS SEUS DERIVADOS”.

Por tal motivo existem nestas Unidades Cooperativas (B... e A... ESTATUTOS que obrigatoriamente têm de ser cumpridos.

Esclarecendo as minhas preocupações l) Tenho a certeza que V. Excia. está aqui de BOA FÉ e por isso para além de conhecer bem

as leis, também já deverá conhecer os ESTATUTOS quer da B... quer da A... uma vez que só agora aparece para poder representar o Município de Moimenta da Beira quando este Município se TORNAR Sócio.

Peço-lhe Sr. Dr. BB e agradeço-lhe que o faça quanto antes.

Os Sócios promotores e fundadores da A... desde a hora apresentam esse pedido aos responsáveis nesta altura do Município e não só nessa altura, como em muitas mais procuramos resolver essa situação o que infelizmente ainda não aconteceu.

Permita-me até Sr. Doutor o meu atrevimento, para lhe transmitir a minha vontade. Procurarei ser o 1º Subscritor da candidatura de V. Excia. à Mesa da Assembleia Geral da A... desde que tenha o consentimento de V. Exeia.

As razões deste meu pedido e o interesse na defesa dos produtores de Baga de Sabugueiro único objetivo que coloquei desde a criação destas Unidades Agrícolas.

Sr. Dr. BB

Com toda a educação, com todo o respeito, mas também com toda a frontalidade vou terminar afirmando que continuo a sentir a responsabilidade que o nosso País é um ESTADO DE DIREITO e eu cumprirei todas as leis em vigor e daí a mesma responsabilidade no cumprimento dos Estatutos elaborados de acordo com a lei.

Por tal motivo peço desculpa mas vou retirar-me desta reunião que vai realizar-se ao ARREPIO DAS LEIS e ainda a falta de respeito pelos Sócios da B... produtores de Baga de Sabugueiro que continuam ser MUITO PREJUDICADOS.»

13) No decurso da assembleia de 27/10/2022 às 16h00m ocorreram os factos descritos na acta respectiva entre os quais:

«Não havendo inscrições o Senhor Presidente da Mesa pôs à votação o ponto n.º 1 da O.T. - Votar e aprovar os Relatórios, Balanço, demonstração de resultados e Contas da Direção relativo ao exercício de 2020, 1 voto contra do Sr. CC, sendo este ponto aprovado por maioria

De seguida entrou no ponto 2 - Votar e aprovar o Parecer da Direção e do Conselho Fiscal relativo ao exercício de 2020. O Sr. Presidente da Mesa leu o parecer doConselho Fiscal, que deu parecer

favorável às contas.

Não havendo dúvidas, o Senhor Presidente da Mesa colocou à votação o ponto n. º 2 da O.T. - Votar e aprovar o Parecer da Direção e do Conselho Fiscal relativo ao exercício de 2019, 1 voto contra do Sr. CC, sendo este ponto aprovado por maioria.

O Senhor Presidente da Mesa passou ao ponto n. º 3 da O.T. - Deliberar sobre a proposta da Direção, de aplicação de resultados do exercício de 2020, que propõe que o resultado líquido do exercício fosse para resultados transitados.

Finda a intervenção o Senhor Presidente da Mesa colocou à votação a proposta da Direção, 1 voto contra do Sr. CC, sendo este ponto aprovado por maioria

14) No decurso da assembleia de 27/10/2022 às 16h40m ocorreram os factos descritos na acta respectiva entre os quais:

«Não havendo inscrições o Senhor Presidente da Mesa pôs à votação o ponto n.º 1 da O.T. - Votar e aprovar os Relatórios, Balanço, demonstração de resultados e Contas da Direção relativo ao exercício de 2021, 1 voto contra do Sr. CC, sendo este ponto aprovado por maioria De seguida entrou no ponto 2 - Votar e aprovar o Parecer da Direção e do Conselho Fiscal relativo ao exercício de 2021. O Sr. Presidente da Mesa leu o parecer do Conselho Fiscal, que deu parecer favorável às contas.

Não havendo dúvidas, o Senhor Presidente da Mesa colocou à votação o ponto n. º 2 da O.T. - Votar e aprovar o Parecer da Direção e do Conselho Fiscal relativo ao exercício de 2021, 1 voto contra do Sr. CC, sendo este ponto aprovado por maioria.

O Senhor Presidente da Mesa passou ao ponto n. º 3 da O.T. - Deliberar sobre a proposta da Direção, de aplicação de resultados do exercício de 2021, que propõe que o resultado líquido do exercício fosse para resultados transitados.

- Finda a intervenção o Senhor Presidente da Mesa colocou à votação a proposta da Direção, 1 voto contra do Sr. CC, sendo este ponto aprovado por maioria

15) Em todas as assembleias realizadas no dia 10/11/2022 consta como presidente da mesa da assembleia geral o 2.º réu.

16) No dia 23/05/2011 realizou-se uma assembleia Geral da 1ª ré conforme acta junta sob o n.º 1 com a contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

17) Dessa assembleia foi lavrada e assinada pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral a acta, na qual consta a seguinte ordem de trabalhos:

«Ponto 1 – Aprovar e votar os Relatórios, Balanço e Contas da Direcção e do Parecer Fiscal relativo ao exercício de 2010:

Ponto 2 – Deliberar sobre a proposta da Direcção, de aplicação de resultados do exercício de 2010;

Ponto 3 – Apreciar e votar o Plano de Actividades para 2011;

Ponto 4 – Apreciar e votar a entrada de novos sócios: Câmara Municipal de Moimenta da Beira e C..., Lda.;

Ponto 5 – Outros assuntos de interesse geral

18) O autor esteve presente nessa assembleia na qualidade de vice-presidente da mesa da assembleia geral e da mesma consta a sua assinatura manuscrita.

