I - Prevendo o Regulamento do Condomínio que cada condómino suporta as despesas com conservação e fruição das partes comuns do edifício e o pagamento de serviços de interesse comum na proporção do valor da sua fração, fazer acrescer uma percentagem a suportar pelos proprietários das frações que fazem uso de uma parcela do vão do telhado, como previsto no título constitutivo da propriedade horizontal, não respeita o critério fixado no regulamento e o princípio da proporcionalidade (art.º 1424º/1 CC), sendo inválida.
II - A norma prevista no art.º 1424º/3 CC não pode ser afastada por deliberação dos condóminos.
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I. Relatório
Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum, em que figuram, como:
- AUTORES: AA, contribuinte fiscal n.º ..., divorciado e residente na rua ..., n.º ... - 2º Esq. Frt., ... ...;
BB, contribuinte fiscal n.º ... e CC, contribuinte fiscal n.º ..., casados entre si e residentes na rua ..., n.º ... – 2º Esq. Trás., ... ...;
DD, contribuinte fiscal n.º ... e EE, contribuinte fiscal ..., casados entre si e residentes na rua ..., nº ... -1° Dto, ..., ...;
FF, contribuinte fiscal n.º ... e GG, contribuinte fiscal n.º ..., casados entre si e residentes na rua ..., n.º ... -2° Dto, ... ...;
HH, contribuinte fiscal n.º ... e II, contribuinte fiscal n.º ... casados entre si e residentes na rua ... nº ... -3º Esq., ... ...;
JJ, contribuinte fiscal n.º ... e KK, contribuinte fiscal n.º ..., casados entre si e residentes na rua ..., n.º ..., 2º Esq., ... ...; e
- RÉ: CONDOMÍNIO ..., contribuinte fiscal n.º ... e sede na rua ... n.º ..., ..., ... e ..., ... ..., representado pela A..., Lda., sociedade comercial com o NIPC ... e sede social na Av. ... – Sala ..., ... Matosinhos, representada pelo Administrador LL,
vieram os autores peticionar que se declare inválida a deliberação constante do ponto 2 da ata n.º ..., datada de 05/06/2023, da Assembleia de Condóminos e consequentemente qualquer alteração ao Regulamento de Condomínio.
Alegaram para o efeito que os autores são proprietários e legítimos possuidores das frações autónomas designadas pelas letras “AB”, “AA”, R”, “Z”, “AE”, “X e AL”, com entrada pelos números ..., ... e ... do prédio em propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ... e ..., com o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º .../....
O prédio em apreço é composto por um total de 45 frações autónomas.
Alegaram que adquiriram as suas frações autónomas com o direito de “aproveitamento de vão do telhado delimitado pela área da fração”, conforme consta da escritura de constituição de propriedade horizontal, lavrada em 27/08/1997, ficando individualizado para cada uma das frações autónomas o seguinte: “Faz parte desta fração a área de vão de telhado delimitada pelo limite físico da mesma”.
A final da mencionada escritura pública, concretamente no seu ponto VI do documento complementar, consta “Zonas Comuns às Frações A a AS – cobertura (…)”.
Na Escritura Pública de Constituição de Propriedade Horizontal (P.H.) foi também concretamente delimitado quais as permilagens atribuídas a cada uma das frações autónomas, que para as frações propriedade dos AA. são as seguintes:
Fração Permilagem Condómino
AB 2.6800 AA
AA 2.9000 BB
R 5.7400 DD
Z 2.8700 FF
AE 3.1700 HH
X 2.8400 JJ
Em nenhum momento foi alterada a escritura de P.H., mantendo-se inalteradas as frações autónomas, suas composições e bem assim, as suas permilagens.
Do Regulamento de Condomínio em vigor resulta do seu artigo 3º que “A quota mensal a cargo dos condóminos será fixada anualmente (…) de harmonia com a percentagem de cada fração autónoma, nos termos do artigo 6º deste regulamento”.
Resultando do Artigo 6º/2 – “Todas as despesas, nomeadamente, quotas ordinárias e suplementares, a liquidar por cada condómino terá como base de cálculo, exclusivamente, as permilagens descritas no respetivo documento de propriedade horizontal do edifício (…)”.
Mais alegaram que em Assembleia Geral Extraordinária datada de 05/06/2023, teve na sua ordem de trabalhos, concretamente no ponto 2, “Discussão, deliberação e votação sobre a faculdade do uso dos vãos dos telhados, por algumas frações do edifício e a sua respetiva comparticipação nas despesas correntes e extraordinárias do condomínio”.
Na referida Assembleia de 05/06/2023 estiveram presentes 58,87% do total do edifício.
No ponto 2 da ordem de trabalhos, foi levado à consideração dos presentes “(…) a criação de um montante mensal a acrescer à quota inerente às frações que utilizam o vão do telhado”. Sendo aprovada “(…) por maioria de todos os presentes e representados, com o voto contra das frações: fração AB, fração Z, fração R, fração AL, X, fração AA e com a abstenção das frações B e AE”.
A deliberação foi aprovada no sentido de “(…) as frações que usam os vãos dos telhados paguem mais 25% da quota mensal já aprovada, valor este que acrescerá à quota mensal”. Mais sendo indicado em ata que “Esse valor proposto foi aprovado com base na deliberação já aprovada na Assembleia Geral de Condóminos realização a 26 de novembro de 2005 (…)”.
