I – Em processo de inventário, onde todos os interessados estão patrocinados por mandatário judicial, é válida a notificação da reclamação contra a relação de bens efetuada nos termos do artigo 221º, nº 1, do CPC..
II – A falta de resposta à reclamação contra a relação de bens por parte do cabeça de casal na sequência de notificação feita pelo mandatário judicial, determina, quanto à matéria do incidente, a produção de efeito cominatório.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Recorrente AA
Recorrido BB
*
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório
No inventário para partilha de bens do casal, instaurado por BB contra AA, no qual esta última desempenha funções de cabeça de casal, o interessado BB apresentou reclamação à relação de bens.
Notificada da reclamação contra a relação de bens nos termos do artigo 221º, nº 1, do CPC (notificação efetuada pelo mandatário do interessado reclamante ao mandatário da cabeça de casal), a cabeça de casal não apresentou resposta.
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Em 12/03/2023, sob a referência 103024779, Apenso D, foi proferido despacho com o seguinte teor:
« Consigna-se não ter sido apresentada resposta à reclamação à relação de bens.(…).»
Este despacho foi notificado ao Ilustre Mandatário da Recorrente, por notificação datada de 22/03/2023, não se surpreendendo qualquer reação a este segmento do mesmo.
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Em 09/05/2025, foi proferido o despacho com a referência 110630952, Apenso D cujo teor se transcreve:
«*
INCIDENTE DE RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS
--DECISÃO--
I. Relatório:
1. Nos presentes autos de inventário para separação de meações entre BB, interessado devidamente id. nos autos, e AA, cabeça de casal, também devidamente id. nos autos, veio aquele apresentar reclamação à relação de bens apresentada, não arrolando testemunhas (cfr. requerimento de 22-07-2022), alegando:
1.1.em primeiro lugar, que os valores atribuídos às verbas nº 6 e nº 7 não correspondem à realidade. Relativamente à verba nº 6, respeitante a uma marca comercial, considera que o valor não ultrapassa os €500. Quanto à verba nº 7, que se refere a uma viatura, sustenta que o seu valor de mercado atual é superior a €10.000.
1.2.No que respeita às verbas nº 8, 9 e 10, o reclamante requer a sua exclusão da Relação de Bens, porquanto os móveis aí descritos já foram partilhados entre as partes, por acordo, no dia 8 de junho de 2022.
1.3.Impugna também a verba nº 11, que menciona um alegado crédito de €83.000 sobre si, negando que esse valor tenha alguma vez existido no património do casal. Afirma que nunca foi realizado qualquer depósito com esse montante no cofre contratado com a Banco 1... e, consequentemente, nega ter-se apropriado de qualquer quantia, pelo que defende a exclusão dessa verba da Relação de Bens.
1.4.Quanto à verba nº 12, relacionada com uma transferência de fundos para a sociedade BB Unipessoal, Lda, admite que tal transferência ocorreu, mas sustenta que foi realizada com conhecimento e autorização da ex-cônjuge, numa altura em que o casal ainda vivia em comunhão de vida económica. Argumenta que o valor em causa foi aplicado num bem comum — a referida sociedade — que já está contemplado na verba nº 3, pelo que o mesmo não pode ser considerado em duplicado.
1.5.No mesmo sentido, contesta a verba nº 13, afirmando que a quantia mencionada foi também integralmente canalizada para a sociedade BB Unipessoal, Lda, no âmbito da gestão económica comum do casal. Refere que, à data da operação, ainda viviam juntos e que a verba em causa já se encontra refletida na partilha sob a verba nº 3.
1.6.No que toca à verba nº 14, relativa à venda de uma mota, impugna o crédito e o valor atribuído pela Cabeça de Casal, alegando que se tratou de um ato de gestão da economia doméstica comum e que o veículo foi vendido pelo valor justo de €1.000, ainda antes de qualquer separação de facto.
1.7.Por fim, quanto às contas bancárias da ex-cônjuge, o reclamante declara desconhecer os números e instituições onde esta detém contas, devido ao sigilo bancário, requerendo que o Banco de Portugal indique tais entidades e respetivos números de conta. Pede ainda que essas instituições sejam notificadas pelo Tribunal para juntarem aos autos os extratos bancários dos doze meses anteriores a 26 de janeiro de 2017.
1.8.Nestes termos, o reclamante requer a reavaliação dos valores atribuídos às verbas nº 6 e nº 7, a exclusão das verbas nº 8, 9, 11, 12, 13 e 14 da Relação de Bens, e a notificação do Banco de Portugal e das respetivas instituições bancárias para obtenção de extratos das contas tituladas pela ex-cônjuge.
2. Não foi apresentada resposta à reclamação à relação de bens, o que, aliás, foi consignado por despacho de 12-03-2023.
3. Foram solicitadas informações a diversas instituições bancárias, tendo sido prestadas as informações solicitadas.
4. Entendendo que os autos reúnem condições para a prolação de mérito quanto ao incidente de reclamação à relação de bens, foram as partes ser admitidas a pronunciar-se quanto a esta eventualidade, concedendo-se para o efeito o prazo de 10 dias (cfr. art.º 3.º, n.º 3 do CPC).