19) Da mesma acta consta que, quanto ao quarto ponto da ordem de trabalhos se

aprovou e por unanimidade a entrada de novos sócios: Câmara Municipal de Moimenta da Beira e C..., Lda..

20) O município de Moimenta da Beira participa no capital social da 1.ª ré com o valor de € 25.000,00.

21) O 2º réu tomou posse como Presidente da Câmara Municipal de Moimenta da Beira a 16/10/2021, para o mandato autárquico de 2021-2025.

22) No dia 03/06/2022 realizou-se uma assembleia Geral da 1ª ré, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e da qual consta a seguinte ordem de trabalhos:

«Ponto 1 – Eleição dos órgãos sociais para o triénio 2022-2024

Ponto 2 – Outros assuntos do interesse geral

23) No decurso da assembleia referida em 22), ocorreram os factos que constam na respectiva acta, nomeadamente: «informou os presentes que, apenas, se havia apresentado a sufrágio uma lista e que a mesma, tendo em conta a sua composição respeitava os estatutos e a lei, pelo que foi admitida à eleição, designando-se como lista “A” composta pelos seguintes elementos:

MESA DA ASSEMBLEIA GERAL

Presidente – BB, NIF - ...07 / CC - ...63, em representação do município de Moimenta da Beira; (…).»

(…)

Pelas 17:15h30m, o Senhor Presidente da Mesa, verificando não haver mais associados para votar, declarou encerrada a votação e procedeu-se, de imediato, à contagem dos votos. A Lista apresentada a sufrágio obteve o seguinte resultado:

Votos a favor: 92,35%;

Votos a contra: 0,02%; (…)»

24) No dia 13/06/2022 foi elaborado um documento escrito denominado «Termo de Tomada de Posse» do qual consta o 2.º réu como presidente da mesa da assembleia geral, em representação do município de Moimenta da Beira

25) O autor estava presente na assembleia indicada em 16) e 17) e votou favoravelmente a admissão do Município Moimenta da Beira como sócio da 1.ª ré.


*

Fizeram-se consignar na sentença recorrida os seguintes factos não provados:

a) Que o autor estivesse presente nas assembleias realizadas a 27/10/2022 às 16h00m e 16h40m.


*

O recurso foi admitido.

*

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*

IV – Fundamentação

Importa, primeiramente, apreciar a invocada nulidade da sentença recorrida (coincidente, nos seus fundamentos, com a alegada impugnação da matéria de facto, como abaixo se consignará), por alegada contradição entre os fundamentos e a respetiva decisão.

Alegou a recorrente, em síntese, que o autor deduziu o pedido para que fossem declaradas nulas todas as deliberações tomadas nas Assembleias Gerais da recorrente realizadas no dia 10.11.2022, pelas 15h, 15h30 e 16h15 e, subsidiariamente, assim não se entendendo, a declaração judicial da anulabilidade das mesmas deliberações.

Aduziu que na sentença recorrida foram julgados como provados os seguintes factos, consignando o seguinte, na parte que agora interessa:

11) No decurso da assembleia de 27/10/2022 às 15h00m ocorreram os factos descritos na acta respectiva (…)”;

12) Na assembleia identificada em 11) é o seguinte o teor da declaração lida pelo autor (…)”;

13) No decurso da assembleia de 27/10/2022 às 16h00m ocorreram os factos descritos na acta respectiva entre os quais (…)”;

14) No decurso da assembleia de 27/10/2022 às 16h40m ocorreram os factos descritos na acta respectiva entre os quais: (…).


*

O tribunal a quo, no despacho de admissão do recurso, proferido em 11.09.2025, não se pronunciou sobre o ponto.

Nada obsta, contudo, a que este tribunal o aprecie em via de recurso, a questão suscitada, porquanto não se afigura indispensável a baixa dos autos para esse efeito (cf. art. 641º-1 do CPC).

As causas de nulidade da sentença estão previstas no art. 615º-1 do CPC.

As nulidades da sentença não se confundem com as nulidades processuais, nem, umas e outras, se confundem com os erros materiais, é dizer, com erros de escrita ou de cálculo, inexatidões ou lapsos manifestos (cf. o art. 614º-1 do CPC); vd., neste sentido, o Ac. da RG de 10.02.2022, rel. José Cravo, proc. n.º 48/11.0TBVNC-G.G1).

Resulta do pedido deduzido, a final, na p.i que o autor peticionou a declaração de nulidade das deliberações tomadas nas assembleias gerais da recorrente realizadas no dia 10.11.2022, pelas 15h, 15h30 e 16h15 e, subsidiariamente, a sua anulabilidade.

Decorre também da sentença recorrida ter sido julgado como provado no ponto 10) dos factos provados, que “No dia 10/11/2022 realizaram-se as três assembleias gerais da primeira ré, pelas 15h00m, 16h00m e 16h40m conforme actas (…)”.

Todavia, no elenco dos factos provados que se seguem, fez-se constar na mesma sentença, nos pontos 11) a 14) que a referida assembleia geral da 1.ª ré teve lugar no dia “27/10/2022”.

Feita a análise ao teor dos factos que integram a causa de pedir na ação (vd., inter alia, os art.s 19º  22º da p.i.), confrontando-os com o teor do pedido a final deduzido e, conjugadamente, com o teor dos documentos juntos ao processo, decorre com meridiana clareza que a data em que teve lugar a assembleia geral, onde foram tomadas as deliberações postas em crise, ocorreu efetivamente no dia 10.11.2022. Isso mesmo decorre do teor da “convocatória” (vd. doc. 2 junto com a p.i.) e do teor das três atas juntas aos autos com a contestação (intituladas “Ata da Sessão da Assembleia Geral Número Vinte e Oito”, “Ata da Sessão da Assembleia Geral Número Vinte e Nove” e “Ata da Sessão da Assembleia Geral Número Trinta”), onde em todos estes documentos se alude à data de 10.11.2022, pelo que é de concluir, sem esforço, que a indicação nos indicados pontos da matéria de facto provada da data “27/10/2022” se deveu a lapso de escrita, evidente e ostensivo, sendo certo, aliás, que a data correta - 10.11.2022 - foi indicada no dispositivo da sentença recorrida tal como havia sido indicada no ponto 10) dos factos provados.