Os vãos de telhado são zonas comuns, nos termos previstos no Artigo 1418º do Código Civil (C.C.), tendo sido fixado o valor de cada uma das frações autónomas, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio, sendo esse valor determinante na vida do condomínio e das decisões que relativamente a ele precisem de ser tomadas, delimitando, nomeadamente, a participação de cada condómino nos encargos/despesas do condomínio.
Mais alegaram que pelo menos desde 2005 vem sendo levado à discussão e deliberação em Assembleia de Condomínio uma eventual contribuição suplementar por parte dos condóminos que fruem dos vãos de telhado.
Em Assembleia Geral de 26/11/ 2005 foi deliberado aplicar um suplemento de 25% para os condóminos que usam as coberturas, alterando o Regulamento do Condomínio quanto aos seus Artigos 3º e 6º. A deliberação foi aprovada, com um quórum de 44,72% da totalidade do prédio. Foi indicado como critério para aplicação de sobre-quota de 25% que “(…) a área útil de cada um dos sótãos será apenas de cerca de 25% da área da habitação”, sem mais.
A questão foi levantando problemas jurídicos e o Condomínio, cuja Administração se mantém a cargo da mesma empresa, sentiu necessidade de, a expensas de todos os condóminos, solicitar 3 pareceres jurídicos para aferir da validade da cobrança, atendendo ao conteúdo formal da escritura de Constituição de P.H., do Regulamento do Condomínio e do quórum deliberativo naquela Assembleia.
Os pareceres jurídicos, emitidos nos anos de 2007 e 2008, por advogados com experiência na área, foram todos no sentido da ilegalidade da deliberação – com a inerente alteração ao Regulamento do Condomínio - por falta de quórum.
Na assembleia de condóminos realizada em 26 de novembro de 2005 consignou-se que “(…) as despesas do condomínio devem ser repartidas pela permilagem de cada fração, conforme descrição da Propriedade Horizontal (…) E, conforme se encontra descrito na referida Propriedade Horizontal, os vãos dos telhados pertencem única e exclusivamente aos donos das frações (…) por baixo desse espaço. Mais esclareceu que nenhum outro critério pode ser tido em conta (…)”. Mais se consignou: “que a assembleia realizada em 26/11/2005 “(…) na qual se pretendia aprovar um regulamento de condomínio, nomeadamente com o objetivo de alterar as percentagens/permilagens das frações que usam o vão do telhado (cujo principal objetivo seria o aumento das quotas correntes de condomínio, tornando-as mais elevadas), infere de ilegalidade e invalidade uma vez que, não existia quórum suficiente para aprovar tal deliberação, isto é, não se encontravam presentes 2/3 da totalidade da permilagem do edifício. Mais esclareceu que qualquer alteração à Propriedade Horizontal e consequentemente sobre a permilagem das frações carece, obrigatoriamente, da unanimidade dos condóminos presentes e dos ausentes”.
Nessa Assembleia Geral foi decidido, atenta a ilegalidade da deliberação, o regresso ao teor inicial do texto do Regulamento de Condomínio, sendo sugerido convocar nova Assembleia para unanimemente se aprovar a alteração à P.H., para que assim se alterasse os valores das permilagens de cada fração e consequentemente pudessem pagar mais de quotas ordinária (e extraordinária).
Mais alegam que nem em 2005, nem na deliberação que ora se impugna está concretamente estabelecido qual o critério orientador para a definição de uma “quota suplementar” no valor de 25% da quota que cada fração paga, não sendo estabelecido para onde reverteriam tais montantes.
Os vãos de telhado que motivam a presente querela são partes comuns do edifício, ainda que com uso exclusivo por parte de alguns condóminos, in casu, os AA., conforme previsto no Título Constitutivo e de acordo com o Artigo 1421º do C. C..
Referem que decorre expresso da Ata de Assembleia Geral que impugnam, que estiveram presentes apenas 58,87% da totalidade do prédio, o que só por si enfermava a possibilidade de aprovação de qualquer deliberação para alteração do Regulamento de Condomínio relativamente a quotização diferente do regime regra nele previsto. Existiram votos contra – pelas frações “AB” R”, “Z”, “AA”, e X e AL” -, com um total de 17,43% - e abstenções das frações “B” e “AE”, com um total de votos de 6,47%.
Consideram que ao invés do que consta da ata, a decisão não foi aprovada, uma vez que não foi obtido quórum deliberativo suficiente para alterar o Regulamento do Condomínio. Não havendo quórum de 2/3, sem votos contra, para alteração do Regulamento do Condomínio muito menos existia qualquer viabilidade para alteração do título Constitutivo de P.H. Tal deliberação carecia de unanimidade do capital investido do prédio, nos termos previstos no Artigo 1419º do C.C., ainda que com a possibilidade de suprimento judicial sempre que os votos contra sejam inferiores a 1/10 da totalidade, conforme previsto no n.º 2. No caso também não se verificou, nem a Assembleia Geral foi convocada para esse fim.
Concluem que as deliberações são nulas, por contrárias à lei, o que justifica a pretensão deduzida no sentido da declaração da sua invalidade.
Alegou para o efeito, que não obstante o título constitutivo da propriedade horizontal do edifício Réu referir “…Faz parte desta fração a área do vão do telhado delimitado pelo limite físico da mesma”, certo é que, a percentagem/permilagem das frações em causa nos autos, não refletem a “área do vão do telhado” utilizada pelos AA..
