CONTRATO DE EMPREITADA
RESOLUÇÃO IMPROCEDENTE
REVOGAÇÃO PELO DONO DA OBRA
DESISTÊNCIA
EFEITOS
Sumário

O contrato de empreitada pode ser revogado em qualquer momento por mera manifestação de vontade do dono de obra, na estrita medida em que o artigo 1229.º do Código Civil estabelece que este pode desistir da empreitada, a todo o tempo, ainda que esta já tenha sido iniciada, desde que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra – é um poder discricionário do dono de obra, exercido unilateralmente e insusceptível de apreciação judicial, que não carece de aviso prévio ou de forma especial, traduzindo-se a desistência na mera manifestação de vontade dirigida à contraparte, extinguindo o contrato com efeitos para o futuro, sem necessidade de invocação de qualquer fundamento, operando mesmo no caso em que improceda o concreto fundamento invocado para a resolução do contrato de empreitada.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

1.Relatório

A..., Lda instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA, pedindo, cumulativamente, que seja declarada a resolução do contrato de empreitada celebrado com a Ré e, consequentemente, a sua condenação no pagamento da quantia de €15.000,00, referente à execução dos trabalhos em obra e a quantia de €9.000,00 a título de indemnização pelos lucros cessantes, acrescidos de juros vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, ter celebrado um contrato de empreitada com a Ré para “orçamentar uma moradia” tendo em sequência, apresentado “o orçamento datado de 15.04.2020 de remodelação e reabilitação urbana, no valor total de €60.000,00 (acrescido de IVA) (…) que a ré, por sua vez, aceitou”, tendo a primeira iniciado os trabalhos e executado os serviços inerentes às obras de reconstrução da moradia da ré e, consequentemente, “emitido, em 20.08.2020, a respetiva fatura, com o nº 20/24, no valor de 9.000,00€”.

Mais alegou que a ré “não procedeu de forma regular ao pagamento das obras que vinham sendo executadas pela autora” e, “devido aos sucessivos atrasos, não obstante as interpelações da autora, tornou-se impossível continuar os trabalhos na moradia sem que fossem pagos pelo menos os trabalhos já executados”.

Alegou ainda que, em 26-10-22021, emitiu a factura nº 21/23, no valor de €15.000,00 “referente às obras de infraestrutura elétrica, água, esgotos e parte do revestimento de argamassas executadas em obra”, não tendo a ré procedido ao seu pagamento e “contratualizou a execução dos trabalhos que estavam adjudicados à autora a outra entidade”.

Peticiona, assim, o pagamento de €10.000,00 pelos trabalhos já realizados (atenta a redução de pedido feita nos autos por requerimento) e €9.000,00 pelos lucros cessantes.

Regularmente citada, a Ré contestou, impugnando a factualidade alegada na petição inicial, e deduziu reconvenção, pedindo que seja declarado como resolvido o contrato de empreitada sub judice por motivo de abandono prolongado e definitivo da obra pela autora / reconvinda “A..., Lda” e em consequência seja esta condenada a pagar à reconvinte: a) 5.065,00€ a título de danos materiais acrescidos dos juros legalmente previstos sem prejuízo de liquidação posterior em valor superior; e b) 2.500,00€ a título de danos morais acrescidos de juros legais.

Nas suas palavras:

Uma vez que os trabalhos contratados à reconvinda não foram concluídos no prazo acordado, sofreu “graves prejuízos”, tendo, de resto, a mesma abandonado a obra definitivamente em Setembro de 2021, razão pela qual se deverá considerar resolvido o contrato por sua culpa exclusiva. Ademais, em virtude do “abandono definitivo e injustificado da obra por parte da autora” / reconvinda, a reconvinte continua a sofrer prejuízos cuja indemnização se impõe. Desde logo, os danos decorrentes do agravamento dos custos de construção derivados da resolução injustificada do contrato em quantia a liquidar, nunca inferior, a 5.065,00€. Mas, identicamente, os danos morais que liquida em 2.500,00€.

Por seu turno, a Autora, uma vez notificada da reconvenção, replicou, impugnando os factos aí alegados e requerendo que a mesma seja julgada improcedente, por não provada, com consequente absolvição do pedido reconvencional.


*

No Juízo de Competência Genérica de Castro Daire foi proferida a seguinte decisão final:

Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:

A) Declara-se resolvido o contrato de empreitada celebrado entre Autora e Ré;

B) Condeno a RÉ, AA, no pagamento à AUTORA, A..., Lda, da quantia de €10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 7%, calculados sobre tal quantia, desde 25-11-2021 até efetivo e integral pagamento;

C) Condeno a RÉ, AA, no pagamento à AUTORA, A..., Ldautora, da quantia de €9.000,00 a título de lucros cessantes, acrescida de juros de mora à taxa legal de 7%, calculados sobre tal quantia, desde 25-11-2021 até efetivo e integral pagamento;

D) Absolvo o AUTORA, A..., Lda, do pedido reconvencional;

E) Absolvo o AUTORA, A..., Lda, do pedido de condenação em litigância de má-fé;

F) Condenar Autora e Ré no pagamento das custas processuais, na proporção do respetivo decaimento.

*

Registe e notifique.

*

..., assinado e datado eletronicamente.

A Juiz de Direito.

(texto elaborado em computador e revisto pela signatária - artigo 153.º, n.º 1, Código de Processo Civil

01 e 02 de março de 2025, respectivamente, sábado e domingo)


*

AA, Ré/Reconvinte, não se conformando com tal decisão, dela interpõe recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

(…).


