I - A omissão de notificação, antes da prolação da sentença, de informação prestada pelos serviços da Segurança Social sobre o pedido de apoio judiciário constitui uma irregularidade processual a ser suscitada no prazo de 10 dias junto do juiz do processo e não constitui fundamento de recurso de apelação.
II - O procedimento especial de despejo está sujeito a tributação e com a dedução de oposição deve o requerido comprovar o pagamento da taxa de justiça devida ou juntar comprovativo do pedido de apoio judiciário que o dispense do pagamento.
III - Não está sujeito a pagamento de taxa de justiça quem não deduziu oposição, sem prejuízo de ser responsável pelo pagamento das custas da ação/procedimento de acordo com a regra do art.º 527º CPC.
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I. Relatório
No presente Procedimento Especial de Despejo em que figuram como:
- AUTORA: A... LDA, NIPC: ..., com sede na Avenida ..., nº ..., 8º C, ... Lisboa; e
- RÉUS: AA NIF: ... Nº de identificação civil: ..., residente na Praça ..., ..., 2º Dto, ... Porto; e
BB, Nº de identificação civil: ..., residente na Praça ..., ..., 2º Dto, ... Porto,
veio a autora requerer a desocupação do local arrendado, com fundamento em caducidade e, ainda, o pagamento das rendas vencidas e em divida e outros encargos, no total de € 26150,40.
Alegou para o efeito que por contrato celebrado em 11 de fevereiro de 2022 deu de arrendamento ao requerido, que tomou de arrendamento, para fins habitacionais, a fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao segundo direito, com entrada pela Praça ..., nº ..., do prédio sito na Praça ..., números .../..., freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ... da referida freguesia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da União das Freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ...,
O arrendamento foi celebrado pelo prazo certo de dois anos, com início em 15 de fevereiro de 2022 e termo em 14 de fevereiro de 2024, não se renovando automaticamente no seu termo.
A renda mensal foi fixada em € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), vencendo-se no primeiro dia do mês imediatamente anterior àquele a que dizia respeito, tendo sido atualizada para € 663,00 um ano após o início da vigência do contrato, isto é, a partir da renda correspondente ao mês de fevereiro de 2023.
O requerido não pagou, total ou parcialmente, à requerente, na data do respetivo vencimento, as respetivas rendas, ficando em dívida:
a) Renda de fevereiro de 2023, vencida em janeiro de 2023, no montante de € 213,00;
b) Renda de março de 2023, vencida em fevereiro de 2023, no montante de € 663,00;
c) Renda de abril de 2023, vencida em março de 2023, no montante de € 450,00;
d) Renda de maio de 2023, vencida em abril de 2023, no montante de € 513,00;
e) Renda de junho de 2023, vencida em maio de 2023, no montante de € 563,00;
f) Renda de julho de 2023, vencida em junho de 2023, no montante de € 663,00;
g) Renda de agosto de 2023, vencida em julho de 2023, no montante de € 163,00;
h) Renda de setembro de 2023, vencida em agosto de 2023, no montante de € 663,00;
i) Renda de outubro de 2023, vencida em setembro de 2023, no montante de € 663,00;
j) Renda de novembro de 2023, vencida em outubro de 2023, no montante de € 663,00;
k) Renda de dezembro de 2023, vencida em novembro de 2023, no montante de € 663,00;
l) Renda de janeiro de 2024, vencida em dezembro de 2023, no montante de € 663,00;
m) Renda correspondente aos 14 dias de fevereiro de 2024, vencida em janeiro de 2024, no montante de € 331,50, num total de € 6.874,50.