A percentagem/permilagem das frações que utilizam o vão do telhado, participam, deficitariamente, nas despesas do edifício Réu, porquanto, não possuem uma permilagem ajustada à realidade da área utilizada pelos proprietários. A escritura de constituição da propriedade horizontal, olvidou a área útil das frações que se situam no último piso e, por conseguinte, utilizam uma área que a lei qualifica como “comum”, ou seja, o vão do telhado.
Os AA. colocaram escadas de acesso da fração ao vão do telhado, fazendo desta área uma zona habitacional com quartos e sala. Atenta a discrepância entre a área utilizada pelos AA. versus a permilagem indicada na propriedade horizontal, não podem os restantes condóminos concordar com a injusta repartição de despesas a cada fração.
Pelo menos desde 2005, os restantes condóminos tentam alterar a situação, repartindo justamente as despesas do condomínio. Em 26/11/2005, levaram à consideração de uma assembleia de condóminos, uma proposta para aumento da quota condominial inerente às frações que utilizam o vão do telhado.
Na aludida assembleia, os presentes deliberaram quotizar um valor mensal extra (25%), valor este a acrescer à quota aprovada anualmente e a liquidar pelas frações que utilizam o vão do telhado. Pretenderam, tão somente, achar um valor equitativo, justo e proporcional à área utilizada pelas frações dos AA..
A administração do Réu nunca executou tal deliberação às frações dos AA., fazendo perpetuar a falta de equidade e proporcionalidade do valor de quotas pagas pelos AA..
Porque a situação não ficou resolvida em 2005, em junho de 2023, perante a solicitação da maioria dos proprietários do edifício, a administração de condomínio convocou nova assembleia de condóminos com o objetivo de sensibilizar os AA. para a discrepância mantida entre o valor/quota mensal paga versus a área útil habitável das frações dos AA., conforme convocatória adiante junta.
A assembleia de condóminos não deliberou a alteração do “regulamento” ou do título constitutivo da propriedade horizontal, nem tão pouco existiram convocatórias para esse efeito.
Revelando-se impossível obter a anuência dos AA. para alterar a propriedade horizontal no sentido de aumentar a permilagem das suas frações, fazendo corresponder as mesmas com a área útil utilizada, o Réu através da sua administração convocou os condóminos para uma assembleia (junho de 2023), na qual foi (re)debatida a desconformidade da situação e, por outro lado, a sensibilização dos AA. para liquidarem um valor extraordinário que se revelasse justo e proporcional para os demais condóminos.
Foi, novamente, deliberado e aprovado uma comparticipação suplementar (25%) das frações que utilizam o vão do telhado, nas despesas gerais do edifício, sendo certo que, o valor de acréscimo foi calculado de acordo com a área total das frações dos AA., incluindo o vão de telhado utilizado.
Conclui que as deliberações proferidas na assembleia geral de condóminos realizada em 05/06/2023, não enfermam de qualquer vício ou ilegalidade.
“Atento o exposto, julga-se a presente ação procedente por provada e, em consequência, declara-se inválida, por anulabilidade, a deliberação constante do ponto 2 da ata n.º ..., datada de 05/06/2023, da Assembleia de Condóminos.
Custas pelo R. (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 NCPC)”.
1. A deliberação ínsita no ponto 2 da ata n.º ... datada de 05/06/2023, não enferma de qualquer invalidade, pois que:
2. Tal deliberação não altera o título constitutivo da propriedade horizontal,
3. Como também não altera o regulamento aprovado em 2011;
4. Igual deliberação foi aprovada e manteve-se eficaz, em 2005, sem qualquer oposição;
5. Uma vez que, se trata de uma deliberação simples, o quorum deliberativo é suficiente para atribuir a validade necessária;
6. Com tal deliberação, os condóminos pretenderam adequar a área útil de certas frações ao valor mensal a comparticipar nas despesas comuns, uma vez que,
7. As frações situadas no último piso do edifício, possuem o uso exclusivo de uma zona comum, ou seja, do vão do telhado;
8. Razão pela qual, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 1424º do C.C, devem custear as despesas inerentes a tal área comum do telhado;
9. Por último acresce aduzir que, numa situação análoga, a lei possibilita um incremento mensal do valor da quota de condomínio – cf. Artigo 20º-A da Lei n.º 62/2018 de 22/08/2018,
10. Não exigindo a lei, em tal caso, um quórum deliberativo que represente a unanimidade ou uma maioria qualificada.
11. Deve, por conseguinte, a douta Decisão que ora se recorre ser revogada por outra, que julgue válida e eficaz a deliberação ínsita no ponto 2 da ata n.º ..., datada de 05/06/2023.
Termina por pedir que seja dado provimento ao presente recurso e revogada a decisão recorrida.
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.
As questões a decidir:
- se a deliberação constante do ponto 2 da ata n.º ..., datada de 05/06/2023, da Assembleia Extraordinária de Condóminos é inválida, por contrariar disposição legal.
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1. Os Autores são proprietários e possuidores das frações autónomas designadas “AB”, “AA”, R”, “Z”, “AE”, “X e AL”, com entrada pelos números ..., ... e ... do prédio em propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ... e ... com o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º .../....