5. Regularmente notificadas, nenhuma das partes do presente incidente, se pronunciou.
6. Cumpre, assim, decidir.
II. Fundamentação:
1) De Facto:
7. Atento o alegado pelo interessado reclamante e a falta de oposição da cabeça de casal, atento o disposto no art.º 293.º, n.º 3 do CPC (aplicável “ex vi” artigo 1091.º do CPC, por sua vez, aplicável “ex vi” art.º 1104.º, n.º 1, al. d) do CPC), julgo provada a seguinte factualidade:
7.1.O Valor da Marca “da minha lavra” da verba nº 6 não é superior a € 500,00
7.2.O valor do veículo da verba nº 7 é superior a € 10.000,00.
7.3.Os móveis descriminados nas Verbas nº 8, 9 e 10 da Relação de Bens já foram partilhados entre as partes, por acordo, no dia 8 de Junho de 2022.
7.4.No dia 7 de setembro de 2016, foi realizada uma transferência no montante de 32.000,00€ (trinta e dois mil euros) de conta bancária do património comum para a conta da sociedade BB Unipessoal, Lda.
7.5.Tal transferência foi feita com o conhecimento da cabeça de casal.
7.6.À data da transferência, o casal ainda vivia em economia comum, na casa de morada de família.
7.7.A separação de facto e económica do casal teve lugar no final do dia 26 de janeiro de 2017.
7.8.O Reclamante transferiu 10.611,38€ de conta bancária do património comum para a sua conta no Banco 2..., com o número ...90, sendo esse valor creditado em 25/10/2016
7.9.Em 31/10/2016, o Reclamante levantou €7.460,00 da referida conta.
7.10. No mesmo dia, 31/10/2016, o Reclamante depositou os €7.460,00 na conta do Banco 2... em nome da sociedade BB Unipessoal, Lda.
7.11. O montante de €10.611,38 chegou à sociedade BB Unipessoal, Lda, sendo que €7.460,00 foram depositados diretamente e o restante foi utilizado para pagar uma linha de enchimento de vinho comprada a CC.
7.12. No dia 09/12/2016, o Reclamante efetuou duas transferências de €3.000,00 cada uma para CC, como pagamento pela linha de engarrafamento de vinho.
7.13. À data de 26/01/2017, na conta sedeada no Banco 3... com o IBAN nº ...09, titulada pela cabeça de casal e o pelo interessado reclamante, tinha um saldo de €10.615,54.
7.14. À data de 26.01.2017, as partes eram titulares da conta com o IBAN ...40, sediada na Banco 1... da ..., a qual tinha um saldo de €168,22.
7.15. À data de 26.01.2017, as partes eram titulares da conta à ordem nº ...8-5, sediada no Banco 4..., a qual tinha um saldo de €795,75.
7.16. À data de 26.01.2017, o interessado BB, era titular da conta de depósitos à ordem n.º ...01 no Banco 2..., a qual apresentava saldo de €0,00,
7.17. A referida conta encontra-se associada a dois Planos de Poupança Reforma (PPR) com saldos de 1.189,81 € e 125,41 €, respetivamente.
7.18. A cabeça de casal AA não é titular dessa conta.
7.19. A 26.01.2017, foi efetuada uma transferência bancária no valor de €15.642,26, a qual teve como destinatário o IBAN ...16, que corresponde à conta de depósitos à ordem n.º ...01, titulada por BB - Unipessoal Lda., NIPC ...88 e representada por BB.
8. E julgo não provada a seguinte factualidade:
8.1.O interessado reclamante, em 26/01/2017, apoderou-se da quantia de 83.000,00€ (oitenta e três mil euros), quantia esta resultante das economias que ambos os ex- cônjuges conseguiram amealhar durante os anos em que estiveram casados, e resolveram depositar em 23-01-2017 num cofre do Balcão da ... da Banco 1...
8.2. O interessado reclamante, apoderou-se da quantia de 4.000,00€ (quatro mil euros) em 3 Março 2017 através duma simulada venda duma moto Honda, matrícula ..-..-GJ.
2) Motivação da prova:
9. Os factos 7.1 a 7.7. foram julgados provados por falta de contestação (cfr. 292.º, n.º 3 e 574.º, n.º 2 do CPC).
10. Para prova dos factos 7.8 e 7.9, o Tribunal fundou-se no doc. 1 junto com
requerimento de dedução de incidente de reclamação à relação de bens (requerimento de 22-07-2022).
11. Para prova do facto 7.10, o Tribunal fundou-se no doc. 2 junto com requerimento de dedução de incidente de reclamação à relação de bens (requerimento de 22-07-2022).
12. Para prova do facto 7.11, o Tribunal fundou-se no doc. 3 junto com requerimento de dedução de incidente de reclamação à relação de bens (requerimento de 22-07-2022).
13. Para prova do facto 7.12, o Tribunal fundou-se no doc. 4 junto com requerimento de dedução de incidente de reclamação à relação de bens (requerimento de 22-07-2022).
14. Para prova do facto 7.13, o Tribunal fundou-se na informação do Banco 3... de 16/06/2023.
15. Para prova do facto 7.14, o Tribunal fundou-se na informação da Banco 1... da ... (ofício de 28-06-2023).
16. Para prova do facto 7.15, o Tribunal fundou-se na informação do Banco 4... de 28-06-2023.
17. Para prova dos factos 7.16 a 7.18, o Tribunal fundou-se na informação do Banco 2... de 06-07-2023.
18. Para prova do facto 7.19, o Tribunal fundou a sua convicção na análise conjugada dos ofícios do Banco 2... de 06-07-2023 e de 29-10-2024).