Alegou que para além dos valores em dívida assiste-lhe o direito a receber uma indemnização igual a 20% do devido, ou seja, no presente caso, a quantia de € 1.374,90, conforme se discrimina:
a) Indemnização igual a 20% da renda de fevereiro de 2023, no montante de € 42,60;
b) Indemnização igual a 20% da renda de março de 2023, no montante de € 132,60;
c) Indemnização igual a 20% da renda de abril de 2023, no montante de € 90,00;
d) Indemnização igual a 20% da renda de maio de 2023, no montante de € 102,60;
e) Indemnização igual a 20% da renda de junho de 2023, no montante de € 112,60;
f) Indemnização igual a 20% da renda de julho de 2023, no montante de € 132,60;
g) Indemnização igual a 20% da renda de agosto de 2023, no montante de € 32,60;
h) Indemnização igual a 20% da renda de setembro de 2023, no montante de € 132,60;
i) Indemnização igual a 20% da renda de outubro de 2023, no montante de € 132,60;
j) Indemnização igual a 20% da renda de novembro de 2023, no montante de € 132,60;
k) Indemnização igual a 20% da renda de dezembro de 2023, no montante de € 132,60;
l) Indemnização igual a 20% da renda de janeiro de 2024, no montante de € 132,60;
m) Indemnização igual a 20% da renda de fevereiro de 2024, no montante de € 66,30.
O contrato cessou por caducidade em 14 de fevereiro de 2024.
Apesar da cessação do contrato e, consequentemente, da obrigação de entregar o imóvel até 14 de fevereiro de 2024 nos termos do artigo 1081º, nº 1 do CC, o requerido manteve-se e mantém-se ininterruptamente no uso e gozo do locado, sem nada pagar à requerente.
Alegou, ainda, que pela mora na entrega do local é devida a indemnização que calculou em € 17.901,00, nos seguintes termos:
a) Indemnização relativa ao mês de fevereiro de 2024, no montante de € 663,00;
b) Indemnização relativa ao mês de março de 2024, no montante de € 1.326,00;
c) Indemnização relativa ao mês de abril de 2024, no montante de € 1.326,00;
d) Indemnização relativa ao mês de maio de 2024, no montante de € 1.326,00;
e) Indemnização relativa ao mês de junho de 2024, no montante de € 1.326,00;
f) Indemnização relativa ao mês de julho de 2024, no montante de € 1.326,00;
g) Indemnização relativa ao mês de agosto de 2024, no montante de € 1.326,00;
h) Indemnização relativa ao mês de setembro de 2024, no montante de € 1.326,00;
i) Indemnização relativa ao mês de outubro de 2024, no montante de € 1.326,00;
j) Indemnização relativa ao mês de novembro de 2024, no montante de € 1.326,00;
k) Indemnização relativa ao mês de dezembro de 2024, no montante de € 1.326,00;
l) Indemnização relativa ao mês de janeiro de 2025, no montante de € 1.326,00;
m) Indemnização relativa ao mês de fevereiro de 2025, no montante de € 1.326,00;
n) Indemnização relativa ao mês de março de 2025, no montante de € 1.326,00.
“ PROC. 560/25.3YLPRT AJD-SSD ... BB
O Centro Distrital ... vem informar V. Ex.ª de que o requerimento de apoio judiciário supra referenciado, foi objeto de uma proposta de decisão (Audiência Prévia) de Indeferimento em 29-04-2025.
A falta de resposta, por qualquer meio, ao solicitado, implicou a conversão da proposta de decisão em decisão definitiva (indeferimento), e ocorrendo tal no 1.º dia útil seguinte ao do termo do prazo de resposta, com imediata comunicação ao Tribunal onde se encontre pendente a ação judicial (se for o caso), não se procedendo a qualquer outra notificação, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 23º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto e do art.º 119º do Código do Procedimento Administrativo.
A notificação por carta registada presume-se efetuada no terceiro dia útil posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
Assim, decorrido o prazo legal de que dispunha para responder ao que lhe era solicitado, o requerente nada disse, pelo como expressamente refere o nosso ofício, foi o seu pedido considerado indeferido”.
“Antes de mais, e porque não houve ainda resposta da Segurança Social ao pedido de apoio judiciário formulado pelo R. AA, determino que se oficie àquela entidade, solicitando informação sobre o despacho que recaiu sobre tal pedido”.
“O Centro Distrital ... vem informar V. Ex.ª de que o requerimento de apoio judiciário supra referenciado, foi objeto de uma proposta de decisão (Audiência Prévia) de Indeferimento em 2025-04-29.