2. O prédio em apreço é composto por um total de 45 frações autónomas.
3. A 27.08.1997 foi lavrado instrumento notarial, denominado “Constituição de propriedade horizontal”, junto aos autos a 25.09.2024, do qual, ademais que se dá por integrado e reproduzido resulta: “Declarou o outorgante: Que: (…) são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano (…).
Que este prédio foi construído no descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o número zero mil e doze/quinze dez noventa e um (freguesia ...).
Que de acordo com o projeto aprovado pela Câmara Municipal ... em nove de fevereiro de mil novecentos e noventa e seis (…) o referido edifício é constituído por “quarenta e cinco” frações autónomas (…) obedecendo assim aos requisitos exigidos para a constituição da propriedade horizontal.
Que a especificação das partes de que se compõe cada fração, bem como a sua individualização e a fixação do valor relativo de cada fração expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio, constam de um documento (…) que complementa esta escritura (…). (…) Que deste modo, constitui aquele edifício, em propriedade horizontal. (…)
FRAÇÃO R (…) Faz parte desta fração a área de vão de telhado delimitada pelo limite físico da mesma. A esta fração corresponde a percentagem de cinco vírgula setenta e quatro por cento do valor total do edifício (…);
(…)
FRAÇÃO X (…) Faz parte desta fração a área de vão de telhado delimitada pelo limite físico da mesma. A esta fração corresponde a percentagem de dois vírgula oitenta e quatro por cento do valor total do edifício (…);
(…)
FRAÇÃO Z (…) Faz parte desta fração a área de vão de telhado delimitada pelo limite físico da mesma. A esta fração corresponde a percentagem de dois vírgula oitenta e sete por cento do valor total do edifício (…);
(…)
FRAÇÃO AA (…) Faz parte desta fração a área de vão de telhado delimitada pelo limite físico da mesma. A esta fração corresponde a percentagem de dois vírgula noventa por cento do valor total do edifício (…);
FRAÇÃO AB (…) Faz parte desta fração a área de vão de telhado delimitada pelo limite físico da mesma. A esta fração corresponde a percentagem de dois vírgula sessenta e oito por cento do valor total do edifício (…);
(…)
FRAÇÃO AE (…) Faz parte desta fração a área de vão de telhado delimitada pelo limite físico da mesma. A esta fração corresponde a percentagem de três vírgula dezassete por cento do valor total do edifício (…);
FRAÇÃO AL (…) corresponde-lhe a percentagem de zero vírgula quarenta por cento do valor total do edifício (…);
(…)
VI – ZONAS COMUNS ÀS FRACÇÕES A a AS: - Cobertura (…)”.
4. Em nenhum momento foi alterada a escritura referida em 3..
5. Em Assembleia Geral de 26/11/2005 foi deliberado:
“b) alteração das percentagens das zonas comuns (…)
Passou-se, de seguida, à discussão e aprovação das percentagens, tendo o representante da administradora informado os presentes do critério utilizado.
Nos termos legais, cada fração autónoma deve comparticipar, segundo critérios de proporcionalidade, pelo respetivo valor, e, para a obtenção desse valor, nada melhor que as áreas de cada uma delas, isto porque a propriedade horizontal tem vários erros, desde logo indicando que as áreas assotadas são privativas de cada uma das frações autónomas, sem que, na construção houvesse sido feitas as aberturas na placa para possibilitar o acesso. Essas aberturas e a montagem de escadas e preparação do sótão coube a cada um dos proprietários. Acresce, ainda, que a área que é indicada não corresponde à realidade, porquanto nos sótãos existem, para além do espaço reservado as caleiras para receção das águas pluviais, na cobertura, a caixa de escadas, a caixa dos elevadores e as tubagens das chaminés e lareiras, no seu interior pelo que não se poderão considerar as áreas na totalidade. A área útil de cada um dos sótãos será apenas de cerca de 25% da área da habitação. (…)
Posto este critério a votação, foi aprovado por unanimidade.”
6. A deliberação referida em 5. foi aprovada com um quórum de 44,72% da totalidade do prédio.
7. Em novembro de 2011 teve lugar assembleia de cuja ata, junta com a petição inicial, e que se dá por reproduzida, ademais resulta “Ata n.º... de 17/11/2011 (…)
Ordem de trabalhos
1) Discussão e aprovação do Regulamento do Condomínio (…)
(…)
Ponto 1
No âmbito do primeiro e único ponto da ordem de trabalhos, foi cedido previamente a todos os condóminos proposta de regulamento para o condomínio e, posteriormente foi deliberado, por unanimidade, ler todos os artigos do regulamento enviado. Tendo-se procedido à sua análise e discussão - Artigo a Artigo - foram propostas pelos presentes correções e alterações ao conteúdo do regulamento proposto. Uma vez discutidas, amplamente, tais sugestões e alterações o regulamento foi deliberado e aprovado pela unanimidade dos presentes. O texto definitivo do Regulamento aprovado faz parte integrante da presente ata. Ficou, ainda, deliberado pelos presentes que o regulamento aprovado entra em vigor a partir do primeiro dia de janeiro de 2012. Por último, ficou unanimemente deliberado que o regulamento anexo a ata nº ..., datada de vinte e seis de novembro de 2005, é inválido e ineficaz não produzindo qualquer efeito para o condomínio e para os condóminos, ficando a vigorar, a partir de 01/01/2012, apenas o regulamento aprovado na presente assembleia-geral. (…)”.
