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PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
REQUISITOS
DIREITO AO BOM NOME E REPUTAÇÃO
PERIGO GRAVE E DIFICILMENTE REPARÁVEL
Sumário
I - A falta de motivação no julgamento da matéria de facto determina a remessa do processo ao tribunal da 1ª instância, nas circunstâncias previstas no artigo 662.º, nº 2 al. d) ou a anulação do julgamento, ao abrigo da alínea c) do mesmo normativo, ou seja, o vício não gera, por isso, a nulidade da decisão. II - Deve ser rejeitada a impugnação da decisão de facto quando, nas conclusões e mesmo na motivação, a recorrente não concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados [cf. artigo 640.º, nº 1 al. a) do CPCivil). III - O decretamento de uma providência cautelar não especificada está dependente da verificação dos seguintes requisitos: probabilidade séria da existência do direito invocado; fundado receio de que outrem, antes da ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito; não exceder o prejuízo resultante da providência o dano que com ela se quer evitar; e não existência de providência específica para acautelar o mesmo direito. IV - O direito ao bom nome e reputação, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, encontra-se em relação de equilíbrio com a liberdade de expressão e de opinião, garantida pelo artigo 37.º da mesma Lei Fundamental, devendo o julgador proceder à respetiva ponderação casuística. V - No contexto de debate público relativo à gestão e vida institucional do A..., envolvendo figuras públicas com intervenção económica e mediática relevante, o âmbito da crítica admissível é mais amplo. VI - As publicações efetuadas pelo Requerido, ainda que veementes e polémicas, assentam em factos verdadeiros e publicamente verificáveis, designadamente o financiamento da sociedade B... ao A... e as ligações societárias entre esta e a C... o exercício legítimo da liberdade de expressão e de opinião. VII - Não se demonstra a existência de perigo grave e dificilmente reparável (periculum in mora), quando os alegados danos reputacionais são suscetíveis de reparação ulterior através dos meios ordinários, designadamente o direito de resposta e a ação de indemnização civil. VIII - Os direitos à tutela jurisdicional efetiva e a um processo justo, imparcial e equitativo não impedem a definição pelo legislador dos meios de tutela jurisdicional, daquilo que são as suas regras em termos de tramitação, dos poderes e dos ónus que recaem sobre as partes e dos poderes e deveres do julgador. IX - Não viola o princípio constitucional do direito a um processo equitativo a valoração da prova, produzida a respeito de um determinado quadro factual, feita pelo tribunal a quo no âmbito do princípio da livre apreciação que o legislador ordinário plasmou no artigo 607.º, nº 5 do CPCivil.
Texto Integral
Processo nº 20685/24.1T8PRT.P1-Apelação
Origem-Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível do Porto- J5
Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Dr.ª Ana Paula Amorim
2º Adjunto Des. Dr. José Nuno Duarte
5ª Secção Sumário:
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: C..., S.A.”, com NIPC ..., e sede na Rua ..., ..., Lisboa; e AA, com residência na Rua ..., Porto, instauraram procedimento cautelar não especificado, como preliminar da ação declarativa de condenação, contra BB, com o domicílio na Rua ..., ... Porto, pedindo:
- a remoção de todas as publicações efetuadas pelo Requerido, seja em redes sociais, seja por qualquer meio de comunicação social e que propaguem factos e notícias referentes aos Requerentes;
- a abstenção de difusão de qualquer facto que se refira aos Requerentes, de que não tenha evidências da veracidade do mesmo;
- a intimação do Requerido a efetuar uma publicação na rede social “X” ou noutro meio de comunicação social, através da qual desminta os factos que alegou;
- a condenação em sanção pecuniária compulsória não inferior a € 10.000 (dez mil euros) diários por cada dia de incumprimento da decisão a proferir, já que será a única forma de garantir que a providência, a ser decretada, irá ser cumprida pelo Requerido.
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Alegam para o efeito que o Requerido, com as publicações que efetuou nas redes sociais e em meios de comunicação social e pelas razões que descriminam na petição inicial, causou danos à sua imagem e reputação.
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O Requerido apresentou oposição, alegando que as suas publicações, para além de corporizarem o exercício da liberdade de expressão e do direito à sua opinião, não contêm qualquer falsidade ou mentira, nem constituem quaisquer alegações difamatórias.
Pediu a condenação dos Requerentes como litigantes de má-fé.
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Teve lugar a audiência que decorreu com observância do legal formalismo como da respetiva ata consta.
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A final foi proferida decisão com a seguinte parte dispositiva: “Nos termos e com os fundamentos que ficaram expostos, decido julgar improcedente, por não provado, o procedimento cautelar instaurado por C..., S.A. e AA, absolvendo-se o Requerido BB dos pedidos formulados. O pedido de condenação dos Requerentes como litigantes de má-fé é julgado improcedente”.
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Não se conformando com o assim decidido vieram os requerentes interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
(…)
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Devidamente notificado contra-alegou o requerido concluindo pelo não provimento do recurso.
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Após os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cf. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a decidir no presente recurso: a)- saber se a decisão recorrida padece das nulidades que lhe vêm assacadas; b)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto. c)- decidir em conformidade e, concretamente, se a providência cautelar devia ou não ter sido deferida.
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A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. AA é empresário e integra a administração da “C..., S.A.”.
2. O Requerido é comentador do canal televisivo D... e da revista Sábado, para além de fazer publicações em redes sociais.
3. O Requerido, nos meses de fevereiro, março, abril e novembro de 2024, efetuou publicações na rede social X (anterior Twitter).
4. No dia 29/2/2024, o Requerido publicou na rede social X o seguinte texto (post)-documento nº 3 apresentado com a petição inicial: “Uma sociedade da qual AA é gerente e tem uma participação desde 17 de abril de 2023 (B...), financiou o A..., precisamente em abril de 2023, em 14.500.000M€, sendo que o vencimento deste empréstimo terá lugar em janeiro de 2029. Não admira, pois, que viesse a integrar o Conselho de Administração da SAD do A... se CC se mantivesse à frente do clube, fazendo lembrar aqui as insolvências em que o maior credor tem sempre lugar à mesa na Comissão de Credores”.
5. No mesmo dia, o Requerido publicou também na rede social X o seguinte texto (post)-documento nº 4 apresentado com a petição inicial: “a sociedade B... que financiou o A... em 14.500.000,00 Euros e que tem AA como gerente e detentor de participação, é, por sua vez, detida pela sociedade C... que tem também AA como Administrador e fundador. E quem é a C...? É, como já disse há uns meses atrás, uma sociedade de capital de risco que está na corrida pelos direitos televisivos do futebol português, tendo já apresentado uma oferta pelos mesmos a DD. Viva a transparência, viva o ... livre e desinteressado, viva os negócios!!!!”.
6. No mesmo dia, o jornal Jornal ... reproduziu as publicações do Requerido- documento nº 5 apresentado com a petição inicial.
7. No dia 2/3/2024, o Requerido publicou na rede social X o seguinte texto (post)-documento nº 6 apresentado com a petição inicial: “AA escreve o programa de CC, dirige a sua campanha e já financia em larga escala o A.... Para além disso e por via disso integra a lista de CC e vai impor o seu novo CFO. Isto já não é bem entre EE e CC. Dizia ele esta tarde em espécie de anúncio: "CC é a pessoa mais bem colocada para fazer a transição do presente para o futuro”. Já todos percebemos o que se prepara”.
8. No dia 23/4/2024, o Requerido voltou a publicar na rede social X o seguinte texto (post)-documento nº 7 apresentado com a petição inicial: “AA já há muito que é um Administrador de facto da SAD. Ele negociou o contrato da venda de 30% das receitas da E... à F..., acompanhou as negociações com a CM ... a respeito da Academia, redigiu comunicados à CMVM (assumido pelo próprio CC), fez o programa de CC, dirige a sua campanha através da G... (sua empresa), assume um maior protagonismo que o próprio CC, diz o que vai fazer (despedir pessoal, cortar custos, etc.) e como vai fazer, escolheu o Administrador Financeiro da lista de CC, montou o fundo que já financia o A... a taxas pornográficas e que estará por trás da reestruturação financeira do A..., assume que quer comprar os direitos televisivos do futebol português através da aquisição de uma participação da Liga centralizada, acusa funcionários do A..., etc, etc. Em 42 anos da Presidência de CC nunca vi nada assim. CC não só está refém de AA como completamente manietado e submisso ao mesmo”.
9. No dia 14/11/2024, o Requerido respondeu a uma publicação do Requerente AA na rede social X, com o seguinte texto (post)-documento nº 8 apresentado com a petição inicial: “E é por isto que eu tinha lançado um fundo de 300 Milhões de euros que pagava 7% aos subscritores, 1% à minha pessoa para depois cobrar 10% ao A..., acrescentou. Quando não se tem vergonha, todo o mundo é seu”.
10. O Requerido é o associado nº ... do A..., tendo participação ativa desde há muitos anos na vida interna do clube, materializada, nomeadamente, na presença frequente nas respetivas assembleias gerais do clube, onde por diversas vezes produziu oralmente o seu pensamento crítico sobre os diversos assuntos e aspetos que dizem respeito ao clube.
11. O Requerido, ao longo da última década, foi expressando no espaço público a sua opinião sobre a gestão desportiva e financeira do A..., o que fazia quer através de artigos de opinião publicados em órgãos de comunicação social, quer por intermédio de textos (posts) escritos nas suas contas nas redes sociais Facebook e Twitter, esta última agora denominada X.
12. No dia 27/4/2024 realizaram-se eleições para os órgãos sociais do A..., apresentando-se a sufrágio três listas protagonizadas por CC (lista A), EE (lista B) e FF (lista C), sendo estes os candidatos a presidir à direção do clube.
13. Os Requerentes sabem que o Requerido é advogado de profissão.
14. A informação relativa ao financiamento em apreço da B... ao A... consta descrita na página 50 do Relatório & Contas consolidado relativo ao 1º semestre de 2023/2024 da Sociedade Anónima Desportiva do A..., nela se indicado o montante total do empréstimo, no caso um factoring, e a data do seu vencimento-conforme documento nº 4 apresentado com a oposição e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
15. Já a qualidade de gerente do 2º Requerente AA na referida sociedade, à data da publicação, constava exposta nas publicações dos atos societários da dita sociedade, consultável em ..., mostrando-se ainda a mesma consignada na certidão comercial da referida sociedade –conforme documento nº 5 apresentado com a oposição e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
16. Da consulta àquele website site ... era ainda possível aferir que em 19/4/2023 a totalidade do seu capital social pertencia ao fundo ..., pertencente à 1ªRequerente, conforme se mostra exibido na própria página website da 1ª Requerente, do qual o 2º Requerente é fundador, acionista e Presidente do Conselho de Administração, detendo 60% do seu capital social sociedade–conforme documentos nº 6 e 7 apresentados com a oposição e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
17. Numa nota remetida aos jornalistas em 29/2/2024, o 2º Requerente afirmou: “Na época desse financiamento (o contrato foi celebrado em abril de 2023 através da B...), o A... SAD pretendia fazer um acordo com uma maturidade alargada (7 anos). Os parceiros internacionais apenas aceitavam quatro anos, e a pedido da direção da SAD assumimos o risco e aceitamos fazer este financiamento para responder às necessidades do A.... Tratou-se de uma operação transparente e em condições de mercado. Fi-lo na altura e voltarei a fazê-lo sempre que o meu clube precisar de mim”-conforme documento nº 8 apresentado com a oposição e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
18. Referiu o 2º Requerente em entrevista concedida ao jornal Jornal ... em 20/3/2024 o seguinte: Jornalista-“GG, CFO de EE, afirmou que esses €250 milhões coincidiam com um fundo que irá ser criado pela C..., da qual AA é sócio, afirmando que a vossa candidatura é apoiada por um fundo. A C... está também na corrida aos direitos centralizados de transmissão televisiva com a Liga. Não há aqui um conflito de interesses?” AA-“Eu acho isso... Tentando explicar, todos nós temos uma atividade profissional. Agora, imaginem o que é, como se chama o CFO, não sei o nome?”
(...)
Jornalista - “Quanto ao negócio dos direitos televisivos?”
AA-“O negócio dos direitos de transmissão em Portugal está avaliado anualmente em cerca de €175 milhões. Isto é o que vale o bolo dos direitos de transmissão. Fomos uma das entidades a fazer uma proposta que avalia a Liga Portuguesa não em 175 milhões, mas em 250 milhões. Com uma injeção de 500 milhões. Ou seja, aquilo que nós propomos é muito mais do que aquilo que existe”-conforme documento nº 9 apresentado com a oposição e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
19. O Dr. HH, em entrevista concedida ao Jornal ... em 24/4/2024 e perante a questão “Que comentário lhe merece o facto de o fundo C... poder estar a financiar a actividade da SAD?”, afirmou o seguinte: “É um sinal de grande preocupação, uma vez que há um manifesto de conflito de interesses porque há um financiamento vinculado a uma pessoa que está muito próxima da SAD, que conhece toda a informação, as taxas de juros e os contratos. Claramente configura um conflito de interesses óbvio e o que isto significa conflito de interesses pode ser aqui um pouco um palavrão, mas quando temos uma pessoa que está a decidir em causa própria e a financiar o clube, sendo ele o beneficiado desse financiamento, é óbvio que a procura pelas melhores soluções do mercado pode não acontecer.
Tipicamente nas sociedades cotadas, esta questão das partes relacionadas é uma questão que é super escrutinada, tem de ser autonomizada no Relatório de Contas as transações com partes relacionadas. Esta, obviamente, não foi, não aparece e, como tal, casualmente soubemos que o fundo B... estava ligado à C... e ao vice-presidente financeiro da Lista A. Mas isto foi uma descoberta casual, não foi nada que tivesse sido havido um disclosure oficial por parte da A... SAD. Até que ponto é que houve o parecer prévio do Conselho Fiscal? Tudo isto são questões de grande nebulosidade, de falta de transparência que preocupam não só nesta operação como noutras que possam eventualmente vir a ser montadas. Já foi várias vezes referida à operação dos 250 milhões, até que ponto é que não teremos o fundo C... também a participar nessa potencial operação, quando o próprio fundo está a procurar levantar capital com as contrapartes típicas das sociedades desportivas? Com a UEFA, com o Fundo ... da transferência do II, com os operadores televisivos, com a própria H..., com as empresas de equipamento desportivo, as I... e o J...? Tudo contrapartes ligadas ao mundo de futebol. Levantamento de capital 250 a 300 milhões e financiamento por 250 milhões ao A.... Parece-nos demasiada coincidência para que não possamos estar na iminência de uma situação ainda mais grave, dado o volume de conflito de interesses” - conforme documento nº 10 apresentado com a oposição e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
20. O 2º Requerente, na entrevista concedida ao jornal Jornal ... em 20/3/2024, para além do que consta no ponto 18) dos factos provados, afirmou o seguinte: Jornalista-“Em 2020, quando decidiu não se candidatar às eleições no A..., lançou uma plataforma chamada «A... com Futuro», que é a cópia perfeita das linhas de orientação da candidatura de CC ao 16.º mandato em pelo menos cinco dos oito pontos propostos. Isso significa que as suas ideias foram acolhidas pelo atual líder do clube? AA–“É o senhor que está a dizer e parece-me que sim, que é verdade, que foram acolhidas e bem”. - conforme documento nº 9 apresentado com a oposição e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
21. Em 21/4/2024, EE afirmou, em entrevista concedida ao jornal O Jogo e à rádio TSF, o que infra se transcreve: “Sabemos, da informação que conseguimos reunir, que há uma empresa detida em 60% pelo fundo C... a fornecer serviços de marketing ao A... a 51 mil euros por mês, empresa essa detida por AA. É importante saber se esses serviços de marketing, a 51 mil euros por mês, têm a ver com a candidatura do presidente CC. Temos de analisar qual será o objeto do contrato. Temos a informação de que essa empresa anda a cobrar esses valores ao A..., uma empresa chamada G.... Ou seja, será que anda a pagar a candidatura do candidato CC, nas intervenções, por conta de faturas pagas pela G...? São situações que iremos analisar quando lá chegarmos mas que são reveladoras novamente dos interesses alheios que estão presentes na outra candidatura.”–conforme documento nº 15 apresentado com a oposição e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
22. O 2º Requerente não integrava os órgãos sociais do A... nem a respetiva SAD do A....
23. A C... tinha acordado com o A... um financiamento de 75 milhões com a obrigação de o A... proceder a um pagamento à cabeça de 25 milhões de euros a título de juros, tendo isso ficado consignado em ata assinada por CC e JJ, então Presidente do Conselho de Administração e Administrador Financeiro da SAD do A....
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Factos não provados
Não se provou:
1. Que o 2º Requerente, que até então tinha uma vida pessoal e profissionalmente discreta, tem sido alvo, desde fevereiro de 2024, de uma verdadeira perseguição por parte do Requerido, quer por meio da rede social X, quer pela influência que se encontra a exercer junto dos jornais e outros meios de comunicação social, com base nas publicações do Requerido;
2. Que as publicações do Requerido, para além de propagaram um conjunto de factos falsos e indutores do erro, afetam a imagem e bom nome da 1ª Requerente e do 2º Requerente, que assume a função de administrador da 1ª Requerida, tendo, inclusive, sido questionados por diversas empresas e entidades investidoras nos fundos de capital de risco geridos pela 1ª Requerente, acerca do teor destas publicações e do meio de reação a estas;
3. Que todas as publicações acima mencionadas lesaram e continuam a lesar os Requerentes, tendo como único objetivo a destruição da imagem e bom nome destes, e o minar da sua credibilidade perante milhões de pessoas, incluindo do mundo desportivo;
4. Que todos os artigos e publicações acima mencionadas foram resultado de uma atuação individual e persecutória da pessoa do 2º Requerente, usando a 1ª Requerente, pondo seriamente em causa a honra, a dignidade, o bom nome, a consideração e a personalidade deste, fazendo crer ao público em geral que está envolvido em graves ilícitos criminais;
5. Que tais sucessivas notícias têm sido nefastas para os Requerentes, com graves consequências;
6. Que já não é a primeira vez que o 2º Requerente entra em determinados locais públicos e é olhado de lado pelas pessoas em geral, e não raras vezes, também, tecem vários comentários desagradáveis a seu respeito, o que o obriga a retrair-se e sair pouco de casa, limitando assim o Requerido, de forma completamente ilegal e anormal, a atuação do 2º Requerente e a sua liberdade em geral;
7. Que a 1ª Requerente, que é uma reconhecida sociedade gestora de fundos de capitais de risco, tem também vindo a ser questionada acerca destas publicações, e confrontada com o desconforto e desconfiança dos investidores nos fundos de capitais de risco, o que tem assumido gravíssimas repercussões no mercado em que opera;
8. Que o 2º Requerente está cada vez mais fragilizado psíquica e emocionalmente e que será ainda mais devassado pessoal e profissionalmente se o Requerido mantiver as publicações;
9. Que o 2º Requerente é um empresário que trabalha tal como qualquer outro cidadão, e sempre pautou a sua vida pessoal e profissional com transparência e sobretudo discrição, e que a 1ª Requerente é uma sociedade que tem por objeto estão de fundos de capital de risco, cujo mercado em que atua exige uma confiança inabalável na própria e nas pessoas que a administram, o que resulta gravemente afetado com as publicações falsas, alegações e rumores que o Requerido propositadamente propaga;
10. Que o 2º Requerente, desde a primeira publicação do Requerido, tem recebido, em comentários a si dirigidos às referidas publicações, dezenas de insultos e ameaças, não só contra a si, mas também aos seus familiares, e tem receio de sair à rua e de frequentar locais públicos por temer represálias;
11. Que o 2º Requerente tem a sua vida completamente devassada, e, a manter-se tal situação, teme ainda mais pelas consequências que lhe poderão trazera todos os níveis, física, pessoal e profissionalmente;
12. Que o 2º Requerente se sente envergonhado, receoso, e sabe que a dor e a vergonha perdurarão durante vários meses, temendo ser difícil reerguer-se, pessoal e profissionalmente, sendo sabido que na opinião pública já está condenado;
13. Que os Requerentes temem ainda pela possibilidade de perda dos investidores, contratos e parceiros, uma vez que, alertados para tal teor difamatório, estão naturalmente alarmados e receosos;
14. Que o Requerido era crítico da anterior direção do clube presidida por CC, sendo assim visto e considerado pelos associados do A... que acompanhavam o que o Requerido ia discorrendo sobre o clube;
15. Que o Requerido apoiou publica e ativamente a candidatura de EE à presidência do A...;
16. Que o 2º Requerente integrou a lista de CC como Vice-Presidente com o pelouro financeiro;
17. Que o Requerido passou a comentador residente às segundas feiras no programa da D... designado “...” a partir de abril de 2024 e colunista da revista Sábado a partir de 19/7/2024;
18. Que a própria conta oficial (nas redes sociais) da candidatura de CC às eleições do A... (conta ..), num post de 27/4/2024, agradeceu a AA e a outros 5 membros da lista daquele candidato o facto de terem desenhado um programa de renovação sustentável e vitorioso;
19. Que aquilo que o Requerido escreveu se deveu ao facto de o mesmo saber que CC se encontrava gravemente doente, tudo indicando que, por motivos de saúde, não seria capaz de cumprir e levar o mandato até ao fim no caso de sair vitorioso das eleições;
20. Que sendo o 2º Requerente um dos seis Vice-Presidentes da lista de CC e a 1ª Requerente, detida maioritariamente por aquele, afigurava-se muito plausível aos olhos do Requerido que a Presidência da Direção do A... viesse, no decorrer do próximo mandato, a “cair no colo” de 2º Requerente sem que este tivesse sido eleito diretamente pelos sócios;
21. Que uma entrevista de CC à K... reforçou a convicção do Requerido de que o 1º Requerente havia estado presente nas negociações entre as partes e participado ativamente nas mesmas, até porque o mesmo iria ser o Administrador da SAD do A... com o pelouro financeiro;
22. Que o 2º Requerente assumiu um protagonismo na candidatura de CC muito superior ao do próprio candidato;
23. Que o 2º Requerente, no período pré eleitoral, deu uma entrevista televisiva à L... e três extensas entrevistas ao Jornal 1... (16/1/2024), Jornal ... (20/3/2024) e Jornal 2... (24/4/2024), enquanto CC deu apenas uma entrevista televisiva à K... no dia 1/4/2024;
24. Que a afirmação do Requerido de que o 2º Requerente até já redigia comunicados à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) em nome da SAD do A..., se sustentou em afirmações produzidas por CC em 2/4/2024 numa sessão de campanha eleitoral em Santa Maria da Feira, onde este último afirmou “A suspensão foi por coisas que disse ontem na K... e querem saber exatamente o que é. O senhor AA respondeu sem que haja qualquer dúvida ou problema”;
25. Que a afirmação do Requerido de que o 2º Requerente havia montado o fundo que financiava o A... a taxas muito elevadas e que estaria na base da reestruturação financeira do A... assentava em declarações produzidas pelo próprio 2º Requerente, por CC, GG, EE e notícias veiculadas pela imprensa e prospetos da 1ª Requerente: começando pelo 2º Requerente, no dia 2/3/2024, aquando a apresentação dos Eixos Estratégicos da candidatura de CC para o mandato 2024 – 2028, o mesmo afirmou: “Queremos e vamos, num prazo de dois anos, estabilizar a situação financeira do clube. Vamos refinanciar o passivo através de um instrumento financeiro de 250 M€”; no dia seguinte, GG, nome escolhido por EE para ser o Administrador Financeiro da SAD do A..., a respeito deste alegado financiamento, referiu o seguinte: “Parece existir alguma coincidência com um fundo que está em fase de subscrição relacionado com a C... que se destina a financiar entidades desportivas com contrapartes típicas de uma SAD, como operadores de telecomunicações, entidades ligadas ao setor food & beverage e inclusivamente o fundo ..., muito ativo na transação de passes de jogadores”; já CC, na entrevista concedida à K... em 1/4/2024, dissipou eventuais dúvidas sobre a entidade que estaria por trás dessa reestruturação financeira do A...; por sua vez EE, numa entrevista concedida à M... em 15/4/2024, a respeito desta matéria, afirmou o seguinte: Jornalista -“O Porto pode deixar de ser dos sócios, há esse risco? Eu creio que o ouvi dizer que não era impossível o fundo C... ligado a AA da candidatura de CC vir a ser dono do A.... Estamos a falar de um eventual incumprimento do clube que possa conduzir a isso? EE - Sim, o que nos alertou foi sobretudo um prospeto que estava presente no website do fundo C... onde estavam a ser dados como colaterais receitas do A.... Portanto, o fundo C... queria levantar 250-300 Milhões de euros e no seu prospeto dava indicadores claros e nítidos de receitas do A.... Curiosamente esse prospeto mudou muito recentemente e onde apareciam logos da UEFA, do fundo ..., ou seja, transferência do II para a ..., onde apareciam logos dos operadores e onde aparecia o logo da H... e aqui estamos a falar da antecipação de receitas da H... que foi feita com a B..., também precisamente detida pelo fundo C... ou em parte pelo fundo C..., portanto quando nós vimos a presença destas colaterais, destas receitas colaterais relacionadas com o A..., ficou claro que este financiamento, este levantamento de capital que pretendia a candidatura do Presidente CC na ordem de 250 a 300 Milhões de euros, pudesse ter a ver com este fundo levantar este capital. Isto ficou ainda mais claro e presente quando nesse fundo fazem parte não só AA como também KK que mais tarde viria a ser apresentado como CFO do A.... Nós continuamos a ver muitos sinais presentes da influência deste fundo, não só também com a presença de LL recentemente no camarote de MM no jogo A... - N.... Portanto, tudo roda sempre à volta das mesmas pessoas”;
26. Que quando o Requerido, em fevereiro de 2024, extraiu do website da 1ª Requerente o seu prospeto informativo que explicava o que era o fundo ..., em que consistia o seu investimento, que montante pretendia levantar junto de investidores, quais as entidades que a 1ª Requerente ia adquirir os direitos de recebimentos sobre pagamentos futuros e que seriam, para todos os efeitos, os garantes dos créditos da 1ª Requerente, que taxa de retorno oferecia aos investidores, etc., constatou que o mesmo não só continha a informação que se encontra descrita nas palavras supra citadas de EE, como também a identificação das pessoas que constituíam a sua equipa de gestão, sendo elas AA, LL e KK;
27. Que um mês mais tarde, e já após a C... ser associada no espaço público a AA e aos financiamentos da B... e destes 250 Milhões de Euros ao A..., a 1ª Requerente alterou o seu prospeto, fazendo “desaparecer” KK da equipa de gestão e eliminando as entidades sobre as quais a C... ia adquirir os direitos de recebimentos sobre pagamentos futuros por efeito da antecipação dos mesmos ao A..., entre as quais se encontrava, entre outros, a O..., a Uefa, a H... e o Fundo ... responsável pelo pagamento da transferência de II para o P...;
28. Que, em ambos os prospectos a C... dava conta que a taxa de retorno dos investidores correspondia à taxa anual bruta de 7,5%, informando ainda a C... que a sociedade gestora receberia uma taxa de gestão anual de 1,5% sobre o capital total subscrito e realizado;
29. Que desta informação decorria a conclusão óbvia que o financiamento da C... ao A... andaria sempre acima da taxa de 9% de juros, sendo que, com base em notícias veiculadas recentemente por toda a imprensa portuguesa, se sabe hoje que essa taxa seria de 13%;
30. Que, ainda de acordo com as mesmas notícias, até hoje não desmentidas nem pela 1ª Requerente, nem pelo 2º Requerente, a C... cobrava ao A... taxas de juro de 13% mas financiava-se a 7,5%, sendo que o negócio só não avançou antes das eleições porque AA não teve sucesso na busca pelos investidores.
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III- O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão que vem colocada no recurso prende-se com: a)- saber se a decisão recorrida padece das nulidades que lhe vêm assacadas.
Começam os apelantes por alegar que na sentença se afirma expressamente ter sido prestado depoimento por “NN–empresário”, referindo que este “reconhece ao Requerido participação ativa nas assembleias gerais do A...” quando, conforme resulta de forma inequívoca da ata da audiência final, o requerido prescindiu da inquirição dessa testemunha, razão pela qual a mesma não foi ouvida, nem prestou qualquer depoimento em sede de julgamento, padecendo, assim a decisão da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil.
Acontece que, como se evidencia do despacho prolatado sobre a admissão do recurso interposto, o tribunal recorrido aí se pronunciou sobre a nulidade arguida nos seguintes termos: “Por força do disposto no artigo 617º, nº 1 do Código de Processo Civil, profere-se despacho quanto ao objeto da reclamação de nulidade da sentença: Assim e quanto ao primeiro fundamento invocado pelos Requerentes, assiste-lhes razão, em parte. Constata-se que, por manifesto lapso, resultante do uso de processador de texto e do qual nos penitenciamos, consignou-se na sentença o seguinte segmento (na página 17): “NN–empresário. Reconhece ao Requerido participação ativa nas assembleias gerais do A...”. Onde se lê “NN”, todavia, deve antes ler-se “OO”. Nessa medida e ao abrigo do disposto no artigo 614º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, determino a retificação da página 17 da sentença proferida, substituindo-se o nome da apontada testemunha”.
Como assim, tendo sido corrigido o lapso e os apelantes notificados dessa decisão, nada requereram nos termos estatuídos no artigo 617.º, nºs 2 e 3 do CPCivil, razão pela qual, se nulidade havia a mesma ficou sanada.
Ainda assim sempre se dirá que o depoimento testemunhal em questão foi prestado em audiência, apenas o tribunal recorrido identificou erradamente a testemunha que o prestou na sentença.
Não se pode dizer, por isso, que a decisão assenta em meio de prova que não foi produzido, como invocaram os Requerentes.
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Na conclusão C) alegam os apelantes que a decisão padece de nulidades processuais, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, do CPCivil por não se pronunciar sobre o nexo de causalidade entre as publicações e os danos invocados e apresentar fundamentação deficiente, contraditória e desconectada quanto à veracidade das imputações em causa, relevante para os efeitos do artigo 607.º, do Código de Processo Civil, ao omitir a apreciação crítica da prova produzida, ao desvalorizar declarações coerentes, circunstanciadas e não contrariadas.
O assim vertido não prima pela clareza, pois que, não se indica de que nulidades em concreto padece a decisão recorrida por referência às várias alíneas do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil.
Ainda assim e num esforço de compreensão e servindo-nos daquilo que consta do corpo alegatório, parece-nos estar em causa a al. b) do citado inciso.[1]
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas nas várias alíneas do no nº 1 do artigo 615.º do CPCivil.
Nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 615.º a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Todavia, salvo o devido respeito, existe por parte dos recorrentes alguma confusão na invocação deste vício.
Com efeito uma coisa é falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, outra coisa é nulidade da sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [al. b) do citado artigo 615.º].
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artigo 607.º, nº 3 que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.[2]
Ora, para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e os não coloque na base da decisão[3], coisa que, manifestamente, no caso em apreço não acontece, pois que, o Sr. Juiz, como o evidência a sentença recorrida, aí descriminou os factos que resultaram provados e não provados e aí indicou, interpretou e aplicou as normas jurídicas correspondentes.
Portanto, ao contrário do que afirmam os recorrentes, a sentença recorrida não enferma da nulidade que lhe vem assacada e constante da alínea b) do nº 1 do artigo 615.º
Todavia, diferente deste vício, é a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto.
Como estatui o artigo 607.º, nº 4
“1. (…)
2. (…)
3. (…)
4. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 (…)
6 (…)”
Resulta deste normativo que a motivação não pode nem deve ser meramente formal, tabelar ou formatada, antes devendo expressar as verdadeiras razões que conduziram à decisão no culminar da audiência de discussão e julgamento.
O juízo probatório é a decisão judicativa pela qual se julgam provados ou não provados os factos relevantes, controvertidos e carecidos de prova, mediante a livre valoração dos meios probatórios apresentados pelas partes ou determinados oficiosamente.
Como refere Teixeira de Sousa “o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente”.[4]
Anote-se ainda o que dizLebre de Freitas, para quem “o tribunal deve, por exemplo, explicitar porque acreditou em determinada testemunha e não em outra, porque se afastou das conclusões dum relatório pericial para se aproximar das de outro, por que razão o depoimento de uma testemunha com qualificações técnicas o convenceu mais do que um relatório pericial divergente ou por que é que, não obstante vários depoimentos produzidos sobre certo facto, não se convenceu de que ele se tivesse realmente verificado”[5].
Ou o que, também a este respeito, escreve Lopes do Rego quando refere que o juiz deve proceder à indicação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, com especificação dos meios de prova e das razões ou motivos substanciais por que relevaram ou obtiveram credibilidade.[6]
Neste contexto, impondo-se, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, que se estabeleça o fio condutor entre os meios de prova usados na aquisição da convicção (fundamentos) e a decisão da matéria de facto (resultado), fazendo a apreciação crítica daqueles, nos seus aspectos mais relevantes, a decisão encontrar-se-á viciada quando não forem observadas as regras contidas no artigo 607.º, nº 3.[7]
Todavia, apesar do juiz dever efetuar o exame crítico das provas respetivas não é falta de tal exame que basta para preencher a nulidade prevista na al. b) do artigo 615.º, essa só se verifica nos termos atrás referidos.
Por sua vez a falta de motivação no julgamento da matéria de facto determina a remessa do processo ao tribunal da 1ª instância, nas circunstâncias previstas no artigo 662.º, nº 2 al. d) ou a anulação do julgamento, ao abrigo da alínea c) do mesmo normativo, ou seja, o vício também não gera, por isso, a nulidade da decisão.
Não obstante, não se poderá dizer que, ao contrário do que defendem os apelantes, a decisão exarada pelo tribunal recorrido, sobre o julgamento da matéria de facto, não esteja fundamentada e que a mesma não tenha feito a análise crítica da prova.
De facto, basta lê-la para ver que assim não é.
Com efeito, o tribunal recorrido depois de ter enumerado os meios de prova que valorou, documental e testemunhal, fez a sua análise crítica.
Pode dessa análise discordar-se, não pode é dizer que ela está ausente da decisão recorrida.
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A segunda questão que vem colocada no recurso prende-se com: b)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Cumpre apreciar e decidir se se mostram observados os ónus impostos pelo artigo 640º do Código de Processo Civil.
Dispõe o nº 1 do artigo 639º do Código de Processo Civil que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Nos termos do artigo 640º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a. Os concretos pontos de factos que considera incorretamente julgados;
b. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Ensina António Abrantes Geraldes[8] que o sistema atual de apelação que envolva a impugnação sobre a matéria de facto exige ao impugnante, o seguinte:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) O recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considera oportunos; (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos e pendor genérico e inconsequente; (…)”.
Na nota 8 ao artigo 640º do Código de Processo Civil, referem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[9], “É objeto de debate saber se os requisitos do ónus impugnatório devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena de rejeição do recurso. O Supremo tem vindo a sedimentar como predominante o entendimento de que as conclusões não têm de reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por razões de objetividade e de certeza, com os concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação”.
António Abrantes Geraldes [10] “sintetiz[a], da seguinte forma o sistema que vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto: a) Em qualquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”.
E decorrente da imposição de tais ónus, tendo hoje a consolidar-se e a tornar-se pacífico o entendimento de que a rejeição do recurso que impugna a decisão sobre matéria de facto só se justifica verificada alguma destas situações:
- falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [artigos 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b), de CPCivil];
- falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados [artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPCivil], pela importante função delimitadora do objeto do recurso que essa especificação desempenha;[11]
- falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados;
- falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
- falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.[12]
A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui um elemento determinante na definição do objeto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso.
O reexame da matéria de facto é, necessariamente, segmentado, tem em vista a correção de pontuais erros de julgamento.
Estes ónus de especificação que a lei processual civil (em especial o artigo 640.º, n.º 1, do CPCivil) põe a cargo do recorrente decorrem dos princípios, também eles considerados estruturantes do processo civil, da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais.[13]
É justamente por isto que se vem entendendo–entendimento este consolidado no AUJ deste Supremo, de 17/10/2023, proferido no processo 8344/17.6T8STB.E1-A.S1–que o recorrente não tem que reproduzir exaustivamente nas conclusões da alegação de recurso o alegado no corpo da alegação, bastando que, nas conclusões, respeite o art. 639.º/1 do CPC, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados; desde que, como é evidente, previamente, no corpo da alegação, haja cumprido os demais ónus, especificando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa e deixe expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida.
Como decorre das conclusões que acima se reproduziram, os apelantes não cumpriram o ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto de recurso quanto à impugnação da matéria de facto, mais exatamente, não referem, nas suas conclusões, quais os concretos pontos de facto que consideram erradamente julgados, ou mesmo, quais, para além daqueles que constam da fundamentação factual, o tribunal recorrido devia também ter considerado provados.
Com efeito limitam-se, sob este conspecto, a fazer um conjunto de afirmações sobre a valoração da prova feita pelo tribunal recorrido, mas sem nunca fazer qualquer referência aos concretos pontos, quer da resenha dos factos provados quer dos não provados, que consideram incorretamente julgados.
Como assim, atentas as razões e fundamentos acima referidos, é nosso entendimento não ser possível a este Tribunal Superior conhecer do recurso dos apelantes quanto à impugnação da matéria de facto apurada no tribunal a quo (em virtude de, alegadamente, ter sido incorretamente valorada a prova documental e testemunhal produzida nos autos).
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Refere António Abrantes Geraldes[14], “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: (…)b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados;”, não existindo, “quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento. Resultado que é comprovado pelo teor do art.º 652º, nº1, al. a), na medida em que limita os poderes do relator ao despacho de aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do nº3 do artigo 639º”.
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Pelo exposto, não se mostrando cumprido, pela apelante, o ónus imposto pela alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, rejeita-se o recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto.
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Aqui chegados e permanecendo inalterada a decisão da matéria de facto a última questão que importa apreciar e decidir prende com: c)- saber se a sua subsunção jurídica se mostra ou não corretamente efetuada.
Importa, porém, sublinhar que a referida análise será feita apenas em função da fundamentação factual que nos autos se mostra assente.
Como se evidencia da decisão recorrida aí se propendeu para o entendimento de que nenhum dos requisitos exigidos para o decretamento da presente providência se verificava no caso concreto.
Deste entendimento dissentem os apelantes alegando que o fumus boni iuris está inequivocamente demonstrado, à luz da prova produzida, da coerência dos depoimentos e da ausência de justificação factual para as imputações difundidas e que o periculum in mora decorre do risco sério e atual de agravamento da lesão reputacional, de difícil reversibilidade e de natureza continuada, justificador de tutela imediata e eficaz. Quid iuris?
Preceitua o n.º 1 do art.º 362.º do CPCivil que “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”.
Por outro lado, o n.º 1, do art.º 368.º, do mesmo Código, complementa que “a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”.
Como diz Abílio Neto[15] “o decretamento de uma providência cautelar não especificada depende da concorrência dos seguintes requisitos: (a) que muito provavelmente exista o direito tido por ameaçado-objecto de acção declarativa-, ou que venha a emergir de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor; (b) que haja fundado receio de que outrem antes de proferida decisão de mérito, ou porque a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito; (c) que ao caso não convenha nenhuma das providências tipificadas nos arts. 393º a 427º do CPC; (d) que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado; (e) que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar”.
Como se sabe a providência cautelar não especificada visa a tutela provisória de um direito ameaçado, sendo instrumental de um processo principal instaurado ou a instaurar-cf. art.º 364.º do CPCivil.
Afirma Alberto dos Reis[16] que “A providência cautelar surge como antecipação e preparação duma providência ulterior: prepara o terreno e abre caminho para uma providência final. A providência cautelar, nota Calamendrei, não é um fim, mas um meio; não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente, esta destinada à actuação do direito material. Portanto, a providência cautelar é posta ao serviço duma outra providência, que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa. Este nexo entre a providência cautelar e a providência final pode exprimir-se assim: aquela tem carácter provisório, esta tem carácter definitivo”.
No que diz respeito à apreciação do requisito da titularidade do direito, a lei contenta-se com a emissão de um juízo de probabilidade ou verosimilhança, exigindo, todavia, que tal probabilidade seja justa e séria.[17]
Já no que concerne ao segundo requisito suprarreferido, o do fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, pressupõe a providência que aquele que a solicita se encontre perante meras ameaças. Se a lesão já está consumada, a providência não tem razão de ser, por falta de função útil, porque não há que evitar ou acautelar um prejuízo se este já se produziu, a não ser que a violação cometida seja o prelúdio de outras violações, que se mantenham actuais.[18]
Por outro lado, a violação receada não será qualquer uma, mas aquela que "modificando o estado actual, possa frustrar ou dificultar muito a efectividade do direito de uma parte. Para justificar o fundado receio de lesão grave e de difícil reparação não basta um acto qualquer, mas sim aquele que é capaz de exercer uma dificuldade notável, importante para o exercício do direito".[19]
Ou seja, não basta, para o deferimento da providência, que se conclua pela possibilidade de o requerente poder vir a sofrer um qualquer dano. Tal dano tem de revestir uma gravidade assinalável, ser penoso e importante de tal forma que a sua reparação posterior seja inviável ou mesmo meramente difícil.
Este último requisito há-de aferir-se já não através de um juízo de mera probabilidade (como o da verificação da aparência do direito) mas sim através de um juízo de realidade ou de certeza.
Em suma, o que está em causa, em última análise, é obviar-se ao "periculum in mora".
Portanto, a providência cautelar, porque não constitui um meio para se criarem ou definirem direitos, não deve ser encarada como uma antecipação da decisão final a proferir na acção principal e da qual dependente, apenas se justificando para se acautelar o direito invocado no sentido de evitar, durante a pendência da acção principal, a produção de danos graves e dificilmente reparáveis.
Postas estas breves considerações, revertamos ao caso em apreço.
É de meridiana clareza que o tribunal recorrido não fundamentou de forma cabal, como devia, a inverificação dos apontados requisitos para o decretamento da providência impetrada.
Atentemos.
Dúvidas não existem de que estamos perante uma providência de natureza excecional, devendo o julgador ponderar cuidadosamente a colisão de direitos fundamentais quando estejam em confronto o direito ao bom nome e reputação (art.º 26.º, n.º 1, CRP e art.º 70.º CCivil) e a liberdade de expressão e informação (art.º 37.º, n.º 1, CRP), como é o que se verifica não caso em apreço.
A jurisprudência constitucional e ordinária tem reiterado que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática, abrangendo não só as ideias aceites ou inofensivas, mas também as que chocam, ofendem ou inquietam.
Assim, figuras públicas ou com intervenção na vida pública, como o Requerente AA, empresário e interveniente ativo no universo do A... (A...), estão sujeitas a maior grau de escrutínio e crítica, sendo o limite da crítica admissível mais amplo do que para o comum dos cidadãos, razão pela qual, a intervenção judicial apenas se justifica quando o exercício da liberdade de expressão ultrapasse os limites da veracidade factual, da proporcionalidade e da relevância pública, configurando ofensa gratuita ou difamação dolosa.
O requerente alega que as publicações do requerido, feitas na rede social X (Twitter) entre fevereiro e novembro de 2024, atentam contra o seu bom nome, ao insinuar conflitos de interesses e lucros pessoais decorrentes do financiamento ao A....
Porém, da factualidade provada resulta que:
- As informações sobre o financiamento da B... ao A... constavam oficialmente do Relatório & Contas do 1.º semestre de 2023/2024 da SAD do A...;
- A qualidade de gerente e acionista de AA e da C... era pública e verificável em registos oficiais (... e certidões comerciais);
O próprio AA assumiu publicamente o financiamento em declarações à imprensa, qualificando-o de “operação transparente e em condições de mercado”.
Por outo lado, das publicações constantes dos factos provados resulta que o Requerido:
- Referiu a existência de financiamento ao A... através da sociedade B..., da qual AA era gerente e detentor de participação;
- Referiu que a B... era detida pela C..., onde o Requerente exercia funções de administrador e fundador;
- Teceu juízos de valor e críticas quanto à eventual falta de transparência e conflito de interesses na relação entre o Requerente e o A...;
- Recorreu a expressões opinativas e metafóricas, como “viva a transparência, viva o ... livre e desinteressado”, “quando não se tem vergonha, todo o mundo é seu”, “montou o fundo que já financia o A... a taxas pornográficas” ou “CC está refém de AA”.
Assim, as afirmações do requerido basearam-se em factos públicos, verdadeiros e já divulgados pelo próprio interessado, limitando-se a acrescentar apreciações valorativas e juízos críticos sobre eventuais conflitos de interesse.
Estes juízos, ainda que contundentes, inserem-se no âmbito do debate público e político-desportivo, não excedendo os limites da liberdade de expressão.
O exercício da liberdade de expressão não pode ser restringido por meras apreciações subjetivas de ofensa, sendo essencial que se demonstre a falsidade objetiva dos factos imputados ou o intuito de injuriar.
A crítica veemente e até mordaz dirigida a figuras públicas, quando assente em factos verdadeiros e em matéria de interesse geral, não constitui ilícito lesivo do direito à honra.
Para além disso, as publicações ocorreram em contexto eleitoral interno do A..., assunto de grande relevância mediática e institucional.
O Requerido, sócio do clube e comentador reconhecido, expressou opiniões críticas sobre a gestão e os financiamentos, matéria indubitavelmente de interesse público.
O debate político-desportivo e institucional admite um tom crítico mais severo, desde que assente em factos com base mínima de veracidade, o que aqui se verifica
Logo, não se provou a falsidade das imputações, mas sim o exercício do direito de crítica sobre factos verdadeiros e de interesse público, ou seja, a conduta do requerido encontra respaldo no direito constitucional de expressão e crítica pública, o que afasta o requisito de “fumus boni iuris”.
*
Analisemos agora, o requisito do “periculum in mora”.
Este requisito exige a demonstração de um risco atual e concreto de dano grave e irreparável, que a demora do processo principal tornaria ineficaz.
Não basta, pois, alegar genericamente que “a reputação foi atingida”.
Ora, na factualidade dada como provada, não resulta:
- Que o requerente tenha perdido contratos, clientes ou oportunidades de investimento em virtude das publicações;
- Que tenha ocorrido desvalorização reputacional mensurável ou quebra de confiança junto de parceiros institucionais;
Que o requerido tenha dado continuidade ou reiterado as publicações após a contestação pública;
- Nem que exista risco iminente de novas difusões com potencial de agravar a alegada lesão.
Pelo contrário:
As publicações são anteriores à propositura da providência (fevereiro a novembro de 2024), tendo as mais relevantes sido absorvidas no debate eleitoral do A..., ocorrido a 27 de abril de 2024.
O requerente reagiu publicamente com entrevistas e comunicados, exercendo o seu direito de resposta e restaurando o equilíbrio reputacional.
A sua posição pública enquanto empresário e dirigente de capital de risco não sofreu consequências negativas que estejam provados nos autos.
O perigo de lesão grave e dificilmente reparável não se presume; compete ao requerente alegar e provar factos concretos que revelem a iminência de dano irreversível.
A mera publicação de textos críticos ou polémicos, sem reflexos demonstrados na esfera patrimonial ou pessoal do requerente, não caracteriza o “periculum in mora.”
Do ponto de vista da proporcionalidade, mesmo que houvesse ofensa moral, ela seria plenamente reparável em sede indemnizatória (art.ºs 483.º e ss. do Código Civil), inexistindo justificação para uma tutela urgente e restritiva da liberdade de expressão.
A mera alegação de dano à reputação, sem demonstração de impacto efetivo e atual, não basta para justificar restrições à liberdade de imprensa.
Logo, o “periculum in mora” não se encontra demonstrado nem caraterizado, pois não há perigo atual nem dano irreparável, mas apenas desconforto pessoal ou reputacional inerente ao debate público.
Para além disso, a providência pretendida implicaria a remoção de publicações ou proibição de novas expressões sobre o tema, equivalendo a uma restrição prévia da liberdade de expressão, proibida pelo artigo 37.º, n.º 2 da CRP e artigo 10º da Convenção Universal dos Direitos do Homem, ou seja, a providência requerida teria natureza censória.
Mesmo admitindo alguma agressividade verbal, as expressões utilizadas não configuram insulto gratuito nem visam humilhar pessoalmente os apelantes, mas antes criticar a sua atuação enquanto agentes económicos e intervenientes na vida do clube, isto é, a providência cautelar seria manifestamente desproporcionada, uma vez que:
- Interferiria com o debate público e jornalístico sobre a governação do A...;
- Afetaria o direito do requerido de expressar opiniões críticas sobre um tema de interesse coletivo.[20]
*
Da análise conjunta da fundamentação factual e da sua subsunção ao direito aplicável resulta que:
- As publicações do Requerido assentam em factos verídicos e publicamente verificáveis, traduzindo o exercício legítimo da liberdade de expressão e de opinião;
- O Requerente, figura pública e interveniente no universo do A..., está sujeito a maior tolerância crítica;
- Não se demonstrou qualquer perigo de lesão grave e irreparável;
- A providência requerida teria efeito censório, violando o princípio constitucional da proibição de censura prévia.
*
Por último e quanto à verificação dos apontados requisitos os apelantes, limitaram-se a alegar que o fumus boni iuris está inequivocamente demonstrado, à luz da prova produzida, da coerência dos depoimentos e da ausência de justificação factual para as imputações difundidas e que o periculum in mora decorre do risco sério e atual de agravamento da lesão reputacional, de difícil reversibilidade e de natureza continuada, justificador de tutela imediata e eficaz.
Acontece que tais afirmações/conclusões desgarradas de qualquer suporte factual são de todo inócuas para dar como preenchida e factie species do citado artigo 362.º do CPCivil.
*
Diante do exposto nada temos a censurar ao tribunal recorrido quando indeferiu a providência cautelar não especificada, por não se verificarem os pressupostos legais exigidos pelo artigo 362.º do CPC, sendo prevalecente o direito fundamental à liberdade de expressão.
*
E contra isso não se argumente que a sentença recorrida, ao negar a tutela contenciosa com base em critérios errados, insuficiências analíticas e desvalorização da prova, compromete a função garantística da justiça cautelar e viola o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa.
O artigo 20.º da CRPortuguesa é uma norma-princípio estruturante do Estado de Direito democrático que reconhece vários direitos conexos que são todos eles componentes de um direito geral à proteção jurídica: a garantia do acesso ao direito e aos tribunais (n.º 1), que congloba o direito ao patrocínio judiciário, enquanto direito de os particulares serem técnico-juridicamente aconselhados em vista a obterem uma cabal defesa das suas posições jurídico-substantivas (n.º 2); o direito ao processo equitativo, que envolve, entre outras vertentes, a aplicação do princípio da igualdade de armas ou de igualdade substantiva das partes no processo, do princípio da proibição da indefesa e do princípio do contraditório (n.º 4); e o direito à tutela jurisdicional efetiva, que postula a possibilidade de recurso a tipos de ações que assegurem a efetividade da proteção de direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (de que constitui mera decorrência o princípio pro actione) (n.º 5).
Acontece que, a definição dos meios de tutela jurisdicional desses direitos e interesses, daquilo que são as suas regras de tramitação, os poderes e os ónus que recaem sobre as partes e poderes do julgador, carecem de consagração e concretização legal, não resultando dos direitos em referência a atribuição aos cidadãos de um direito a livremente poderem socorrer-se de todo e qualquer meio processual que considerem adequado para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, nem que estejam isentos ou desonerados do respeito de regras contendo deveres e ónus/faculdades processuais e/ou das consequências que derivem do seu incumprimento ou da sujeição às decorrências resultantes dos comportamentos desenvolvidos no ou fazendo uso de ónus/faculdades.
Na verdade, o legislador, atendendo a outros bens e valores jurídicos que importa que sejam igualmente considerados, procede à definição dos meios ao dispor dos cidadãos para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, disciplina as suas regras e pressupostos, institui deveres, poderes e ónus para as partes, cientes de que o direito a um processo equitativo só se considera violado quando for impossível o estabelecimento de uma relação mínima de equilíbrio ou proporção entre a justificação da exigência processual em causa e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento de tal exigência.
No caso vertente inexiste uma qualquer ofensa aos comandos constitucionais em crise e aos direitos/princípio convocados nele insertos, porquanto aos apelantes se mostrou e mostra assegurada em pleno, com a dedução da ação e exercício na mesma dos seus direitos e faculdades, do seu direito à tutela jurisdicional efetiva.
Com efeito, os recorrentes situam a violação do citado princípio na circunstância de o tribunal recorrido não ter valorado, como devia, a prova direta produzida em sede de julgamento.
Acontece que, os apelantes parecem olvidar o princípio da livre apreciação da prova que o legislador ordinário plasmou no artigo 607.º, nº 5 do CPCivil.
Ao consagrar o princípio da livre apreciação da prova a lei elege como princípio norteador que o julgador não se encontra sujeito às regras rígidas da prova tarifada.
Evidentemente, que isso não quer dizer que a atividade de valoração da prova seja arbitrária, mas antes vinculada à busca da verdade e limitada pelas regras da experiência comum e pelas restrições legais.
No entanto, tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, que terá-e deverá-encontrar fundamento na fundamentação lógica e racional, e por isso, escrutinável pelas partes e pelo tribunal “ad quem”.
Assim sendo, tendo o tribunal recorrido valorada a prova no sentido que plasmou na sua motivação, como dizer que houve violação do citado princípio constitucional?
Os apelantes podiam, como o fizeram, mas mal, nesta instância impugnar a decisão da matéria de facto estribada na circunstância de que houve erro valoração da prova, o que não pode é dizer que, sob esse conspecto, existiu violação do princípio constitucional do processo equitativo.
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Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pelos apelantes e, com elas, o respetivo recurso.
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IV-DECISÃO Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em improcedente a apelação e consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelos apelantes (artigo 527.º, nº do C.P.Civil).
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Porto, 10/11/2025
Manuel Domingos Fernandes
Ana Paula Amorim
José Nuno Duarte
________________ [1] Com efeito, no corpo alegatório refere-se expressamente: “A ausência de qualquer análise expressa sobre este elemento essencial configura, por si só, fundamentação deficiente e insuficiente (art. 607.º, n.º 3 e 4 do CPC), comprometendo a validade da sentença e impedindo o Tribunal superior de exercer plenamente o controlo da decisão recorrida. A causalidade entre a conduta do Requerido e os efeitos lesivos, foi, aliás, afirmada direta ou indiretamente pelas testemunhas, e não foi contrariada por nenhum elemento dos autos. A sentença, ao ignorar este ponto essencial, fragiliza irremediavelmente a conclusão de inexistência de fumus boni iuris. Se a sentença nada refere sobre a existência (ou não) de nexo de causalidade entre as publicações e os danos, então omite a análise de um dos pressupostos essenciais da responsabilidade civil e/ou da própria verificação do fumus boni iuris, acometendo a sentença de nulidade por falta de fundamentação – artigos 607.º e 615.º, do Código de Processo Civil”. [2] Neste sentido, ver Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, 140 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 669. [3] Cf. Antunes Varela, obra citada pág. 670. [4] Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 348. [5] CPC Anot., vol. II, pág. 628. [6] Comentários ao C.P.Civil, pág. 434. [7] Cf. Lebre de Freitas, CPC Anot., vol. II, pág. 628. [8] António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil”, Almedina, 7ª ed. atualizada, págs. 197 e 198. [9] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, vol. I, 3ª edição, pág. 832. [10] António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil”, Almedina, 7ª ed. atualizada, págs. 197 e 198. [11] Assim, por mais recente, o Ac. STJ de 16/11/2023- Processo n.º 31206/15.7T8LSB.E1.S1 [12] Cf. Abrantes Geraldes, ob. cit., na nota 8, págs. 169-169. [13] Neste sentido, a título exemplificativo, podem citar-se, além dos já referidos na nota anterior, ainda, os Acs. do STJ de 19.05.2015, relatado pela Sr.ª Juíza Conselheira Maria Teresa Beleza, Ac. STJ de 8.10.2019, relatado pela Sr.ª Juíza Conselheira Maria João Vaz Tomé, Ac. STJ de 13.11.2019, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro António Leones Dantas e, ainda, mais recentemente o Ac. STJ de 15.09.2022, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Fernando Baptista, todos disponíveis in www.dgsi.pt. De facto, como se sumaria neste último Acórdão do STJ de 15.09.2022: “III. Os ónus ínsitos nas als. a) e c) do n.º 1 do artigo 640º do CPC, cuja falta impõe a imediata rejeição do recurso sem necessidade de prévio convite ao recorrente, constituem um ónus primário, o qual deve ser satisfeito, não apenas no corpo das alegações, mas também nas conclusões da alegação. IV. E pela simples razão de que tais ónus têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto”. E como analisou o STJ, na Decisão de 27/9/2023, proferida no Proc. nº2702/15.8T8VNG-C.S1: “Com ampla sedimentação na jurisprudência deste tribunal, no funcionamento dos efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, do CPC, devemos distinguir, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da indicação dos concretos meios probatórios convocados e da decisão a proferir, a que aludem as alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 640º, que integram o denominado ónus primário, atenta a sua função de delimitação do objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. (...)”. No mesmo percurso, salienta o Acórdão do STJ de 19.01.2023 – “Entre os corolários do ónus de delimitação do objeto e de fundamentação concludente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consagrado no n.º 1 do art.º 640.º do CPC, está o de que o recorrente deve sempre indicar nas conclusões do recurso de apelação os concretos pontos de facto que julgou incorretamente julgados”. [14] António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil”, Almedina, 7ª ed. atualizada, págs. 199 e 200. [15] In Código Processo Civil., 13ª ed., pág. 187. [16] Código de Processo Civil Anotado, I Vol. págs. 623. [17] Cfr. L.P. Moitinho de Almeida, “in Providências Cautelares Não Especificadas”, pág. 19 e segs. [18] Cfr. Moitinho de Almeida ob. cit. [19] Cfr. Manuel Rodrigues, " in Processo Preventivo e Conservatório, pág. 67. [20] Veja-se a este propósito o que se afirma no Ac. do STJ de 30/06/2011 consultável em www.dgsi.pt. e que vale a pena transcrever: “2. A Constituição da República Portuguesa tutela, quer o direito à honra, quer o direito à liberdade de expressão e informação. 3. Sem estabelecer hierarquia entre eles. 4. Por força dos artigos 8.º e 16.º, n.º 1 da Lei Fundamental, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem situa-se em plano superior ao das leis ordinárias internas. 5. Esta não tutela, no plano geral, o direito à honra, a ele se reportando apenas como possível integrante das restrições à liberdade de expressão enunciadas no artigo 10.º, n.º 2. 6. O que leva o intérprete a ter seguir o caminho consistente, não em partir da tutela do direito à honra e considerar os casos de eventuais ressalvas, mas em partir do direito à livre expressão e averiguar se têm lugar algumas das excepções deste n.º 2. 7. Este caminho sai reforçado pelo texto da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 8. Na interpretação daquele artigo 10.º é de acatar, pelos tribunais internos, a orientação jurisprudencial que, muito reiteradamente, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vem seguindo e que se caracteriza, no essencial, pelo seguinte: A liberdade de expressão constitui um dos pilares fundamentais do Estado democrático e uma das condições primordiais do seu progresso e, bem assim, do desenvolvimento de cada pessoa; As exceções constantes deste n.º 2 devem ser interpretadas de modo restrito; Tal liberdade abrange, com alguns limites, expressões ou outras manifestações que criticam, chocam, ofendem, exageram ou distorcem a realidade. Os políticos e outras figuras públicas, quer pela sua exposição, quer pela discutibilidade das ideias que professam, quer ainda pelo controle a que devem ser sujeitos, seja pela comunicação social, seja pelo cidadão comum – quanto à comunicação social, o Tribunal vem reiterando mesmo a expressão “cão de guarda” – devem ser mais tolerantes a críticas do que os particulares, devendo ser, concomitantemente, admissível maior grau de intensidade destas; Na aferição dos limites da liberdade de expressão, os Estados dispõem de alguma margem de apreciação, que pode, no entanto, ser sindicada pelo próprio TEDH. 9. Neste quadro–considerando que o autor era Presidente da Câmara, que se tratou de obras públicas e que, nos documentos alusivos a estas obras, se passou da designação de “Obras de Rua ..., recuperação e beneficiação do edifício dos Paços do Concelho” para “Reabilitação do Centro Histórico ..............- Restauro e Renovação do Edifício do Antigo Hospital ...” – ainda é de considerar integradas no círculo de liberdade de imprensa as seguintes expressões, proferidas em entrevista a um jornal local: “O processo antes designado como da “Câmara Municipal ...........” passou, a dada altura, a chamar-se “Hospital ....” Sabe porquê? Porque a União Europeia (UE) não subsidia obras em Câmaras. Quero dizer que, à boa maneira portuguesa, vigarista, para se conseguir subsídios da UE, alterou-se o nome do processo. O Estado português, a CMB, o Arquitecto OO e AA defraudaram a UE em milhares de euros. Isto é uma trafulhice. E se calhar na UE nem sequer sabem o que pagaram”.