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ESCUSA
JUIZ
IMPARCIALIDADE
DEPOIMENTO
TESTEMUNHA
ADVOGADO
QUEIXA-CRIME
OUTRO PROCESSO
Sumário
I. Ainda que se reconheça a delicadeza da situação e a posição menos cómoda e até algo desagradável em que se encontram o Sr. Juiz e a Advogada de um dos intervenientes no processo, não se vê em que medida está posta em causa a imparcialidade do Sr. Juiz e que estejamos perante uma situação em que deva ser preterido o princípio do juiz natural. II. Não é pelo simples facto de um advogado ter deposto no âmbito de um processo – desencadeado por queixa-crime do Sr. Juiz - onde é arguido um outro advogado, como testemunha deste, que se infere alguma desconfiança para a imparcialidade devida ao julgador, nem ela deriva da natureza dos excertos extratados pelo Sr. Juiz ou do maior ou menor acerto do relato de depoimento ali prestado.
Texto Integral
Pedido de escusa
Processo nº. 1022/25.4YRLSB
2.ª Secção
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I. O Sr. Juiz de Direito AA, a exercer funções no Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada – Juiz 1, veio requerer, ao abrigo do estabelecido no artigo 119.º do CPC, seja dispensado de intervir no Processo n.º 2383/23.5T8PDL (processo de inventário).
Para tanto invocou, em suma, que:
- No referido processo, o cabeça-de-casal está representado pela Advogada BB;
- O Advogado CC apresentou uma participação disciplinar junto do Conselho Superior da Magistratura contra o aqui Juiz, que deu origem a processo de averiguação, que foi arquivado, em ... de ... de 2022, e que teve por base a diligência realizada no dia .../.../2022 (proc. n.° 1358/17.8T8PDL-C);
- O requerente apresentou participações disciplinar e criminal contra o Advogado CC atentas as imputações que este lhe dirigiu no âmbito de tal queixa/participação disciplinar, o que deu origem a processo-crime que corre termos pelo Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 12, no qual o requerente é assistente;
- Na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia ... de ... de 2025, a Advogada BB, foi ouvida na qualidade de testemunha (arrolada pelo arguido CC), tendo a mesma referido que numa diligência (que não concretiza, alegadamente ocorrida em finais de ...) o signatário se lhe dirigiu de uma forma menos própria, dizendo: que ela “estava a dormir, que a diligência ainda não tinha terminado”; “(...) está a dormir, parece que está a dormir..., que ficou nervosa, ansiosa, não estava à espera (...), que ficou muito constrangida”, e que tudo aconteceu na presença da sua cliente; que não reagiu, “não fez nada (...), que ficou extremamente nervosa, que estava grávida e que não queria problemas/chatices, que não queria enfrentar qualquer processo”;
- O requerente tomou contacto quanto ao teor das referidas declarações no passado dia ... de ... de 2025, sendo que as imputações que a Advogada lhe dirige são inteiramente falsas e manifestamente atentatórias do bom nome e reputação do signatário;
- As circunstâncias supra vertidas, associadas à exiguidade do meio insular em referência (a dimensão geográfica da Ilha de São Miguel é apta a propiciar o conhecimento de tal situação por banda da comunidade em geral), são de molde a justificar a escusa. Em suma, é pelo exposto que o requerente entende que deverá ser escusado de intervir no processo.
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II. Pretende o requerente ser dispensado de intervir nos autos identificados, através do presente pedido de escusa.
Nos termos plasmados no n.º. 1 do artigo 119.º do CPC, o juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir que seja dispensado de intervir na causa quando se verifique algum dos casos previstos, no artigo 120.º do CPC e, além disso, quando, por outras circunstâncias ponderosas, entenda que pode suspeitar-se da sua imparcialidade.
O juiz natural, consagrado na Constituição da República Portuguesa, só pode ser recusado quando se verifiquem circunstâncias assertivas, sérias e graves. E os motivos sérios e graves, tendentes a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador resultarão da avaliação das circunstâncias invocadas.