Não se trata, portanto, na substância, de um caso de contradição ou de oposição entre os fundamentos de facto e a decisão (art. 615º-c) do CPC), nem, tão-pouco, de um erro de julgamento. Trata-se, simplesmente, de um erro material ou de escrita.

O erro material dá-se quando o juiz escreve uma coisa diversa do que queria escrever, ou seja, quando ocorre uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real do juiz, a qual deve resultar, de forma clara e ostensiva, do teor da própria decisão, só desta, do seu contexto ou estrutura, sendo possível aferir se ocorreu ou não esse erro através do teor do próprio texto da decisão da qual há de ser possível ver e perceber que a vontade declarada não corresponde à vontade real do juiz que proferiu a decisão.

Já o erro de julgamento dá-se quando o juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal. Decidiu contra lei expressa ou contra os factos apurados - cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, C.ª Ed.ª, 1984, p. 124; e o Ac. do STJ de 10.02.2022, rel. Fernando Baptista, proc. n.º 529/17.1T8AVV-A.G1.S1; e o Ac. da RG de 17.03.2022, Elisabete Alves, proc. n.º 1743/20.8T8BRG.G1.

O erro material da decisão admite a sua retificação. O erro de julgamento já não. Só poderá ser suprido ou superado por via de recurso caso se conclua que a decisão recorrida haja nele incorrido.

É, portanto, este o caso dos autos: a ocorrência de um erro material ou de escrita passará pela sua correção por despacho (art. 614º-1 do CPC). A lei preceitua que a retificação do erro material, em caso de recurso, deve ter lugar antes dele subir (art. 614º-2 do CPC). Verifica-se, contudo, que o tribunal recorrido não o fez e as partes suscitaram a questão, ainda que, no caso da recorrente, sob as rubricas de “nulidade da sentença” e “impugnação da matéria de facto”, sendo exatamente os mesmos os fundamentos.

Ora, como vimos, não ocorre na situação sub judice um caso de nulidade da sentença, nem tal vício se pode integrar na área atinente à impugnação da matéria de facto. Tem, por isso, razão o recorrido quando sustenta nas suas contra-alegações que a eliminação do vício em causa se resolve através da mera correção da sentença. Nada obsta a que esta seja feita pelo tribunal superior, por não justificar, por economia processual, a baixa dos autos à 1.ª instância para o efeito (cf. art. 617º-5 do CPC. Cf. António Geraldes, Recursos em Processo Civil, 8.ª Ed., Almedina, 2024, p. 252, anot. ao art. 641º do CPC).

Atento o exposto, importa retificar os pontos 11. a 14. da sentença recorrida, os quais deverão passar a ter, na parte que importa, a seguinte redação (cf. art.s 249º e 295º do C. Civil; cf. art.s 146º-1 e 614º-1 do CPC):

“(…) 11) No decurso da assembleia de 10.11.2022 às 15h00m ocorreram os factos descritos na acta respectiva entre os quais (…)”;

“12) Na assembleia identificada em 11), ocorrida no dia 10.11.2022, é o seguinte o teor da declaração lida pelo autor (…)”;

“13) No decurso da assembleia de 10.11.2022 às 16h00m ocorreram os factos (…)”;

“14) No decurso da assembleia de 10.11.2022 às 16h40m ocorreram os factos descritos (…)”.


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Importa agora analisar as questões substantivas colocadas e que constituem o objeto do presente recurso:

i. Apurar se todas - ou alguma(s) e, na afirmativa, qual(is) - das deliberações tomadas nas três assembleias gerais da 1.ª ré são anuláveis, na sequência da irregularidade da convocatória, como decidido na sentença recorrida, ou se todas, ou alguma delas, é válida;

ii. Apurar se o autor esteve presente nalguma das assembleias gerais da 1ª ré e qual o seu sentido de voto, para daí se concluir se são todas anuláveis, como se decidiu na sentença recorrida, ou se são todas (ou alguma delas) válidas, como alega a recorrente.

Vejamos.

A recorrente sustenta, em síntese, que deve ser absolvida dos pedidos, por entender que o autor, tendo estado presente nas assembleias gerais realizadas no dia 10.11.2022 (esteve presente na assembleia realizada pelas 15h, para a qual fora convocado, e tinha alegadamente conhecimento das assembleias que tiveram lugar de seguida, pelas 16h e 16:40h, como sustenta), onde pediu a palavra para ler uma declaração e fazê-la constar em ata, teve nelas intervenção e, tendo estado presente, não votou contra qualquer deliberação aí tomada, pelo que o tribunal a quo não podia ter julgado como não provado, como julgou, que o autor estivesse presente nas assembleias gerais do referido dia e, portanto, não podia declarar anuladas tais deliberações, admitindo que, pese embora a convocatória não tenha respeitado a antecedência de 15 dias por referência à data da realização das assembleias, a presença do autor acabou por convalidá-las, o que lhe retira legitimidade para arguir a sua invalidade.

Os recorridos, em contra-alegações, sustentaram o contrário, pugnando pela confirmação da decisão recorrida, por falência dos argumentos da recorrente.

Importa, então, aferir, em face das conclusões do recurso que delimitam o objeto de cognição deste tribunal de recurso (art. 635º-3-4 do CPC), se o autor, ora recorrido, (i) foi convocado para as três assembleias gerais da 1.ª ré; (ii) com que antecedência; (iii) se esteve presente ou representado em todas ou nalguma delas; e (iv) se votou as deliberações tomadas nessas assembleias e, na afirmativa, em que sentido.