19. Quanto aos factos não provados, os mesmos foram assim considerados por total ausência de prova quanto aos mesmos.
3) Direito:
20. Os interessados diretos na partilha e o Ministério Público, quando tenha intervenção principal podem no prazo de 30 dias a contar da sua citação: a) Deduzir oposição ao inventário; b) Impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros; c) Impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações; d) Apresentar reclamação à relação de bens; e) Impugnar os créditos e as dívidas da herança (artigo 1104.º, nº 1, do CPC).
21. A reclamação contra a relação de bens é, assim, deduzida no prazo de 30 dias a contar da citação, nos termos do artigo 1104.º n.º 1, al. d), do CPC.
22. Os fundamentos para a reclamação podem consistir: na alegação da existência de bens a partilhar que não foram contemplados na relação de bens – reclamação por insuficiência de bens; ou na alegação de que bens contemplados na relação de bens estão subtraídos à partilha – reclamação por excesso da relação de bens. De igual modo, pode ser arguida a inexatidão da identificação dos bens incluídos na relação, bem como ser impugnado o valor atribuído a tais bens1.
23. Assim, vejamos as pretensões deduzidas na presente reclamação.
24. Quanto ao valor a atribuir às verbas n.º 6 e 7:
24.1. Com base na matéria de facto dada como provada, é possível determinar, de forma clara e objetiva, o valor a atribuir às verbas n.º 6 e n.º 7.
24.2. Relativamente à verba n.º 6, respeitante à marca comercial “da minha lavra”, o reclamante alegou que o respetivo valor não ultrapassaria os €500. Tal alegação foi confirmada pela factualidade provada no ponto 7.1, onde se afirma que o valor da referida marca não é superior a €500,00. Assim, deve ser atribuído à verba n.º 6 o valor de €500,00.
24.3. Quanto à verba n.º 7, correspondente a uma viatura, o reclamante sustentou que o seu valor de mercado era superior a €10.000. Esta afirmação foi igualmente acolhida na matéria de facto, conforme ponto 7.2, no qual se dá como provado que o valor do veículo é, de facto, superior a €10.000,00. Todavia, não foi fixado um montante exato, apenas se estabeleceu que o valor ultrapassa esse patamar. Na ausência de qualquer prova em sentido contrário ou de resposta da cabeça de casal à reclamação, o Tribunal poderá, em fase ulterior do processo, determinar o valor preciso mediante avaliação pericial ou acordo entre as partes. Em alternativa, e apenas se tal se revelar necessário para efeitos provisórios do inventário, poderá ser considerado desde já um valor mínimo de €10.000,01. Assim, a solução mais prudente é considerar que o valor da verba n.º 7, é o de €10.000,01.
24.4. Procede, assim, nesta parte, a reclamação.
25. Relativamente às verbas n.º 8, 9 e 10 da relação de bens, importa analisar se devem ou não ser excluídas com base na matéria de facto dada como provada.
25.1. O reclamante alegou que os móveis descritos nessas verbas já haviam sido partilhados entre as partes por acordo, em 8 de junho de 2022. Esta alegação não foi impugnada pela cabeça de casal, que se manteve silente face à reclamação, conforme consignado por despacho de 12-03-2023.
_________________
1 CÂMARA, Carla, O Processo de Inventário Judicial e o Processo de Inventário Notarial, Almedina, Maio 2021, p. 68.
25.2. A este respeito, foi dado como provado, no ponto 7.3 “supra”, que os móveis descriminados nas verbas n.º 8, 9 e 10 foram efetivamente partilhados entre as partes, por acordo, na data indicada.
25.3. Verificando-se que tais bens já não integram, à data da elaboração da relação, o acervo comum a partilhar, por já terem sido objeto de partilha extrajudicial válida, a sua manutenção na relação de bens carece de fundamento.
25.4. Assim, tendo em consideração que tais bens já foram objeto de partilha extrajudicial e que a partilha extrajudicial só é impugnável nos casos em que o sejam os contratos (cfr. art.º 2121.º do Código Civil), conclui-se que as verbas n.º 8, 9 e 10 devem ser excluídas da relação de bens, procedendo, nesta parte, também, a reclamação deduzida.
26. Quanto à requerida exclusão da verba n.º 11:
26.1. No que respeita à verba n.º 11 da relação de bens, importa analisar se se justifica a sua exclusão, à luz da factualidade provada e do regime aplicável ao inventário para separação de meações. A referida verba diz respeito a um alegado crédito de €83.000 sobre o reclamante, relativo a uma quantia que teria sido retirada de um cofre contratado com a Banco 1.... O interessado impugnou a existência desse crédito, negando que tal montante alguma vez tenha existido no património comum do casal ou que tenha sido realizado qualquer depósito com tal valor nesse cofre. Acrescentou, ainda, que nunca se apropriou de qualquer quantia nesse montante.
26.2. Com efeito, da análise dos elementos constantes dos autos não resulta qualquer prova da existência do referido crédito de €83.000 nem qualquer evidência de que esse valor tenha integrado o património comum.
26.3. Nestes termos, e não se demonstrando a existência do crédito em causa, nem a sua origem, nem a sua entrada no património comum, impõe-se a exclusão da verba n.º 11 da relação de bens, por falta de comprovação da sua realidade patrimonial.
