PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
ÓNUS DA PROVA DO REQUERENTE
Sumário

I - O procedimento cautelar comum tem como requisitos:
- não estar a providência a obter abrangida por qualquer procedimento cautelar especificado (nº 3, do art. 362º, do CPC), sendo este procedimento destinado a fazer face a situações de “periculum in mora” não especialmente acauteladas através dos procedimentos cautelares especificados na lei;
- a existência de um direito (satisfazendo-se a lei com um juízo de probabilidade ou verosimilhança mas exigindo que tal probabilidade seja forte (v. nº 1, do art. 368º, do CPC, que estatui “a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito” - fumus boni iuris);
- o atual e fundado ou sério receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação (periculum in mora) - (v. nº 1, do art. 362º e nº 1 do art. 368º, do CPC);
- a adequação da providência solicitada a evitar a lesão e a assegurar a efetividade do direito ameaçado (parte final do nº 1, do art. 362º, do CPC);
- não resultar da providência prejuízo consideravelmente superior ao dano que ela visa evitar, pois, conforme estabelece o nº 2, do art. 368º, do CPC, a providência deve “ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela adveniente para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar”.
II - Não se mostrando in casu demonstrados factos a densificar fumus boni iuris, nem se mostrando justificado periculum in mora não pode ser decretada a providência.
III - Cabendo ao Requerente a prova dos factos constitutivos do direito de que se arroga, nos termos do nº1, do art. 342º, do Código Civil, não cumprindo o mesmo o ónus da prova dos afirmados factos, a poderem integrar os mencionados requisitos, a providência solicitada não pode ser decretada.

Texto Integral

Processo nº 2352/25.0T8STS.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível de Santo Tirso - Juiz 1



Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto: Des. Ana Paula Amorim
2º Adjunto: Des. Carla Jesus Costa Fraga Torres

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):

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I. RELATÓRIO

Recorrente: AA

AA instaurou procedimento cautelar comum contra A..., LDA., B..., S.A. e BB requerendo que, com dispensa de audição prévia, seja decretada a seguinte providência:

- imediata restituição da posse do veículo automóvel com matrícula ..-..-BL por quem o detiver, com entrega de todas as chaves e documentos necessários à circulação

- ou, em alternativa ou subsidiariamente, a apreensão judicial de tal veículo automóvel e depósito à sua guarda; a entrega por parte da Requerida A..., LDA. de um veículo automóvel de características semelhantes aos veículos automóveis com matrícula ..-..-BL ou ..-..-AZ ou a entrega do valor de € 111,00/dia até à prolação da decisão final a proferir em ação principal a ter lugar; e/ou a suspensão imediata do pagamento das prestações mensais do contrato de mútuo celebrado entre o Requerente e a Requerida B..., S.A..

Alega, para tanto, que adquiriu à Requerida A..., LDA. o veículo automóvel matrícula ..-..-AZ, pelo montante de € 27.350,00 e, como forma de pagamento, entregou o seu anterior veículo automóvel, procedeu ao pagamento da quantia de € 3.150,00 e pagou, ainda, o montante de € 5.600,00 com recurso a financiamento intermediado pela Requerida A..., LDA., concedido pela Requerida B..., S.A. e que, concluído o negócio entre as partes, foram por si detetadas anomalias no veículo automóvel de matrícula ..-..-AZ, que o levou ao concessionário e oficina oficial da marca Peugeot para avaliação e reparação das mesmas e volvidos alguns dias, o concessionário o informou de que o veículo automóvel tinha sido apreendido pela Polícia Judiciária, por fortes suspeitas de o mesmo ter sido furtado ou objeto de adulteração. Mais afirma que o seu antigo veículo automóvel foi vendido ao 3.º Requerido, que, por missiva remetida à 2.ª Requerida, resolveu o contrato de mútuo celebrado e que a presente situação lhe está a causar prejuízo e transtorno, pois está privado do seu novo veículo, perdeu a sua viatura anterior e tem encargos financeiros com o mútuo contraído, que a sua família, presentemente, não dispõe de outro veículo para se deslocar, sendo que a privação de uso é de difícil reparação posterior, e existe um risco de desvalorização, deterioração, perda acidental, mau uso ou mesmo nova alienação do seu anterior veículo.


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Foi proferido despacho a admitir liminarmente a providência cautelar e a determinar a não audição prévia dos Requeridos.

Realizada audiência com a observância do formalismo legal foi proferida decisão com a seguinte

parte dispositiva:

“Pelo exposto, sem necessidade de mais considerandos, julga-se improcedente o presente procedimento cautelar.

Custas pelo Requerente – cf. artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil”.


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Apresentou o Requerente recurso de apelação, pugnando por que seja concedido provimento ao recurso e, consequentemente, seja a decisão recorrida revogada e se decrete a providência requerida, formulando as seguintes

CONCLUSÕES:

(…)


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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

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II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Da impugnação da decisão da matéria de facto: se cabe proceder às requeridas alterações ao ponto 24º dos factos indiciariamente provados e aos itens considerados não indiciariamente provados referidos nas conclusões supra - itens ii, iii, iv, v, viii, ix, x, xi, xii, xiii e xiv;
2. Do erro da decisão de mérito: do preenchimento dos requisitos consagrados para o procedimento cautelar comum.