8. Do Regulamento de Condomínio referido em 7., que no mais se dá por integrado e reproduzido, resulta:
“Artigo 3º Quotas do condomínio
1 - A quota mensal a cargo dos condóminos será fixada anualmente com base no orçamento da despesa anual aprovada pela Assembleia-Geral e de harmonia com a percentagem de cada fração autónoma, nos termos do artigo 6º deste regulamento.
(…)
Artigo 6.º Encargos
(…)
2 – Todas as despesas, nomeadamente, as quotas ordinárias e prestações suplementares a liquidar por cada condómino, terá como base de cálculo, exclusivamente, as permilagens descritas no respetivo documento de Propriedade Horizontal do edifício, documento que faz parte integrante do presente regulamento”.
9. A Assembleia Geral Extraordinária datada de 05/06/2023, teve na sua ordem de trabalhos, concretamente no ponto 2, a “Discussão, deliberação e votação sobre a faculdade do uso dos vãos dos telhados, por algumas frações do edifício e a sua respetiva comparticipação nas despesas correntes e extraordinárias do condomínio”.
10. Na Assembleia referida em 9. estiveram presentes 58,87% do total do edifício.
11. No ponto 2 da ordem de trabalhos, foi levado à consideração dos presentes:
- “(…) a criação de um montante mensal a acrescer à quota inerente às frações que utilizam o vão do telhado”;
12. sendo aprovada “(…) por maioria de todos os presentes e representados, com o voto contra das frações: fração AB, fração Z, fração R, fração AL, X, fração AA e com a abstenção das frações B e AE”,
13. deliberação aprovada no sentido de “(…) as frações que usam os vãos dos telhados paguem mais 25% da quota mensal já aprovada, valor este que acrescerá à quota mensal”.
14. Mais sendo indicado que “Esse valor proposto foi aprovado com base na deliberação já aprovada na Assembleia Geral de Condóminos realização a 26 de novembro de 2005 (…)”.
Nenhum com interesse.
“O mais constante dos articulados não figura da decisão supra por se tratar de matéria genérica, conclusiva, de direito ou sem interesse para a boa decisão da causa, tendo o Tribunal considerado factos concretizadores dos alegados, que resultaram da instrução da causa e sobre os quais as partes tiveram oportunidade de se pronunciar (cf. art.º 5.º n.º2 al. b) CPC)”.
Nas conclusões de recurso o apelante/réu Condomínio ...” insurge-se contra a decisão recorrida que julgou procedente a ação e anulou a deliberação constante do ponto 2 da ata n.º ..., tomada em Assembleia Geral Extraordinária datada de 05 de junho de 2023.
O apelante pretende a revogação da decisão recorrida, mas sem indicar um fundamento que justifique a alteração do decidido.
Relembre-se os fundamentos da decisão:
“Do disposto no art.º 1424.º CC, na redação aplicável à data dos factos (introduzida pela L. 8/2022, de 10.01 – art.º 9.º do referido diploma e 12.º CC) resulta que:
“1 - Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas frações.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada, sem oposição, por maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.”.
Não obstante as alterações introduzidas face à redação anterior, não se vê que as mesmas afastem a interpretação que já antes a jurisprudência e a doutrina vinham fazendo à disposição legal.
“O princípio geral aplicável à repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum é do recurso à estipulação das partes. Valerá para o efeito o critério que tiver sido estabelecido pelos interessados no título constitutivo ou em estipulação adequada.
Na falta de disposição negocial vigora como primeira regra supletiva o critério da proporcionalidade (…).
Cada condómino paga em proporção do valor da sua fração, sendo este valor o que resulta da aplicação do disposto na parte final do artigo 1418.º (…)” – cf. PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, Vol. III, Coimbra Ed., 2.ª Ed., p. 431.
A este propósito se pronunciou bem assim o Ac. TRP de 18.03.2024, P. 6015/23.3T8PRT.P1, in www.dgsi.pt, já à luz da nova redação, que acompanhamos:
“Mas que disposição em contrário será esta?
Apenas a disposição legal? Ou também os atos de autonomia privada, como os que decorrem do título constitutivo ou os que hajam sido introduzidos por regulamento do condomínio?
E a mera deliberação de condóminos?
A este respeito, defrontam-se posições distintas.
Rui Pinto Duarte considera que, da conjugação deste n.º 1 com o n.º 2 e, ainda, com o art.º 1418.º resulta que “salvo disposição em contrário” significa que os condóminos, por ato de autonomia privada, no título constitutivo (art.º 1428.º CC) ou no regulamento que se contenha nesse título podem alterar esta regra geral, mas já o não podem fazer através do regulamento não constante do título constitutivo da propriedade horizontal, nem, menos ainda, através de mera deliberação dos condóminos (in Código Civil Anotado, Vol. II, Coord. Ana Prata, 2017, p. 259 e 260, no mesmo sentido Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Condóminos e Condomínios, 2001, p. 121).
Este entendimento é afastado por José António França Pitão e Gustavo França Pitão que entendem que o critério do n.º 1 pode ser afastado por deliberação da assembleia dos condóminos que reúna o voto de dois terços do valor total do prédio, uma vez que se está perante uma norma dispositiva (Condomínio e Propriedade Horizontal, 2.ª Ed., 2020, p. 207 e 208).
Segundo o entendimento que parece ser dominante, disposição em contrário será não apenas a norma legal, mas também o título constitutivo e o regulamento (vejam-se a doutrina e a jurisprudências citadas na nota 19 do ac. desta Relação e secção, datado de 10.10.2022, no Proc. 1615/19.T8STS.P2).
Seja qual for o entendimento que se perfilhe a respeito deste n.º 1, a verdade é que o n.º 2 do mesmo preceito dispõe sobre o pagamento dos serviços de interesse comum.
No que respeita à instalação elétrica, uma coisa serão as despesas necessárias à manutenção e fruição da rede de eletricidade construída no prédio e outra a forma de comparticipação de cada condómino quanto à contraprestação do recebimento do serviço de fornecimento de energia.
Enquanto as primeiras entram na regra do n.º 1 do art.º 1424.º, já o pagamento do serviço de fornecimento de energia – serviço de interesse comum – cai na regra do n.º 2 daquele normativo, de modo que, tais despesas podem ficar a cargo dos condóminos na proporção da respetiva fruição, desde que se verifiquem dois requisitos:
- constando tal distribuição em disposição do regulamento do condomínio aprovada sem oposição, por maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio;
- estarem tais despesas devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.”.
Sucede que, a tal deliberação se opuseram as frações AB, Z, R, AL, X, AA.
Ora, tal como sucede no apontado caso decidido pelo Ac. TRP em 2024, também no nosso entender a “disposição em contrário” a que se refere o n.º1 será não apenas a norma legal, mas também o título constitutivo e o regulamento.
No caso em apreço, porém, da factualidade provada não resulta que o título constitutivo ou o regulamento aprovado em 2011 tenham afastado a regra supletiva prevista no n.º1 do art.º 1424.º CC, antes prevendo expressamente o regulamento de 2011 que “Artigo 3º Quotas do condomínio 1 - A quota mensal a cargo dos condóminos será fixada anualmente com base no orçamento da despesa anual aprovada pela Assembleia-Geral e de harmonia com a percentagem de cada fração autónoma, nos termos do artigo 6ºdeste regulamento. (…)
Artigo 6.º Encargos (…) 2 – Todas as despesas, nomeadamente, as quotas ordinárias e prestações suplementares a liquidar por cada condómino, terá como base de cálculo, exclusivamente, as permilagens descritas no respetivo documento de Propriedade Horizontal do edifício, documento que faz parte integrante do presente regulamento”.
Ora, quer também no caso em apreço se conclua que com a deliberação em crise se pretende afastar o disposto no n.º 1 do art.º 1424.º CC, quer se trate de deliberação relacionada com despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, tal deliberação de 2023 não poderia “ ocorrer no quadro de uma deliberação simples da assembleia de condóminos”, pois que sempre teria de ter lugar ou por meio de alteração do título constitutivo da propriedade horizontal (cf. art.º 1419.º CC) ou de alteração do regulamento do condomínio (art.º 1429.º-A CCivil), não se vendo que no caso em apreço tenha ocorrido qualquer destas situações.
Acresce que no caso do n.º2 sempre seria necessária a falta de oposição, resultando da factualidade dada por provada que a deliberação teve oposição expressa das frações AB, Z, R, AL, X, AA.
A deliberação em apreço é, por isso, anulável (art.º 1433.º n.º1 CCivil), não produzindo quaisquer efeitos, em virtude da sua invalidade (cf. 289.º n.º1 C.Civil)”.
Na presente ação está em causa apreciar a validade de uma deliberação tomada em Assembleia Geral Extraordinária datada de 05/06/2023.
Na referida assembleia no ponto 2 da ordem de trabalhos, foi levado à consideração dos presentes:
- “(…) a criação de um montante mensal a acrescer à quota inerente às frações que utilizam o vão do telhado”.
A proposta foi aprovada “(…) por maioria de todos os presentes e representados, com o voto contra das frações: fração AB, fração Z, fração R, fração AL, X, fração AA e com a abstenção das frações B e AE”,
A deliberação foi aprovada no sentido de “(…) as frações que usam os vãos dos telhados paguem mais 25% da quota mensal já aprovada, valor este que acrescerá à quota mensal”. Mais sendo indicado que “Esse valor proposto foi aprovado com base na deliberação já aprovada na Assembleia Geral de Condóminos realização a 26 de novembro de 2005 (…)”.
Estatui o art.º 1433º/1 CC, sob a epígrafe, “Impugnação das deliberações”:
“1. As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”.
Consideram-se anuláveis as deliberações contrárias à lei ou a regulamento anteriormente aprovado, mas também as deliberações afetadas por vícios formais[2]. Neste segundo grupo se incluem as deliberações tomadas em violação de prescrições legais ou regulamentares atinentes ao procedimento de convocação da assembleia, quando incidem sobre matérias não indicadas na ordem do dia, ou quando estejam presentes terceiros não autorizados na reunião e ainda, quando está em causa a lesão do direito de participação dos condóminos[3].
Por seu turno quando a assembleia infrinja norma de interesse e ordem pública as deliberações tomadas devem ser consideradas nulas e aí são suscetíveis de ser impugnadas a todo o tempo e por qualquer interessado nos termos do art.º 286.º do Código Civil.
São nulas as deliberações que violem as normais gerais imperativas, nomeadamente, são nulas as deliberações cujo objeto seja física e legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável – cf. art.º 280.º do Código Civil.
Em resumo, apesar de o art.º 1433.º, n.º 1 do Código Civil apenas se referir à anulabilidade, considerando anuláveis as deliberações contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados e prevendo um regime especial quanto ao prazo de arguição, à legitimidade e à sanação, há que distinguir deste regime as hipóteses de nulidade ou ineficácia das deliberações.
Assim, deverão ser consideradas nulas as deliberações que impliquem uma violação de normas para cuja preterição esteja expressamente prevista a cominação do vício da nulidade, as que violem normais gerais imperativas, porque tutelam o interesse público ou de terceiros, e as que fixam uma disciplina oposta ao esquema mínimo de organização do condomínio. As quais são impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do art.º 286.º do Código Civil.
Deverão ser consideradas ineficazes as deliberações tomadas em matérias que não sejam da competência da assembleia[4].
Quando o juiz é chamado a pronunciar-se sobre a legalidade de uma deliberação ou violação do regulamento em vigor, como referem os Professores PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA: “[…] limita-se a uma simples fiscalização da legalidade da deliberação. Não cabe ao tribunal apreciar do mérito da deliberação, para saber se ela foi ou não a mais conveniente para os interesses dos condóminos”[5].
Como se sublinha no Ac. Rel. Porto 24 de março de 2014, Proc. 303/12.1TJPRT.P1 (acessível em www.dgsi.pt) o que: “[…] releva para efeitos de apreciação da validade da deliberação é o circunstancialismo do momento em que a mesma é tomada. É esse circunstancialismo que o tribunal deve ter em conta para decidir da validade ou invalidade da deliberação”.
O art.º 1424º/1 CC (com a redação introduzida pela Lei 8/2022 de 10 de janeiro), prevê que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações”.
Argumenta o apelante que “a deliberação ínsita no ponto 2 da ata n.º ... datada de 05/06/2023, não enferma de qualquer invalidade, pois que tal deliberação não altera o título constitutivo da propriedade horizontal, como também não altera o regulamento aprovado em 2011”.
Tendo presente os factos provados, a deliberação viola a disposição do regulamento do condomínio, aprovado em 2011, que prevê a forma como devem ser repartidas as despesas e encargos entre os condóminos.
Com efeito, provou-se, sob os pontos 7 e 8:
7. Em novembro de 2011 teve lugar assembleia de cuja ata, junta com a petição inicial, e que se dá por reproduzida, ademais resulta “Ata n.º... de 17/11/2011 (…)
Ordem de trabalhos
1) Discussão e aprovação do Regulamento do Condomínio (…)
(…)
8. Do Regulamento de Condomínio referido em 7., que no mais se dá por integrado e reproduzido, resulta:
“Artigo 3º Quotas do condomínio
1 - A quota mensal a cargo dos condóminos será fixada anualmente com base no orçamento da despesa anual aprovada pela Assembleia-Geral e de harmonia com a percentagem de cada fração autónoma, nos termos do artigo 6º deste regulamento.
(…)
Artigo 6.º Encargos
(…)
2 – Todas as despesas, nomeadamente, as quotas ordinárias e prestações suplementares a liquidar por cada condómino, terá como base de cálculo, exclusivamente, as permilagens descritas no respetivo documento de Propriedade Horizontal do edifício, documento que faz parte integrante do presente regulamento”.
Os condóminos estabeleceram no Regulamento a regra a atender na fixação dos encargos a qual corresponde à regra supletiva prevista na lei (art.º 1424º/1 CC) e que respeita o princípio da proporcionalidade.
Cada condómino suporta as despesas com conservação e fruição das partes comuns do edifício e o pagamento de serviços de interesse comum na proporção do valor das suas frações, tal como consignado no regulamento do condomínio. Fazer acrescer uma percentagem a suportar pelos proprietários das frações que fazem uso do vão do telhado, não respeita o critério fixado no regulamento e o princípio da proporcionalidade.
Argumenta, ainda, o apelante que “igual deliberação foi aprovada e manteve-se eficaz, em 2005, sem qualquer oposição”.
Resulta dos factos provados que foi tomada tal deliberação, mas como se começou por referir, releva para efeitos de apreciação da validade da deliberação o circunstancialismo do momento em que a mesma é tomada. É esse circunstancialismo que o tribunal deve ter em conta para decidir da validade ou invalidade da deliberação.
Na data em que foi tomada a deliberação objeto de impugnação estava em vigor o Regulamento do Condomínio aprovado, por unanimidade, na assembleia realizada em 17 de novembro de 2011. É à luz de tal Regulamento que deve ser apreciada a validade da deliberação.
Acresce que na mesma assembleia, como resulta dos factos provados, se consignou em ata: “Por último, ficou unanimemente deliberado que o regulamento anexo a ata nº ..., datada de vinte e seis de novembro de 2005, é inválido e ineficaz não produzindo qualquer efeito para o condomínio e para os condóminos, ficando a vigorar, a partir de 01/01/2012, apenas o regulamento aprovado na presente assembleia-geral. (…)”.
São os próprios condóminos que assumem a substituição dos regulamentos.
Refira-se, ainda, que é o próprio apelante que alega na contestação que apesar da deliberação tomada na assembleia realizada em 2005, nunca a mesma foi executada, revelador da incerteza quanto à tutela do direito.
