ACIDENTE DE VIAÇÃO E DE TRABALHO
DIREITO DE REEMBOLSO DO SEGURADOR DE ACIDENTES DE TRABALHO
PRESCRIÇÃO
PRAZO PRESCRICIONAL
Sumário

Por aplicação analógica do disposto no art. 498.º, n.º 2 do Código Civil, o direito de reembolso do empregador – ou da respetiva seguradora – face ao sinistrado, pelas quantias que a este tiver pago, «se o sinistrado em acidente receber de outro trabalhador ou de terceiro indemnização superior à devida pelo empregador», previsto no art. 17.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (Lei dos Acidentes de Trabalho), está sujeito a um prazo de prescrição de 3 anos.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

*


Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

(Processo n.º 265/23.0T8PMS.C1)

*

Sumário:
(sumário elaborado pelo relator, nos termos do art. 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil)

(…)


*

I – Relatório

Recorrente / Autora:
A... – Companhia de Seguros, S. A.

Recorrida / Ré:
AA


*

A... – Companhia de Seguros, S. A. instaurou a presente ação declarativa de condenação contra AA, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 14.212,35 €, acrescida de juros legais desde a citação e até integral pagamento, a título de reembolso da quantia que a Ré recebeu da Autora relativa à remição da pensão fixada e às perdas salariais.

Alegou a Autora A... – Companhia de Seguros, S. A. que, no âmbito de uma ação que correu termos no Juízo de Trabalho (processo n.º 770/12....), foi condenada – entre o mais – a pagar à ora Ré AA a quantia de € 2.206,43, a título de indemnização relativa aos períodos de incapacidade temporária, assim como «o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 909,21 (novecentos e nove euros e vinte e um cêntimos), devida desde 12/03/2014»; que, em cumprimento dessa sentença, entregou à ora Ré AA «o valor de € 14.934,39, o qual corresponde ao capital de remição da pensão, no valor de € 11.146,01, ao diferencial da indemnização por incapacidades temporárias, no valor de € 2.206,43, para além de despesas de transportes e juros»; que no âmbito de uma ação cível que teve por objeto o mesmo acidente de viação, que foi considerado acidente de trabalho, foi a seguradora B... condenada a pagar à ora Ré AA a quantia de € 2.763,25€, a título de perdas salariais e € 80.880,00 a título de danos futuros; que a ora Ré AA optou por ser indemnizada no âmbito da responsabilidade civil automóvel e que por isso a ora Autora estava desobrigada a pagar à ora Ré as indemnizações relativas ao período de incapacidade temporária e ao dano patrimonial futuro.

A ora Ré AA apresentou contestação na qual invocou a exceção perentória de prescrição do direito de reembolso invocado pela ora Autora A... – Companhia de Seguros, S. A., pugnou pela inexistência de duplicação de pedidos indemnizatórios nas duas ações referentes ao mesmo acidente e impugnou diversa factualidade.

Após a contestação, correspondendo ao convite que lhe foi dirigido para o efeito, a ora Autora apresentou réplica, defendendo, em síntese, que «o prazo prescricional aplicável à situação dos autos não é o trienal previsto no artº 498º, nº 2, do C. Civil, como pretendido pela R., mas o prazo ordinário de 20 anos» e que «a invocação da prescrição pela aqui R. sempre constituiria um abuso de direito porquanto, quando recebeu os valores cujo reembolso ora se peticiona, a aqui R. bem sabia que havia pedido o ressarcimento desses mesmos danos em ação cível, sem que, contudo, se tivesse obstado de receber aqueles».

Afinal, foi proferido despacho saneador/sentença que decidiu «julgar procedente a matéria que integra a exceção perentória da prescrição e, em consequência, absolve[u] a ré AA do pedido».


*

II – O Objeto do Recurso

Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida, defendendo que deve ser julgada improcedente a exceção de prescrição invocada pela ora recorrida, relegada para a decisão final o julgamento do facto não provado e ordenando-se, em consequência, o prosseguimento dos presentes autos.
As conclusões das alegações do recurso são as seguintes:
(…).

Foram apresentadas contra-alegações, com as seguintes conclusões:
(…).

Questões a decidir:
Atendendo às conclusões das alegações do recurso, importa analisar e decidir as seguintes as questões:
- Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
- Prescrição do direito de reembolso invocado pela Autora/Recorrente.


*

III – Fundamentos

Na sentença sob recurso, foram considerados provados os seguintes factos:

«1. Correu termos, sob o n.º 770/12...., na 1.ª Secção de Trabalho da Instância Central de Leiria – J2 – da Comarca de Leiria, um processo relativo a um acidente de trabalho em que foi autora, enquanto sinistrada, a aqui ré e foi ré, enquanto entidade responsável, a aqui autora.

2. Por sentença proferida nesses autos em 14.10.2016 a aqui autora foi condenada a pagar à ora ré “a indemnização ainda em dívida relativa aos períodos de Incapacidade Temporária, no valor total de € 2.206,43 (dois mil duzentos e seis euros e quarenta e três cêntimos)”, assim como “o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 909,21 (novecentos e nove euros e vinte e um cêntimos), devida desde 12/03/2014”, entre outros valores.