A falta de resposta, por qualquer meio, ao solicitado, implicou a conversão da proposta de decisão em decisão definitiva (indeferimento), e ocorrendo tal no 1.º dia útil seguinte ao do termo do prazo de resposta, com imediata comunicação ao Tribunal onde se encontre pendente a ação judicial (se for o caso), não se procedendo a qualquer outra notificação, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 23º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto e do art.º 119º do Código do Procedimento Administrativo.
Cumpre informar que, dispõe o n.º 2 do artigo 249.º do CPC que a notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou o domicílio escolhido para o efeito de a receber, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do n.º1 do artigo citado.
A notificação por carta registada presume-se efetuada no terceiro dia útil posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
Assim, decorrido o prazo legal de que dispunha para responder ao que lhe era solicitado, o requerente nada disse, pelo como expressamente refere o nosso ofício, foi o seu pedido considerado indeferido”.
“Ref.ª Citius 43002197 (09.07.2025):
Visto.
A A. pediu, além do mais, a desocupação do imóvel locado e a condenação dos RR. no pagamento de rendas e indemnização.
Os RR. não deduziram oposição.
O requerimento de despejo foi convertido em título.
Tudo visto.
No caso vertente, o prazo inicial terminou em 14 de fevereiro de 2024, pelo que, nessa data, o contrato de arrendamento se extinguiu.
Consequentemente, os RR. deverão restituir o locado à A., de acordo com o preceituado no art.º 1038.º, al. i), do Código Civil, assistindo a esta o direito a exigir a sua desocupação e a haver o valor das rendas e indemnizações legais nos termos peticionados – art.ºs 1041.º, n.º 1, e 1045.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
- Autorizo a entrada imediata no imóvel locado, que constitui domicílio dos RR., para concretização do despejo, decorrido o prazo de 30 dias após a notificação da presente decisão.
- Condeno os RR. no pagamento à A. da quantia de 6.874,50 €, a título de rendas em atraso, 19.275,90 €, a título de indemnizações legais, bem como a quantia de 1.326,00 € por mês, desde a data da apresentação do requerimento até efetiva restituição do locado.
Custas a cargo dos RR.
Fixo o valor do procedimento em 26.150,40 € (Vinte e seis mil cento e cinquenta euros e quarenta cêntimos).
Registe e notifique, incluindo ao Sr. AE.
Comunique ao BNA”.
1.Nos presentes autos foi proferida sentença que tem por não apresentada qualquer oposição aos mesmos.
2. Conforme resulta da análise dos autos e do documento 1 ora junto, quando citados/notificados para se oporem ao procedimento especial de despejo, os Réus/Requeridos pediram apoio judiciário nas modalidades de (1) dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e (2) nomeação de pagamento da compensação de patrono oficioso.
3. Tem-se, assim, que a decisão proferida assenta no disposto no artigo 15º-F, nº 7 do NRAU dado que a notificação da sentença, fez-se acompanhar dos ofícios/correios eletrónicos que a Segurança Social remeteu aos autos, informando que teria indeferido o apoio judiciário aos RR – conforme documentos 2 e 3 que ora se juntam e dão por integralmente reproduzidos.
4. Ora, conforme resulta dos referidos correios eletrónicos, a Segurança Social apenas alega que remeteu aos RR proposta de indeferimento, que se lhes presume entregue e que findo o prazo de resposta à tal proposta, a mesma converteu-se em definitiva nos termos da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais.
5. Os RR não tiveram conhecimento de qualquer proposta de indeferimento, o que é essencial para a boa discussão da questão, mas é erro acessório à solução dada pelo tribunal a quo.
6. Os erros, de capitular importância que o tribunal a quo cometeu foram:
I) 7. Violar o princípio do contraditório e da participação processual quanto à questão do indeferimento de apoio judiciário, dado que, conforme é notório das notificações da sentenças remetidas aos RR, só lhes deu conhecimento da omissão desse pressuposto processual – o apoio que lhes permite custear a sua oposição – após ter prolatado a sentença.
8. Com efeito, o tribunal a quo decidiu a causa sem antes informar as partes da falta de pressuposto processual que as mesmas omitiam e que lhes podia determinar a sucumbência processual.