26.4. Procede, neste ponto, também, a reclamação deduzida.
27. Quanto à requerida exclusão da verba n.º 12:
27.1. No que respeita à verba n.º 12 da relação de bens, relativa a uma transferência de fundos para a sociedade BB Unipessoal, Lda., importa analisar se se justifica a sua exclusão com base na factualidade apurada nos autos. O reclamante admitiu que a transferência no montante de €32.000,00 foi efetivamente realizada, mas alegou que a mesma ocorreu com o conhecimento e autorização da ex-cônjuge, numa altura em que ainda existia comunhão de vida e economia familiar, sendo o valor aplicado num bem comum — a mencionada sociedade — já contemplado na verba n.º 3 da relação de bens.
27.2. A alegação foi corroborada pela matéria de facto provada. Com efeito, resulta dos pontos 7.4 a 7.6 que, no dia 7 de setembro de 2016, foi realizada uma transferência de €32.000,00 de uma conta bancária pertencente ao património comum para a conta da sociedade BB Unipessoal, Lda., com o conhecimento da cabeça de casal, sendo certo que, à data, o casal ainda vivia em economia comum.
Mais se provou que a separação de facto e económica apenas teve lugar no final do dia 26 de janeiro de 2017 (ponto 7.7).
27.3. Nestes termos, estando demonstrado que a transferência foi efetuada no contexto de uma gestão comum e em benefício de uma entidade societária que constitui bem comum do casal, já incluída na verba n.º 3, verifica-se que a quantia transferida não representa um crédito autónomo a integrar na relação de bens. A sua inclusão na verba n.º 12 traduzir-se-ia numa duplicação injustificada do mesmo valor.
27.4. Assim, e tendo em conta que a verba n.º 12 respeita a um valor que já se encontra refletido noutra verba da relação, e que foi investido com acordo de ambos os cônjuges no âmbito da comunhão de vida económica, deve a mesma ser excluída da relação de bens, por carecer de autonomia patrimonial e por se mostrar redundante face ao que já foi considerado na verba n.º 3.
27.5. Procede, também, nesta parte, a reclamação.
28. Quanto à requerida exclusão da verba n.º 13:
28.1. No que respeita à verba n.º 13 da relação de bens, o reclamante impugna a sua inclusão com o fundamento de que o montante aí referido foi integralmente canalizado para a sociedade BB Unipessoal, Lda., no âmbito da gestão da economia comum do casal. Alegou, ainda, que à data da operação os cônjuges viviam em comunhão de vida económica e que o valor em causa se encontra já refletido na verba n.º 3 da relação de bens, relativa à referida sociedade.
28.2. Tais factos foram dados como provados nos pontos 7.8 a 7.12 “supra”. Em particular, ficou demonstrado que, em 25/10/2016, o reclamante transferiu €10.611,38 de uma conta bancária do património comum para a sua conta pessoal, tendo, poucos dias depois, canalizado esse montante para a sociedade BB Unipessoal, Lda.
Parte desse valor foi depositado diretamente na conta da sociedade (€7.460,00) e o restante utilizado para pagar uma linha de enchimento de vinho, adquirida em nome da mesma. Ademais, ficou provado que tais operações ocorreram numa altura em que os cônjuges ainda viviam juntos, em economia comum.
28.3. Assim, sendo inequívoco que o valor da verba n.º 13 foi totalmente absorvido pelo capital ou pelo funcionamento da sociedade comum — cuja existência e valor já estão refletidos noutra verba —, impõe-se, por razões de justiça e coerência patrimonial, a exclusão da verba n.º 13 da relação de bens.
28.4. Procede, também, nesta parte, a reclamação.
29. Quanto à requerida exclusão da verba n.º 14:
29.1. No que se refere à verba n.º 14 da relação de bens, relativa à venda de uma mota e à alegação de existência de um crédito sobre o reclamante, cumpre aferir se a mesma deve ou não ser excluída. O interessado reclamante impugnou a existência de tal crédito, sustentando que a venda da mota ocorreu no âmbito da gestão da economia doméstica comum e que o veículo foi vendido pelo valor justo de €1.000, antes de qualquer separação de facto entre os cônjuges.
29.2. Não tendo sido demonstrado qualquer abuso de confiança, ocultação ou
apropriação ilegítima do produto da venda, não há fundamento para considerar a existência de qualquer crédito a incluir na relação de bens.
29.3. Desta forma, a verba n.º 14 deve ser excluída da relação de bens, por inexistência do crédito alegado.
30. Quanto aos saldos bancários:
30.1. Atenta a matéria de facto dada como provada nos autos, importa agora apurar que saldos bancários bancárias devem ser aditados à relação de bens, e por que montante.
30.2. Com base nos pontos 7.13 a 7.15 da fundamentação, resultou provado que, à data da separação de facto e económica (26.01.2017), existiam as seguintes contas bancárias tituladas por ambos os ex-cônjuges, com os respetivos saldos:
1. Conta no Banco 3... (IBAN: ...09)
o Saldo em 26.01.2017: €10.615,54
o Titulada por ambos os membros do casal
Deve ser aditada à relação de bens com o valor de €10.615,54.
2. Conta no Banco 1... da ... (IBAN: ...40)
o Saldo em 26.01.2017: €168,22
o Titulada por ambos os membros do casal
Deve ser aditada à relação de bens com o valor de €168,22.
3. Conta à ordem no Banco 4... (n.º ...8-5)
o Saldo em 26.01.2017: €795,75
o Titulada por ambos os membros do casal
Deve, assim, ser aditada à relação de bens com o valor de €795,75.