3. No dia 16.12.2016, em cumprimento dessa sentença, a autora entregou à ré, o valor de € 14.934,39, o qual corresponde ao capital de remição da pensão, no valor de €11.146,01, ao diferencial da indemnização por incapacidades temporárias, no valor de €2.206,43, para além de despesas de transportes e juros.

4. A autora já havia pago à ré, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária verificados entre 28.02.2012 e 11.03.2014, quantias num total de €1.292,76.

5. Correu termos, sob o n.º 1158/13...., na Secção Cível da Instância Local – J1 – de Porto de Mós da Comarca de Leiria, uma ação de indemnização resultante de acidente de viação, o mesmo que havia sido qualificado como de trabalho na ação mencionada no ponto 1.

6. Nesta ação cível, foi a Companhia de Seguros B..., S.A., depois C..., S.A. condenada por sentença proferida a 06.10.2016 a pagar à ré, para além do mais, “€2.763,25 (três mil setecentos e sessenta e três euros e vinte e cinco cêntimos) a título de perdas salariais da autora durante o período em que esteve incapacitada para trabalhar” e “€80.880,00 (oitenta mil oitocentos e oitenta euros) a título de danos futuros derivados do défice funcional permanente atendendo à condição física e psíquica da autora após o acidente, com repercussão na capacidade de ganho e em custos derivados da necessidade de auxílio de terceira pessoa para as atividades pessoais/domésticas”, dos quais €30.00,00 à indemnização por danos futuros e €50.880,00 para o auxílio de terceira pessoa.

7. A Companhia de Seguros B..., S.A. interpôs recurso da decisão e a ré interpôs recurso subordinado.

8. Por Acórdão da Relação de Coimbra prolatado a 09.05.2017, foi negado provimento a ambos os recursos e confirmada a sentença de 1.ª instância.

9. Tal Acórdão transitou em julgado a 14.06.2017.

10. A C..., S.A., que ao tempo havia integrado a Companhia de Seguros B..., S.A., pagou, no dia 18.07.2017, à ré a quantia de €121.987,14, a qual incluía, para além do mais, €30.000,00 relativos ao «dano patrimonial futuro» e um valor de €11.449,10 que, sob a epígrafe «serviços hospitalares».

11. A ré foi citada para contestar a presente ação no dia 24.05.2023.

12. A presente ação foi instaurada no dia 17.04.2023».


A sentença sob recurso considerou não provada a seguinte factualidade:

«a) A rubrica “serviços hospitalares” mencionada no ponto 10. resumia os valores de €2.763,25 relativo a perdas salariais da ré, €3.407,46 relativo a salários e contribuições legais com trabalhadoras contratadas durante o período de incapacidade temporária para o trabalho por parte da autora e €5.278,39 a título de despesas médicas e medicamentosas já então suportadas pela ré».


*

Como decorre das alegações apresentadas pela Autora/Recorrente, caso se venha a entender que ocorreu a prescrição do direito de reembolso, torna-se desnecessário analisar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. Por isso, passaremos, desde já, à análise da questão da prescrição do direito de reembolso invocado pela Autora/Recorrente.

Afirma a Recorrente A... – Companhia de Seguros, S. A. que o seu desacordo para com a decisão sob recurso «se prende essencialmente com três ordens de razões: a da interpretação do artº 17º, nº 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, doravante LAT, e da repercussão do tempo na mesma; a de ter a sentença recorrida ignorado a questão de que o direito que está em causa nos presentes autos se encontra fundamentado, para além dos pagamentos efetuados, em duas decisões judiciais transitadas em julgado; a de não ter apreciado a questão do abuso de direito levantada na resposta à exceção, apresentada por expresso convite do Tribunal».