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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1. FACTOS PROVADOS

Foram os seguintes os factos considerados sumariamente provados com relevância para a decisão pelo Tribunal de 1ª instância (transcrição):

1. No dia 13 de abril de 2025, o Requerente deslocou-se às instalações do stand de automóveis com o nome comercial C... Comércio Automóvel, pertencente à sociedade aqui Requerida A..., LDA., tendo em vista a aquisição de um veículo automóvel e retoma de uma viatura de sua propriedade.

2. No stand, o Requerente foi atendido por CC, com quem negociou e tratou diretamente de todo o processo de aquisição do veículo automóvel, de marca Peugeot, modelo ..., motorização híbrida (gasolina-elétrica), do ano de 2021, matrícula ..-..-AZ (com n.º de quadro ...).

3. O Requerente adquiriu à Requerida A..., LDA. o veículo automóvel de matrícula ..-..-AZ, pelo valor de € 27.350,00, lhe foi apresentado como acabado de importar de França, estando ainda em curso esse processo de legalização da matrícula.

4. Como forma de pagamento, foi acordado entre as Partes a entrega do anterior veículo automóvel do Requerente, marca Peugeot, modelo ..., motorização a gasóleo, com matrícula ..-..-BL, cujo valor acordado ascendeu à quantia de € 18.600,00, o pagamento do montante de € 3.150,00.

5. E o remanescente do valor, a saber, € 5.600,00 seriam liquidados pela sociedade Requerida B..., S.A. à Requerida A..., LDA., em virtude do financiamento concedido pela primeira ao Requerente e intermediado pela sociedade Requerida A..., LDA..

6. No dia 9 de maio de 2025, o veículo automóvel matrícula ..-..-AZ foi entregue ao Requerente na sua casa por CC.

7. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o Requerente assinou e entregou ao Sr. CC os documentos necessários para o registo de propriedade do veículo automóvel de matrícula ..-..-AZ em seu nome, a constituição de reserva de propriedade a favor da 2.ª Requerida, os documentos relativos ao contrato de mútuo, tendo recebido os documentos de garantia do stand e a DAV.

8. Concomitantemente, entregou o seu veículo automóvel com a matrícula ..-..-BL a CC, o certificado de matrícula e o respetivo documento para o registo automóvel e ainda transferiu a quantia de € 3.150,00.

9. No dia 14 de maio de 2025, o Requerente recebeu da Requerida A..., LDA. os documentos relativos ao contrato de mútuo celebrado com a Requerida B..., S.A..

10. Nos dias seguintes à entrega do veículo de matrícula ..-..-AZ, o Requerente, durante a utilização do mesmo, constatou que o Kit mãos livres, o sistema de visão noturna e o sensor automático de abertura da porta traseira não funcionavam.

11. O Requerente contactou de imediato CC, reportando as anomalias detetadas, que se comprometeu a indicar uma oficina para a resolução dos problemas.

12. Volvido um período de tempo não concretamente apurado, como o CC não deu qualquer indicação ou seguimento ao assunto, o Requerente, no dia 9 de junho de 2025, recorreu ao concessionário e oficina oficial da marca Peugeot, em ..., de nome D..., para a avaliação e a reparação das anomalias melhor identificadas em 10.

13. No dia 18 de junho de 2025, o Requerente foi contactado por DD, responsável da D..., que o informou que o seu veículo automóvel com a matrícula ..-..-AZ tinha sido apreendido pelas autoridades.

14. O veículo automóvel com a matrícula ..-..-AZ foi apreendido, no âmbito do inquérito n.º 2557/25.4JAPRT, que corre termos no DIAP de Oliveira de Azeméis, Procuradoria da República da Comarca de Aveiro, em que se investiga a prática de um crime de falsificação ou contrafação de documento.

15. O veículo automóvel, marca Peugeot, modelo ..., motorização a gasóleo, com matrícula ..-..-BL foi vendido pela Requerida A..., LDA. ao requerido BB, com reserva de propriedade a favor da Requerida B..., S.A..

16. Nesse seguimento, o Requerente apresentou queixa-crime contra a Requerida A..., LDA. e CC e requereu a sua constituição como assistente no âmbito do processo n.º 2557/25.4JAPRT.

17. Em 14 de julho de 2025, o Requerente enviou uma missiva à Requerida B..., S.A., em que declara, entre o mais, a resolução do negócio firmado entre as partes, com fundamento na nulidade do contrato de compra e venda celebrado com a Requerida A..., LDA..

18. Em 17 de julho de 2025, o veículo automóvel de matrícula ..-..-AZ foi registado em nome do Requerente, com reserva de propriedade a favor da 2.ª Requerida.