30.3. Estas contas são, nos termos legais, ativos comuns do casal, por se tratarem de saldos bancários existentes à data da cessação da comunhão de vida, titulados conjuntamente. A inclusão dos respetivos montantes na relação de bens é, assim, obrigatória, enquanto componente do património a partilhar.
30.4. Por outro lado, no que respeita à conta individual do reclamante no Banco 2... (ponto 7.16), ficou provado que a mesma apresentava saldo nulo (€0,00) na data relevante, embora estivesse associada a dois Planos de Poupança Reforma (PPR), com saldos de €1.189,81 e €125,41, respetivamente (ponto 7.17).
30.5. Não obstante o facto de a conta não ser co-titulada, os valores dos PPR
merecem a devida análise.
30.6. Um PPR constituído durante a vigência do casamento celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos reveste a natureza de bem comum, nos termos do artigo 1724.º, alínea b), do Código Civil, por se tratar de um bem adquirido na constância do matrimónio, com recursos presumivelmente comuns2.
30.7. Este entendimento parte do princípio de que, salvo prova em contrário, os rendimentos auferidos por qualquer dos cônjuges durante o casamento integram o património comum, e, como tal, os investimentos ou aplicações realizadas com tais rendimentos também pertencem ao acervo partilhável.
30.8. A aquisição de um bem móvel, como é o caso de um direito de crédito associado a um PPR, não está excecionada da comunhão nos termos legais, designadamente pelos artigos 1722.º e 1723.º do Código Civil. A jurisprudência é clara ao afirmar que os direitos emergentes de PPR’s, enquanto aplicações financeiras realizadas com capitais comuns durante o casamento, devem ser considerados bens comuns, independentemente de estarem titulados apenas por um dos cônjuges3.
30.9. Assim, tendo resultado provado que, à data de 26 de janeiro de 2017 — data da separação de facto — o interessado BB era titular de dois PPR associados à conta bancária no Banco 2..., com saldos de €1.189,81 e €125,41, totalizando €1.315,22, e não se tendo demonstrado que tais valores tenham origem em bens próprios ou rendimentos excecionados da comunhão, impõe-se a sua inclusão na relação de bens.
30.10. Deste modo, os referidos saldos dos PPR devem ser aditados à relação de bens, com o valor total de €1.315,22, por se tratarem de bens móveis presumivelmente comuns, adquiridos na constância do matrimónio.
30.11. Em conclusão, devem ser aditados à relação de bens os seguintes saldos
bancários existentes em contas tituladas por ambos à data de 26/01/2017, referidos em 30.2 bem como os saldos dos PPR’s acima referidos.
2 Cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 25 de setembro de 2018, no processo n.º 203/18.1T8CBR-C.C1, in www.dgsi.pt.
3 Cfr., neste sentido, citado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 25 de setembro de 2018,ibidem
III. Decisão
Termos em que decido:
31. Julgar totalmente procedente a presente reclamação à relação de bens e, consequentemente, determino que:
31.1. Sejam excluídas da relação de bens as verbas nº 8, 9, 11, 12, 13 e 14.
31.2. À verba n.º 6, seja atribuído o valor de €500,00, sem prejuízo de ulterior avaliação.
31.3. À verba n.º 7, seja atribuído o valor de €10.000,01, sem prejuízo de ulterior avaliação.
31.4. Sejam aditados à relação de bens os saldos bancários referidos nos pontos 7.13 a 7.15, bem como os saldos de PPR’s referidos no ponto 7.17.
31.5. Condenar a cabeça de casal, ora reclamada, em custas do incidente (cfr. art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).
31.6. Fixar a taxa de justiça do incidente em 1 (uma) UC (cfr. art.º 7.º, n.º 4 do RCP e Tabela II-A anexa a este), atenta a complexidade do presente incidente.
31.7. Notifique, sendo a cabeça de casal, para, em 10 dias, após o trânsito em julgado da presente decisão, apresentar relação de bens corrigida, em conformidade, com o acima decidido.»
*
É este o despacho recorrido.
*
Das Alegações
Inconformada, a cabeça de casal AA interpôs recurso de apelação daquele despacho, formulando as seguintes conclusões:
(…).
*
Das Contra-Alegações
Por requerimento datado de 04/06/2025, foram apresentadas contra-alegações, contendo as conclusões seguintes:
«Conclusões:
(…)».
*
O recurso foi admitido.
**
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II – Objeto do recurso
Resulta da conjugação do disposto nos artºs 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 1 e 639º, todos do Código de Processo Civil, que são as conclusões do recurso que delimitam os termos do recurso (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 608º, nº 2, ex vi artº 663º, nº2, ambos do mesmo diploma legal).
Questões a decidir
I) Se a notificação, ao cabeça de casal, da reclamação contra a relação de bens deve ser obrigatoriamente efetuada pela secretaria;
II) Se a falta de resposta à reclamação contra a relação de bens implica a admissão dos respetivos factos por acordo, por produção do efeito cominatório;
***
III – Fundamentação de facto.
Os factos que relevam para a decisão das questões apontadas são os que resultam do precedente relatório, bem como do teor do despacho recorrido, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
**
IV – Fundamentação de direito.
Da notificação referida no art. 1105º, nº 1 do CPC
Considerando que o recurso assenta na falta de notificação referida no Art. 1105º do C.P.C., pela secretaria, à cabeça de casal, da reclamação apresentada à relação de bens por um dos interessados, convoquemos o mencionado preceito.