A ora Autora e Recorrente começa por defender que «o direito da ora recorrente não se fundamenta numa sub-rogação, como não se enquadra num direito de regresso nem, tampouco, num enriquecimento sem causa» (conclusão b).
Lida a decisão sob recurso, verifica-se que esta qualifica o direito que a ora Autora e Recorrente reclama na presente ação como «um direito de sub-rogação», consagrado no art. 17.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro – na qual se regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, também conhecida por Lei dos Acidentes de Trabalho ou, abreviadamente, por LAT – (cfr. as páginas 7 e 8 da decisão sob recurso; aí se afirma, designadamente, que «na previsão do art. 17.º […] consagra-se um direito próprio, nascido de sub-rogação legal (artigo 592.º, do CC) e não voluntária (artigo 589.º, do CC), que lhe advém do facto de, enquanto seguradora do trabalho, ter pago indemnizações cujo cumprimento cabia, em primeira linha, ao responsável pelo acidente»).
O citado art. 17.º, sob a epígrafe «Acidente causado por outro trabalhador ou por terceiro», estabelece o seguinte:
«1 - Quando o acidente for causado por outro trabalhador ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos gerais.
2 - Se o sinistrado em acidente receber de outro trabalhador ou de terceiro indemnização superior à devida pelo empregador, este considera-se desonerado da respectiva obrigação e tem direito a ser reembolsado pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido.
3 - Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente, a exclusão da responsabilidade é limitada àquele montante.
4 - O empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.
5 - O empregador e a sua seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo».
Decorre da petição inicial que a Autora e Recorrente A... – Companhia de Seguros, S. A. pede a condenação da Ré e Recorrida AA «a pagar-lhe a quantia de € 14.212,35, acrescida de juros legais desde a citação e até integral pagamento», com base no n.º 2, do art. 17.º.
Este n.º 2, do art. 17.º prevê o direito de reembolso do empregador – ou da respetiva seguradora – face ao sinistrado, pelas quantias que a este tiver pago, «se o sinistrado em acidente receber de outro trabalhador ou de terceiro indemnização superior à devida pelo empregador».
Tendo os danos sofridos pela Ré/Recorrida resultado de um acidente de trabalho que foi, simultaneamente, um acidente de viação, a Autora/Recorrente A... – Companhia de Seguros, S. A. não está a demandar a seguradora do responsável civil, peticionando os montantes que já entregou à sinistrada (i. e., à Ré/Recorrida). A Autora/Recorrente A... – Companhia de Seguros, S. A. está a agir diretamente contra a sinistrada (i. e., contra a Ré/Recorrida).
Podemos, pois, afirmar que, através da presente ação, a Autora/Recorrente não pretende exercer um direito de sub-rogação; a Autora/Recorrente não se pretende sub-rogar na posição da Ré/Recorrida (i. e., do credor da indemnização – art. 589.º do Código Civil) agindo contra a própria Ré/Recorrida.
A situação em análise também não é enquadrável num direito de regresso, porquanto, como bem refere a Autora/Recorrente, «o direito de regresso pressupõe o exercício de um direito ex novo que nasce pelo pagamento ao credor por um dos devedores solidários, mas que tem de ser exercido contra o(s) (demais) devedor(es) solidário(s) - cfr. os arts. 512.º e seguintes do C. Civil», maxime o art. 524.º do Código Civil; mas no presente caso quem é demandada não é a companhia de seguros B... (depois C... e hoje D...), mas sim o próprio credor da indemnização, i. e., a Ré/Recorrida.
Além disso, como defende ainda a Autora/Recorrente não pode aplicar-se à situação dos autos o instituto do enriquecimento sem causa por falta do requisito da subsidiariedade (art. 474.º do Código Civil), atendendo a que o n.º 2, do art. 17.º da Lei dos Acidentes de Trabalho prevê o direito de reembolso contra o sinistrado, verificando-se os requisitos previstos nesta norma.
Efetivamente, a Autora/Recorrente está a exercer um direito de reembolso contra a Ré/Recorrida, direito este legalmente consagrado no n.º 2, do art. 17.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, invocando que a ora Ré/Recorrida tem «a obrigação de reembolsar à ora A. a quantia que desta recebeu relativa à remição da pensão fixada, por ser inferior e visar reparar o mesmo dano (futuro e resultante da sua incapacidade para o trabalho) que lhe foi reconhecido na ação cível», «como tem a ora R. a obrigação de reembolsar a ora A. pela quantia relativa aso rendimentos que deixou de auferir durante a sua situação de incapacidade temporária para o trabalho, por ser inferior e visar reparar esse mesmo dano cuja indemnização lhe foi reconhecida na mesma ação cível»; «valores esses que são, respetivamente de € 11.449,10 e de € 2.763,25, num total de € 14.212,35».