Refere, por fim, que se “trata de uma deliberação simples, o quorum deliberativo é suficiente para atribuir a validade necessária”.
Cumpre ter presente o disposto no art.º 1424º/1/2 CC:
1 — Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas frações.
2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada, sem oposição, por maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.[…]”
Efetivamente nos termos do art.º 1432/5 CC estando em causa deliberações sobre a aprovação das despesas com serviços comuns “as deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido”.
Contudo, ao pretender-se introduzir alterações no critério estabelecido na lei - art.º 1424º/1 CC – e no Regulamento do Condomínio (aprovado por unanimidade), para repartição das despesas e encargos a suportar pelos condóminos com despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, a deliberação estava sujeita à regra prevista no art.º 1419º e 1429º-A CC.
Com efeito, a alteração do critério devia passar pela aprovação de uma nova regra no Regulamento do Condomínio, sujeita a acordo de todos os condóminos.
Conforme resulta da posição expressa na contestação, o apelante/réu defende que a permilagem das frações que pertencem em propriedade aos Autores e que consta do título constitutivo da propriedade horizontal, não reflete a área do vão no telhado que é utilizada por cada um dos Autores.
A permilagem não pode refletir essa área, por se tratar de parte comum do prédio, cujo uso está atribuído através do título constitutivo da propriedade horizontal às frações propriedade dos autores.
A alteração da permilagem contende com o conteúdo do título constitutivo da propriedade horizontal (art.º 1418º/1 CC) e por isso, apenas com a sua modificação é possível tal alteração (art.º 1419ºCC).
A deliberação tomada com tal objetivo contraria norma imperativa, porque só mediante alteração do título constitutivo da propriedade horizontal se pode alterar a permilagem de cada fração.
Esta matéria não fazia parte dos pontos em discussão na assembleia, nem da respetiva convocatória, sendo por isso a deliberação ineficaz. Acresce que não contou a deliberação com o quórum imposto na lei, porque na Assembleia estiveram presentes os condóminos que reuniam 58,87% do total do edifício e a deliberação foi aprovada por maioria de todos os presentes e representados, com o voto contra das frações: fração AB, fração Z, fração R, fração AL, X, fração AA e com a abstenção das frações B e AE”, e por isso, não é válida.
Numa terceira ordem de argumentos, defende o apelante que “com tal deliberação, os condóminos pretenderam adequar a área útil de certas frações ao valor mensal a comparticipar nas despesas comuns, uma vez que, as frações situadas no último piso do edifício, possuem o uso exclusivo de uma zona comum, ou seja, do vão do telhado, razão pela qual, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 1424º do C.C, devem custear as despesas inerentes a tal área comum do telhado”.
Nos termos do art.º 1424º/3 CC: “as despesas relativas às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem”.
O preceito prevê uma regra especial para as despesas relativas às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente alguns condóminos, as quais ficam a cargo dos que dela se servem.
Esta norma deve ser conjugada com o nº6 do mesmo artigo, que prevê:
“6 — Caso o estado de conservação das partes comuns referidas no n.º 3 do artigo 1421.º afete o estado de conservação ou o uso das demais partes comuns do prédio, o condómino a favor de quem está afeto o uso exclusivo daquelas apenas suporta o valor das respetivas despesas de reparação na proporção indicada no n.º 1, salvo se tal necessidade decorrer de facto que lhe seja imputável”.
O art.º 1421º/3 CC prevê que “o título constitutivo pode afetar ao uso exclusivo de um dos condóminos certas zonas das partes comuns”.
As despesas correntes relativas à utilização destes espaços, são por força do nº3, encargo dos condóminos que deles se sirvam. Já as demais despesas, designadamente as inerentes à sua conservação enquanto partes comuns, caem na regra do nº1, salvo se tal necessidade decorrer de facto que seja imputável ao respetivo condómino[6].
A deliberação objeto de impugnação não tem sustentação neste preceito, porque a deliberação não se reporta às despesas com o uso dos vãos no telhado (e só estas). As despesas correntes são suportadas pelos condóminos das frações que detêm o uso desse espaço. A deliberação impugnada prevê algo distinto, um agravamento na comparticipação de todas as despesas comuns, em relação aos condóminos que usam um espaço no vão do telhado.
Por outro lado, as despesas de conservação com o sentido previsto no nº6 do preceito – “caso o estado de conservação das partes comuns referidas no n.º 3 do artigo 1421.º afete o estado de conservação ou o uso das demais partes comuns do prédio” - seguem a regra do nº1 do art.º 1424º CC, ou seja, são devidas por todos os condóminos na proporção do valor das suas frações, salvo se se verificar a exceção prevista na parte final do nº6 do preceito.
Acresce que a norma prevista no art.º 1424º/3 CC não pode ser afastada por deliberação dos condóminos[7] e por isso, a deliberação é inválida porque não reflete a regra prevista no preceito e contraria o regime ali previsto.
Por último, o apelante cita o artigo 20º-A da Lei n.º 62/2018 de 22/08/2018, que estabelece regras de exploração dos estabelecimentos de alojamento local, diploma que não tem aplicação ao caso concreto, em que está em causa a aplicação do regime específico da propriedade horizontal.
Conclui-se que a decisão recorrida não merece censura ao considerar inválida e anular a deliberação.
Improcedem as conclusões de recurso.
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão.