ABUSO SEXUAL DE MENOR
DEPOIMENTO INDIRECTO
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
Sumário

I - O depoimento da mãe não sofre as restrições do nº1 do art.129º do CPP, quando relata o estado em que a menor se encontrava quando lhe é entregue; e assim todas as atitudes comportamentais da menor, sendo factos do mundo do ser e do acontecer histórico referentes aos danos da menor, que são autonomizáveis de per si, habilitando nesta parte o Tribunal a receber e a valorar o depoimento da mãe.
II - As declarações da menor aos peritos, aquando da perícia, inscrevem-se na anamnese médica e integram o objeto da perícia, não podendo o Tribunal “A Quo”, subtrair das perícias o discurso da menor aí relatado. As perguntas do perito e respostas da menor no ambiente da perícia, são norteadas por parâmetros científicos, e fundamentam as asserções e os juízos periciais.
III - Sobre a indemnização dos danos futuros numa criança de 4 anos vítima de abuso sexual, o futuro condicionamento dos hábitos de vida, é suscetível de provocar efetivas distorções na personalidade, de intensidade gradativa, mas incidente num comprovado padrão, repetível em todos os casos de abusos, que lhe afetarão os termos da sua sexualidade, as suas escolhas e até a forma de estar na vida, o humor e os atributos para o relacionamento com os outros e consigo mesma.
IV - Se em muitos casos se justificam indemnizações na ordem dos 100.000€, ainda assim, como forma minimalista de compensação do irreparável, já, indemnizações na ordem dos 30 ou 40 mil euros ficarão muito aquém de qualquer lógica de compensação, face ao que para sempre “estragou” na pessoa da vítima e na amargura que se carregará, cuja qualidade de vida futura se encontra comprometida, porque profundamente diminuída.”

(Sumário da inteira responsabilidade do Relator)

Texto Integral

Proc. n.º 301/22.7JAAVR.P1



Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
Nos autos de processo comum com intervenção de Tribunal coletivo que correu termos no Juízo Central Criminal de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ... foi proferido acórdão julgando-se nos seguintes termos:
“Em face de todo o exposto o Tribunal decide julgar a acusação improcedente absolvendo o arguido AA da prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, nº s 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal.”

*

Não se conformando com o acórdão o MP veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação, concluindo do seguinte modo:

1 – O Tribunal “a quo” absolveu arguido AA da prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, nº s 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal,
2 - Foram incorrectamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto dada como não provada:
a - Numa das visitas ao arguido, no interior da residência deste, sita na Praceta ...., nesta cidade ..., em dia não concretamente apurado, mas situado entre os dias 27 e 28 de Março de 2022, a hora não concretamente apurada, o arguido apalpou a zona genital da menor, manipulando com os dedos a vulva da menor e introduziu um dos seus dedos na vagina da menor;
b - Ao levar a cabo toda a conduta acima descrita em relação à sua filha menor BB, agiu o arguido com a intenção de satisfazer os seus desejos libidinosos, bem sabendo que a mesma tinha, aquando dos factos praticados, 4 anos de idade e que, como tal, carecia completamente de capacidade para se autodeterminar sexualmente, não ignorando que, ao agir daquela forma, prejudicava gravemente o livre desenvolvimento da personalidade da mesma menor;
c - O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
3 - A prova produzida nos autos nomeadamente:
- auto de notícia de fls. 3 a 4;
- participação de fls. 8.
- documento de fls. 9 a 11 e certidão de fls. 301 a 304 vº, referente à acta de regulação das responsabilidades parentais ;
- auto de relato de diligência externa de fls. 15 vº a 17 vº
- relatório de urgência de fls. 23 -
- diário clinico de fls. 23 vº;
- assento de nascimento de fls. 26 e 27
- certidões de fls. 36 a 42 e de fls. 188 a 204 extraídas do processo ...;
- relatório pericial de natureza sexual em direito penal realizado em 28.03.2022 (fls. 45 vº a 49 ) datado de 30.03.2022 elaborado pelo Sr. perito CC
-auto de fls. 78-83 - na parte referente a descrição de diligências da PJ;
- Cd contendo vídeos de fls. 83 -
- certidões extraídas do processo de violência doméstica com o NUIPC ... de fls. 118 a 131 e de fls. 188 a 204;
- relatório pericial de natureza sexual em direito penal datado de 04.05.2022 elaborado pelo Sr perito por CC - fls. 164 vº a 168
- Relatório pericial de criminalística biológica de 29.04.2022 fls. 168 vº a 170 elaborado pela Sra perita DD
- relatório da perícia medico-legal-psicologia de 25.05.2022 realizado pela Sra perita EE, com relatório datado de 11.07.2022- fls 261 a 266
- relatório pericial de criminalística biológica de 06.07.2022 -datado de 26.07.22 elaborado pela perita DD - fls. 273 a 274 vº
- relatório pericial de natureza sexual de 30.03.2023, com relatório de 20.06.23, elaborado pelo perito CC - fls. 356 a 360 e 407 vº a 411
- registos clínicos de fls. 389 a 393 de 28.03.2022
- 3 vídeos juntos pelo arguido em sede de contestação apresentada em 18.11.2024 e admitidos por despacho de 27.11.2024 ;
- certidões juntas aos autos provindas do processo 3020/20.05T8AVR- apenso A em 05/12/2024 e do apenso D em 07.02.2025,
- CRC junto aos autos em 14.01.2025
Conjugado com as declarações/esclarecimentos:
- do arguido AA (gravado no sistema citius media studio, por reporte à data de 22.01.2025, tendo por referência as 10h11 e 11h05, prestado em sede de audiência de julgamento,
- para memória futura prestadas pela menor BB gravadas em vídeo - cd junto aos autos na contracapa - e áudio no sistema media studio, por reporte a data em 28.11.2022 com inicio as 12h04 m e término as 12h35 minutos, - de fls. 326
- da testemunha FF (gravado no sistema citius media studio, por reporte à data de 22.01.2025, tendo por referencia as 11h11 e as 12h01 prestado em sede de audiência de julgamento)
- da testemunha GG (gravado no sistema citius media studio, por reporte à data de 22.01.2025, tendo por referencia as 12h02 e as 12h19, prestado em sede de audiência de julgamento,
- esclarecimentos complementares da perita DD (gravado no sistema citius media studio, por reporte à data de 22.01.2025, tendo por referencia as 14h28 e as 14h47, prestado em sede de audiência de julgamento,
- esclarecimentos complementares da perita EE (gravado no sistema citius media studio, por reporte à data de 22.01.2025, tendo por referencia as 15h04 e as 15h24, prestado em sede de audiência de julgamento,
- esclarecimentos complementares do perito CC (gravado no sistema citius media studio, por reporte à data de 22.01.2025, tendo por referencia as 15h25 e as 15h41, prestado em sede de audiência de julgamento,
- da testemunha HH - (gravado no sistema citius media studio, por reporte à data de 06.02.2025, tendo por referencia as 10h20 e as 10h33; prestado em sede de audiência de julgamento,
- da testemunha II, (gravado no sistema citius media studio, por reporte à data de 19.02.2025, tendo por referencia as 14h20 e 14h28, prestado em sede de audiência de julgamento.
bem como com os demais factos dados como provados (e respectiva fundamentação), permite concluir com grau de certeza que o arguido praticou um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, nº s 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal e com a pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais p. no artigo 69º- C, nos 2 e 3 do Código Penal, devendo o mesmo ser ainda condenado no pagamento de uma indemnização nos termos do art.º 82- A C.P.P..
4 - Circunscreve-se assim o objeto do presente recurso, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de Direito – enquadramento jurídico -, mais propriamente, aos seguintes pontos:
i) -Da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto não provada;
ii) -da Violação do princípio do in dubeo pro reo.
iii) - da subsunção jurídica dos factos considerados provados, na decorrência do recurso, à prática por parte do arguido de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, nº s 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, incorrendo ainda o arguido na pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais p. no artigo 69º- C, nos 2 e 3 do C.P
iv) da medida da pena: principal e acessória,
v) - da condenação do arguido no pagamento de uma indemnização nos termos do art.º 82- A do C.P.P.:
Vejamos pois ponto por ponto cada um dos citados pontos:
i) -Da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto não provada;
5 - No caso dos autos, em face da argumentação que consta do Acórdão de que agora se recorre argumenta o tribunal “a quo” “analisando a prova testemunhal, pericial e ainda as declarações prestadas pela menor, entende que não se fez prova suficiente no sentido de se permitir concluir que sem qualquer sombra de dúvida o arguido praticou o crime de que vinha acusado (…) pelo que ” terá o Tribunal de se socorrer do princípio processual da presunção de inocência”
6 - Secundam-se aquele, nomeadamente e em síntese:
- na circunstância do arguido ter negado a sua prática;
- na circunstância de entenderem que apenas são relevantes para a decisão fáctica, (e são apenas) as declarações constantes das “declarações para memória futura” prestadas pela referida menor, de nada valendo, para efeitos probatórios, quer as declarações da menor prestadas perante a Polícia Judiciária, quer as declarações da mesma prestadas na altura dos “exames” (clínicos e/ou psicológicos) efetuados à pessoa da menor em causa (ou seja, as declarações prestadas perante médicos, psicólogos, consultores de psicologia forense, ou qualquer outro técnico especialista nestas matérias).
- na circunstância de que pese embora o relatório psicológico conclua que o que a menor relata é uma situação que aconteceu não se tratando de nenhuma fantasia, daí não se poder, sem mais concluir-se pela actuação do arguido nos moldes que vêm descritos na douta acusação pública, entendendo inexistir qualquer outra prova que permita concluir em sentido contrário.
- na circunstância de considerarem descredibilizado o depoimento da mãe da menor, a testemunha FF, por terem entendido que a mesma não revelou de modo espontâneo uma anterior suspeita de abuso, por ter permitido visitas em tais circunstâncias e quando cotejado com o relatório pericial de natureza sexual porque o perito médico legal da primeira vez que viu a menor não viu o vermelhidão por ela referido.
- na circunstância de considerarem que a avó da menor a testemunha GG, apenas explicou como decorriam as visitas entre o pai e a menor e como soube dos factos em causa nos presentes autos referindo que a sua filha lhe ligou dizendo que: “a menina estava a dizer coisas sem pés nem cabeça”. Acrescentou que no dia seguinte acompanhou a mãe e a neta ao Hospital ... a fim de a mesma ser examinada pelo perito legal, descrevendo o que ali ocorreu.
- na circunstância de considerarem as declarações para memória futura da menor muito escassas sobre a dinâmica do ocorrido inexistindo nos autos qualquer elemento que nos faça concluir que o abuso ocorreu.
- na circunstância de estranhar o Tribunal que o pai da menor, ora arguido sabendo que a menor tinha uma consulta no dia seguinte, tenha decidido precisamente nessa noite praticar os atos de que vem acusado correndo o risco de tal situação ser imediatamente detectada e ser-lhe imputada a sua prática.
- na circunstância de considerarem que as declarações de II, apenas relevaram quanto à relação que mantinha com a menor.
7 - De forma manifesta e objectiva se diz que não se concorda com tal fundamentação e isto por várias ordens de factores:
- primeiro, porque a versão do arguido não merece qualquer credibilidade, dado que infirmada por prova documental, pericial e testemunhal;
- segundo, porquanto consideramos absolutamente credível a versão dos factos apresentada por parte da menor BB em sede de declarações para memória futura, analisada por si só, mas também e quando cotejada com toda a demais prova produzida nos autos documental, pericial e testemunhal, tudo à luz das mais elementares regras da experiência, sendo a mesma bastante para a prova dos factos imputados ao arguido em sede de libelo acusatório.
- terceiro, visto também consideramos serem válidos para efeitos probatórios os relatos que a vitima BB fez à Mãe e avó, as testemunhas FF e GG, configurando os mesmos
depoimentos de ouvir dizer valoráveis, sendo que as versões destas são credíveis analisados não por si só, mas também quando cotejadas com os depoimentos das demais e porque secundadas ainda pelos registos clínicos e relatórios periciais e tudo à luz das mais elementares regras da experiência.
-Quarto, porque entendemos ainda que o relato da menor aos Srs peritos, muito embora não faça por si só prova do facto positivo, sempre tais relatos deverão ser valorados para efeitos da consistência dos seus comportamentos e credibilidade de relato e demais elementos de prova existentes nos autos a valorar nos termos do artigo 127º, do C.P.P.
Assim afigura-se-nos ser de valorar o exame de psicologia nos termos do artigo 127º do C.P.P.. no sentido da sua congruência com o relato da menor.
Mais consideramos ainda que o Tribunal a quo violou a valoração da prova pericial no que concerne ao exame de perícia de natureza sexual, pois que o mesmo subtrai- se a sua livre apreciação, e o Tribunal a quo fez uma interpretação diversa do mesmo.
-quinto - porque consideramos que da devida apreciação do relatório pericial de psicologia e as declarações da menor prestadas para memória futura, resulta a existência de um segredo, cuja fonte dizem-nos as regras da experiencia comum e bem assim o referido relatório que era o pai, pelo que a circunstância de o mesmo saber que a mesma ía ao o hospital após a visita- mas para uma consulta relacionado com aftas, aliado ao facto de a mesma ter 4 anos de idade e entender o arguido- como hoje ainda entende, que a mesma não o revelaria, também seguramente não o impediria de cometer os factos que lhe são imputados,
- sexto, consideramos que ainda que assim não se entendesse, o Tribunal perante o que considerou serem vagas as declarações para memória futura prestadas pela menor BB - decorrentes até de terem entendido que as mesmas foram prejudicadas pela circunstância de lhe ter sido dado uma dedeira para exemplificar o que o arguido lhe fez, sempre nos termos dos artigos 340º, 271º, nº8 CPP e art.º 24.º, n.º 6 do Estatuto da Vítima deveria ter diligenciado pela possibilidade da sua inquirição, não podendo - sem mais - se ter socorrido do princípio do in dubeo pro reo, incorrendo assim na sua violação.
8 - Caso contrário, teríamos de aceitar que toda a factualidade que deu origem a estes autos foi “criada” pela menor BB, uma criança de apenas 4 anos de idade o que vai ao arrepio do parecer técnico de psicologia que lhe foi efectuado, e bem assim da ciência que demonstra que as crianças não têm tendência a mentir e que revelam elevadas competências testemunhais e comunicacionais, assim como uma capacidade de discernimento superior à que lhes é frequentemente atribuída, percebendo a diferença entre a verdade e a mentira, geralmente, a partir dos 4 anos e que os resultados das perícias médico legais e de criminologia biológica realizados são “mera coincidência” com os aludidos relatos, além de afrontar as mais elementares regras da experiência comum.
9- Raciocínio esse que, na nossa modesta opinião, não pode ser efectuado, porquanto foi produzida prova em sentido contrário.
10. Por essa razão consideramos que o tribunal a quo apreciou de forma errada toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não atentando às regras da experiência comum, incorrendo:
- na violação do princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127º do C.P.P.
- na violação da valoração da prova pericial previsto no artigo 163º do C.P.P.
- na violação do depoimento de ouvir dizer previsto no artigo 129º do C.P.P.
- na violação do princípio do in dubeo pro reu previsto no artigo 32º da C.P.P.;
11 -Com efeito, as provas são apreciadas, não pelo que isoladamente significam, mas essencialmente pelo valor ou sentido que assumem no complexo articulado de todas elas, ponto este que nos parece de superior importância para a formulação daquele raciocínio lógico, coerente e sequencial que se impõe na apreciação da prova, e a que nosso ver o Tribunal a quo claramente não fez.
12- Na verdade, a devida apreciação da prova produzida permite concluir com grau de certeza que o arguido praticou um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, nº s 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal e com a pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais p. no artigo 69º- C, nos 2 e 3 do C.P.
Vejamos:
13 - Estamos perante um crime de abuso sexual de um pai a uma filha, uma criança com 4 anos e um mês de idade, sendo que quanto ao concreto momento do cometimento dos factos - entre o arguido e a vítima não houve de facto a interposição de qualquer outra pessoa, pelo que o depoimento de ambos - reveste assim particular e determinante importância, contudo importa conjugar os mesmos com a demais prova produzida nestes autos - incluindo a documental, pericial e testemunhal - aqui assumindo também especial importância os depoimentos de ouvir dizer, tudo em obediência as regras processuais referentes a apreciação da prova.
14 - As declarações prestadas pela ofendida, a menor BB por si só, bem como as prestadas pela sua mãe e avó, as testemunhas FF e GG, não só pela forma como o foram, mas também por terem sido secundadas por outros elementos de prova - mormente as periciais, documentais e testemunhais produzidas e juntas aos autos - permitem ultrapassar qualquer dúvida razoável e, perante a credibilidade daquelas, importa dar como provados o cometimento pelo arguido dos factos imputados no libelo acusatório.
15 - Desde logo pela circunstância- com a qual concordamos - de, no que ao depoimento da menor BB diz respeito, ter sido considerado na sua fundamentação pelo Tribunal a quo que que, “Nessas declarações a menor mostra-se uma criança de grande desenvoltura verbal, espontaneidade e riqueza de vocabulário, revelando conhecimento sobre o corpo humano sabendo o que são e onde se encontram os órgãos sexuais das meninas e dos meninos e a diferença entre os mesmos, tendo noção de que é errado mexer nos órgão sexuais de outras pessoas como deixar mexer nos seus, ressalvando que tal só pode ser feito pelo pai ou pela mãe e também pela avó materna.”
16 – Ao invés, todas as explicações que o arguido aventou ao Tribunal a quo (para além de negar o concreto acto de abuso sexual) referentes à existência de assaduras e creme que diz que a menor apresentava; à existência infecção urinária e ou falta de higiene; à alegada relação de intimidade que disse manter com a ofendida e que era do conhecimento da sua senhoria a testemunha II; o modo de relacionamento com a menor que fez crer que não lhe tocava por “educação”; os alegados ciúmes da mãe e mentiras criadas pela sua mãe e avó para o prejudicar e bem assim que a mãe da menor, a testemunha FF no dia dos factos se deslocou varias vezes a sua casa ate de madrugada, foram infirmadas em toda a sua extensão pela demais prova produzida nos autos, a saber, testemunhal, documental, prova pericial e esclarecimentos complementares de perito, e CD de imagens juntos aos autos.
Vejamos.
17 - Quanto à alegada existência de assaduras e colocação de creme para as mesmas, (e infecção urinária e ou falta de higiene) para explicar o estado /“vermelhidão” apresentado pela menor na “zona dos genitais “:
18- Do cotejo de todos os elementos de prova resulta que a menor BB foi entregue ao pai ora arguido e por este devolvida à mãe com a mesma roupa (sendo os seus relatos coincidentes em tal ponto), sendo que esta - designadamente camisola interior e cuecas – foi periciada e encontrado ADN, além do mais, do arguido em tais roupas. - cfr. exame pericial de natureza sexual de fls.45, 164 e 407 e de criminalística biológica de fls.167 e 273. - e a este propósito ponto 4 dos factos provados.
19 - Dizem-nos as regras da experiência comum que caso tivesse sido colocado na menor BB, uma menina de apenas 4 anos de idade, ou esta o colocasse, creme para assaduras na zona genital tal como o arguido referiu ao ponto de a mesma se ter lambuzado toda com o creme; de até ter brincado com o creme até na carita e tudo, seguramente o mesmo existiria na sua pele de entre o mais nas zonas genital e anal e teria manchado as cuecas e a camisola interior que a menor usava.
20- E de facto, nos relatórios periciais de natureza sexual e de perícia biológica juntos aos autos e a que se aludiu, não consta a verificação de existência de qualquer assadura, ou creme, sendo que dos esclarecimentos complementares dos perito CC e EE em sede de audiência de julgamento a que se aludiu ficou demonstrada a inexistência de qualquer assadura e de qualquer vestígio de qualquer creme que tenha sido aplicada quer na zona genital quer na roupa da menor que foi analisada/periciada - designadamente zona vulvar, camisola interior e cuecas, pois que nada consta a tal propósito nos respectivos relatórios e que caso existisse deveria constar. (tal como de resto e nesta parte entendeu o tribunal a quo)
21- O que resulta da referida perícia de natureza sexual de fls. 45 a 49 - e no que ora importa na parte da “discussão” é que a mesma apresentava na zona genital e anal um eritema e aumento da vascularização na zona correspondente entre as 3 e 5 horas do sulco ninfohimenial.
22 - Ora, as lesões identificadas no relatório pericial não são, por um lado assaduras nem por outro estão em zonas que as regras da experiência comum nos dizem que existem assaduras.
23.- À data dos factos a menor BB também não apresentava qualquer infecção urinária, pois que tal também não resulta do exame pericial de natureza sexual realizado à menor BB, não obstante até ali constar como antecedentes patológicos referidos além do mais, que a mesma terá tido “infeção urinária aos 4 meses e em Fevereiro de 2022 sem estudo ecográfico aparente tendo sido a urucultura negativa” - e assim foi ali considerada, sendo que do relatório nenhum nexo foi estabelecido da lesão verificada com tais circunstâncias, tendo ainda o Sr. Perito CC esclarecido no depoimento que a lesão verificada não poderia ser decorrente de uma infeção urinária, por a menor não apresentar qualquer sintomatologia associada.
24 – À data dos factos a menor BB não apresentava falta de higiene pois que tal também não resulta do exame pericial de natureza sexual realizado à menor BB, nem sequer dos de criminalística biológica. Também, das certidões provindas dos processos de promoção e protecção com o nº ... e de alteração das responsabilidades parentais com o nº..., juntas aos autos em 05.12.2024 e 07.12.2024 das mesmas não resulta a sinalização de qualquer falta de higiene, sendo que na certidao do citado apenso A, do relatório elaborado em 05.12.2022 pela educadora de infância da menor onde expressamente esta fez constar “ no que toca á sua higiene, vem sempre limpa e bem tratada.”, o que também foi secundado pela testemunha GG, ao minuto 3.19 a 3.52 do seu depoimento .
25. O resultado de tais pericias, documentos e testemunha, é assim coincidente com o referido pela testemunha FF - que a BB não tinha qualquer assadura, que não tinha qualquer infecção urinária, não tinha qualquer falta de higiene antes de ter sido entregue ao pai ora arguido e que quando este a entregou não tinha qualquer creme e tinha um vermelhão na zona dos genitais que aliado ao seu relato a fizeram levar ao hospital .
26 - No que concerne à alegada relação de intimidade que o arguido afirmava manter com a mãe da menor, a testemunha FF, ainda até pelo menos a terça feira anterior à data dos factos, e que a mesma até era do conhecimento da sua então Senhoria, a testemunha II, pessoa que consigo vivia e que assistia às ida da mesma à sua casa, à ida de ambos para o seu quarto e que com eles jantava todas as terças feiras, também a mesma foi infirmada pelas declarações prestadas pelas referidas testemunhas FF e II.
27 - Com efeito, a testemunha FF negou qualquer contacto de intimidade com arguido desde 2020, que foi apenas a casa da Sra D. II uma vez levar comida ao arguido nos inícios que ele para lá se mudou; que nunca jantou lá incluindo com ela e que apenas no dia dos factos foi lá tocar a campainha.
28 - No depoimento que tal testemunha II prestou foi peremptória em afirmar que nunca jantou com a testemunha FF na sua casa e que a mesma ali se deslocou apenas uma vez e que se recorda de um episodio de alguém ter tocado a campainha “a chatear “
29 - Deste modo, se dúvidas houvesse quanto a credibilidade do depoimento da testemunha FF - “por ser a sua palavra contra a palavra do arguido”, esta testemunha II de forma absoluta o confirmou e infirmou o relatado pelo arguido no que tange a relação de intimidade que dizia ter mantido com a mãe da menor e nos termos em que o disse.
30- Quanto ao que ocorreu na casa do arguido na noite do dia 27 para 28.03.2022, o arguido afirmou que a testemunha FF, na noite para 27 esteve toda a noite a tocar a campainha, que mesmo depois da PSP ter ido embora que a mesma ali voltou várias vezes até de madrugada e que ninguém conseguia dormir no prédio.
31- Sucede que tal é infirmado pelo depoimento das testemunha FF que o negou, pela testemunha II que nada relatou sobre o sucedido, da participação da PSP de fls.8 de onde decorre que a testemunha FF seguiu o seu destino, da inexistência de qualquer outra comunicação à policia sobre tais factos o que afronta as regras da experiencia comum.
32-Acresce que a fls.83, a testemunha FF e o arguido em sede de contestação juntaram aos autos vídeos, de onde decorre terem sido todos produzidos/gravados pelo arguido na data dos factos mas em períodos diferentes em face da roupa que ambos usavam e dos visados com os mesmos,
33- Do auto de fls. 78 a 83, referente à inquirição da testemunha FF, - consta que no dia 29.03.2022 a mesma exibiu ao inspector da PJ ali identificado um conjunto de vídeos remetidos para o wattsapp atraves do nº ...16 remetidos entre as 2hh00 do dia 27 de março e as 3h00 do dia 27 que foram entregues e gravados no CD que se mostra junto aos autos a A fls. 83 consta o referido CD. - sendo que nesta parte tal auto é de valorar por força do disposto no artigo 99º, do C.P.P.
Do TIR prestado pelo arguido a fl.s 85 resulta que o telemóvel do arguido é de facto citado ...16.
34- Assim, daqui resulta que os vídeos em causa não foram “feitos em directo” mas sim que foram enviados em tal período, tanto mais que não têm qualquer hora de produção/gravação, sendo que nenhum deles se visualiza os comportamentos que o arguido imputava à testemunha FF secundando assim inteiramente o referido pela testemunha FF e infirmando o referido pelo arguido.
35 - Acresce que a versão do arguido de que todo este processo resulta, por um lado, do facto de a mãe da menor a querer afastar dele e de ter ciúmes dela gostar de si, é contraditória em si mesma,
36 - Na verdade, conforme se alcança do referido depoimento é o próprio que admite que foi por circunstâncias suas e da necessidade de ter de ir viver para um quarto e de ter ficado sem carro que o levou a deixar de pernoitar com a menor - ou seja não foi por iniciativa da mãe da menor - acresce que o mesmo também admite que a mesma colaborava no acordo que encontraram para as visitas em tal fase mesmo não sendo o regulado, e também admite mesmo que após estes factos a mesma permitiu as visitas, tendo-a levado inclusive a ... onde estava internado por segundo o mesmo duas vezes e a pedido da mesma na companhia do seu marido.
37 - Ora, dizem-nos as regras da experiência comum que caso fosse propósito da mãe afastar a menor do pai e impedir tais visitas teria tido a oportunidade ideal quando o arguido ficou sem condições para o fazer, no entanto tal não ocorreu.
38- Dizer também que nas declarações que prestou julgamento o arguido fez crer que por força da sua “educação” não tocava nos genitais da menor, era reservado quanto à sua nudez ect,, tentando fazer crer que não teria contactos/ou “à vontade” mais próximos com a menor.
Ora tal é infirmado pelas declaraçoes da testemunha FF e dos referidos vídeos.
39 - Com efeito, neste concreto ponto a testemunha FF referiu que o arguido não deixava ninguém dar beijar na boca a menor, que a criticava por isso, que ele não tinha esse habito mas que após a separação passou a fazê-lo.
40 - Ora, dos vídeos juntos aos autos a que se aludiu, produzidos/gravados pelo próprio arguido, tal como referiu a testemunha FF, é visualizado que o arguido dá beijos na boca da menor e esta também lhe da beijos na boca, alguns dos quais com o propósito de passar alimentos de uma boca para a outra, sendo que num deles o arguido refere “já me ganhaste outra vez” e de imediato a menor se dirige ao pai e o beija na boca e do mesmo recebe beijo (tal circunstância deste eventual “Jogo” vem a revestir importância também a propósito do exame pericial de psicologia a que infra iremos referir), denotando assim o oposto, (ainda que a propósito de beijos), alegado pelo arguido.
41 - Estranhou o Tribunal que o arguido tenha decidido cometer os factos nessa noite, quando no dia seguinte a menor tinha consulta, correndo o risco de tal situação ter sido detectada.
42-Ora, da devida apreciação do relatório pericial de psicologia de fls. 261 a 266 e das declarações da menor prestadas para memória futura prestadas pela Menor BB,, resulta a existência de um segredo quanto aos factos cometidos pelo pai/arguido, cuja fonte dizem-nos as regras da experiência comum e bem assim o referido relatório que era o pai, pelo que a circunstância de o mesmo saber que a mesma ía ao hospital após os factos - mas para uma consulta relacionado com aftas, aliado ao facto de a mesma ter 4 anos de idade e entender o arguido- como hoje ainda entende, que a mesma não o revelaria, também seguramente não o impediria de cometer os factos que lhe são imputados.
Isto posto
43 - Importa notar que tal versão trazida aos autos pelo arguido em sede de julgamento, negando o abuso sexual à sua filha que era imputado na acusação com as aludidas explicações referentes às assaduras, infecção urinária e existência de cremes, falta de higiene, relação de intimidade com a mãe da Menor, acontece já depois do mesmo conhecer os resultados dos exames periciais juntos aos autos e afigura-se-nos surgir claramente numa tentativa de explicar o vermelhão - ligeiro edema e aumento de vascularização no hímen e os vestígios - de adn e sémen - referidos nas perícias médico legais e de criminalística biológica a que se aludiu, explicações estas, que só não sabia que viriam como vieram a ser cabalmente infirmadas após as suas declarações em sede de julgamento, nos esclarecimentos complementares dos Srs peritos subscritores dos relatórios periciais juntos aos autos e bem assim pela testemunha II que apenas após o seu depoimento foi chamada a depor nos termos do disposto no artigo 340º do C.P.P.
44 - Mas mais, tal versão do arguido é sobretudo infirmada pelas próprias declarações da ofendida a menor BB, cuja versão chega aos autos, por si e por quem os havia relatado - mãe, avó, na triagem, a médica das urgências e ao médico -legal e psicóloga - e ainda antes da realização e conhecimento dos exames periciais- ou seja, aquando da denuncia e da realização dos mesmos, não tendo as mesmas o “dom da adivinhação” do que a final se viria a apurar em tais relatórios - o que só por si afasta a tese do arguido de que a menor também teria sido instrumentalizada pela mãe ou avó ao referido relato.
45 - Na verdade, como poderiam estas instrumentalizar a menor a um relato (verbal e não verbal) - cujas lesões apresentadas e vestígios encontrados e respectiva análise consta dos relatórios periciais que o vieram corroborar a posteriori ?
46 - Mais - como poderia ser a menor de 4 anos de idade ser instrumentalizada quer ao nível da linguagem verbal, quer ao nível da linguagem não verbal - gestos - pela mãe no espaço de muito pouco tempo - cerca de meia hora - que foi aquele que mediou entre o momento em que a menor BB, saiu do hospital depois da primeira consulta e o seu regresso ao mesmo documentado as 12h15 e após ter a mãe, a testemunha FF ter escutado o primeiro relato e visualizado a zona genital da mesma.
47 - Daqui também resulta não ser verosímil a versão do arguido.
48 - Diga-se que, que não se olvida, tal como o Tribunal a quo afirma na sua fundamentação e com referencia aos exames periciais realizados, que o adn autossómico encontrado/existente na zona vulvar da menor, cuecas e camisola interior e bem assim o sémen verificado nas provas de orientação nas cuecas da menor BB que tal possa decorrer de simples contacto, tal como de resto explicou a Sr perita DD.
49 - Tendo pai e filha estado e dormido juntos, esta usando uns calções do pijama do pai, não seria esta uma possível justificação bastante para a existência de tais vestígios de adn e sémen? - contudo não foi só essa a explicação nem a causa que a própria ofendida deu, sendo que a causa que a mesma deu é também ela compatível com os resultados da criminalística biológica, quer com os médico legais de natureza sexual a que infra iremos referir, onde foi verificado no seu hímen eritema e aumento de vascularização, sendo que este não colhe explicação num ”qualquer” possível contacto com o arguido, que de resto nem o próprio referiu ter tido, pois que afirma que nunca lhe tocou em tal zona!!
50 - Por todos os pontos a que supra referimos e bem assim o que infra diremos a versão do arguido não merece qualquer credibilidade.

ii ) relativamente à versão da ofendida BB, menor com 4 anos de idade,
51- A Menor BB prestou declarações para memória futura e, 28.11.2022 que se encontram gravadas em áudio e em vídeo, com inicio as 12h04 e fim as 12h35 - cfr fls. 326 e CD juntos na contracapa.
52 - Entendeu o Tribunal a quo “nas declarações que a menor presta, esta não mostra constrangimento em contar o ocorrido. O que diz é que o pai fez cócegas no pipi, e é só isto que diz: não diz quando, como, em que situação, se foi no dia em causa nos autos, se foi por cima ou por baixo da roupa. Ou seja, as suas declarações são muito escassas sobre a dinâmica do ocorrido inexistindo nos autos qualquer elemento que nos faça concluir que o abuso ocorreu”.
53 - Ora, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo - não obstante até considerar que “Nessas declarações a menor mostra-se uma criança de grande desenvoltura verbal, espontaneidade e riqueza de vocabulário, revelando conhecimento sobre o corpo humano sabendo o que são e onde se encontram os órgãos sexuais das meninas e dos meninos e a diferença entre os mesmos, tendo noção de que é errado mexer nos órgão sexuais de outras pessoas como deixar mexer nos seus, ressalvando que tal só pode ser feito pelo pai ou pela mãe e também pela avó materna” - não as valorou devidamente, por um lado à luz dos conhecimentos e ciência actual e por outro, porque se limitou a fazer uma apreciação isolada das mesmas, não as tendo concatenado com todos os elementos de prova .
54 - As declarações da menor deverão ser valoradas considerando a sua idade - 4 anos, o decurso do tempo e contexto em que ocorreram e apreciado à luz das regras da experiência
comum e ainda - porque no caso dos autos até existem - conjugada com a demais prova existente nos autos - no caso sobretudo pericial e documental e testemunhal.
55 - Ao invés da argumentação que consta do Acórdão em recurso caminhamos no sentido de que a versão do arguido não merece qualquer credibilidade conforme já demonstrado, e ao invés a versão da vitima -, por si só e porque conjugada com a demais prova produzida em sede de julgamento que merece igual credibilidade - se apresenta absolutamente credível e pode ser tida em consideração, tendo o Tribunal “a quo” não decidido correctamente ao não a terem considerado suficiente.
56 - Ora, de tais declarações para memória futura extrai-se - por linguagem verbal e não verbal - gestual - que a menor após insistência e explicação da importância do seu relato por parte da Mº Juíz relata “segredos”, uns relativos à mãe e avó e outros relativo ao pai, sendo que quanto a este revela níveis de resistência ao relato superiores aqueles e sentimentos de vergonha,
57 - Relativamente aos segredos que tem do pai, apenas revelou um primeiro segredo ao ouvido da Sra Juíz, após insistência desta para o verbalizar alto, afirmou que não era para contar, que não quer contar, só após a Sra Juíz os relatar em voz alta para lhe dar coragem a menor os confirmou - e qual seja - que o pai fez coceguinhas no pipi da BB, que mexeu no pipi da BB com o dedo e que não foi para limpar, que estavam sozinhos e que foi há pouco tempo. Depois e instada a explicar como o pai fez a BB explicou exemplarmente como tal ocorreu com recurso a uma dedeira, usando o seu dedo para o explicar, roçando e mexendo com o mesmo no objecto.
Após questionada se foi por dentro e por fora, inicialmente diz por fora e questionada novamente se por dentro também a mesma assume que não quer contar, que tem vergonha, acabando após lhe ser explicado que não precisa de ficar com vergonha, que está a fazer tudo bem, a mesma acaba por contar e relata que o pai também mexeu por dentro do pipi e aqui de forma espontânea também exemplifica com o seu dedo como tal ocorreu, metendo o seu dedo dentro da dedeira e mexendo-o, e que é possível visualizar no vídeo em causa, - cfr todo o vídeo e áudio referente às suas declarações, destacando-se os minutos 24.41 a 32.25 .
58 - Dizem-nos as regras da experiência comum e a ciência conforme supra se referiu que - que as crianças, sobretudo as vitimas de abuso, sabem o significado de verdade e do segredo e os relatam com retalhos de memórias, - segredo é o que não se pode revelar, o que não é para dizer publicamente por algum motivo, e no caso da BB porque tal resulta do exame de perícia psicológica infra referida, e no seu depoimento flui com clareza que a menor BB sabe tal significado e por isso revela resistência e vergonha na sua revelação e apenas o faz, num primeiro momento ao ouvido e em segredo, sendo que os referentes ao pai neles persiste mais e por isso é absolutamente credível.
59 - Os comportamentos e sentimentos da BB manifestados em sede de declarações para memória futura não condizem com um qualquer relato induzido.
60 - Ademais os pormenores de tal relato, de uma menina que conta apenas com 4 anos de idade acompanhados dos gestos com a dedeira a que se referiu distinguindo como o arguido fez por fora e como fez por dentro (que diga-se, pela circunstância inusitada de a mesma ali se encontrar na secretaria da Sra Juíz e apenas naquele momento a menor se interessar por ela jamais poderia resultar de um relato instrumentalizado, pois que ninguém nem a mãe e avó poderia adivinhar que ali iria existir uma dedeira e o que se passou) fazem-nos crer ser relato absolutamente verdadeiro.
61 - Assim não podemos de todo concordar com o entendimento que o Tribunal a quo verteu que na sua fundamentação fez constar que o seu depoimento foi prejudicado pelo uso da dedeira, bem ao invés, a mesma revelou e reforçou a nosso ver a absoluta credibilidade do relato da menor.
62 - De resto tais circunstâncias e sentimentos e constância dos mesmos, foram também verificados na perícia médico legal de psicologia em 25.05.2022 realizada pela Sra Perita EE, cujo relatório consta de fls. 261 a 266, onde se concluiu que - “(…)através da analise quantitativa das declarações da menor, da sua postura e linguagem não verbal e da analise psicométrica, permite-nos acreditar, que estamos perante um relato que, muito provavelmente corresponde a uma situação vivenciada e não a uma mentira, fantasia ou sugestionamento por parte de terceiros”.
63 – Ora, em ambas as situações - declarações para memória futura e perícia psicológica - a menor recusa o relato sobre o ocorrido, faz referência ao segredo, e só após insistências quer da Mma Sr Juíz quer da Sr Perita psicóloga a menor verbaliza e gesticula o sucedido, sendo que a menor em sede de declarações para memória futura disse menos do que o que disse perante a psicóloga e bem assim perante o que disse ao perito medico legal CC, sendo que nestes existe em comum o relato de que o pai/ arguido havia feito chichi na barriga da menor BB.
64 - Não obstante entre todos existe consistência num ponto essencial do relato qual seja, que o pai mexeu com o dedo por dentro e por fora do pipi da BB e que não foi para limpar e tal é absolutamente consentâneo com a ciência a propósito de relatos que compreendem retalhos de memória selectiva a que se aludiu e com a sua idade, e não se pode descurar a circunstância de que a Sra perita Psicologa usou técnicas cientificas e especializadas para o efeito designadamente os desenhos a que se aludiu e que a mesma é uma profissional especializada nessa área, tendo aludido designadamente a literatura que explica e credibiliza o relato da menor, o mesmo sucedendo em relação ao perito médico legal.
65 - Refira-se ainda que neste exame pericial de psicologia e conforme já referido a propósito dos factos em causa nestes autos a menor fez alusão a existência de um “jogo”.
66 - Ora em alguns dos vídeos que o arguido remeteu à testemunha FF e que se mostra junto aos autos a fls 83 referentes ao dia dos factos em causa nestes autos, resulta igualmente uma situação a que supra já aludimos - onde claramente num se visualiza a menor que diz que quer “jogar” e em outro o arguido diz à menor “já me ganhaste” e de imediato ela “cobra” e procura um beijo na boca que o arguido lhe dá, e assim duvidas não há que de que de existiam “jogos” entre ambos e que no dia dos factos os mesmos ocorreram.
67 - Ora, tais vídeos conjugado com as declarações da menor e nos termos em que o foi e da referida perícia psicológica (e estes com o exame pericial de natureza sexual), tudo interpretado de acordo com as regras da experiência comum, permite atribuir consistência e total credibilidade a versão da ofendida BB, impondo-se a valoração do exame pericial de psicologia nos termos nele constante.
68 - De resto, em face da idade da menor BB, do seu relato em sede de declarações para memória futura, absolutamente credibilizado pela perícia de psicologia e este por sua vez também coerente com as declarações da menor e com o vídeo junto aos autos, e considerando o facto 4 que o Tribunal considerou provado e o resultado do exame pericial de natureza sexual de onde decorre a verificação de um edema e aumento de vascularização na zona do himen, que motivo tem o Tribunal para afastar aquela ajuda, aquele contributo da perícia médico legal de psicologia sobre a credibilidade do relato da menor?
69 - A nosso ver e salvo o devido respeito, não existem fundamentos para tal e ao faze-lo errou na sua análise.
70 - Acresce que, tal versão da ofendida que conta apenas com 4 de idade, nos exatos termos em que o foi conjugado com o citado vídeo e a citada perícia médico legal de psicologia que lhe atribui credibilidade não é absolutamente suficiente e credível para a prova dos citados factos que são imputados ao arguido em sede de libelo acusatório, quando no confronto este apresentou uma versão que de todo não é credível e foi mesmo infirmada pericialmente conforme
supra referido ??
71 - Afigura-se-nos que SIM!!
72 - Mas, ainda que assim não se entendesse a versão da BB tem ainda respaldo em outros elementos de prova com os quais também pode e deve ser conjugada, absolutamente essenciais - sobretudo nos registos clínicos de fls. 24, 389 a 390 e nos exames periciais realizados, a que supra já fomos fazendo referência, estes a valorar nos termos do art.. 163º, n.º1, do Cód. Proc. Penal, que estatui que “O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador”, constituindo uma das excepções ao princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º, do mesmo diploma legal,
73. Com efeito, dos relatórios de criminalística biológica de fls 168 e dos exames medico legal de fls. 45, 164 e 407 resulta que das analises genéticas as zaragatoas vulvar e peças de vestuário:
As provas de orientação para deteccção de sémen foi positiva nas cuecas.
A prova de certeza para detecção de sémen não confirmaram a presença de sémen nas cuecas e na camisola interior.
No estudo do ADN autossómico foi detectada a presença de um perfil genético de origem masculina na camisola interior, na zaragatoa vulvar e nas cuecas.
74 - Realizado subsequente relatório pericial criminalística biológica datado de 26 de Julho de 2022 pela Sra Perita DD, junto aos autos a fls. 273 a 274/v com vista a se comparar os vestígios encontrados com os do arguido conclui-se o seguinte:
“ADN AUTOSSÓMICO:
O estudo dos itens ensaiados revelou:
- na camisola interior (C2) a presença de um perfil genético de mistura (XY), com o componente maioritário coincidente com o perfil do arguido AA e o componente minoritário não valorizável, não permitindo assim excluir que o componente maioritário provenha do arguido;
(…)
- na zaragota da zona vulvar “2” (C1), nas cuecas (C1) e na camisola interior (C1), a presença de perfis genéticos de mistura (femininos e masculinos, XY), compatíveis com o perfil do arguido AA não permitindo assim excluir que o arguido tenha contribuído para essa mistura”.
75 - Por tais motivos foi dado como provado o facto 4. “ 4 - Em exame pericial de natureza sexual realizado no dia 28 de Março de 2022, foram colhidas amostras, além do mais, na região vulvar da menor BB, que sujeitas a exame pericial de biologia forense revelaram conter o perfil de ADN do arguido;
76 - Por sua vez, o relatório da perícia de natureza sexual em direito penal realizado em 28/29.03.2022 junto aos autos a fls. 45 a 49 resulta que “No exame da região genital e anal observou-se eritema ligeiro e aumento da vascularização na zona correspondente entre as 3 horas e 5 horas do sulco ninfohimeniel. Tais alterações embora podendo indiciar uma situação de abuso sexual, não são especificas ou patognomónicas de tal situação. De facto tais achados, apresentam um caracter inespecifico e etiologia multifatorial.
77 - Deste modo, considerando, como consideramos que a versão da menor deve merecer inteira credibilidade pelos motivos supra referidos, tais exames terão de ser interpretado em conformidade e como compatível com o relatado pela menor.
78 - Refira-se aqui mais uma vez que as causas aventadas pelo arguido para explicar a alegado vermelhidão existente - não se comprovou - não existiam quaisquer assaduras, infecção urinária ou falta de higiene - o que existia é um eritema e aumento de vascularização que é compatível com o abuso sexual relatado pela menor - qual seja que o arguido em dia não concretamente apurado, mas situado entre os dias 27 e 28 de Março de 2022, a hora não concretamente apurada, apalpou a zona genital da menor, manipulando com os dedos a vulva da menor e introduziu um dos seus dedos na vagina da menor.
79 - Na verdade, da análise de tais perícias o que se extrai é que os mesmos são também inteiramente compatíveis e coincidentes com os relatos que a menor BB com apenas 4 anos foi fazendo ao longo do tempo.
-- ou seja o seu ADN na zona vulvar e cuecas, porque o arguido mexeu na zona genital da menor;
- o eritema ligeiro e aumento de vascularização no hímen - porque o arguido mexeu na zona genital da menor, manipulando com os dedos a vulva e introduzindo um dos seus dedos na vagina;
-o sémen verificado nas provas de orientação, coincidente com o “chichi” que consta do relato que havia feito quer no gabinete médico legal quer a psicóloga. - (aqui se convoca o que disse a sra perita e consta da fundamentação - a não confirmação não significa que não seja sémen, só que não foi possível confirmar).
80- Por fim e aqui chegados há um ponto comum em todos os elementos de prova que supra fomos referindo que importa destacar - há uma absoluta e coincidente constância não verbal que acompanha o relato da menor BB sempre que o fez e independentemente a quem o fez e o modo como foi abordada sobre o assunto (o que só por si também afasta qualquer tese de instrumentalização da mesma) e é transversal a todos - que importa assinalar e destacar pois que a nosso ver assume especial importância sobretudo porque estarmos perante uma criança de 4 anos revelando a sua absoluta credibilidade, e que foi de todo descurado pelo Tribunal a quo:
Numa tentativa de mostrar como o pai, ora arguido fazia, a menor BB com apenas 4 anos de idade em vários momentos ao longo do tempo e em varias diligências a que compareceu gesticulou como ele mexeu com o dedo no seu “pipi”.
- atente-se ao que supra se referiu a propósito do que consta do registo clínico elaborado pela medica pediatra Dra JJ no dia da admissão da menor no Hospital, onde perante aquela a menor gesticulou como o pai fez ;
- atente-se ao que supra se referiu no exame médico legal de natureza sexual e ao que disse e gesticulou ao Sr Perito CC nos dois dias em que a examinou - nos dias 28 e 29;
- atente-se ao que supra se referiu no exame de psicologia e ao que disse e gesticulou a Sra Perita;
- e finalmente atente-se ao que disse e gesticulou - perante a Mmº Juiz nas declarações para memória futura, cujo vídeo o espelha.
81 - Tais relatos e comportamentos da menor que encerram linguagem verbal e não verbal ao longo do tempo- documentados nos autos por entidades reconhecidas e diversas (também presenciadas pela mãe e avó testemunhas nestes autos e a que infra nos iremos referir)- consistentes no essencial, secundam e reforçam a credibilidade que o seu relato em sede de declarações para memória futura merece e que já havia sido atestado pelo relatório de psicologia a que supra se aludiu,
82 - Ora ao não ter valorado as declarações da menor devidamente conjugadas com os citados documentos, depoimentos e as citadas perícias nos termos ora pugnados, e ao não as ter considerado suficientes para prova dos citados factos, violou o Tribunal a quo o princípio da livre apreciação da prova e bem assim da valoração que nos termos supra referidos devem merecer as provas periciais a que aludimos
83 - Assim sendo, considerando que a versão da menor, aquela que nos chega ao processo antes de serem realizados e serem conhecidos todos estes exames periciais é aquela que tem neles inteiro respaldo, que a versao do arguido trazida ao processo já depois de conhecer os resultados periciais e que foi completamente infirmada, em obediência aos princípios que norteiam a apreciação da prova em causa nestes autos impõe-se concluir pela prova dos factos objectivos que eram imputados ao arguido em sede de libelo acusatório.
84 - E, se tal não bastasse, ainda importa conjugar a versão da vitima e demais prova documental e pericial a que supra aludimos com as declarações prestadas pela mãe e pela avó, as testemunhas FF e GG que prestaram declarações em sede de audiência de julgamento no dia 22.01.2025 onde alem do mais relataram o que ouviram dizer à menor.
85 - Neste ponto, importa dizer que também discordamos de todo do Tribunal a quo, quando na sua fundamentação afirma que apenas podem valorar no caso dos autos para os factos em apreciação o que foi relatado pela menina em sede de declarações para memória futura.
86 - Ora, assim não se entende, pois que tendo a menor com apenas 4 anos de idade prestado declarações nestes autos em sede de declarações para memória futura, (e ainda que não o tivesse feito por não se recordar ou fosse inconclusivo como infra diremos) o relato feito pela mesma e conforme já se referiu aos Srs peritos médico legais e de psicologia que constam dos relatórios periciais juntos aos autos, embora não fazendo (por si só) prova positiva do facto servem também para aferir da sua constância e em consequência da credibilidade ao relato da menor, avaliado tudo nos termos do artigo 127º do C.P.P., e o que a mesma relatou à sua mãe e avó e o que estas ouviram dizer da mesma - todas testemunhas nestes autos – consubstancia depoimento indirecto previsto no artigo 129º do C. P.P. também ele admissível e valorável nos termos do artigo 127º do C.P., desde que credíveis.
87 - Na verdade, nos casos de abuso sexual de crianças especialmente pequeninas – como a dos autos, e ou incapazes por ex., revestem também especial importância os depoimentos de ouvir dizer às pessoas a quem os mesmos os manifestaram ou revelaram, por gestos ou palavras, sobretudo nos primeiros momentos.
88 - In casu até estamos perante relatos de ouvir dizer a vitima/testemunha que prestou declarações e por isso são assim valorizáveis nos termos do artigo 127º e 129º do C.P.P.
89 - Na verdade, entendemos que a proibição de valoração do depoimento indirecto consagrada no art. 129º do C.P.P. não é uma proibição absoluta pois que comporta excepções, desde logo, as ali enumeradas, não sendo as mesmas taxativa.
90 - Além dos casos previstos na lei, cabem nas excepções os casos em que o autor da declaração reproduzida pela testemunha está verdadeiramente incapacitado de depor validamente em Tribunal, tal como é o caso de uma criança muito pequena que, chamada à
audiência, presta depoimento inconclusivo por exemplo. Tal inconclusão mais não demonstra que a alegada incapacidade de depor. A referida incapacidade tanto pode advir da incapacidade da criança comunicar verbalmente (ou por outra linguagem), como por qualquer outra razão relevante nomeadamente de não se recordar, não perceber a importância e consequências do seu testemunho etc.
91 - O facto de a criança em Tribunal prestar depoimento inconclusivo não acarreta a consequência que tudo aquilo que a criança tenha dito, noutros lugares e circunstâncias, seja igualmente inconclusivo e ou inverídico, tal como supra já referimos.
92 - Os depoimentos indirectos de pessoas que relatam factos narrados pela criança são de valorar, mesmo que a criança não os consiga reproduzir Tribunal - e por maioria de razão quando os consegue, se, como no caso concreto, tais depoimentos se revelarem credíveis e tal credibilidade poderá advir por exemplo dos exames perícias realizados, mormente os de natureza sexual e psicológicos e ou de outros elementos de prova trazidos aos autos, como é o caso dos presentes autos, conforme já fomos referindo.
O princípio da imediação da prova tem, pois, de ceder quando razões mais fortes, como estas, que se prendem com a descoberta da verdade material, o impõem.
93 - Por tudo o já argumentado na presente peça recursiva, no que tange aos depoimentos de tais testemunhas, da Mãe e Avó da menor, as testemunhas FF e GG, salvo o devido respeito o Tribunal a quo - também violou as regras relativas a apreciação da prova, sendo que no caso da mãe da menor não o apreciou devidamente o considerando que o mesmo se mostrou incoerente em alguns pontos fundamentais pondo em causa a sua credibilidade, sendo que o relativo a avó se limitou a dizer que “, avó da menor e mãe da testemunha FF explicou como decorriam as visitas entre o pai e a menor e como soube dos factos em causa nos presentes autos referindo que a sua filha lhe ligou dizendo que: “a menina estava a dizer coisas sem pés nem cabeça”.
Acrescentou que no dia seguinte acompanhou a mãe e a neta ao Hospital ... a fim de a mesma ser examinada pelo perito legal, descrevendo o que ali ocorreu.”
94 - Com efeito, Tribunal a quo, a nosso ver não interpretou nem extraiu, conforme supra referido, de tais declarações o devido valor permitido pelos artigos 127º e 129º, ambos do C.P. P, factos e consequências e nos termos em que os valorou, o Tribunal a quo, violou normas de direito probatório, como seja violou o princípio da livre apreciação da prova p. e p. no artigo 127º, violou a norma atinente à valoração da prova pericial p. e p. no artigo 163º do C.P.P. e por ultimo a violou a norma relativa ao depoimento indirecto previsto no artigo 129º do C.P., conforme iremos demonstra na presente peça recursiva.
95. De resto não se concorda com o Tribunal a quo quando considerou que o depoimento da testemunha FF não se mostrou coerente em pontos que considerou fundamentais, quais sejam que a mesma espontaneamente não relatou uma anterior suspeita nem redobrou os seus cuidados para com a menor e porque o perito não viu o vermelhão que a mesma alegava existir e
96- Ora Tribunal a quo não atentou devidamente ao teor de todo o seu depoimento nem sequer também o do arguido a que supra se aludiu pois que dos mesmos não decorre qualquer insistência do MP na questão, antes que foram feitas questões diversas de modo mais aberto para o concreto até que a mesma percebesse o que de facto se estava a questionar e o que se pretendia com tais questões. Percebida a questão esta testemunha relatou de imediato tal facto e com pormenor - ou seja a anterior suspeita que teve, explicando inclusive os motivos porque não avançou com qualquer queixa e que desde então passou a estar mais atenta nas visitas da menor.
97- Entendeu/questionou o Tribunal a quo que se a menor tinha um vermelhão da zona da vulva, como a mãe diz, como é possível que o perito médico, na primeira vez que observou a menor, não o detectou?”
98 - Ora salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não valorou também devidamente o depoimento da mãe da menor, o referido auto de diligencia de fls. 15 vº a 17 vº e sobretudo o relatório pericial de natureza sexual, pois que a resposta à questão suscitada pelo Tribunal consta nele expressamente - o Sr Perito Médico da primeira vez - dia 28 - por não lhe ter sido possível, não realizou exame físico das regiões ano-genital adequado à menor e tal facto presume-se subtraído a apreciação do Tribunal nos termos impostos pelo artigo 163º do C.P. P.
99- Acresce que tendo Tribunal a quo decidido valorar tal auto de diligencia, nos termos em que o fez, então da sua integral e correcta análise, conjugado com os esclarecimentos prestados pelo Sr Perito CC em Julgamento e bem assim com os relatórios periciais de natureza sexual, e as declarações prestadas pela testemunha FF, quer em sede de julgamento quer as que constam do referido auto, não permite concluir que o Sr Perito, no dia 28.03.2022, poderia ver e de facto viu o mesmo que viu a Testemunha FF e por tal motivo ter deixado de lhe dar credibilidade, tanto mais que um eritema e aumento da vascularização no himen foi visualizado no dia seguinte pelo mesmo perito e constam do referido exame médico -legal, ou seja até bastantes horas depois do visualizado pela mãe, sendo que um edema e aumento de vascularização é alem do mais, um rubor ou seja um vermelhidão.
100- E diga-se quanto à existência da referida o vermelhidão nem o arguido a negou simplesmente disse que eram assaduras que, como supra referido foram infirmadas conforme supra referido.
101- Ao não dar credibilidade também por tais motivos ao depoimento da testemunha FF o Tribunal a quo errou na sua apreciação e ao interpretar como fez o teor do relatório pericial violou o disposto no artigo no artigo 163º do C.P.
102- Assim sendo e salvo o devido respeito, pelos motivos que se acabam de indicar e bem assim por todo o exposto ao longo desta peça recursiva impõe-se atribuir inteira credibilidade ao depoimento prestado por tal testemunha FF, incluindo o que viu na menor e como viu e a parte do que ouviu dizer à menor.
103- Do mesmo modo o depoimento prestado pela avó da menor GG, também assume especial importância nos autos, não obstante o Tribunal a quo não ter tirado qualquer consequência probatória da apreciação que fez do mesmo, incorrendo assim também em erro na apreciação que dele fez .
Passemos então à analise do que a menor BB relatou a tais testemunhas:
104-As testemunhas FF e GG, por lhe terem sido relatados factos directamente pela menor e bem assim terem ouvido o por si relatado e visto os gestos realizados pela menor na triagem do dia 28.03.2022 (FF) e aquando de tais exames nos dias 28 e 29 .03.2022 (FF e GG) e no exame de psicologia em 25.05.2022 relataram nestes autos e em sede de audiência de julgamento factos que ouviram dizer à menor e que veio a prestar declarações nos autos e como tal são, como já supra se referiu valoráveis.
105- Com efeito, em audiência de julgamento a testemunha FF, mãe da menor BB em síntese, no essencial e no que ora importa referiu que, ao fim da manha do dia 28.03.2022 apos a menor lhe ter sido entregue pelo pai e o fim da consulta a que levou a menor BB, quando lhe ia dar banho e ao despi-la na parte de baixo, viu aquela zona vermelha e questionou a menor sobre o quera aquilo, tendo a mesma lhe dito que esteve a brincar com o pipi do pai esteve a brincar com o pipi dela e que apos a levou de imediato ao hospital, onde deu entrada as 12h15 e ali ouviu e viu a mesma a relatar tais factos e a gesticular como tal tinha acontecido, à médica da urgência que atendeu e ao medico legal no dia 28, e no dia 29 a mesma repetiu tais factos e os mesmos gestos mas ainda acrescentou que o pai tinha feito chichi na sua barriga e era branco. Mais referiu que a menor não tinha qualquer noção do que dizia.
106- Por sua vez em audiência de julgamento a testemunha GG, avó da menor, em síntese e no essencial e no que ora importa referiu que no dia em causa a sua filha lhe ligou a dar conta que a BB estava a dizer coisas sem pés nem cabeça, acabando por a levar ao hospital, ali voltando no dia seguinte já na sua companhia, sendo que esta lhe relatou o que o arguido tinha feito à BB a que se aludiu e no dia seguinte ali voltaram, tendo ali presenciado a menor a relatar ainda ao medico legal um facto que a menina ainda não tinha relatado - que o pai fez chichi na barriga dela e que o chichi era branco, que brincou com o pipi do pai e que o pai brincou com o pipi dela, e viu os gestos que a mesma fez com os dedos para o exemplificar. Que depois de tais factos a mesma lhos relatou novamente varias vezes e ficou convencida que a mesma dizia a verdade por força do que relatou e da sua idade, não tendo a mesma sequer noção do que dizia.
107 - Ora, a veracidade e credibilidade de tais depoimentos de ouvir dizer valoráveis da Mãe e Avó e da menor, decorre não só da credibilidade que os relatos da menor devem merecer como já supra pugnado, mas também decorrem do teor dos registos clínicos e do que o médico perito e a psicóloga fizeram constar dos respectivos relatórios médico legais supra referidos que comprovam as suas presenças e que foi dito pela menor, e sendo tudo coerente e consentâneos, e devem por isso merecer inteira credibilidade.
108 - Certo é que como supra referido tais relatos da menor aos peritos e medica no hospital não configuram (por si só) a prova do facto positivo, mas a documentação do ocorrido nos registos clínicos e nos exames médico legais “certificam” que as mesmas ali se encontravam e ouviram e viram o que a menor disse e fez, pelo que os depoimentos prestados pelas testemunha FF e GG no que concerne ao que ouviram dizer à menor em sede de audiência de julgamento é absolutamente coincidente com aqueles e por isso são credíveis.
109 - Ao valorar o depoimento da testemunha FF e GG nos termos em que o fez, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 127º do C. P.P. e 129º do C.P.P.
110 - E se assim é o depoimento prestado em sede de declarações para memória futura pela menor BB mostra-se assim também secundado e credibilizado pelo relato que em momentos anteriores havia feito a tais testemunhas ou na presença das mesmas e que estas lhe ouviram dizer.
111 - Ora assim sendo, considerando que a versão da menor, aquela que nos chega ao processo antes de serem realizados e serem conhecidos todos estes exames periciais é aquelaque tem neles inteiro respaldo, que o exame de psicologia atribui credibilidade ao seu relato, que os depoimentos da avó e da mãe merecem inteira credibilidade tal como supra pugnamos e como tal devem ser valorados, que a versão do arguido trazida ao processo já depois de conhecer os resultados periciais e que foi completamente infirmada, em obediência aos princípios que norteiam a apreciação da prova em causa nestes autos impõe-se concluir pela prova dos factos objectivos que eram imputados ao arguido em sede de libelo acusatório.
112 - Na verdade, a versão da menor vítima destes autos - por si só e também porque suportada por todos os elementos de prova a que fomos aludindo ao longo desta peça recursiva é absolutamente suficiente para tal.
113 - Aqui chegados, e por último, dizer também que perante a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, na nossa modesta opinião, e, em face das regras da experiência comum, de onde resulta que um pai que apalpou a zona genital da menor, manipulando com os dedos a vulva da menor e introduziu um dos seus dedos na vagina da menor, na sequencia do que ficou o seu ADN, alem do mais, na zona vulvar e cuecas, e um eritema e aumento de vascularização no hímen, não resulta evidenciada qualquer justificação para aqueles comportamentos por parte do arguido que não seja a real intenção de atentar contra a sua liberdade e auto determinação sexual.
114 - Efectivamente, estando a criança - apenas com pouco mais de 4 anos de idade, na total dependência do arguido - que por ser seu pai tinha o especial dever de dela cuidar e tendo este apalpado a zona genital da menor, manipulando com os dedos a vulva da menor e introduzido um dos seus dedos na vagina da menor, impõe a conclusão de que era aquela a sua real intenção.
115 - Inferindo-se, assim, dessa factualidade o dolo quanto à prática dos factos que de resto lhe era imputado no libelo acusatório.
116 - Assim fazendo aplicação dos citados critérios para apreciação da prova, do conjunto da prova produzida supra referida, conjugado com os demais factos dados como provados que ao mesmo dizem respeito e respectiva fundamentação permite concluir, com grau de certeza, que além do mais:
a - Numa das visitas ao arguido, no interior da residência deste, sita na Praceta ...., nesta cidade ..., em dia não concretamente apurado, mas situado entre os dias 27 e 28 de Março de 2022, a hora não concretamente apurada, o arguido apalpou a zona genital da menor, manipulando com os dedos a vulva da menor e introduziu um dos seus dedos na vagina da menor; - deverá ser dado como provado nesses termos com base na apreciação de toda a prova produzida na sua globalidade e indicada no ponto 3 das presentes conclusões .
b - Ao levar a cabo toda a conduta acima descrita em relação à sua filha menor BB, agiu o arguido com a intenção de satisfazer os seus desejos libidinosos, bem sabendo que a mesma tinha, aquando dos factos praticados, 4 anos de idade e que, como tal, carecia completamente de capacidade para se autodeterminar sexualmente, não ignorando que, ao agir daquela forma, prejudicava gravemente o livre desenvolvimento da personalidade da mesma menor; - deverá ser dado como provado nesses termos com base na apreciação de toda a prova produzida na sua globalidade e de indicada no ponto 3 das presentes conclusões, conjugado com a demais prova produzida e inferindo-se dos factos provados e dos que se pugnam que sejam considerados provados nos termos do presente recurso.
c - O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. - deverá ser dado como provado nesses termos com base na apreciação de toda a prova produzida na sua globalidade e de indicada no ponto 3 das presentes conclusões, conjugado com a demais prova produzida e inferindo-se dos factos provados e dos que se pugnam que sejam considerados provados nos termos do presente recurso.
117 - pelo que os factos A), B) e C) dos factos não provados, na redação e sequência que constava do libelo acusatório, deverão ser também considerados provados.
ii) da violação do princípio do in dubeo pro reo:
118 - Em face de todo o exposto não poderia o Tribunal a quo se ter socorrido do princípio do in dubeo pro reo, para fundamentar a decisão de absolvição.
119 - Ora, conforme supra referido, in casu, em face do acervo probatório a que se aludiu, devera prevalecer a versão da ofendida BB, não existindo qualquer duvida sobre a prova do cometimento dos factos pelo arguido e muito menos razoável.
120 - Ademais, ainda que o Tribunal tivesse entendido como entendeu e que as declarações da menor foram escassas e que possam ter sido “prejudicadas” pelo modo como foram conduzidas, perante a dúvida a que chegou sempre deveria ainda que a título excepcional determinar que a mesma prestasse declarações em sede de julgamento, desde que tal não pusesse em causa a sua saúde física ou psíquica (cfr. art. 24.º, n.º 6 do Estatuto da Vítima), por tal ser essencial a descoberta da verdade material - cfr. artigo 340º do C.P.P., - pois que talpoderia permitir ao Tribunal ultrapassar as duvidas a que chegou.
121 - Com efeito, a norma especial contida no art.º 24.º, n.º 6, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei n.º 130/2015, de 4/9, expressamente prescreve que as vítimas não devem ser chamadas a depor em audiência a não ser que tal se mostre essencial para a descoberta da verdade e não puser em causa a sua saúde física ou psíquica, tratando-se de pressupostos cumulativos.
122 - Assim perante a dúvida a que o Tribunal a quo chegou sempre deveria ter diligenciado pela averiguação de tais requisitos e determinar que a menor prestasse declarações, e ou ao invés fundamentar a sua impossibilidade.
123 - Certo é que não poderia o Tribunal a quo - sem esgotar os poderes de investigação e da descoberta da verdade material a que esta obrigado - caminhar no sentido da absolvição apoiado no princípio do princípio do in dubeo pro reo, como fez.
124 - Ao não o fazer incorreu o Tribunal a quo na violação do disposto no artigo 340º do C.P.O e do princípio da presunção de inocência e na vertente do in dube o pro reo previsto no artigo 32º, nº2 da Constituição da República Portuguesa
iii) da subsunção jurídica
125 - os factos cometidos pelo arguido em face da matéria de facto já provada e dos que consideramos provados nos termos supra pugnados e que aqui se reproduzem para todos os efeitos legais - integram a prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, nº s 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, sendo tal crime ainda punido com a pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais p. no artigo 69º- C, nos 2 e 3 do C.P.
iv) da medida da pena principal e acessória:
126 - Assim sendo, tendo aqueles elementos para determinação da pena em consideração, afigura-se-nos que se apresenta adequada e justa, aplicar ao arguido uma pena não inferior a 5 anos de prisão.
127 - Sendo esta pena principal susceptível de suspensão consideramos que relativamente a este em face da sua inserção sócio-familiar e os comportamentos que vem assumindo após ter saído do estabelecimento prisional e que constam dos factos provados nos pontos 6.3 a 6.9 é possível efectuar um juízo de prognose favórável no que se reporta às suas condutas futuras, razão pela qual tal pena devera ser suspensa na sua execução por igual período, subordinado ao cumprimento de deveres e regras de conduta a acompanhar pela DGRSP que passe pelo cumprimento/manutenção do tratamento a questão aditiva e que inclua a frequência de programas ou consultas, direccionadas para os comportamentos desviantes na área da sexualidade.
128 - Incorre ainda o arguido na pena acessória prevista no artigo 69º- C, nºs 2 e 3 do Código Penal.
Ora, considerando os comportamentos do arguido que resultam da matéria de facto, que o mesmo não revelou qualquer sentido critico sobre os mesmos, não mostrou arrependimento, que o arguido é pai da menor, a idade da mesma - que esta também não possui qualquer juízo críticos sobre os factos que contra si foram praticados, e não tem qualquer capacidade de se lhe opor, antes revela gostar do mesmo, deve ser também condenado nas penas acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores e bem assim na inibição do exercício de responsabilidades parentais, por um período não inferior a 7 anos
v) - da Reparação da Vitima:
129 - Nesta conformidade em face dos factos supra e que se pugna sejam considerados provados dúvidas não restam que a menor BB sofreu directa e necessariamente ofensas no seu corpo, na sua dignidade pessoal e na sua liberdade e auto determinação sexual, que a acompanharão ao longo da sua vida, e que por isso devem ser reparados em quantia não inferior a 5.000,00€ nos termos do artigo 82º- A do C.P.P.

130 - O Douto Acórdão violou assim:
- o artigo 127º do C.P.P.;
-- o artigo 129º do C.P.P.
- o artigo 163º do C.P.
-os artigos 171º, nºs 1 e 2, 177º, nº1 a) do C.P., 69º-C, nºs 2 e 3 todos do C.P. do C.P., art.82º
-A C.P.P. e 16º, nºs 1 e 2 do Estatuto da Vitima (Lei 130/2015 de 04/09)
- o artigo 340º do C.P, 271º, nº8 do C.P.P. e art. 24º, nº 6 do Estatuto da Vítima
- art 32º, nº2 da C.R.P.
Termos em que, e no mais de direito, deve ser revogado o Douto Acórdão recorrido:
- alterando a matéria de facto nos termos supra pugnados,
- tendo em conta a nova matéria de facto dada como provada, conjugando-a com a demais que já se encontrava provada (que não foi objecto da presente peça recursiva) seja o arguido AA condenado:
 - pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, nº s 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal ;
- a) na pena de prisão de 5 anos suspensa na sua execução, por igual período, subordinado ao cumprimento de deveres e regras de conduta a acompanhar pela DGRSP que passe pelo cumprimento/manutenção do tratamento a questão aditiva e que inclua a frequência de programas ou consultas, direccionadas para os comportamentos desviantes na área da sexualidade.
- b) com a pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais prevista no artigo 69º- C, nos 2 e 3 do C.P. por um período não inferior a 7 anos.
c) no pagamento à vitima da quantia não inferior a 5000,00€ a titulo de reparação nos termos do artigo 82º - A do C.P.P.
Assim se fazendo a já costumada justiça.
*

O arguido apresentou contra-motivação, sumariando da seguinte forma:
1. Muito bem esteve o Tribunal Ad quo (tribunal Coletivo) ao decidir como decidiu, ao absolver arguido do crime de abuso sexual de menor agravado (Art. 171ºns 1 e 2e 177º nr1 alínea a), ambos do Código Penal) de que vinha acusado, por entender que depois de toda a prova produzida, designadamente, Declarações do arguido, depoimento das testemunhas da acusação e da defesa, relatórios periciais, esclarecimentos dos peritos, documentos, vídeos, etc e declarações para memória futura da menor, pugnando por analise e visão global de toda a Prova produzida, entendeu, na sua livre convicção, que, não foi produzida prova suficiente, no sentido de condenar o arguido do crime de que vinha acusado.
2. Não se conformando com a Douto Acórdão, do Coletivo de Juízes do Tribunal ad quo, veio dele interpor recurso a Digníssima Procuradora, cuja argumentação e fundamentação, não comungamos de todo, conforme passaremos a explanar, no âmbito destas conclusões;
3. Desta feita, o recurso apresentado pelo Senhora Magistrada do MP, recai sobre o Douto acórdão, proferido pelo Coletivo de Juízes daquele Tribunal, e em suma, versa e/ou tem como fundamento as seguintes matérias:
f) a impugnação da decisão Proferida Sobre a Matéria de Facto não provada,
g) a violação do Princípio do In Dúbio Pró Ré,
h) Subsunção jurídica dos factos considerados provados, na decorrência do Recurso, no crime de Abuso Sexual de Crianças agravado, pp Art. 171ºns 1 e 2e 177º nr1 alínea a), ambos do Código Penal, incorrendo ainda o Arguido na Pena Acessória de proibição de confiança de menores e inibição das Responsabilidades Parentais, pp no 69º C, nr. 2 e 3 do C.P.
i) Na medida da pena principal e Acessória;
j) Da Condenação do Arguido ao pagamento de Uma indemnização nos termos do artigo 82º- A do CPP.
4. O arguido, na senda da organização do Recurso apresentado pelo MP, apresentar as suas contra alegações de recurso, rebatendo cada um dos itens/fundamentos invocados no recurso do MP, com os quais discorda absolutamente;
5. O arguido discorda da argumentação apresentada, pelo MP no seu recurso, quanto à impugnação da decisão Proferida Sobre a Matéria de Facto não provada, e sobre o violação do Principio do In dúbio Pro Reú, porque salvo o devido respeito, assenta numa visão/conspeção e observação da matéria de facto produzida, de forma fragmentada, designadamente, da interpretação que faz dos depoimentos prestados em julgamento, sem parecer dar relevo ou desconsiderando completamente, o contexto de conflitualidade pré existente entre a testemunha FF, que era ex mulher do arguido e aquele (com Processo Divórcio Prévio, de violência domestica e vários processos no Tribunal de Família e Menores), bem como, no dia dos factos da Acusação em que houve conflitualidade, ter havido chatices daquela testemunha, com o arguido porque não lhe entregou a filha, conforme aquela queria e bem com, a própria avó materna, que também não nutre de qualquer simpatia pelo arguido, entre outros fatores que à frente precisaremos.
6. No acórdão do Tribunal ad quo, que não nos merece nenhum reparo, foi analisada pelo Coletivo de Juízes toda a prova produzida na sua globalidade, em todo o seu contexto, de forma isenta, e por esse, motivo foi o arguido, devidamente absolvido;
7. Exige-se assim ao Julgador, in casu ao Coletivo de Juízes, que olhem para a prova na sua globalidade, não descuidando todo o contexto existente e pré existente, à data dos factos, ao que as testemunhas disseram e como disseram, e sua postura corporal, em julgamento, bem como as relação entre as mesmas, o resultado dos exames, designadamente de biologia forense e outros, que pelo seu resultado, objetivamente não podia fundamentar nenhuma condenação e é na senda da conjugação de todos estes e outros fatores que decorreram, nas diversas sessões de julgamento, que este Coletivo de Juízes, formou a sua convicção, no sentido de absolver o arguido nos termos em que fez.
8.O Douto acórdão proferido no Tribunal ad quo, que reiteramos, de uma forma até bastante intensiva, justifica que a live apreciação da prova, que foi feita, por estes julgadores, não tem nada de discricionário, muito pelo contrário, exige uma séria responsabilidade de olhar para toda a prova que se produziu em sede de julgamento (depoimentos e declaração para memória futura da menor), bem como a documental e pericial ali carreada, de uma forma objetiva, ponderada, global, não descuidando critérios de experiência comum e de homem médio, para concluir da forma constante no acórdão;
9. Veio do MP, recorrer do Douto Acordão, impugnando a decisão Proferida Sobre a Matéria de Facto não provada,
Salvo o devido respeito, por entendimento diferente, o recurso apresentado pelo MP, sobre o Acórdão recorrido, no que tange à impugnação da matéria de facto dada como não provada, é baseado nos depoimentos prestados, mas direcionado, somente para parte daqueles depoimentos (faz uma transcriação parcial dos mesmos, dos exames efetuados e outros documentos, descuidando os contextos existentes, encerrando assim uma visão escassa e/ou parca sobre apreciação da prova, que tal como já anteriormente se referiu, deve ser feita por um todo, ou seja, de forma global, tal como resulta do Douto Acórdão Recorrido.
10. A defesa, por uma questão de economia Processual dá por integralmente reproduzida os factos dados como provados constantes no ponto 1 a 7 (páginas 2 a 5 do Douto Acórdão) e os não provados, conforma resulta do ponto a) e b) e c) do Acórdão recorrido (página 5), que dá por integralmente reproduzidos e os quais subscreve;
11. -Na motivação da matéria de facto, o Tribunal ad quo, no seu Acórdão refere, e bem, e sob escrutínio de três Senhoras Magistradas Judiciais, toda a matéria que se fixou como provada e não provada no Acórdão, resulta de uma apreciação critica da globalidade da Prova Produzida em Julgamento, segundo regras de experiência e a Livre Convicção do Tribunal, confrontando-se a prova pericial com a prova Oral e aferindo-se do conhecimento de causa, da isenção do depoimento e declarações prestadas, das suas certezas e hesitações, da razão de ciência e da relação com os sujeitos processuais.
12. - Os factos sobre qual pendia a acusação, eram graves, recaía sobre uma criança de 4 nos, e obviamente, foi com muita atenção e cuidado que o Tribunal, escutou e analisou toda a prova, o mesmo se diga sobre as declarações para memória futura da menor, bem como, relativamente aos peritos, que elaboraram os relatórios, cuja solicitação em tribunal para prestarem esclarecimentos, foi a pedido do Arguido.
13. -No seu recurso, o MP, alega, como fundamento da sua impugnação da decisão Proferida Sobre a Matéria de Facto não provada, que, ao conjugar-se as declarações do arguido, com os depoimentos da Mãe da Menor, Avó e até do Padrasto da menor, HH, e a Testemunha II bem ainda, dos Senhores Peritos, os factos que foram dados como não provados, deveriam ter resultado como provados,;
14. “chamando atenção”, para parte dos depoimentos prestados (a parte que só a si lhe interessa), infirmando dali, que o Tribunal deveria ter dado mais credibilidade aqueles depoimentos, por conta de algumas referências que fazem, sem cuidar que a valoração dos depoimentos deve sempre recair sobre a totalidade do depoimento, conjugado, com o tipo de relação das testemunhas relativamente ao arguido e ainda do contexto anterior, concomitante e posterior, aos factos constantes da Acusação, para que assim também se conclua com isenção se aquela testemunha merece a credibilidade do Tribunal;
15. Este recurso do MP, do qual não concordamos, faz uma análise tendenciosa dos depoimentos, que recai sobre uma parte restrita e literal desses depoimentos e sempre, com a vista à condenação do Arguido, não tendo qualquer tipo de preocupação, em apurar a verdade material dos factos, até porque, para tal, exigiria da sua parte, uma análise e conjugação de toda a prova produzida, e que na verdade, não lhe interessa porque, dali resultaria sempre a Absolvição do Arguido;
16. Não se pode olhar, literalmente, só para aquilo que as testemunhas dizem no seu depoimento, como pretende realçar a Digníssima Procuradora do Ministério Público no seu recurso, muito concretamente quando se refere ao Factos que ela considera que deviam ter sido dados, como provados e não foram, sem cuidar de tomar atenção, à linguagem não verbal, designadamente a forma como as testemunhas se apresentaram ao longo do seu depoimento, à postura corporal durante o seu depoimento, a mudança de atitude quando estão a ser interrogadas por sujeitos diferentes, a conjugação do contexto relacional entre essas testemunhas e o arguido, há data dos factos da Acusação, previamente a eles e posteriormente aos mesmos, e a correlação com os restantes depoimentos prestados
17. Olhar-se, literalmente para o que as testemunhas falaram em parte do seu depoimento, pode resultar numa visiva, segmentada e restritiva dos acontecimentos, tal como o faz, a Digníssima Senhora Procuradora, em sede de recurso, quando se refere à parte que lhe interessa nos depoimentos por si indicados, quer do Arguido, das testemunhas da acusação e ou dos senhores peritos, desvalorizando ou tentando desvalorizar, o restante
18. Obviamente, não foi essa a premissa utlizada pelo Coletivo de Juízes do Tribunal Ad quo, que analisou toda a prova na sua globalidade, por si só na sua plenitude e conjugada com a restante, de forma objetiva isenta, segundo as regras de experiência comum, formando dessa forma, livremente, a sua convicção, de que, da prova produzida no julgamento, foi insuficiente, para condenar o arguido da prática dos factos, de que vinha acusado e dessa forma, absolvendo-o;
19. Do Acordão do Tribunal ada quo, resulta, e bem que o arguido AA, prestou declarações, confirmando que no dia em causa, a BB, sua filha, passou a tarde consigo, nos moldes regulados nas Responsabilidades Parentais;
20. Tendo referenciado que teria de a entregar ao fim do dia, mas atendendo ao facto da menor, exteriorizar vontade de passar a noite consigo, não o fez. Referiu ainda ter conhecimento de que no dia seguinte a menor tinha uma consulta no Hospital ..., como lhe havia sido comunicado pela mãe da menor, tendo o arguido, se comprometido a levá-la a fim de não faltar à mesma;
21. A mãe da menor, a testemunha (FF), ficou insatisfeita, e por conseguinte, não só se deslocou à casa onde residia o Arguido, como chamou as autoridades policiais, com o objetivo de levar a criança consigo, não conseguindo tal desiderato, uma vez que as Responsabilidades Parentais há data em vigor, permitia a pernoita da menor com o pai, não estando este a incumprir com nada;
22. O Arguido, com a sua Contestação, juntou uns vídeos, nos quais, se vê que a mãe ali esteve naquela noite e da sua impaciência por não conseguir levar consigo a menor;
23. O arguido, `referiu ainda e conforma resulta da motivação da matéria de facto do Acórdão, que a menor apresentava uma assadura na zona vulvar e por esse motivo adquiriu um creme, dando conhecimento à mãe, que acordou na sua utilização;
24. Negou perentoriamente, ter tido qualquer contacto físico nos moldes constantes na acusação, ou de ter apalpado a zona genital da menor, manipulando com os dedos a vulva e introduzindo um dos seus dedos na vagina da menor;
25. No douto Acórdão, que esta situação se deve aos ciúmes que a mãe da menor, que pretende afastá-lo da sua filha, tendo ciúmes por a mesma gostar da sua companhia;
26. Junto aos autos foram juntos vários vídeos, obtidos no dia em causa retratando brincadeiras da menina com o pai e onde é audível, uma voz feminina que claramente é da mãe da menor em face das frases que o Arguido profere ao dirigir-se à mesma;
27. Já quanto à testemunha FF, o douto Acórdão refere, que esta testemunha era mãe da menor e ex mulher do arguido, que referiu que estava de relações cortadas com aquele, em virtude do ocorrido;
28. Além disso, não podemos nos desligar doutra conflitualidade já pré-existente aos factos, por motivo de divórcio e do Processo de violência doméstica que aquela intentou contra o arguido
29. Confirmou que para além do regime legalmente em vigor relativamente às responsabilidades parentais, há data dos factos da acusação, haviam sido feitos ajustes informais entre si e o arguido, por razões da alteração profissional daquele e do mesmo residir num quarto, e por isso, “ao domingo facilitava e levava a menina para a filha estar com o arguido estar com a filha, sendo que a mesma lhe era entregue à noite”.
30. Referiu que no dia em causa foi o seu marido quem entregou a menina ao pai, tendo ela ficado no carro, por conta do arguido estar proibido de contactar consigo, face à medida de vigilância eletrónica a que estava sujeito, no âmbito do processo,
31. Não podemos deixar de referir, que o processo a que se refere esta testemunha, e tal como resulta, dos autos, e do CRC, do arguido, era o de violência doméstica, que surgiu e decorreu concomitantemente ao processo de Divórcio;
32. Refere ainda o douto acórdão, que a mãe no seu depoimento no dia em que ocorreram os factos, como a BB iria regressar à noite não levou nenhuma muda para a casa do pai; E que a mesma ia “limpinha e em ordem”
33. Negou que tenha falado com o arguido sobre uma assadura ou sobre aquisição de qualquer creme para colmatar tal situação;
34. Confirmou que o arguido não entregou à hora combinada, cerca das 21h, junto A..., que o arguido lhe comunicou por telefone a pernoita da sua filha consigo por vontade da menor, e na sequência da mãe da menor o informar que a menor tinha uma consulta aquele comprometeu-se ali a levar na hora que estava marcada;
35. Insatisfeita, com isto foi à casa onde residia o Arguido e chamou a Policia, que nada fez, por virtude de no Acordo das RP, estar comtemplada esta pernoita;
36. Faz ainda alusão, dos vídeos juntos aos autos pelo Arguido, referindo que aquele lhos enviou, e que era visível que a menor envergava roupa que não era sua;
37. Que no dia seguinte há ora combinada o pai entregou a menor no hospital, para aquela ir há consulta;
38. Referiu ainda, tal como resulta do acórdão, que depois de regressar da consulta, quando se preparava para lhe dar banho, deu conta que a menina estava toda vermelha na zona da vulva e que questionou a menor perguntando-lhe “ Oh filhota, o que é isto?”, ao que aquela lhe terá dito, que havia estado a brincar com o Pipi do pai e o pai com o pipi dela. Voltou a vestir a menor e dirigiu-se de imediato às urgências, referindo nada mais ter perguntado à
menor, “não quis ouvir mais nada(…), porque não quis, preferi procurar ajuda para saber se aquilo podia ser brincadeira de criança com 4 anos ou se ela tinha dito aquilo por dizer (…) dei entrada na urgência como se ela estivesse doente, não ia lá estar a expor a minha vida”.
39. Que após a chegada às urgências, a menor foi vista por uma pediatra, tendo aquela relatado à pediatra, o que a menor lhe havia dito. De que a pediatra que a viu, não detetou nenhum creme, que depois da examinar encaminhou-a para o médico legal, que lhe fez exames;
40. Que não falou com o arguido sobre o sucedido, nunca o tendo confrontado, nem questionado sobre o sucedido;
41. Que depois dos factos deixava o arguido comer em sua casa, porque este passava necessidades, era só uma suspeita que recaia sobre o arguido, “Não sou pedra no coração”, e a menor fazia pressão para ver o pai fazer refeições consigo, e tinha muitas saudades do pai;
42. Disse que, a dado momento e devido à existência deste processo as visitas passaram a ser visionadas ou feitas através de videochamada.
43. O acórdão na sua página 8, refere ainda, que no decorrer do seu depoimento, esta testemunha, só depois de instada três vezes pela Magistrada do Ministério Público, sobre se teria acontecido outra situação, é que a mãe, referiu uma outra situação, que ela tinha tido antes, da menor ter o “clitóris inchadinho”, tendo perguntado à menor, “ Filha o que é que foi isto” e ela respondeu “ o pai Chupou e saltou a tampa”, nessa situação acreditou,
que tal inchaço, deveria dever-se a má higiene e levou-a ao hospital por achar estranho “ mas aquilo desinchou disseram que ela não tinha provas para avançar” Sic.
44. Que conversou com o arguido, e que este lhe referiu que podia a ter limpo, mal quando foi à casa de banho.
45. Para o Tribunal ad quo, resultou do depoimento da mãe da menor, incoerência, colocando em crise ou causa as credibilidade das suas declarações, uma vez que, esta mãe, só depois de grande insistência da senhora Procuradora, é que se recorda da outra situação que teria ocorrido com a menor, que já referenciamos, e que refere que face a isto se dirige ao centro hospitalar ..., onde nada viram, pelo que disseram que nada fariam; E face aos factos que constam agora da acusação, não fez logo a mãe, nenhuma ligação, entre as duas situações, “ nenhum alarme de perigo ressuou na sua cabeça”, quando viu o vermilhão
46. O relato, de uma situação anterior só existe, após uma insistência do MP, tendo a mãe o referindo, com grande displicência, sem dar grande importância ao sucedido.
47. O Próprio acórdão, que reiteramos, refere que a mãe, em face a uma suspeita ou desconfiança de um comportamento como aquele que relatou, não redobra a atenção das visitas do mesmo, e permite a continuação de visitas e almoços, porque tal como refere “ Não sou pedra no coração”;
48. Mas tal como refere o acórdão, os seus cuidados e atenção devem ser sempre para com a menor;
49. Também o resultante nos exames médico legais, e no que tange aos exames de ADN, não corroboram o depoimento da mãe da menor;
50. A forma como a testemunha prestou o seu depoimento, falando dos alegados abusos relativamente à sua filha, de forma aligeirada e quase despreocupada, resultou e bem, que o Tribunal (neste caso o Coletivo de Juízas), ficou convicto das imprecisões e não valorasse o seu depoimento, da forma que o ministério Público desejaria;
51. Também considerando o critério do homem médio, muito se estranha que depois da mãe da menor ter ido buscar a filha e ter chamado a Polícia, tenha sido perpetrado nessa noite, o suposto abuso, quando estaria sobre o escrutínio da mãe da menor;
52. O Douto Acórdão e bem, refere que, estranha-se que o pai da menor, sabendo que a menor tinha uma consulta no dia seguinte, tenha precisamente nessa noite praticar os atos de que vem acusado, correndo o risco de tal situação ser imediatamente detetada e ser-lhe imputada a sua prática, e nem a falta de creme na zona vaginal conseguiu convencer o Tribunal de forma diversa da que decidiu;
53. Para além do já referido, e na senda do acórdão proferido, não pode a defesa, deixar de referir, que o Tribunal Coletivo, olhou para a Prova por um todo, e que, na sua globalidade as declarações da mãe da menor, não mereceram a sua credibilidade, não eram coerentes, e não foram valoradas porque contrariam o comportamento de uma mãe em situações idênticas;
54. E também das declarações para memória futura da menor, a BB, de forma simples e descontraída, contradiz também aquilo que a mãe afirmou no seu depoimento, colocando-o em crise, mencionando um episódio em que teria uma assadura, ao referir que “ ficou com o pipi assar e o pai pôs agua e passou (…), só mexia para não arder, passou agua na mão e depois passou com a mão devagarinho e curou”.
55. Aliás qualquer pai ou mãe, que esteja a cuidar de uma criança desta idade, é o que faria, podendo nessa circunstância e nesse contexto, resultar alguma transferência de ADN;
56. A menor, refere limpidamente que o pai, já cuidou dela, relatando o episodio da tal assadura, e salvo o devido respeito, a Defesa entende, este tipo de cuidados, que implica toque ou suporte para limpeza ou cuidado dos órgãos sexuais, pode implicar transferência de ADN e não configurando abuso de nenhuma ordem.
57. Nas declarações para memória futura, também refere o Acordão do Tribunal ad quo e bem, que aos minutos 25m 35, a menor refere à exma. Juiz “que tem um segredo”, revelando que a mãe mostrou o pipi ao pai, refere ainda que a Avó um dia lhe limpou o pipi e ao minuto 29, manifesta mais um segredo e diz, que o pai fez “ Coceguinhas com o dedo no seu pipi”;Sendo que, questionada várias vezes se o pai lhe tocou no pipi a menor, responde negativamente.
58. A menor tem grande desenvoltura, é objetiva, relata situações com clareza, mostrando-se muito espontânea e atenta a tudo que a rodeia…relatando com pormenor situações que ocorreram entre si e os Colegas de infantário, na parte que falam da sexualidade, não mostrando nenhum constrangimento.
59. E voltando mais tarde, a referir que os segredos já referenciados, ou seja, que “a mãe mostrou o pipi ao pai”, refere ainda que a Avó um dia lhe limpou o pipi e que o pai fez “Coceguinhas com o dedo no seu pipi”;
60. Tal como resulta, das transcrições do Recurso do MP, o arguido afirmou que se encontrava com a mãe da menor, até para encontros sexuais, sendo que tal, facto, foi negado pela mãe da menor (minutos tal…), que há data já tinha outro relacionamento;
61. O MP tentou descredibilizar o Arguido, mas se atentarmos às declarações para memória futura da menor, aquela refere como segredo “a mãe mostrou o pipi ao pai”, se fosse no contexto de casal que o correu quando a BB ainda era muito pequena, nem se lembraria, mas tendo em consideração, que a menor, diz que é um segredo, pode ter ocorrido, já no decurso da relação da mãe com o atual marido, confirmado assim, as declarações do arguido de encontros com a mãe da menor, fora do parâmetros que aquela quis dar a conhecer ao Tribunal.
62. Ao contrário do que aconteceu no dia da Perícia Médica/Forense de Psicologia, quando a menor esteve a depor para memórias futuras no tribunal, sem a presença da mãe e sempre acompanhada com uma senhora Psicóloga, a menor estava descontraída, falava de forma simples e clara sobre as coisas designadamente dos comportamentos sexuais, mas em tempo algum usou as expressões ou linguagem que a mãe afirmou, que a menor utilizou há data da ocorrência dos factos, que era mais sexualizada; Em tempo algum a menor utilizou sequer expressões parecidas.
63. As declarações para memória futura da menor, contrariam de diversas maneiras, até na própria linguagem da utlizada pela menor, aquilo que a mãe afirmou “que a menor havia dito…”, quando a levou às urgências do Hospital ou a fazer as perícias há data dos factos da acusação;
64. Aliás como resulta do Relatório da própria perícia Psicológica, a menor não queria colaborar, foi necessária a intervenção da avó, para dar suporte, é evidente ao longo do próprio relatório, referência a uma certa inquietude/ e incomodo da menor estar ali e de colaborar na Perícia a vários níveis;
65. Aliás, até se recusou a desenhar a própria família, toda ela sublinhe-se a que a Senhora Psicólogo atribuiu ao facto de existir uma grande conflitualidade na família;
66. Mesmo com esta falta de colaboração a senhora Perita Psicóloga, entendeu, que não era necessário falar com a menor outro dia, concluindo, com base em literatura técnica que entendeu consultar.
67. É evidente a distinção, no se refere ao comportamento da menor na perícia psicológica referida no ponto 64 e o comportamento desta, na diligência de declarações para memória futura, em que a menor fala de forma, simples espontânea e relaxada.
68. Não podemos deixar de referir, que foi unânime que todas as testemunhas da defesa e até algumas da acusação (avó materna), referiram o quanto a menor gostava do pai, o cuidado e cumplicidade que existia entre o pai e a menor, como é o caso da senhora Assistente social – Dra. KK, que acompanhou o pai e a menor, fez relatórios para o processo de família e menores, conforme certidão junta aos autos como prova documental fls 559 a 565 dos autos e que de forma isenta e clara, corroborou o atrás referenciado, que também se encontrava já refletido no seu relatório.
69. Não podemos deixar de referenciar que entre a data dos factos da acusação, as declarações para memória futura e o arguido ter ido a tribunal, para aplicação da sua medida de coação, mediou cerca de um ano, durante todo este período, e já estando a correr o processo em tribunal, o pai teve visitas com a menor, ora com a colaboração da mãe e mais tarde, através de mediação dra. KK, que era assistente social, com relatório a fls - fls 559 e 565 dos autos.
70. A formação da livre convicção do Tribunal Coletivo, refletida no douto Acórdão, em nada é discricionária, assenta numa análise criteriosa, isenta e objetiva, da conjugação de toda a prova produzida, daí tendo resultado como provados ou não provados os factos, que serviram de base à sua decisão.
71. Das PERICIAS MÉDICO LEGAIS REALIZADAS, RELATÓRIOS E ESCALRECIMENTOS PRESTADOS EM JULGAMENTO, enquadramento e valoração feita pelo coletivo de Juízas, referenciado no Acórdão e colocada em crise em sede de recurso pelo MP., tal como refere o Douto Acórdão, com o qual o Arguido se revê e reitera, foram realizados três tipos de perícias neste processo: Perícia médico legal de natureza sexual- fls 45 a 49, 163 a 170, 356 a 360;Perícia de criminalística biológica de fls (…) que deu origem a um primeiro relatório realizado em 29 de Abril de 2022 (aquando da elaboração deste relatório, só se referem a amostras, recolhidas com a menor e sem ter ainda nenhuma colheita de ADN do Arguido para comparação) e um outro 2º relatório, realizado a 26 de Julho de 2022 (já tinham amostras de 2 zaragatoas bucais de ADN do Arguido, que este cedeu voluntariamente).
-Finalmente o Relatório da Perícia Psicológica, realizada a 11 de julho de 2022.
72. O douto acordão, foi o arguido quem solicitou que os peritos prestassem esclarecimentos em julgamento, formulando para o efeito quesitos, que se encontram junto ao processo.
73.Da Pericia Médico legal de natureza sexual- Clínica Forense foram elaborados dois relatórios desta natureza pelo Senhor Perito médico Dr. CC, e tendo como referência o último, elaborado a 20 de junho de 2023, a fls … dos autos, refere que a mãe foi ouvida previamente ao exame elaborado à menor, sempre na presença da mãe e da avó materna; As provas de certeza da detenção de sémen, não confirmaram a presença de sémen nas cuecas e camisola interior. O estudo de ADN autossomático foi detetado a presença de um perfil genético de origem masculina, na camisola interior, na zaragatoa vulvar e nas cuecas, mas não fazem qualquer correspondência ao arguido.
74.No seu relatório o perito faz menção a um eritema ligeiro, referindo que, embora podendo indicar uma situação de abuso, não são especificas ou patognomónicas de tal situação. De facto, tais achados, apresentam um caracter inespecífico e etiologia funcional.
75. Este perito veio prestar esclarecimentos em 22.01.2025, cujo depoimento se encontra gravado entre as 15h25 e 15h 41 dos autos e que reiterou o já mencionado no seu relatório, e que o Tribunal ad quo, esclareceu o que era um eritema, tendo inclusivamente referenciado que o vermilhão do mesmo, podia resultar entre outras coisas, de má higienização;
76.Na verdade, o Tribunal ad quo, no seu Acordão, considerou que resultando que no Relatório que, externamente, não observou nada de anormal na zona vulvar e anal, não tendo sido possível levar a cabo uma examinação mais cuidada, mais precisamente observar o íman da criança;
77.O Relatório da Perícia Psicológica, realizada a 11 de julho de 2022. Tal como resulta do Acordão, foi o arguido quem solicitou que os peritos prestassem esclarecimentos em julgamento, formulando para o efeito quesitos, que se encontram junto ao processo. Foi ouvida esta testemunha no dia 22.01.2025 entre as 15h02 e as 15h24- em esclarecimentos.
Esta perita foi ouvida em esclarecimentos, no dia 22.01.2025 entre as 15h02 e as 15h24, apresentou uma postura pouco segura, sobre as conclusões que tirou no seu relatório e colocada a questão da menor não querer colaborar, se não seria pertinente fazer mais sessões, antes de elaborar o relatório, a mesma referiu que não, fazendo alusão à utilização do Erário Público;
78. Sobre esta perícia o tribunal ad quo na sua decisão, ao valorar esta prova, entendeu e bem, que esta perícia incide em juízos de probabilidade ou meramente opinativa e por isso esta avaliação psicológica, feita aliás nos moldes já referidos, não se pode equiparar a outra prova em que a credibilidade é diretamente aferida e avaliada pelo coletivo de juízes;
79. Do douto Acordão, tal como é exigido pela lei, resulta a explanação e justificação para o afastamento desta prova pericial, a titulo excecional, pois no seu entendimento, não se pode transferir para o Perito, que emite opiniões e conclui em face de probabilidades qualquer decisão, sem estar sujeito ao contraditório, que só é possível no julgamento e inato à função judicial.
80. No Douto Acordão, refere-se ainda a Pericia Criminalística Biológica, realizados pela Dra. DD - Relatório Perícia de criminalística biológica de fls (…) que deu origem a um primeiro relatório realizado em 29 de Abril de 2022 (aquando da elaboração deste relatório, só se referem a amostras, recolhidas com a menor e sem ter ainda nenhuma colheita de ADN do Arguido para comparação) e um outro 2º relatório, realizado a 26 de Julho de 2022 (já tinham amostras de 2 zaragatoas bucais de ADN do Arguido, que este cedeu voluntariamente). Esta perita foi ouvida em esclarecimentos, em 22.01.2025 entre as 14h28 e 14h47,
81.Tendo prestado um depoimento absolutamente esclarecedor e objetivo, acerca das pericias realizadas, que faz e que incide o ADN, e que tal como resulta do Douto Acórdão e bem esclareceu objetivo da primeira perícia e o que foi feito como resulta do acórdão, esclarecendo o trabalho realizado e a distinção entre o que era uma prova de orientação e certeza;
82. afirmando que na prova de certeza deu resultado negativo para as duas amostras para sémen; Esclareceu que as provas de orientação são uma triagem para aquilo que se está a analisar, mas que pode levar a falsos positivos para outras substâncias; Esclarecendo que esta prova pode dar positivo para sémen, mas é um falso positivo porque pode ser uma mancha de urina;
83.Daí a necessidade de se fazer as provas de certeza;
84. no caso em apreço, nas provas de certeza, não foram encontrados espermatozoides, por isso, a existência de esperma não excluída, mas também não se provou a sua presença;
85.Ainda na senda, destes esclarecimentos a senhora perita refere “qualquer ato por nós praticamos pode deixar material biológico, seja por células (pele), ou por suor, saliva urina, sangue ou outros fluídos”.
86. Esta Sra. Perita, tal como refere o Acordão, que o estudo efetuado, não tinha amostras de referência da vitima pelo que, não poderiam concluir, que o perfil de mistura é compatível com os perfis da vitima e do arguido;
87.Esclareceu ainda a diferença entre resultado compatível e resultado coincidente; e verificamos que desta prova, não se pode concluir aquilo que acusação pretendeu provar, de todo.
88. Refere o douto Acordão, quanto aos factos dados com provados e não provados, que tribunal depois da análise conjugada de toda a prova, testemunhal, pericial, declarações para memória futura, tal como resulta da sua fundamentação de forma extensiva, como aliás lhe é exigido, investido da faculdade de livre apreciação, conclui que a prova não é suficiente, para permitir concluir de que, sem qualquer sombra de dúvida, que o arguido praticou o crime de que vinha acusado;
89.O douto Acórdão, refere que os crimes de abuso sexual, revestem uma natureza delicada, e porque sendo, um crime em que à partida, entre o abusador e a vitima não há mais ninguém, e assim sendo, depoimento da vitima é imprescindível, e terá que assentar em grande credibilidade, por forma a uma formação de convicção indubitável de condenação;
90.Entendeu o Tribunal, no seu douto acordão, refere, que só as declarações para memória futura, prestada pela menor, prestadas em tribunal, perante Magistrado judicial, do Magistrado do MP e do Defensor do Arguido, é que relevam para avaliar correta ou incorreta, versão dos factos apresentados na acusação;
91.E nesta senda entendeu o Tribunal, neste caso um coletivo de juízes, que conjugada toda a prova, os depoimentos, os esclarecimentos e pericias e até os comportamentos, documentos, na credibilidade dos mesmos, sempre tendo como referência o homem médio, de formar a sua convicção de foram livre e em concreto lançar da mão do principio processual de presunção de inocência, pois após a produção de toda a prova, e persistindo dúvida razoável, tem de atuar em sentido favorável ao arguido, e foi neste sentido que o tribunal coletivo ad quo decidiu e bem.
92.Quanto à motivação de direito, também pugnamos do mesmo entendimento feito no Douto Acórdão, do tribunal recorrido, no sentido de não estarem preenchidos nem os elementos objetivos, nem subjetivos do crime de abuso sexual pp no art. 171º e177º nr 1 ambos do Código Penal e que como decisão final resulta na Absolvição do Arguido AA, e que não merece reparo, tal como pretende o MP com o seu recurso.
Neste ensejo,
93.A Digníssima Senhora Procuradora, veio em sede de recurso, impugnar a matéria de facto dada como não provada, apresentando para o efeito, as transcrições do depoimento prestados, com vista a que o Tribunal superior, possa acolher o seu entendimento, afastando o douto Acórdão, cuja a decisão assentou na livre convicção daquele Coletivo de Juízes, que entendeu, não valorar a prova produzida, da forma que o MP pretendeu com este recurso;
94.Neste recurso o MP faz a transcrição do depoimento da Perita DD, que é a Perita Biologia Forense, que prestou o seu esclarecimento no dia 22.01.2025, entre10h20 e 10h33, constante das páginas 53 e 54 do recurso, e que não foi transcrito na totalidade embora sendo de extrema importância, porque tratando-se da Perícia técnica para identificação de ADN, não vai de encontro ao que o MP pretende provar e por esse motivo não transcreveu os esclarecimentos, que inclusivamente, passaram por explicar ao tribunal o tipo de provas que existe, a sua diferença, o porquê daqueles resultados, e que em suma, nada do que vinha na acusação resulta provado;
95.Ao contrário daquilo que a Senhora Procuradora pretende Provar, os depoimentos cuja a transcrição parcial junta, foram considerados para a elaboração do Acórdão, mas pela forma como o depoimento foi prestado, a linguagem não verbal ao depor, a espontaneidade ou não existentes naqueles depoimentos, e ainda os contextos à sua volta e a correlação entre elas, resultou da livre convicção do Tribunal, que analisando a prova no seu todo, entendeu não valorar aqueles depoimentos, no sentido que a Senhora Procuradora pretende, nem seriam suficientes para tal, como iremos precisar;
96.Das Declarações do arguido, transcritas no recurso, Pelo Arguido, em 22.01.2025, entre 10h11m e 11h05 minutos, cuja transcrição está contemplada nas páginas 31 a 41 do seu recurso, que se dão aqui por reproduzidas; Salvo o devido respeito, tudo o que ao qui se refere em nada afasta a credibilidade do arguido;
97. O arguido a instâncias da senhora Juiz, ao minuto 32.45, refere que a menina usou o seu pijama (do pai aqui arguido), que era um calção e que se encontra num dos vídeos juntos com a contestação;
98.O mesmo se diga ao minuto 52:22-53:22, em que o arguido acabou por confidenciar o pijama e os lençóis que eram seus, eram os mesmos, já não estavam lavados; questionado se o pijama podia ter vestígios de esperma seu respondeu que sim;
99.O que aqui, o arguido refere pode ter tido influência, na transferência de ADN seu para a menor, o ADN touch, aliás a perita de Criminalística Biológica, dra. DD, no seu depoimento acerca da Perícia Criminalística Biológica que efetuou esclarece que “qualquer ato por nós praticamos, pode deixar material biológico, seja por células (pele), ou por suor, saliva urina, sangue ou outros fluídos”.
100.Assim, se considerarmos que o pai usava os calções que a menor vestiu para dormir e que se deitou nuns lençóis, que são usados frequentemente pelo arguido, sem ser mudados, obviamente pode ter resultado transferência de ADN, por essa via;
101.Ademais, o arguido há semelhança de qualquer pai que tem um filho, com a idade da BB, dá-lhes banho e suporte na higienização, pois tem que cuidar, como aliás lhe compete, sem que esteja aí associado, qualquer comportamento desviante, senão entraríamos numa “caça ás bruxas”.
102. O Arguido à semelhança de qualquer pai, cuidava da menor, aliás reforçado tal facto pela própria menor em sede de Declarações para memória futura, onde refere “ ficou com o pipi assar e o pai pôs agua e passou (…), só mexia para não arder, passou água na mão e depois passou com a mão devagarinho e curou”; a menina refere-se a esta situação como um cuidado do pai para consigo, o que é perfeitamente normal; Também deste comentário, se pode deduzir, que afinal a BB, apesar de bem cuidada, também tinha assaduras, ao contrário da tese que defende Ministério Público;
103.O Arguido também refere no seu depoimento, que tinha encontros com a mãe da menor, que também é colocado em causa pelo MP, de forma a descredibilizar o seu depoimento, mas se tivermos em conta, o que a BB disse nas suas declarações para Memória, tal como refere o Acordão recorrido e bem, aos minutos 25m 35, a menor refere à exma. Juiz “que tem um segredo”, revelando que a mãe mostrou o pipi ao pai, (…);
104.Atendendo a que a menor, à data da separação dos pais, muito provavelmente, este segredo, aconteceu mais recentemente, o que revela a veracidade daquilo que o arguido refere no seu depoimento;
105.No restante, conclui-se nos mesmos termos que o Acordão, não vislumbrados argumentos suficientes ou que tivessem sido desconsiderados, para que houvesse alteração da decisão ou da livre convicção dos julgadores;
106. Do recurso do MP, no que se refere à testemunha FF - Transcrição Da testemunha FF (mãe da Menor), em 22.01.2025, entre as 11h11 e 12h01, páginas 42 a 51 do recurso do MP;
107. A digníssima Procuradora, defende que esta testemunha, cuja credibilidade foi colocada em crise do Douto Acórdão, não devia ter sido, reforça esta testemunha como imprescindível e essencial, contudo, encerra o erro de olhar para o seu depoimento, restritivamente;
108. Aliás, a a fls 559 dos autos a 563, resulta o CRC desta testemunha, que já foi inclusivamente, condenada por um crime de falsidade de depoimento ou declarações, conjugado com as imprecisões das suas declarações, não se vislumbrando assim, a importância que o MP e credibilidade que o MP, pretende atribuir às declarações prestadas pela mãe da Menor;
109. Só nas Declarações para Memória Futura da Menor, que a mãe não teve intervenção, nem foi ouvida previamente por ninguém, nem esteve com a Psicóloga, que acompanhou a menor naquela diligência, é que a menor nas suas declarações para memória futuras, e de forma livre, feliz e espontânea, relata que brinca com o pai, o quanto gosta dele, que ele já cuidou dela quando se refere de forma natural que “ ficou com o pipi assar e o pai pôs agua e passou (…), só mexia para não arder, passou água na mão e depois passou com a mão devagarinho e curou”, não se denotando na menor outra interpretação, que não a de que o seu pai cuida de si, etc. Também as “coceguinhas”, que refere que o pai lhe fez, descreve de forma simples e como um brincadeira;
110. Em tempo algum, a menor nas suas declarações para memória futura, utilizou, os termos ou a linguagem referenciados no depoimento da testemunha FF e por isso, também nessa parte o depoimento desta testemunha não merece qualquer credibilidade;
111. O Depoimento vai para além daquilo que se diz, é importante estar atento a como se diz, a forma, a linguagem corporal etc, e obviamente, esta testemunha por razões várias, nunca admitiria manter pontualmente encontros extraconjugais com o arguido ou que tivesse algum tipo de ciúmes dele e da menor;
112. No restante, conclui-se quanto à não credibilidade do depoimento desta testemunha nos mesmos termos que o Douto Acordão, que foi muito atento ao seu depoimento desta testemunha, e a valorou no sentido de aquilo que referenciou, não dando provados os factos da acusação.
113. Quanto ao depoimento do Perito CC, perito que elaborou relatório pericial de fls 45ss, 164 e 407e seguintes, esclarecimentos em 22.01.2025 entre as 15h25 e 15h41, constante das páginas 52 e 53 do Recurso do Mp, depoimento do Senhor Perito CC, foi devidamente ponderado pelo Tribunal Ad quo, e tudo o que foi dito, em nada resultou, nem podia resultar senão a interpretação e valoração que o Tribunal lhe deu e que obviamente não vai de acordo aos propósitos do MP, que insiste na questão da colocação do creme na menor, para estar lá o ADN do arguido, quando é completamente irrelevante, tal como esclareceu a Senhora Perita da Biologia Criminalística, facilmente à ADN de transferência, como é o caso da pele, e se conjugarmos com o que o arguido refere em esclarecimentos no seu depoimento, à exma. Juiz, a menor dormiu na cama que tinha uns lençóis usados pelo pai e vestiu uns calções para dormir do pai, que não eram limpos, e que poderiam ter fluídos seus;
114. Aliás, a prova pericial de Biologia criminalística, foi objetiva ao concluir a inexistência de sémen do arguido, nas provas de certeza, e relativamente ao restante, não tendo sido contrariado com este recurso.
115. A testemunha HH, referenciada no recurso do MP-Transcrição do depoimento HH, prestado em 06.02.2025, por referência ás horas 10h20 e as 10h33m, pagina 54 e 55 e 56, do recurso do MP O padrasto da menor, foi ouvido, mais tarde e na sequência do alegado pela testemunha FF sua mulher, com quem aliás reside, apresentou-se a depor de foram esquiva, respondendo pouco e de forma breve as questões colocadas, parecendo estar incomodado, e não mostrando segurança ao afirmar que a menor lhe confidenciou o suposto abuso, também esta testemunha não mereceu grande relevância para o Tribunal Ad quo e bem.
116. No Recurso do MP, também se refere o depoimento da II, que foi ouvida no dia 19.02.2025, tendo por referência as 10h20 e 10h28, páginas 56 e 57 do recurso do MP; que referiu ter sofrido de cancro, estar muito esquecida, mostrava-se desorientada, e por isso, algumas coisas nem se lembrava, não se compreende que o MP, entenda que este depoimento, seja relevante e sido desconsiderado, mas face, a toda esta situação da testemunha, o seu nervosismo e indecisão, o Tribunal ad quo, entendeu e bem pouco relevante ou diferenciador, num resultado diferente daquele que refere no seu acórdão;
117. O enquadramento, que o MP pretende dar aos depoimentos referidos, no seu recurso, mas somente na parte que lhe aproveita, reflete uma atitude restritiva de apreciação da prova, que o Tribunal ad quo, não comungou, porque a sua isenção, exigiu-lhe uma analise de toda a prova produzida na sua globalidade, na interação da mesma, segundo uma análise objetiva, critica e ponderada que lhe é exigida, para a formação da sua convicção, tal como resulta do Acordão do Tribunal ad quo;
118. Não pode colher a interpretação do MP, que diz não ter sido valorada esta prova devidamente, e que os factos não provados do acórdão, deveria se ter dado com provados, nada a que refere a Senhora Procuradora, acerca destes depoimentos, resultariam numa valoração distinta, daquela atribuída pelo Tribunal Ad quo;
119.Ademais, refere o MP, no seu recurso, que face à insuficiência da prova produzida nas declarações para memória futura da menor, deveria o Tribunal ter solicitado a presença da menor, pois não lhe assiste razão, com o devido respeito, quem acusa é quem tem de provar, o MP, é que deveria ter logrado solicitar a presença da menor para ser ouvida novamente, o Tribunal só tem que se pronunciar com isenção sobre a prova produzida;
120.Por tudo o referido pugna-se pela manutenção do Acórdão proferido nos seus precisos termos, mantendo-se os mesmos factos que foram dados como provados e não provados e da qual resultou a decisão, ou seja, “analisando a prova testemunhal, pericial e ainda as declarações prestadas pela menor, entende que, não se fez prova suficiente no sentido de se permitir concluir, que sem qualquer sombra de dúvida o arguido praticou o crime de que vinha acusado (…) pelo que terá o tribunal que se socorrer do principio processual da presunção da inocência”.
Pugna-se assim pela Manutenção do Acordão nos seus termos;

121º Da Alegada VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DO IN DUBIO PRO REU, a que faz alusão o recurso, O Douto Acordão, não merece reparo, analisou toda a prova produzida, não descuidando de analisar de foram idónea, objetiva, isenta, todo os depoimentos, do arguido e testemunhas, declarações para memória futura da menor, prova pericial e audição dos peritos e bem como toda a prova documental, criando assim a sua convicção, devidamente fundamentada, porque não se trata de nenhum ato discricionário, justificando a valoração que atribuiu à prova produzida, da forma que o fez.
122.E neste ensejo, decidiu o Coletivo de Juízes e bem, que “ analisando a prova testemunhal, pericial e ainda as declarações prestadas pela menor, entende que, não se fez prova suficiente no sentido de se permitir concluir, que sem qualquer sombra de dúvida o arguido praticou o crime de que vinha acusado (…) pelo que terá o tribunal que se socorrer do principio processual da presunção da inocência”;
123.Assim veio o Arguido Absolvido da prática dos factos que tinha sido acusado, pois não sendo suficiente a prova produzida, sempre se terá de decidir pela sua inocência, nos termos atrás mencionados;
124.Não resulta do douto Acórdão recorrido nenhuma violação dos princípios a se refere o Ministério Público no seu Recurso, nem da livre apreciação da prova pp no artigo 127º do CPP, nem violação da valoração da prova pericial, que foi devidamente justificada no acordão, pp no 16º do CPP, nem violação do depoimento ouvi dizer pp 129º do CP e muito menos da violação do Princípio do In Dúbio Pró Reú, previsto no 32º do CPP;
125.Quanto à violação do Principio do In dúbio pró Reú, não comungamos do alegado pela Senhora Procuradora do MP, até porque, do Acórdão, resulta insuficiente a prova produzida e decide-se absolver o Arguido, por via da principio da presunção da inocência;
126.Do Acórdão nos termos como está elaborado e do qual também partilhamos, decide-se pela insuficiência de prova para condenar o arguido, e não, na dúvida do cometimento daqueles factos pelo arguido, que resultaria, assim sim, na Aplicação do Princípio do in dúbio; têm enquadramentos jurídicos completamente diferentes;
127.O Acórdão ao estar elaborado nos termos que está, teria que culminar na presunção da inocência, como foi;
128.Se hipoteticamente, vier a colher o entendimento, de que, a valoração da prova não foi adequadamente valorada e de alguma maneira reproduzir a tese esgrimida no recurso do MP, aí nesse caso, face à contradição da prova, e de se suscitar a dúvida, e teria o arguido, de ser também absolvido, mas deste modo, ao abrigo do Principio do In Dubio pró Reú. Pelas duas vias, resultaria sempre na Absolvição do Arguido;
129.Contudo, pugnamos pelo entendimento do Tribunal ad quo, de ter absolvido o arguido conforme resulta do douto Acórdão, presumindo a sua inocência, por conta da prova produzida ser insuficiente para o condenar;
130.III- Subsunção jurídica dos factos dados como provados na decorrência do recurso, na pratica por parte do Arguido, no crime de abuso sexual de crianças, pp no artigo 171º nrº 1 e 2 e 177º nr 1 do CPP, e na pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais, a que faz alusão o recurso.
131.Considerando que, remotamente, o Tribunal superior entenda dar como provados os factos que o MP pretende, culminaria na dúvida se o arguido praticou tais factos ou não e por via do principio do In dúbio pró Reú seria absolvido na mesma;
134.De todo o modo, tal como refere o Douto Acórdão, para a Prática do crime de no crime de abuso sexual de crianças, pp no artigo 171º nrº 1 e 2 e 177º nr 1 do CPP, terem que estar preenchidos os elementos objetivos e subjetivos daquele crime, fazendo referência que se deve tratar sempre de um ato sexual de relevo, ofensa séria e grave à intimidade e liberdade sexual …e obviamente terá de ser um crime iminentemente doloso;
135. Se considerarmos as declarações prestadas para memória futura, não se vislumbra ali, o preenchimento nem do tipo objetivo nem subjetivo daquele crime;
136.E mesmo, que se venha a considerar alguma da prova que o MP, entende que deve ser valorada de outra maneira a que faz alusão o seu recurso, se a decisão não cair no in dúbio Pró Reú e o arguido for absolvido por essa via, dificilmente também pode considerar estar preenchido o tipo subjetivo daquele crime;
137.Quanto aplicação da pena Acessória a que se refere o recurso, tal pena é acessória e desse modo só deve ser aplicada quando recaia sobre a pratica de factos que encerram grande Gravidade, que não é o caso dos presentes autos.
138.Quanto à medida Pena, principal e Acessória, se hipoteticamente o arguido vier a sofrer algum tipo de condenação, atento os factos que ali resultam, deverá ser aplicado ao arguido uma pena, sempre no limiar dos limites mínimos legais, não tem qualquer antecedente sobre crimes desta natureza, e suspensa na sua execução;
139.Quanto à pena Acessória, que entendemos não dever ser aplicada, se vier a ocorrer, a gravidade dos factos, jamais justifica a pena acessória por sete anos como entende o MP, até porque, a menor tem uma excelente relação com o arguido e vai ser privada dos convívios com o pai, o objetivo do MP, desvincular a menor do ponto de vista afetivo do pai, é de se perguntar se os factos de que o arguido foi absolvidos fossem de maior gravidade, quantos anos não pediria o MP, a medida da pena por si proposta é desajustada e completamente desproporcional.
140.Quanto à condenação do arguido no pagamento de uma indemnização á menor nos termos do artigo 82º A do CPP.Caso hipoteticamente se venha a condenar o arguido, e decidir pelo pagamento de uma indemnização, deverá sempre o Tribunal ter em conta a situação sócio económica do arguido, e salvaguardar que qualquer quantia paga à menor vai ser realmente utlizada pela aquela;
141.O valor proposto a titulo de indemnização pelo MP, em sede de recurso, é desproporcional, quer considerando os factos em causa, e desvalorizando a situação sócio económica do arguido, que não tem como pagar tal quantia;
TERMOS EM QUE; DEVE IMPROCEDER TOTALMENTE O RECURSO APRESENTADO PELO MINISTÉRIO PUBLICO, PUGNANDO-SE PELA MANUTENÇÃO DO ACORDÃO PROFERIDO, PELO TRIBUNAL AD QUO, NOS SEUS PRECISOS TERMOS, FAZENDO-SE ASSIM, INTEIRA JUSTIÇA.
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Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela procedência do recurso.

Em síntese, o Ministério Público impugna a matéria de facto dada como não provada nas alíneas a), b) e c), indicando as concretas provas que impõem decisão diversa e as razões porque assim o entende, com base em erro na apreciação da prova produzida, ou erro de julgamento, porque o tribunal a quo, ao analisar e valorar a prova, não atendeu às regras da experiência comum e incorreu em:
- Violação do princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127º do C.P.P.;
- Violação da valoração da prova pericial prevista no artigo 163º do C.P.P.
- Violação do depoimento de ouvir dizer previsto no artigo 129º do C.P.P.
- Violação do princípio do in dubio pro reo previsto no artigo 32º, n.º 2 da C.P.P.;
- Violação dos artigos, 171º, nºs 1 e 2, 177º, nº1 a) do C.P., 69º-C, nºs 2 e 3 todos do C.P., art.82º -A C.P.P. e 16º, nºs 1 e 2 do Estatuto da Vitima (Lei 130/2015 de 04/09), - artigo 340º do C.P, 271º, nº8 do C.P.P. e art. 24º, nº 6 do Estatuto da Vítima.
Pretende, pois, o Ministério Público, que a matéria de facto dada como não provada nas aludidas alíneas do acórdão recorrido seja julgada provada e, em consequência, seja o arguido condenado pela prática do crime de abuso sexual de crianças, agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, nº s 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal.
Assim, o objeto do recurso consiste, essencialmente, em saber se existe:
I) – Erro de julgamento quanto à decisão proferida sobre matéria de facto não provada;
II)- Violação do princípio in dubio pro reo;
III) – Se as alíneas a), b) e c) da matéria de facto não provada devem integrar a matéria de facto provada e se integram a prática por parte do arguido de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, nº s 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal;
IV) Em caso afirmativo, saber qual a medida da pena principal e acessória a aplicar – MP propõe pena não inferior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a cumprimento de deveres e regras e conduta e na pena acessória do exercício de responsabilidades parentais, por um período não inferior a 7 anos;
V) Se o arguido deve ser condenado no pagamento de uma indemnização à vítima nos termos do art.º 82º- A CPP – o MP propõe a condenação em quantia não inferior a 5.000,00€.
QUANTO AO MÉRITO DO RECURSO
Analisados os fundamentos do recurso, e os demais elementos processuais constantes dos autos, nomeadamente, o teor do acórdão na parte referente à matéria de facto dada como não provada, sua motivação e fundamentação de direito, parece-me que o RECURSO DO MP DEVERÁ OBTER PROVIMENTO, pelas razões invocadas na sua bem fundamentada motivação de recurso, e sintetizada nas conclusões formuladas, às quais SE ADERE NA TOTALIDADE, nada mais se nos oferecendo acrescentar.
Assim, o meu PARECER É NO SENTIDO DE QUE O RECURSO DO MP DEVE OBTER PROVIMENTO e que, em consequência, SE IMPÕE A REVOGAÇÃO DO ACÓRDÃO E SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO, QUE CONDENE O ARGUIDO PELA PRÁTICA DO CRIME DE QUE ESTAVA ACUSADO, tudo nos termos e com os fundamentos indicados no recurso do Ministério Público, que subscrevo na íntegra.
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Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal, nada foi acrescentado de relevante.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
No mais, nada obsta ao conhecimento do mérito.
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II. Objeto do recurso e sua apreciação.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

É assim composto pela arguição de:

I) – Erro de julgamento quanto à decisão proferida sobre matéria de facto não provada;
II) - Violação do princípio in dubio pro reo;
III) – pugna-se pela condenação do arguido pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, nº s 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal;
IV) A aplicação de uma pena não inferior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a cumprimento de deveres e regras e conduta e na pena acessória do exercício de responsabilidades parentais, por um período não inferior a 7 anos;
V) no pagamento de uma indemnização à vítima nos termos do art.º 82º- A CPP – o MP propõe a condenação em quantia não inferior a 5.000,00€.
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Do enquadramento dos factos.
Do acórdão:
Acordam os juízes que compõem o Tribunal Coletivo do Tribunal Judicial da Comarca de ... - Juízo Central Criminal de ...:
O Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 283º do Código de Processo Penal, deduziu Acusação, para julgamento em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, contra:
AA, divorciado, …, nascido a ../../1978, natural de ..., concelho ..., filho de LL e de MM, portador do Cartão do Cidadão n.º ...86, residente na Praceta ...., ..., ... ...,
Imputando-lhe a prática, como autor material e na forma consumada, um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, nº s 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, sendo o crime punido ainda com a pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição de responsabilidades parentais, prevista no artigo 69º-C, nº 2 e 3, do Código Penal.
O arguido AA apresentou contestação oferecendo o merecimento dos autos quanto à prática dos factos de que vem acusado.
Requereu junção de documentos, elaboração de relatório social e audição dos peritos que elaboraram os relatórios de perícia de natureza sexual, de criminalística biológica e ainda da perícia psicológica, tendo o Tribunal deferido apenas a prestação de esclarecimentos pelos referidos peritos convidando a arguido a indicar os respectivos quesitos, o que o mesmo fez, pelo que teve lugar em audiência de julgamento a requerida diligência.
Admitiu-se, ainda, a junção aos autos de três vídeos feitos no dia em que a menor ficou a pernoitar com o pai, indeferindo-se, contudo, a junção de um CD áudio reproduzindo um diálogo entre o arguido e a menor, por se desconhecer a veracidade do mesmo pois inexistem imagens que permitam confirmar quem participa em tal diálogo.
Arrolou testemunhas.
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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal (cfr. atas respectivas).
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Não existem quaisquer nulidades ou irregularidades que cumpra apreciar e decidir.
II – Matéria de Facto:
Da acusação:
1 - A ofendida BB nasceu em ../../2018 e é filha do arguido AA;
2 - O arguido e a mãe da ofendida BB - FF -divorciaram-se, por decisão judicial datada de ../../2021, proferida nos autos de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge nº ..., que correu seus termos junto do Juízo de Família e Menores de ... – ...;
3 - Nesses autos foi também regulado o exercício das responsabilidades parentais relativamente à menor, por via do qual, para além do mais, foi estabelecido que a criança ficaria a residir habitualmente com a mãe e o pai poderia estar com a criança e tê-la consigo nas suas folgas de sábado, sendo que a mãe ia buscar a BB à sexta-feira à escola no final das actividades lectivas e entregava-a na casa do pai, indo buscá-la igualmente à casa do pai às 18h00 de sábado, no horário de inverno, e às 20h00 no horário de verão;
4 - Em exame pericial de natureza sexual realizado no dia 28 de Março de 2022, foram colhidas amostras, além do mais, na região vulvar da menor BB, que sujeitas a exame pericial de biologia forense revelaram conter o perfil de ADN do arguido;
5 – Em 28 de Março de 2022 a menor tinha 4 anos de idade o que era do conhecimento do arguido, dado que este era seu pai;
6 - Da condição pessoal e social do arguido AA:
6.1 - BB, a ofendida, é filha de AA (arguido) e FF, casal que manteve relacionamento afetivo entre os anos de 2009 e 2020, período durante o qual se mantiveram casados (divórcio em 2021), não obstante se tenham verificado diversas discussões durante aquela vivência, que motivaram vários afastamentos temporários;
6.2 - Os factos subjacentes ao presente processo, reportam a período já após a separação, num contexto em que a menor se encontrava em período de convívio com o progenitor;
6.3 - No ano de 2022 o arguido esteve sujeito a prisão preventiva, situação que o próprio refere ter sido impactante na sua vida, do ponto de vista da sua estabilidade emocional, mas também ao nível profissional e económico, destacando ter deprimido nessa conjuntura, situação de saúde da qual viria a recuperar já em liberdade, com ajuda de medicação psiquiátrica, num tratamento direcionado para a problemática alcoólica, efetuado na UAC – Unidade de Alcoologia de ...;
6.4 - Encontra-se, assim, no presente, em acompanhamento por parte da DGRSP e a cumprir com as orientações fornecidas, entre as quais, a de manter acompanhamento terapêutico ao alcoolismo, na atualidade traduzido pela intervenção junto do CARDA, onde beneficia de consultas de psicologia;
6.5 - Profissionalmente, AA encontra-se em situação de desemprego desde o passado mês de setembro, inscrito no IEFP, aguardando colocação de emprego; nesta fase, dedica-se a prestar serviços na área da construção civil, sempre que solicitado;
6.6 - Tem experiência profissional diversificada, iniciada ainda antes dos 16 anos de idade, após conclusão do 6º ano de escolaridade, tendo trabalhado na fábrica “B...”, também na área da construção civil e outras atividades indiferenciadas conexas;
6.7 - Posteriormente manteve-se vários anos como cortador de carnes em talhos de diversas superfícies comerciais, tendo a sua última colocação sido no talho do “C...”, onde auferia vencimento aproximado ao do salário mínimo nacional;
6.8 - Recebe quase 700 euros mensais de subsídio de desemprego, montante que complementa com alguns biscates, de forma a fazer face aos seus encargos, não documentados, de renda de casa (430 euros), despesas domésticas (150 euros), para além das inerentes à sua alimentação;
6.9 - Vive na morada indicada no presente relatório, tratando-se de um sótão arrendado, com adequadas condições de habitabilidade, conforme refere, onde vive sozinho;
6.10 - Em retrospetiva de vida, refere memórias positivas da sua infância e adolescência, tendo praticado atividade desportiva de futebol, nas camadas jovens do ..., vivências passadas em ..., meio onde decorreu o seu processo educativo e de socialização, no seio do agregado parental onde constava como o mais novo de quatro irmãos;
6.11 - Instado a avaliar criticamente o tipo de conduta criminal em causa no presente processo, AA mostra-se capaz de identificar a gravidade das ações, compreendendo a necessidade de intervenção da Justiça, acrescentando que o presente processo acarretou já significativo impacto na sua vida, uma vez que interrompeu o seu habitual modo de vida, com sujeição a medidas privativas da sua liberdade, instabilidade laboral, rendimentos e sobretudo, impondo um afastamento relacional e afetivo, relativamente à sua filha.
7 - O arguido possui os seguintes antecedentes criminais:
- Processo Especial Sumário nº ... do Juízo Local Criminal de ..., ..., por sentença proferida em 20/12/2021 e transitada em julgado em 01/02/2022, foi condenado na pena de 55 dias de multa à taxa de 5,50 pela prática em 01/12/2021, de um crime de desobediência
- Processo Especial Sumário nº ... do Juízo Local Criminal de ..., ..., por sentença proferida em 20/12/2021 e transitada em julgado em 01/02/2022, foi condenado na pena de 65 dias de multa à taxa de 7,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses pela prática em 06/12/2021, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez
- Processo Especial Sumário nº ... do Juízo Local Criminal de ..., Juiz 1, por sentença proferida em 17/02/2022 e transitada em julgado em 31/03/2022, foi condenado na pena única de 170 dias de multa à taxa de 6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses pela prática em 07/01/2022, de dois crimes de desobediência e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez tendo a pena de multa sido convertida em 112 dias de prisão subsidiária;
- Processo Comum Singular nº ... do Juízo Local Criminal de ..., ..., por sentença proferida em 05/01/2023 e transitada em julgado em 10/09/2023, foi condenado na pena de 120 dias de multa à taxa de 5,50 pela prática em 07/11/2021, de um crime de furto qualificado
- Processo Comum Singular nº ... do Juízo Local Criminal de ..., ..., por sentença proferida em 01/08/2022 e transitada em julgado em 31/08/2022, foi condenado na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por 3 anos e 6 meses e sujeita a regime de prova e na proibição de contacto com a vítima pelo mesmo período com controlo de meios à distância pela prática em 23/09/2020, de um crime de violência doméstica; no âmbito deste processo foi efectuado cúmulo jurídico de penas tendo o arguido sido condenado na pena única de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova.

Factos não provados:
a - Numa das visitas ao arguido, no interior da residência deste, sita na Praceta ...., nesta cidade ..., em dia não concretamente apurado, mas situado entre os dias 27 e 28 de Março de 2022, a hora não concretamente apurada, o arguido apalpou a zona genital da menor, manipulando com os dedos a vulva da menor e introduziu um dos seus dedos na vagina da menor;
b - Ao levar a cabo toda a conduta acima descrita em relação à sua filha menor BB, agiu o arguido com a intenção de satisfazer os seus desejos libidinosos, bem sabendo que a mesma tinha, aquando dos factos praticados, 4 anos de idade e que, como tal, carecia completamente de capacidade para se autodeterminar sexualmente, não ignorando que, ao agir daquela forma, prejudicava gravemente o livre desenvolvimento da personalidade da mesma menor;
c - O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

III – Motivação de Facto
Na fixação da matéria de facto provada e não provada o tribunal coletivo baseou-se na apreciação crítica da globalidade da prova produzida em audiência de julgamento, segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal, confrontando-se a prova documental e pericial com a prova oral e aferindo-se do conhecimento de causa, da isenção do depoimento e declarações prestados, das suas certezas e hesitações, da razão de ciência e da relação com os sujeitos processuais.
O arguido AA prestou declarações confirmando que no dia em causa a menor BB passou a tarde consigo, nos moldes que se encontravam estabelecidos no âmbito da regulação das responsabilidades parentais.
Admitiu que menina teria que ser entregue à mãe ao fim do dia. No entanto, não o fez uma vez que a menor manifestou vontade de passar consigo a noite. Declarou saber que no dia seguinte a mesma tinha uma consulta no Hospital ..., logo pela manhã, como lhe foi comunicado pela mãe daquela, tendo o arguido se comprometido a levá-la a fim de não faltar à mesma.
Que a mãe se mostrou insatisfeita pelo facto de não lhe entregar a criança tendo-se dirigido até junto da sua casa e chamado as autoridades policiais ao local de forma a conseguir levar a menor consigo o que acabou por não suceder porque o acordo das responsabilidades que à data se encontrava em vigo, permitia que a menor pernoitasse com o pai.
Questionado nesse sentido, referiu que a menor apresentava assadura na zona vulvar pelo que adquiriu um creme, do que deu conhecimento à mãe, a qual acordou com a sua utilização.
De forma peremptória negou ter tido com a menor qualquer contacto físico nos moldes que constam da douta acusação pública, ou seja, ter apalpado a sua zona genital, manipulando com os dedos a vulva e introduzido um dos seus dedos na vagina da menor.
Refere que toda esta situação se deve à mãe da menor que pretende afastá-lo da sua filha, tendo ciúmes por a mesma gostar de estar na sua companhia. Juntou aos autos vários vídeos obtidos no dia em causa retratando brincadeiras da menina com o pai e onde é audível uma voz feminina que claramente é da mãe da menor em face das frases que o arguido profere ao dirigir-se à mesma.
NN, inspectora da Polícia Judiciária confirmou o vertido nos relatórios por si subscritos descrevendo, ainda, quais as diligências que efectuou no âmbito dos presentes autos.
FF, mãe da menor e ex-mulher do arguido, referiu encontrar-se, actualmente, de relações cortadas com aquele por virtude do ocorrido. Nas suas declarações começou por explicar o regime de visitas que à data dos factos vigorava e os ajustes que foram feitos no mesmo em função da alteração da situação profissional do arguido que, a dado momento, passou a residir num quarto o que impedia que o mesmo pernoitasse com a sua filha. Num acordo estabelecido entre ambos e à margem do que havia sido estabelecido em Tribunal reconheceu que “ao domingo facilitava e levava a menina para o arguido estar com a filha sendo que a mesma lhe era entregue à noite” realçando que no dia em causa foi o seu actual marido que entregou a menina tendo a testemunha permanecido no interior do seu veículo automóvel pois o arguido estava proibido de contactar consigo face à medida de coacção de proibição de contactos com vigilância electrónica imposta no âmbito de um outro processo.
No dia em que ocorreram os factos, o acordado seria a BB regressar à noite a casa não tendo, por isso, levado consigo qualquer muda de roupa. Especificou que roupa a mesma levava vestida salientando que a mesma ia “limpinha e em ordem” e, infirmando o dito pelo arguido, que a mesma não tinha qualquer assadura, negando ter falado alguma vez com aquele sobre esse problema ou sobre a aquisição de qualquer creme para colmatar tal situação.
Uma vez que a menina não foi entregue à hora combinada, cerca das 21h00, junto ao “A...”, contactou telefonicamente o arguido o qual lhe comunicou que a menina pernoitaria consigo uma vez que era a vontade da mesma tendo a testemunha lhe comunicado que a menor no dia seguinte teria uma consulta no Hospital ..., tendo o arguido assegurado que a entregaria a horas a fim de a mesma aí comparecer. Insatisfeita com o comportamento do arguido, referiu ter chamado as autoridades policiais até à residência do arguido com o qual conversaram, dizendo-lhe depois que nada havia a fazer em face do que se encontrava estabelecido no acordo de regulação das responsabilidades parentais que lhes foi exibido. Perante tal facto, regressou à sua residência referindo que, até cerca das 3h da manhã, o arguido enviou-lhe vários vídeos seus em brincadeira com a menor, sendo visível que esta envergava em alguns deles roupa que não era a sua.
No dia seguinte a menina foi entregue pelo arguido, pelas 08h30, a tempo de ir à consulta marcada, conforme haviam combinado.
Referiu que, após regressar da consulta e quando se preparava para dar banho à menina, deu conta de que estava toda vermelha na zona da vulva tendo questionado a menor nos seguintes: “Oh filhota o que é isto?”, ao que aquela lhe terá dito que havia estado a brincar com o pipi do pai e o pai com o pipi dela.
Perante isto, voltou a vestir a mesma roupa à filha e dirigiu-se de imediato às urgências, referindo, nada mais ter perguntado à menor dizendo: “Não quis ouvir mais nada (…) porque não quis, preferi procurar ajuda para saber se aquilo podia ser de brincadeira de criança com 4 anos ou se ela tinha dito aquilo por dizer (…) dei entrada na urgência como se ela estivesse doente, não ia lá estar a expor a minha vida”.
Depois de instada três vezes pela Digna Magistrada do Ministério Público sobre se já teria ocorrido alguma situação em que a menina tivesse tido um problema com assaduras, com alguma dificuldade recordou-se de um situação em que o arguido também se recusou a entregar a menor como estava previsto no acordo firmado em Tribunal sendo que, ao fazer a higiene da sua filha viu que a menina “tinha o clitóris inchadinho” tendo-lhe perguntado “filha o que é que foi isto” ao que ela respondeu “o pai chupou e saltou a tampa”. Nessa situação acreditou que tal inchaço deveria dever-se a má higiene e levou-a ao hospital por achar estranho “mas como aquilo desinchou disseram que ela não tinha provas para avançar” (sic). Nessa situação conversou com o arguido tendo este lhe dito que podia ter limpo mal a menina quando esta havia ido à casa-de-banho. Acrescentou que, a partir desse momento ficou “mais alerta”.
Relatou o que sucedeu após a chegada à urgência, referindo que a menor foi vista por uma pediatra tendo relatado a esta o que a menor lhe havia dito. Acrescentou que a pediatra a examinou, viu o pipi não detectando a presença de qualquer creme. De seguida encaminhou-a para o “médico legal” que lhe fez exames Admitiu não ter falado com o arguido sobre o ocorrido, nunca o tendo confrontado ou questionado com o sucedido.
Acrescentou que depois destes factos, por ainda ser só uma suspeita e porque, também, estava presente, deixava o arguido comer em sua casa pois este passava necessidades. Como a testemunha disse: “Não sou pedra no coração”, referindo que a menor fazia muita pressão para o pai tomar as refeições com consigo, sendo muito próxima do mesmo, revelando que a mesma mostra muitas saudades do pai.
A dado momento e devido à existência deste processo as visitas passaram a ser visionadas ou feitas através de videochamadas.
GG, avó da menor e mãe da testemunha FF explicou como decorriam as visitas entre o pai e a menor e como soube dos factos em causa nos presentes autos referindo que a sua filha lhe ligou dizendo que: “a menina estava a dizer coisas sem pés nem cabeça”. Acrescentou que no dia seguinte acompanhou a mãe e a neta ao Hospital ... a fim de a mesma ser examinada pelo perito legal, descrevendo o que ali ocorreu.
HH, marido de FF, declarou ter sido quem entregou a menor ao arguido no dia em causa, perto do A..., estando a sua esposa no interior do veículo automóvel
As declarações para memória futura prestadas pela menor BB tiveram a duração de 30 minutos e ocorreram seis meses após a ocorrência dos factos. Nessas declarações a menor mostra-se uma criança de grande desenvoltura verbal, espontaneidade e riqueza de vocabulário, revelando conhecimento sobre o corpo humano sabendo o que são e onde se encontram os órgãos sexuais das meninas e dos meninos e a diferença entre os mesmos, tendo noção de que é errado mexer nos órgão sexuais de outras pessoas como deixar mexer nos seus, ressalvando que tal só pode ser feito pelo pai ou pela mãe e também pela avó materna. Relatou o que fazia com o pai nos momentos que passavam juntos, descrevendo brincadeiras feitas com o mesmo; referiu uma situação em que “ficou com o pipi a assar e o pai pôs água e passou (…), só mexia para não arder, passou com água na mão e depois passou com a mão devagarinho e curou”.
A dada altura e já ao minuto 25m 35s das suas declarações, e após a pergunta da Mmª. Juiz se tem algum segredo, a menor confidencia-lhe, “que tem um segredo”, acabando por revelar que a mãe mostrou o pipi ao pai, dizendo ainda que um dia a avó um dia lhe limpou o pipi. Ao minuto 29 manifesta vontade de contar mais um segredo e diz que o pai fez “coceguinhas com o dedo no seu pipi”. Para exemplificar como tal sucedeu, utilizou a dedeira que a Sra. Juiz trazia colocada.
Observando como a menor utiliza a dedeira para explicar como o pai lhe tocou, roçando com o dedo na mesma, parece-nos que a curiosidade da menor por tal objecto prejudicou-a na sua tentativa de exemplificar o ocorrido com o pai: a menor centra a sua atenção na dedeira o que resulta claramente nas perguntas que faz sobre a mesma, nomeadamente para que serve. Repare-se que a menor possui grande desenvoltura, é objectiva, relata situações com clareza mostrando-se muito espontânea e atenta a tudo o que a rodeia, relatando com pormenor várias situações que ocorreram entre si e colegas de infantário na parte em falam de sexualidade não mostrando qualquer constrangimento. A actuação que imputa ao pai resume-se ao “fez-me cócegas no pipi” sendo que questionada várias vezes se o pai lhe tocou no pipi a menor responde negativamente.
Saliente-se, ainda, que quando lhe perguntam se tem algum segredo que pretenda contar a mesma diz que sim: e por duas vezes se aproxima do ouvido da Sr.ª Juiz para os contar. E quais são esses segredos? Que a mãe mostrou o pipi ao pai, tendo confidenciado depois que a avó um dia lhe limpou o pipi. Quando conta o segundo segredo declara que o pai fez “coceguinhas com o dedo no seu pipi.
Decorre dos autos, nomeadamente de fls. 261 a 266, que a menor BB foi submetida a perícia psicológica no âmbito da qual mais se concluiu que: “Tendo em consideração a informação recolhida através das várias fontes de informação e durante a avaliação psicológica a que foi submetida e a literatura existente da especialidade, é possível concluir que, à data da realização da perícia, a examinada evidencia uma idade mental compatível com a idade real. A apresentação é cuidada, o discurso espontâneo. No que respeita à adaptação à realidade, situa-se no tempo e no espaço e demonstra ter conhecimento adequado da sua vida familiar, escolar e social apresenta estruturas e processos cognitivos e afectivos que lhe permitem fazer a distinção entre factos reais e imaginados e/ou fantasiados, distinguir clara e criticamente (aqui estamos a incluir o desenvolvimento moral e o juízo crítico como analisadores) a verdade da mentira, bem como a capacidade de ajuizar situações e compreender normas sociais (inteligência social)”.
Conclui-se nesse relatório que: “Através da análise qualitativa das declarações da menor, da sua postura e linguagem não verbal e da análise psicométrica, permite-nos acreditar que estamos perante um relato que, muito provavelmente corresponde a uma situação vivenciada e não a uma mentira, fantasia ou sugestionamento por parte de terceiros”.
Foram ainda elaborados relatórios periciais criminalística biológica (fls. 167/v a 170 e 273 a 274/v) ambos da autoria da Dra. DD.
O objectivo da primeira perícia foi a identificação biológico em amostras relacionadas com a vítima BB, tendo sido utilizado como material para exame duas zaragatoas vulvares e duas peças de roupa (cuecas e camisola interior), sendo descrito no primeiro relatório a metodologia utilizada e o resultado dos procedimentos realizados:
A prova de orientação (sémen) apresentou resultado positivo nas cuecas (C1) e na camisola interior (C1). Contudo, na prova de certeza e para os dois itens ensaiados o resultado é negativo.
Nos esclarecimentos prestado pela Senhora Perita e porque tal lhe foi directamente perguntado esclareceu o que são provas de orientação e provas de certeza: as provas de orientação são uma triagem para aquilo que se está a pesquisar, mas também pode positivar com outras substâncias; neste caso a prova de pesquisa de sémen pode levar a falsos positivo como pode ser uma mancha de urina. Dando positivo tem que se confirmar se de facto está-se a visualizar espermatozoides. Aí, passa para a prova de certeza: “a prova de certeza é que vai confirmar se aquela mancha que inicialmente deu orientação que poderia ser uma mancha de esperma, se é ou não”.
Seguidamente foi efectuada a prova de certeza: “Depois de fazer pesquisa de espermatozoides, estes não foram visualizados. Não visualizar não nos diz que não é uma mancha de esperma, mas diz-nos que não é possível confirmar”. Perante o relatado, a Sra. Perita resumidamente declarou que a conclusão a tirar é que a existência de esperma não foi excluída, mas também não foi provada a sua presença.
Questionada quanto à possibilidade do material genético encontrado nas cuecas da menor poder ser transmitido por simples contacto com a roupa, a Senhora Perita respondeu afirmativamente: “Qualquer acto que nós praticamos pode deixar material biológico, seja por células, ou por suor ou saliva, urina, sangue ou outros fluidos”.
No relatório pericial criminalística biológica datado de 26 de Julho do mesmo ano (cfr. 273 a 274/v) conclui-se o seguinte:
“ADN AUTOSSÓMICO:
O estudo dos itens ensaiados revelou:
- na camisola interior (C2) a presença de um perfil genético de mistura (XY), com o componente maioritário coincidente com o perfil do arguido AA e o componente minoritário não valorizável, não permitindo assim excluir que o componente maioritário provenha do arguido;
(…)
- na zaragota da zona vulvar “2” (C1) e na camisola interior (C1), a presença de perfis genéticos de mistura (femininos e masculinos, XY), compatíveis com o perfil do arguido AA não permitindo assim excluir que o arguido tenha contribuído para essa mistura”.
Numa linguagem menos técnica e mais compreensível para o cidadão comum a Senhora Perita explicou os resultados que obteve e ainda alguns termos técnicos: relativamente ao que se entende por perfil coincidente explicou que tal sucede quando temos um perfil genético individual, ou seja, que é exactamente igual ao de alguém que está a ser analisado: se forem iguais são coincidentes.
Se for uma mistura, neste caso estará presente o perfil de duas pessoas, havendo uma mistura de material genético de mais de um interveniente pelo que não é coincidente, só se podendo concluir que é compatível.
No estudo que foi efectuado não tinham amostra de referência da vítima pelo que não puderam concluir que o perfil de mistura é compatível com os perfis da vítima e do arguido.
No relatório pericial datado de 30 de Março e elaborado pelo perito médico Dr. CC refere-se que: “No exame da região genital e anal observou-se eritema ligeiro e aumento de vascularização na zona correspondente entre as 3 horas e as 5 horas do sulco ninfohimenial. Tais alterações, embora podendo indicar uma situação de abuso sexual, não são específicas de patognomónicas de tal situação. De facto, tais achados apresentam um carácter inespecífico e etiologia multifatorial”. Em esclarecimentos, o Senhor Perito explicou que o eritema observado podia ter várias origens, não afastando a possibilidade de abuso sexual.
No relatório em causa é referido, a fls. 165/v e com referência ao dia 28 de Março de 2022 que por não ter sido possível a colheita de uma história do evento mais completa e a realização de um exame físico das regiões ano-genital adequado, a menor foi novamente observada em 29/03/2022.
Se atentarmos ao auto de diligência de fls. 15 a 17/v, elaborado por elementos da Polícia Judiciária que se deslocaram ao estabelecimento hospitalar a fim de tomarem conta da ocorrência, no mesmo constam relatos efectuados quer pela mãe da menor quer pela médica que a atendeu no serviço de urgência e ainda pelo médico que se encontrava no Gabinete Médico Legal resultando a fls. 16/v que este procedeu a exame médico legal à menor tendo este salientado que “externamente não observou nada de anormal na zona vulvar e anal” não tendo sido possível levar a cabo uma examinação mais cuidada, mais precisamente observar o hímen da criança”. Ora, analisando a prova testemunhal, pericial e ainda as declarações prestadas pela menor, entendemos que não se fez prova suficiente permitindo concluir de que sem qualquer sombra de dúvida que o arguido praticou o crime de que vinha acusado.
Como é do conhecimento geral, os crimes de abuso sexual são, na sua maioria, de prova difícil, já que entre o abusador e a vítima não se interpõe mais ninguém. Nestas circunstâncias, a prova baseada no depoimento da vítima abusada, sendo um meio de prova legal e admissível, é a única prova susceptível de incriminar o arguido tornando-se por isso necessário que o depoimento seja credível e permita a formação de uma convicção indubitável de condenação. Quando a vítima abusada é uma criança torna-se ainda mais difícil concluir pela credibilidade porque factores como a fantasia, a linguagem, memória e sugestionabilidade podem afectar a sua competência de testemunhar.
As memórias das nossas acções e sentimentos tendem a ficar esbatidas no tempo e por isso sempre que fomos obrigados a revisitar uma memória esta torna-se vulnerável e pode ser alterada, mesmo inconscientemente.
Revertendo para as declarações da menor, relevantes para a decisão fáctica, são (e são apenas) as constantes das “declarações para memória futura” prestadas pela referida menor.
Com efeito, de nada valem, para efeitos probatórios, quer as declarações da menor prestadas perante a Polícia Judiciária, quer as declarações da mesma prestadas na altura dos “exames” (clínicos e/ou psicológicos) efetuados à pessoa da menor em causa (ou seja, as declarações prestadas perante médicos, psicólogos, consultores de psicologia forense, ou qualquer outro técnico especialista nestas matérias).
São só as declarações prestadas em tribunal, seguindo o regime processual da prestação das “declarações para memória futura” (perante Magistrado Judicial, Magistrado do Ministério Público e o Ilustre Defensor do Arguido), que relevam para avaliar da correta (ou incorreta) versão dos factos apresentada pela menor.
E estas declarações estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova. Conforme determina o artigo 127º do Código de Processo Penal, “salvo quando a lei dispuser de forma diferente, a prova é apreciada segunda as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Este princípio impõe como único limite à discricionariedade do julgador, as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
A livre apreciação da prova é ainda indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância.
Como ensinava o Prof. Alberto do Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, págs. 566, «a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal».
Como acima se referiu e recorrendo ao vídeo contendo as declarações prestadas pela menor, esta só no final das mesmas e depois de lhe ser perguntado se tem um “segredo que quer contar” começa por confidenciar que mãe viu o pai nu, que a avó limpou o pipi e que o pai fez cócegas no pipi. E, recorrendo à dedeira que a Mmª Juiz usa, exemplifica como o pai fez cócegas no seu pipi. Observando bem os gestos da menor, e como já anteriormente referido, a mesma parece ter-se alheado da razão porque faz tais gestos, mostrando-se curiosa com o objecto em si, pegando nele e colocando-o no seu dedo desligando-se do que pretendia exemplificar com a dedeira e centrando a sua atenção nos pormenores da mesma, o que resulta claramente nas perguntas que faz sobre a mesma.
É certo que a menor foi a sujeita a perícia psicológica que concluiu que: “estamos perante um relato que, muito provavelmente corresponde a uma situação vivenciada e não a uma mentira, fantasia ou sugestionamento por parte de terceiros”.
De harmonia com a previsão do art. 163º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, “O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador”, constituindo uma das excepções ao princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º, do mesmo diploma legal.
Quer isto dizer que juízo técnico, científico ou artístico inerente a esse meio de prova, apresenta um valor presuntivamente pleno – ou, como determina o art. 371.º do Cód. Civil, faz prova dos factos atestados com base nas percepções da entidade documentadora – pelo que, para contrariar esta valoração, o julgador terá que fundamentar a divergência com argumentos técnicos ou científicos equiparados aos dos peritos, isto é, fazendo uma crítica da mesma natureza, material e científica.
Porém, não se integram em tal critério os juízos de probabilidade ou meramente opinativos, pelo que não se pode equiparar a perícia de avaliação psicológica de menor que incide sobre a credibilidade do depoimento deste a uma qualquer outra perícia.
É que o juízo de credibilidade dos depoimentos das testemunhas é tarefa própria e indeclinável do juiz, amparado pelos princípios da imediação e oralidade e pelas regras de experiência e normalidade de acontecer.
Assim, o juízo pericial opinativo, constituindo um subsídio importante para a valoração da prova sobre que incide não pode, porém, substituir ou suplantar o juízo próprio e característico da função judicial. Não pode, em suma, transferir-se para o perito (que, aliás, emite a sua opinião sem recurso a elementos atinentes ao contraditório só possível em audiência de julgamento) aquilo que é inato à função judicial.
A avaliação psicológica da menor fundamento na previsão do artigo 131º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, onde se consagrou que: «Tratando-se de depoimento de menor de 18 anos em crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, pode ter lugar perícia sobre a personalidade».
E a sua finalidade é simples e está expressa no n.º 2, do mesmo preceito legal: verificar «a aptidão física ou mental de qualquer pessoa para prestar testemunho, quando isso for necessário para avaliar da sua credibilidade», o que não significa que tal avaliação tenha como objectivo determinar se o examinando disse ou não a verdade quando prestou declarações.
A avaliação, constitui, pois, um meio auxiliar de que o juiz se serve ou pode servir para melhor ajuizar sobre a aptidão para prestar testemunho, considerando as suas características psicológicas e da personalidade, mas já não para aferir da credibilidade do seu depoimento, na versão que apresenta dos factos.
Um «Relatório de perícia psicológico-forense» na parte em que se limita a veicular as conclusões e juízos de valor emitidos pela perita derivados do depoimento que ouviu a uma menor não constitui prova pericial, pois não é um juízo técnico ou científico inerente à prova testemunhal, pelo que não pode ser atendido como meio de prova pelo tribunal. Pese embora o relatório psicológico conclua que o que a menor relata é uma situação que aconteceu não se tratando de nenhuma fantasia, daqui não se pode, sem mais concluir-se pela actuação do arguido nos moldes que vêm descritos na douta acusação pública, inexistindo qualquer outra prova que permita concluir em sentido contrário.
Analisando o declarado pela mãe da menor esta mostra-se incoerente nalguns pontos fundamentais, pondo em causa a credibilidade das suas declarações: temos uma mãe que, após várias insistências da senhora Magistrada do Ministério Público, recorda-se que no ano anterior aos factos em causa teria se apercebido de um vermelhão no pipi da menina e que esta lhe terá dito, a pergunta sua, que o” pai tinha chupado e lhe saltou a tampa”. Perante esta informação dirigiu-se ao centro hospitalar em ... onde nada viram pelo que disseram que nada fariam.
E perante a ocorrência da situação em causa, a testemunha FF não faz qualquer ligação entre as duas situações, nenhum alarme de perigo ressoou na sua cabeça quando viu o “vermelhão” no pipi da menor que a fez levar a menor até ao hospital: só após insistência do MP é que se recordou e relatou o antes ocorrido o que fez até com uma certa displicência, sem dar grande importância ao sucedido.
Quem é a mãe que, desconfiando do comportamento do pai para com a sua filha, não redobra a atenção relativamente às visitas do mesmo? Que permite que o arguido almoçe na sua casa junto da sua filha o que fez por várias vezes após já saber do ocorrido! Justifica que o fez porque teve pena, porque a filha lhe pediu, porque, segundo as suas palavras: “Não sou pedra no coração”. Mas, vejamos, os seus cuidados e atenção devem ser para com a menor e não para o seu suposto abusador. O seu dever como mãe é proteger a sua filha!
A isto acresce as conclusões obtidas nos relatórios periciais efectuados relativamente à presença de ADN nas roupas da menina e já acima referidas.
Acresce ainda, que a menor é vista pelo perito legal sendo que este refere que externamente não observou nada de anormal na zona vulvar e anal” não tendo sido possível levar a cabo uma examinação mais cuidada, mais precisamente observar o hímen da criança.
No dia seguinte a menor é examinada e no exame da região genital e anal é observado eritema ligeiro e aumento de vascularização na zona correspondente entre as 3 horas e as 5 horas do sulco ninfohimenial. Tais alterações, embora podendo indicar uma situação de abuso sexual, não são específicas de patognomónicas de tal situação. De facto, tais achados apresentam um carácter inespecífico e etiologia multifatorial.
Questionamos: se a menor tinha um vermelhão da zona da vulva, como a mãe diz, como é possível que o perito médico, na primeira vez que observou a menor, não o detectou?
Acresce que nas declarações que a menor presta, esta não mostra constrangimento em contar o ocorrido. O que diz é que o pai fez cócegas no pipi, e é só isto que diz: não diz quando, como, em que situação, se foi no dia em causa nos autos, se foi por cima ou por baixo da roupa. Ou seja, as suas declarações são muito escassas sobre a dinâmica do ocorrido inexistindo nos autos qualquer elemento que nos faça concluir que o abuso ocorreu.
Por último, estranha-se que o pai da menor sabendo que a menor tinha uma consulta no dia seguinte, tenha decidido precisamente nessa noite praticar os atos de que vem acusado correndo o risco de tal situação ser imediatamente detectada e ser-lhe imputada a sua prática. É certo que não se logrou provar que a menina tivesse algum creme n zona vulvar, como o arguido afirmou, mas só isto e o já anteriormente referida não afasta a dúvida do Tribunal.
Em conformidade, terá o Tribunal de se socorrer do princípio processual da presunção de inocência, “que assenta no reconhecimento dos princípios do direito natural como fundamento da sociedade, princípios que, aliados à soberania do povo e ao culto das liberdade constituem elementos essenciais da democracia” (Germano Marques da Silva, Curso de Direito Processual Penal, I, pg. 74), por força do qual a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido - cfr. Prof. Figueiredo Dias, acompanhando o Prof. Eduardo Correia, RDES 14 (1967), pg.22, e Prof. Castanheira Neves, Sumários de Processo criminal (1968), pgs.59 e ss., RLJ ano 105 pg. 140 e 141.
Atendeu-se ainda à seguinte prova (toda ela já analisada):
Pericial:
- Relatórios de perícia de natureza sexual de fls. 45 a 49, 163 a 170, 356 a 360;
- Relatório Pericial de Criminalística Biológica de fls. 273;
- Relatório de perícia psicológica de fls. 261 a 266;
Documental:
- Assento de nascimento da menor, de fls. 26;
- Cópia da decisão proferida no Processo ... de fls. 301 a 304;
- Auto de notícia de fls. 3 e 4;
- Cópia de participação de fls. 98 a 101;
- Auto de diligência de fls. 55 a 59;
- Elementos clínicos de fls. 71, 388 a 395;
- Certidão datada de 7/02/2025.
Relativamente à condição pessoal e social do arguido tiveram-se em conta as declarações prestadas pelo mesmo, atendendo-se, ainda ao relatório social cuja elaboração foi determinada pelo Tribunal e que foi junto aos autos a 20 de Janeiro.
Atendeu-se, ainda às declarações prestadas por OO, PP, QQ, todas elas amigas do arguido e que descreveram a relação harmoniosa entre este e a menor.
Tal foi também a opinião da Dra. KK que supervisionava as visitas do pai com a menor testemunhando a evidente relação afectiva e íntima existente entre ambos.
II, proprietária da casa onde o arguido residia à data dos factos relevando o seu depoimento apenas quanto à relação que mantinha com a menor.
Quanto aos antecedentes criminais do arguido revelou o certificado de registo criminal datado de 14 de Janeiro.
IV - Motivação da Matéria de Direito:
O arguido AA, vem acusado, em autoria material e em concurso efetivo e na forma consumada da prática de:
Imputando-lhe a prática, como autor material e na forma consumada, um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, nº s 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, sendo o crime punido ainda com a pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição de responsabilidades parentais, prevista no artigo 69º-C, nº 2 e 3, do Código Penal.
Dispõe o nº 1 do artigo 171º do Código Penal, sob a epígrafe: “Abuso sexual de crianças”, que:
“Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticar com outra pessoa, é punido com pena de prisão até um a oito anos”.
O nº 2 do referido normativo refere que: “Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos;
Por seu turno, o artigo 177º do Código Penal dispões que:
“1- As penas previstas nos artigos 163 a 165º e 167º a 176º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima:
a) For ascendente, descendente, adoptente, adoptado, parente até ao segundo grau do agente; ou
b) Se encontrar numa relação familiar, de coabitação, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho e o crime fora praticado com aproveitamento desta relação;
c) For pessoas particularmente vulnerável, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez”.
O artigo 171º do Código Penal prevê quatro crimes distintos, conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque1: “O crime de prática de acto sexual de relevo; o crime de cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos; o crime de importunação; e o crime de actuação por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos”.
1 In. “Comentário do Código Penal, pág. 742
2 Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, pág. 541
O bem protegido é o livre desenvolvimento da personalidade das crianças, isto é menores de 14 anos face a condutas de natureza sexual que, tendo em consideração a pouca idade daquelas, possam, mesmo sem recurso a qualquer tipo de coação, prejudicar gravemente aquele livre desenvolvimento, uma das dimensões intangíveis da proteção da infância e da juventude [69.º, n.º 1 e 70.º, n.º 1 da Constituição]2. Na verdade, no que diz respeito aos jovens que ainda não dispõem de capacidade para decidir responsavelmente no âmbito sexual, os tipos penais orientam-se no sentido de que, no futuro, possam alcançar um livre desenvolvimento na esfera sexual, preservando-os de traumas e choques psicológicos impostos por terceiros. Há por isso quem entenda que, neste tipo de crime, o bem jurídico protegido é, mais exatamente, a liberdade sexual potencial. “A lei presume que actos de natureza sexual praticados com menores prejudicam o seu desenvolvimento. Por isso se entende que o tipo legal defende não só a determinação sexual dos menores, mas o livre desenvolvimento da sua personalidade” – neste sentido, Cf. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado 27 de Janeiro de 201022 disponível in www.dgsi.pt.
Neste tipo de crime o agente pode ser qualquer pessoa. Por seu turno, a vítima é necessariamente uma criança ou um jovem menor de 14 anos, de qualquer sexo, sendo totalmente indiferente que a vítima seja já ou não sexualmente iniciada.
Constitui um crime de perigo abstrato, na medida em que a possibilidade de um perigo concreto para o desenvolvimento livre, físico ou psíquico, do menor ou o dano correspondente podem vir a não ter lugar, sem que com isto a integração pela conduta do tipo objetivo de ilícito fique afastada3.
3 (Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in ob. citada, págs. 542 a 543)
4 Cfr. M.LeaL Henriques e M. Simas Santos, Código Penal Anotado, 2ª ed. 1996).
Pressupõe, ainda, o nº1 do referido artigo que se pratique um ato sexual de relevo.
Ato sexual é “todo aquele… que, de um ponto de vista predominantemente objetivo assume uma natureza, um conteúdo ou um significado diretamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de determinação sexual de quem ou sofre ou o pratica” – (cfr. Figueiredo Dias, ob citada, pág. 447).
Assim, sem deixar de se reconhecer a dificuldade de definir a noção do que sejam “atos sexuais de relevo”, tem-se dito que são aqueles que constituam uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade do sujeito passivo e invadam, de uma maneira objetivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo, que no domínio da sexualidade é apanágio de todo o ser humano4.
Na perspetiva da integração deste conceito Paulo Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código Penal em anotação ao artigo 163º, concretizando o que seja ato sexual de relevo, nele integra o toque com partes do corpo nos seios, nádegas, coxas e boca.
Mas a lei exige, ainda, que o ato sexual seja de relevo, isto é “que constitua uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade sexual do sujeito passivo e invadam, de uma maneira objetivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo, que no domínio da sexualidade, é apanágio de todo o ser humano.” Assim, sem deixar de se reconhecer a dificuldade de definir a noção do que sejam “atos sexuais de relevo”, tem-se dito que são aqueles que constituam uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade do sujeito passivo e invadam, de uma maneira objetivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo, que no domínio da sexualidade é apanágio de todo o ser humano (cfr, M. LeaL Henriques e M. Simas Santos, in ob, citada).
Ainda a propósito do ato sexual de “relevo” afirma o professor Figueiredo Dias que: “Ao exigir que o ato sexual seja de relevo a lei impõe ao intérprete que afaste da tipicidade não apenas os atos insignificantes ou bagatelares mas que investigue do seu relevo na perspetiva do bem jurídico protegido (função positiva); é dizer, que determine - ainda que de um ponto de vista objetivo - se o ato representa um entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima”5
5 Cfr. Figueiredo Dias in ob,. citada, Tomo I, pág. 449.
E o crime é essencialmente doloso, admitindo-se qualquer forma de dolo, ou seja, o conhecimento e vontade de praticar o facto, em qualquer das suas modalidades, extensível a todos os elementos constitutivos do tipo objetivo de ilícito.
Não se tendo feito qualquer que o arguido tenha praticado os factos constantes da acusação pública, será o mesmo absolvido da prática do crime de que vinha acusado.


V – Decisão: (…).”

*

Cumpre apreciar.
Apreciando o recurso interposto pela assistente, sendo a impugnação em parte centrada na decisão da matéria de facto, cabe aferir essa impugnação nos termos do art.412º nº3 do CPP, a qual constitui o ponto central do objeto do recurso, estabelecendo os pressupostos dos poderes de cognição do Tribunal Superior
Como realçou o STJ, no acórdão de 12-06-2008, Proc. nº 07P4375 (in www.dgsi.pt) a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e ás concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações (aqui merecendo a nossa discordância parcial, porquanto, é subsistente uma parcela importante de imediação na audição das gravações);
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, restrita á indagação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo á sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b), do nº 3, do citado artº 412º).
Com efeito, no Acórdão da Relação de Évora, de 1 de Abril do corrente ano (processo n.º 360/08-1.ª, www.dgsi.pt) sustentou-se «Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente
Não basta ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para que o tribunal de recurso tenha fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova.
O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento. O recurso com esses fundamentos apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância [cfr. Germano Marques da Silva, in Forum Iustitiae, Ano I, Maio de 1999].
Com efeito, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros» [cfr, neste sentido, Ac. do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, acessíveis em www.dgsi.pt]
O Tribunal de recurso, apreciando os fundamentos da impugnação da matéria de facto e os meios de prova indicados nos termos do art.412º nº3 do CPP (quando conste do objeto de recurso), deve aferir se o Tribunal “a quo” apreciou e interpretou os meios de prova conforme os padrões e as regras da experiência comum (a regra da experiência expressa aquilo que normalmente acontece, é uma regra extraída de casos similares), não extraindo conclusões estranhas ou fora dos depoimentos, subsistindo sempre um plano de convencimento do Tribunal a quo, segundo a livre convicção do julgador que não cabe a este Tribunal de recurso reformular, exceto se essa convicção enfermar de erros.
Em sede de apreciação da prova rege o princípio da livre apreciação, expressamente consagrado no artigo 127.º do C.P.P.
Este princípio impõe que a apreciação da prova se faça segundo as regras da experiência comum e em obediência à lógica. E se a convicção do Tribunal “a quo” se estribou nestes pressupostos, como já se enfatizou, o Tribunal “ad quem” não pode sindicar ou sobrepor outra convicção.
Com as limitações que decorrem de alguma parcela da mediação (embora não determinante) e da impugnação parcelar dos factos, o Tribunal de recurso somente poderá alterar a decisão de facto quando se “imponha” (usando a expressão legal), ou seja, quando o processo decisório de reconstituição do acontecer histórico da 1ª Instância se fundou fora da razoabilidade na ponderação sobre as incidências dos depoimentos, aferindo em erro da credibilidade das testemunhas, designadamente em juízos destituídos de lógica, ou distintos dos padrões da experiência comum.

Analisando as discordâncias concretas do recorrente face aos parâmetros da decisão agora impugnada, cremos assistir-lhe inteira razão, assim como ao Digno Procurador Geral Adjunto na análise a que procedeu dos elementos probatórios dos autos. Este Tribunal de recurso ouviu as declarações da menor, do arguido e o depoimento da mãe daquela, assim como os esclarecimentos dos senhores peritos, e muito diferentemente do que foi entendido pelo Tribunal “A Quo”, considera que a ofendida, dentro do ambiente e condicionalismo de umas declarações para memória futura, colhidas a uma criança de 4 anos, não obstante as compreensíveis resistências iniciais em descrever o que se passou, acabou a mesma por contar de forma clara e credível, e com o detalhe possível, as atitudes de seu pai sobre o seu corpo, sem que se notasse qualquer efabulação (contrariamente ao que foi avaliado pelo Tribunal “A Quo”), exagero, ou alteração.
A ofendida de 4 anos de idade quando presta as declarações de memória futura, não obstante mostrar alguma vivacidade e expressividade nas respostas, enquadra-se plenamente na sua faixa etária, e obviamente, contrariamente ao que é afirmado pelo Tribunal “A Quo”, a menor não tem o menor domínio dos items da sexualidade feminina ou masculina, apenas aludindo o seu pipi, do pipi da mãe, do pai e dos rapazes do infantário (porque a isso foi sucessivamente instada pela Mmª juíza de instrução). Aliás, a este propósito, tendo este tribunal de recurso ouvido com o necessário cuidado as declarações para memória futura, entende, que os considerandos do Tribunal “A Quo” quando se sustenta “Nessas declarações a menor mostra-se uma criança de grande desenvoltura verbal, espontaneidade e riqueza de vocabulário, revelando conhecimento sobre o corpo humano sabendo o que são e onde se encontram os órgãos sexuais das meninas e dos meninos e a diferença entre os mesmos,” e também quando refere que a menor não mostrou constrangimento sobre os assuntos acerca da sexualidade, esses considerandos são, no essencial, totalmente deslocados e sobretudo, manifestamente erróneos, porquanto, perdeu-se por completo de vista, estar a ser inquirida uma menina de 4 anos de idade, cuja atitude e respostas foram inteiramente consentâneas com essa tenra idade, não mostrando quaisquer dos atributos que o Tribunal “A Quo” lhe conferiu (na grande desenvoltura verbal e demais faculdades, que são assim despropositadas), sendo que, diversamente, foi a menor justamente classificada no exame pericial de psicologia num patamar mediano, após os testes a que foi submetida para a sua faixa etária. Depois, contrariamente ao sustentado no acórdão, é exuberante o constrangimento da menor, quer na anamnese feita por todos os peritos, e depois nas declarações para memória futura perante a Mmª juíza de instrução, onde, nas questões que lhe são formuladas sobre a conduta do seu pai, a mesma inicialmente e durante algum tempo nega sucessivamente que tenha ocorrido qualquer atitude invasiva, e só após, noutra abordagem acede a contar o sucedido. Essa resistência que manteve, evidencia, não só, o seu constrangimento, como a noção, ainda que intuitiva, de que é errado o que tem para contar (sobretudo porque sucessivamente confrontada por vários médicos que a inquiriram sobre essa conduta específica de seu pai), só se dispondo a contar os factos, com a classificação de um assunto, como de “segredo”. A circunstância da menor contar os episódios no infantário com meninos que mostravam o pipi deles, surge no contexto das insistentes (e justificadas) perguntas da Mmª juíza de instrução criminal, sobre se alguém lhe tinha mostrado o pipi, e se a menor já tinha visto outros pipis, o que nada tem que ver com um estar à vontade sobre este tipo de assuntos da sexualidade, sem constrangimentos, e menos ainda a criança inquirida mostra a despropositada “desenvoltura”. De igual modo, a exemplificação que a menor realiza na dedeira, não prejudicou, como adiante veremos, o esclarecimento em discussão, como sustenta o Tribunal “A Quo”. É absolutamente consabido que o contexto para uma criança recontar as situações de abuso sexual de que foi vítima, é de uma dificuldade atroz pela incerteza e desconhecimento axiológico que tem da situação em que foi envolvida, sendo, contudo, clara a perceção, de que é uma situação grave, pois esteve perante vários médicos e agora, novamente, em Tribunal, frente a uma senhora juíza, para além de que foi ouvindo e topando várias estupefações, quando mais não seja pela gravidade das expressões faciais da mãe e de outros familiares. É imensa a desvantagem e o desconforto em que a criança se encontra, quer na incompreensão de quase tudo, quer no devido peso sobre o que deve valorar, nesta ou naquela atitude de que foi vítima, não se podendo esperar que os suportes de comunicação da criança, sejam os clássicos de uma vulgar prova testemunhal, feita com adultos. Frequentes são os casos em que as crianças vítimas de abusos no curso da diligência de declarações para memória futura, ou mesmo em audiência final de julgamento, quando comunicam apenas conseguem contar o sucedido por gestos (como foi o caso, em parte), ou apenas quando conseguem responder por escrito (quando já têm rudimentos e competências da escrita) às perguntas orais nessas diligências; ou quando respondem debaixo de uma mesa, porque não querem ser vistas no momento em que respondem. Portanto, o suporte usado pela criança BB é pleno de comunicação e exemplificação, aqui também errando o Tribunal “A Quo”.
O Tribunal “A Quo” perdeu de vista, a extrema fragilidade de uma criança de 4 anos, que sujeita à experiência profundamente negativa e invasiva, tem a maior dificuldade em lidar e compreender o alcance daquilo a que fora sujeita. E, neste caso, o tempo correrá a seu desfavor, porque lhe trará esclarecimento e catalogação de condutas. Pois, se em determinado momento a criança sem entender o que lhe aconteceu, interpretou como brincadeira, a memória destes factos será madrasta, persistindo (como é provável que persista), o seu maior sofrimento ainda estará para vir, quando mais adiante se vir confrontada com o significado de cada ato praticado pelo seu pai sobre o seu corpo.
De notar que a menor foi essencialmente coerente nas respostas que deu sobre o abuso de que foi vítima, aos senhores peritos e à senhora Juíza de instrução, aqui mais concisa, por força das circunstâncias.
No exame pericial de natureza sexual em direito penal de 4/05/2022, na anamnese do perito fez constar que “A BB apresentou-se presentemente bem-disposta e colaborante. Durante a entrevista, contou que o pai lhe “mexeu no pipi com o dedo” gesticulando com o dedo indicador o movimento que o pai teria efetuado. Contou, que também tocou no “pipi” dele com o seu dedo e que o pai tinha “urinado na barriga dela”. Descreveu que a “urina” era “branca” e “pouca”.
No exame pericial (junto a 22/03/2023) com observação no gabinete medico-legal em 29/03/2022 resultou “No exame da região genital e anal observou-se eritema ligeiro e aumento da vascularização na zona correspondente entre as 3 horas e 5 horas do sulco ninfohimenial. Tais alterações, embora podendo indiciar uma situação de abuso sexual, não são específicas ou patognomónicas de tal situação. De facto, tais achados, apresentam um carácter inespecífico e etiologia multifatorial.”
Porém, se essas alterações físicas por si só, pouco ou nada valem para sustentar uma situação de abuso sexual, dada as várias etiologias e origens que podem justificar as referidas alterações, contudo, in casu, assumem o relevo que a Digna recorrente sublinha, porquanto, são alterações físicas na região genital que se encontram claramente contextualizadas com a manipulação e penetração digital que o arguido empreendeu na vagina da menor (tal como esta contou).
Por sua vez, no exame médico-legal de psicologia de 11/07/2022 (junto a 27 de julho de 2022), a perita depois de expor as técnicas especializadas de interrogatório e anamnese, referiu que, não obstante a ansiedade que mostrou e como irrequieta ficou, descreveu “«o pai meteu-me os dedos no pipi». Após a examinada mencionar o suposto acontecimento abusivo, de forma a orientar o seu relato, recorre-se a questões abertas e de evocação orientada, de forma a estimular a descrição espontânea e a evocação mnésica livre sobre o evento em análise «brinquei com o pai (sic); «brinquei com o pipi dele (gesticula); «ele fez chichi verde na minha barriga e eu tapei com o pé»; «o pai não brincava cm o meu pipi»; o pai meteu o dedo no pipi (fez gestos)e batia na minha cabeça»; «o pai limpou o chihi com a mão e com papel» (sic). Questionada sobre o relato dos factos a examinada refere «não é para contar, é para guardar um segredo» (sic). Tentou-se explorar a origem do pedido de sigilo «foi o pai» (sic). Após estímulo verbal a examinada acrescenta «estávamos a jogar um jogo e quem ganhava tocava no pipi»; «eu ganhava mais vezes e tocava mais»; «O pipi do pai é grande-enorme»; «eu segurava no pipi no pai para ele fazer chichi, ele estava em pé»; «o meu pipi também é grande».”
Perante a Mm Juíza de instrução a menor manifestamente não quis contar o sucedido, e repetidamente perguntada, negou por várias vezes que o pai lhe tivesse tocado no pipi, em consonância com a ansiedade relatada no exame médico-legal psicologia de 11/07/2022 (junto a 27 de julho de 2022), onde, quando a perita inicia as questões sobre o tema em debate, a menor ficou mais ansiosa e irrequieta. Porém, ainda nas declarações para memória futura, após várias abordagens da juíza de instrução, finalmente consegue ter acesso à menor quando lhe pergunta “tu tens algum segredo?”. Somente a partir dai depois da menor confirmar que tem segredos, designadamente quanto ao pai, e recusando a dizer qual seja, consente, contudo, em contar-lhe ao ouvido, ao que a Mmª juíza com o acordo da menor reproduz em voz alta perante os presentes. Mesmo aqui a menor resistiu durante vários minutos (aos minutos 27 a 29 da gravação) a contar o sucedido, até que, após insistências da Mmª Juíza acede então a contar, confirmando e verbalizando que, uma vez (há pouco tempo) o pai lhe fez cócegas no pipi com o dedo, exemplificando com o seu dedo sobre uma dedeira. Depois, instada sobre se o pai pôs o dedo dentro do pipi, a menor acaba por confirmar que mexeu dentro do pipi, e convidada a exemplificar com a dedeira, a criança responde “eu não quero.” (constrangimento que é evidente em todo o depoimento); porém, insistindo a Mmª Juiza, a menor inequivocamente ilustra com a dedeira, o movimento do pai a introduzir o dedo na vagina (no caso, dentro da dedeira), confirmando que “mexeu dentro do «pipi»”. Também aqui sendo totalmente incorretas as asserções e as supostas ambiguidades que o Tribunal “A Quo” referiu sobre alegadas distrações da menor, dado que, logo após, a mesma ter bem explicado e exemplificado o ato do pai, a menor faz perguntas à Mmª Juíza sobre o aspeto da dedeira, mas sem isso signifique qualquer distração ou imprecisão. A descrição da menor sobre a matéria em discussão e que o Tribunal de recurso viu e ouviu (no ficheiro gravado), não tem qualquer correspondência com o que é referido pelo recorrente nas conclusões 109 e seguintes do seu recurso. E a referida descrição da menor é indiscutivelmente atinente a um episódio de abuso sexual (descartada que foi a hipótese de estar a limpar o “pipi”), sendo profundamente incorreto desvalorizar esse episódio, como faz o Tribunal “A Quo”, quando sustenta que a menor não explicitou em que ocasião isso sucedeu. Com efeito, a indagação nas declarações para memória futura, foram tão só do episódio de abuso sexual, e essa indagação foi suficientemente esclarecida pela menor, pertencendo o seu enquadramento histórico, à data do alerta da mãe, quando levou a menor às urgências no dia 28, por referência à pernoita da filha com o arguido na noite do dia 27 e madrugada do dia 28, e a menor ser entregue à mãe na manhã desse dia com o eritema na região himenal.
A jurisprudência tem evidenciado um cuidado acrescido no valor a atribuir às declarações para memória futura em situações de abuso sexual de crianças, com destaque para o AC.TRP de 31/01/2024 no processo nº677/20.0JAVRL.P1 (relatora Drª Liliana Paris) quando se sustenta “A doutrina que atribui às crianças tendência para mentir ou para memórias falsas está já ultrapassada pela investigação científica. Com efeito, esta demonstra que as crianças não têm tendência a mentir e que revelam elevadas competências testemunhais e comunicacionais, assim como uma capacidade de discernimento superior à que lhes é frequentemente atribuída, percebendo a diferença entre a verdade e a mentira, geralmente, a partir dos 4 anos. Vários estudos demonstram também que as crianças, tendencialmente, não mentem sobre a ocorrência de situações de abuso, não fantasiam acerca de situações abusivas, nem fabricam esse tipo de acontecimentos.
A necessidade probatória que urge neste ponto, consiste na deteção de efabulações, com narrativas fraudulentas supostamente instigadas por terceiros. Mas aqui, desde logo se nos depara a incomodidade manifesta da menor em contar o sucedido, muito resistindo às questões sobre as atitudes do pai em discussão, nunca se comprazendo quando, depois, conta o sucedido. Estamos longe de um qualquer cenário de efabulação, isso mesmo concluiu a perita EE quando refere “De forma mais específica, identifica vários e distintos espaços e contextos e a presença dos envolvidos no alegado comportamento abusivo, há uma descrição detalhada das interações e comportamentos que ocorriam. (…) através da análise quantitativa das declarações da menor, da sua postura e linguagem não-verbal e da análise psicométrica, permite-nos acreditar estarmos perante um relato que muito provavelmente, corresponde a uma situação vivenciada, e não a uma mentira, fantasia ou sugestionamento por parte de terceiros.”.
A este propósito competia ao Tribunal “A Quo” debruçar-se sobre o conteúdo deste exame pericial de psicologia e bem ponderá-lo, mas apenas dedicou-se a refutar, em teoria, a natureza pericial do exame e sua força probatória face à livre convicção do Tribunal, quando alude às conclusões do perito com natureza opinativa ou de probabilidade, quando, na verdade, a esmagadora maioria dos exames periciais lidam com conclusões probabilísticas, que de per si integram o objeto e a finalidade de aferição dessas perícias.
Claro está que existem exames periciais que permitem conclusões com índices de quase certeza, quando apontam para probabilidades superiores a 98% (designadamente os respeitantes aos exames de ADN); e muitos outras perícias sobre a resistência de materiais ou que classificam o betão aplicado e as suas características e comportamentos, também aí se estabelecem vários graus de probabilidade; às periciais forenses à escrita manual e muitos outras perícias que classificam de provável e muito provável certas asserções e conclusões, e todos eles influem na convicção probatória judiciária de forma mais ou menos determinante, depois de conjugados os restantes meios de prova.
Importante reter, é que o Tribunal “A Quo” não se pronuncia sobre a concreta análise da Srª Perita, quando esta refere que nos desenhos de figuras humanas que a menor fez (a seu pedido), a respetiva zona dos genitais dessas figuras, surge com riscos e traços com cores vermelhas, elemento tipológico e caracterizador de situações de abuso sexual (conforme a perita EE tornou a explicar nos esclarecimentos que prestou em audiência), desvalorizando o Tribunal “A Quo”, incompreensivelmente estes pontos, porque não os ponderou, e que se encontram bem documentados no exame, a par, de todos os sinais de ansiedade e de irrequietude mostrados pela menor quando questionada sobre o tema, assim como o relato que a mesma fez dos factos em condições atendíveis.
De notar que, o esforço de desvalorização que o recorrido faz dos esclarecimentos desta perita EE, em audiência, na conclusão 77 da sua resposta ao recurso, não corresponde essa desvalorização, de todo, à verdade, quando sustenta que a perita apresentou-se pouco segura, porquanto, diversamente, a perita esclareceu com toda a serenidade e objetividade as questões que lhe foram formuladas, mantendo o relatório; mas pior é quando, na mesma conclusão refere “e colocada a questão da menor não querer colaborar, se não seria pertinente fazer mais sessões, antes de elaborar o relatório, a mesma referiu que não, fazendo alusão à utilização do Erário Público;”, aqui deturpou-se manifestamente as declarações da perita, dado que a mesma àquela questão respondeu que uma só sessão bastou, pois usou todos os instrumentos disponíveis na abordagem desta idade e que se sentiu esclarecida com as verbalizações da BB, explicando a mesma com detalhe o acontecimento, não sendo necessário esgotar mais recursos.
O referido relatório de natureza sexual em direito penal de 4/05/2022 concluiu “As análises genéticas realizadas revelaram a presença de um perfil genético de origem masculina (haplotipo do cromossoma Y) na camisola interior, na zaragatoa vulvar e nas cuecas da menor, podendo ser realizado estudos comparativos com amostra biológica do alegado agressor .....”
Posteriormente, no relatório de perícia Criminalística Biológica de 26/07/2022 (junto a 27/07/2022) foi estabelecida uma correspondência entre os vestígios na zaragatoa vulvar, nas cuecas e na camisola compatíveis com o perfil genético do arguido, tendo sido apurado sob o ponto 4 dos factos provados que “Em exame pericial de natureza sexual realizado no dia 28 de Março de 2022, foram colhidas amostras, além do mais, na região vulvar da menor BB, que sujeitas a exame pericial de biologia forense revelaram conter o perfil de ADN do arguido.
As declarações do arguido são claramente tendenciosas, focando-se no cliché e no estereotipo de uma atitude persecutória da mãe, como se esta orquestrasse e efabulasse toda a história, incutindo-a à filha (instruindo-a, inclusive através da avó), tendo a intenção de afasta-lo das visitas da menor, dizendo-lhe na manhã do dia 28 “tu nunca mais vais ver a tua filha”, acrescentando que teria tido, dias antes, relações sexuais com a mãe da menor nessa casa, o que acontecera outras vezes (facto que não colheu qualquer apoio na prova produzida, embora visasse nitidamente descredibilizar a mãe da menor), são teses fantasiosas e oportunistas do arguido, que não colhem.
Primeiramente, face ao conteúdo dos diversos relatórios periciais, todos relativamente coincidentes no relato que a menor faz perante os peritos, mais não é, aquela versão conveniente do arguido, do que um estratagema para mascarar e ocultar a sua conduta. Aliás, a filha se em todas as ocasiões em que foi inquirida mostra ter noção de que é errada a conduta do pai, também demonstra que gosta do pai e de estar com ele, não se antevendo, por isso, qual o seu interesse em efabular de forma mantida e criar uma realidade falsa contra o pai, com quem nutre afeto genuíno (o que resulta das suas declarações), através de uma suposta instrução de sua mãe ou da avó nesse sentido (onde esta lhe prometera um cão, se mantivesse a conversa aos médicos, sendo esta uma das teses do arguido, entre outras, todas compondo um depoimento totalmente tendencioso). Aliás, a menor resiste sempre às perguntas sobre se o pai lhe tocou, negando essa realidade, tentando proteger o mesmo.
Igualmente com o mesmo propósito, o arguido recria a tese de uma assadura das partes íntimas da menor, para hipoteticamente justificar alguma lesão na área, e que teria facultado à filha um creme para esta aplicar em si, sem que se haja provado, quer a inflamação, assadura, quer a existência do creme aplicado. A este respeito o Dr CC nos esclarecimentos que prestou em audiência, e que o Tribunal de recurso ouviu, referiu que as assaduras têm outra localização, sendo que o eritema e a maior vascularização foram apenas detetados entre as 3 horas e 5 horas do sulco ninfohimenial, e que não existiam vestígios de creme aplicado, o que também fora confirmado pela Perita Drª DD, pois a existirem vestígios de creme, teria merecido uma referência na parte inicial e descritiva do relatório. Mas estas teses não resistem aos resultados periciais, os quais não relataram a existência de um processo inflamatório, antes comprovaram e denunciam a existência de adn correspondente ao arguido nas cuecas da ofendida, na zaragatoa vulvular, para além de que estes sinais, apesar de não serem inequívocos do abuso sexual pelo pai (por poderem ter outras causas, como contactos fortuitos, sustentando o arguido que a menor dormiu com o seu pijama), contudo, contextualizam e intensificam as probabilidades da conduta criminosa do pai, como sustenta a Digna recorrente.
Depois, na fundamentação do Tribunal “A Quo” quando aí se mostra estranheza pelo facto do arguido ter decidido cometer os factos nessa noite, quando no dia seguinte a menor tinha consulta, correndo o risco de tal situação ter sido detetada, por si só, essas razões não infirmam a prova produzida, porquanto, a relatividade desse juízo de oportunidade é bem gerido pela audácia do delinquente que atua, mesmo sabendo que a menor, a seguir, iria para a mãe, horas depois, a par de que, a consulta médica dessa manhã era relacionada com afeções da boca (como era do conhecimento do arguido), não se desmobilizando com este contexto, para prosseguir com o torpe abuso. No drama dos abusos sexuais de crianças, na maioria das vezes, os delinquentes atuam em pleno lar, aproveitando, por vezes, momentos propícios, na imediação da chegada da mãe; quando esta dorme no quarto ao lado; ou quando está na cozinha. O abusador quando é julgado nos Tribunais, quase invariavelmente, apura-se a sua audácia no delito cometido, onde se apresenta como aproveitador, manipulador, profundamente egoísta, e implacável no uso que faz do corpo da criança, além do descontrolo doentio da líbido. Portanto, a interrogação do Tribunal “A Quo” não tem qualquer relevância ou interesse na aferição probatória.
O depoimento de FF (mãe da menor) tem interesse pela circunstância da mãe ter constatado a existência de uma vermelhidão nos genitais da menor, circunstância que veio a ser confirmada no exame posterior, não imediatamente no episódio de urgência desse dia 28, dado que aí, a médica JJ não procedeu a um exame genital à menor, mas somente no exame subsequente, realizado no dia seguinte, dia 29, onde veio a ser detetado e confirmado um eritema e aumento da vascularização no hímen (referente à presença de mais vasos sanguíneos visíveis do que o habitual na área descrita), correspondendo tal lesão à descrição genérica da mãe sobre a vermelhidão. Com efeito, eritema ligeiro na região himenal, significa precisamente uma vermelhidão suave na área, tendo o Tribunal “A Quo” a este respeito problematizado incorretamente quando levanta a interrogação “Questionamos: se a menor tinha um vermelhão da zona da vulva, como a mãe diz, como é possível que o perito médico, na primeira vez que observou a menor, não o detectou?”. Como se referiu, consta do episódio de urgência de 28 de março de 2022 (juntos nos autos a 1/02/2023) que a Médica JJ optou por não proceder ao exame genital da menor para evitar dupla exposição, dado que esse exame seria feito pelos colegas da medicina legal. E estes, logo no dia 29, vieram a detetar o eritema na região himenal, assim se confirmando a perceção da mãe.
Tal situação, associado ao relato da BB perante a mãe FF, comummente faria despertar e alertar qualquer mãe (dizendo que o pai esteve a brincar com o seu pipi, e que ela brincara com o pipi do pai). E neste ponto, o depoimento da mãe sobre o que ouviu à menor, se à primeira vista em parte configura um depoimento indireto, contudo, não se lhe aplicam as restrições do nº1 do art.129º do CPP, primeiro porque a menor prestou declarações nos autos para memória futura, podendo, por isso, à face da aludida previsão legal o depoimento da mãe servir como meio de prova; depois porque se trata de indagar os factos consubstanciados no estado em que a menor se encontrava quando é entregue à mãe e esta lhe dá banho ou pretende dar banho; e depois saber a razão que baseou a suspeita da mãe face à pernoita com o pai na madrugada imediatamente anterior, e o que a levou a conduzir a filha ao hospital, habilitando nesta parte o Tribunal a receber e a valorar o depoimento da mãe sobre as indagações que fez à filha. Por outro lado, todas as atitudes comportamentais da menor, se chorou, ou expressou outras emoções e bem assim o que verbalizou nesses momentos, são factos do mundo do ser e do acontecer histórico, que são autonomizáveis de per si, podendo ser evidências sobre uma situação danosa da menor, são factos que interessam ao Tribunal, daí que, sobre eles a razão de ciência e a perceção pela mãe, é direta. Portanto, em suma, tem que ver com a razão de ciência direta da mãe sobre a vermelhidão que detetou nos genitais da filha, e a indagação feita a esta, o que motivou à sua condução ao hospital, imediata à pernoita com o pai. Assim, na escala de consequências de que a vítima padece, interessará averiguar as primeiras verbalizações da menor perante terceiros, quando confrontada por estes (porque imediatas ao acontecimento lesivo), representando estas circunstâncias, por si só, factos aferíveis em Tribunal, e por isso a sua razão de ciência conta, tendo sido feito um uso incorreto e interpretativo do art.129º do CPP, o qual para a sua aferição, depende sempre da natureza do facto a que respeita.
Interessaram assim as observações da mãe sobre o comportamento da menor, a forma como esta gesticulou para representar o abuso, são tudo aspetos situados no campo da razão de ciência direta, cujo depoimento é inteiramente admissível. Sendo admissível o seu depoimento, este Tribunal de recurso tendo ouvido o mesmo, considera que esta testemunha, contrariamente ao que foi ajuizado pelo Tribunal “A Quo”, depôs de forma equilibrada e objetiva (não obstante as crispações no final do depoimento a instâncias da Srª Advogada do arguido, e que não são, de todo, imputáveis à testemunha), não se notou, qualquer atitude tendenciosa ou de agravamento intencional do relato, ou sequer uma atitude de acrimónia dirigida ao arguido, não obstante o desagrado pela conduta que a este é imputada nos autos, assim como todas as divergências que teve com o mesmo, quer no processo de divórcio, quer mesmo no dia anterior aos factos, que a depoente assume (não obstante a defesa na resposta ao recurso empole as divergências para aí estribar e sustentar, sem razão, a falta de credibilidade da testemunha), mas sem que essas circunstâncias a fizessem decair na mentira, quando depôs. Não se esquivou a dizer que, a sua filha gosta do pai, e que esta entendera o que se passara com o pai, como uma brincadeira. Portanto, diversamente do que foi entendido no acórdão impugnado, a testemunha depôs de forma objetiva, e mesmo quando aludiu à primeira suspeita, um ano antes, esse depoimento não ocorre num contexto desvalorizador, conforme é sustentado pelo Tribunal “A Quo”. Antes, dessa outra vez, a testemunha descreveu com normalidade mas veemência, que, quando a menor lhe é entregue, depois do arguido haver resistindo nessa entrega, observa que a filha tem “clitóris inchado”, e perguntando à filha esta disse-lhe o pai “chupou”, saltando a tampa, e pese embora a relativa ambiguidade da parte final desta expressão, levou-a de seguida ao hospital de ..., mas aí foi desmobilizada pelos médicos pois já não estava inchado o clitóris, e depois, dada a idade ainda mais precoce de sua filha, com 3 anos (somadas às dificuldades de entender o que se passara), e face à atitude dos médicos, não obstante a gravidade da suspeita, não tomou outra atitude, embora ficasse mais atenta. Nesta suspeita, a testemunha depôs com objetividade e normalidade, aliás como em todo o seu depoimento.
Outro erro relevante em que incorre o Tribunal “A Quo”, tem que ver com as declarações prestadas pela menor aos peritos, aquando dos exames, e o considerando de que essas declarações perante os srs peritos não poderem valer. Com efeito, as referidas declarações da menor, inscrevem-se na anamnese médica e integram o objeto da perícia, não podendo o Tribunal “A Quo”, subtrair das perícias o discurso da menor aí relatado, sendo asserção juridicamente incorreta. As perguntas do perito e respostas da menor no ambiente da perícia, são norteadas por parâmetros científicos, e fundamentam as asserções e os juízos de probabilidade periciais, cujo valor terá essa mesma medida de natureza probabilística. Na ausência de exames médicos mais concludentes, particularmente na recolha de ADN, nos restantes relatórios periciais estamos, pois, no domínio dos fenómenos sociais e não das ciências exatas. O discurso da menor e a anamnese pericial médica integrando o objeto da perícia, deverá no seu todo ser objeto de apreciação jurisdicional pelo Tribunal, diversamente do que foi entendido pelo Tribunal “A Quo”.
Portanto, temos de entender que o Tribunal “A Quo”, na matéria que deu como não provada, e sobre a atitude subjetiva do arguido (que igualmente julgou não provada), fundou a sua convicção sem o apoio das normas da experiência comum, incorrendo numa sucessão numerosa de erros, incidentes em variados pontos do juízo probatório, quando desconsiderou, sem razão, as declarações da menor, assim como quando não atribuiu credibilidade à mãe da menor, a testemunha FF, quando desconsiderou, de forma que a lei não lhe permite, o valor dos exames periciais; nas estranhezas que manifestou, mas sem qualquer apoio probatório. Com efeito, sem apoio válido na aferição probatória que fez, foram subavaliadas as referidas declarações da menor, desconsiderando-se a prova validamente produzida a esse respeito, escudando-se, sem razão, no princípio in dubio pro reo, quando, inversamente, em audiência de julgamento produziu-se prova clara para o apuramento dos factos. Não existe assim qualquer patamar de dúvida ponderável, antes, a prova produzida permite uma probabilidade muito elevada, sobre os factos em discussão, e que se espelha no discurso verídico da menor, associada à lesão que tinha consigo.

Em consequência, no essencial procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, determinando este Tribunal de recurso a aditação dos pontos 3.1., 3.2, e 3.3., ao elenco dos factos provados, com a seguinte redação:

“3.1 - Numa das visitas ao arguido, no interior da residência deste, sita na Praceta ...., nesta cidade ..., em dia não concretamente apurado, mas situado entre os dias 27 e 28 de Março de 2022, a hora não concretamente apurada, o arguido apalpou a zona genital da menor, manipulando com os dedos a vulva da menor e introduziu um dos seus dedos na vagina da menor;
3.2 - Ao levar a cabo toda a conduta acima descrita em relação à sua filha menor BB, agiu o arguido com a intenção de satisfazer os seus desejos libidinosos, bem sabendo que a mesma tinha, aquando dos factos praticados, 4 anos de idade e que, como tal, carecia completamente de capacidade para se autodeterminar sexualmente, não ignorando que, ao agir daquela forma, prejudicava gravemente o livre desenvolvimento da personalidade da mesma menor;
3.3 - O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.”

Consequentemente, mais se determina eliminar as alíneas a), b) e c) do elenco dos factos não provados;
*

Enquadramento jurídico-penal.
Encontrando-se o arguido acusado de haver cometido o crime de abuso sexual de criança agravado previsto e punido pelos artigos 171º, nº s 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, importa primeiramente referir que o bem jurídico protegido é a liberdade de autodeterminação sexual do menor de 14 anos, a qual é atingida sempre que, sob a previsão art. 171.º nºs1 e 2 do CP, seja vítima de ato sexual de relevo, que pode consistir, tipicamente, em cópula, coito anal, oral ou introdução vaginal ou anal de partes de corpo ou de objetos.
Sobre o bem jurídico do abuso sexual de crianças Muñoz Conde sustenta “Mais que a liberdade do menor ou incapaz, que obviamente não existe nestes casos, se pretende no caso do menor, proteger a sua liberdade futura, ou melhor dito, a normal evolução e desenvolvimento da sua personalidade, para que quando for adulto decida em liberdade o seu comportamento sexual.” (in Derecho Penal Parte Especial, Valencia, 1999, editora Tirant Lo Blanch, p.196).
Em particular a vítima dos autos, apenas com 4 anos de idade, ao serem-lhe impostos comportamentos sexuais de surpresa, num pretenso contexto de “brincadeira”, com essa idade, a criança encontrava-se longe de possuir qualquer desenvolvimento ou preparação psicológica para compreender as graves consequências, deles emergentes, e sobretudo a atitude e a experiência para os poder ultrapassar. Perante essa incapacidade é quase certo o potencial lesivo no desenvolvimento da sua personalidade física e psíquica, em particular no desenvolvimento e afirmação da sua esfera sexual, com repercussões e impactos nas futuras escolhas em vários domínios da sua vida, no risco de embotamento das emoções e retraimento pessoal e social. Este tipo de delitos armadilham o futuro das crianças abusadas de forma implacável. A ressonância dos factos irá ecoar mais adiante, aí produzindo nefastas consequências sobre o desenvolvimento da personalidade da ofendida.
Aferindo a tipicidade da conduta delitual do arguido, cabe explicitar que a par da apalpação da zona genital da menor, manipulando com os dedos a vulva da menor, a agravante típica da introdução com um dos seus dedos na vagina da menor, subsume de imediato o conceito típico de ato sexual de relevo previsto no nº2 do aludido art.171º do Cód.Penal, tornando-se desnecessário prosseguir o caminho exegético sobre os escolhos definidores do ato sexual de relevo. Assim, não oferecendo qualquer dúvida a atitude dolosa do arguido, rebatida na especial censurabilidade de quem deveria ser o protetor e educador cfr.art.177º nº1 alínea a) do CP, e que de noite se assume como o agressor extremo, violentando de forma indefinível a sexualidade da filha, embora possivelmente capeada de brincadeira, mas tudo para proveito próprio, numa atitude de absoluto egoísmo e de profundo desprezo pelo salutar crescimento da filha, que deveria promover e não dilacerar.

Deverá assim, o arguido ser condenado pela prática de um crime de abuso sexual de criança agravado previsto e punido pelos artigos 171º, nº s 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pessoa da menor BB.
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Na determinação da medida concreta da pena a aplicar importa aferir, em face da factualidade apurada, dos critérios previstos no art.71º do Cód.Penal.
Considerando o conteúdo normativo presente no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, a aplicação de uma pena visa assegurar exclusivamente finalidades de prevenção: geral positiva, traduzidas na proteção de bens jurídicos, e especial positiva, tendo em vista a reintegração do agente na sociedade.
Prosseguindo finalidades de prevenção geral positiva, a pena é concebida “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, do ordenamento jurídico-penal”. Por sua vez, assegurando finalidades de prevenção especial positiva ou de socialização a pena visa, “com respeito pelo modo de ser do delinquente, pelas suas conceções sobre a vida e sobre o mundo, pela sua posição própria face aos juízos de valor do ordenamento jurídico, criar as condições necessárias para que ele possa, no futuro, continuar a viver a sua vida sem cometer crimes”. (Cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, “Direito Penal Português - Parte Geral I – Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime”, Coimbra Editora, 2011, (2.ª reimpressão), págs. 51 e 55). A ponderação da escolha e medida da pena associada ao cumprimento dos seus fins, visa, como se referiu, censurar o facto para assim reafirmar perante a comunidade o valor dos bens jurídicos lesados e promover a integração social e comunitária do arguido. Portanto, pese embora o julgamento incida sobre a reconstituição de um acontecer histórico, o essencial da ponderação da pena incide sobre o tempo futuro, sobre um tempo vindouro, onde se pretende apaziguar a comunidade para a validade das normas e, no mesmo passo ajustar a pena mais adequada ao arguido, medindo e aferindo os índices de risco do arguido, nos seus procedimentos futuros, na forma como se envolve e se tem e virá a relacionar com a comunidade, com “os outros”, nas suas dependências, compulsões e faltas de preparação, que a pena tem obrigação de prever e acautelar, promovendo a mudança interior do agente do crime, das formas como o mesmo interage com “o outro”.
Por outro lado, para efeitos de determinação da medida concreta da pena a aplicar deve, impreterivelmente, o Julgador recorrer aos critérios legalmente definidos nos artigos 70º a 74º do Código Penal.
Nesta matéria refere o artigo 71º, nº 1 do citado diploma legal que: “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, enumerando-se no nº 2 do mesmo preceito algumas das circunstâncias exemplificativas que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Os parâmetros fundamentais para o Julgador aferir da pena concreta a aplicar um arguido, são por um lado a culpa do mesmo (porquanto esta “não constitui apenas o pressuposto-fundamento da validade da pena, mas afirma-se também como limite máximo desta”) e, por outro as necessidades/exigências de prevenção geral e especial.
A aferição da medida da culpa, implica a ponderação da censura do facto cometido, o desvalor da sua atitude, a qual por vezes resulta do quadro de ilicitude cometida e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, devendo agora ser apreciada em concreto.
Ponderando as circunstâncias do art.71º do CP face às exigências e prevenção, pesam desfavoravelmente ao arguido a sua atuação com dolo direto, que é o mais elevado grau de censura jurídico-penal, assim como a forte intensidade do grau de ilicitude da sua conduta, evidenciando um grau de culpa muito elevado, inscrito nas circunstâncias agravantes.
No seu registo criminal tem duas condenações transitadas em momento anterior aos factos, uma por condução de veículo em estado de embriaguez, outra por desobediência, ambas punidas com penas de multa, e outras três condenações transitadas em momento posterior aos factos, por crimes de desobediência, condução de veículo em estado de embriaguez, furto e violência doméstica, nesta última veio a ser punido com prisão suspensa na sua execução, circunstâncias que não obstante a etiologia diversa, agravam as exigências de prevenção especial.
O arguido tendo consigo a sua filha, menor de tenra idade, não hesitou em expô-la aos seus ímpetos sexuais, não podendo ignorar as sérias perturbações que as suas ações provocariam na mesma.
O arguido não assumiu o seu comportamento e não demonstrou qualquer arrependimento, o que evidencia o seu prevalecente egoísmo e a personalidade autocentrada, não interiorizando o desvalor das suas condutas, circunstâncias que agravam o risco, as exigências de prevenção especial e a culpa. Mostra uma ténue inserção social, vivendo sozinho numa habitação (sótão), e uma relativa inserção profissional, onde a par do subsídio de desemprego, faz alguns biscates na construção civil.
Portanto, as exigências de prevenção geral são muito elevadas, associadas que estão aos muito incidentes delitos de abuso sexual de crianças. A este respeito, no Ac.TRP de 7/02/2024 (relator Dr Pedro Lucas) sustentou-se “Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, em especial contra crianças e jovens, atentam contra valores juridicamente protegidos de natureza pessoal de alto grau de relevo, sendo objecto de clara reprovação geral, assumindo uma dimensão cada vez mais alarmante em termos comunitários, atenta também a proliferação da respectiva ocorrência.”. As exigências de prevenção especial são igualmente pesadas.
Considerando que, por força das agravantes típicas a moldura penal se fixa entre os 4 anos como limite mínimo e os 13 anos e 6 meses no limite máximo, face à amplitude de 9 anos e 6 meses dessa moldura, perante a gravidade dos factos, as exigências de prevenção geral, a que o arguido não contrapôs com arrependimento sincero, ou com confissão, a ausência desta assunção, é reveladora do seu carácter centrado e egoísta, e porque não revela ter o domínio da líbido, mostra-se incrementando o risco. Deverá ser cominada a pena concreta de 5 anos e 10 meses de prisão, o que representa a pouco mais que 1/9, medida que se mostra de acordo com as exigências de prevenção. Uma pena concreta inferior a essa proporção não cumpriria os seus fins, nem estaria de acordo com as exigências de prevenção apuradas.
Deste modo, deverá ao arguido ser aplicada uma pena suficientemente dissuasora de comportamentos delituosos, e que, no mesmo passo, tenham a vantagem de o motivar a agir de acordo com as normas sociais, consciencializando-se da censurabilidade da sua conduta, prevenindo-se a prática de futuros crimes.
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Quanto à sanção acessória peticionada.
Dados os riscos apurados, e ao descontrolo da líbido do arguido, porque urge a proteção da menor sua filha, nos termos do nº3 do art.69º-C do CP, mas também de qualquer outro menor que em tese lhe possa ser confiado nos termos do nº2 do referido preceito, determina-se condenar o arguido na pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais sobre a sua filha por um período de 9 anos.
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Nos termos dos arts.16º nº2 do Estatuto da Vítima e art.82º-A nº1 do CPP tem o Tribunal de aferir oficiosamente os termos da responsabilidade cível delitual do arguido para ressarcimento dos danos que hajam sido provocados à ofendida.
Da matéria de facto apurada quanto à conduta do arguido, a mesma é inequivocamente lesante da formação da personalidade da vítima em pontos cruciais, por isso se encontram verificados os requisitos da responsabilidade civil delitual - art.483º nº1 do Cód.Civil - fonte jurídica da obrigação de indemnizar a aferir.
Em face do que se prova, e perante a condenação do demandado em factos que têm expressão danosa sobre a ofendida, na proteção que merecia à sua integridade sexual, e que foi violentada, cumpre a este Tribunal de recurso, retirar as consequências necessárias, quanto à indemnização oficiosa a atribuir.
Na aferição equitativa do montante da indemnização pelos danos não patrimoniais que há-de fazer-se sobre a parcela de qualidade de vida afetada sobretudo numa perspetiva futura, interessando ponderar a natureza da lesão; e no caso, o futuro condicionamento dos hábitos de vida, com o sofrimento inerente a esse circunstancialismo, francamente merecedor de tutela, e que infelizmente têm uma comprovação padrão, repetível em todos os casos de abusos, gradativa, mas sempre muito incidente.
A indemnização a fixar tem de encontrar um quantitativo que atenda, segundo critérios de equidade, aos sofrimentos havidos, inclusive nas perturbações do sistema afetivo que se verifiquem e vindouras; às possibilidades económicas da lesada e do lesante procedendo-se à devida compensação pelos danos sofridos, sempre à luz do nível de vida do responsável pelo ilícito e das vítimas, porque é com esse grau de satisfação e de serviços que normalmente a vítima frui, que se pautará a indemnização compensadora da qualidade de vida lesada e particularmente a que venha a perder (cfr.arts.496º nº3 e 494º ambos do Cód.Civil).
A operacionalidade destes requisitos abaixo do limite máximo - fixado no valor do dano -, atuam do seguinte modo, se o lesado tiver um elevado nível de vida, essa circunstância incrementará os níveis da indemnização (porque só assim se atinge um grau de compensação eficiente, face ao padrão de utilidades que normalmente usufrui) e esse agravamento não significa um desequilíbrio da posição do lesado porque o limite máximo não pode ultrapassar o valor do dano; por sua vez, a condição económica do lesante também é responsiva, consoante aquela condição seja elevada ou baixa; sendo elevada poderá a indemnização atingir o valor adequado à compensação do dano; sendo baixa, associada a uma culpa moderada, equitativamente a indemnização poderá fixar-se num patamar inferior.
Chegados a este ponto, importando aferir o quantitativo que segundo critérios de equidade, proceda à compensação da parcela de qualidade de vida equivalente àquela que foi afetada e principalmente a que virá a ser afetada, incluindo as inquietações padecidas, e sobretudo na escala de danos que irão sobrevir na formação da personalidade (operação de compensação feita à luz dos critérios corretores acima referidos cfr.arts.483º, 496º nº3 e 494º ambos do Cód.Civil).
Deve salientar-se que nos abusos sexuais de crianças de tenra idade, com penetração (não só nos casos em que, o repetido abuso se prolonga durante algum tempo), os danos futuros na personalidade têm uma magnitude potencial, que são suscetíveis de provocar efetivas distorções na personalidade, de intensidade gradativa, que lhe afetarão os termos da sua sexualidade, as suas escolhas e até a forma de estar na vida, o humor e os atributos essenciais para o relacionamento com os outros e consigo próprio. Nestes casos, feita a ponderação o art.494º do CC, se em muitos casos se justificam indemnizações na ordem dos 100.000€, ainda assim, como forma minimalista de compensação do irreparável, já, indemnizações na ordem dos 30 ou 40 mil euros ficarão muito aquém de qualquer lógica de compensação, face ao que para sempre “estragou” na pessoa da vítima e na amargura que se carregará, cuja qualidade de vida futura se encontra comprometida, porque profundamente diminuída.
In casu, não devendo ser minimizado o abuso cometido, estando em discussão a penetração digital pelo pai na vagina da filha, deve afirmar-se que, face ao abuso apurado e sobretudo à qualidade de vida que futuramente será atingida, no condicionamento negativo da sua personalidade, considerando-se a fraca condição económica do lesante, fixa-se a indemnização por danos não patrimoniais no valor de 35.000 euros, como adequado a compensar a qualidade de vida afetada, particularmente na modalidade de danos futuros.
Deste modo, procedem as conclusões da recorrente.



DECISÃO.

Pelo exposto, os Juízes Desembargadores deste Tribunal da Relação concedem provimento ao recurso, alterando o elenco da matéria de facto provada e não provada do acórdão, nos termos supra referidos, determinando condenar o arguido pela prática em autoria de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, nº s 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal na pessoa de BB, na pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão.
Condena-se o arguido na pena acessória de proibição de confiança de menores e inibição das responsabilidades parentais sobre a sua filha por um período de 9 (nove) anos cfr.art.69º-C nºs2 e 3 do CP.

Nos termos dos arts.16º nº2 do Estatuto da Vítima e art.82º-A nº1 do CPP, o Tribunal condena o arguido a pagar à ofendida a título de indemnização por danos morais a quantia de € 35.000 (trinta e cinco mil euros), acrescidos de juros vencidos desde a sua notificação do presente acórdão e nos juros vincendos.

Condena-se o arguido nas custas, fixando a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
Efetuem-se as comunicações legais.
Após trânsito remeta boletins ao Registo Criminal.

Notifique.



Porto, 12 de novembro de 2025.

(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)


Juiz Desembargador Relator
Dr Nuno Pires Salpico

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Juíza Desembargadora 1ª Adjunta
Drª Paula Cristina Guerreiro
[Voto Vencido da 1ª adjunta - Fico vencida apenas quanto ao montante da indemnização arbitrada ao abrigo do art.82-A do CPP, desde logo, porque não temos nos autos qualquer facto provado que respeite aos danos sofridos pela ofendida.
Relativamente a tal matéria apenas podemos presumir que serão aqueles que decorrem da normalidade do acontecer em tais casos, tendo em conta que em sede de danos morais não se trata de repor a situação anterior ao dano, mas de alguma forma atribuir uma compensação que contribua para a atenuação do sofrimento causado à vítima através de uma operação de cálculo complexa, na medida em que estamos perante um tipo de prejuízo que é insuscetível de reparação integral por atingir bens que não fazem parte do património do lesado, como são a saúde física ou psíquica, a vida ou a liberdade, no caso concreto, o desenvolvimento normal da sexualidade de uma criança, que fica prejudicado pela conduta criminosa adotada pelo arguido para satisfação dos seus instintos primários de natureza sexual.
Nesta matéria regem os artigos 496 e 494 do C. Civil, este último por remissão expressa do nº4 do citado art.496, que também nos remete para critérios de equidade, no sentido de que deve ser procurada a solução justa e adequada ao caso concreto, devendo atender-se à situação económica do agente e do lesado.
Pretende-se que no cálculo da indemnização por danos não patrimoniais seja ponderada a sensibilidade e as características próprias do agente e do lesado, sob o princípio norteador do respeito pela dignidade da pessoa humana.
Tais critérios levam a uma profunda ponderação de modo a que o valor da indemnização traduza o respeito pela dignidade pessoal da vítima de forma a compensar o sofrimento infligido pelo autor do crime, com as vantagens e faculdades que o dinheiro proporciona, procurando não melindrar o lesado pela sua exiguidade.
Porém as regras da equidade levam-nos à ponderação da própria situação pessoal do agente do facto ilícito e no caso concreto ao arguido não são conhecidos outros rendimentos para além do subsidio de desemprego e do que obtém de serviços que desempenha na área da construção civil, quando solicitado, sendo acompanhado em consultas para a adição alcoólica de que padece – factos provados nos pontos 6.3 a 6.9 do Acórdão recorrido.
Isto ponderado e tendo em conta o concreto dano não patrimonial que poderá advir à vítima pelos factos ilícitos praticados contra a sua pessoa, sou de opinião que para a sua compensação/reparação seria adequada a quantia de €15.000,00, (quinze mil euros), tendo também em mente o julgamento de casos semelhantes, em que indemnizações para idêntica ilicitude, se situaram em valores desta ordem de grandeza.].
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Juiz Desembargador 2º Adjunto
Dr José Quaresma