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Primeiramente, justifica-se fazer um breve enquadramento geral.

A 1.ª ré, A..., tem por objeto social a recolha, concentração, transformação, conservação e armazenagem de produtos horto frutícolas provenientes das explorações dos cooperadores associados ou de outras explorações (vd. o ponto 1 dos factos provados e o art. 1º-6-a) dos seus Estatutos, juntos como doc. 1 com a p.i.), enquadrando-se, como tal, no ramo agrícola do setor cooperativo [cf. art. 4º-1-a) do Código Cooperativo. Sobre a natureza jurídica das cooperativas, vd. Francisco Costeira da Rocha, Acção de Anulação de Deliberação da Assembleia Geral de uma Cooperativa - Caducidade, Competência e Natureza Jurídica da Cooperativa, in Jurisprudência Cooperativa Comentada (Deolinda Meira, Coord.), INCM, Lisboa, 2012, pp. 430-1].

Trata-se, portanto, de uma cooperativa agrícola de interesse público, cuja disciplina jurídica aplicável é a que, para além do previsto nos seus Estatutos, decorre do Código Cooperativo (cf. Lei n.º 119/2015, de 31-08), em conjugação com a legislação complementar do respetivo ramo cooperativo (cf. o Regime Jurídico Aplicável às Cooperativas Agrícolas: DL n.º 335/99, de 20-08, publicado no DR, IS-A, n.º 194, de 20.08.1999) e, não colidindo com os princípios cooperativos, pelo Código das Sociedades Comerciais (=CSC), no segmento aplicável às sociedades anónimas (cf. art. 9º do C. Cooperativo)

Em face da reconhecida insuficiência da disciplina jurídica em certas matérias, como é o caso, v.g., das invalidades das deliberações da assembleia geral (art. 39º do C. Cooperativo) ou do conselho de administração (art.s 45º e ss. do C. Cooperativo), o legislador, intencionalmente, remeteu a disciplina de certas matérias para o CSC - cf. Coutinho de Abreu, in Código Cooperativo Anotado (Deolinda Meira e Maria Elisabete Ramos, Coord.), Almedina, 2018, pp. 71 e 227. Oferecendo pistas na integração das lacunas, vd., com interesse, Marta Monterroso Rosas, A Integração de Lacunas do Código Cooperativo e o Recurso ao Direito Societário, in Jurisprudência Cooperativa Comentada (Deolinda Meira, Coord.), INCM, Lisboa, 2012, pp. 335 a 344.


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Vejamos o primeiro ponto da impugnação recursiva que se prende com saber se autor esteve presente nas três assembleias realizadas no dia 10.11.2022.

A sentença recorrida julgou como provado que o autor esteve presente na assembleia do dia 10.11.2022, pelas 15 horas (a primeira de três desse dia) e julgou como não provado que tivesse estado presente nas duas assembleias que se lhe seguiram, uma pelas 16 horas e outra pelas 16,40 horas.

Aduziu, para tanto, que apenas resultou provado que o autor esteve presente na assembleia das 15 horas, onde até leu a declaração a que alude o ponto 12 dos factos provados, não tendo sido produzida prova que tenha estado presente nas duas assembleias seguintes realizadas no mesmo dia.

A recorrente sustenta que o autor esteve presente nas três assembleias e pede a alteração da matéria de facto nesse sentido.

Sem razão, porém, no que respeita às 2ª e 3ª assembleias gerais.

Com efeito, o autor admitiu na sua petição inicial que esteve presente na assembleia geral da 1.ª ré do dia 10.11.2022, pelas 15 horas, na qual leu a referida declaração (junta como doc. 3 com a p.i.), como decorre conjugadamente do art. 27º da p.i. e do teor da ata n.º 28 (junta com a contestação dos réus, a que aludem os pontos 11 e 12 dos factos provados), da qual se extrai, sem sombra de dúvida, que o autor esteve presente e leu a referida declaração e até interveio, formulando uma questão sobre a “quantidade de baga vendida”.

Na rubrica dos factos não provados, a sentença recorrida fez constar não se ter apurado que o autor-recorrido tenha estado presente nas assembleias da 1.ª ré realizadas nesse dia 10.11.2022, pelas 16,00 horas e, depois, pelas 16,40 horas. E bem.

Com efeito, não resulta que tal facto tenha sido admitido, quer por confissão, quer por acordo, expresso ou tácito, nos articulados (cf. art.s 574º-2 e 607º-4-5, 2.ª parte do CPC). Além do que, do teor dos documentos juntos aos autos, referentes às atas das sessões das assembleias gerais n.ºs 29 e 30 - aquela referente à assembleia das 16,00 horas, esta referente à assembleia das 16,40 horas - não se retira dos seus dizeres que o autor nelas tenha estado presente, quer porque não existe qualquer menção de que tenha intervindo ou tomado a palavra, dirigido perguntas ou questionado fosse o que fosse; assim como resulta das mesmas atas que quem esteve presente e tomou a palavra não se referiu, direta ou indiretamente, à pessoa do autor de que se pudesse retirar a conclusão de que estivesse presente ou, sequer, por qualquer forma, nela representado. Por último, decorre do teor do doc. 2 junto com a p.i. que as três assembleias gerais da 1.ª ré realizadas no mesmo dia 10.11.2022 são autónomas entre si, o que é demonstrado pelas três distintas e individualizadas convocatórias remetidas aos cooperadores (vd. doc. n.º 2 junto com a p.i.).

Improcedem, em consequência, as conclusões 4 e 6 do recurso.