O TEDH – na interpretação do segmento inicial do §1 do art.º 6.º da CEDH, (“qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei”) - desde o acórdão Piersack v. Bélgica (8692/79), de 01-10-82 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57557) tem trilhado o caminho da determinação da imparcialidade pela sujeição a um “teste subjetivo”, incidindo sobre a convicção pessoal e o comportamento do concreto juiz, sobre a existência de preconceito (na expressão anglo-saxónica, “bias”) face a determinado caso, e a um “teste objetivo” que atenda à perceção ou dúvida externa legítima sobre a garantia de imparcialidade (cfr., também, os acórdãos Cubber v. Bélgica, de 26-10-84 (https://hudoc.echr.coe.int/ukr?i=001-57465), Borgers v. Bélgica, de 30-10-91, (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57720) e Micallef v. Malte, de 15-10-2009 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-95031) ).
Assim, o TEDH tem vindo a entender que um juiz deve ser e parecer imparcial, devendo abster-se de intervir num assunto, quando existam dúvidas razoáveis da sua imparcialidade, ou porque tenha exteriorizado relativamente ao demandante, juízos antecipados desfavoráveis, ou no processo, tenha emitido algum juízo antecipado de culpabilidade.
O pedido de escusa terá por finalidade prevenir e excluir situações em que possa ser colocada em causa a imparcialidade do julgador, bem como, a sua honra e considerações profissionais.
Efetivamente, não se discute se o juiz irá ou não manter a sua imparcialidade, mas, visa-se, antes, a defesa de uma suspeita, ou seja, o de evitar que sobre a sua decisão recaia qualquer dúvida sobre a sua imparcialidade.
A imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do processo justo.
O direito a um julgamento justo, não se trata de uma prerrogativa concedida no interesse dos juízes, mas antes, uma garantia de respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, de modo a que, qualquer pessoa tenha confiança no sistema de Justiça.
Do ponto de vista dos intervenientes nos processos, é relevante saber da neutralidade dos juízes face ao objeto da causa.
Com efeito, os motivos sérios e válidos atinentes à imparcialidade de um juiz terão de ser apreciados de um ponto de vista subjetivo e objetivo.
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III. No caso em apreço, o Sr. Juiz vem invocar, entre o mais, que, em razão da imputação de factos que considera ofensivos do seu nome e honra e que entende não corresponderem à verdade, veiculados pela Advogada do cabeça-de-casal do processo em questão, considera justificada a escusa que requer.
Sucede que, independentemente do juízo que o Sr. Juiz entenda efetuar sobre o relato efetuado pela Sra. Advogada no âmbito de outro processo, não se retira que, apenas por tal facto, o Sr. Juiz se encontre em situação que envolva a existência de motiva grave e sério que o impeça de julgar a causa.
Louva-se a atitude revelada pelo Sr. Juiz no requerimento em apreço, mas perante a invocação efetuada pensamos não existir fundamento para que fique maculada a imparcialidade do Sr. Juiz relativamente à tramitação e à decisão do processo que se encontra pendente.
É isso, aliás, o que transparece do cuidado que foi incutido na redação da pretensão que se ajuíza, formulada pelo Sr. Juiz.
Os pedidos de escusa pressupõem situações excecionais em que pode questionar-se sobre a imparcialidade devida ao julgador, o que, em face do referido, entendemos não se patentear no caso.
Ou seja: Ainda que se reconheça a delicadeza da situação e a posição menos cómoda e até algo desagradável em que se encontram o Sr. Juiz e a Advogada de um dos intervenientes no processo, não se vê em que medida está posta em causa a imparcialidade do Sr. Juiz e que estejamos perante uma situação em que deva ser preterido o princípio do juiz natural (em idêntico sentido, em paralela situação, vd. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-02-2016, Pº 109/12.8TACNT-A.C1, rel. LUÍS RAMOS).
Na realidade, não é pelo simples facto de um advogado ter deposto no âmbito de um processo – desencadeado por queixa-crime do Sr. Juiz - onde é arguido um outro advogado, como testemunha deste, que se infere alguma desconfiança para a imparcialidade devida ao julgador, nem ela deriva da natureza dos excertos extratados pelo Sr. Juiz ou do maior ou menor acerto do relato de depoimento ali prestado. Esse singelo relato não consubstancia, sem outros elementos, o motivo sério e grave que permita concluir por ser posta em causa a imparcialidade devida ao julgador, mesmo no meio circunscrito – Ilha – em que o mesmo exerce funções.
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IV. Pelo exposto, desatende-se a pretensão de escusa formulada pelo Sr. Juiz de Direito AA.
Sem custas.
Notifique.