II) 9. Face ao – alegado e suposto – indeferimento do apoio judiciário, o tribunal não deu cumprimento ao disposto no artigo 570º, n.os¨2, 3 e 4 do CPC, notificando os RR para pagarem a taxa de justiça em falta e suprirem a falta desse procedimento processual;
10. Antes aplicando diretamente o artigo 15º-F, n.º 7 do NRAU e pondo fim ao procedimento, em detrimento dos RR.
11. Tal solução, ainda que obedecendo à formalidade do NRAU, viola a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o artigo 13º referente ao Princípio da Igualdade e o artigo 20º, referente ao Princípio de Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva.
12. Os RR, sujeitos alvo de uma ação de despejo, por falta de pagamento da renda, e violação dos seus deveres contratuais de pagamento da renda – alegadamente – vêem-se arrastados para um tipo de procedimento especial no qual a falta de pagamento da taxa de justiça referente à Contestação ou o Indeferimento do competente apoio judiciário, teve como consequência a cominação automática de desconsideração do seu direito de defesa;
13. Sendo que qualquer outro cidadão, a quem fosse imputada a mesma violação contratual, mas que fosse demandado nos termos do CPC, teria a oportunidade de pagar tal taxa, acrescida de uma multa processual e, assim, assegurar a sua defesa, nos termos dos apontados preceitos do artigo 570º CPC.
14. Viram-se assim discriminados, desigualmente tratados, na forma como puderam recorrer aos tribunais para defender a sua posição, desigualdade essa agravada pelo facto de, conforme alegado supra nem sequer lhe ter sido dada a possibilidade de contraditar a informação que a Seg. Social fez chegar aos autos quando ao alegado indeferimento do Apoio.
15. Conforme vem sendo entendimento do Tribunal Constitucional, a aplicação de mecanismos simplificados de celeridade processual, com procedimentos especiais a consagrarem “automatismos” conforme aquele que lesou os interesses dos Recorrentes é inconstitucional, sempre que dessa aplicação resulta uma diminuição das garantias e direitos processuais dos cidadãos ou uma desigualdade de tratamento face à aplicação alternativa da lei e procedimento geral – in casu, o regime do Código de Processo Civil.
16. Termos em que, aplicação imediata do disposto no artigo 15º-F, nº 7 do NRAU, incorre em inconstitucionalidade por violação do artigo 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa, e assim, o aresto em crise, ao assentar nessa aplicação é também inconstitucional, pelo que tal decisão deve ser revogada e substituída por despacho que dê conhecimento das informações prestadas pela Segurança Social aos autos e conceda aos RR o direito previsto no artigo 570º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil.
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.
As questões a decidir:
- efeito a atribuir ao recurso;
- omissão de notificação prévia à prolação da sentença e exercício do contraditório, quanto às informações prestadas pelos serviços da segurança social sobre a decisão do incidente de apoio judiciário;
- se a omissão do pagamento de taxa de justiça dava lugar ao cumprimento dos procedimentos previstos no art.º 570º CPC;
- da inconstitucionalidade suscitada a respeito da aplicação do regime previsto no art.º 15º-F/7 do NRAU.
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os termos do relatório.
- Efeito a atribuir ao recurso -
Os apelantes vieram requerer a atribuição do efeito suspensivo ao recurso.
O despacho que admitiu o recurso fixou ao recurso o efeito meramente devolutivo, com os fundamentos que se transcrevem:
“Por ser legal, tempestivo e interposto por parte com legitimidade para tanto, admito o recurso interposto pelos Réus, o qual é de apelação, a subir nos próprios autos, de imediato e com efeito meramente devolutivo, [artigo 15º- Q do NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27/02) e artigos 638º, nº1 e 645º, nº1, al.a), ambos do CPC], indeferindo-se o requerido efeito suspensivo do recurso, por a tal se opor expressamente o disposto no aludido artigo 15º-Q do NRAU, (neste sentido, Ac. RC, de 14-10-2014; www.dgsi.jtrc.pt-Proc. nº3156/13.9YLPRTA. C1), não se vislumbrando qualquer inconstitucionalidade do aludido artigo 15º-Q.