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Sustenta a recorrente, por seu turno, que tendo o autor estado presente na assembleia geral das 15 horas, para a qual foi devidamente convocado, teve necessariamente conhecimento das assembleias que iriam realizar-se de seguida pelas 16 horas e 16,45 horas e nelas votou favoravelmente, pelo que carece de legitimidade para arguir invalidades e para instaurar a presente ação de declaração de nulidade ou de anulação das respetivas deliberações.

Vejamos.

Apurou-se que o presidente da mesa da assembleia geral da 1.ª ré, ora recorrente, enviou as convocatórias no dia 27.10.2022 para a realização de três assembleias gerais a ter lugar no dia 10.11.2022, uma pelas 15h, outra pelas 15.30h e ainda outra pelas 16.15h (vd. pontos 6, 7 e 8 dos factos provados).

Nos termos dos Estatutos da 1.ª ré, e também da lei, a assembleia geral é convocada pelo presidente da mesa com, pelo menos, 15 dias de antecedência - vd. ponto 3 dos factos provados que transcreve o art. 13º, n.º 11 dos Estatutos; cf. o art. 36º-1 do C. Cooperativo e o art. 248º-3 do CSC.

Este prazo de 15 dias é de natureza regressiva, ou seja, trata-se de um prazo que deve ser contado desde o dia anterior àquele em que terá lugar a assembleia geral - ou seja, é contado da frente para trás - até ao 15.º dia que a antecede. Este é, portanto, um dos casos em que a contagem do prazo se faz “[e]m sentido inverso, de diante para trás, a partir de certa data futura e até um momento cronologicamente anterior àquele que funciona como terminus a quo (...)” - vd. Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 5.ª Ed., UCP, 2017, p. 687; e Marco Gonçalves, Prazos Processuais, 3ª Ed., Almedina, 2022, p. 56. No mesmo sentido, vd. o Ac. da RL de 28.09.2017, rel. António Valente, proc. n.º 2317/17.6T8FNC-A.L1-8. De resto, a lei processual civil conta com alguns exemplos de prazo regressivo: o prazo para, até 10 dias da audiência final, o advogado da parte poder indicar assistente técnico (art. 50º-2); o prazo, até 20 dias antes da audiência final, para junção de documentos (art. 423º-2); ou para aditar ou alterar o rol de testemunhas (art. 598º-2).

Este prazo de 15 dias é o prazo que deve ser considerado por ser não só o prazo estatutário, como também é o prazo legal, porquanto nem os Estatutos, nem a lei prevê um prazo mais longo a que devesse atender-se - cf. Coutinho de Abreu, in Código Cooperativo Anotado, cit., p. 216.

A função da convocatória não é de somenos importância. Muito pelo contrário. Assume especial relevância, porquanto a sua função tem em vista, no essencial, duas finalidades: a de garantia de preparação e informação dos sócios e a de tutela dos interesses dos ausentes que podem confiar que as deliberações tomadas na assembleia serão dentro dos assuntos que ela indica - cf., com interesse, o Ac. da RL de 25.01.2024, rel. Fátima Reis Silva, proc. n.º 20963/22.4T8LSB-A.L2-1.

Nesta medida, tendo em conta que a Assembleia teria lugar no dia 10.11.2022, a convocatória deveria ser enviada (ou afixada, ou entregue) pelo menos, e no limite, em 25.10.2022 para dessa forma se preencherem os referidos 15 dias de antecedência. Verificando-se que tal convocatória foi enviada no dia 17.10.2022, é de concluir que a referida antecedência não foi respeitada, como se anotou na decisão recorrida, e bem, concluindo-se pela sua intempestividade.

Vejamos, com brevidade, qual a consequência legal dessa inobservância.


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Com exceção das nulidades atípicas ou mistas, bem como das deliberações inexistentes e ineficazes, se o vício é de conteúdo, a deliberação é, em princípio, nula; se o vício é de procedimento, a deliberação é, por regra, anulável - cf. Pedro Maia, in Estudos de Direito das Sociedades (Coutinho de Abreu, Coord.), 12.ª Ed., Almedina, 2015, pp. 237 a 241. Sobre o ponto, quanto às sociedades comerciais, vd. o Ac. do STJ de 04.05.1999, rel. Torres Paulo, proc. 99A333; e, mais recentemente, quanto a deliberações tomadas em assembleia de condóminos, o Ac. RL de 19.12.2024, rel. Edgar Lopes, proc. n.º 20626/23.3T8LSB-A.L1-7. Quanto a deliberações nulas e inexistentes no âmbito das cooperativas, vd. Alexandre Soveral Martins, A Direção Exclui e a Assembleia Geral Aprova (Sobre Deliberações Inexistentes e Nulas), in Jurisprudência Cooperativa Comentada (Deolinda Meira, Coord.), INCM, Lisboa, 2012, pp. 439 a 443.

Como critério orientador, prescreve a lei civil que no domínio da disciplina das associações, as deliberações contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objeto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis (art. 177º do CC).

Nos termos do Código Cooperativo, são nulas as deliberações tomadas sobre matérias que não constem na ordem dos trabalhos fixada na convocatória, salvo se estiverem presentes ou representados todos os membros da cooperativa ou se incidir sobre matéria que se prenda com o direito de ação a propor pela cooperativa (art.s 39º e 78º do C. Cooperativo). Significa isto que quanto a estas matérias, há deliberações que são nulas, seja por vício de procedimento (art. 56º-1-a) do CSC ex vi do art. 9º do C. Coop.), seja por vício de conteúdo (art. 56º-1-c)-d) do CSC). Todavia, há deliberações tomadas na assembleia geral da cooperativa que poderão enfermar de vício de conteúdo ou de procedimento que, ainda assim, as tornam anuláveis (art. 58º do CSC).

E podem também ocorrer vícios de procedimento que podemos qualificar de relevantes e outros tão somente de irrelevantes - cf. Maria Elisabete Ramos, in Código Cooperativo Anotado, cit., p. 228.