Aqui chegados, tendo presente que a Autora/Recorrente está a exercer contra a ora Ré/Recorrida (i. e., contra a sinistrada) o direito de reembolso previsto no n.º 2, do art. 17.º da Lei dos Acidentes de Trabalho, importa aferir do acerto das afirmações da Autora/Recorrente, segundo as quais «constituindo uma espécie diversa e autónoma da sub-rogação, do direito de regresso ou até do enriquecimento sem causa, não se pode aplicar ao direito da ora recorrente qualquer dos prazos prescricionais previstos para qualquer destes três institutos»; e «o direito em causa nos presentes autos está reconhecido por duas decisões judiciais transitadas em julgado: a sentença proferida nos autos que correram termos sob o n.º 770/12...., na 1.ª Secção de Trabalho da Instância Central de Leiria […]; e o Acórdão da Relação de Coimbra proferido nos autos que correram termos sob o n.º 1158/13...., na Secção Cível da Instância Local […]». Dito de outro modo, importa determinar qual o prazo de prescrição aplicável in casu.
A sentença recorrida entendeu ser aplicável um prazo prescricional de 3 anos, nos termos que a seguir se transcrevem.
«Invocou a ré a prescrição do exercício do direito de sub-rogação por banda da autora.
A previsão legal dos institutos da caducidade, prescrição e não uso do direito visam refletir o efeito do tempo na estabilização das situações jurídicas, assentando os mesmos na necessidade de clareza e segurança na vida jurídica. A prescrição permite que a pessoa vinculada se recuse ao cumprimento quando o direito não foi exercido durante um tempo mais ou menos longo.
A prescrição encontra-se referida no n.º 1, do artigo 298.º, do CC e regulada, enquanto instituto geral, nos artigos 300.º a 327.º, do CC. O regime jurídico da prescrição não pode ser afastado ou modelado pelas partes no negócio jurídico, pelo que atribui ao beneficiário da prescrição a faculdade de se opor ao exercício do direito prescrito.
Consistindo numa exceção perentória que conduz à absolvição do réu do pedido, a mesma não pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, devendo ser invocada, como foi, por aquele a quem aproveita (artigo 303.º, do CC). O direito cuja prescrição se invoca corresponde a um direito não indisponível e imprescritível, pelo cumpre conhecer da mesma.
Os prazos de prescrição começam a correr a partir do momento em que o direito podia ser exercido, independentemente da alteração do titular do direito (artigo 306.º, do CC), contando-se o prazo de acordo com as regras do artigo 279.º, n.º 1, do CC.
Quanto a este aspeto, importa aferir qual o prazo prescricional aplicável.
No âmbito das obrigações de indemnizar, rege o artigo 498.º, do CC.
Prevê o artigo 498.º, do CC que
1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.
2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
4. A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da ação de reivindicação nem da ação de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra.
Como acima referido, estamos perante um direito de sub-rogação legal que se distingue do direito de regresso. O exercício do direito de sub-rogação, não encontra, por isso, nesta norma, regra expressa a reger o prazo do seu exercício. No entanto, a jurisprudência tem entendido que o prazo de prescrição do exercício do direito do sub-rogado é de três anos, a partir do cumprimento, por aplicação analógica do artigo 498.º, n.º 2, do CC (Acórdão do STJ de 03.07.2018, relatado por Pinto de Almeida, Acórdão do STJ de 18.10.2012, relatado por Tavares de Paiva e Acórdão do STJ de 5.06.2012, relatado por João Camilo, PRATA, Ana (coord.), Código Civil anotado, vol. I, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 688).
O artigo 498.º, n.º 3, do CC alarga o prazo de prescrição quando o evento lesivo, fonte da obrigação de indemnizar, também constitua crime e o prazo da prescrição seja superior a três anos, por forma a compatibilizar os prazos de prescrição previstos na lei civil e na lei penal, tendo em conta que, por força do princípio da adesão, o pedido de indemnização é exercido, por regra, no âmbito do processo penal.
Não se aplicando as razões de tal alargamento à entidade seguradora, inexiste fundamento para se aplicar tal alargamento do prazo de prescrição ao caso em apreço, pois a seguradora não é lesada imediata, pois o seu prejuízo apenas surge quando o lesado é indemnizado. No sentido de inaplicabilidade do prazo prescricional previsto no artigo 498.º, n.º 3, do CC avança-se ainda o argumento de que, quanto ao direito de sub-rogação do Fundo de Garantia Automóvel previsto no artigo 54.º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, aquele preceito remete expressamente para o artigo 498.º, n.º 2, do CC, excluindo, desde logo, a possibilidade de alargamento do prazo de prescrição, o que permite compreender a intenção do legislador quando consagrou na LAT o direito de sub-rogação da entidade empregadora e da seguradora.
“Assim, impõe-se concluir que a melhor interpretação dos n.ºs 1, 2 e 3 do citado artigo 498.º, do CC aponta para que o prazo de prescrição do direito do lesado é o previsto no n.º 1 e pode ser alongado nos termos do seu n.º 3, mas que o prazo de prescrição do direito de regresso e de sub-rogação é sempre o previsto no seu n.º 2, mas não se lhe aplica a extensão prevista no n.º 2” - TRE de 18.10.2018, relatado por Tomé Ramião.
Devido ao carácter uno da obrigação de indemnizar e salvo os casos em que ocorra a autonomização das indemnizações, o prazo de prescrição conta-se desde o último pagamento. Este critério foi, aliás, já expressamente consagrado no citado artigo 54.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 291/2007, em relação ao Fundo de Garantia Automóvel, havendo quem defenda que o mesmo deve ser estendido a situações semelhantes, como a presente (veja-se Acórdão do STJ de 21.09.2017, relatado por Olindo Geraldes. No entanto, dita o Acórdão do STJ de 04.11.2010, relatado por João Bernardo, que se impõe uma exceção a tal regra quando a indemnização é paga sob a forma de renda, sob pena de tal se conduzir a um alargamento desproporcionado do prazo de prescrição).
No caso em apreço, resultou apurado que a autora procedeu aos pagamentos impostos pela decisão judicial laboral no dia 16.12.2016 (facto provado sob o ponto 3). Verifica-se, ainda, que a sentença que definiu a responsabilidade da seguradora para a qual estava transferida a responsabilidade do causador do acidente de viação, só transitou em 14.06.2017. Só a partir daí ficou a autora habilitada a exercer sobre a sinistrada o seu direito de sub-rogação, relativamente aos danos por si suportados.
O que se verifica no caso em apreço é que a ação judicial com vista a exercer o direito de sub-rogação legal da autora previsto no artigo 17.º, n.º 2, da LAT apenas foi instaurada em 17.04.2023, tendo a ré sido citada a 24.05.2023.
Nos termos do artigo 323.º, do CC, o prazo prescricional apenas se interrompe com a citação. No entanto, prevê o n.º 2, daquele preceito legal que se a citação não se fizer dentro de 5 dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, a prescrição interrompe-se ao fim de 5 dias. No caso em análise, não resultando dos autos que a falta de citação da ré se deva a motivo imputável à autora, o prazo prescricional interrompeu-se no dia 22.04.2023.
Por conseguinte, aplicando-se ao caso, como acima se menciona, o prazo de prescrição de 3 anos, o mesmo já se encontrava preenchido aquando a instauração da presente ação, uma vez que, quer do trânsito em julgado da decisão que decidiu a responsabilidade do causador do acidente, quer do último pagamento feito pela autora, quer, inclusive, do pagamento realizado pela seguradora onerada com o pagamento da indemnização civil, à data da instaurada a ação já tinham decorrido os 3 anos.
Constituindo a prescrição uma exceção perentória que conduz à absolvição da ré do pedido, fica prejudicado o conhecimento da restante matéria discutida nos autos».

Antes de mais, importa desde já referir que não é correto o entendimento da Autora/Recorrente segundo o qual «o direito em causa nos presentes autos está reconhecido por duas decisões judiciais transitadas em julgado: a sentença proferida nos autos que correram termos sob o n.º 770/12...., na 1.ª Secção de Trabalho da Instância Central de Leiria […]; e o Acórdão da Relação de Coimbra proferido nos autos que correram termos sob o n.º 1158/13...., na Secção Cível da Instância Local […]».
Sendo certo que «o direito em causa nos presentes autos» é conexo com as duas sentenças referidas; também é certo que se «o direito em causa nos presentes autos» já estivesse «reconhecido por duas decisões judiciais transitadas em julgado», a ora Autora e Recorrente não teria necessidade de instaurar a presente ação, bastaria executar a decisão ou as decisões em que fora reconhecido o seu direito. Aliás, sem grande esforço interpretativo, resulta da leitura das sentenças proferidas nos processos identificados no anterior parágrafo que, nesses processos, a ora Ré e Recorrida não foi condenada a pagar à ora Autora e Recorrente qualquer quantia (relembre-se que, através da presente ação a ora Autora e Recorrente A... – Companhia de Seguros, S. A. pede a condenação da ora Ré e Recorrida AA «a pagar-lhe a quantia de € 14.212,35, acrescida de juros legais desde a citação e até integral pagamento»). Ou seja, não é correto afirmar que «o direito em causa nos presentes autos está reconhecido por duas decisões judiciais transitadas em julgado: a sentença proferida nos autos que correram termos sob o n.º 770/12.... […]; e o Acórdão da Relação de Coimbra proferido nos autos que correram termos sob o n.º 1158/13.... […]».
Não é, pois, aplicável o disposto no art. 311.º, n.º 1 do Código Civil, onde se estabelece: «O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário [de 20 anos] fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo».
Como foi já referido, a Autora/Recorrente está a exercer o direito de reembolso previsto no n.º 2, do art. 17.º da Lei dos Acidentes de Trabalho.
Na contestação, a Ré/Recorrida invocou a exceção perentória da prescrição do direito de reembolso, defendendo que é aplicável o prazo de prescrição de 3 anos, pois, «esse prazo de 3 anos, ainda que não venha diretamente estabelecido no art. 17.º da LAT (anterior art. 31.º da Lei 100/97 – anterior versão da LAT), é aplicável por analogia, por estipulação do n.º 2 do art. 498.º do Código Civil».
Por seu turno, segundo a Autora/Recorrente, é de aplicar o prazo prescricional ordinário de 20 anos, consagrado no art. 309.º do Código Civil (este artigo estabelece, singelamente, que «O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos»).
É certo que inexiste uma norma que defina um prazo prescricional expresso quanto ao direito de reembolso previsto no n.º 2, do art. 17.º da Lei dos Acidentes de Trabalho.
Todavia, entendemos que esse silêncio do legislador não pode ser interpretado como uma opção pelo prazo prescricional ordinário de 20 anos. Estamos perante uma lacuna, uma falha, uma falta de resposta a uma questão jurídica (sobre o conceito de lacuna da lei, cfr., inter alia, BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 194-197).
No âmbito das situações em que o acidente de trabalho for causado por outro trabalhador ou por terceiro (nomeadamente, nas situações que podem ser simultaneamente qualificadas como acidentes de trabalho e acidente de viação) ou devido a uma atuação culposa do empregador, afigura-se correto o entendimento segundo o qual «o pedido de reembolso efetuado pela seguradora contra o responsável pelo sinistro, das prestações que a seguradora efetuou junto do lesado, assenta em sub-rogação legal, isto é, na transmissão ex lege para a seguradora do direito que cabia ao lesado, em virtude do cumprimento pela seguradora (nisso direta interessada, em razão das obrigações contratuais e legais que sobre ela recaem em virtude do contrato de seguro) da obrigação de indemnização que impendia sobre o responsável (artigos 592.º a 594.º do Código Civil)» (cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-05-2024, processo n.º 1900/21.0T8STR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Trata-se de jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, para além do referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-05-2024, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06-05-2021, processo n.º 756/20.4T8GMR.G1.S1; de 26-11-2020, processo n.º 1946/16.0T8CSC-A.L1.L1.S1; de 04-07-2019, processo n.º 1977/15.7T8VIS.C2.S1; de 03-07-2018, processo n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1; e de 07-02-2017, processo n.º 3115/13.1TBLLE.E1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Em relação a este direito de sub-rogação legal, não prevendo expressamente a lei qual o prazo de prescrição aplicável, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a afirmar, de forma uniforme, que deve ser aplicado o prazo de 3 anos, previsto no art. 498.º, n.º 2 do Código Civil para o direito de regresso (de acordo com o preceito acabado de citar: «Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis»). Nas palavras do já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-05-2024, processo n.º 1900/21.0T8STR.E1.S1, «Pese embora a norma [ou seja: o art. 498.º, n.º 2 do Código Civil] contemple o direito de regresso, entende-se que é aplicável, por analogia (art. 10.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil), às situações de sub-rogação, na medida em que o direito de regresso e o direito de sub-rogação “desempenham, do ponto de vista prático ou económico, uma análoga «função recuperatória» no âmbito das «relações internas» entre os vários sujeitos que estavam juridicamente vinculados ao cumprimento de certa obrigação ou, embora não o estando, acabaram por realizar efetivamente – na veste de garantes ou interessados diretos no cumprimento – a prestação devida” (conforme se expende no acórdão do STJ, de 26.11.2020, processo n.º 1946/16.0T8CSC-A.L1.S1). Em ambas as situações o direito de reclamação do “reembolso” só nasce com a realização da prestação cujo reembolso se reclama, pelo que em ambas as situações se justifica que a contagem do prazo de prescrição só se inicie com o pagamento (cfr., neste sentido, além do já citado acórdão do STJ de 26.11.2020, os acórdãos do STJ de 03.7.2018, processo n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1; 05.06.2018, processo n.º 4095/07.8TVLSB.L1.S1; 25.3.2010, processo n.º 2195/06.0TVLSB.S1)».