Preceitua o Art. 1105º do C.P.C.:
“1 - Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada.
2 - As provas são indicadas com os requerimentos e respostas.
3 - A questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092.º e 1093.º
4 - A alegação de sonegação de bens, nos termos da lei civil, é apreciada conjuntamente com a acusação da falta de bens relacionados, aplicando-se, quando julgada provada, a sanção estabelecida no artigo 2096.º do Código Civil.
5 - Se estiver em causa reclamação deduzida contra a relação de bens ou pretensão deduzida por terceiro que se arrogue titular dos bens relacionados e se os interessados tiverem sido remetidos para os meios comuns, o processo prossegue os seus termos quanto aos demais bens.
6 - Se o crédito relacionado pelo cabeça de casal e negado pelo pretenso devedor for mantido na relação, reputa-se litigioso.
7 - Se o crédito previsto no número anterior for eliminado, entende-se que fica ressalvado aos interessados o direito de exigir o pagamento pelos meios adequados.”.
Conforme disposto no Art. 1104º, nº 1, al d) do C.P.C., “Os interessados diretos na partilha podem deduzir reclamação contra a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal ”.
Então, a primeira questão a decidir, atendendo ao modo como a mesma é suscitada pelo Recorrente nas conclusões do seu recurso, consiste em apurar se a notificação da reclamação contra a relação de bens é sempre notificada ao cabeça de casal pela secretaria, quando este, o reclamante e demais interessados, se existirem, estiverem patrocinados por mandatário judicial.
Quanto ao mencionado Art. 1105º, este não indica como e por quem deve ser feita a notificação pelo que, nas matérias não especificamente reguladas nas normas referentes ao processo de inventário, deve lançar-se mão da aplicação das disposições gerais do Código de Processo Civil, na parte em regem as notificações nos processos pendentes, nos termos do previsto no Art. 549º, nº 1 do C.P.C..
No entender de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil, vol. 2º, 3ª edição, Almedina, pág. 475, «do atributo da generalidade resulta a sua aplicação automática a qualquer forma de processo (incluindo o próprio processo comum!), na medida em que para ela não seja estabelecido um regime especial».
Conforme contributo esclarecido do Ac. TRG nº 374/20.7T8PTB, datado de 02.06.2022, que subscrevemos: «no atual sistema de notificações eletrónicas, não há que fazer qualquer distinção entre notificações da secretaria e notificações entre os mandatários, nos processos em que há advogado constituído, pois todos os atos processuais escritos das partes devem ser notificados entre os advogados por via eletrónica (salvo justo impedimento (art. 144º, nº 8). Conclui-se, portanto, que tendo sido notificado o mandatário, considera-se validamente notificado o cabeça de casal».
Por relevante, destacamos do sumário do referido aresto: « 1- As partes são notificadas dos atos praticados em juízo (artºs 3º e 219º, nº 2, CPC), em regra na pessoa do respetivo mandatário (artº 247º, nº 1, CPC), pelo que, no caso da reclamação à relação de bens e para os efeitos do art. 1105º,nº1 do CPC, considera-se devidamente notificado o cabeça de casal, com advogado constituído, quando a notificação teve lugar na pessoa do mandatário.
3- Não tendo sido apresentada resposta pelo cabeça de casal à reclamação contra a relação de bens, têm-se por admitidos os factos da reclamação nos termos gerais ( art. 549º e 574º CPC), com a consequente obrigação de relacionar os bens objeto da reclamação ».
No mesmo sentido, citamos ainda o Ac. da TRC, datado de 14/02/2012 ( Relator Carvalho Martins), Proc. 112/05.4TBTND-B.C1, de onde se retira: « 2. Com as alterações efectuadas nos arts. 229.º-A, n.º 1, e 260º-A, ambos do CPC, pelo DL n.º 183/2000, de 10-8, quebrou-se uma prática processual secular, em que até então o mandatário judicial remetia todas as peças que entendesse para o processo, competindo depois ao tribunal dar conhecimento das mesmas à parte contrária, assim se libertando os tribunais de tarefas que podem ser desempenhadas pelas próprias partes. Qualquer peça (entendida esta em sentido amplo, como os requerimentos recursivos, as alegações, as contra-alegações, os requerimentos probatórios, etc...) que seja emanada do escritório de um dos mandatários judiciais para ser junta ao processo e que a parte contrária deva tomar conhecimento, nomeadamente para poder exercer o princípio do contraditório ou para preparar a sua defesa, integra o conceito de “requerimento autónomo” para efeitos do disposto nos artigos citados.
3. O art. 229.º-A, teleologicamente orientado, pois, no sentido de «desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes», tem aplicação, além do mais, relativamente a todos os «requerimentos autónomos», ou seja, àqueles cuja admissibilidade não depende de despacho prévio do juiz. O aludido artigo vem, por conseguinte, a abranger na sua teleologia - até - as alegações e contra-alegações de recurso. E a expressão «requerimentos autónomos», numa acepção do conceito em termos amplos (tal como supra explicitados), representa um mínimo de correspondência verbal, quiçá imperfeitamente expresso, no qual pode ancorar-se a interpretação teleológica do art. 229.º-A.
4. Em suma, a alteração introduzida pelo DL 303/2007 visou perfilhar a interpretação mais ampla que ao preceito vinha, embora com hesitações, sendo dada: todos os actos processuais escritos das partes são por ele abrangidos.
5. Acusada a falta de relação de bens em processo de inventário, se o cabeça de casal notificado, nada diz no prazo legal, tem-se por confessada a existência de tais bens, devendo proceder-se ao aditamento da relação de bens apresentado.»
A orientação jurisprudencial que se expôs merece a nossa concordância.
Não olvidamos o consignado no Art. 219º, nº 2 do C.P.C., ao prescrever que a notificação serve para chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto ( excetuada a citação) e o previsto no nº 2 do Art. 220º do C.P.C., sob a epígrafe ‘Notificações oficiosas da secretaria’ que estipula “ «Cumpre ainda à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude de disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação»
Todavia, conforme entendimento de Teixeira de Sousa, em anotação ao Art. 220º do C.P.C. Online, edição digital, «[d]a actuação oficiosa da secretaria estão excluídas as notificações que, nos termos do art. 221.º, n.º 1, devam ser realizadas pelos mj [mandatários judiciais]»
O art. 221º do mesmo Código, determina que “1 - Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes após a notificação da contestação do réu ao autor são notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário da contraparte (…)”.
“Analisando o art. 221º, vemos que as notificações entre mandatários dos atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes apenas são obrigatórias após a notificação da contestação do réu ao autor, ou seja, os mandatários apenas estão obrigados a notificar os colegas que patrocinam outras partes no mesmo processo a partir da notificação ao autor da contestação, não quer dizer que não o possam fazer antes [ inserto no Ac. TRG de 20/6/2024, Proc. 1021/23.0T8PTL) que assim continua] “ Este preceito [ art. 221º do C.P.C.]está pensado para as ações declarativas comuns, sendo certo que o processo de inventário tem uma tramitação diferente da dessas ações e, portanto, relativamente a este tipo de processo não decorre da lei a partir de que momento as notificações entre mandatários são obrigatórias para estes, desonerando as secretarias judiciais.
Não é, no entanto, necessário analisar a partir de que momento devem, no processo de inventário, os Srs mandatários notificar os colegas que patrocinam outros interessados no processo, ao abrigo do art. 221º do C. P. Civil.
Com efeito, tal como se refere no Acórdão desta Relação de 2/6/22 “no atual sistema de notificações eletrónicas, não há que fazer qualquer distinção entre notificações da secretaria e notificações entre os mandatários, nos processos em que há advogado constituído, pois todos os atos processuais escritos das partes devem ser notificados entre os advogados por via eletrónica (salvo justo impedimento (art. 144º, nº 8)”. .
“Tal como resulta do preâmbulo do DL 183/2000 de 10 de agosto, que introduziu o art. 229º - A do C. P. Civil, que corresponde ao atual 221º, visou-se com esse novo regime combater a morosidade processual, desonerando as secretarias judiciais de atos de expediente que possam ser praticados pelas partes, como a receção e envio de articulados e requerimentos autónomos, ou seja, aqueles cuja admissibilidade não depende de despacho prévio do juiz. ”
Concatenando os vários raciocínios acima transpostos e subsumindo o caso concreto aos preceitos legais aplicáveis e análises que subscrevemos, concluímos que não é aplicável à notificação da reclamação da relação de bens o regime das notificações oficiosas pela secretaria, quando o reclamante e a cabeça de casal têm Mandatário judicial constituído, pois que quer a notificação pela secretaria quer a notificação efetuada pelo mandatário judicial ao mandatário judicial da outra parte são efetuadas eletronicamente ( através de comunicação eletrónica ao abrigo do art. 26º da Portaria 280/13 de 26/08), beneficiando das mesmas garantias.
No caso, em que a notificação da reclamação à relação de bens apresentada foi notificada pelo Mandatário da parte reclamante ao Mandatário judicial da cabeça de casal através da notificação entre mandatários consagrada no Art. 221º do C.P.C., consideramos essa notificação válida, contando-se a partir dessa notificação o prazo para responder à referida reclamação, antolhando-se desnecessária a repetição de tal acto pela secretaria, evitando-se a prática de atos inúteis ( cfr. Art. 130º do C.P.C.).
Tal como bem se assinala no Ac. TRG de 23/03/23, Proc. 392/21.T8VLN, “ … quando o artigo 1105º, nº 1, do CPC refere que da reclamação «são notificados os interessados», não está a excluir a aplicação do artigo 221º, nº 1, do CPC, ou seja, a afastar a regra geral relativa às notificações entre mandatários judiciais, mas sim aos interessados que não se encontrem representados por advogado, que são notificados pela secretaria, sendo que, quanto aos que o estiverem, a notificação terá de ser efetuada nos termos do disposto nos artigos 221º, nº 1, e 255º do CPC.
Acresce que no caso dos autos, como foi a reclamante que requereu o inventário (art. 1099º do CPC), a cabeça de casal já tinha sido citada pela secretaria, com a inerente comunicação do requerimento inicial e da sua designação para o exercício da função, sabendo naturalmente, desde então, que a requerente se encontrava patrocinada por advogado, assim como esta sabia, por ter sido notificada por via eletrónica no dia 29.11.2021 pela própria mandatária judicial da cabeça de casal (e não pela secretaria) do requerimento complementar e relação de bens, que a cabeça de casal tinha constituído mandatária judicial. ”
Volvendo ao nosso caso, a notificação da reclamação contra a relação de bens efetuada entre Mandatários não padece de qualquer anomalia, considerando-se devidamente notificada a cabeça de casal com Mandatária judicial constituída, tendo a notificação operado na pessoa da Advogada desta.
Considerando que a cabeça de casal constituiu Mandatário, entendemos que a notificação da reclamação de bens feita na pessoa do seu Mandatário ( cfr. Art. 247º do C.P.C.) efetuada nos termos do disposto no Art. 221º do C.P.C. é válida, eficaz e operante.
A recorrente argui a nulidade do acto, com base no disposto no Art. 195º do C.P.C., com base na omissão de formalidade legal, por entender que não lhe foi notificada a reclamação à relação de bens.
Em face das considerações que antecedem, entendemos que não pode ser apontado nenhum vício à notificação da reclamação contra a relação de bens efetuada entre Mandatários constituídos e, assim sendo, a decisão recorrida é isenta de crítica na parte em que considerou que a cabeça de casal não respondeu à reclamação, pois foi devidamente notificada, na pessoa da sua advogada constituída, por a notificação ter tido lugar na pessoa da sua mandatária.
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Aqui chegados estamos desde já aptos a apreciar o invocado pelo Recorrente quando refere que foram postos em causa “ não só os consagrados princípios da igualdade e do contraditório, princípios estes estruturantes e fundamentais do processo, como também o direito fundamental da Cabeça de Casal a um processo justo e equitativo…”
Não podemos concordar com tal entendimento pois, a notificação pela secretaria ou entre mandatários, sendo formas de notificação equivalentes, acautela as exigidas garantias, em respeito pelo princípio da igualdade e do contraditório, não se vislumbrando qualquer limitação aos direitos fundamentais da recorrente consagrados na Constituição, nem beliscados os princípios que enformam o nosso direito adjetivo. Além do mais, a recorrente, não reagiu ao segmento do despacho datado de 12/3/23 onde foi sublinhado não ter sido apresentada resposta à reclamação à relação de bens.
Por outro lado, e ainda no sentido de afastar a invocada violação do princípio da igualdade, pretendendo a Apelante concluir que a mesma emerge do facto de o Despacho proferido pela Mma. Senhora Juíza em 22.06.2022 (Ref. 100602531) – “Notifique o interessado para os efeitos do disposto no Artº 1104º do CP”- ter sido efetuado pela secretaria ao Distº mandatário do Interessado BB, Dr. DD, em 23.06.2022 (Ref. 100749686), em nada altera o que vimos de concluir, pois face à vigência do sistema de notificações via eletrónica, não há que fazer diferenciação entre a notificação ordenada pelo juiz e efetuada pela secretaria ou levada a cabo entre os mandatários constituídos, desde que no processo haja mandatário judicial constituído ( o que é o caso), não havendo qualquer atropelo aos convocados princípios.
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Tendo por assente que a notificação posta em crise pela Apelante foi válida, o modo como a recorrente configura o recurso, balizado pelas conclusões do mesmo, permite ainda a apreciação da consequência da falta de resposta à reclamação contra a relação de bens.
Face à similitude do caso tratado no Ac. TRG de 23/03/23, que parafraseamos: “Assente que a notificação foi efetuada nos termos legalmente prescritos, importa agora apurar qual o efeito da falta de resposta à reclamação por parte da cabeça de casal.” (…) “A generalidade da argumentação aduzida pela Recorrente sobre esta matéria alicerça-se no pressuposto de que a reclamação à relação de bens tem de ser notificada pela secretaria. Após se ter concluído que a notificação devia ser efetuada pelo mandatário da reclamante à mandatária da cabeça de casal, nos termos prescritos nos artigos 221º e 255º do CPC, fica em grande parte prejudicado o âmbito da questão suscitada pela Recorrente. ”
Destarte, a interpretação mais consentânea é a ali sinalizada, bem como o entendimento sublinhado por Teixeira de Sousa, Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pinheiro Torres, in O novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, pág. 44, ao expressarem: « importa salientar que, no novo regime do inventário, foi introduzido um ónus de contestação do requerimento inicial (arts. 1104.º e 1106.º) e um ónus de resposta à contestação (art. 1105.º, n.º 1), o que implica, como efeito cominatório para a falta de resposta ao requerimento inicial ou à oposição, a aceitação dos termos desse requerimento inicial ou dessa oposição. Passa, assim, a vigorar um verdadeiro sistema de preclusões, até agora inexistente, no processo de inventário.»
Ainda Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, no seu Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, página 572, escrevem: «regra geral, e sem embargo das exclusões legais (prova documental necessária), ocorre a admissão dos factos que não tenham sido impugnados por qualquer dos requeridos diretamente interessados na resposta ou antecipadamente».
Por conseguinte, e na esteira do último acórdão em referência, verifica-se que a falta de resposta por parte da interessada cabeça de casal à reclamação apresentada pelo outro interessado tem um efeito cominatório semipleno, munindo o Tribunal “a quo” de condições para considerar provados os factos invocados, sem prejuízo de ter de verificar da suficiência de tais factos para a procedência do pedido ( (art. 574º, nº 1 do C.P.C.), com as exceções previstas nos artigos 568º e 574º, nºs 2 a 4 dali).
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Ante o exposto, a Apelação deve improceder.
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Sumário (da responsabilidade do Relator – artº 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Sumário:
(…).
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V– Decisão
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.
Custas a suportar pela Recorrente.
Registe e notifique.
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Coimbra, 28/10/2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Emília Botelho Vaz
Luís Manuel Carvalho Ricardo
Cristina Neves