Serão relevantes aqueles que “determinam um apuramento irregular ou inexacto do resultado da votação e, consequentemente, uma deliberação não corresponde à maioria de votos exigida, quer os ocorridos antes ou no decurso da assembleia que ofendem de modo essencial o direito de participação livre e informada dos sócios nas deliberações”.

Serão irrelevantesa contagem indevida de votos (…) ou a não contagem indevida de votos (…), se a maioria deliberativa se mantiver depois de descontados os votos indevidamente computados ou depois de contados os votos indevidamente não computados” - cf. Coutinho de Abreu (Coord.), Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. I, 2ª Ed., Almedina, 2017, p. 709.

Com efeito, esclarece a doutrina especializada, a propósito, o seguinte:

“[a]inda que possam decorrer da violação de normas imperativas, os vícios de procedimento não devem determinar a nulidade das deliberações sociais, dado que tendem a afetar apenas os interesses individuais dos membros atuais da pessoa coletiva. Ao contrário do que se verifica relativamente a alguns vícios de conteúdo, assim se justifica também a sanação por decurso do tempo, que caracteriza a anulabilidade e que permite acautelar a segurança jurídica de terceiros. Neste sentido, o regime jurídico excecionalmente previsto para as sociedades comerciais assenta na gravidade da lesão do direito dos sócios a participar nas deliberações, previsto no artigo 21.º alínea b) do CSC.” (…).

 “(…) à semelhança do regime jurídico consagrado no artigo 177.º do CC para as associações, antes da aprovação do atual CSC, os vícios de procedimento determinavam também a mera anulabilidade das deliberações sociais tomadas pelas assembleias gerais das sociedades comerciais, como resultava do artigo 146.º do CCom (…). Importa igualmente referir que, considerando o referido caráter excecional da nulidade das deliberações sociais por vícios de procedimento, o artigo 58.º n.º 1 alínea a) do CSC continua a estabelecer o regime regra da anulabilidade, capaz de garantir aos agentes económicos uma maior certeza. Ou seja, como reconheceu o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 7 de novembro de 2017 (proc. n.º 1919/15.0T8OAZ.P1.S1), “o CSC distingue entre deliberações nulas e deliberações anuláveis, sendo a anulabilidade o regime regra por se entender que o dinamismo da vida societária ficaria embaraçado com a multiplicação de invocações de nulidade”. Assim, relativamente às associações e às sociedades comerciais, o legislador afastou o que resultava da aplicação do artigo 294.º do CC, que estabelece subsidiariamente a nulidade dos negócios jurídicos celebrados contra a lei”.

[cf. Ana Amorim, Anulação de Deliberações Sociais de Associação por Falta de Convocatória para a Assembleia Geral. Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de dezembro de 2018 (proc. n.º 6299/15.0t8lsb.l1.s1), in Cooperativismo e Economia Social (CES), n.º 41. Curso 2018-2019, pp. 148 a 151].

Estatui o art. 56º do CSC (aplicável ex vi do art. 9º do C.Coop.), atinente à enumeração das deliberações nulas que “1 - São nulas as deliberações dos sócios: a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados.

Por seu turno, o art. 58º-1-a) do CSC prescreve que: “1 - São anuláveis as deliberações que: a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade; (…)”.

No caso dos autos, atenta a disciplina jurídica aplicável, é de concluir que a inobservância das formalidades, impostas pelos Estatutos e pela lei, relativa ao prazo de antecedência entre a convocatória e a data da realização da assembleia geral da cooperativa 1ª ré, não se enquadrando em nenhum caso de nulidade, consubstancia um vício de procedimento, de natureza formal ou procedimental gerador de anulabilidade das deliberações tomadas na sequência do mesmo.

Afigura-se que o tribunal a quo decidiu certeiramente quando enquadrou as invalidades em causa nos autos como vícios de procedimento suscetíveis de anulação - Vid., na doutrina, Pedro Maia, in Estudos de Direito das Sociedades (Coutinho de Abreu, Coord.), 12.ª Ed., Almedina, 2015, pp. 238-9 prevê precisamente a tomada de uma deliberação na sequência da violação do prazo de 15 dias da convocatória como uma deliberação inválida por vício no seu procedimento “(…) visto que no processo de formação do acto (…) ocorreu uma desconformidade com a lei (…)”.

Tal implicou, e bem, o conhecimento do pedido subsidiário, face à improcedência do pedido principal de declaração de nulidade (cf. art. 554º-1 do CPC).


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Aduz-se na sentença recorrida que não resultou provado (nem aleado) que o autor tenha votado favoravelmente as deliberações tomadas nas assembleias gerais realizadas no dia 10.11.2022 nem que, posteriormente, as tenha aprovado, expressa ou tacitamente.

Não se nos afigura rigoroso esse entendimento.

Com efeito, preceitua o art. 59º-1 do CSC, relativo à ação de anulação, que “1- A anulabilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer sócio [leia-se: cooperador] que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente.”.

Ora, se é certo que resultou não provado que o autor estivesse presente nas assembleias gerais realizadas pelas 16h e pelas 16,40h (vd. a alínea a) dos factos não provados), resulta dos autos, contudo, que o autor esteve presente na assembleia geral realizada pelas 15h (vd. ponto 11 dos factos provados).

Ora, o tribunal recorrido não deu direta e expressamente como provado que o autor esteve presente na assembleia geral pelas 15h (apenas tal se retira do que aconteceu nela: vd. ponto 11 dos factos provados) e devia tê-lo consignado nos factos provados (note-se que o ponto 25 dos factos provados refere-se à presença do autor numa assembleia de 2011 que não constitui objeto do presente recurso).

Do teor dos articulados (a ré alegou que o autor esteve presente na assembleia geral das 15h: vd. art. 27º da contestação) e dos elementos dos autos (vd. ata n.º 28), resulta que foi alegado o facto (“esteve presente”) que é o facto essencial ou nuclear e, conjugando com o teor da ata (em relação à qual não foi arguida  a sua falsidade nem, por qualquer forma, o seu teor foi impugnado), há que conjugar o facto da presença do autor com o teor da ata que revela o seu comportamento na assembleia geral das 15 horas. E desta resulta que o autor/recorrido não votou contra. Resulta dessa ata que as deliberações aí tomadas (quanto aos pontos 1, 2 e 3 da ordem de trabalhos; a apreciação do ponto 4 foi diferido para ulterior assembleia), foram aprovadas por maioria, apenas com o voto contra do cooperador CC - A doutrina explicita que a deliberação tanto pode resultar de uma decisão alcançada por vontade unânime dos sócios como por vontade de uma maioria. A deliberação tem sido qualificada pela doutrina como um negócio jurídico da sociedade e não dos seus sócios e os votos dela resultantes constituem, por seu turno, uma declaração de vontade dos sócios: cf. Pedro Maia, in Estudos de Direito das Sociedades, cit., pp. 2224-5. Seja como for, é sempre ao tribunal - a quo ou de recurso - que caberá qualificar juridicamente o vício - seja nulidade, seja anulabilidade - no âmbito da sua liberdade de indagar, interpretar e aplicar as regras de direito (cf. art.s 5º-3 e 607º-3 do CPC).

Face a este circunstancialismo, não pode sustentar-se que o autor tenha votado contra o sentido que fez vencimento, nem consta da respetiva ata que se tenha abstido. Antes pelo contrário: as deliberações foram votadas por maioria, podendo concluir-se que nesta maioria foi incluída ou englobada, tácita ou concludentemente, o seu voto, o qual exprime a sua vontade e concorreu para o vencimento da votação, tanto mais que resulta da ata n.º 28 que, depois de ler a declaração já referida, formulou questões sobre “quantidade de baga vendida” e não consta que se tenha ausentado antes da votação dos pontos previstos para a ordem dos trabalhos [No recuado Ac. da RP de 17.05.2004, rel. Fonseca Ramos, proc. n.º 0452518, entendeu-se que “o comportamento do Autor foi concludente no sentido de que não votou a deliberação que fez vencimento e, por isso, o Autor detém legitimidade para impugnar a deliberação social que declarou vencedora a lista candidata que considerava ilegal”. No Ac. do STJ de 11.10.2022, rel. Olinda Garcia, proc. n.º 2418/21.6T8VNG.S1, foi entendido que “não existe fundamento para a invalidade de uma deliberação social (que foi aprovada por mais de 99% dos votos emitidos), pelo facto de um terceiro ter participado irregularmente numa assembleia geral, na qual se absteve de votar.”. Em sentido próximo se pronunciou Tiago Pimenta Fernandes, A Legitimidade Ativa do Associado na Anulação de Deliberações Sociais, in CES - Cooperativismo e Economia Social, n.º 38 (2015-2016), p. 293, ao sustentar que “(…) em consonância com aquele que tem sido o entendimento doutrinal e jurisprudencial sobre esta matéria, entendeu a instância recorrida interpretar o art. 178.º, n.º 1 CCiv no sentido de que o sócio que, tendo participado na assembleia, expressou o seu sentido de voto contrário a essa deliberação, ou o que se absteve, tem direito a arguir a sua anulabilidade, ou seja, de que só o sócio que votou favoravelmente a decisão ficará impedido de exercer tal direito. Nessa linha de raciocínio, e uma vez que nada nos autos apontava para que a autora e recorrente tivesse votado favoravelmente a deliberação em crise (sendo certo que o ónus de alegação e prova desse sentido de voto sempre caberia à associação ré, como acima se referiu), somos da opinião de que bem andou a Relação ao reconhecer legitimidade processual ativa ao autor para a ação de anulação em causa, uma interpretação da expressão «qualquer associado que não tenha votado a deliberação» que, para além de se alinhar com a solução legal prevista no plano das sociedades comerciais, parece conduzir a resultados mais razoáveis, justos e conformes a princípios constitucionais tidos como essenciais no acesso à justiça por todos os cidadãos”. Mais recentemente, no Ac. da RL de 25.01.2024, rel. Fátima Reis Silva, proc. n.º 20963/22.4T8LSB-A.L2-1 consignou-se que “À luz do nº1 do art. 59º do CSC, um sócio dispõe de legitimidade substantiva indiscutível para arguir a anulabilidade de deliberações tomadas em assembleia geral na qual não compareceu nem não se fez representar, desde que as não tenha aceite posteriormente.”].

A doutrina tem analisado a questão da legitimidade dos sócios para a impugnação das deliberações sociais, entendendo que ela depende de não terem votado no sentido que fez vencimento, abrangendo duas situações distintas: a das deliberações positivas, “em que o resultado da votação é a aprovação da proposta apresentada”; e a das deliberações negativas “em que o resultado da votação é a rejeição da proposta apresentada a sufrágio”. Ali “os sócios que não votaram no sentido que fez vencimento são desde logo aqueles que votaram contra a proposta de deliberação, uma vez que o sentido que fez vencimento foi o da aprovação”; aqui, “os sócios que não votaram no sentido que fez vencimento são, entre outros, aqueles que votaram a favor da proposta de deliberação (…)”. Deste modo, “têm legitimidade para impugnar todos os sócios que não votaram - os ausentes e os abstencionistas - e ainda, dentre os sócios que participaram na votação, os que votaram em sentido diverso do que prevaleceu” - cf. Pedro Maia, in Estudos de Direito das Sociedades, cit., pp. 253-4.