No caso dos autos, já o dissemos, a pretensão da Autora/Recorrente não radica num direito de sub-rogação – nem está em causa, como também já foi referido um direito de regresso ou o instituto do enriquecimento sem causa. A Autora/Recorrente está a exercer um direito de reembolso contra a Ré/Recorrida, direito este legalmente consagrado no n.º 2, do art. 17.º da Lei dos Acidentes de Trabalho.
Diz a Autora/Recorrente que, «constituindo uma espécie diversa e autónoma da sub-rogação, do direito de regresso ou até do enriquecimento sem causa, não se pode aplicar ao direito da ora recorrente qualquer dos prazos prescricionais previstos para qualquer destes três institutos». Ainda segundo a Autora/Recorrente, «as razões que levaram o legislador a optar para um prazo prescricional especialmente curto para os créditos indemnizatórios emergentes de situações de responsabilidade civil por factos ilícitos – a volatilidade da prova testemunhal – não se verificam quanto ao pedido dos presentes autos, assente que está em duas decisões transitadas em julgado».
Pesem embora as diferenças entre o direito de reembolso que está a ser exercido pela Autora/Recorrente e as demais figuras elencadas no precedente parágrafo, por considerarmos que, tal como o direito de sub-rogação e o direito de regresso, o direito de reembolso dirigido contra o sinistrado também desempenha, do ponto de vista prático ou económico, uma «função recuperatória» tendo em vista o restabelecimento do equilíbrio quanto à prestação a cargo do empregador ou da respetiva seguradora, entendemos que também deverá ser aplicável, por analogia (art. 10.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil), o prazo trienal de prescrição, previsto no art. 498.º, n.º 2 do Código Civil para o direito de regresso.
Acresce referir que os créditos radicados seja no direito de regresso, seja no direito de sub-rogação, seja no direito de reembolso estão num patamar diferente dos «créditos indemnizatórios emergentes de situações de responsabilidade civil por factos ilícitos», porquanto, designadamente, aqueles surgem depois de o lesado ser indemnizado. O titular dos «créditos indemnizatórios emergentes de situações de responsabilidade civil por factos ilícitos» é o lesado. Já o titular dos créditos radicados seja no direito de regresso, seja no direito de sub-rogação, seja no direito de reembolso é uma pessoa, singular ou coletiva, que tendo pago ao lesado uma quantia destinada ao ressarcimento dos danos por este sofridos pretende recuperar parte ou a totalidade dessa quantia. A discussão quanto à existência do direito de regresso, do direito de sub-rogação ou do direito de reembolso ocorre num segundo momento, em momento ulterior à discussão relativa à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual derivada do facto voluntário, culposo, ilícito, causal e lesivo, i. e., depois de reconhecido o direito do lesado à indemnização pelos danos sofridos. Ora, nesse segundo momento em que se discute o direito de regresso, o direito de sub-rogação ou o direito de reembolso, o que está em causa já não é o ressarcimento dos danos sofridos pelo lesado, mas a recuperação, por quem indemnizou o lesado, daquilo que foi pago a mais, digamos assim; o que visam estas três figuras é proceder ao acerto de contas entre as pessoas envolvidas no caso. O legislador pretendeu que este acerto de contas se realizasse num período de tempo contido, pelo que optou, de forma expressa quanto ao direito de regresso, por estabelecer um prazo prescricional especialmente curto, de 3 anos (art. 498.º, n.º 2 do Código Civil). Tal como o direito de regresso, também o direito de sub-rogação e o direito de reembolso visam o acerto de contas entre as pessoas envolvidas no caso e, por isso, o prazo de prescrição de 3 anos, expressamente previsto no art. 498.º, n.º 2 do Código Civil para o direito de regresso, também deverá ser aplicado, por analogia, ao direito de sub-rogação e ao direito de reembolso.
Como resulta da factualidade provada, «no dia 16.12.2016, em cumprimento d[a] sentença [proferida no processo n.º 770/12....], a autora entregou à ré o valor de € 14.934,39, o qual corresponde ao capital de remição da pensão, no valor de € 11.146,01, ao diferencial da indemnização por incapacidades temporárias, no valor total de € 2.206,43, para além de despesas de transportes e juros». Também se provou que a sentença proferida no âmbito do processo n.º 1158/13.... (no qual interveio a Autora/Recorrente), que definiu a responsabilidade da seguradora para a qual estava transferida a responsabilidade do causador do acidente de viação, só transitou em julgado em 14-06-2017, data a partir da qual a Autora/Recorrente ficou habilitada a exercer sobre a sinistrada (i. e., sobre a ora Ré/Recorrida) o seu direito de reembolso.
Sendo aplicável in casu um prazo de prescrição de 3 anos e tendo a presente ação sido instaurada em 17-04-2023, verifica-se que o prazo de prescrição já se havia esgotado aquando da instauração da presente ação (tanto no caso de se iniciar a contagem do prazo a partir do último pagamento feito pela Autora/Recorrente – ou seja, a contar de 16-12-2016 –; como no caso de se iniciar a contagem do prazo a partir do trânsito em julgado da decisão que decidiu a responsabilidade civil do causador do acidente – ou seja, a contar de 14-06-2017 –; ou ainda no caso de se iniciar a contagem do prazo prescricional a partir do pagamento realizado pela seguradora onerada com o pagamento da indemnização civil – ou seja, a contar de 18-07-2017).
Ocorrendo a exceção perentória da prescrição, deveria a Ré/Recorrida ter sido, como foi, absolvida do pedido.