19. Desde 18 de junho de 2025, o Requerente não dispõe de veículo automóvel para se deslocar a si e à sua família.

20. O Requerente e sua família vivem num local isolado, sem acesso a transportes públicos.

21. E a ausência de veículo próprio obriga o Requerente a pedir veículos emprestados a familiares e amigos, mormente, para fazer face às deslocações necessárias para adquirir bens.

22. O Requerente não dispõe de capacidade financeira para suportar o valor diário de um tal aluguer de uma viatura.

23. O Requerente encontra-se a pagar as prestações mensais a que se obrigou no âmbito do negócio celebrado com a Requerida B..., S.A..

24. O Requerente desconhece se a Requerida B..., S.A. vai aceitar voluntariamente a resolução do negócio ou se vai aguardar eventual decisão judicial a ser proferida.


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2. FACTOS NÃO PROVADOS

Foi considerado como não indiciado, com relevância para a causa, que:

i. CC tentou dissuadir o Requerente de recorrer aos serviços do concessionário e oficina oficial da marca Peugeot.

ii. Existem fortes suspeitas de que o veículo automóvel de matrícula ..-..-AZ foi furtada ou objeto de adulteração.

iii. A apreensão judicial do aludido veículo deveu-se a irregularidades detetadas pelas autoridades policiais, concretamente, a não coincidência entre os números de algumas das suas peças com o número do seu ID.

iv. O Requerente nunca recuperará o veículo automóvel de matrícula ..-..-AZ.

v. O veículo automóvel de matrícula ..-..-AZ será declarado perdido a favor do estado.

vi. CC contactou o Requerente após o envio da carta de resolução do contrato de mútuo e afirmou desconhecer o que se estava a passar.

vii. O Requerente despendeu de quantias monetárias para fazer face às suas deslocações pessoais e da sua família.

viii. O tempo de privação do uso do seu veículo automóvel e os incómodos diários do Requerente são irrecuperáveis ou de difícil reparação posterior.

ix. A manutenção da obrigação de pagamento das prestações mensais a que o Requerente se obrigou no âmbito do negócio celebrado com a Requerida B..., S.A. conduzirá a um prejuízo de difícil ou impossível recuperação posterior.

x. A falta de um meio de transporte próprio afeta diretamente a capacidade do Requerente e da sua família de cumprir obrigações laborais e escolares.

xi. Caso seja suspenso o pagamento das prestações a que o Requerente se obrigou para com a Requerida B..., S.A., tal representa um sacrifício financeiro temporário desta última.

xii. E não implicará um prejuízo definitivo para a mesma.

xiii. O aluguer de um veículo automóvel com as mesmas caraterísticas dos veículos automóveis com as matrículas ..-..-AZ e ..-..-BL ascende a um custo diário de cerca de € 111,00.

xiv. Existe um risco real de desvalorização, deterioração, perda acidental, mau uso do veículo com matrícula ..-..-BL ou mesmo nova alienação deste bem a um quarto adquirente.


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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

- Da impugnação da decisão da matéria de facto

Invoca o recorrente erro de julgamento na apreciação da prova pretendendo que o facto 24 dado como indiciariamente provado com a seguinte redação “O Requerente desconhece se a Requerida B..., S.A. vai aceitar voluntariamente a resolução do negócio ou se vai aguardar eventual decisão judicial a ser proferida” seja alterado para "A Requerida B..., S.A. apesar de interpelada, não aceitou voluntariamente a resolução do negócio, mantendo o Requerente os pagamentos mensais do contrato de mútuo no valor mensal de € 188,00 (cento e oitenta euros) mês", considerando o depoimento do requerente. Ora, figura já dos factos provados “23. O Requerente encontra-se a pagar as prestações mensais a que se obrigou no âmbito do negócio celebrado com a Requerida B..., S.A.” e a pretendida alteração nenhum relevo têm para a decisão a proferir, não densificando factos constitutivos do direito de que o Autor se arroga, pelo que, sendo irrelevante e destituída de qualquer interesse, se não atende.

Pretende, também, o apelante que os factos indiciariamente dados como não provados nos itens ii, iii, iv, v, viii, ix, x, xi, xii, xiii e xiv passem a indiciariamente provados, pelo conjunto da prova documental e testemunhal. Sustenta que a apreensão judicial do veículo ..-..-AZ em sede de Inquérito (n.º 2557/25.4JAPRT), por irregularidades na identificação do veículo e associação a um veículo furtado no SIS II, constitui indício de o bem ser de origem ilícita ou adulterado. Ora, na verdade, não há elementos de prova que permitam dar como provado, mesmo que apenas indiciariamente, que o veículo automóvel de matrícula ..-..-AZ foi furtado ou objeto de adulteração, que a apreensão judicial do aludido veículo se deveu a não coincidência entre os números de algumas das suas peças com o número do seu ID, que o Requerente nunca recuperará aquele veículo nem que o mesmo será declarado perdido a favor do estado, desconhecendo-se a demora com que a questão irá ser resolvida. Conclui, ainda, o apelante existir contradição entre os Factos 20, 21 e 22 (Recorrente vive em local isolado, sem transportes públicos e sem capacidade financeira para alugar viatura) e os não provados viii. e x. (privação do uso ser irrecuperável e afetar obrigações laborais/escolares), sendo que a privação do uso do veículo, conjugada com a impossibilidade de aluguer de outra viatura afeta gravemente a autonomia e a qualidade de vida do Recorrente e da sua família, sendo irrecuperável. Ora, também não resultaram provados, por falta de prova, os restantes factos impugnados, que até traduzem, na verdade, juízos conclusivos, nenhuma contradição se vislumbrando.