Assim, podemos extrair concludentemente do seu comportamento na assembleia geral das 15 horas que o autor “votou no sentido que fez vencimento” (cf. os art.s 217º-1 e 236º-1 do C. Civil. [A jurisprudência tem analisado os critérios de análise em torno da declaração tácita e do comportamento concludente. No Ac. da RC de 16.04.2013, rel. Sílvia Pires, proc. n.º 3969/09.6TBLRA-A.C1 considerou-se que na ausência de uma provada declaração negocial expressa num determinado sentido, “só poderá concluir-se pela verificação de uma assunção de dívida através de uma declaração tácita, isto é, quando é dedutível de factos que com toda a probabilidade a revelam (art.º 217º, n.º 1, do C. Civil)”. De tal modo que “para haver declaração tácita basta que o declarante tenha praticado factos dos quais se possa deduzir, com segurança, a vontade provável de ele emitir certa declaração. Os factos de que a vontade se deduz, na declaração tácita, chamam-se factos concludentes ou significativos”. Como se expôs no Ac. do STJ de 28.09.2017, rel. Ondina Alves, proc. n.º 3006/11.0TCLRS.L1-2 a declaração tácita “é constituída por um comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo”; de sorte que, aduz-se neste aresto, “os comportamentos que podem servir de suporte à declaração negocial tácita terão necessariamente que integrar a factualidade dada como provada, sendo necessário, em momento subsequente, verificar se eles são susceptíveis de integrar uma declaração negocial tácita, questão de direito, que terá de ser resolvida mediante interpretação, de acordo com os critérios acolhidos pelo artigo 236º do Código Civil”. Sustenta que “a determinação do comportamento concludente, como ´elemento objectivo da declaração tácita´, faz-se, tal como na declaração expressa, por recurso à via interpretativa; para concluir que “a inequivocidade dos factos concludentes deve ser aferida com base numa conduta suficientemente significativa que não deixe nenhum fundamento razoável para duvidar do significado que dos factos se depreende”.

Ora, no caso dos autos, não sofre dúvida que o comportamento do autor, na assembleia das 15 horas é, de acordo com estes parâmetros, de aprovação da deliberação (Vd. em sentido convergente o Ac. da RP de 23.03.2023, rel. Isoleta Costa, proc. n.º 18512/21.0T8PRT.P1).

O autor, ora recorrido, não tinha, portanto, legitimidade para impugnar as deliberações tomadas na assembleia geral realizada pelas 15h nos termos do referido art. 59º-1 do CSC [note-se que que o Código das Sociedades Comerciais, na parte dos preceitos aplicáveis às sociedades anónimas, apenas é aplicável para colmatar lacunas do Código Cooperativo ou da legislação complementar do ramo do setor cooperativo agrícola no qual a 1ª ré se integra se não houver norma que regule o ponto (cf. o art. 9º do C. Coop.). Verifica-se que o regime jurídico aplicável às cooperativas agrícolas previsto no DL n.º 335/99, de 20-08 não prevê nenhuma regra aplicável a esta matéria; e o Código Cooperativo também não o prevê, porquanto a norma do art. 39º do C. Coop. apenas é aplicável às deliberações nulas e vimos já que as deliberações que cuidamos estão sujeitas ao regime da anulabilidade].

Atento o exposto, é de concluir que as deliberações tomadas na primeira assembleia geral do dia 10.11.2022 pelas 15 horas são válidas, a que se reporta a ata n.º 28, devendo a sentença recorrida ser parcialmente revogada e o recurso proceder, nesta parte.

Pelo que se impõe a alteração da matéria de facto, acrescentando-se o facto provado com o n.º 26 nos seguintes termos:

26) O autor esteve presente na assembleia geral realizada no dia 10.11.2022, pelas 15,00 horas, não tendo votado contra nenhuma das propostas aí colocadas à votação previstas nos pontos da ordem dos trabalhos indicados na respetiva convocatória.


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Quanto às demais deliberações tomadas nas assembleias gerais da 1ª ré realizadas no mesmo dia, pelas 16h e pelas 16.40h, pelas razões acima expendidas, é de concluir que são anuláveis, por ocorrência de vício procedimental, como acima se explicitou, devendo a sentença recorrida ser confirmada, na parte em que o afirmou e decidiu pela sua anulação.

Com efeito, ao contrário do que sustenta a recorrente, não pode sustentar-se que o autor, tendo estado presente na assembleia geral das 15,00 horas, teria necessariamente conhecimento das assembleias gerais realizadas mais tarde, pelas 16,00 horas e pelas 16,40 horas, uma vez que para elas não foi validamente convocado com a referida antecedência de 15 dias.

Assim, mostra-se não verificada a exceção material do abuso de direito, invocada pela recorrente no seu recurso, que, a verificar-se, consubstanciaria um venire contra factum proprium (cf. art. 334º do C. Civil), derivação daquele. Ora, tal comportamento abusivo por parte do autor não se verifica manifestamente no caso dos autos, improcedendo, em consequência, as 8ª a 12ª conclusões.


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Atento o parcial provimento do recurso, são devidas custas processuais na proporção do respetivo decaimento, a cargo do autor/recorrido e da 1.ª ré/recorrente, devendo a proporção ser fixada em 1/3 para aquele e em 2/3 para esta (cf. art.s 527º e 607º-6 do CPC). 

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Sumário (cf. art. 663º-7 do CPC):

(…).


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V – Decisão

Atento o exposto, acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível deste Tribunal da Relação:

i. Revogar a decisão recorrida na parte em que julgou anulada a deliberação tomada na assembleia geral da 1.ª ré realizada no dia 10.11.2022, pelas 15,00 horas.

ii. Manter, no mais, e nos seus precisos termos, a sentença recorrida.


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Custas, na ação e no recurso, a cargo do autor e da 1.ª ré, na proporção de 1/3 para aquele e 2/3 para esta.

Notifique e registe.


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Coimbra, 28.10.2025.

Marco António de Aço e Borges

Cristina Neves

Luís Miguel Caldas