*


2. Do objecto do recurso

2.1. Da impugnação da matéria de facto;

A 1.ª instância fixou assim a sua matéria de facto:

i. Factos provados

De relevante para a decisão da causa, resultou provada a seguinte factualidade:

1. A autora dedica-se à atividade de construção civil, engenharia e serviços técnicos afins.

2. No exercício da sua atividade de construção civil, a autora foi contactada pela ré para orçamentar e executar a remodelação de uma moradia sita na Travessa ..., ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...10 da freguesia ... e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...68.

3. Na sequência, a autora apresentou o orçamento datado de 15-04-2020 de remodelação e reabilitação urbana, no valor total de €60.000,00 acrescido de IVA que a ré, por sua vez, aceitou.

4. A autora iniciou os trabalhos tendo executado os serviços inerentes às obras de reconstrução da moradia da ré.

5. Tendo a autora emitido, em 20-08-2020, a respetiva fatura, com o n.º 20/24, no valor de €9.000,00, que a ré liquidou.

6. Devido aos sucessivos atrasos, não obstante as interpelações da autora, tornou-se impossível continuar os trabalhos na moradia sem que fossem pagos pelo menos os trabalhos já executados.

7. A autora, em 26-10-2021, procedeu à emissão da fatura n.º 21/23, no valor de €15.000,00, tendo sido nela aposta a data de vencimento de 25-11-2021.

8. A ré não procedeu ao pagamento da factura referida em 7.

9. A ré, para a realização dos trabalhos que estavam adjudicados à autora, a partir de pelo menos setembro de 2021, recorreu a mão de obra externa à autora

10. A autora enviou uma carta datada de 12-04-2022 à ré onde consta:

“Exma Sra

AA

Travessa ..., ...

... ..., ...

..., 12 de abril de 2022

ASSUNTO: V/ conta corrente: débito no valor de 15.000,00€

N/cliente: A..., Lad

Ex.mo Senhor,

Mandatou-me a n/cliente A..., Lda, no sentido de exigir, amigável ou judicialmente a regularização do V/débito perante aquela empresa

Na verdade, não foi regularizado, ainda, o pagamento do V/débito, no valor de 15.000,00€.

Como é do conhecimento de V/Exas os montantes não pagos na data do vencimento vencem juros nos termos da lei, ao que irá acrescer as despesas de cobrança, o que se calcula atualmente em:

- 15.000,00€ valor em débito;

- 396,99€ juros vencidos;

- 150,00€ despesas de cobrançautora

Caso V. Exª não se proponha a regularizar o referido débito, que se calcula atualmente em 15.546,99€, no prazo máximo de 10 dias, ver-me-ia na dura necessidade de, sem outro aviso, propor a competente ação judicial de cobrança”.

11. A ré procedeu a dois pagamentos por conta de trabalhos adjudicados à autora:

a. um pagamento no valor de €14.000,00, efectuado através de transferência bancária para a conta com o IBAN  ...38, no dia 19 de Agosto de 2020;

b. um pagamento, no valor de €850,00, efectuado através de transferência bancária para a conta bancária do Banco 1... com o n.º ...59, titulada pelo sócio-gerente da autora, BB, no dia 03 de Setembro de 2021.

12. A autora nunca enviou à ré factura com n.º 20/24 no valor de €9.000,00.

13. A autora nunca entregou qualquer recibo à ré dos dois pagamentos efectuados no valor de €14.850,00.

14. Dos trabalhos adjudicados à autora, esta procedeu aos seguintes:

a. colocou as paredes de pedra com as cotas necessárias consoante o projecto, sem no entanto, desempenar as mesmas;

b. forneceu e colocou a laje de piso e respectiva estrutura de suporte da mesma em toda a casa, incluindo acrescento;

c. lavou a pedra do imóvel e fez as respectivas juntas;

d. erigiu as paredes divisórias das divisões em tijolo de “sete”, sem rebocar;

e. fez a pré-instalação parcial eléctrica e esgoto, sem instalação de quaisquer cabos, não tendo concluído a referida pré-instalação;

f. 60m2 de acrescento na moradia preexistente, com todos os trabalhos de tosco realizados nessa parte, nomeadamente aqueles que a ré descreve nos artigos 30.º a 34.º da contestação, sendo que esse “acrescento” não estava incluído na empreitada contratualizada, sendo a área a edificar inferior do que aquela que foi edificada;

g. O exterior da moradia foi completamente concluído, reconstrução e melhoramento das paredes de pedra, juntas de pedra feitas e a pedra lavada;

h. Foi desengrossada toda a obra para poder levar o acabamento final;

i. Aplicou lage de piso e de teto e fez toda a instalação elétrica, água e esgotos, sendo que na parte elétrica apenas ficou a faltar a passagem de cabos

15. Consta do documento intitulado de “Crédito à habitação Vistoria”, que, à data de 18-08-2020, a percentagem de obra concluída correspondia a 28,4%.

16. Consta do relatório de vistoria realizada em 13-10-2021 realizado pela B..., Consultores de Engenharia, S.A que, nessa data, os trabalhos tinham uma percentagem de execução de 48,40%.

17. A partir do segundo trimestre de 2020 houve um aumento dos custos de construção.

18. A Ré, numa primeira fase em que contactou a Autora, pretendia executar apenas parte dos trabalhos e as dimensões da construção eram menores do que aquelas que foram depois contratualizadas e construídas pela autora

19. A ré pagou à autora €850,00 por pedras para a construção de um muro, não estando tal construção incluída nos trabalhos adjudicados referentes à moradia

20. Consta do documento intitulado de “Mútuo com hipoteca” onde são, “primeiros outorgantes” “CC” e “AA” que:

a. “Primeira

(Mútuo)

O Banco concede aos Primeiros Outorgantes um empréstimo no montante de Euros: 50.000,00 (cinquenta mil euros), de que estes se confessam solidariamente devedores, o que o BANCO aceita, destinado a OBRAS no IMÓVEL abaixo identificado, destinado a HABITAÇÃO PRÓPRIA PERMANENTE (…).

Segunda

(Hipoteca)

(…) o PRÉDIO URBANO, composto por edifício de um piso, com área descoberta, destinado a habitação, sito em ..., Rua ..., da União de Freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...10..., com o registo de aquisição a se favor pela inscrição AP. ...58 de 2017/11/15, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...68 (…)

..., 28 de julho de 2020”.

25. As partes acordaram, como forma de pagamento que, à medida que as tranches de dinheiro fossem libertadas pelo banco para a conta da ré, esta procederia à correspondente transferência do valor integral para a autora

26. Num primeiro momento foi apresentado pela autora à ré, em fevereiro de 2020, um orçamento manuscrito com o valor de €36.000,00 e posteriormente um dactilografado no valor de €36.000,00 acrescido de IVA

27. Em meados de agosto de 2020, autora e ré acordaram que esta última iria solicitar a realização de uma vistoria bancária da obra que que fosse libertada nova tranche de dinheiro e, por consequência, pudesse esta ser paga à autora e que, enquanto a vistoria não fosse realizada, a autoria iria avançar com outras obras.

28. A margem de lucro que autora obteria com a execução dos trabalhos era de 15% do valor de €60.000,00.

*

ii. Factos não provados

a) A fatura n.º 21/23, no valor de €15.000,00 é referente às obras de infraestrutura elétrica, água, esgotos e parte do revestimento de argamassas executadas em obra

b) A autora procedeu à entrega de um outro orçamento, propositadamente inflacionado, exclusivamente para entrega junto da instituição bancária Banco 1..., onde a ré e o seu namorado pediram financiamento para proceder à remodelação do referido imóvel.

c) Orçamento que foi entregue com conhecimento e a pedido da sócia da autora, DD, esposa do sócio-gerente BB, a qual é funcionária do Banco 1..., à data, a desempenhar funções no balcão de ..., onde a ré e o seu namorado solicitaram financiamento para as referidas obras.

d) O orçamento real para os trabalhos orçamentados era de 36.000,00€ acrescido de IVA e não 60.000,00€.

e) A autora enviou uma factura à ré, através da sua mandatária, Drª EE, advogada, em 11 de Maio de 2022.

f) Não obstante os reiterados pedidos efectuados pela ré e pelo seu namorado à autora para que esta desse andamento aos trabalhos esta última não o fez.

g) Por várias vezes a ré chamou à atenção da autora para a necessidade da obra estar concluída até Dezembro de 2021 em virtude dos prazos associados ao crédito à habitação.

h) A autora abandonou a obra sem dar qualquer justificação à ré.

i) Como consequência do abandono definitivo e injustificado da obra por parte da autora, a ré sofreu, e continua a sofrer, graves prejuízos.

j) O custo da conclusão dos trabalhos de construção, e ainda que se considere, no limite, que os trabalhos encontravam-se concluídos numa percentagem de 48% à data do abandono definitivo da obra por parte da autora, terá um agravamento nunca inferior a 5.065,00€.

k) A autora foi também obrigada a continuar a viver em casa dos seus pais ao contrário do que pretendia e previa, porquanto pensava já estar a viver na sua própria casa a partir do último trimestre de 2020.

l) O atraso na conclusão da obra, bem assim como as dificuldades causadas pelo abandono da obra por parte da autora, causaram naturalmente enorme angústia na ré, stress, dificuldades em dormir, alterações de humor com reflexos nas suas relações pessoais e profissionais, dificuldades que se agravaram com o pós parto.

m) A ré procedeu ao pagamento de €14.850,00 também, a título de adiantamento de trabalhos a efectuar pela autora

n) O telhado foi rematado pela autora

o) A ré não procedeu de forma regular ao pagamento das obras que vinham sendo executadas pela autora

p) A ré solicitou a prorrogação do prazo de utilização do capital no âmbito do contrato de mútuo com hipoteca e requereu junto da Câmara Municipal ... a prorrogação de prazo para conclusão das obras.

q) O prazo para execução dos trabalhos adjudicados era de seis meses.

r) A autora iniciou os trabalhos em fevereiro de 2020.

s) A autora, apesar dos pedidos reiterados para continuar os trabalhos, abandonou a obra definitivamente em Setembro de 2021, não mais tendo voltado à obra.


*

(…).

*

2.2 -Do Direito

Alega a Apelante:

73ª) Atenta a alteração da matéria de facto provada e não provada decorrente da prova produzida em sede de audiência, a decisão final a proferir será necessariamente diferente daquela ditada em primeira instância.

74ª) O princípio da liberdade contratual previsto no art.º 406º, conforme permite a livre formação dos contratos mediante a vontade dos contraentes, prevê igualmente que estes possam cessar os efeitos do contrato, extinguindo-o, pela mesma via, isto é, mediante acordo nesse sentido.

75ª) Pelo que, verificando-se a existência de um acordo de cessação do contrato de empreitada, validamente celebrado, deverá a sentença recorrida ser alterada no sentido de ser reconhecida a validade desse mesmo acordo de revogação do contrato nos termos do art.º 406º do Cód. Civil.

76ª) Acordo que, conforme decorre das declarações de ambas as partes, teve efeitos imediatos e sem quaisquer condições de parte a parte, pelo que simplesmente, a autora ficou desonerada de continuar os trabalhos contratados, tendo a ré ficado livre para continuar a obra de construção pelos meios que melhor entendesse, não tendo sido prevista, claramente, qualquer consequência relativamente ao atraso na conclusão da obra ou ao facto da ré ter, a partir de finais do verão de 2021, dado continuidade aos trabalhos por seus próprios meios.

Ora, salvo o devido respeito, tal alteração factual não ficou demonstrada pela Apelante, tendo improcedido a impugnação à matéria de facto fixada na 1.ª instância, pelo que, como escreve a julgadora da 1.ª instância:

Como resulta da matéria factual provada entre Autora, na qualidade de empreiteira, e Ré, na qualidade de comitente, foi celebrado um contrato de empreitada, pelo preço global de €60.000,00.

O contrato de empreitada configura, assim, um contrato de prestação de serviços “…pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra - Tal obra pode abranger não apenas a construção, mas também a modificação, reparação ou demolição de uma coisa móvel ou imóvel – vide Menezes Leitão in “Direito das Obrigações - Vol. III.” 2015, págs. 449 e ss. -, mediante um preço.” – vide artigos 1155.º e 1207.º do Código Civil.

No caso sub judice, está-se perante uma empreitada de consumo, porquanto “…estabelecida entre alguém que destina a obra encomendada a um uso não profissional e outrem que exerce com caráter profissional uma determinada atividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração…”- Vide Cura Mariano in “Responsabilidade Civil Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos de Obrautora” 2004, pág. 232 - , sujeita, por conseguinte, ao regime do DL n.º 84/2021, de 18 de Outubro, o qual consagra regras especiais relativamente às regras gerais do Código Civil, cuja aplicação é, por conseguinte, subsidiária.

Trata-se, por sua vez, de uma empreitada de consumo que, atendendo aos factos provados, ficou inacabada, tendo a Autora “abandonado” a obra sem que a totalidade dos trabalhos contratados estivesse concluída.

Alega, para tanto, a Autora que se, por um lado, a Ré apenas pagou €14.000,00 devido pela execução de parte dos trabalhos previstos no orçamento inicial, por outro lado, realizou lá trabalhos que ainda não se encontram pagos.

Ora, é verdade que a Ré apenas liquidou parte do preço total da empreitada inicial, sendo também verdade que foi acordado que a ré iria solicitar nova vistoria para que o banco libertasse nova tranche de dinheiro para que, em consequência este pudesse, agora pela ré, ser transferido para a autora para que esta pudesse ter forma de continuar a obra.

Não podemos ignorar que a empreitada é um contrato complexo pelo que, se de comum acordo as partes alteram o inicialmente acordado, o seu cumprimento pontual só tem de acompanhar tal modificação objectiva.

Ora, se as partes acordaram que, enquanto não fosse feita nova vistoria e libertada nova tranche, a autora iria avançar com outras obras, o facto da ré colocar mão de obra externa à autora na obra tornou impossível o cumprimento, pela autora, da prestação que lhe estava adstrita.

Quando, como sucedeu in casu, a ré colocou mão de obra externa à autora antes dos trabalhos adjudicados à autora estarem terminados, tal comportamento “…corresponde indubitavelmente a uma declaração (…) tácita de incumprimento (…), equiparável a uma declaração expressa de idêntico conteúdo e sentido negocial; mais precisamente, evidencia o seu propósito firme e definitivo de não cumprir” - Cfr Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.12.2008, suprarreferido.

Ora, tal comportamento por parte da ré consubstancia um acto de desistência – cfré artigo 1229º, do Código Civil – sem que lhe possa ser exigida qualquer fundamentação, em moldes totalmente discricionários, sem necessidade de pré-aviso.

O acto de desistência, sendo uma declaração recipienda, encontra-se subordinada ao princípio da liberdade de forma e que não tem a virtualidade para ser avaliada ou censurada pelo tribunal.

Por outro lado, tal acto, podendo o empreiteiro discordar dele, não se pode opor, mas acarreta o fim ex nunc da empreitada.

Mas, não poderia o tribunal recorrido, louvando-se nestes factos - a ré colocou mão de obra externa à autora antes dos trabalhos adjudicados à autora estarem terminados -, declarar o contrato de empreitada rescindido por desistência da recorrente?

 A Apelante diz que não, justificando-se assim:

“Por outro lado, não assiste razão ao tribunal quando afirma que o facto da ré ter começado a adiantar os trabalhos por sua iniciativa configura um acto de desistência nos termos do art.º 1229º do Cód. Civil.

Tal interpretação é incorrecta.

Nos autos não se encontram especificados quais os trabalhos que a ré se encontrava a realizar no local, pelo que nem tão pouco se pode considerar provado que sejam trabalhos que tenham sido adjudicados à autora.

Acresce que a autora, não obstante ter visto pessoas na obra a trabalhar, não abordou a ré pedindo qualquer satisfação e também não referiu ter interpretado tal circunstância fosse de que forma fosse, tendo simplesmente optado por ignorar tal facto.

Por outro lado, o facto de outras pessoas terem estado a trabalhar na obra, não significa que a autora estivesse impedida de retomar os trabalhos que havia abandonado anteriormente.

Por outro lado, e considerando que ambas as partes formulam o pedido de resolução simultaneamente na presente acção, ter-se-á que ter em consideração quais os factos que ocorreram primeiro e que consubstanciam fundamento para a resolução do contrato, sendo que no caso vertente dúvidas não existem que o atraso na conclusão dos trabalhos, verificado a partir de Agosto de 2020, é manifestamente e sem margem para qualquer dúvida, o facto originador de rescisão do contrato que ocorreu primeiro, pelo que deverá ser esse a ser atendido.

E, não podemos deixar de comentar a afirmação vertida pelo tribunal na sentença recorrida a páginas 21, quando considera que “se a paragem e um mês fosse percepcionada como abandono, a maioria das obras realizadas estaria, em algum momento, abandonada pelos respectivos empreiteiros”, porquanto parece-nos por vezes, e com todo o respeito que nos merece, que a meritíssima juíza não assistiu ao mesmo julgamento que os demais presentes.

O tribunal demonstra ter ignorado absolutamente o facto da autora, à data em que abandona a obra, encontrar-se já com um atraso na conclusão dos trabalhos de 14 meses – por referência a um prazo inicial de conclusão dos trabalhos de 6 meses -, bem assim como ignora que o facto de antes daquela data a autora já raramente ter ido à obra fazer o quer que fosse.

Ora, se já são sobejamente conhecidos os problemas que os donos de obra têm com os empreiteiros em questão de cumprimento de prazos, que será daqueles daqui para a frente perante sentenças que ignoram propositadamente – porque outra circunstância não se pode considerar – o reiterado incumprimento destes quanto ás condições contratuais estipuladas?

E nem ouse dizer-se que por tais atrasos serem comuns devem ser compreendidos como normais porque tal é uma absoluta normalização e “legalização” de incumprimentos contratuais que não deveriam ser usuais e que apenas prejudicam o elemento mas fraco desta equação… O dono de obra. Dono de obra que na maior parte das vezes não tem os conhecimentos jurídicos necessários a actuar perante o incumprimento do empreiteiro de forma a que depois não venha a ser apanhado posteriormente numa qualquer lacuna jurídica, absolutamente justificada, como parece a autora querer aqui pretender.

O pedido da autora, e que mereceu a acolhimento pelo tribunal recorrido, configura um manifesto abuso de direito que consubstancia uma latente injustiça material.

Condenar a ré quando é evidente – e nem tão pouco a autora o nega – que foi a autora que não cumpriu os termos do contrato de empreitada celebrado, nomeadamente, no que concerne ao prazo que a própria estipulou, é digno de admiração pelos piores motivos.

Concluindo, e como referimos atrás, deverá a sentença recorrida ser revogada quanto aos motivos que determinaram a cessação do contrato, declarando-se o mesmo cessado por revogação por acordo das partes ou, no limite e se assim não se considerar, reconhecer a rescisão do contrato de empreitada imputado ao incumprimento definitivo do mesmo por parte da autora nos termos do art.º 808º do Cód. Civil.

Sem razão.

Desde logo, o que se imporia era que, em face do por si alegado, a R. interpelasse a A., fixando-lhe então claramente um prazo peremptório razoável para o término dos trabalhos, sob pena de resolução do contrato, o que não fez -  em face do prescrito no n.º 1 do artigo 808.º do Código Civil importa que o credor, face à mora do devedor, interpele este para cumprir a obrigação, fixando-lhe um prazo suplementar razoável, com a advertência de que a inobservância deste prazo implicará para todos os efeitos o não cumprimento da obrigação, o mesmo é dizer, o incumprimento definitivo do contrato ou mais rigorosamente não cumprimento definitivo. Essa interpelação é designada por interpelação admonitória.

Pelo contrário, o que resulta dos autos é que a Ré apenas liquidou parte do preço total da empreitada inicial, tendo sido acordado que esta iria solicitar nova vistoria para que o banco libertasse nova tranche e, por consequência, pudesse esta ser paga à autora e que, enquanto a vistoria não fosse realizada, a autora iria avançar com outras obras - Ponto 27 -, não se mostrando, por isso, o abandono da Obra por parte desta – O abandono da obra é um conceito que há muito foi adotado no universo da gíria jurídica e que traduz o comportamento do empreiteiro que, após ter iniciado a execução dos trabalhos de realização da obra a que se vinculou, por iniciativa unilateral, cessa essa execução de um modo e/ou durante um período de tempo revelador, de forma concludente, que é sua intenção firme não retomar aqueles trabalhos, deixando a obra inacabada/Com esta configuração, o abandono da obra, tem sido qualificado pela jurisprudência […], e pela doutrina […] como um comportamento significante da recusa do empreiteiro a cumprir integralmente a prestação a que se obrigou, dotada das caraterísticas que justificam a sua equiparação a um incumprimento parcial definitivo da obrigação de realizar a obra contratada- Ac. STJ de 14/01/2021, nº de processo 2209/14.0TBBRG.G3.S1, pesquisável em  www.dgsi.pt..

Acresce que a A. perante a situação gerada não manifestou qualquer comportamento inequívoco de não realizar a obra, limitando-se sim a suspender os trabalhos, sem que antes fossem pagos na íntegra os trabalhos já realizados, pelo que não é aqui configurável uma situação específica de dispensa de interpelação admonitória por inequívoca recusa de cumprir.

Na óptica da Apelante estaríamos perante uma transação modificativa - artigo 1248.º, do Código Civil-, que visa eliminar um litígio, recompondo/configurando/cessando a relação contratual de empreitada em crise, ocorrendo um fenómeno de substituição/modificação/extinção – sobre esta matéria ver TIAGO SOARES DA FONSECA, A Transação Civil na Litigância Extrajudicial e Judicial, Gestlegal, 2018, pág. 475 -, mas tal não se provou - existência de um acordo de cessação do contrato de empreitada -, mostrando, pelo contrário, os autos que:

A autora apresentou o orçamento datado de 15-04-2020 de remodelação e reabilitação urbana, no valor total de €60.000,00 acrescido de IVA que a ré, por sua vez, aceitou – estando aí previsto o prazo de execução de dez meses após a entrega da Obra; A autora iniciou os trabalhos tendo executado os serviços inerentes às obras de reconstrução da moradia da ré; Tendo a autora emitido, em 20-08-2020, a respetiva fatura, com o n.º 20/24, no valor de €9.000,00, que a ré liquidou; Devido aos sucessivos atrasos, não obstante as interpelações da autora, tornou-se impossível continuar os trabalhos na moradia sem que fossem pagos pelo menos os trabalhos já executados; A autora, em 26-10-2021, procedeu à emissão da fatura n.º 21/23, no valor de €15.000,00, tendo sido nela aposta a data de vencimento de 25-11-2021;  A ré não procedeu ao pagamento de tal factura ; A ré, para a realização dos trabalhos que estavam adjudicados à autora, a partir de pelo menos setembro de 2021, recorreu a mão de obra externa à autora.

Ora, o contrato de empreitada pode ser revogado em qualquer momento, por mera manifestação de vontade do dono de obra, na estrita medida em que o artigo 1229.º do Código Civil estabelece que este pode desistir da empreitada, a todo o tempo, ainda que esta já tenha sido iniciada, desde que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra – é um poder discricionário do dono de obra, exercido unilateralmente e insusceptível de apreciação judicial, que não carece de aviso prévio ou de forma especial, traduzindo-se a desistência na mera manifestação de vontade dirigida à contraparte, extinguindo o contrato com efeitos para o futuro, sem necessidade de invocação de qualquer fundamento, operando mesmo no caso em que improceda o concreto fundamento invocado para a resolução do contrato de empreitada.

E os autos mostram que a ré colocou mão de obra externa à autora, antes dos trabalhos adjudicados à autora estarem terminados –pertencia à Ré/Apelante o ónus de alegar e provar que os trabalhos que foram executados a seguir ao verão de 2021 não estivam adjudicados à recorrida -, pelo que, salvo o devido e merecido respeito pelo alegado, não poderemos de deixar de concordar com a julgadora da 1.ª instância, quando escreve:

“A cessação implica contudo, que o comitente o indemnize – é um caso de indemnização por facto ilícito – não só dos seus gastos e trabalhos, como ainda do proveito que poderia tirar da obra – a sua margem de lucro integral; ou seja, tratar-se de indemnizar o construtor pelo seu interesse contratual positivo, significando-se a reposição natural própria da obrigação de indemnizar – artigo 562º, do Código Civil – nesse caso, que o empreiteiro deve ser colocado com a posição que teria se toda a empreitada tivesse sido realizada.

Como refere o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 12-03-2012, disponível para consulta em www.dgsi.pt, “I - Num contrato de empreitada, a opção do dono da obra prescindir dos serviços do empreiteiro e recorrer a um outro empreiteiro para continuar a obra configura a desistência do contrato de empreitada prevista no artigo 1229°, do C. Civil.”.

Ora, no caso, apesar da ré não ter substituído a autora por outro empreiteiro, a verdade é que recorreu a outras pessoas, a mão de obra externa à autora, substituindo a autora por ela própria, para realizar os trabalhos que havia adjudicado à Autora

Quanto aos efeitos da resolução, a lei, no artigo 433.º do Código Civil, equipara-a à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, atribuindo-lhe uma eficácia retroativa, que se traduz em dever “…ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.” – cfré artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil.

Sucede que, in casu, tendo a Autora executado parte dos trabalhos orçamentados e mantendo a Ré interesse na sua subsistência, é óbvio que esta retroatividade não pode operar tout court – cfré artigo 434.º, n.º 1 in fine do Código Civil.

Em termos práticos, significa isto que se mantêm intactos os trabalhos já executados pela Autora e, obviamente, o correspondente valor, limitando-se os efeitos da resolução à restituição da parte do preço que não se “reflectiu” na obra efectuada.

Como refere o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 04-06-2020, disponível para consulta em www.dgsi.pt,

“ I – Nos quadros do artº. 1229º,do Cód. Civil, é admitido ao dono da obra desistir da empreitada contratada a todo o tempo, sem necessidade de indicar a razão ou justificação para tal, e sem carecer de efectuar qualquer aviso prévio ;

II – Tal declaração de desistência, salvo convenção em contrário, não está sujeita a qualquer formalidade específica, nomeadamente a forma escrita, depreende-se da adopção de conduta reveladora de desinteresse na prestação e é aferível mediante apelo ao princípio da impressão do destinatário, nos termos dos artigos 236º e 239º,ambos do Cód. Civil ;

III – tal possibilidade, tutelando, pelas mais variadas causas, o interesse do dono da obra, traduz ou revela uma forma específica de extinção unilateral do contrato de empreitada, assumindo-se como verdadeira excepção à regra da pontualidade no cumprimento dos contratos, prevista no artº.406º, do mesmo diploma ;

IV - a assunção de tal acto por parte do dono da obra (in casu, por parte dos Réus, configurando-se a sua atitude como uma verdadeira desistência da empreitada contratada com a Autora empreiteira), tem efeitos ao nível da indemnização, para que o empreiteiro não sofra prejuízos, ou não exista um ilegítimo enriquecimento por parte do dono da obra ;

V – tal indemnização, tendo natureza reparadora de um dano causado por acto lícito, determina que o empreiteiro tenha direito a ser ressarcido/indemnizado:

I) do custo/gastos em materiais e trabalhos já suportados àquela data, independentemente do preço convencionado ;

II) do lucro integral que teria na execução da empreitada, a aferir pela subtracção dos custos que a Autora empreiteira teria com a execução integral da obra, ao preço total acordado pela execução da empreitada ;”.

No caso em análise, inexistem dúvidas de, atenta a visão do homem médio, cerca de um mês após a autora ter parado com os trabalhos, a ré ter colocado outra mão de obra externa à primeira por forma a dar andamento e evolução à obra, só poder ser percebido como uma desistência, uma perda de interesse definitivo por parte da ré nos serviços da autora.

Aliás, se a paragem de um mês fosse percepcionada como abandono, a maioria das obras realizadas estaria, em algum momento, abandonada pelos respectivos empreiteiros.

Por outro lado, o pagamento da indemnização em questão, caso assim não fosse, poderia levar a uma situação de enriquecimento sem causa da ré uma vez que teria os trabalhos realizados pela autora, custeados apenas por esta.

No caso dos autos, atenta a perícia realizada, bem como a factualidade dada como provada, podemos concluir que os trabalhos executados em obra pela Autora foram no valor de €23.400,00, acrescidos de IVA à taxa legal, ou seja, €28.782,00, valor correspondente a uma taxa de execução dos trabalhos contratualizada de 41%.

Assim, já tendo a ré procedido ao pagamento de €14.000,00, haverá que necessariamente descontar tal valor perfazendo, assim, uma diferença de €14.782,00.

Todavia, há que consignar desde já que este Tribunal está limitado pelo princípio do pedido não podendo, assim, condenar por quantia superior ao peticionado.

Donde resulta que, uma vez que a Autora peticionou a condenação da ré num pagamento de €10.000,00, será apenas nesse valor que a ré poderá e deverá ser condenada a pagar à Autora.

Quanto ao lucro cessante, atendendo à factualidade dada como provada, conjugando a mesma com o disposto na lei, conclui-se inequivocamente que impende sobre a ré o dever de indemnizar a autora pelo lucro cessante.

Todavia, uma vez que foi dado como provado que o lucro da sociedade autora, in casu, seria de 15%, atento o preço da empreitada, tal corresponde a €9.000,00.

A AUTORA vem ainda peticionar o pagamento de juros sobre tais quantias “pagamento do valor dos juros vencidos e vincendos, desde a data de vencimento da fatura identificada até o integral e efetivo pagamento”.

Ora, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação, torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, constituindo-se na obrigação de pagamento de uma indemnização que, no caso de obrigação pecuniária, corresponde o pagamento de juros moratórios, nos termos do art.º 806.º, n.ºs 1 e 2 do CC.

A data a partir da qual a AUTORA peticiona o pagamento de juros de mora corresponde àquela em que se venceu a factura em questão, isto é, 25-11-2021.

Todavia, apesar da autora ter emitido essa factura, a lei estabelece o momento em que a obrigação de pagamento do preço, no âmbito do contrato de empreitada, se vence, isto é, com a aceitação da obra (art.º 1211.º, n.º 2 do CC) o que, no caso, ocorreu quando houve desistência da obra por parte da autorautora

Daqui decorre que a obrigação que impendia sobre a RÉ constitui uma obrigação com prazo certo, para efeitos de constituição do devedor em mora e cálculo dos respetivos juros, sem necessidade de interpelação, nos termos do art.º 805.º, n.º 1, alínea a) do CC.

Contudo, estando o Tribunal limitado pelo princípio do pedido (art.º 609.º do CPC), apenas poderá condenar a RÉ no pagamento de juros de mora contados desde 25-11-2021, calculados sobre a quantia de €14.782,00, acrescido de €9.000,00 devido pelos lucros cessantes, até integral e efetivo pagamento, por ter sido o peticionado pela AUTORA.

Por fim, sendo o contrato de empreitada celebrado no âmbito da atividade comercial da AUTORA, deverão os juros moratórios ser calculados ao abrigo do disposto no art.º 102.º, parágrafo 3.º, do Código Comercial, em conjugação com a Portaria n.º 277/2013, de 26 de agosto, e sucessivos avisos publicados pela Direção Geral do Tesouro.

*

Do pedido reconvencional deduzido pela ré

Veio ainda a ré, em sede de reconvenção, peticionar que seja “DECLARADO RESOLVIDO O CONTRATO DE EMPREITADA EM CRISE NOS PRESENTES AUTOS POR MOTIVO DE ABANDONO PROLONGADO E DEFINITIVO DA OBRA POR PARTE DA AUTORA E, EM CONSEQUÊNCIA, SER A AUTORA CONDENADA A PAGAR À RÉ RECONVINTE:autora 5.065,00€ A TÍTULO DE DANOS MATERIAIS ACRESCIDOS DOS JUROS LEGALMENTE PREVISTOS, SEM PREJUÍZO DE LIQUIDAÇÃO POSTERIOR EM VALOR SUPERIORÉ

b. 2.500,00€ A TÍTULO DE DANOS MORAIS ACRESCIDO DOS JUROS LEGALMENTE PREVISTOS.”.

As considerações supra tecidas sobre o comportamento da ré quanto à colocação de mão de obra externa à autora para realização dos trabalhos a esta adjudicados e legitimidade da autora para resolver o contrato, constituem igualmente fundamentos válidos para justificar a improcedência do pedido reconvencional.

Aliás, diga-se também, que a ré, atenta a factualidade dada como provada não provou quaisquer danos materiais que tenha sofrido.

Alegou, por um lado, que os preços dos materiais subiram desde que a autora iniciou a obra até que a ré “iniciou” a mesma, todavia, atentos os fundamentos e a qualificação jurídica atribuída a tal comportamento, entende este Tribunal que a ré não sofreu quaisquer prejuízos.

Por outro lado, importa ainda referir, em relação aos danos não patrimoniais peticionados que, no caso sub judice, foi a ré que desistiu da empreitada, “tomando as rédeas à mesma”, com o inerente desgaste e inconvenientes que tal decisão possa trazer

Em relação ao facto de ter tido de residir num imóvel que não era o seu durante o período de tempo em que a sua habitação própria foi alvo de intervenção, diga-se que, aquando da audiência de discussão e julgamento a ré reconheceu que apenas faltavam alguns pormenores para o imóvel estar “pronto” e ainda não estava lá a viver

Donde resulta que o Tribunal não consegue asseverar que a ré não está a viver no imóvel por causa que não lhe seja imputável.

Importa ainda frisar que a alegação, tão-somente em termos gerais, de “transtorno”, “preocupação” e “stress”, pese embora seja suficiente, a nível processual, fica muito aquém do sofrimento com tradução clínica (v.g., insónias, depressão, alteração de personalidade, entre outros), esse sim, merecedor de indemnizações em valor mais elevado.

Face ao exposto, improcede na íntegra, o pedido reconvencional”.

Apenas uma breve nota acerca da litigância, que a Apelante diz ser de má-fé ao escrever:

O pedido de condenação em litigância de má-fé formulado na contestação/reconvenção pela ré reconvinte tinha por fundamento factual, por um lado, o facto da autora afirmar que a ré apenas procedeu ao pagamento 9.000€, quando na verdade a autora havia já recebido a quantia de 14.850€, não obstante 850€ dizerem respeito a trabalhos que não faziam parte do contrato de empreitada celebrado, e por outro lado, o facto da autora alegar que o contrato de empreitada foi celebrado pelo valor de 60.000€ mais IVA, quando na verdade foi celebrado por cerca de metade desse valor, isto é, 36.000€.

Perante a constatação do pagamento de 14.850€, a autora veio diminuir o pedido, corrigindo assim o seu “esquecimento”.

No entanto, no que diz respeito ao valor do contrato de empreitada, não só a autora não retirou o que disse, como deveria ter feito, como veio em sede de julgamento prestar declarações falsas, procurando sustentar a sua posição, no que se revelou absolutamente desastroso.

O legal representante da autora foi “apanhado” por várias vezes a mentir perante o tribunal, relativamente a factos que eram do seu absoluto conhecimento.

O legal representante da ré mentiu quanto ao motivo pelo qual foi elaborado o orçamento de 60.000€ - e tanto assim foi que quando confrontado com essa mesma mentira, alterou descaradamente o seu depoimento, criando “novas causas” que deram origem ao referido orçamento”.

Como sabem os ilustres mandatários, a litigância de má-fé configura um tipo especial de ilícito civil em que uma parte, com dolo ou negligência grave, age processualmente de forma inequivocamente reprovável, violando deveres de legalidade, boa-fé, probidade, lealdade e cooperação, suscetíveis de causar prejuízo à parte contrária e obstar à realização da justiça.

Mas, para que a parte incorra em litigância de má-fé é necessário que altere a verdade dos factos essenciais ou relevantes para a decisão da causa, sendo que a mesma deve ser apreciada tendo em vista uma não limitação do direito de defesa do particular, pelo que, a condenação com tal fundamento só deve ter lugar em casos de chocante e grosseiro uso dos meios processuais.

Ora, no caso em análise, não resultam quaisquer elementos para condenar a Apelada/Autora como litigante de má-fé.

Improcede, pois, a apelação.


*

Sumariando:

(…).


*

3. Decisão

Assim, na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida no Juízo de Competência Genérica de Castro Daire.

Custas pela Apelante.

Coimbra, 28 de Outubro de 2025

(José Avelino Gonçalves - relator)

(Catarina Gonçalves – 1.ª adjunta)

(Maria Fernanda Fernandes de Almeida – 2.ª adjunta)