Assim, quer por não provada, dada a falta de prova, quer por se não tratar de matéria de facto mas de juízos conclusivos quer, ainda, por se tratar de matéria inútil para a decisão face ao entendimento de ser de manter o decidido quanto aos demais itens impugnados indiciariamente considerados não provados, não cabe incluir no elenco dos factos indiciariamente provados o pretendido: “O tempo de privação do uso do seu veículo automóvel e os incómodos diários do Requerente são irrecuperáveis ou de difícil reparação posterior”; “A manutenção da obrigação de pagamento das prestações mensais a que o Requerente se obrigou no âmbito do negócio celebrado com a Requerida B..., S.A. conduzirá a um prejuízo de difícil ou impossível recuperação posterior”; “A falta de um meio de transporte próprio afeta diretamente a capacidade do Requerente e da sua família de cumprir obrigações laborais e escolares”; “Caso seja suspenso o pagamento das prestações a que o Requerente se obrigou para com a Requerida B..., S.A., tal representa um sacrifício financeiro temporário desta última” “E não implicará um prejuízo definitivo para a mesma”; “O aluguer de um veículo automóvel com as mesmas caraterísticas dos veículos automóveis com as matrículas ..-..-AZ e ..-..-BL ascende a um custo diário de cerca de € 111,00”; “Existe um risco real de desvalorização, deterioração, perda acidental, mau uso do veículo com matrícula ..-..-BL ou mesmo nova alienação deste bem a um quarto adquirente”.

Na verdade, bem considera o Tribunal a quo quanto ao furto/adulteração do veículo:

percorridos os meios de prova documental juntos e, bem assim, a prova produzida em sede de audiência de julgamento, tal não resulta indiciado. Com efeito, analisada a informação prestada pelo inquérito n.º 2557/25.4JAPRT, primeiramente, investiga-se a prática de um crime de falsificação ou contrafação de documento (e não um crime de furto), nada sendo acrescentando quanto à sua autoria e, bem assim, às suas alegadas vítimas. Seguidamente, visto com atenção o auto de notícia remetido pelo inquérito n.º 2557/25.4JAPRT, nele consta que: (i) o veículo automóvel de matrícula ..-..-AZ não tinha instalado o módulo eletrónico BTA (vulgo modulo de comunicações GPS), sendo este um equipamento que originariamente é instalado no seu fabrico; (ii) a Representante da marca Peugeot, a E...-Lisboa, terá apurado que o veículo automóvel de matrícula ..-..-AZ possui um n.º de chassi (...) ... (desconhecendo-se como alcançou uma tal conclusão…); (ii) a Representante da marca Peugeot, a E...-Lisboa, terá apurado que certos componentes instalados no veículo automóvel de matrícula ..-..-AZ estão associado a um veículo cujo n.º de chassi é (...) ... (mais uma vez, desconhecendo-se como alcançou uma tal conclusão…); (iii) os agentes da Polícia de Segurança Pública, através da plataforma #EUCARIS#, constaram que o veículo com o numero de chassis (...) ... correspondia a um veículo de matricula francesa ..-..3-XG, em estado regular, e, em 14 de abril de 2025, realizou uma inspeção para atribuição de matrícula portuguesa, a qual foi concedida; e (iv) os agentes da Polícia de Segurança Pública, através da plataforma #EUCARIS#, constaram que o veículo com o numero de chassis (...) ..., correspondia a um veículo de marca PEUGEOT matricula alemã B-CB.... (em estado regular) e também a um veículo da mesma marca de matrícula francesa ..-..2-YR, que consta como furtado no SIS II, (Schengen).

Daqui resulta, porquanto, que a apreensão judicial do veículo sub judice assentou apenas (pelo menos naquele primeiro momento descrito pelo auto de notícia) nas informações transmitidas pela Representante da marca Peugeot, a E...-Lisboa, mormente, quanto à informação do n.º de chassi do veículo sub judice e dos seus componentes. Veja-se que, nada se demonstrou quanto ao modo como a Representante da marca Peugeot, a E...-Lisboa apurou tais n.os de chassi, ou se foram feitas diligências pela Polícia de Segurança Pública para atestar a veracidade da informação veiculada ou ainda se efetivamente o chassi e os componentes que se encontram no veículo sub judice têm os números asseverados pela marca.

A isto acresce o facto de ouvida a testemunha DD, responsável da oficina D..., a mesma ter sido perentória ao indicar que tais desconformidades entre o n.º de chassi e as peças não só não foram detetadas pela sua oficina (que, frise-se, era uma oficina oficial e concessionária da marca), como também não o podiam ter sido, pois que «as peças são todas iguais» e indistinguíveis através da sua mera visualização. Ou seja, pela mera visualização das ditas peças não é possível confirmar o descrito pela marca e, bem assim, afirmar que os componentes são do chassi A ou do chassi B. Ora, se assim é, por maioria de razão, no ato melhor descrito no auto de notícia, também as autoridades não teriam como aferir in locu da veracidade das informações transmitidas pela Peugeot. De resto, esta testemunha asseverou que o que o sabe foi o que lhe foi transmitido pelo Representante da marca, quem chamou as autoridades…

Mais, o próprio Requerente nas suas declarações, assumiu desconhecer quais os fundamentos da apreensão judicial do veículo e, bem assim, se o dito veículo automóvel foi ou não furtado, foi ou não adulterado.

Por outra parte e quanto às informações prestadas quanto ao veículo chassi número de chassis (...) ..., verdade seja dita é que a própria pesquisa das autoridades conduziu a informações antagónicas, pois que ora é de uma viatura alemã regular, ora é de uma viatura francesa que consta como furtada.

Ora, isto posto, atenta a prova produzida, não é possível dar como indiciariamente provado que o veículo automóvel de matrícula ..-..-AZ, com o número de chassis (...) ... tenha sido furtado ou, bem assim, alvo de adulteração.

A demais factualidade dada como indiciariamente não provada decorre da circunstância de o próprio Requerente não a afirmar, nenhuma testemunha a ter presenciado, assistido ou disso ter conhecimento direto e, bem assim, de nenhum documento a atestar. O inquérito ainda não terminou, sendo impossível, nesta fase, afirmar que o veículo apreendido será declarado perdido a favor do estado. E, quanto à factualidade não indiciariamente provada vertida na alínea xiii., apesar de o Requerente ter apresentado uma pesquisa efetuada de alugueres de veículo, nenhum dos veículos aí vertidos, com menção do valor diário do aluguer, é igual aos veículos ora em apreço (marca, modelo e motorização).

Já no que concerne ao facto não indiciariamente dado como provado na alínea xiv. – sem se olvidar que encerra um juízo conclusivo –, a verdade é que a sua não indiciação resulta do circunstancialismo de o Requerente nada ter consubstanciado para além da normal depreciação/perda inerente a todos os veículos automóveis e, bem assim, nada ter adensado a propósito do risco da nova alienação a um quarto adquirente, não se podendo afirmar tal matéria fática como pública e notória e, assim, dá-la indiciariamente provada … Por fim, como última nota, a mera suposição da perda de capacidade económico-financeira da 1.ª Requerida e a sua (in)sustentabilidade ao longo dos tempos, é, de resto, absolutamente insuscetível de ser apreciada do ponto de vista fático, pois que não são alegados factos, antes levantadas suposições vagas e genérica, sem suporte probatório”.

Na reapreciação da decisão de facto, o tribunal de recurso vai, perante a prova produzida, formar a sua própria convicção e controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância, expressa nos fundamentos constantes da decisão quanto à matéria de facto, certo sendo não deverem figurar do compósito fáctico juízos conclusivos ou de valor.
Ora, revisitada a prova e vista a decisão da matéria de facto, supra, ficou-nos a convicção de não existir o erro de julgamento que o recorrente aponta. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura e fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida, e com base nas regras de experiência comum e na normalidade não pode este Tribunal divergir do juízo probatório do Tribunal a quo. Efetuou este Tribunal a análise da prova e não há elementos probatórios produzidos no processo que imponham ou justifiquem decisão diversa – como exige o nº1, do artigo 662.º, para que o Tribunal da Relação deva proceder à alteração da decisão da matéria de facto. O Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada quando considerou a referida factualidade não provada, de acordo com a livre convicção que formou de toda a prova produzida nos termos que bem refere. Não houve elementos de prova suficientemente credíveis e convincentes que permitam dar a pretendida resposta de indiciariamente provados aos factos indiciariamente considerados não provados impugnados.
Assim, tendo-se procedido a nova análise da prova, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram valida e convincentemente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém na íntegra.
E, na verdade, não obstante as críticas que são dirigidas pela Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida.
Tendo a convicção do julgador para as referidas respostas, apoio nos ditos meios de prova produzidos e na ausência de prova que permita fundar resposta diversa, é de manter a factualidade tal como decidido pelo tribunal recorrido, não sendo de aderir à posição da Apelante.
Não resultando erros de julgamento, antes convicção livre e adequadamente formada pelo julgador, que também é, como vimos, a nossa, havendo concordância entre a apreciação probatória do Tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação, tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.
Não estamos perante erro de julgamento, mas, sim, ante falta de prova que permita resposta diversa, não tendo este Tribunal ficado convencido das razões apresentadas pelo apelante.

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Improcede, pois, o recurso, na vertente da impugnação da matéria de facto.

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2. Da modificabilidade da decisão de mérito: do preenchimento dos requisitos consagrados para o procedimento cautelar comum.

Insurge-se o recorrente contra a decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar comum, em que solicitou a providência de, imediata, restituição da posse do veículo automóvel com matrícula ..-..-BL, vendido ao Requerido, por quem o detiver, ou, em alternativa ou subsidiariamente a apreensão judicial de tal veículo automóvel e depósito à sua guarda, a entrega por parte da 1ª Requerida de um veículo automóvel de características semelhantes aos veículos automóveis com matrícula ..-..-BL ou ..-..-AZ ou, ainda, a entrega do valor de € 111,00/dia até à prolação da decisão final a proferir em ação principal a ter lugar; e/ou a suspensão imediata do pagamento das prestações mensais do contrato de mútuo celebrado entre o Requerente e a 2ª Requerida, alegando, ter adquirido à 1ª Requerida o veículo automóvel matrícula ..-..-AZ e, como forma de pagamento, entregou o seu anterior veículo automóvel e pagou, além do mais, € 5.600,00 com recurso a financiamento intermediado por tal Requerida, concedido pela 2ª Requerida, e que, concluído o negócio, foram por si detetadas anomalias no veículo comprado, que o levou ao concessionário e oficina oficial da marca Peugeot e volvidos alguns dias, o mesmo o informou de que o veículo tinha sido apreendido pela Polícia Judiciária, por suspeitas de ter sido furtado ou objeto de adulteração, situação que lhe está a causar prejuízo e transtorno, pois está privado de veículo, não dispondo de outro, perdeu a sua viatura anterior, vendida ao requerido, e tem encargos financeiros com o mútuo contraído.
Cumpre apreciar se se mostram preenchidos os requisitos que permitam decretar a providência solicitada.
Procedimentos cautelares são instrumentos processuais destinados à obtenção de uma providência ou medida para acautelar a eficácia de uma decisão judicial. São a vertente adjetiva das medidas cautelares, conjunto de atos processuais tendentes à obtenção da pretensão de direito material deduzida, sendo esta a providência (pedido) que é solicitada para acautelar o direito material a definir na ação principal.
Destinam-se a garantir a utilidade prática da ação principal. São garantia do direito à efetiva tutela jurisdicional, que se visa obter com o processo principal, evitando danos, que possam advir da demora, para o efeito útil da ação. São, pois, instrumentos de eficácia do processo principal. Recorre-se às providências cautelares quando a regulação dos interesses não pode aguardar pela decisão definitiva, sendo necessária, para assegurar a utilidade da decisão final e a efetividade da tutela jurisdicional, uma composição provisória do litígio, que vai acautelar a situação até à decisão definitiva.
O processo cautelar é o instrumento de preservação do fim do processo – tutela jurisdicional do caso concreto. É “…na expressiva síntese de CALAMANDREI, “garantia da garantia”, caracterizando-se a sua natureza por uma dupla instrumentalidade”, tendo por fim a proteção da garantia, isto é, através da sua garantia, do seu fruto (a providência cautelar), garantir a produção do efeito útil final – a decisão da ação principal[1].
Permite assegurar a validade e eficácia da decisão através da adoção de medidas (providências) que atuam ao nível da realidade prática por forma a preservar, acautelar, o efeito útil a produzir pela ação principal. A decisão cautelar não traduz, em regra[2], uma antecipação da decisão principal, embora possa, conduzir à produção de alguns dos efeitos próprios desta. Antes tem uma natureza preventiva, pois visa acautelar e prevenir que, no período que decorre entre o momento em que a providência é proposta e aquele em que a decisão da ação principal produz efeitos, não ocorra situação que inviabilize a utilidade da mesma.
A reger os procedimentos cautelares temos o princípio da legalidade, consagrando a lei um comum, de aplicação subsidiária.
O procedimento cautelar comum tem como requisitos:
- Não estar a providência a obter abrangida por qualquer procedimento cautelar especificado, acima referido (nº 3, do art. 362º), sendo este procedimento destinado a fazer face a situações de “periculum in mora” não especialmente acauteladas através dos procedimentos cautelares especificados na lei (prevenidas no Capítulo II ou em legislação avulsa), sendo uma “verdadeira ação cautelar geral”;
- A existência de um direito (satisfazendo-se a lei com a emissão de um juízo de probabilidade ou verosimilhança, mas exigindo que tal probabilidade seja forte, pois consagra (nº 1, do art. 368º) que “a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito…” (fumus boni iuris);
- O atual e fundado ou sério receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação (periculum in mora) - (nº 1, do art. 362º e nº 1 do art. 368º);
- A adequação da providência solicitada a evitar a lesão e assegurar a efetividade do direito ameaçado (parte final do nº 1, do art. 362º);
- Não resultar da providência prejuízo consideravelmente superior ao dano que ela visa evitar, pois, conforme estabelece o nº 2, do art. 368º, a providência deve ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.
Dentro dos procedimentos cautelares regulados no Código de Processo Civil, as providências cautelares não especificadas surgem como um procedimento cautelar subsidiário, só aplicável quando o caso se não subsumir a qualquer outro. Só pode recorrer-se ao procedimento cautelar comum quando a situação de “periculum in mora” não esteja especialmente tutelada por medida prevista nos procedimentos cautelares típicos nem por medida prevista em legislação avulsa. A subsidiariedade pressupõe que não haja nenhuma providência nominada que abstratamente seja aplicável[3]. Consagra-se “a vigência de uma “cláusula geral” em sede de justiça cautelar, implicando a atribuição às partes de um poder genérico de requerer as medidas cautelares mais adequadas à garantia da efectividade de todo e qualquer direito ameaçado, com o consequente poder-dever do juiz de decretar a providência concretamente mais adequada à prevenção do risco de lesão invocado”[4].
Destinam-se a tutelar o efeito da ação, a assegurar o direito à efetiva tutela jurisdicional, isto é, a garantir o efeito útil da ação principal que vai regular definitivamente o direito.
O nº1, do art. 362º, consagra, que “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.
E o nº 1, do artigo 364º, que “Exceto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva”.
Todos os procedimentos cautelares, salvo decretação da inversão do contencioso, estão numa relação de dependência perante uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado, pois que visa acautelar os efeitos da decisão definitiva favorável a proferir no processo principal.
A providência pode ser conservatória ou antecipatória.
Por providência conservatória entende-se aquela que visa manter inalterada a situação, de facto ou de direito, existente, evitando alterações prejudiciais[5].
Por providência antecipatória entende-se aquela que antecipa a decisão ou uma providência executiva futura, sem prejuízo de, no primeiro caso, poder também antecipar, de outro modo, a realização do direito acautelado[6].
Deste modo, constituindo a providência cautelar, sem prejuízo do regime da inversão do contencioso (art. 369), a antecipação duma providência definitiva, de natureza declarativa ou executiva (…), o procedimento que visa a sua obtenção está sempre na dependência duma ação em que o autor faz valer o direito – ou o interesse tutelado – que através dele visa acautelar[7].
É de atentar na relação de dependência existente entre o procedimento cautelar e a ação principal (instrumentalidade do procedimento em relação à ação principal), pois ambos os processos estão intimamente relacionados, sendo que a produção do efeito útil da ação principal depende da eficácia da decisão do procedimento cautelar.
Existe, pois, dependência do procedimento cautelar, expressa através da identidade entre o direito ou interesse acautelado a aquele que se faz valer na ação.
A causa de pedir do procedimento e a da ação coincidem, ao menos em parte, sendo que, por definição, não coincide, normalmente, o pedido formulado.
Na verdade, no procedimento cautelar tem de ser requerida uma medida cautelar e não, em regra, desde logo, aquilo que se pretende na ação principal.
Efetivamente, no procedimento não se pode pedir, desde logo, pela própria natureza das providências, o efeito definitivo que se pretende com a ação declarativa de condenação (definitiva), mas apenas que o tribunal conceda uma providência ou medida cautelar. Os procedimentos cautelares, pela sua própria natureza, visam apenas uma solução provisória, tendente a evitar prejuízos que a demora da resolução da ação principal pode ocasionar ao requerente.
Os requisitos de procedência de uma ação cautelar analisam-se na reunião de três condições: fumus boni iuris, periculum in mora e princípio da proporcionalidade, sendo que os dois primeiros requisitos permitem aferir da necessidade de decretamento da medida cautelar e o último da adequação ao fim que se propõe alcançar.
Analisemos os referidos requisitos:
1º- O requisito do fumus boni iuris “torna a concessão de uma providência cautelar dependente da possibilidade de se discernir a aparência de titularidade de bom direito por parte do requerente. Visando o processo cautelar salvaguardar o efeito útil de um processo principal, importa indagar se este efeito útil se revela susceptível de vir a ser produzido, sob pena de, vindo a concluir-se em sentido negativo, passar a carecer de justificação a concessão da providência cautelar requerida.
O pressuposto em causa constitui, nesta medida, reflexo da natureza duplamente instrumental do processo cautelar (aqui se revelando a segunda dimensão da instrumentalidade), da natureza hipotética dessa instrumentalidade e da recíproca relação de dependência entre processo principal e processo cautelar. (…) Incumbe ao requerente demonstrar a probabilidade de procedência da ação principal (…) a perfunctoriedade da análise e do grau de convencimento respeita aos factos correspondentes à titularidade do direito, considerando-se suficiente que se gere no tribunal a convicção, não de que o requerente é titular do direito que invoca, mas de que é verosímil ou altamente provável que assim venha a ser declarado, pelo que importará que, quanto a este requisito, assim atenuado (por respeitar à aparência de titularidade do direito e não à efetiva titularidade do direito), se forme no espírito do julgador o grau de certeza especial, que permite a pronúncia no sentido de que os factos que lhe estão associados se consideram provados”[8].
2º - O requisito do periculum in mora “corresponde ao pressuposto característico dos processos cautelares, dado nele se sintetizar a fonte primária da probabilidade de dano que preside à concepção da tutela cautelar (…). O perigo em causa assume, porém, uma tripla particularidade, na medida em que a sua caracterização impõe que cumulativamente, se considerem a sua fonte, o seu grau e o seu objecto.
Tratar-se-á, respectivamente, de perigo decorrente do decurso do tempo processual da acção principal (fonte), que se reflicta negativamente, de forma grave e dificilmente reparável (grau) no efeito útil de tal acção (objecto). (…) Importa que o julgador se convença de que existe perigo, isto é, que considere provados factos que permitam concluir existir um conjunto de circunstâncias que torna altamente possível a ocorrência de um dano futuro.
Dir-se-ia que no espírito do julgador não deve remanescer qualquer dúvida razoável relativamente à verosimilhança do futuro dano. O mesmo é dizer que o decretamento da providência cautelar deverá pressupor que o juiz fique especialmente convencido da existência de perigo formulando, embora, um juízo de mera verosimilhança quanto à ocorrência futura de dano”[9].
3º- O requisito do princípio da proporcionalidade demanda “avaliar se a medida requerida é adequada à prossecução do fim cujo alcance se visa e, na hipótese afirmativa, se é a mais adequada.
Concluindo-se em sentido negativo, poderá, ainda assim, o decisor conceder uma outra providência que não a requerida.
Tudo por forma a (atenta a natureza puramente hipotética – e, portanto, incerta do direito invocado) assegurar a tutela dos alegados interesses do requerente, mediante a mínima ingerência possível na esfera jurídica do requerido.
Na hipótese de se concluir estarem verificados todos os mencionados pressupostos, cumprirá indagar se a medida a decretar se revela proporcional, o que se aferirá sopesando os prejuízos que resultariam, para o requerente, da não concessão da providência cautelar e as desvantagens que decorreriam, para o requerido, da concessão da providência cautelar, sendo que a medida não será decretada se este último prejuízo for consideravelmente superior ao primeiro”[10].
Bem decidiu o Tribunal a quo o n.º 1, do artigo 365.º, impõe ao Requerente que ofereça prova sumária do direito ameaçado e justifique o receio da lesão, sendo “essencial a alegação (e prova) de factos que demonstrem a necessidade dessa intervenção jurisdicional urgente, por estar iminente a lesão do direito em termos tais que tornarão inútil a sentença que vier a reconhecê-lo” e “o Requerente não logrou provar, desde logo, ainda que sumariamente, que lhe assiste o direito de resolver o negócio de compra e venda celebrado com a 1.ª Requerida, com fundamento na sua nulidade absoluta, por se ter tratado de uma «venda de coisa alheia, ilícita ou impossibilidade de ter o objeto», e, consequentemente, destruir, com efeito retroativos, o mútuo celebrado com a 2.ª Requerida e o negócio firmado entre a 2.ª e o 3.º Requeridos – cf. artigos 280.º, 281.º, 286.º, 289.º, n.º 1, e 892.º, todos do Código Civil”.
Apesar de o Requerente ter alegado, como facto constitutivo desse direito de resolução, a circunstância de o veículo automóvel de matrícula ..-..-AZ, com o número de chassis (...) ..., ter sido objeto de furto ou adulteração, não logrou o mesmo provar, ainda que sumariamente, tal matéria fáctica, sendo que lhe cabia o ónua da prova – cf. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
Acresce, ainda, que, apesar de a apreensão judicial do veículo estar a causar ao requerente transtornos, tal é insuficiente para se afirmar que estão verificados os pressupostos da procedência requerida, não se tendo provado que o Requerente nunca recuperará o veículo automóvel de matrícula ..-..-AZ, que o veículo automóvel de matrícula ..-..-AZ será declarado perdido a favor do estado, sequer se podendo afirmar serem os incómodos de difícil reparação posterior, pois que a provarem-se sempre terá direito a ser ressarcido de tal dano.
Destarte, para além da falta de demonstração do fumus boni iuris, falta, ainda, a alegação e prova de que a 1.ª Requerida, finda a ação principal, não disporá de capacidade financeira para ressarcir o Requerente dos danos por ele sofridos, não se encontrando verificado, também, o periculum in mora.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.


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III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.


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Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 10 de novembro de 2025

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores

Eugénia Cunha

Ana Paula Amorim

Carla Jesus Costa Fraga Torres

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[1]Lucinda D. Dias da Silva, Processo Cautelar Comum, Princípio do Contraditório e dispensa de audição prévia do requerido, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 113.
[2] Cfr, contudo, o art. 369º, do Código de Processo Civil, com a epígrafe “Inversão do contencioso
[3] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/04/97, processo 96A940, in www.dgsi.pt.
[4] Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., vol. I, Coimbra, Almedina, 2004, p. 341.
[5] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Edição, 2017, Almedina, pag. 10
[6] Ibidem, pag. 10
[7] Ibidem, pag. 19
[8] Lucinda D. Dias da Silva, Idem, pág. 141 e segs
[9] Ibidem, pág. 146
[10] Ibidem, pág. 146