Porém, no entender da Autora/Recorrente, «a conduta da ora recorrida, ao invocar a prescrição (ainda que esta existisse, o que não acontece), sempre constituiria um manifesto abuso de direito por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim social e económico do mesmo, consciente que aquela sempre esteve que havia formulado parcialmente o mesmo pedido contra os responsáveis laboral e civil e consciente que recebeu o mesmo duas vezes».
De acordo com o art. 334.º do Código Civil: «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
No caso em análise, entendemos que a Ré/Recorrida, ao invocar a prescrição, não autuou em abuso do direito, porque, por um lado, os vários pedidos formulados pela ora Ré/Recorrida no âmbito do processo n.º 1158/13.... – no qual foi discutido o sinistro enquanto acidente de viação – foram objeto de análise e decisão na sentença aí proferida em 06-10-2016. Nesse processo, a ora Ré/Recorrida não ocultou que o sinistro foi simultaneamente um acidente de trabalho e um acidente de viação, tendo feito referência ao facto de existir uma apólice de acidentes de trabalho, sendo seguradora a A... – Companhia de Seguros, S. A., e tendo invocado que a A... – Companhia de Seguros, S. A. não suportou todos danos resultantes do acidente de trabalho. Além disso, a A... – Companhia de Seguros, S. A., ora Autora/Recorrente, foi chamada a intervir e interveio, a título principal, no processo n.º 1158/13...., fazendo menção das quantias pagas à ora Ré/Recorrida por conta do acidente de trabalho.
Também importa mencionar que a sentença proferida no processo n.º 1158/13...., em 06-10-2016, condenou a aí Ré Companhia de Seguros B..., S.A. a pagar à aí Autora AA (e ora Ré/Recorrida) o seguinte:
«a.1 - a título de danos patrimoniais:
- € 5.278,39 (cinco mil duzentos e setenta e oito euros e trinta e nove cêntimos) a título de despesas médicas e medicamentosas já suportadas pela autora;
- todas as despesas médicas, medicamentosas e de deslocações para tratamentos e consultas médicas que a autora venha ainda a ter de fazer, em consequência do acidente, cuja fixação se remete para liquidação de sentença;
-€ 3.407,46 (três mil quatrocentos e sete euros e quarenta e seis cêntimos) por conta de salários e contribuições legais com trabalhadoras contratadas durante o período de incapacidade temporária para o trabalho por parte da autora;
- € 2.763,25 (três mil setecentos e sessenta e três euros e vinte e cinco cêntimos) a título de perdas salariais da autora durante o período em que esteve incapacitada para trabalhar a.2 – a título de danos patrimoniais futuros:
- € 80.880,00 (oitenta mil oitocentos e oitenta euros) a título de danos futuros derivados do défice funcional permanente atendendo à condição física e psíquica da autora após o acidente, com repercussão na capacidade de ganho e em custos derivados da necessidade de auxílio de terceira pessoa para as actividades pessoais/domésticas.
a.3 - a título de danos não patrimoniais:
-€ 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de danos morais sofridos pelas lesões físicas e psíquicas decorrentes do acidente».
E, essa mesma sentença (proferida no processo n.º 1158/13...., em 06-10-2016) condenou a aí Ré Companhia de Seguros B..., S.A. a pagar à aí interveniente (e ora Autora/Recorrente) A... Companhia de Seguros S.A. o seguinte:
«- € 5.034,08 (cinco mil e trinta e quatro euros e oito cêntimos), respeitante a todas as quantias pagas pela interveniente por conta do acidente de viação/trabalho sofrido pela autora, compreendendo a quantia de € 2.986,28 inicialmente peticionada, acrescida de juros à taxa de 4% (Portaria 291/2003 de 8/4) desde a notificação do articulado datado de 14.04.14 até integral pagamento e € 2.047,80 resultante da ampliação de pedido datada de 14.04.16, acrescida de juros à taxa de 4% desde essa data e até integral pagamento;
- todas quantias que a ré seja ainda obrigada a pagar à autora por conta do acidente de viação/trabalho em apreço, e cuja fixação se remete para liquidação de sentença».
Desta sentença (proferida em 06-10-2016) foi interposto recurso, que foi julgado improcedente, tendo a sentença transitado em julgado em 14-06-2017.
Entretanto, no processo n.º 770/12.... – no qual foi discutido o sinistro enquanto acidente de trabalho –, veio a ser proferida sentença, em 14-10-2016, pela qual a ora Autora/Recorrente A... Companhia de Seguros S.A. foi condenada – entre o mais – a pagar à ora Ré/Recorrida a quantia de € 2.206,43, a título de indemnização relativa aos períodos de incapacidade temporária, assim como «o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 909,21 (novecentos e nove euros e vinte e um cêntimos), devida desde 12/03/2014».
Em 16-12-2016, face a estas duas sentenças (muito embora a sentença do processo n.º 1158/13...., no qual foi discutido o sinistro enquanto acidente de viação, ainda não tivesse transitado em julgado), a ora Autora/Recorrente A... Companhia de Seguros S.A. decidiu pagar à ora Ré/Recorrida o montante global de € 14.934,39, o qual corresponde ao capital de remição da pensão, no valor de € 11.146,01, ao diferencial da indemnização por incapacidades temporárias, no valor de € 2.206,43, para além de despesas de transportes e juros, no valor de € 1.581,95. Ou seja, perante as duas sentenças proferidas – sendo que a alegada duplicação, no entender da Autora/Recorrente, do pedido contra os responsáveis laboral e civil já havia passado pelo crivo de uma decisão judicial, decisão esta que veio a ser confirmada em sede de recurso –, a ora Autora/Recorrente pagou o que entendeu pagar. Não é despiciendo ter presente que a ora Autora/Recorrente A... Companhia de Seguros S. A. é uma entidade profissional na cobertura de riscos, dotada de capacidade técnica, nomeadamente, em matéria jurídica e em matéria de cálculo de valores, pelo que deve ter ponderado e calculado a quantia que entendeu entregar à ora Ré/Recorrida.
Em 18-06-2017, após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo n.º 1158/13.... – no qual foi discutido o sinistro enquanto acidente de viação –, em conformidade com o decidido nessa sentença, a Companhia de Seguros B..., S.A. (Ré nesse processo) entregou à ora Ré/Recorrida o valor total de € 121.987,14. Ou seja, a ora Ré/Recorrida recebeu da Companhia de Seguros B..., S.A. o que foi determinado na sentença proferida no processo n.º 1158/13..... Nesta sentença, que também foi notificada à aí interveniente principal e ora Autora/Recorrente, pode ler-se, entre o mais, o seguinte: «de salientar que os valores supra referidos terão ainda de ser corrigidos, descontando o que a autora recebeu ou terá ainda de receber pela interveniente, em sede de acidente de trabalho, sempre com o limite que evite que o total do montante indemnizatório, ultrapasse o que foi peticionado» (cfr. pp. 41-42 da sentença). Tal como a ora Autora/Recorrente A... Companhia de Seguros S. A., a Companhia de Seguros B..., S.A. (depois C..., S. A. e hoje D..., S. A.), Ré nesse processo, era uma entidade profissional na cobertura de riscos, dotada de capacidade técnica, nomeadamente, em matéria jurídica e em matéria de cálculo de valores, pelo que deve ter ponderado e calculado a quantia que entendeu entregar à ora Ré/Recorrida. Não pode, pois, afirmar-se que a ora Ré/Recorrida estava «consciente que recebeu o mesmo duas vezes».
Por outro lado, como bem observa a Ré/Recorrida, tanto quanto resulta dos autos, «não pode […] ser assacada à Ré a passividade e a ultrapassagem do prazo prescricional pela A.», sendo que da atuação da Ré/Recorrida «ao longo dos processos anteriores nunca resultou qualquer obstáculo ao livre exercício do direito agora acionado pela A.».
Concluímos, pois, que a Ré/Recorrida ao invocar a prescrição não agiu em abuso do direito.

Na sequência do que antecede, considera-se prejudicado o conhecimento da impugnação da decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto (arts. 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).

As custas recaem sobre a Recorrente, Autora na presente ação (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil).

*

IV – Decisão


Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.

Condena-se a Recorrente a pagar as custas.


*
Coimbra, 28 de outubro de 2025.
Francisco Costeira da Rocha
Anabela Marques Ferreira
Luís Manuel de Carvalho Ricardo