Com efeito, no nosso edifício constitucional vigora, como regra, na definição da tramitação do processo civil, uma ampla discricionariedade legislativa que permite ao legislador ordinário, por razões de conveniência, oportunidade e celeridade, adotar soluções legislativas que fazem incidir ónus processuais, cominações e preclusões funcionalmente adequados aos fins do processo, não se afigurando que a norma em causa se revele totalmente desproporcionada, imponha uma exigência formal com que as partes não podiam razoavelmente antecipar ou conduza a um cerceamento do direito de acesso aos tribunais em termos irremediáveis e definitivos que contenda frontalmente com o exercício desse mesmo direito.
De igual forma não se vislumbra que viole o princípio da igualdade, mormente em confronto com o disposto no artigo 647º, nº 3, alínea b), parte final, do CPC pois como ensinam J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA (in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 399, da 4.ª Edição revista, da Coimbra Editora), no apuramento das violações ao princípio da igualdade, na vertente da proibição do arbítrio, importa ter presente que «(...) a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da “discricionariedade legislativa” são violados, isto é, quando, a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma “infração” do princípio do arbítrio.»
E verifica-se um suporte material bastante para o tratamento desigual sincrónico apontado pelos Recorrentes, pois está-se no âmbito do procedimento especial de despejo (PED), que surge implementado por essa Lei nº 31/2012, com o objetivo de tornar mais rápida e eficaz a desocupação do locado, em casos de incumprimento pelo arrendatário, mas que exige determinados requisitos que o senhorio pode não almejar cumprir, não se podendo considerar que essa distinção viole o princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º, da C.R.P.”.
Acolhemos todos os argumentos expostos, que estão sustentados em determinação expressa da lei – art.º 15º-Q NRAU – e em jurisprudência atual.
Sublinhamos, apenas, que a lei confere meios e mecanismos próprios para sustar os efeitos da decisão, como seja o diferimento da desocupação, não sendo pelo mecanismo do recurso que se podem alcançar os mesmos.
Mantém-se o efeito meramente devolutivo atribuído ao recurso.
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 8, suscitam os apelantes a violação do princípio do contraditório, por não terem a possibilidade de se pronunciarem, antes da prolação da sentença, sobre as informações prestadas pela Segurança Social a respeito do pedido de apoio judiciário formulado pelos requeridos/apelantes.
Confirma-se, pela análise dos autos, que as informações da Segurança Social, prestadas em 11 de junho de 2025 e 09 de julho de 2025, sobre o incidente de apoio judiciário, apenas foram notificadas aos apelantes depois de proferida a sentença e em simultâneo com a sentença que determinou a entrada imediata no domicílio.
Os apelantes não questionam sequer que receberam as notificações com a notificação da sentença. Defendem, contudo, considerando que se trata de uma questão procedimental, que ficaram impedidos de exercer o contraditório quanto a tais informações.
Nos termos do art.º 3º/3 CPC “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Dispõe, por sua vez, o artigo 4.º do mesmo diploma legal: “[o] tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.
Em tese geral a omissão do exercício do contraditório constitui uma nulidade processual.
As nulidades processuais “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais”[2].
Atento o disposto nos art.º 195º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Porém, como referia o Professor ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades”, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[3].
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art.º 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art.º 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art.º 199º CPC.
A omissão do exercício do contraditório não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos art.º 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.
Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art.º 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art.º 199º CPC.
A lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa”.
No sentido de interpretar o conceito o Professor ALBERTO DOS REIS tecia as seguintes considerações:“[o]s atos de processo têem uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela”[4].
Daqui decorre que uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa, se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e julgamento.
Tal omissão deve ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art.º 149º/1 CPC (10 dias).
No caso concreto, a omissão de prévia notificação das informações prestadas pela Segurança Social, devia ser arguida a partir da data em que as partes foram notificadas da sentença, não o tendo sido, a irregularidade encontra-se sanada.
O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art.º 196º a 199º CPC.
Acresce que tal irregularidade não está sancionada pela sentença, na medida em que na sentença, o juiz do tribunal “a quo” não se pronunciou sobre o incidente de apoio judiciário, nem o devia fazer, por constituir um incidente autónomo que segue os seus termos junto de entidade da Segurança Social competente e só quando a decisão administrativa é objeto de impugnação cumpre apreciar dos seus fundamentos.
Neste sentido, refere-se no Ac. Rel. Porto 26 de junho de 2025, Proc. 629/24.1YLPRT.P1 (acessível em www.dgsi.pt):
“O tribunal onde se encontra pendente a ação judicial para que foi pedido o apoio judiciário só tem competência para apreciar as questões relativas a alegados vícios de procedimentos administrativos, como é o caso dos autos, em que os réus alegam falta de notificação pela Segurança Social da decisão de indeferimento de apoio judiciário, a partir do momento em que recebe a impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário e só em sede de impugnação judicial pode o tribunal apreciar aquelas questões.
Enquanto não for recebida impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário não cabe ao tribunal judicial onde se encontra pendente a ação judicial para que foi pedido o apoio judiciário, qualquer dever de fiscalização dos atos e ou omissões ocorrido no procedimento administrativo onde está a ser apreciado o requerimento de apoio judiciário”.
Por fim, alegam os apelantes que não tiveram conhecimento de qualquer proposta de indeferimento do apoio judiciário.
Constitui uma questão nova, na medida em que não foi suscitada na pendência da ação, que não cumpre ao tribunal de recurso conhecer, porque tem como função reapreciar a decisão recorrida (art.º 627ºCPC).
Atento o exposto improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 8.
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 9 a 16, afirmam os apelantes que se deu cumprimento ao art.º 15º-F/7 do NRAU, sem se dar cumprimento aos procedimentos do art.º 570º/2/3/4 CPC.
Os apelantes ignoraram a tramitação processual do presente procedimento e os fundamentos da decisão, pois não indicam a concreta decisão ou segmento que pretendem impugnar.
Cumpre ter presente que os apelantes, apesar de não beneficiarem de apoio judiciário, não tinham de proceder ao pagamento da taxa de justiça, porque não deduziram oposição. Acresce que a sentença foi proferida com fundamento no art.º 15º EA/1 a) do NRAU e não, ao abrigo do art.º 15ºF/7 NRAU.
Conforme decorre do art.º 1º do Regulamento das Custas Processuais todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados no Regulamento.
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte – art.º 3º/1 do Regulamento das Custas Processuais.
A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte do Regulamento (art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais).
Conforme determina o art.º 13º do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, sendo paga integralmente e de uma só vez por cada parte ou sujeito processual, salvo disposição em contrário resultante da legislação relativa ao apoio judiciário.
O pagamento da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do ato processual a ela sujeito, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento, juntamente com o articulado ou requerimento, em conformidade com o disposto no art.º 14º do Regulamento das Custas Processuais.
O pagamento de taxa de justiça pressupõe uma intervenção ativa no processo, com a prática de atos processuais.
O Procedimento Especial de Despejo também está sujeito a tributação e com a apresentação da oposição deve o requerido comprovar o pagamento da taxa de justiça (art.º 15º F/5 NRAU, na redação da Lei 56/2023 de 06 de outubro).
Contudo, a lei distingue, para efeitos de tramitação processual, as situações em que não foi deduzida oposição (art.º15ºEA NRAU, na redação da Lei 56/2023 de 06 de outubro), daquelas em que a oposição foi deduzida, mas por falta de cumprimento de certas formalidades, como seja, pagamento de taxa de justiça e prestação de caução, se considera não deduzida (art.º 15ºF NRAU, na redação da Lei 56/2023 de 06 de outubro).
A falta de pagamento da taxa de justiça determina que se considere a oposição por não deduzida (art.º 15ºF/6 do NRAU, na redação da Lei 56/2023 de 06 de outubro).
Nos termos do art.º 15ºF/7 NRAU a oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efetue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação de decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa e dos demais encargos com o processo.
O pagamento da taxa de justiça pressupõe a dedução de oposição, o que no caso não ocorreu.
A problemática suscitada a respeito da aplicação do regime previsto no art.º 570º CPC aos presentes procedimentos, tratada entre outros, no Ac. Rel. Porto 22 de maio de 2025, Proc. 2308/24.0YLPRT.L1-2 e Ac. Rel. Lisboa 23 de setembro de 2025 Proc. 167/25.5YLPRT.L1-7 (acessíveis em www.dgsi.pt), não tem qualquer relevo na situação concreta dos autos.
No caso presente, os apelantes não deduziram oposição e por esse motivo não tinham de proceder ao pagamento de taxa de justiça, não se suscitando a questão da aplicação do regime previsto no art.º 570º/2/3/4 CPC.
Por falta de oposição, o processo foi concluso para decisão, em obediência ao disposto no art.º 15º-EA/1 a) NRAU.
A sentença proferida considerou a inexistência de oposição, para desta forma julgar provados os factos que sustentam a decisão de entrada imediata no domicílio.
Conclui-se que não se omitiu o cumprimento dos procedimentos previstos no art.º 570ºCPC.
No ponto 16 das conclusões de recurso os apelantes consideram que a aplicação imediata do disposto no art.º 15º-F/7 do NRAU incorre em inconstitucionalidade por violação do art.º 13º e 20º da Constituição.
Tal argumentação não pode proceder por tudo que se deixou dito, já que a decisão não foi proferida com aplicação do regime previsto no art.º 15º F/7 NRAU.
Refira-se, ainda, a respeito da conformidade da interpretação das normas jurídicas com o direito constitucional, como observa GOMES CANOTILHO:“[o] princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição é fundamentalmente um princípio de controlo (tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação) e ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma. Daí a sua formulação básica: no caso de normas polissémicas ou plurisignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constituição”[5].
A inconstitucionalidade deve ser suscitada de forma processualmente adequada junto do tribunal que proferiu a decisão, de forma a obrigar ao seu conhecimento (art.º 72º LTC).
Recai sobre o recorrente o ónus de colocar a questão de inconstitucionalidade, enunciando-a de forma expressa, clara e percetível e segundo os requisitos previstos na lei.
Por outro lado, pretendendo questionar certa interpretação de um preceito legal, deverá o recorrente especificar claramente qual o sentido ou dimensão normativa do preceito ou preceitos que tem por violador da Constituição, enunciando com precisão e rigor todos os pressupostos essenciais da dimensão normativa tida por inconstitucional.
Esta tem sido a interpretação desenvolvida pelo Tribunal Constitucional, como disso dá nota, entre outros, o Ac.do Tribunal Constitucional nº 560/94 (acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) quando observa: “[d]e facto, a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo, quando tal questão se coloca perante o tribunal recorrido a tempo de ele a poder decidir e em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver – o que, obviamente, exige que quem tem o ónus da suscitação da questão de constitucionalidade a coloque de forma clara e percetível.
Bem se compreende que assim seja, pois que, se o tribunal recorrido não for confrontado com a questão da constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela ex novo.
A exigência de um cabal cumprimentos do ónus da suscitação atempada – e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é, pois – […] -, uma “mera questão de forma secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se, sobre a questão de constitucionalidade e para que o Tribunal Constitucional, ao julga-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão”.
No caso presente os apelantes indicam os preceitos constitucionais que consideram violados. Contudo, não enunciam o segmento interpretativo adotado que contraria tais preceitos constitucionais, o que impede a apreciação da constitucionalidade.
Por outro lado, a mera afirmação de que existe inconstitucionalidade na aplicação de determinadas normas, não equivale a suscitar, validamente, uma questão de inconstitucionalidade normativa.
A válida imputação de inconstitucionalidade a uma norma (ou a uma sua dimensão parcelar ou interpretação), impõe, a quem pretende atacar, na perspetiva da sua compatibilidade com normas ou princípios constitucionais, determinada interpretação normativa, indicar concretamente a dimensão normativa que considera inconstitucional, o que também não ocorre no caso concreto. A indevida aplicação da lei não configura só por si uma violação de preceitos constitucionais.
Nesta perspetiva, considera-se que os apelantes não suscitaram, validamente, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, pelo que, improcedem, nesta parte as conclusões de recurso sob o ponto 16.
Improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos 9 a 16.
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão.