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NULIDADE DA SENTENÇA
MATÉRIA DE FACTO
FACTOS CONCLUSIVOS
JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
USUCAPIÃO
CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INVERSÃO DO TÍTULO DE POSSE
ABUSO DO DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
SUPRESSIO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
BENFEITORIAS
Sumário
Sumário (da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do CPC1 I. A justificação notarial não constitui, por si mesma, acto translativo da propriedade, pressupondo, no caso de invocação de usucapião, uma sequência de actos a ela conducentes - actos materiais de posse (com preenchimento dos seus dois elementos: corpus e animus), revestidos de determinadas características (posse pública e pacífica) e mantidos durante certo período temporal -, que podem ser impugnados (antes ou depois de ser efectuado o registo com base naquela escritura). II. A celebração de um contrato promessa de compra e venda não tem como efeito imediato a transmissão da propriedade, mas apenas a obrigação de celebrar o contrato prometido, sendo com a outorga da competente escritura pública de compra e venda, ou documento equivalente, que ocorrerá o efeito translactivo. III. E mesmo quando, através desse contrato promessa, a coisa é desde logo entregue ao promitente comprador, fica este último em situação de mera detenção ou posse precária (já que preenche o elemento corpus, mas já não o elemento animus possidendi). IV. Para que se verifique inversão do título de posse necessário será que ocorra oposição do detentor contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse, mais se exigindo que o detentor manifeste directa e inequivocamente à pessoa em nome de quem possuía a sua intenção de actuar como titular do direito que se arroga. V. O abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito de forma anormal quanto à sua intensidade ou à sua execução de forma a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiro e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício por parte do seu titular e as consequências que outrem tem de suportar. VI. Instaurando a administradora da insolvência acção judicial de impugnação de justificação notarial referente a imóvel que havia sido apreendido para a massa insolvente (acto que foi devidamente registado), mais não fez do que exercer um direito que lhe assistia e que se impunha (para protecção dos interesses dos credores) e, não tendo a mesma assumido qualquer conduta susceptível de criar na ré legítima convicção de lhe ser reconhecido o direito a ocupar tal imóvel, ou de que não se iria insurgir contra a escritura de justificação notarial, não estamos em face de uma actuação em abuso de direito, designadamente nas modalidades de venire contra factum proprium e de suppressio. VII. Sendo a acção referida no ponto anterior uma acção de simples apreciação negativa, pela mesma não sendo peticionada a condenação da ré a uma qualquer prestação (positiva ou negativa), mas tão somente a declaração de inexistência de um direito que aquela afirma existir, carece de justificação a imposição de uma sanção pecuniária compulsória (pagamento de concreta quantia monetária por cada dia que decorra sem que a ré proceda à entrega da fracção), seja porque sempre a administradora da insolvência poderá proceder à apreensão material do imóvel através do recurso à força pública, seja por não ser possível afirmar que a ré não irá desocupar o mesmo após o reconhecimento judicial de não lhe assistir qualquer direito para tal ocupação. VIII. A indemnização por benfeitorias a que alude o artigo 1273.º, n.º 1 do CC apenas é devida a quem detenha a qualidade de possuidor (com corpus e animus possidendi), e já não a quem é mero detentor da fracção autónoma. IX. Sabendo a ré que celebrou contrato promessa com entidade que não era proprietária da fracção e que a ocupação não era autorizada por quem o era, tendo executado benfeitorias já depois de ter conhecimento que o contrato prometido não seria celebrado e que não teria direito ao imóvel, quaisquer melhoramentos que no mesmo possa ter feito só por si serão suportados.
Texto Integral
Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.
I - RELATÓRIO
Massa Insolvente de Maconfer - Materiais Construção Civil, Lda., representada pela Administradora da Insolvência (AI), AA, instaurou acção declarativa comum de simples apreciação (impugnação judicial de escritura de justificação notarial), contra Quinta do Fontanário – Turismo Rural, Lda., formulando os seguintes pedidos: “a) Se declarem impugnados, para todos os efeitos legais, os factos justificados na escritura de Justificação de 25.01.2023, em virtude de a ré não ter adquirido a fracção autónoma designada pela letra “T”, correspondente ao piso um direito, do bloco C, de tipologia T2, destinada a habitação, com acesso pela Rua 1, com arrecadação 15 no piso menos um e dois lugares de estacionamento com os n.ºs 86 e 87 no piso menos dois, do dito prédio urbano localizado na Localização 2 e Rua 1, freguesia de Estoril, concelho de Cascais, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ..., afecto, conforme já se referiu sujeito ao regime da propriedade horizontal, conforme inscrição relativa à apresentação n.º ..., de 20 de Julho de 2009, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Cascais e Estoril, sob o artigo ..., por usucapião; b) Se declare ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação, de forma que a ré não possa, através delas, registar quaisquer direitos sobre o prédio nelas identificado; c) Se ordene o cancelamento de quaisquer registos operados com base nas referidas escrituras, designadamente a inscrição vigente AP. ... de 2023/03/02; d) Se declare que o dito prédio pertence à MACONFER - MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO CIVIL LDA, Em Liquidação, e apreendido para a Massa Insolvente, conforme inscrição sob a AP. ... de 2010/09/27 e respectivo averbamento oficioso 2013/07/05; e) Se fixe uma sanção pecuniária compulsória à R. em valor a fixar de acordo com o prudente arbítrio de V.Exa, por cada dia que decorra sem que a mesma proceda à entrega da referida fracção “T” à A., na pessoa da Administradora da Insolvência.”
Alegou em síntese: - que, em 1999, a sociedade Maconfer adquiriu quatro prédios que foram depois anexados dando origem à descrição predial n.º ..., onde a primeira veio a construir um edifício; - em 2009 foi constituída a propriedade horizontal, na qual se integra a fracção “T”; - tendo a Maconfer sido declarada insolvente em 2010, entre outras, foi a referida fracção apreendida para a massa insolvente, o que foi registado na CRP; - não obstante a ré nenhum crédito tenha reclamado, em 27/04/2010, o seu sócio gerente remeteu ao AI um email com anexos, invocando a qualidade de promitente compradora, no âmbito de um contrato promessa celebrado com terceiro (a sociedade Telhados da Cidade, SA, a qual igualmente não é credora); - tal contrato não foi reconhecido pela administração da insolvência; - houve descaminho das chaves das fracções do edifício, tendo sido intentada uma providência cautelar contra a referida Telhado da Cidade e respectivo legal representante para que as entregassem; - em requerimento dirigido ao processo, o legal representante da ré invocou a “posição de ocupante” da sua representada, enquanto promitente compradora, com relação à fracção “T”; - tal ocupação é contrária à vontade da massa insolvente e da AI, tendo inclusive a ré sido interpelada para entregar a fracção (cartas de 01/03/2021 e de 16/10/2022); - a ré tem diligenciado por obstar à venda da fracção; - em 25/01/2023, a ré celebrou escritura pública de justificação notarial com relação à fracção “T”, com fundamento em aquisição por usucapião; - para o efeito não foi previamente notificada a massa insolvente (titular inscrita), antes tendo sido dirigida notificação para a sociedade insolvente, o que obstou a que a primeira deduzisse oposição à justificação do direito (a qual teve subjacente declarações falsas).
Regularmente citada, veio a ré apresentar contestação, defendendo-se por impugnação e por excepção e deduzindo pedido reconvencional.
Concluiu pela improcedência da acção e, consequentemente: “A) Ser a Ré absolvida dos pedidos formulados pela Autora, mantendo-se a validade e a eficácia do auto de declarações e da escritura de justificação juntos à Petição Inicial e a aquisição do direito de propriedade, por banda da Ré, sobre a fração T por usucapião. B) Manter-se o registo de aquisição da fração “T”, melhor descrita nos Autos, a favor da Ré como efetuado pela AP... de 2023/ 03/02; C) Absolver-se a Ré do pagamento de qualquer sanção pecuniária compulsória, como peticionado. D) Condenar-se a Autora no pagamento à Ré de uma sanção pecuniária a calcular pelo Tribunal e pelo período em que esta, por via da presente ação, se mantiver limitada no seu direito de livremente dispor da fração T. Caso assim não venha a ser entendido, deve a Reconvenção ser julgada procedente por provada e, por via dela: Declarar-se o a aquisição do direito de propriedade da Reconvinte sobre a fração “T”, melhor descrita nos autos, por usucapião e nos termos alegados na Reconvenção e ainda condenar-se a Autora no pagamento à Ré de uma sanção pecuniária a calcular pelo Tribunal e pelo período em que esta, por via da presente ação, se mantiver limitada no seu direito de livremente dispor da fração “T” Caso assim não venha a ser entendido na Reconvenção e a titulo subsidiário, deve: 1. A Reconvinda ser condenada no pagamento à Reconvinte da quantia de €18 693, 47 (dezoito mil seiscentos e noventa e três euros e quarenta e sete cêntimos), a título de benfeitorias realizadas por aquela na fração “T” e ainda, 2. Condenada no pagamento das importâncias pagas pela Reconvinte a título de quotas ordinárias e extraordinárias devidas pela fração “T” ao respetivo condomínio.”
Em síntese, alegou:
- ser o tribunal materialmente incompetente; - actuar a autora com abuso de direito; - encontrar-se a ré na posse da fracção desde 22/07/2009, na sequência do contrato promessa celebrado com a sociedade Telhados da Cidade (contrato registado na CRP), estando esta última, por sua vez, na posse da fracção em virtude de contrato promessa de compra e venda outorgado em 08/05/2007 com a sociedade insolvente; - que desse facto deu conhecimento ao então AI, sendo que nunca este, ou os que se lhe seguiram, manifestaram qualquer oposição; - apenas por carta de 01/03/2021 foi requerida a entrega da fracção, mas essa carta não foi dirigida à ré (mas antes a BB); - não recebeu qualquer carta datada de 16/10/2022; - durante 14 anos nenhuma oposição foi manifestada à sua posse; - pagou integralmente o preço da fracção – 180.000€ (entrega de 10.000€ a título de sinal e compensação de créditos efectuada mais tarde); - foi a sociedade Telhados da Cidade quem realizou as obras de acabamento das fracções e promoveu as respectivas vendas (disso tendo sido autorizada e investida pela sociedade insolvente, a qual lhe entregou as chaves de acesso), outorgando contratos promessa referentes às mesmas (na sequência dos quais os apartamentos passaram a ser ocupados); - Aquando da outorga do contrato promessa, a ré recebeu as chaves da fracção e o comando electrónico de acesso, mais se tendo consignado que “para além de ficar autorizada a contratar com as entidades fornecedoras de água e energia elétrica os respetivos contratos, ficava também investida na posse da fração, que poderia ocupá-la e habitá-la e inclusivamente dá-la de arrendamento”; - a ré efectuou obras na fracção (na convicção de que realizava “benfeitorias em património seu”); - defende que a justificação notarial assentou em declarações reais e foi suportada em prova documental; - que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade quanto à notificação para efeitos de oposição à justificação ter sido remetida para a morada da insolvente; // Em sede reconvencional, como já supra referido, para além do mais, peticionou o reconhecimento da aquisição da propriedade por usucapião (entrou na posse da fracção a 22/07/2009 e a Telhados da Cidade já estava na posse desde 08/05/2007, pelo que se mantém há mais de 16 anos), bem como o pagamento das benfeitorias que realizou na fracção (no valor de 18.693,47€) e das quotas ordinárias/extraordinárias pagas ao respetivo condomínio (cujo montante diz conhecer).
A autora apresentou réplica (defendendo a competência material do tribunal, refutando qualquer actuação com abuso de direito e alegando desconhecer quaisquer pagamentos, os quais, contudo, refuta terem ocorrido) e contestação à reconvenção (propugnando pela sua rejeição quanto ao pedido de reconhecimento do direito de propriedade e pela improcedência dos demais pedidos).
Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual foi julgada improcedente a invocada excepção de incompetência material do tribunal2, tendo sido admitido o pedido reconvencional.
Simultaneamente foi fixado o objecto do litígio e elencados os temas da prova, a saber: “Objeto do litígio // a) Impugnação factos constantes da escritura de justificação de 25.01.2023; // b) Titularidade do direito de propriedade relativamente à fração designada pela letra “ T”; // c) Fixação de sanção pecuniária compulsória // d) Reconvenção: - Verificação dos pressupostos para aquisição pela R. da fração “T” através da usucapião; - Melhoramentos e despesas efetuados pela R. com a fração designada pela letra “T” // Temas da prova // 1. Verificação/ocorrência dos factos constitutivos da aquisição por usucapião por parte da R. relativamente à fração “T”: carateres da posse; // 2. Melhorias realizadas no imóvel; // 3. Despesas efetuadas com o imóvel.”
Realizado o julgamento, em 10/02/2025, o tribunal recorrido proferiu sentença com o seguinte dispositivo final: “Pelo exposto, decide-se julgar a ação procedente, por provada, a reconvenção parcialmente procedente, por apenas provada em parte e, em consequência: a) Consideram-se não verificados os factos descritos na escritura de Justificação de 25.01.2023, declarando-se que a ré não adquiriu por usucapião a fração autónoma designada pela letra “T”, correspondente ao piso um direito, do bloco C, de tipologia T2, destinada a habitação, com acesso pela Rua 1, com arrecadação 15 no piso menos um e dois lugares de estacionamento com os n.ºs 86 e 87 no piso menos dois, do dito prédio urbano localizado na Localização 2e Rua 1, freguesia de Estoril, concelho de Cascais, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ...; b) Ordena-se o cancelamento de quaisquer registos operados com base na referida escritura de Justificação, designadamente a inscrição vigente AP. ... de 2023/03/02; c) Fixa-se a título de sanção pecuniária compulsória o montante de € 500,00 (quinhentos euros) por cada dia que decorra sem que a R. proceda à entrega da referida fracção “T” à A., na pessoa da Administradora da Insolvência. d) Condena-se a reconvinda a pagar à reconvinte o montante total de € 1.029,93 (mil e vinte e nove euros e noventa e três cêntimos), a título de encargos com o condomínio suportados. e) Absolve-se a reconvinda dos demais pedidos formulados pela reconvinte.”
Mais se tendo determinado: “Determina-se a extração e remessa de certidão desta sentença, por referência à escritura de Justificação lavrada a fls. 31 do livro de notas para escrituras diversas número 276º-A, ao cartório notarial de (…) // Determina-se a extração de certidão desta sentença e a remessa aos serviços do Ministério Público, tendo em consideração os factos considerados provados e as declarações produzidas pelos intervenientes na escritura notarial supra referida, para eventual instauração de procedimento criminal.”
Inconformada com tal sentença, a ré dela veio interpor RECURSO, formulando para tanto as denominadas conclusões.
Em virtude de estas últimas não respeitarem o estatuído no artigo 639.º, n.º 1, do CPC, por despacho da relatora proferido em 29/07/2025, foi a recorrente convidada para dar cumprimento ao ónus de sintetização das mesmas.
Nessa sequência, a recorrente formulou as seguintes CONCLUSÕES3: I A douta sentença sob recurso mostra-se violadora dos seguintes artigos do Código de Processo Civil: artigo 3.º, artigo 154.º, n.º 2 do artigo 608.º e n.º 4 do artigo 607.º; mostra-se ainda violadora dos seguintes artigos do Código Civil: artigo 334.º, artigo 829.º- A, artigo 1251.º, artigo 1253.º, artigo 1256.º, artigo 1260.º, artigo 1263.º alínea a) e alínea b), artigo 1273.º n.º 1 e n.º 2, artigo 1287.º e artigo 1296.º. II A motivação da douta sentença assentou em vários factos dos quais alguns não constam do processo. É o caso da seguinte documentação: - Emails trocados - Sentença de verificação e graduação de créditos - Decisão proferida no apenso H - Requerimento de embargos de terceiro deduzidos e decisão de indeferimento liminar - Despachos de 16.12.2011, 23.01.2020 - Petição e decisão proferida no apenso XC (29.09.3022) - Sentença de 23.06.2022 (proc. 1363/19.0T8LSB) - Petição e decisão no apenso C - Escritura de justificação notarial de 19.10.2022 - Carta remetida pelo notário para a Maconfer, Lda expedida em 26.07.2022. A Recorrente nunca conheceu aqueles documentos, não tendo os mesmos sido sujeitos ao contraditório, pelo que não podem servir de fundamentação à “factualidade provada”. Tendo o Meritíssimo Sr. Dr. Juiz se socorrido desses alegados elementos para fundamentar a douta sentença, tal circunstância mostra-se, desde logo, violadora do artigo 3.º do Código de Processo Civil, consubstanciando manifesta nulidade nos termos da al. c) do n.º 1 do Artigo 615.º do Código de Processo Civil. III A decisão do Tribunal “a quo” na condenação da Recorrente numa sanção pecuniária compulsória no valor de “500, 00 € por cada dia em que não proceda à entrega do imóvel à administradora de insolvência”, sem fixação do momento em que tal obrigação se constitui por banda da Recorrente e sem que a douta sentença tenha previamente condenado a Recorrente na entrega do imóvel à Recorrida, faz submergir a própria sentença em ambiguidade tornando-a ininteligível, impossibilitando-se o cumprimento do assim decidido. A douta sentença não esclarece a partir de que momento é exigível à Recorrente o pagamento daquela sanção pecuniária, porque também não esclarece a partir de que momento está a Recorrente obrigada à entrega do imóvel à Recorrida. IV A douta Sentença é ainda nula nos termos da alínea d) do n.º 1 do Artigo 615.º do CPC, porquanto não se pronunciou acerca da matéria alegada pela Recorrente na Contestação e contida nos artigos 146.º e 147.º, relativa à acessão da posse. Tendo a Recorrente aí alegado ter juntado a sua posse à posse do anterior possuidor de forma a ver contabilizado o prazo mínimo para a aquisição do direito de propriedade da fração “T” através do instituto da usucapião. Tal matéria, essencial para a boa decisão da causa, foi totalmente omitida na douta Sentença não tendo merecido qualquer pronúncia do Meritíssimo Sr. Dr. Juiz do Tribunal “a quo”, em clara violação do artigo 608.º n.º 2 do Código de Processo Civil. V O facto dado como provado na douta Sentença de que “16 - O Administrador de insolvência respondeu por carta data de 18 de maio de 2010, recusando a pretensão formulada pela R. por ter sido formulada fora do prazo e advertindo a mesma para a possibilidade de recorrer ao disposto no art. 146º, do CIRE”, não corresponde integralmente ao teor da carta enviada à Ré pelo administrador da insolvência, Dr. CC, em 18 de Maio de 2010. A expressão “recusando a pretensão formulada pela R.” foi acrescentada pelo sr. Dr. Juiz. O que mudou totalmente o sentido da declaração: uma coisa é dizer-se que a carta foi entregue fora de prazo (como se diz na carta do A.I.), outra coisa é dizer-se que este recusou a pretensão formulada pela R. (o que não é verdade), o que implica um juízo de valor sobre o comportamento do A.I. que não tem cobertura na referida declaração. Razão pela qual deverá este facto n.º 16 ser dado como não provado. VI Do mesmo modo, o facto dado como provado na douta sentença de que “26. A ora Autora, bem como todos os administradores de insolvência que perpassaram, nunca reconheceram a validade de qualquer dos referidos “contratos promessa de compra e venda”, mormente o da R. relativamente à fração “T”, não corresponde integralmente ao facto alegado pela Autora no art. 26.º da P.I. A introdução da expressão “validade” é da auto recriação do Meritíssimo Sr. Dr. Juiz e coloca na boa da Recorrida algo que ela não disse, mudando dessa forma todo o sentido da declaração daquela, na medida em que uma coisa é dizer-se, em termos jurídicos, que não reconheceu os contratos outra coisa é dizer-se que não reconheceu a validade dos contratos. Compulsando os autos também nenhuma prova existe de que os anteriores administradores da insolvência não tenham reconhecido a eficácia dos referidos contratos promessa; pelo contrário, existe prova de que os mesmos tiveram conhecimento dos mencionados contratos e que não se opuseram aos mesmos. Pelo que o facto n.º 26 deverá ser dado como não provado. VII Inexiste nos autos qualquer prova no sentido de que o facto descrito sob o n.º 27 da douta sentença tenha sido provado. Pelo contrário, a prova que existe é toda ela no sentido de que os administradores de insolvência nomeados no processo, em número de quatro, tinham conhecimento das respetivas ocupações e que nunca se opuseram a essas ocupações. Prova disso é o facto de a atual Administradora de Insolvência, Dra. AA, ter colocado em venda através da Leiloeira A Forense as frações em causa com a indicação de que estas estavam ocupadas. (vide documentos n.ºs 19, 20, 21 e 22 juntos à P.I. e ainda o facto provado com o n.º 38) e ainda a circunstância de “no seio da Comissão de Credores terem sido estabelecidos critérios de venda para as frações ocupadas” (facto provado número 33), e que “a Sra. Administradora de Insolvência tenha recebido propostas de compra que foram ao encontro dos valores fixados pela Comissão de Credores, tendo sido por isso concretizadas no âmbito da liquidação” (facto provado 34). No mesmo sentido se pronunciou a testemunha arrolada pela Recorrida, sr. “DD“ (registo áudio do depoimento da testemunha ao minuto três e 23 segundos). Esclarecedora é também a matéria dada como provada nos pontos 11 e 12 dos factos provados, nos quais se reconhece que entre a “Telhados da Cidade” e a “Quinta do Fontanário” foi celebrado um acordo visando a compra e venda da fração “T” (facto 11) e que a Quinta do Fontanário ficou a partir da data da celebração do contrato (22.07.2009) investida na posse, podendo ocupá-la, habitá-la ou inclusivamente dá-la de arrendamento … (facto 12)” e ainda no ponto 57 no sentido de que a Recorrente “ocupou, mobilou, decorou, equipou e passou a utilizar a fração...” a par com a matéria igualmente dada como provada (ponto 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64 e 65), relativa às obras e benfeitorias introduzidas na fração pela Recorrente. Da prova existente retira-se a óbvia constatação de que a Exma. Sra. Administradora de Insolvência, Dra. AA, e a Comissão de Credores não só conheciam a ocupação das frações como, por outro lado, negociaram com os ocupantes preços de aquisição mais favoráveis para aqueles do que os fixados no leilão. Razão pelas quais o facto 27, deve ser dado como não provado. VIII Não é verdade o afirmado no facto 29 da douta Sentença de que “Nos autos de insolvência não foram reconhecidos quaisquer créditos à própria empresa promitente vendedora “Telhados da Cidade”, na medida em que no anexo 3, junto ao documento 12 (anexo III), junto à Petição Inicial (Nova Lista de Créditos Reconhecidos, mas não Reclamados) se refere precisamente o contrário. Ou seja, de que a Telhados da Cidade detinha créditos sobre a insolvente, só que por razões que se desconhece, como também se refere na listagem, não terão sido reclamados. Daí que o facto 29 deverá ser dado como não provado ou, pelo menos, ser reformulado no sentido de incluir a existência de créditos detidos por aquela sociedade, embora não reclamados. IX O facto dado como provado na douta sentença sob o n.º 31 só é compreensível à luz o Despacho da Mmª Juiz de 2013, junto à Contestação como Doc. 6 e dado como provado (ponto 24 da douta Sentença), decidindo que a fração “T” teria de ser entregue à Telhados da Cidade para que esta pudesse cumprir o contrato promessa de compra e venda que acordou com a Quinta do Fontanário, o que veio reforçar na aqui Recorrente a convicção de que uma solução estaria para breve, sendo a escritura de compra e venda uma mera formalidade a cumprir. Só que o tempo foi passando e nada se concretizou ainda que todos os administradores da insolvência tivessem conhecimento da ocupação e utilização da fração “T” por parte da Recorrente e nunca se tivessem oposto a essa ocupação e utilização. Em 2020, data da carta da Ré à Recorrida, já haviam decorrido quase 11 anos desde que a Recorrente entrou na posse daquela fração e a passou a utilizar como se fosse sua. Com a situação a arrastar-se sem solução à vista ao fim desse longo período de tempo de 11 anos em que ocupou e utilizou a fração como sendo sua, mostrou-se a Recorrente na disposição de acabar com a indefinição que persistia, celebrando diretamente com a massa insolvente a escritura de compra e venda e no limite, encarar a possibilidade de proceder ao pagamento do preço diretamente àquela, não obstante já o ter feito, logo em 2009, à sociedade Telhados da Cidade, acertando depois as contas com esta. Esta foi a verdade e foi neste contexto de grande desgaste psicológico e emocional ( estavam corridos nessa altura já 11 anos de posse do imóvel) que a Recorrente fez à Recorrida a proposta que consta do facto n.º 31. Daí que a manter-se o facto 31 como provado, deverá no mínimo o mesmo ser contextualizado com os pontos 6 e 7 da carta da Recorrente de 10 de Fevereiro de 2020 por forma a conferir maior rigor na interpretação da parte final da mesma. X O facto dado como provado sob o n.º 35 da douta sentença reproduz “ipsis verbis” o alegado pela Autora no n.º 36 da sua Petição Inicial e assenta exclusivamente nos depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora, sr. EE e DD (marido da atual administradora da insolvência, Dra. AA). Aquelas testemunhas embora confessem terem-se deslocado à fração “T para colocar avisos de papel na porta de entrada da fração, sem que alguém lhes tenha aberto a porta, por outro lado, a mesma testemunha EE confessa ter entrado naquela fração e tomado conhecimento de infiltrações que havia na mesma (registo áudio do depoimento da testemunha ao 7.º minuto e 45 segundos) e a testemunha DD reconhece que a fração nunca foi desocupada, o que significa que estava ocupada (registo áudio do depoimento da testemunha ao terceiro minuto e 23 segundos). Perante a factualidade supra descrita, decide o Tribunal dar como provada que “nunca alguém ali foi encontrado”, com base em depoimentos de quem assume desde logo que a fração “T” estava ocupada pela Recorrente, ocupação essa que, aliás, o Meritíssimo Sr. Dr. Juiz acaba por reconhecer na motivação da Sentença da seguinte forma: “DD, colaborador da AI atualmente em funções, que afirmou que encontraram a fração em causa ocupada....” Daí que aquela factualidade deveria ter sido dada como não provada. XI Não é verdade o facto descrito no n.º 37 dado como provado na douta sentença de que a carta registada datada de 01.03.2021 foi remetida à R. Na verdade, conforme se alcança da carta junta à petição inicial sob designação de documento n.º 17, a carta da Recorrida datada de 1 de Março de 2021, não foi remetida à Ré mas à pessoa de BB, que não era na altura nem gerente nem sócio (e ainda hoje não é) da Recorrente. Esta mesma factualidade prova-se pelo teor da certidão comercial permanente da sociedade Quinta do Fontanário junta aos autos pela Ré no decurso da audiência de discussão e julgamento (vide ata de audiência de discussão e julgamento, de 27 de Novembro de 2024, com a referência 154419310). Dai que o facto 37 deveria ter sido dado como não provado. XII O facto dado como provado na douta sentença sob o n.º 44, reproduz o alegado pela Recorrida no art. 46.º da Petição Inicial. Porém, inexiste nos autos a respeito deste alegado facto (sempre negado pela Recorrente) qualquer prova de que a alegada carta de 16.10.2022 tenha sido rececionada pela Ré ou sequer tenha sido enviada pela Recorrida, pois esta nenhum comprovativo juntou aos autos quer do registo do envio quer de receção da mesma por banda da Ré. Ainda assim, sem qualquer prova documental ou outra e perante a impugnação direta da Recorrente, o Meritíssimo Sr. Juiz entendeu dar o facto como provado ipsis verbis tal como alegado no artigo 46.º da petição inicial. Em consequência deve o facto 44 ser dado como não provado. XIII O facto dado como provado na douta sentença sob o n.º 66 reproduz o alegado pela Recorrida no art.º 14.º da Petição Inicial. Tal alegação surge desacompanhada de qualquer elemento probatório tendo, ademais, sido expressamente impugnada pela Recorrente no artigo 66.º da Contestação, sendo também que nenhuma das testemunhas ouvidas se pronunciou sobre esta matéria, pelo que é difícil entender como o Mm.º Sr. Dr. Juiz dá como provado um facto relativamente ao qual nenhuma prova documental, testemunhal ou outra exista nos autos. Razão pela qual tal facto deveria constar do elenco dos factos não provados. XIV A “Telhados da Cidade” e a “Maconfer” acordaram num Programa Negocial (Parceria) visando compra e venda de várias frações do empreendimento D. Maria Residence, no Estoril, e bem assim o acabamento das frações, a promoção imobiliária e publicitária das mesmas, a angariação de clientela interessada na sua aquisição e ainda a autorização da “Telhados da Cidade” para contratar com terceiros a venda das frações assumindo-se ela própria como legítima proprietária. Dessa factualidade dão conta as alegações da aqui Recorrente na sua Contestação constante do artigo 90.º, tendo juntado à Contestação como prova dessa factualidade os documentos n.ºs 1, 15 a 24, 25 e 28. Confirmativos dessa parceria constituída entre a “Telhados da Cidade” e a “Maconfer” registe-se a matéria dada como provada nos pontos 53, 55 e 56 e ainda os depoimentos da testemunha FF de que a “Telhados da Cidade” tinha em seu poder as chaves dos diversos prédios que constituem o empreendimento, condição necessária para que esta pudesse concretizar as atividades de que havia sido incumbida, e que nunca a “Maconfer mostrou qualquer indisponibilidade relativamente ao facto de “Telhados da Cidade” dispor das chaves (vide registo áudio da testemunha do minuto 6 ao minuto 7:19). No mesmo sentido se pronunciou a testemunha da Autora, EE, o qual no seu depoimento confirma que a “Maconfer” nunca desautorizou a “Telhados da Cidade” das vendas dos apartamentos que esta ia fazendo (vide registo áudio entre o minuto14:50 e o minuto 16:58). Na Réplica a Recorrida não impugnou nem a alegação produzida pela Recorrente no art. 90.º da Contestação, nem os documentos juntos pela recorrente supra mencionados, tendo dessa forma sido aceite pelas partes, não constituindo matéria controvertida. Por essa razão, deveria tal matéria ter sido integralmente dada como provada na douta sentença, não se tendo o Mm.º sr. Dr. Juiz pronunciado sequer sobre esta matéria. Como se trata de matéria com relevância probatória, designadamente para a qualificação da posse exercida pela Recorrente sobre a fração “T” que, como se torna evidente, era uma posse fundada na convicção de que não lesava o direito da proprietária registada ou de quem quer que fosse. Tal matéria deveria ter integrado o elenco dos factos provados da seguinte forma: “Na data de 11 de Setembro de 2009 a sociedade “Telhados da Cidade” declarou à gerente da “Quinta do Fontanário – Turismo Rural, Lda”, GG, seguinte: “ – Entre a sociedade “Maconfer” e a Telhados da Cidade foi acordado um programa negocial visando a comercialização e a venda de um conjunto de 34 frações autónomas, integradas nos edifícios que constituem os blocos A, B, C, D e E e o qual faz parte a fração prometida vender a V.Ex.ª”; - A Telhados da Cidade foi autorizada, em execução do sobredito programa negocial, a comercializar e a vender a referida fração, tendo a garantia de que a proprietária (Maconfer) cumprirá pontualmente e integralmente as obrigações que assumiu para com esta empresa por forma a que, também esta empresa, possa cumprir com V.Ex.ª nos termos acordados; - Esta empresa, no âmbito do programa negocial estabelecido com a “Maconfer”, ficou na posse de todos os imóveis objeto do acordo, que lhe foi transmitida a posse pela “Maconfer”, bem como as respetivas chaves, tendo havido assim a tradição dos mesmos a favor desta empresa; - Os referidos imóveis se encontram inacabados, tendo esta empresa ficado com a responsabilidade de concluir os edifícios e de suportar os respetivos custos, bem assim como diligenciar no sentido do cumprimento da promessa estabelecida com V.Ex.ª e com outros promitentes compradores, tudo aliás com inteiro conhecimento da proprietária e também beneficiária, “Maconfer”; - Face às dúvidas manifestadas por V.Ex.ª quanto ao cumprimento da promessa estabelecida e tendo esta empresa a garantia de cumprimento dada pela proprietária, reiteramos a nossa intenção em cumprir a promessa de alienação da fração em causa nos exatos termos em que esta empresa se obrigou”. XV A matéria alegada pela Recorrente no artigo 70.º da Contestação foi aceite pela Recorrida, conforme consta do n.º 33 da douta Réplica, pelo que, tratando-se de matéria aceite por ambas as partes, deveria o facto ter sido incluído no elenco dos factos provados com o seguinte teor: “Em determinada altura a “Maconfer”, tendo entrado em dificuldades financeiras e vendo-se incapacitada para concluir o empreendimento, acordou com a sociedade Telhados da Cidade – Unipessoal, Lda“ um programa negocial visando a conclusão do empreendimento e a venda das diversas frações que o compunham”. XVI Alegou a Recorrente nos artigos 57.º a 65.º da Contestação que celebrou com a firma “Telhados da Cidade” em 22.7.2009 um contrato promessa de permuta nos termos do qual aquela prometeu entregar à Recorrente a fração “T” pelo preço de 180.000,00 €, e a Recorrente àquela duas frações (armazéns) da Chamusca, de que era proprietária, com a salvaguarda de que caso viesse a necessitar de comercializar e a rentabilizar estes armazéns a Recorrente pagaria o preço da fração “T” em dinheiro. O que acabou por acontecer. Com efeito, por força do Protocolo datado de 3 de Março de 2009 junto aos autos em 5.11.2024 (requerimento com a ref.ª Citius n.º 26666015) a sócia gerente da Recorrente, Dra GG, ficou titular e portadora dos três aceites seguintes subscritos pela Telhados da Cidade, no valor global em capital de 185.570,55 € (Aceite n.º ..., no valor de 31. 856, 85 € com vencimento em 2009-05-30; Aceite n.º ..., no valor de 81. 856, 85 € com vencimento em 2009-08-30; e Aceite n.º ..., no valor de 71. 856, 85 € com vencimento em 2009- 05-30). Só que, tendo aqueles aceites sido apresentados no Banco Montepio Geral para cobrança, os mesmos não foram pagos, tendo os mesmos sido devolvidos à anterior portadora dos mesmos pela Telhados da Cidade em 8.6.2009. Perante a forte possibilidade de a Telhados da Cidade e o seu gerente, sr. HH, avalista dos mesmos aceites, virem a ser executados, propuseram à Recorrente a compensação dos respetivos créditos, tendo para esse efeito aqueles aceites sido endossados à aqui Recorrente e os originais devolvidos à Telhados da Cidade por carta de 23 de Setembro de 2009 (vide Doc. 12 junto à Contestação). Ficando deste modo totalmente pago o preço da fração “T”. Toda esta factualidade ficou demonstrada e provada através da junção aos autos das cópias dos identificados aceites, da documentação bancária relativa à entrega no Banco Montepio Geral destes aceites e da sua devolução à sua portadora, dos contatos havidos sobre tal matéria com o mandatário da Telhados da Cidade, Dr. II e ainda com as declarações de BB, que prestou declarações na qualidade de parte por entretanto ter sido designado gerente da Recorrente, (vide registo áudio dessas declarações de parte entre o minuto dois e vinte e um segundos e o minuto nove e vinte e oito segundos). Ora, conforme se alcança da douta Sentença, toda esta matéria é objeto de apreciação por parte do Meritíssimo Sr. Dr. Juiz, em termos que desvalorizam totalmente a prova que a este respeito foi realizada (seja a prova documental seja a prova por declarações), sem outro argumento que não seja o descrédito das declarações prestadas pelo gerente (não sócio) da Recorrente, BB. Chegando o Meritíssimo Sr. Juiz, num dos momentos mais infelizes da Sentença, a referir-se àquele sr. BB de que “Sempre se esteve nas tintas para as diversas decisões proferidas, incluindo as que incidiram sobre requerimentos por si apresentados desde 2010 (contrárias ao reconhecimento de qualquer direito sobre a fração)”, sabendo aquele sr. Dr. Juiz que inexistem nos autos quaisquer decisões ou despachos condenando a Recorrente ou a sua gerência seja ao que for. Não obstante, o pagamento do preço devido pela Recorrente à sociedade promitente vendedora (Telhados da Cidade) foi efetuado tal como alegado em sede de Contestação e comprovado pelos documentos supra identificados e ainda pelas declarações de parte da Recorrente que, não se estando nas tintas, prestou declarações de forma pacífica, transparente e objectiva, demonstrando conhecimento direto dos factos. Pelo que, no entendimento da Recorrente, deveria esta matéria ter sido levada ao elenco dos factos provados, da seguinte forma: “A Ré Quinta do Fontanário, Turismo Rural, Lda, e a sociedade promitente vendedora “Telhados da Cidade”, em derrogação do contrato de promessa de compra e venda celebrado em 22.7.2009, acordaram no pagamento do preço para a fração “T”, mediante a compensação dos créditos que a Ré detinha sobre a Telhados da Cidade e com origem nas letras n.ºs ..., no montante de 71.856,85€, com vencimento em trinta de Maio de dois mil e nove, aceite pela sociedade “Telhados da Cidade”; ..., no montante de 31.856,85€, com vencimento em trinta de Maio de dois mil e nove, aceite pela sociedade “Telhados da Cidade” e ..., no montante de 81.856,85€, com vencimento em trinta de Agosto de dois mil e nove, aceite pela sociedade “Telhados da Cidade” e que nessa sequência foram os originais devolvidos à aceitante através da carta junta à Contestação com o número 12”. XVII Sucede que quem descredibilizou totalmente as declarações de parte da Recorrente é exatamente a mesma entidade, ou seja, o Meritíssimo Sr. Dr. Juiz, que não se coibiu de receber da Recorrida, em mão e de forma informal, através do seu I. Mandatário e após o encerramento da audiência de julgamento (em 27 de Novembro de 2024), e ainda com todos os intervenientes na sala, um documento constituído por três folhas e cuja junção aos autos só veio a ser determinada em 28 de Fevereiro de 2025 (vide douto despacho com a ref.ª Citius n.º 156169926), ou seja, três meses após o encerramento daquela audiência de julgamento e após requerimento subscrito pela Recorrente. Tal documento, (de que duas folhas se referem aos presentes autos e uma folha aos autos que constituem o Apenso XP), não se contém, ao contrário do que refere o Mm.º sr. Dr. Juiz, num mero “quadro resumo dos diversos valores alegados pela R. em sede de articulados”. Como se torna patente, aquele documento da exclusiva autoria da Recorrida e / ou do seu respetivo i. Mandatário, contém observações, sugestões e instruções para o Mm.º sr. Dr. Juiz, circunstância de que a Recorrente e o seu mandatário apenas se aperceberam quando leram o documento já fora do Tribunal. Essas observações (de que a Recorrente e o seu mandatário, repete-se, apenas tomaram conhecimento em momento posterior à exibição do documento), são, por si só, suficientes para gerar a dúvida acerca da forma como veio o Meritíssimo Sr. Dr. Juiz a analisar o depoimento de BB e demais prova documental, que foi totalmente desvalorizada e descredibilizada. Perante a pretensão da Autora em fazer chegar ao Tribunal através da entrega em mão ao sr. Dr. Juiz do documento em causa, deveria o Mm.º sr. Dr. Juíz ter recusado o documento ou pelo menos ter aconselhado a Recorrida a requerer a sua junção aos autos a fim de que a aqui Recorrente se pudesse pronunciar sobre os mesmos. Mas em vez disso, recebeu o documento, introduziu-o no processo físico, sabendo de antemão que com tal comportamento estava a violar o direito ao contraditório por parte da Recorrente. O que acarreta a nulidade da sentença por excesso de pronúncia nos termos do art. 615, alínea d), do Cód. Proc. Civil, conforme vem sendo entendimento dos nossos Tribunais Superiores e que aqui se invoca. Acresce que a Autora já se havia pronunciado sobre os documentos apresentados nos autos em 5.11.2024, estando-lhe por isso vedado pronunciar-se de novo sobre os mesmos documentos. Ainda que o Mm.º sr. Dr Juíz alegue que o documento não constituiu meio de prova, ´pergunta-se então porque o recebeu, e o introduziu no processo? Ou seja: algo de anormal ocorreu neste processo em que o Meritíssimo sr. Dr. Juiz se permitiu ser permissivo às pretensões da parte contrária ao receber, já após o encerramento da audiência de julgamento e contra todas as regras processuais, um documento com observações, sugestões, autênticas chamadas de atenção, senão mesmo instruções, sobre a prova apresentada pela Recorrente e que aquele Meritíssimo sr. Dr. Juiz teria de apreciar e valorar. Valorização que, como se viu, foi totalmente descredibilizada. XVIII Na Contestação a Recorrente alegou, em resumo, nos art.ºs 69.º a 89.º aqui dados por reproduzidos que a proprietária registada do empreendimento D. Maria Residence (“Maconfer”), tendo entrado em dificuldades financeiras e vendo-se incapacitada para concluir o empreendimento, acordou com a “Telhados da Cidade” um programa negocial, ou seja, uma parceria, visando a conclusão do empreendimento e a venda das frações. Resultando provado que a proprietária inscrita Maconfer deixou na disponibilidade da sociedade “Telhados da Cidade” as frações que esta prometeu vender a terceiros e se encontram elencadas no artigo 79.º da Contestação. Tal circunstância resulta do acordo de parceria estabelecido entre aquelas duas entidades, tendo a Maconfer, em concretização desse mesmo acordo, apresentado a registo a transmissão daquelas frações a favor da sociedade Telhados da Cidade, o que se mostra efetuado através da Requisição n.º ..., AP n.º ... de 12 /10 /2009, factualidade que, no entendimento da Recorrente, deveria ter sido levada, neste precisos termos, ao elenco dos factos provados XIX A matéria alegada pela Recorrente nos artigos 146.º e 147.º Contestação, artigos 146.º e 147.º, não obstante impugnada pela Recorrida em sede de Réplica (sem oferecimento de qualquer contra prova), consta da própria escritura de justificação pelo que deverá constar dos factos dados por provados nos seguintes termos: À posse da Ré, iniciada em 22/07/2009, soma-se a posse da Telhados da Cidade – Construções Unipessoal, Lda. iniciada em 8 de Maio de 2007 e terminada em 21/07/2009. XX É inquestionável que a Recorrente tomou posse da fração “T” em 22.7.2009, passando a utilizá-la como se fosse sua desde essa data, de forma pública, pacífica e de boa fé, com o conhecimento dos órgãos da insolvência, tendo dado conhecimento dessa factualidade aos srs administradores da insolvência e aos membros da Comissão de Credores e ao próprio Tribunal (vide Doc. 3, 5 e 8 juntos pela Recorrente à Contestação e Doc. 11, 13, 19 e 22 juntos à P.I. pela Recorrida). Por outro lado, a informação que a Recorrente recebeu por via do Despacho de 28.5.2013, junto à Contestação como documento n.º 6, cujo teor foi dado como provado na douta Sentença (facto provado n.º 24), no qual se informa que a fração “T” deveria de ser entregue à sociedade “Telhados da Cidade” de forma que esta pudesse cumprir o contrato de promessa de compra e venda que celebrou com a Recorrente, só veio confirmar a razão da Recorrente e reforçar a sua convicção de que, já passados 11 anos desde que tomou posse do imóvel, este era seu por direito próprio. Aliás, o facto de nenhum dos órgãos da insolvência ter manifestado qualquer oposição judicial à posse que a Recorrente vinha exercendo sobre a fração desde 22.7.2009, designadamente nos termos previstos no art. 323.º do Cód. Civil, sendo esta a única forma legal de oposição consistente admitida por lei à posse da Recorrente e sufragada pelos nossos Tribunais Superiores, reforçou ainda mais a convicção da Recorrente de que o uso que vinha fazendo da fração, em conformidade com o direito de propriedade que vinha mantendo, estava certa e que a escritura seria uma mera formalidade. Desta forma, deveria a matéria contida na alínea a) dos factos não provados ter sido dada como provada. XXI A lei estabelece, de acordo com a interpretação dos nossos Tribunais Superiores, que para interromper o prazo de prescrição conducente à usucapião não basta a interpelação ou qualquer outra forma de comunicação extrajudicial, sendo necessária a prática de um ato judicial que direta ou indiretamente dê a conhecer ao possuidor a intenção de exercer o respetivo direito. Ora, compulsando os autos, verifica-se ter inexistido da parte da Recorrida ao longo de quase quinze anos o recurso a qualquer meio judicial com o fim de pôr termo à posse da fração “T” por banda da aqui Recorrente, sabendo aquela que, nos termos do art. 323.º do Cód. Civil, a via judicial (citação ou notificação judicial), era e é a única forma legalmente admitida para esse efeito. Desta forma, não tendo sido efetuada nenhuma oposição àquela posse, nos termos previstos no artigo 323.º do Código Civil, deveria a matéria contida na alínea b) dos factos não provados ter sido dada como provada. XXII Está provado que entre a “Maconfer – Materiais de Construção Civil, Lda” e a sociedade “Telhados da Cidade” foi celebrado um contrato promessa de compra e venda em Maio de 2007 visando a venda de vários apartamentos do condomínio D. Maria Residence e que a Telhados da Cidade, no âmbito do programa negocial que acertaram entre si, para além da comercialização das frações e da angariação de clientela, funcionou também como empreiteira realizando obras de acabamento de vários tipos no empreendimento. Tendo em vista a realização dos trabalhos encomendados à Telhados da Cidade a proprietária registada (Maconfer) entregou voluntariamente àquela as respetivas chaves de acesso aos cinco edifícios (blocos A, B, C, D e E) que compõem o empreendimento. O que é perfeitamente compreensível pois de outro modo tornar-se-ia impossível à Telhados da Cidade realizar os trabalhos que lhe foram encomendados. Para além da prova documental existente nos autos (vide factos provados com os n.ºs 53, 55 e 56), toda esta matéria foi plenamente comprovada pelo depoimento da testemunha FF, que confirmou a posse das chaves na “Telhados da Cidade” e o livre acesso desta firma às frações e aos edifícios em geral (vide registo áudio do minuto 6 até ao fim). Concludente no mesmo sentido foi também o depoimento da testemunha arrolada pela Autora, EE, que reconheceu ser a Telhados da Cidade a entidade encarregada do processo de angariação e venda das frações, tendo para o efeito montado um stand de vendas no empreendimento (vide registo áudio da testemunha entre o minuto 14´50 e o minuto 16´58). Daí que no entendimento da aqui Recorrente deveria a matéria a que se refere a alínea c) dos factos não provados ter sido dada como provada. XXIII Como acima foi referido a “Telhados da Cidade”, para além de promitente compradora de frações do empreendimento D. Maria Residence, exercia também a atividade de angariadora de clientela e promotora das vendas dos apartamentos e ainda a de empreiteira ao abrigo da qual realizava as obras de acabamento dos vários edifícios que compõem aquele condomínio (vide factos provados com os n.s 53, 55 e 56). A Telhados da Cidade exercia assim naquele condomínio um conjunto tão vasto de atividades que ia ao ponto de ela própria (Telhados da Cidade) se assumir como proprietária e possuidora de várias frações, conforme se prova por uma dúzia de contratos promessa de compra e venda juntos à Contestação como documentos 1, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24. Toda esta atividade exercida pela Telhados da Cidade no empreendimento D. Maria Residence foi confirmada pelos depoimentos das testemunhas FF (vide registo áudio do depoimento da testemunha entre o minuto 4 e o minuto 7´19) e de EE (vide registo áudio da testemunha entre o minuto 15´00 e o minuto 17´40). Dos depoimentos daquelas duas testemunhas ficou-se a saber de forma inquestionável que havia entre aquela empresa e a Maconfer uma parceria para a venda das frações e que era a Telhados da Cidade quem assumia a angariação e a promoção publicitária dos imóveis e ainda que várias dessas frações pertenciam à “Telhados da Cidade”. Ora, toda esta atividade desenvolvida pela “Telhados da Cidade” mostra de forma indelével que quem exercia o controlo do empreendimento nas suas múltiplas vertentes (acabamento dos edifícios, promoção das vendas, angariação de clientela e venda direta dos apartamentos a terceiros em que se assume como dona e possuidora) era de facto a Telhados da Cidade. E esse domínio era necessariamente exercido com a autorização e concordância da proprietária registada (vide doc. 25 e doc. 28 juntos à Contestação), pois de outro modo a “Maconfer” teria reagido contra a “Telhados da Cidade” relativamente aos contratos de promessa de compra e venda por esta outorgados em que se assume como proprietária das frações. O que não aconteceu, mostrando assim concordância com a gestão do condomínio feita pela Telhados da Cidade. Prova de que havia essa autorização é o facto de a Maconfer, dona do empreendimento, representada pelo seu então administrador, Eng.º JJ, ter feito registar na competente conservatória do registo predial, assinando com o seu próprio punho e carimbando a respetiva requisição com o carimbo da sua representada (Maconfer), a aquisição do direito de propriedade de doze frações do empreendimento a favor da sociedade “Telhados da Cidade”. Tudo nos termos do documento n.º 25 junto à Contestação. De todo o supra exposto e documentado é inquestionável que a matéria constante desta alínea d) dos factos não provados deveria ter sido dada como provada. XXIV Não é concebível que a “Telhados da Cidade” tenha desempenhado tantas atividades no condomínio D. Maria Residence, atividades que foram desde a realização de trabalhos de construção civil (acabamentos) à promessa de venda de uma dúzia apartamentos a terceiros em que se assume como legítima proprietária dessas frações, passando pela promoção imobiliária e angariação de clientela, para além de ser também promitente compradora, se não tivesse a autorização do dono da “Maconfer”, quando é o próprio administrador, Eng.º JJ, quem, com a sua assinatura e o carimbo da “Maconfer”, fez registar no registo predial uma dúzia de imóveis em nome da Telhados da Cidade (vide doc. 1, 15 a 24, 25 e 28 juntos à Contestação). Um condomínio como o empreendimento D. Maria Residence, constituído por 43 frações numa zona urbana como é o Estoril, não poderia estar ao abandono, antes estaria sob apertada vigilância do seu proprietário e dos seus próprios funcionários, que necessariamente não deixariam de tomar as medidas adequadas para pôr termo à ocupação dos imóveis caso a considerassem ilícita, pelo que só com a autorização e concordância da proprietária registada tais atos poderiam ser praticados. O facto de praticar todos aquelas atividades, sem ser a proprietária registada dos imóveis, mostra de forma inequívoca que a Telhados da Cidade detinha o controlo e o domínio absoluto do empreendimento. Como refere a testemunha FF (vide registo áudio do depoimento da testemunha ao minuto 4) havia uma comunhão de interesses, uma parceria em que ambas as empresas (Maconfer e Telhados da Cidade) ganhavam com a venda dos imóveis sendo a venda promovida pela Telhados da Cidade. Sendo inequívoco que a Telhados da Cidade detinha o controlo e o domínio do empreendimento com a autorização do dono deste, a matéria a que se refere a alínea e) dos factos não provados deveria ter sido dada como provada. XXV Não oferece dúvidas de que todos os promitentes compradores das frações prometidas vender por Telhados da Cidade, incluindo a aqui Recorrente, passaram a ocupar e a habitar as respetivas frações, sendo disso prova o facto de a atual administradora da insolvência, Dra AA, ter colocado em venda as frações através da Leiloeira “A Forense” com a informação de que as frações estavam ocupadas e posteriormente ter negociado a venda dos respetivos imóveis com os ocupantes em condições de preço mais favoráveis que as existentes no mercado (vide facto provado n.º 34). O depoimento da testemunha da Autora, DD, confirma plenamente esta factualidade quando refere que foram feitos contatos enviadas cartas aos ocupantes com propostas de aquisição das frações de acordo com deliberação da Comissão de Credores (vide registo áudio do depoimento da Testemunha ao minuto 3 e 23 segundos). No mesmo sentido se pronunciou a testemunha EE ao dizer que as pessoas viviam nos apartamentos (vide registo áudio do depoimento da Testemunha ao minuto 17 e 5 segundos). Sendo esta mesma testemunha que confirma que as pessoas estavam nas frações com a concordância dos contratos que o sr. Eng.º JJ e o sr. HH haviam acordado (vide registo áudio do depoimento da testemunha ao minuto 25 e 53 segundos). Por todas as razões supra referenciadas, é entendimento da Recorrente que a matéria a que se refere a alínea f) dos factos não provados, deveria ter sido dada como provada. XXVI Está provado que entre a “Telhados da Cidade” e a Recorrente foi celebrado um contrato em 22 de Julho de 2009 e que esta ficou investida na posse da fração “T” (…) podendo ocupá-la, habitá-la e inclusivamente dá-la de arrendamento, pela renda e condições que entender, bem como autorizada a requerer junto das respetivas entidades os contadores de abastecimento de eletricidade, gás, água e instalação telefónica” (vide pontos 11 e 12 dos factos dados como provados). Ficou ainda provado que a Recorrente, logo que entrou na posse da fração “T”, a “ocupou, mobilou, decorou, equipou e passou a utilizar” (vide ponto 57 dos factos provados). Com a assinatura do contrato promessa de 22.7.2009 a Recorrente recebeu da “Telhados da Cidade” as chaves de acesso ao bloco C, à fração “T”, à arrecadação n.º 15 e ainda o comando eletrónico de acesso ao parqueamento. Isto mesmo foi confirmado pela testemunha arrolada pela Autora, sr. EE que, a instância do Mm.º sr. Dr. Juiz, responde que havia quatro chaves e, tendo-lhe de seguida sido perguntado se alguma era da fração “T”, responde que sim (vide registo áudio entre o minuto 10 e 43 segundos e o minuto 11 e 34 segundos). Não obstante a prova documental e testemunhal supra referida, entendeu, porém, o Mm.º sr. Dr. Juiz, que as chaves de acesso à fração “T” não foram entregues ao abrigo de qualquer permissão / autorização da proprietária, mas sim na sequência do desaparecimento das mesmas nos moldes relatados, ou seja, no âmbito da providência cautelar que correu termos sobre o Apenso H. Só que esta providência cautelar ocorreu em 21.10.2010 (vide factos provados 18 e 19), ou seja, mais de um ano após a entrada da Recorrente na fração “T” (22.7.2009), pelo que na data da providência cautelar já a Recorrente se encontrava na posse da fração e das respetivas chaves de acesso. Importa ainda esclarecer que a entrega das chaves à Recorrente não foi feita pela proprietária registada (Maconfer), mas sim pela “Telhados da Cidade” com a evidente autorização daquela no âmbito gestão e do domínio que mantinha sobre o condomínio em causa. Pelo que, em nosso entender, deveria o Tribunal “a quo” ter dado como provada a matéria a que se refere a alínea g) dos factos não provados. XXVII Tanto quanto se alcança dos autos nenhuma dúvida existe de que entre a “Maconfer” e a “Telhados da Cidade” foi celebrado um contrato promessa de compra e venda em 8 de Maio de 2007 visando a compra e venda de várias frações integradas no condomínio D. Maria Residence do Estoril e que a Telhados da Cidade, para além de promitente compradora, desenvolveu naquele mesmo condomínio em articulação e com autorização da proprietária registada, outras atividades, como seja, a da construção civil (acabamentos dos apartamentos), a promoção e publicidade das frações, incluindo a venda das mesmas a terceiros interessados na sua aquisição, situação em que se assumiu como legítima proprietária. Tal atividade da “Telhados da Cidade” desenvolvia-se ao abrigo de uma parceria em que ambas as empresas tinham interesse, Como prova de toda esta factualidade refira-se a matéria dada como provada nos pontos 53, 55 e 56 dos factos provados, os contratos promessa de compra e venda celebrados pela Telhados da Cidade com terceiros identificados e ainda a requisição de registo predial assinada pelo sr. Eng.º JJ, dono da Maconfer, assinada por este e o carimbo daquela empresa aposto sobre a identificada requisição (vide doc. 1, 15 a 24, 25 e 28 juntos à Contestação). De igual modo a factualidade supra descrita é confirmada pela testemunha FF que no seu depoimento afirma que no ano 2007 já a Telhados da Cidade se encontrava a finalizar as obras no empreendimento e a comercializar as frações, incluindo a fração “T” (vide registo áudio do depoimento da testemunha entre o minuto 1 e 22 segundos e o minuto um e quarenta e três segundos e ainda entre o minuto 6 e 43 segundos até final do depoimento). Também a testemunha arrolada pela Autora, EE, refere que as chaves se encontravam em poder da Telhados da Cidade, tendo-lhe as mesmas sido entregues pelo sr. Eng.º JJ, dono da Maconfer (vide registo áudio da testemunha ao minuto 10 e 3 segundos e o minuto 11 e 34 segundos). O que se compreende dadas as várias tarefas de que a Telhados da Cidade estava encarregada, tornando-se evidente que se aquela empresa não tivesse as chaves como poderia cumprir com as missões que lhe foram confiadas. Dada a factualidade apurada, seja por via da matéria já assente (factos 53, 55 e 56), seja por via documental e dos depoimentos das testemunhas FF e EE, deveria a matéria relativa a alínea h) ter sido dada como provada. XXVIII A matéria a que se refere a alínea i) dos factos não provados corresponde essencialmente à matéria constante da alínea g) dos factos não provados, pelo que pouco há a adiantar à factualidade já referida a propósito da matéria da alínea g), remetendo-se para o que aí foi invocado. Por consequência, não havendo dúvida de que as chaves de acesso à fração “T” e ao prédio, do correio postal e o comando de acesso ao parqueamento foram entregues à Recorrente pela “Telhados da Cidade” no âmbito da parceria que celebrou com a “Maconfer” e com a autorização desta, entende a Recorrente que a matéria constante da alínea i) dos factos não provados deveria ter sido dada como provada. XXIX Conforme já foi referido a propósito da matéria referente às alíneas a) e b) dos factos não provados, nenhuma oposição à posse exercida desde 22.7.2009 pela Recorrente sobre a fração “T” foi efetuada pelos administradores da insolvência ou por qualquer credor da insolvência com recurso aos meios judiciais previstos na lei para interromper o prazo da usucapião. Como aí foi referido, o único meio admitido por lei para interromper o prazo da usucapião é o meio judicial previsto no art. 323.º do Cód. Civil, não sendo admissível qualquer forma de comunicação extrajudicial. Com efeito, tendo conhecimento de que a Recorrente entrou na posse da fração “T” em 22.7.2009 e que vinha mantendo essa posse desde essa data, posse que era pública, pacífica e de boa fé, tendo atempadamente a Recorrente informado os órgãos da insolvência dessa factualidade, competia-lhe, se efetivamente quisesse interromper o prazo da usucapião, usar para esse efeito os meios que a lei lhe faculta, ou seja, os meios judiciais. O que não aconteceu. E não aconteceu porque não quis ou porque foi negligente. Pelo que a Autora só pode queixar-se da si própria. Inexistindo nos autos qualquer prova de que a Autora recorreu ao meio judicial para por termo à usucapião, necessariamente que a matéria das alíneas j) e l) dos factos não provados terá necessariamente de ser dada como provada XXX A Recorrente entrou na posse efetiva da fração “T” em 22.7.2009 por via do contrato promessa celebrado com a “Telhados da Cidade” tendo, entretanto, juntado a sua posse à posse que a “Telhados da Cidade” manteve sobre a referida fração desde o dia 8 de Maio de 2007 por força do contrato que celebrou com a Maconfer nesta última data. A acessão na posse por banda da Recorrente processou-se ao abrigo do disposto no art. 1256.º, n.º 1, do Cód. Civil e em conformidade com a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores sobre essa matéria. Daí que a posse efetiva, pública, pacífica e de boa fé, que a Recorrente mantém sobre a fração “T” seja reportada, não a 22.7.2009, mas a 8 de Maio de 2007, conforme estipulado no preceito legal acima mencionado. Ou seja, até ao dia da apresentação da Contestação com Reconvenção (29.12.2023) decorreram mais de 16 anos durante o qual a Recorrente manteve legalmente a posse da fração “T” e mais de 18 anos se contarmos a posse até aos dias de hoje, uma vez que a Recorrente mantém ainda legalmente a posse da fração “T”. E essa posse tem sido exercida de forma pública, pacífica e de boa fé, tendo a Recorrente dado conhecimento dessa posse e das caraterísticas da mesma aos administradores da insolvência nomeados nos autos, aos membros da Comissão de Credores e ao próprio Tribunal, nunca nenhum desses órgãos se opôs à posse da Autora, designadamente utilizando para o efeito o meio judicial previsto na lei nos ternos do art. 323.º do Cód. Civi Acresce que face à informação transmitida à Recorrente por via do Despacho de 2013 da Mmª sra Dra Juíza (vide facto provado com o n.º 24) de que a fração “T” deveria ser entregue à Telhados da Cidade para que esta pudesse cumprir o contrato que acordou com a Recorrente, esta reforçou a sua convicção de que era a proprietária da fração, agindo de forma correspondente ao direito de propriedade, convicta que estava de que a escritura de compra seria apenas uma mera formalidade, até porque já tinha pagado a totalidade do preço devido. Daí que, para além do pagamento do prelo já efetuado, a Recorrente tivesse também suportado despesas de vária ordem e natureza com a melhoria da fração “T”, como sejam, por exemplo, trabalhos de alvenaria, pintura, de eletricidade, retificação do pavimento danificado, reparação de canalização da cozinha, substituição de torneiras da cozinha, tampões de esgoto, reparação de fissuras e pintura das paredes, bem como a instalação na fração de fechaduras, sistema de iluminação led. Resguardos de vidro nas banheiras, máquinas de lavar roupa, louça e secar, reparação da base de duche e estores, etc. (vide factos provados com os n.ºs 59 a 66). Tais investimentos na fração por parte da Recorrente só se compreendem, como é evidente, no pressuposto assumido pela Recorrente de que a fração “T” lhe pertencia. Tendo sido inquirido sobre a matéria em apreço, a testemunha FF confirmou que o acesso às chaves do prédio e das frações era livre por banda da Telhados da Cidade e que nunca a Maconfer mostrou qualquer indisponibilidade para esse acesso (vide registo áudio a partir do minuto 6 e 43 segundos até ao final do depoimento). De igual modo se pronunciou a testemunha arrolada pela Autora, EE, confirmando que houve uma séria de frações para a empreiteira “Telhados da Cidade”, sendo esta empresa que arranjava os clientes, fazia a promoção e mostrava os apartamentos (vide registo áudio do minuto 15 ao minuto 15:40). Esta mesma testemunha inquirida pelo mandatário da Autora sobre se alguma vez a Maconfer desautorizou a “Telhados da Cidade” acerca das vendas que estava a promover, referiu que não (vide registo áudio entre o minuto 16:36 e o minuto 17:40). Por todo o supra exposto e documentado, entende a Recorrente que a matéria a que se refere a alínea m) dos factos não provados, deveria ter sido dada como provada. XXXI A matéria a que respeita a alínea n) dos factos não provados, se “as frações prometidas vender pela “Maconfer” foram entregues à “Telhados da Cidade”, já foi abordada no âmbito das respostas a outras alíneas, designadamente nas alíneas c), d), e), f) e h), remetemos para o que aí foi invocado. Daí que se afigura à Recorrente que a matéria constante da alínea n) dos factos dados como não provados, deveria ter sido dada como provada. XXXII A matéria a que se refere alínea o) dos factos não provados, está provada pela certidão predial junto à Contestação como documento 2, dela constando como sujeito ativo a aqui Recorrente e como sujeito passivo a “Telhados da Cidade”, tendo o referido registo sido efetuado pela Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém pela AP ... de 210/06/09.. Dada a função publicitária do registo predial, foi deste modo dado conhecimento a terceiros, incluindo naturalmente a Autora, do negócio celebrado entre a Telhados da Cidade e a Recorrente atinente à fração “T” Deste modo deveria a matéria da alínea o) ter sido dada como provada. XXXIII O texto da alínea p) dos factos não provados é da autoria do Mm.º sr. Dr. Juiz na medida em que a expressão “que deveriam equivaler ao valor acordado total de € 180.000,00 atribuído à fração “T”, não consta de qualquer documento apresentado pela Recorrente ou pela Autora. A matéria do pagamento do preço da fração “T” por banda da Recorrente já foi abordada na Conclusão XVI. Da prova documental carreada para o processo e das declarações prestadas, dúvidas não restam de que o preço da fração “T” foi integralmente pago pela Recorrente, pelo que deveria a alínea p) ter sido dada como provada. XXXIV É ponto assente que entre a “Telhados da Cidade” e a Recorrente foi celebrado um contrato promessa com permuta nos termos do qual aquela prometeu entregar a esta a fração “T” por contrapartida da entrega desta àquela de dois armazéns de que era proprietária na Chamusca (vide ponto 11 dos factos provados) e que foi investida na posse da fração, podendo ocupá-la e habitá-la e dá-la de arrendamento pela renda e condições que entender (vide ponto 12 dos factos provados). E é também ponto assente que a Recorrente logo que entrou na posse da fração em 22.7.2009 por via das chaves que recebeu da promitente vendedora (Telhados da Cidade) contratou com as respetivas entidades o fornecimento de água e eletricidade e ocupou, mobilou, decorou, equipou e passou a utilizar a fração (vide ponto 57 dos factos provados). Para além disso, a Recorrente procedeu também à realização de várias melhorias e benfeitorias na fração em causa, que pagou do seu bolso, como, por exemplo, “trabalhos de alvenaria, pintura e eletricidade; trabalhos de retificação de pavimento danificado, reparação de canalização de cozinha, substituição de torneiras de cozinha, tampões de esgoto, reparação de fissuras e pintura de paredes; instalação na fração de fechaduras, sistema de iluminação led, resguardos de vidro para 2 banheiras, máquina de lavar roupa, louça e secar, reparação de base de duche e estores; substituição de fechaduras; aquisição de máquinas de lavar, secar, forno, placa e micro-ondas e limpeza da fração, tendo ainda o Condomínio debitado à Recorrente as despesas imputadas à fração “T” desde outubro de 2021. Para além destas despesas a Recorrente procedeu também ao pagamento em 2009 à Telhados da Cidade do preço da fração “T” nos moldes já referidos. Como se torna óbvio (seja até por todo o investimento financeiro), a Recorrente estava plenamente convicta de que a fração “T” lhe pertencia e que a outorga da escritura de compra e venda seria uma mera formalidade, agindo a Recorrente sempre na convicção de que o negócio que havia celebrado com a “Telhados da Cidade” era legal por ter tido autorização da proprietária registada por via da parceria em que haviam acordado (vide Informação Complementar junto à Contestação como Doc. 28). Matéria aliás confirmada pelas testemunhas EE (vide registo áudio do minuto 14:50 ao minuto 15:40 e do minuto 10:43 ao minuto 11:34) e FF (vide registo áudio ao minuto 4) Para essa convicção contribuiu em muito, por um lado, a decisão da Mmª Juíza de 2013 (vide facto aprovado n.º 24) no sentido de que a fração “T” teria de ser entregue à Telhados da Cidade para que esta pudesse cumprir o contrato que acordou com a Recorrente e, por outro lado, o facto de durante o longo período que decorreu desde 22.7.2009 até à propositura da presente ação (29.12.2023) nunca a Recorrente ter sido confrontada com qualquer pedido da Recorrida por via judicial exigindo a devolução da fração ou pondo em causa a legitimidade da posse que vinha mantendo sobre a fração. O que teria feito, naturalmente, se não estivesse de acordo com a posse que a Recorrente mantinha sobre o apartamento. Não é concebível que uma entidade terceira, a Recorrente, tenha durante mais de 16 anos a plena posse de um imóvel registado em nome de outra entidade com o seu conhecimento, sabendo esta de antemão o risco que corria por via da usucapião. A ocupação e utilização da fração “T” que a Recorrente veio fazendo desde 22.7.2009 foi pública, pacífica e de boa fé, na medida em que essa posse era do inteiro conhecimento dos órgãos da insolvência, tendo a Recorrente dado conhecimento a estes dessa factualidade e ainda dos investimentos que foi fazendo na mencionada fração, sem que aqueles ou qualquer credor da insolvência manifestado qualquer oposição a essa posse ou posto em causa esses investimentos. Pela factualidade apurada e acima exposta e demonstrada, deveria a matéria constante da alínea q) dos factos não provados ter sido dada como provada. XXXV O Tribunal “a quo” condenou a Recorrente no pagamento à Autora a título de sanção pecuniária compulsória da quantia de € 500,00 por cada dia em que não procedam à entrega do imóvel à administradora da insolvência sem que previamente a Recorrente tenha sido judicialmente condenada na entrega daquele mesmo imóvel, ou seja, da fração “T”. Como fundamento da sua douta decisão, estriba-se o Mm.º sr. Dr. Juiz no seguinte: “No caso em apreciação, perante o acervo factual apurado e dado o período de tempo decorrido, bem como, o comportamento de recusa na desocupação do imóvel sem que tenham os autores reclamado créditos nos termos legais e a quem de direito e após, afigura-se razoável e equitativo a fixação em € 500,00 o montante devido por cada dia em que não procedam à entrega do imóvel à administradora de insolvência.” Ora, ao contrário do que diz o sr. Dr. Juiz, não é verdade que a Recorrente se tenha recusado a desocupar o imóvel “após diversos despachos judiciais que não deram acolhimento à permanência no imóvel” pelo simples facto de que tais despachos não existem sequer nos presentes autos. Nem alguma vez a Recorrente foi confrontada com qualquer interpelação da Recorrida visando a reivindicação do direito de propriedade daquela fração, não podendo a carta de dirigida em 2021 a BB, que na altura não era nem gerente nem sócio (que aliás continua a não ser) considerar-se como uma diligência séria e eficaz nesse sentido. Pelo contrário, o que consta dos autos é que a Recorrente sempre informou os órgãos da insolvência dessa ocupação e que essa ocupação se baseava no exercício dos direitos que lhe assistiam. Ora, perante a conduta clara, transparente e de boa fé da Recorrente, que deu a conhecer aos órgãos da insolvência as razões dessa ocupação sem que durante mais de uma dúzia de anos a Autora se tenha sequer dignado dar qualquer resposta, não se coíbe o Mm.º sr. Dr. Juiz em condenar a Recorrente como se esta tivesse levado a cabo uma ocupação oculta e à margem de qualquer razão ou fundamento. Conforme se alcança da douta sentença, a condenação da Recorrente no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória pressupõe o incumprimento de uma obrigação principal, no caso a condenação na entrega da fração “T” à Autora na pessoa da sra Administradora da Insolvência. Ora, inexistindo esta prévia condenação na entrega daquele imóvel, não pode subsistir a condenação no pagamento de uma sanção que visa compelir a Recorrente a cumprir aquilo em que efetivamente não foi condenada. De todo o supra exposto, decorre de forma inequívoca que, no caso presente, os fundamentos em que Tribunal “a quo” se estribou para condenar a Recorrente no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, não se verificam, pelo que tal decisão não pode deixar de ser revogada pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa. XXXVI A Recorrente despendeu a quantia global de 18.693,47 € com investimentos que fez na fração dos autos a título de melhorias e benfeitorias, conforme se prova pelos documentos com os n.ºs 58, 60, 61, 62, 63 e 64 juntos à Contestação. Tendo o Tribunal “a quo” entendido (erradamente) ser a Recorrente uma possuidora precária, proferiu a seguinte decisão: “estamos perante uma possuidora precária de má-fé, ou mera detentora da fração em causa, nos termos supra apreciados, não tem a mesma direito à indemnização por benfeitorias realizadas.”. Conforme já foi explicitado anteriormente, a Recorrente ocupou e passou a habitar a fração “T” nos termos do contrato celebrado em 22.7.2009 com a “Telhados da Cidade” e, naturalmente, com o conhecimento e a autorização da proprietária registada (Maconfer) por via do programa negocial (parceria) estabelecido entre aquelas duas empresas, que permitia a esta última inclusivamente prometer vender frações do empreendimento assumindo-se com legítima proprietária e possuidora. Após ter tomado posse daquela fração a Recorrente, usando de total transparência e lisura de procedimentos, informou os órgãos da insolvência e o próprio Tribunal dessa factualidade. Aliás, a testemunha da Autora, EE, confirmou plenamente que a “Maconfer” tinha conhecimento de que a Recorrente tinha a posse da fração em causa por via do contrato celebrado com a “Telhados da Cidade” (vide registo áudio da testemunha entre o minuto 2:58 e o minuto 3:45 e entre o minuto 16:36 e o minuto 17:05). O mesmo se diga do depoimento prestado pela testemunha FF (vide registo áudio ao minuto 7:19). Com efeito, o sr. Dr. Juiz enquadra a Recorrente como possuidor precário com base na al. c) do art. 1253 do Cód. Proc. Civil. Ora, nos termos deste preceito legal a mera detenção implica necessariamente que o detentor exerça o poder de facto sobre a coisa e sob as ordens e as instruções do titular do direito. O que não foi o caso. Por outro lado, diz-se posse de boa-fé, quando o possuidor, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem (art. 1260, n.º 1, do Cód. Proc. Civil). Ora, tendo a Recorrente tomado posse da fração “T” em 22.7.2009 e aí tendo permanecido até aos dias de hoje, ao longo de mais de 16 anos, e informado com total transparência e lealdade os órgãos da insolvência e o próprio Tribunal dessa factualidade, incluindo as melhorias e benfeitorias que foi investindo na fração, terá necessariamente de ser considerada possuidora de boa fé nos termos do preceito legal supra referido. Face ao supra exposto, é entendimento da Recorrente ter o Mm.º sr. Dr. Juiz feito errada interpretação da lei. Ao contrário do decidido pelo Mm.º sr. Dr. Juiz, a Recorrente não é nem mera detentora nem possuidora precária, nem possuidora de má-fé, mas sim possuidora de boa-fé. No caso em apreço, não se trata pois de mera detenção, porquanto os atos possessórios exercidos pela Recorrente foram-no em nome próprio e não resultam de mera tolerância da proprietária registada, mas antes da sua vontade expressa. Sendo inquestionável que a Recorrente é uma possuidora de boa-fé da fração “T” deverá, em caso de procedência da ação (o que apenas por dever de patrocínio se admite), ser integralmente indemnizada pelas benfeitorias que integrou na fração e cujo valor está calculado em € 18 693, 47 (dezoito mil seiscentos e noventa e três euros e quarenta e sete cêntimos). XXXVII O Tribunal “a quo” decidiu julgar totalmente improcedente a exceção de abuso de direito alegada pela Recorrente nos art. 15.º a 56.º da sua Contestação: “Os factos apurados e a apreciação efetuada sobre os mesmos supra, permitem concluir pela inexistência de qualquer abuso de direito praticado pela R. em termos enquadráveis no art. 334º, do CC.” Ora, como se torna evidente não basta ao Mm.º sr. Dr. Juiz dizer em abstrato que os factos apurados e a apreciação que foi feita dos mesmos permitem concluir pela inexistência de abuso de direito. É necessário dizer que concretos factos são esses para dessa forma se poder aquilatar da justeza da decisão do Mm.º sr. Dr. Juiz. O que não foi feito, sendo nula a sentença por violação do disposto no art. 615.º, alínea b), do Cód. Proc. Civil. Conforme já foi referido ao longo do presente articulado, a Recorrente entrou na posse da fração “T” em 22.7.2009, tendo mantido essa posse até aos dias de hoje. Embora o Mm.º sr. Dr. Juiz tenha qualificado a Recorrente como uma mera detentora ou possuidora precária, com fundamento na alínea c), do art. 1253.º do Cód. Proc. Civil, o que pressupõe que o possuidor atua a mando e sob as ordens do mandante, tal não pode ser aceite, pelo simples facto de nenhum contrato ou negócio a Recorrente ter feito com a Autora, pelo que nenhuma ordem ou instrução a Recorrente recebeu ou podia receber daquela. O negócio da fração “T” foi efetuado com a entidade que se apresentou como dona da mesma (a Telhados da Cidade) tendo o dono da proprietária registada (Maconfer), sr. Eng.º JJ, tido conhecimento desse negócio e autorizado o mesmo, por força da parceria que acordou com a “Telhados da Cidade” e que permitia a esta desenvolver no empreendimento várias atividades, incluindo a de empreiteira, angariadora de clientes e promotora de vendas, e ainda a de contratar com terceiros a venda das frações assumindo ela própria como legítima proprietária e possuidora (vide documentos … Embora a Recorrente tivesse conhecimento de que a fração “T” estava registada em nome da “Maconfer”, também sabia que esta tinha conhecimento da promessa de venda da fração à Recorrente feita por Telhados da Cidade no âmbito da parceria que aquelas empresas haviam celebrado, pelo que jamais a Recorrente poderia estar a abusar do direito de outrem. Aliás, dificilmente se compreenderia que, visitando com frequência o empreendimento em causa e mantendo o mesmo sob vigilância apertada, o dono da “Maconfer”, sr. Eng.º JJ, vendo que a fração “T” estava ocupada pela Recorrente não tivesse demandado esta com vista à sua desocupação. Daí que a Recorrente nunca tenha duvidado da legalidade do negócio feito com a “Telhados da Cidade” e da legitimidade desta para o fazer, tendo atuado sempre na convicção de que a fração em causa lhe pertencia por direito próprio, e agindo como se fosse proprietária da mesma, e não tivesse hesitado em mobilar, decorar e equipar a fração, passando a usufruir da mesma retirando dela as utilidades normais que um apartamento para habitação pode proporcionar, e nela ter investido mais de duzentos mil euros, pagando a totalidade do preço ao promitente vendedor e mais de dezoito mil euros em melhorias e benfeitorias. Desta forma, convicta de que não estava a lesar o direito de ninguém, a posse da Recorrente sobre a fração “T” era pois uma posse pública, pacífica e de boa-fé, até pelo facto de, conforme já referido, sempre a Recorrente, usando de uma postura de total lealdade e transparência, ter informado os órgãos da insolvência e o próprio Tribunal de que mantinha a posse daquela fração. Esta convicção ainda mais se reforçou quando teve conhecimento do Despacho de 2013 da Mm.ª sra Dra Juíza (vide facto provado n.º 24) de que a fração “T” deveria ser entregue à “Telhados da Cidade” para que esta pudesse cumprir o acordado com a Recorrente, pelo que a escritura de compra e venda seria uma mera formalidade a concretizar no momento oportuno. Por outro lado, desde que entrou na posse da fração em 22.7.2009 até à data da entrada da presente ação (29.12.2023), ou seja, durante quase quinze anos, nunca a Recorrente foi confrontada com um pedido expresso da Autora, movido por qualquer dos quatro administradores da insolvência nomeados nos autos, reivindicando a propriedade da fração (ação de reivindicação) ou sequer sido citada ou notificada por via judicial, nos termos do art. 323.º do Cód. Civil, requerendo a entrega da fração. Com efeito, não é concebível que a Recorrida, se se sentisse prejudicada (como agora refere) com o facto de a Recorrente ter a posse da fração durante este longo período, não usasse dos meios que a lei lhe faculta para por termo a essa ocupação, ainda para mais sabendo que corria o risco de a possuidora vir a reclamar, como veio a suceder, o direito de propriedade da mesma por via da usucapião. Tal comportamento inculcou e reforçou no espírito da possuidora a convicção plena de que a propriedade do imóvel em causa lhe pertencia, ainda que faltasse outorgar a escritura de compra e venda. Como já foi referido a Recorrente, nos termos dos art.s 1256.º, n.º 1, e 1257.º, do Cód. Civil, juntou à sua posse a posse do anterior possuidor (Telhados da Cidade) iniciada em 8.5.2007 com o contrato que celebrou com a “Maconfer” e terminada em 21.7.2009 por via do contrato celebrado com a Recorrente de 22.7.2009. Juntando a posse da Recorrente (de 22.7.2009 a 29.12.2023) à posse do anterior possuidor (de 8.5.2007 a 21.7.2009), verifica-se que para efeitos dos preceitos legais supra referidos, a Recorrente exerceu a posse sobre a fração “T” durante 6.079 dias, ou seja, durante cerca de 17 anos. Tal como a posse da Recorrente é pública, pacífica e de boa-fé, também a posse exercida pela Telhados da Cidade no período compreendido entre 8.5.2007 e 21.7.2009, foi pública e pacífica e de boa-fé, porque autorizadas pelo dono da proprietária registada, atendendo à parceria que acordaram e que permitia àquela desenvolver várias atividades no empreendimento habitacional em causa que iam desde a realização de trabalhos de construção civil, à promoção imobiliária e publicitária, angariação de clientela e venda das próprias frações em que se assumia como legítima proprietária e possuidora, tudo com a autorização do sr. Eng.º JJ, como supra já referido. Por todas essas razões, a posse exercida pela “Telhados da Cidade” sobre a fração “T” foi necessariamente uma posse de boa fé, em nome próprio e não em nome alheio. Durante cerca de 15 anos em que a Recorrente exerceu a posse efetiva da fração “T”, mais de 17 anos contando com a junção da posse do anterior possuidor permitida pela lei, teve a Autora oportunidade de interromper o prazo de prescrição conducente à usucapião utilizando para o efeito os meios judiciais que a lei lhe faculta, recorrendo ao dispositivo previsto no art. 323.º do Cód. Civil, sabendo perfeitamente que para interromper aquele prazo não basta qualquer interpelação extrajudicial ao possuidor, sendo necessária a utilização da via judicial para esse efeito. Ora nenhum dos quatro administradores da insolvência nomeados o fez, tendo (todos) adotado uma postura de total inércia perante os factos de que tinham conhecimento. Daí que a Recorrente, utilizando os direitos que a lei também lhe faculta, não tenha hesitado em invocar a usucapião mediante a outorga da respetiva escritura de justificação notarial e registado em seu nome o direito de propriedade sobre a fração “T” na Conservatória do Registo Predial. Ora, vir agora, como faz a Autora, ao fim de 17 anos colocar em crise o direito de propriedade da Recorrente sobre a fração “T”, depois de durante esse longuíssimo período de tempo nada ter feito no sentido de contrariar os atos possessórios praticados pela Recorrente e que eram do seu pleno conhecimento, constitui inequivocamente abuso de direito, seja na modalidade de “venire contra factum proprium”, por ser contraditória com a sua conduta anterior e atentatória da confiança gerada no adquirente da fração por via da usucapião, seja na modalidade de “supressio” ao criar na possuidora, aqui Recorrente, a expetativa legítima de que ao fim de 17 anos jamais exerceria o direito de que agora se arroga. XXXVIII Resulta da reapreciação da prova, seja da prova testemunhal, da prova documental e da prova por declarações de parte, em que supra nos empenhámos, a conclusão contrária à extraída pelo Tribunal “a quo” no sentido de que são falsas as declarações da Recorrente constantes da escritura de justificação notarial e do respetivo auto de declarações. Ou seja, são verdadeiras as declarações consignadas nesses dois atos notariais. Nestes termos e nos mais que V.Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, vierem necessariamente a suprir, deve: A) A douta sentença sob recurso, ser substituída por outra que, reapreciando a prova produzida nos autos nos termos supra, julgue improcedente a ação, confirmando as declarações da Recorrente constantes da escritura de justificação notarial e do auto de declarações juntos à petição inicial, com todas as consequências legais nomeadamente a manutenção do registo de aquisição, por usucapião, do direito de propriedade da fração “T” melhor identificada nos autos, a favor da Recorrente e consubstanciado na apresentação n.º ... de 2023/03/02. B) Caso assim não venha a ser decidido, o que apenas se admite por cautela de patrocínio, deve a douta sentença sob recurso ser substituída por outra que: B1) Absolva a Recorrente de qualquer sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na entrega do imóvel à Recorrida, porquanto não foi condenada à entrega do mesmo imóvel à Recorrida; B2) Condene a Recorrida no pagamento das benfeitorias efetuadas e introduzidas na fração “T”, no valor de dezoito mil seiscentos e noventa e três euros e quarenta e sete cêntimos (18 693, 47 €). C) Em qualquer dos casos, devem as invocadas nulidades da Sentença ser apreciadas, não o tendo sido pelo douto Tribunal “a quo”, seguindo-se a tramitação prevista no n.º 5, do artigo 617.º do Código de Processo Civil. Assim se fazendo JUSTIÇA!”
A autora apresentou contra-alegações, pelas quais peticionou que fosse negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
O recurso foi admitido pelo tribunal a quo como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Em tal despacho, para os efeitos previstos no artigo 617.º, n.º 1 do CPC, o Mmo. Juiz a quo consignou: “Salvaguardando melhor opinião, não se afigura existir contradição entre os fundamentos de facto e de direito nem quaisquer omissões de pronúncia na decisão proferida, de molde a integrarem as previsões contidas nos arts. 615º, n.º 1, als. c) e d), do CPC, uma vez que a decisão dispositiva proferida foi resultado adequado e coerente das premissas de facto e de direito estabelecidas, tendo sido abordadas, expressa ou preclusivamente, as questões trazidas a juízo. Designadamente, a obrigação de entrega subjacente à fixação de sanção pecuniária compulsória resulta, além do mais, da conjugação dos efeitos produzidos pela declaração de nulidade com os efeitos decorrentes da atividade de administração e liquidação da massa insolvente (onde se inserem a apreensão e alienação) – art. 149º e ss. // Por outro lado, foram tomados também em consideração elementos documentais evidenciados no processo de insolvência e respetivos apensos (como já se depreendia no âmbito da decisão que indeferiu a exceção de incompetência em razão da matéria deduzida em sede de contestação), em relação aos quais a recorrente tinha conhecimento, quer na decorrência da petição inicial e anexos juntos, quer pela posição processual e intervenções processuais que foi tendo nos autos (processo principal e apensos) ao longo do tempo, sem olvidar que a gerente da recorrente ocupa a posição processual de ré no apenso XP. // Em suma, salvo melhor entendimento, sem prejuízo da maior ou menor relevância de cada um dos elementos referidos para a decisão final, não se afigura, em termos concretos, que a tramitação processual tenha postergado o cabal exercício do contraditório por parte da recorrente.”
Já nesta instância, veio a recorrente apresentar articulado superveniente, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 588.º do CPC, arguindo a nulidade da sentença recorrida, com fundamento em excesso de pronúncia, tendo, a final, concluído: “deve o presente articulado superveniente ser recebido, tramitado nos termos legais e, por via dele, julgar-se nula a douta sentença sob recurso por excesso de pronúncia nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, com as legais consequências. Caso assim não venha a ser entendido, o que por cautela de patrocínio sempre haverá que equacionar, devem os documentos ora juntos ser admitidos nos autos, nos termos do n.º 1 do artigo 651.º do Cód. de Processo Civil, atenta a sua superveniência objetiva.”
Tal pretensão foi alvo de rejeição liminar por despacho da relatora proferido em 29/07/2025 – “(…) Em face do exposto, não estando em causa a alegação de factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela recorrente, entende-se que, no caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos previstos no artigo 588.º do CPC, motivo por que, ao abrigo do disposto no n.º 4 do mesmo preceito, se rejeita liminarmente o articulado superveniente apresentado pela recorrente, seja pela sua intempestividade, seja pela sua irrelevância/impertinência em face de não carrear quaisquer factos para a boa decisão da causa/recurso”
Despacho através do qual se indeferiu igualmente a junção de documentos que a recorrente pretendia efectuar.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes, nem estar obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, as questões a decidir são:
1. Da putativa nulidade da sentença;
2. Da impugnação/reapreciação da matéria de facto – a) impugnação da matéria de facto provada, b) ampliação da matéria de facto provada, e c) impugnação da matéria de facto não provada;
3. Da verificação dos caracteres da posse para a aquisição pela ré do direito de propriedade, com fundamento na usucapião, sobre a fracção autónoma aqui em causa e sobre a qual versa a escritura de justificação notarial;
4. Da actuação da autora em abuso de direito;
5. Da sanção pecuniária compulsória;
6. Da peticionada indemnização a título de benfeitorias efectuadas na fracção.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: 1. Por escritura pública de compra e venda lavrada em 08/04/1999, no Livro de Notas N.º 763-B, a fls. 63, do extinto 1.º Cartório Notarial de Sintra, a sociedade comercial por quotas sob a firma “Maconfer -Materiais Construção Civil, Lda.”, adquiriu a Construções ......, Lda., pessoa coletiva com o NIPC ... com sede na Localização 3, em Lisboa, os prédios descritos sob os n.ºs ..., ..., ... e ..., da freguesia do Estoril. 2. A referida aquisição encontra-se registada na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob a AP. ... de 1999/05/24, da atual descrição n.º ... da freguesia do Estoril. 3. Nos aludidos prédios descritos sob os n.ºs ..., ..., ... e ..., entretanto anexados, dando origem à descrição predial n.º ... da freguesia do Estoril, a “Maconfer, Lda.” construiu um edifício que deu origem ao prédio sito na Localização 2e Rua 1, com a área total de 3299,5m2, a área coberta de 1700 m2 e a área descoberta de 1599,5m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Cascais e Estoril, sob o artigo ..., composto de: 2 pisos em cave e 5 Blocos, com pisos para habitações, estacionamentos, arrecadações e estabelecimentos comerciais. 4. Para o dito edifício foi emitida em 13/08/2008 a Autorização de Utilização Nº ... pela Câmara Municipal de Cascais (averbamento oficioso de 2009/08/10). 5. Por escritura pública de Constituição de Propriedade Horizontal lavrada em 17/07/2009, no Livro de Notas N.º 252, a fls. 66, do Cartório Notarial de Sintra do Notário KK, o referido edifício foi submetido ao regime de propriedade horizontal, registado sob a inscrição, relativa à AP. ... de 2009/07/20, da dita descrição ..., do qual resultaram as frações autónomas A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K,L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z, AA, AB, AC, AD, AE, AF, AG, AH, AI, AJ, AK, AL, AM, AN, AO, AP e AQ. 6. A fração autónoma designada pela letra “T” do referido prédio é correspondente ao piso um direito, do bloco C, de tipologia T2, destinada a habitação, com acesso pela Rua 1, com arrecadação 15 no piso menos um e dois lugares de estacionamento com os n.ºs 86 e 87 no piso menos dois, do dito prédio urbano localizado na Localização 2 e Rua 1, freguesia de Estoril, concelho de Cascais, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Cascais e Estoril, sob o artigo .... 7. A “Maconfer - Materiais Construção Civil, Lda.”, foi declarada insolvente por sentença de 8 de fevereiro de 2010, proferida nos autos principais, e encontrando-se na presente data nomeada como administradora de insolvência AA, na sequência de despacho judicial proferido em 13.06.2018 e objeto de publicidade por edital e anúncio em 18.06.2018, e ainda devidamente notificado à ora R. em 18.06.2018. 8. Pela mesma sentença foi fixado em 30 dias o prazo para reclamação de créditos, foram citados pessoalmente os cinco maiores credores e citados editalmente os demais e os interessados, efetuando-se a publicidade devida nos termos previstos no artigo 37.º, n.º 3 a 8 do CIRE. 9. Em 11.03.2010 o AI inicialmente nomeado procedeu ao arrolamento e apreensão para a Massa Insolvente dos bens imóveis da “Maconfer, Lda.”, entre os quais, sob a verba n.º 20, a fração “T”, acima identificada. 10. Tal declaração de insolvência/apreensão foi objeto de registo definitivo na Conservatória de registo predial, mediante inscrição relativa à apresentação ... de 2010/09/27. 11. Com data de 22.07.2009 foi celebrado um acordo escrito denominado de “contrato promessa de compra e venda com permuta” celebrado entre “Telhados da Cidade – Construções Unipessoal, Lda.” (representada por HH) e “Quintado Fontanário – Turismo Rural, Lda.” (representada pelo sócio gerente BB), mediante o qual prometeram permutar entre si, livres de ónus ou encargos, respetivamente, a fração “T”, do prédio descrito na CRP de Cascais sob o n.º ..., com as frações “G” e “H” do prédio descrito na CRP da Chamusca com o n.º ..., atribuindo à primeira o valor de € 180.000,00 e às segundas o valor total de 150.000,00, podendo a segunda optar pela venda das frações G e H e terceiros, caso em que se obrigou a comprar a fração “T” pelo valor acordado, através de cheque. 12. No acordo supra referido ficou a constar que a partir da data da celebração do acordo a “Quinta do Fontanário” ficava “investida na posse da fração (….), podendo ocupá-la, habitá-la ou inclusivamente dá-la de arrendamento, pela renda e condições que entender, bem como autorizada a requerer junto das respetivas entidade os contadores para o abastecimento de electricidade, gás, agua e instalação telefónica.”. 13. Em 27.04.2010, BB, então sócio e gerente da sociedade R., remeteu ao Administrador da Insolvência da Maconfer um email sob o assunto “falência de Maconfer – envio de contratos promessa”, com o seguinte teor: “Exm° sr. Dr. CC com os meus cumprimentos, venho pelo presente remeter a v.ex.a cópia dos contratos promessa de compra e venda relativos às fracções do Bloco C (1.° esquerdo e 1.° direito), sendo intenção dos promitentes compradores cumprir os referidos contratos. Sem outro assunto, fico à disposição de v.exa. para qualquer esclarecimento e apresento os meus cumprimentos, BB” 14. BB era à data sócio e gerente da sociedade ora R. QUINTA DO FONTANÁRIO – TURISMO RURAL, LDA. 15. Em 03.05.2010 a R. remeteu carta ao então Administrador da Insolvência, CC, juntando cópia “contrato promessa de compra e venda e permuta” que havia celebrado com a “Telhados da Cidade”, e requerendo a concretização da transmissão da propriedade da fração “T” ou, em alternativa, a verificação e graduação de créditos no valor de € 180.000,0, garantidos pelo direito de retenção sobre a mesma fração. 16. O Administrador de insolvência respondeu por carta data de 18 de maio de 2010, recusando a pretensão formulada pela R. por ter sido formulada fora do prazo e advertindo a mesma para a possibilidade de recorrer ao disposto no art. 146º, do CIRE. 17. O BB dirigiu-se ao Tribunal no processo de insolvência, mediante requerimentos de 19.10.2010 e de 25.10.2010, manifestando interesse em visitar frações que se encontravam em venda “com vista à formulação de uma ou mais propostas de aquisição”. 18. Em face do descaminho de grande parte das chaves das frações do edifício atrás identificado, em 20.10.2010 a Autora requereu providência cautelar que correu termos sob o apenso H, onde deduziu o seguinte pedido: «(...) ante a frustração de todas as diligências extra-judiciais possíveis, vem requerer a V. Ex.a que, na prova plena e integral procedência desta providência, e concedendo-lhe provimento, se digne ordenar a notificação dos requeridos, através de Oficial de Justiça, sendo a “Telhados da Cidade, Unipessoal, Ida.”, na pessoa do seu legal representante e aqui também requerido HH, na morada acima referida no proémio desta PI, para que procedam à entrega imediata de todas e cada uma das chaves dos imóveis supra referidos ao Sr. EE, assessor do Administrador de Insolvência, especialmente incumbido para as receber, contactável através do telemóvel n.º ..., sob a pena de não o fazendo se constituírem, ipso facto, solidariamente obrigados - independentemente de incorrerem na prática de um crime de desobediência qualificada -, ao pagamento de uma indemnização à Massa Insolvente e respectivos credores, em montante que se venha a apurar adequado e justo, de acordo com o prudente arbítrio do Tribunal, sugerindo-se, desde já, o valor de não menos de 500.000,00€ por cada dia de atraso na entrega das referidas chaves, atenta a especial urgência da situação, das circunstâncias relevantes para os termos deste processo, bem como da potencialidade danosa e dolosa do procedimento dos requeridos, a que se pretende por termo com a necessária urgência. Porém, ainda para a hipótese de os requeridos continuarem a recusar-se a entregarem as chaves, ou mesmo para a hipótese de já as terem substituído directamente ou por interpostas pessoas que abusiva e propositadamente tenham instalado nas respectivas fracções, desde já se requer que, com a presença de força pública e com a intervenção de técnicos especializados da supra referida firma “Porseg – Sistemas de Segurança, SA”, seja ordenado que se proceda à mudança das fechaduras, ficando todas as novas e respectivas chaves confiadas ao AI, procedendo-se igualmente à desocupação imediata das referidas fracções de pessoas e bens que os requeridos ali hajam instalado.» 19. Em 21.10.2010 o Administrador da Insolvência informou nos autos principais, que: «(...) a fracção correspondente ao piso “zero”, do Bloco A, é um T-1, Dt.º, que não consta da propriedade horizontal, ficou afecto a “CASA DO PORTEIRO”, não foi objecto de registo predial nem lhe foi atribuído artigo matricial, não constando por isso do auto de apreensão. Era nesta fracção que se encontravam todas as chaves dos apartamentos, que foram objecto dos contratos promessa acima referenciados e a elas tinham acesso quer a MACONFER especialmente através do seu encarregado Sr. EE e a “TELHADOS DA CIDADE” através do seu sócio gerente Sr. HH e respectivo colaborador, Sr. LL. Porém a partir de meados de Julho de 2010, a TELHADOS DA CIDADE apropriou-se abusivamente das chaves dos apartamentos e, não obstante ter sido interpelada pelo A. I. em 2907-2010, na presença de dois elementos da PSP de Massamá e de três testemunhas e de ter ainda interpelada por escrito (Cfr. DOC. 14, 15, 16 e 17 – Carta/fax de 21-07-2010 dirigida à TELHADOS DA CIDADE; fax a dar conhecimento do pedido das chaves ao respectivo Advogado; Carta/email dirigida ao Advogado da TELHADOS DA CIDADE Dr. II e email de resposta deste), optou pela recusa da restituição das mesmas. É certo que algumas pessoas têm vindo a interpelar o Administrador de Insolvência, alegando que fizeram contratos com a TELHADOS DA CIDADE, tendo por objecto algumas das referidas fracções (DOCS. 18, 19 e 20, em anexo), mas estes contratos não são vinculativos da Massa Insolvente e a Comissão de Credores deliberou que se procedesse à venda das mesmas, nos temos dos anúncios, que aqui se dão por integrados. Paralelamente, surge a notícia de que a TELHADOS DA CIDADE fez ocupar pelo menos parte das referidas fracções por pessoas da sua confiança, incluindo até a da CASA DO PORTEIRO, que nem sequer foi objecto do contrato promessa entre a MACONFER e a TELHADOS DA CIDADE e terá pendurado ou mandado pendurar tapetes e outras roupas em estendais exteriores, tudo para dar sinal de que as fracções estão todas ocupadas... tudo com a intenção óbvia de perturbar dolosamente a realização da praça que está aberta até ao dia 26.10.2010, nos termos dos anúncios, E anuncia que até poderá já haver fechaduras com os canhões substituídos... Cumpre destacar que estão em causa em todas as fracções, fechaduras de alta segurança da marca “FICHET” que só poderá ser trocadas por pessoas especializadas no manuseamento deste tipo de fechaduras. Na sequência da publicação dos anúncios, o Administrador da Insolvência e o Sr. EE, encarregado de mostrar os bens, têm vindo a ser abordados pessoalmente e confrontados com dezenas de telefonemas de outros tantos interessados em apresentarem propostas, mas que obviamente querem examinar primeiro as fracções, e são confrontados com a indisponibilidade das chaves para as abrir e a consequente frustração dos seus legítimos interesses de examinarem os bens objecto dos anúncios para venda para formarem a convicção e estruturarem a decisão de apresentarem uma proposta.» 20. Em 11.01.2011, o mesmo BB, dirige-se outra vez ao processo de insolvência, subscrevendo expressamente um requerimento, agora em representação da ora R., expondo e requerendo o seguinte: “Exm° Senhor Dr. Juiz de Direito, Vem esta empresa, para os devidos efeitos legais, e com referência aos autos supra identificados, dar conhecimento a V.Ex.a das cartas que nesta mesma data remetemos ao sr. Administrador de Insolvência, Dr. CC e ao sr. Presidente da Comissão de Credores, sr. Dr. MM. Conforme melhor se alcança do teor das cartas juntas, esta empresa celebrou com a firma “Telhados da Cidade” um contrato promessa de compra e venda com permuta, relativo à fracção “T”, correspondente ao l.° andar, direito, do prédio sito na Rua 1, no Monte Estoril, não tendo até à data sido celebrada respectiva escritura de transmissão por incumprimento daquela firma. Porém, esta empresa é totalmente alheia à insolvência de “Maconfer” e bem assim a qualquer diferendo que porventura exista entre a insolvente e a firma “telhados da Cidade”, não podendo nem devendo ser prejudicada com tal situação, pelo que pretendemos cumprir escrupulosamente o acordado. Aliás, esta empresa poderá transmitir de imediato as fracções que, nos termos do cpcv com permuta, ficou de entregar (fracções “G” e “H”), pelo que aguarda apenas ser notificada da respectiva decisão nesse sentido. Junta: Cópia das cartas enviadas às entidades supra referidas. Lisboa, 10 de Janeiro de 2011” 21. Por escrito junto aos autos em 12.12.2011, a R. comunicou também a pretensão referida em 14 supra à comissão de credores e ao processo principal. 22. Em 12.12.2011, sempre representada pelo mesmo BB, a R. deu entrada de novo requerimento, onde disse o seguinte: “1. Conforme já foi comunicado oportunamente a esse Tribunal, a fracção "T", correspondente ao 1.º andar, esquerdo, que integra o prédio sito na Rua 1, no Estoril, foi prometida vender a esta empresa por essa firma, por contrato promessa de compra e venda com permuta datado de 22.7.2009. 2. Tal contrato promessa de compra e venda com permuta foi celebrado na sequência do contrato promessa de compra e venda e de um processo negocial acordados entre a "Telhados da Cidade" e a insolvente "Maconfer", cujo cumprimento não terá sido ainda possível por razões que se prendem com a insolvência da "Maconfer". 3. Entretanto, teve esta empresa conhecimento de que existem negociações em curso entre os vários credores da "Maconfer" no sentido de procederem a uma repartição dos imóveis daquela, e que nessa projectada repartição, a fracção T" seria afectada ao Banco Espírito Santo. 4. Ora, como acima se referiu e é do v/conhecimento, aquela fracção autónoma foi prometida a esta empresa, que desde há mais de dois anos a vem ocupando e utilizando de boa fé, com conhecimento público e dos diferentes órgãos da insolvência, pagando inclusive as despesas de electricidade e água. 5. Aliás, esta empresa inscreveu em seu nome a referida fracção na Conservatória do Registo Predial, tendo vindo a aguardar ser notificada para o cumprimento integral do contrato, ou seja, para a outorga da escritura de permuta, o que ainda não aconteceu. 6. Esta empresa não prescinde dos direitos que lhe assistem, pretendendo cumprir o contrato celebrado nos seus exactos termos, encontrando-se pronta a outorgar a respectiva escritura a todo e qualquer momento, bastando para tal ser notificada para esse efeito. 7. Assim, nesta mesma data foi enviada carta ao sr. Dr. NN, ilustre advogado do BES, no sentido de nos confirmar, no prazo 15 dias, se a referida fracção "T" será no âmbito do projectado acordo adjudicada ao BES e, em caso afirmativo, se esta entidade vai cumprir integralmente o contrato celebrado por esta empresa com a "Telhados da Cidade". 8. Esgotado o prazo concedido sem qualquer resposta satisfatória do BES, esta empresa não terá outra alternativa que não seja a de accionar de imediato os mecanismos judiciais adequados com vista à defesa dos seus interesses, o que não deixará também de afectar negativamente o projectado acordo para a repartição dos imóveis da insolvente "Maconfer". 9. Nesta mesma data enviamos cartas aos membros da comissão de credores, ao sr. Administrador da Insolvência e à firma Telhados da Cidade, Lda dando conta da posição desta empresa quanto ao assunto em apreço.” 23. Pelo despacho de 16.12.2011, proferido nos autos principais, foi então determinado que “não podem ser vendidos bens que sejam objecto do litígio com a credora Telhados da Cidade, até que seja proferida decisão judicial transitada no âmbito do apenso E”, entre os quais a mencionada fracção “T”. 24. Em 28 de Maio de 2013 foi proferido o seguinte despacho no processo principal, numa altura em que se colocou a hipótese, que não veio a ser concretizada, de poder ser votado/aprovado pelos credores um plano de insolvência/liquidação do património da insolvente: “Da análise do plano, verifica-se que à credora Telhados da Cidade são entregues diversas frações – sendo que relativamente a algumas delas existe notícia nos autos de contrato promessa e noutras não. Verifica-se ainda que existe a indicação de que 3 frações não são entregues à Telhados da Cidade, mas a outros credores, inviabilizando assim o incumprimento do contrato promessa por parte da credora Telhados da Cidade. Falo designadamente das frações T, U e V, que são, na proposta de plano adjudicadas ao BES (frações T e V) e à credora Saguibelas (fração U), frações estas que foram prometidas vender pela Telhados da Cidade a Quinta do Fontanário (fração T), GG (fração U) e OO (fração V). Existindo nos autos indicação de que esses promitentes-compradores vieram manifestar a sua vontade em adquirir os imóveis, nos termos dos respetivos contratos promessa, não parece lógico, nem justo que tais frações sejam atribuídas a credores diferentes da Telhados da Cidade, enquanto existem frações que são entregues à Telhados da Cidade e relativamente às quais não existe nos autos notícia de qualquer contrato promessa. Importa pois que tal questão seja esclarecida, nomeadamente passando as referidas frações a ser entregues, no âmbito do plano à credora Telhados da Cidade, por troca de outras, a fim de esta poder honrar os contratos promessa. A posição dos três referidos promitentes-compradores também poderá ser acautelada se for junta aos autos, ou constar do plano, uma cessão de posição contratual, nos termos legais, em que os credores que recebem os imóveis (frações T, U e V), assumem a obrigação decorrente do contrato promessa visado. Importa pois que seja, antes de mais, em cinco dias, esclarecidos os referidos pontos”. 25. O processo principal de insolvência prosseguiu para liquidação do ativo, não tendo sido sujeito a votação o plano de insolvência/liquidação acima referido. 26. A ora Autora, bem como todos os administradores de insolvência que perpassaram, nunca reconheceram a validade de qualquer dos referidos “contratos promessa de compra e venda”, mormente o da R. relativamente à fração “T” 27. E muito menos as respetivas ocupações, as quais foram sempre mantidas contra a vontade da Autora e dos Administradores da Insolvência. 28. Também nunca foram reconhecidos nos autos quaisquer créditos à R. e aos demais ocupantes “promitentes compradores”; 29. Nos autos de insolvência não foram reconhecidos quaisquer créditos à própria empresa promitente vendedora “Telhados da Cidade”. 30. Por decisão proferida em 03.03.2020 no apenso E, transitada em julgado, ficou decidido o seguinte: «Nestes autos de procedimento cautelar que “Telhados da Cidade, Construções Unipessoal, Lda.” (posteriormente declarada insolvente) instaurou contra a Massa Insolvente de “Maconfer, Materiais de Construção, Lda.”, tendo em consideração que as questões relacionadas com eventuais reconhecimentos do direito de retenção serão objeto de apreciação nas impugnações deduzidas em sede do apenso relativo à reclamação de créditos (esclarecendo-se ainda que no âmbito processo de insolvência o eventual reconhecimento do direito de retenção implica uma prioridade na realização dos pagamentos e não a permanência física nos prédios), determina-se a extinção desta instância cautelar, com fundamento em inutilidade superveniente da lide – art. 277º, al. e), do CPC.(…)» 31. Em 12.02.2020, a R. remeteu carta à AI AA, dando conta que já anterior administradora de insolvência PP havia pedido justificação pela ocupação da casa pela R. e manifestando o propósito de permanecer na mesma ao abrigo do “contrato promessa de compra e venda e permuta” celebrado com a empresa “Telhados da Cidade”, nos seguintes termos: “esta empresa nada mais pretende do que receber a casa, livre de ónus e encargos, e pagar o que tem a pagar (170.000,00 €), conforme o que ficou acordado, tanto nos fazendo pagarmos à “Telhados da Cidade” pagando esta depois a V.Ex.ª, ou em alternativa, pagarmos diretamente a V.Ex.ª.” . 32. Após o trânsito em julgado da referida decisão de 03.03.2020, proferida no apenso E, a Administradora de Insolvência incrementou as diligências para recuperação das frações ocupadas. 33. No seio da Comissão de Credores foram também estabelecidos critérios de venda para as frações ocupadas. 34. Na maior parte das situações de frações ocupadas no edifício em questão, a Administradora da Insolvência recebeu propostas de compra que foram ao encontro dos valores fixados pela Comissão de Credores, tendo sido por isso concretizadas no âmbito da liquidação. 35. Quanto à fração “T” foram realizadas várias deslocações à mesma e a diversas horas, a fim de verificar o seu estado e averiguar quem efetivamente a ocupava e a que título, mas nunca alguém ali foi encontrado. 36. Chegou a ser aposto um aviso na porta em 21.01.2021 com o propósito de proceder à mudança de fechadura. 37. Foi então remetida pela Administradora da Insolvência à R. uma carta registada datada de 01.03.2021 para entregar a fração no prazo de 60 dias, livre e desocupada de pessoas e bens, sem obter sucesso. 38. Em 29.03.2021 a Administradora da Insolvência colocou em venda, por leilão eletrónico aberto até 26.04.2021, 32 frações do identificado prédio ...-Estoril, entre as quais a aludida fração “T”. 39. Em 30.03.2021, a R. apresentou requerimento nos autos principais nos seguintes termos: “Quinta do Fontanário - Turismo Rural, Lda, Interveniente acidental melhor identificada nos autos de insolvência supra referidos, vem para conhecimento de V.Ex.ª e para os devidos efeitos legais, enviar cópia da carta que nesta mesma data enviámos a srª Drª AA, nomeada Administradora da Insolvência nos presentes autos. Como V.Ex.ª se dignará verificar pelo conteúdo da mesma, a srª Administradora da Insolvência prepara-se para colocar à venda mediante leilão eletrónico já previsto para o próximo mês de Abril as frações prometidas vender pela "Telhados da Cidade" às pessoas que atualmente as ocupam, "chutando" assim para os futuros adquirentes das mesmas e para os atuais promitentes compradores todo o imbróglio jurídico que tal solução necessariamente acarreta. Procedimento esse totalmente incompreensível na medida em que as pessoas que ocupam e habitam as frações há 12 anos e têm ali a sua vida organizada, tenham sido sequer ouvidas e se lhes tenha dado a oportunidade de elas próprias adquirirem as referidas frações em conformidade com os compromissos assumidos no âmbito dos referidos contratos promessa, sendo assim descartadas das suas casas como se fossem simples objetos. A situação é extremamente grave tanto mais que a solução prevista pela srª Administradora da Insolvência para resolver a questão em apreço vai contra a Decisão já proferida por esse douto Tribunal no sentido de que as posições das pessoas que contrataram de boa fé com a "Telhados da Cidade" devem ser devidamente acauteladas. Por todo o acima exposto, requer-se a intervenção de V.Ex.ª, Meritíssimo Juiz, no sentido de ordenar o cancelamento do projetado leilão.” 40. Em 01.04.2021, a R. apresentou nos autos principais um requerimento pedindo “que o leilão eletrónico em causa seja de imediato cancelado relativamente à fracção “T” por violação das formalidades legais e notória falta de transparência formal e material” 41. E em 05.04.2021 a R. apresenta novo requerimento insistindo pelo cancelamento do leilão relativamente à fração “T”. 42. Com data de 30.03.2021, a R. subscreve “Exposição” conjuntamente com outros ocupantes (designadamente QQ e mulher, RR, promitentes compradores da fração “Y”; SS e mulher, TT, promitentes compradores da fração “F”; UU, promitente comprador das frações “AK” e “AJ”; bem ainda GG, promitente compradora da fração “U” e mulher do BB, GG), remetida à Presidente da Comissão de Credores, com cópia à Administradora da Insolvência e aos restantes membros da Comissão de Credores, a qual foi junta aos autos em 05.04.2021 pelo subscritor QQ, onde invocando a qualidade de promitentes compradores e, nessa qualidade de “possuidores” das aludidas frações reclamam do facto das mesmas se encontrarem em venda, por leilão eletrónico. 43. Relativamente aos referidos requerimentos foi proferido o seguinte despacho, transitado em julgado: “Os factos alegados não constituem fundamento legal para ordenar o cancelamento da venda mencionada, uma vez que os atos de liquidação dos bens que integram a massa insolvente competem à administradora de insolvência (art. 156º e ss do CIRE), sem prejuízo das pessoas que possuam direitos validamente constituídos poderem fazer valer os mesmos nos termos legais, de acordo com os mecanismos previsto no próprio CIRE (não constituindo o requerimento apresentado um deles, por falta dos elementos previstos na lei, sendo necessária a constituição/nomeação de advogado para o efeito). Pelo que, indefere-se o requerido. (…)” 44. Em a 16.10.2022 a Administradora da Insolvência enviou mais uma carta à R. convidando-a a proceder voluntariamente à entrega da fração “T” em apreço. 45. No dia 25.01.2023, no Cartório Notarial do notário VV, sito em Lisboa, a R. celebrou uma escritura denominada de “JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL”, perante o qual compareceram, como primeiro outorgante, BB, na qualidade de procurador e em representação da R. e, como segundos outorgantes, a) WW, NIF ..., solteiro, maior, natural de ..., Lisboa, nascido em ..., Advogado, com domicílio profissional na Rua 4, Lisboa; b) FF, NIF ..., natural de ..., Lisboa, divorciado, nascido no dia ..., comercial, residente na Rua 5, Massamá, Sintra; c) XX, NIF ..., natural do ..., auxiliar de geriátrica, nasceu no dia ..., residente na Travessa 6, Lisboa. 46. Declarou o procurador da R., BB, na referida escritura e na invocada qualidade: “Que a sociedade sua representa é dona e legitima possuidora da fracção autónoma designada pela letra “T”, correspondente ao piso um direito, do bloco C, T2, destinada a habitação, com acesso pela Rua 1, com arrecadação 15 no piso menos um e dois lugares de estacionamento com os n.°s 86 e 87 no piso menos dois, do prédio urbano localizado na Localização 2 e Rua 1, freguesia de Estoril, concelho de Cascais, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.° ..., da freguesia do Estoril, afecto ao regime da propriedade horizontal, conforme inscrição, relativa à apresentação número ..., de vinte de Julho de dois mil e nove, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Cascais e Estoril, sob o artigo ..., com o valor patrimonial 224.070,64€ à qual atribui o valor de cento e oitenta mil euros. Que o referido imóvel se encontra registado a favor de “Maconfer - Materiais de Construção Civil, Lda. ” conforme inscrição relativa à apresentação número ..., de vinte e quatro de Maio de mil, novecentos e noventa e nove. Que sobre o referido imóvel incidem: a) Duas hipotecas registadas conforme inscrições, relativas às apresentações, respetivamente números, ..., de vinte e quatro de Maio de mil, novecentos e noventa e nove e ..., de vinte e dois de Junho de dois mil e quatro. b) Duas penhoras, registadas conforme inscrições relativas às apresentações, respetivamente, números, ..., de dois de Abril de dois mil e oito e ..., de cinco de Julho de dois mil e treze. c) Um arresto, conforme inscrição relativa à apresentação número ..., de vinte e oito de Setembro de dois mil e nove. d) Uma Declaração de Insolvência, registada conforme inscrição relativa à apresentação número, ..., de vinte e sete de Setembro de dois mil e dez. Que a sociedade Telhados da Cidade - Construções, Unipessoal, Lda. em oito de Maio de dois mil e sete prometeu comprar à sociedade “Maconfer - Materiais de Construção Civil, Lda. e esta prometeu vender àquela a referida fração autónoma; Que a mencionada sociedade Telhados da Cidade - Construções Unipessoal, Lda. desde aquela data de oito de Maio de dois mil e sete entrou na posse da referida fração e das chaves de acesso ao prédio e às diferentes frações que o compõem; Que, desde esse dia oito de Maio de dois mil e sete, a sociedade “Telhados da Cidade, Construções, Unipessoal, Lda.” instalou e manteve no prédio em causa (D. Maria Residence), com autorização da proprietária registada (Maconfer), um gabinete de promoção e apoio às vendas dos fracções que compõem os diferentes blocos habitacionais (Blocos A, B, C, D e E), aí recebendo a clientela, publicitando e mostrando as fracções e ajustando com os interessados as condições contratuais; Que posteriormente por contrato de promessa de compra e venda com permuta, celebrado no dia vinte e dois de Julho de dois mil e nove, a sociedade “Quinta do Fontanário – Turismo Rural, Lda”, no âmbito do seu escopo social, prometeu comprar à sociedade “Telhados da Cidade -Construções, Unipessoal, Lda” e esta prometeu vender- lhe, pelo preço de cento e oitenta mil euros, a supra identificada fração, livre de ónus e encargos e desembaraçada de quaisquer responsabilidades perante terceiros; Que, na sequência do contrato promessa com permuta de vinte e dois de Julho de dois mil e nove, a sociedade Quinta do Fontanário - Turismo Rural, Lda, registou provisoriamente a seu favor a mencionada fração autónoma, conforme apresentação ..., de nove de Junho de dois mil e dez; Que as chaves da porta de entrada do prédio, bem como as chaves da porta de entrada da fração, as chaves da caixa do correio postal e ainda o comando eletrónico com os respetivos códigos de acesso aos estacionamentos foram entregues à sociedade Quinta do Fontanário – Turismo Rural, Lda pelo representante da sociedade Telhados da Cidade, Construções, Unipessoal, Lda; Que, a sociedade Quinta do Fontanário - Turismo Rural, Lda, notificou atempadamente os administradores da insolvência da sociedade “Maconfer”, o Presidente da Comissão de Credores, Dr. MM, os restantes membros da Comissão de Credores, o credor hipotecário e o próprio Tribunal do Comércio de Sintra, do contrato promessa de compra e venda com permuta celebrado com a insolvente, de que é legítima possuidora desde aquele dia vinte dois de Julho de dois mil e nove, e bem assim de todos os atos materiais que sobre a mesma tem praticado; Que nenhuma das Entidades supra identificadas ou qualquer credor se opuseram à posse legítima que a sociedade Quinta do Fontanário - Turismo Rural, Lda vem exercendo sobre a identificada fração autónoma desde o dia vinte e dois de Julho de dois mil e nove e aos atos materiais que sobre a mesma têm sido praticados; Que por Despacho proferido em vinte e oito de Maio de dois mil e treze, referente ao processo n.° 775/10.9T2SSNT, o Juízo do Comércio de Sintra decidiu que, no âmbito do projetado Plano de Insolvência apresentado no Tribunal por vários credores, a fração autónoma “T” deveria ser entregue à sociedade Telhados da Cidade, Construções, Unipessoal, Lda., de forma a que aquela pudesse honrar o contrato promessa celebrado com a sociedade Quinta do Fontanário -Turismo Rural, Lda, ficando assim salvaguardada a posição desta última entidade; Que, na sequência do mencionado contrato promessa de vinte e dois de Julho de dois mil e nove, a sociedade Quinta do Fontanário - Turismo Rural, Lda passou a tratar a fracção em causa como sua e usufruindo de todas as potencialidades da mesma, tendo celebrado com as entidades fornecedoras os respetivos contratos de abastecimento de água e de energia elétrica, cujas despesas vem pagando; Que, devido às más condições físicas da fração em causa, houve necessidade de proceder a melhorias na mesma, designadamente ao nível do pavimento, pintura, canalização e cozinha, cujas despesas pagou, bem como despesas das partes comuns do prédio, designadamente, jardim, elevador e eletricidade; Que desde o mencionado dia vinte e dois de Julho de dois mil e nove a sociedade “Quinta do Fontanário - Turismo Rural, Lda.” entrou na posse da identificada fração e a tem vindo a exercer de uma forma pública, pacifica, continua e de boa fé. Que à posse da sociedade “Quinta do Fontanário - Turismo Rural, Lda, iniciada em vinte dois de Julho de dois mil e nove, se soma a posse da referida sociedade Telhados da Cidade -Construções, Unipessoal, Lda iniciada em oito de Maio de dois mil e sete. Assim, desde a referida data de oito de Maio de dois mil e sete, a sociedade representada pelo primeiro outorgante Quinta do Fontanário - Turismo Rural, Lda entrou na posse da identificada fração, tendo adquirido e mantido a sua posse sem a menor oposição de quem quer que fosse, designadamente da proprietária registada, dos administradores e credores da insolvência e dos membros da Comissão de Credores, com o conhecimento de todos, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, pagando todos as despesas referentes ao seu direito, sendo por isso uma posse, pública, pacífica, contínua e de boa fé, que dura há mais de quinze anos, pelo que adquiriu a identificada fracção por usucapião, não tendo, todavia, dado o modo de aquisição, documento algum que lhe permita fazer prova do seu direito de propriedade. Que, desta forma, justifica a aquisição da aludida fracção por usucapião.” 47. Os segundos outorgantes declararam confirmar inteiramente as supra transcritas declarações da primeira outorgante, ora R., na aludida escritura. 48. Tanto o procurador da R. como os referidos segundos outorgantes foram advertidos pelo senhor notário, depois de lhes ser lida a escritura e aos mesmos explicado o seu conteúdo, que “incorrem nas penas aplicáveis ao crime de falsas declarações perante oficial público, se, dolosamente e em prejuízo de outrem tiverem prestado ou confirmado declarações falsas.” 49. Na mesma escritura, ficou a constar ter sido arquivado o denominado “Auto de declarações a solicitar a notificação dos titulares inscritos e respectivo despacho de deferimento do pedido formulado”. 50. No mencionado “auto de declarações”, de 11.11.2022, consta ter o BB requerido ao mencionado senhor notário o seguinte: “que notifique os titulares inscritos no registo predial da fracção autónoma designada pela letra “T”, correspondente ao piso um direito, do bloco C, T2, destinada a habitação, com acesso pela Rua 1, com arrecadação 15 no piso menos um e dois lugares de estacionamento com os n.°s 86 e 87 no piso menos dois, do prédio urbano localizado naLocalização 2 e Rua 1, freguesia de Estoril, concelho de Cascais, descrito na 2.a Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número ..., da freguesia do Estoril. Que a sociedade Telhados da Cidade - Construções, Unipessoal, Lda em oito de Maio de dois mil e sete prometeu comprar a referida fracção à sociedade Maconfer - Materiais de Construção Civil, Lda. Que a mencionada sociedade Telhados da Cidade Construções, Unipessoal, Lda ficou com a posse da referida fracção desde aquela data de oito de Maio de dois mil e sete. Que posteriormente por contrato de promessa de compra e venda com permuta, celebrado no dia vinte e dois de Julho de dois mil e nove a sociedade Telhados da Cidade -Construções, Unipessoal, Lda, prometeu dar ou vender pelo preço de cento e oitenta mil euros à sociedade “Quinta do Fontanário - Turismo Rural, Lda.”, a supra identificada fracção. Que desde o mencionado dia vinte e dois de Julho de dois mil e nove a sociedade “Quinta do Fontanário - Turismo Rural, Lda.”, entrou na posse da identificada fracção e a tem vindo a exercer de uma forma pública, pacifica, continua e de boa fé. Que à posse da sociedade “Quinta do Fontanário - Turismo Rural, Lda se soma a posse da referida sociedade Telhados da Cidade - Construções, Unipessoal, Lda iniciada em oito de Maio de dois mil e sete. Que a mencionada notificação se destina a que seja lavrada a respectiva escritura de justificação notarial a favor da possuidora a sociedade “Quinta do Fontanário - Turismo Rural, Lda.”.” 51. No mesmo auto foi proferido despacho do mesmo notário, com o seguinte teor: “Estando verificada a regularidade do conteúdo das suas declarações respectiva prova documental, defiro o pedido formulado. Ordeno a notificação edital do titular inscrito.” 52. Em cumprimento de tal ordem de notificação, foi expedida em 16.11.2022 uma carta sob registo RH739312555PT, para “Maconfer – Materiais de Construção Civil, Lda, Rua 7, Nova Oeiras, 2780-145 Oeiras”. 53. A “Maconfer, Lda.” e a “Telhados da Cidade, Lda.” celebrarem 8 de Maio de 2007 um denominado contrato promessa de compra e venda nos termos do qual a “Maconfer” prometeu vender à “Telhados da Cidade”, e esta prometeu comprar, 34 frações do empreendimento onde veio a ser constituída a fração “T”, e cuja identificação consta do anexo ao referido contrato promessa. 54. Obtida a escritura de justificação notarial supra referida, a R. utilizou-a para proceder ao registo da aquisição do direito de propriedade sobre a fração “T” a seu favor, por usucapião, por via da Ap. ..., de 02.03.2023. 55. A “Telhados da Cidade, Lda.” realizou diversos trabalhos de construção civil/acabamentos e procedeu à instalação de equipamentos nas frações prometidas vender, podendo também proceder à promoção da venda das frações. 56. A “Telhados da Cidade” instalou uma mesa e cadeira no hall de um edifício do empreendimento visando a publicidade e a promoção de vendas daquele empreendimento. 57. A R. ocupou, mobilou, decorou, equipou e passou a utilizar a fração. 58. Em 2011 a R. contratou com as respetivas entidades o fornecimento de água e eletricidade. 59. Em fevereiro de 2020, a R. procedeu a trabalhos de alvenaria, pintura e eletricidade, no valor de € 1.905,00. 60. Em julho de 2020 a R. procedeu a trabalhos de retificação de pavimento danificado, reparação de canalização de cozinha, substituição de torneiras de cozinha, tampões de esgoto, reparação de fissuras e pintura de paredes, no valor global de € 3.996,22. 61. A R. procedeu em abril 2023 à instalação na fração de fechaduras, sistema de iluminação led, resguardos de vidro para 2 banheiras, máquina de lavar roupa, louça e secar, reparação de base de duche e estores, no valor global de € 2.257,77. 62. Em abril de 2023 a R. procedeu à substituição de fechaduras no valor total de € 2.263,02. 63. Em abril de 2023 a R. adquiriu máquinas de lavar, secar, forno, placa e micro-ondas, no valor total de € 1.675,90. 64. Em abril de 2023 a R. pagou a quantia de € 344,00 pela limpeza da fração. 65. Em 2022 a R. procedeu ao pagamento de despesas/comparticipações de condomínio no valor de € 287,85, € 20, € 97,71, € 48,67 e € 575,70, cobradas desde outubro de 2021. 66. A A. pagou até ao ano de 2002 os impostos liquidados sobre os imóveis apreendidos – mormente, no que interessa à presente ação, sobre a fração “T”, já identificada -, tais como o imposto municipal sobre imóveis (IMI). 67. Nunca o mesmo BB ou a sociedade R. reclamaram quaisquer créditos, nem interpuseram qualquer ação de verificação ulterior de créditos ou de outros direitos, ou de separação e restituição de bens no processo de insolvência da “Maconfer, Lda.”
E considerou não provados os seguintes factos: a) O AI e a comissão de credores, não obstante serem conhecedores da situação concreta da fração “T”, designadamente da posse que a Ré, desde 2009, vinha e vem exercendo, ocupando e utilizando a referida fração de boa fé, de forma pública e pacífica, nada fizeram a esse respeito seja no sentido de acederem aos apelos da Ré ou sequer para manifestarem qualquer tipo de oposição à posse exercida por esta naquela fração. b) Ao longo desses 14 (catorze) anos, quer a proprietária inscrita quer, a partir de Fevereiro de 2010, a aqui Autora, conhecendo e reconhecendo a posse da fração pela Ré, nada fizeram, em termos objetivos, no sentido de se oporem àquela circunstância, evitando o decurso do prazo de prescrição conducente à usucapião. c) Tendo em vista a realização dos trabalhos de acabamento das frações bem como a respetiva promoção e venda, a “Maconfer” investiu a “Telhados da Cidade” na posse dos apartamentos, entregando-lhe voluntariamente todas as chaves de acesso (seja aos apartamentos, seja às garagens, seja ainda aos edifícios que compõem o empreendimento habitacional D. Maria Residence). d) Como é evidente, dada a amplitude das obrigações assumidas pela “Telhados da Cidade” naquele empreendimento, detinha esta empresa um absoluto controlo e domínio sobre todos os apartamentos que o compunham. e) Só desta forma, ou seja, que a “Telhados da Cidade” detinha com a autorização e a concordância da “Maconfer” o controlo e um poder quase absolutos sobre o empreendimento “D. Maria Residence”, permitindo-se praticar atos como se proprietária fosse das frações, é que se concebe que aquela empresa, não sendo a proprietária registada dos imóveis, tenha celebrado contratos promessa de compra e venda com mais de uma dezena de entidades para várias frações apresentando-se nesses contratos como dona, legítima possuidora e legítima proprietária. f) Na sequência desses contratos promessa de compra e venda todos aqueles promitentes compradores passaram a habitar os apartamentos com autorização da promitente vendedora “Telhados da Cidade” e naturalmente da “Maconfer”. g) No ato de assinatura do referido contrato a “Quinta do Fontanário” foi investida na posse da mencionada fração designada pela letra “T”, verificando-se a tradição da mesma a favor da “Quinta do Fontanário” com a entrega voluntária a esta por parte da “Telhados da Cidade” das chaves de acesso à fração e ao Bloco C e do comando eletrónico de acesso ao estacionamento do empreendimento habitacional. h) A referida sociedade “Telhados da Cidade”, desde daquela data de 8 de maio de 2007 entrou na posse da referida fração e das chaves de acesso ao prédio e às diferentes frações que o compõem. i) As chaves da porta de entrada do prédio, bem como as chaves da porta de entrada na fração “T”, as chaves da caixa do correio postal e ainda o comando eletrónico com os respetivos códigos de acesso ao estacionamento foram entregues à Reconvinte pelo representante da sociedade Telhados da Cidade. j) Nenhumas das entidades supra identificadas ou qualquer credor se opuseram à posse legítima que a Reconvinte vem exercendo sobre a identificada fração autónoma desde do dia 22 de julho de 2009 e aos atos materiais que sobre a mesma por aquela têm sido praticados. l) A Reconvinte, desde o dia 22 de julho de 2009, entrou na posse da identificada fração e a tem vindo a exercer de uma forma pública, pacífica, continua e de boa fé. m) Desde da referida data de 8 de maio de 2007 a Reconvinte entrou na posse da identificada fração “T” , tendo adquirido e mantido a sua posse sem a menor oposição de quem quer que fosse, designadamente da proprietária registada ou da Reconvinda, dos administradores da insolvência, dos credores da insolvência e dos membros da Comissão de Credores, com o conhecimento de todos, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, pagando todas as despesas referentes ao seu direito, sendo por isso uma posse pública, pacifica, continua e de boa fé, que dura, desde 8 de Maio de 2007 até à data de apresentação da presente Contestação com Reconvenção, 29 de Dezembro de 2023. n) As frações prometidas vender pela “Maconfer” foram entregues à “Telhados da Cidade”. o) Após a celebração do contrato promessa com a “Telhados da Cidade” a Quinta do Fontanário registou o referido contrato na Conservatória do Registo Predial, tornando assim público o referido negócio. p) A R. procedeu ao pagamento à “Telhados da Cidade” dos valores ou objetos constantes do acordo denominado contrato promessa de compra e venda com permuta, que deveriam equivaler ao valor acordado total de € 180.000,00 atribuído â fração “T”. q) A R. utilizou a fração desde 2009 como se fosse sua, retirando da mesma as utilidades que aquela podia proporcionar, de forma pública, contínua, pacífica e de boa fé, na convicção plena da legalidade do negócio e dos procedimentos da “Telhados da Cidade.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. DA PUTATIVA NULIDADE DA SENTENÇA
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, do CPC que a sentença é nula quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Como decorre desta norma, as causas de nulidade aqui previstas reportam-se à violação de regras de estrutura, conteúdo e limites do poder-dever de pronúncia do julgador, consubstanciando as mesmas vícios formais da sentença ou vícios referentes à extensão/limites do poder jurisdicional (não contendendo, pois, com o mérito da decisão)4.
No caso, a recorrente invocou a nulidade da sentença com fundamento nas als. c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
O Mmo. Juiz a quo refutou que a sentença padecesse de tal vício. Da nulidade decorrente da al. c) – a qual se reporta às situações nas quais “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Alega a recorrente que na sentença recorrida foram valorados elementos/documentos dos quais a mesma não tinha conhecimento (por não constarem dos autos), nessa medida não lhe tendo sido possível exercer o respectivo contraditório.
Igualmente alega que, não obstante tenha sido condenada no pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, de 500€ por cada dia de atraso na entrega do imóvel aqui em causa, em momento algum a sentença condena nessa entrega, bem como fixa a data a partir da qual a mesma deverá ocorrer. Mais acrescenta que a entrega nem sequer foi peticionada pela autora.
Vejamos se lhe assiste razão.
A invocada nulidade verifica-se quando existe contradição entre os fundamentos e a decisão, ou seja, quando a fundamentação aponta num sentido que contraria o resultado final (violação do chamado silogismo judiciário, segundo o qual as premissas devem condizer com a conclusão).
Como defende Amâncio Ferreira5, “a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.”
Também segundo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre6, entre “os fundamentos e a decisão não pode haver uma contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.”
Ao nível da jurisprudência tem-se entendido que esta nulidade está conexionada com dois aspectos: com a obrigação de o juiz fundamentar os despachos e as sentenças que profere (cfr. artigos 154.º e 607.º, nºs. 3 e 4 do CPC e, ainda, artigo 205.º da CRP) e com facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico (a que já aludimos supra), em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor).
Porém, já não ocorrerá nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou na sua interpretação.
Como se escreveu no acórdão desta Relação de 09/05/20247, referindo ao error in judicando, trata-se de “um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada.”
Reportando ao caso:
Insurge-se a apelante contra o facto de o tribunal, para fundamentar a sentença, se ter socorrido, entre outros, dos seguintes elementos: “- Emails trocados // - Sentença de verificação e graduação de créditos; // - Decisão proferida no apenso H; // - Requerimento de embargos de terceiro deduzidos e decisão de indeferimento liminar; // - Despachos de 16.12.2011, 23.01.2020 // - Petição e decisão proferida no apenso XC (29.09.3022) // - Sentença de 23.06.2022 (proc. 1363/19.0T8LSB) // - Petição e decisão no apenso C // - Escritura de justificação notarial de 19.10.2022 // - Carta remetida pelo notário para a Maconfer, Lda expedida em 26.07.2022”.
Argumenta ter sido impossibilitada de, quanto aos mesmos, exercer o contraditório, tal como exige o artigo 3.º do CPC.
Discordando, contrapõe a recorrida que estão em causa documentos que se mostram efectivamente juntos aos autos ou dos quais a recorrente (por si ou através da sua gerente) tem pleno conhecimento (alguns dos quais são, inclusive, da sua autoria ou à mesma foram notificados), apenas com uma ressalva: “A Escritura de justificação notarial de 19.10.2022 e Carta remetida pelo notário para a Maconfer, Lda expedida em 26.07.2022, resultam de um aparente lapso, pois pretenderia referir-se a à escritura de justificação notarial de 25.01.2023 (DOC. 24), bem como ao que se alega no artigo 61 da p.i., onde se refere ter sido expedida em 16.11.2022 uma carta sob registo RH739312555PT, para Maconfer – Materiais de Construção Civil, Lda, Rua 7, Nova Oeiras, 2780-145 Oeiras. (DOC. 26)”.
Acrescenta que a recorrente também não alega qual a influência que dessa putativa nulidade resulta para o decidido, precisamente por ser inexistente.
Ora, efectivamente assim é.
A menção à Escritura de justificação notarial de 19.10.2022 e à Carta remetida pelo notário para a Maconfer, Lda expedida em 26.07.2022, como bem refere a recorrida, corresponde a um evidente lapso, ao qual não será certamente alheio o facto de tais documentos serem referentes ao apenso XP, no qual está em causa questão idêntica à deste Apenso, embora com referência à fracção “U”, aí sendo ré GG, ou seja a gerente da aqui ré (Docs. 32 e 34 juntos com a PI aí apresentada). No presente caso, foi obviamente valorada a escritura de justificação notarial de 25/01/2023 (Doc. 24 da PI) e a carta expedida em 16/11/2022 (Doc. 26 da PI e Doc. 32 da Contestação), como decorre da leitura da sentença. Quanto à referência à Sentença de 23.06.2022 (proc. 1363/19.0T8LSB), a mesma foi junta com a PI (Doc. 29) nesse mesmo Apenso XP (reportando-se a uma acção intentada pela gerente da ré, GG, contra a aqui autora e, ainda, a massa insolvente da Telhados da Cidade).
Quanto ao demais, não se poderá deixar de referir que sempre o tribunal se poderá socorrer, não apenas dos factos que sejam do seu conhecimento por força do exercício das suas funções (artigo 412.º, n.º 2 do CPC), mas também de toda a documentação que conste do processo na sua íntegra.8
Independentemente de assim ser, esclarece-se que os invocados despachos (16.12.2011 e de 23.01.2020) constam do processo principal e os embargos de terceiro do Apenso G. Tanto estes embargos, como a acção a que se reporta o apenso XC foram intentados pela mesma GG.
Consequentemente, nenhuma nulidade decorre do exposto, em momento algum tendo sido preterido qualquer contraditório que se impusesse observar.
Já quanto à condenação a título de sanção pecuniária compulsória, também não ocorre qualquer nulidade, seja porque a entrega do imóvel é uma consequência lógica do decidido na acção e que não carece de ser peticionada (tanto mais em face do imposto pelos artigos 46.º, n.º 1, parte final, 149.º e 150.º, todos do CIRE), seja porque, na falta de fixação de qualquer prazo para a mesma, sempre o mesmo se terá de ter como coincidindo com o trânsito em julgado da sentença.
Saber se se impunha a sua condenação é já questão diferente, a apreciar em sede de putativo erro de julgamento, mas que nenhuma nulidade da sentença acarreta.
Consequentemente, não se vislumbra o cometimento da invocada nulidade no caso da sentença recorrida, a qual não padece de qualquer contradição, nem tão pouco poderá ser apelidada, como defende a apelante, de ambígua e ininteligível9 (não se estando perante uma impossibilidade de cumprimento da mesma, como também se refere).
A recorrente percebeu perfeitamente o segmento decisório, tanto que o impugna, apenas discordando da fundamentação adiantada, discordância essa que, quanto muito, consubstancia imputação de erro de julgamento, mas já não contende ou interfere com um qualquer vício formal de estrutura na fundamentação da sentença.10 Se o entendimento da 1.ª instância foi ou não o mais acertado será já outra questão, mas que não se confunde com o vício apontado, sendo que não se inclui na previsão do artigo 615.º do CPC o chamado erro de julgamento.
Conclui-se, pois, no sentido de não padecer a sentença recorrida da invocada nulidade, improcedendo, assim, nesta parte, a pretensão recursória. Da nulidade decorrente da al. d) – quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Alega a recorrente que, na sentença, a 1.ª instância não se pronunciou quanto à matéria alegada nos arts. 146.º e 147.º da contestação.
Tais artigos prendem-se com a alegação de ter sido a fracção adquirida por usucapião, já que a recorrente estará na posse da mesma há mais de 16 anos – acessão de posses (à sua posse, diz, soma-se a da Telhados da Cidade).
A referida al. d) reporta-se às situações nas quais o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, isto é, casos nos quais ocorre uma omissão ou um excesso de pronúncia.
Trata-se de uma nulidade que se mostra interligada com a previsão do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Como escreveu João Castro Mendes11, o vício que a apelante imputa à sentença, de omissão de pronúncia, corresponde a vício de limite, por não conter o que devia conter por referência à instância e ao caso delineado na acção.
Cfr., ainda, o acórdão do STJ de 03/10/201712, no qual se consignou: "(…) II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. (…)”.
Ora, a 1.ª instância pronunciou-se quanto a todas as questões que se encontravam em discussão, questões essas que sempre serão balizadas pelo pedido formulado e respectiva causa de pedir, bem como pelas excepções que possam levar à improcedência da pretensão.
É que não se poderão confundir as questões a decidir com os argumentos/razões que cada uma das partes invoque em reforço das respectivas posições na lide.
Como já Alberto dos Reis13 escrevia, são “coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão".
Independentemente de assim ser, a verdade é que a sentença não deixou de referir a matéria que a recorrente agora refere, levando-a à al. m) da factualidade não provada. E, independentemente do hiato temporal que pudesse estar em causa, tendo a 1.ª instância considerado inexistir posse nos moldes alegados pela recorrente, tal entendimento desde logo acarreta que ficasse prejudicada a apreciação de quaisquer outros aspectos à mesma atinentes.
Conclui-se, assim, no sentido de não padecer a sentença recorrida do vício que lhe é imputado, improcedendo, uma vez mais, a pretensão da recorrente.
Ainda em matéria de nulidade da sentença importa referir o seguinte:
Nas conclusões apresentadas após o despacho convite da relatora, veio a apelante suscitar a nulidade da sentença com fundamento na já referida al. d) do artigo 615.º, desta feita por excesso de pronúncia - Conclusão XVII.
Sucede que, nas primitivas conclusões, não o havia feito.
Ora, o convite que lhe foi dirigido nos termos previstos pelo artigo 639.º do CPC apenas teve em vista a sintetização das conclusões, razão pela qual não poderá a recorrente pretender agora imputar à sentença uma nulidade que anteriormente não havia suscitado. Aliás, só se compreende que o tenha feito na sequência do despacho que por esta instância foi proferido no passado dia 29/07.
Seja como for, e sem voltarmos a repetir o que já anteriormente defendemos nesse despacho, dir-se-á que os documentos que foram entregues já após o encerramento da audiência de discussão e julgamento, não constituíram (nem poderiam constituir) meio de prova – assim o referiu expressamente o Mmo. Juiz a quo no seu despacho de 28/02/2025 e, da sentença, nada resulta em sentido contrário (seja da motivação da decisão de facto, seja da fundamentação de direito).
Igualmente veio agora a recorrente alegar, como fundamento de nulidade integrante da al. b) do artigo 615.º, a omissão de pronúncia quanto à matéria atinente à invocada excepção de abuso de direito – Conclusão XXXVII.
Para além de, uma vez mais, só agora tal ter sido alegado, o certo é que nunca se estará perante tal vício já que o tribunal recorrido se pronunciou efectivamente quanto a tal matéria (independentemente de o modo pelo qual possa ter justificado o seu entendimento ser mais ou menos completo).
Improcedem, assim, as suscitadas nulidades. 2. DA IMPUGNAÇÃO/REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Considerando que a apelante deu cumprimento às exigências previstas pelo artigo 640.º, n.º 1, do CPC, nada obsta à apreciação da requerida impugnação da matéria de facto.14
Refira-se, contudo, que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova (artigo 607.º, n.º 5 do CPC15), pelo que o tribunal sustentará a sua decisão (relativamente às provas produzidas), na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (força probatória plena dos documentos autênticos – artigo 371.º do CC) é que não domina na apreciação das provas produzidas o citado princípio.
Mais se dirá que resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC ser admissível que, através do recurso, seja alterada a decisão da matéria de facto, considerando-se provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, ou procedendo inversamente (o que poderá suceder a partir da reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa).
O objectivo visado com a impugnação de facto é unicamente permitir que, em face da alteração da mesma, a decisão proferida quanto ao mérito possa igualmente ser influenciada, ou seja, que, uma vez procedente a impugnação, o desfecho da lide seja distinto daquele que foi decretado (e que se mostra prejudicial ao recorrente).
Já assim não deverá ocorrer quando os factos impugnados se assumam como irrelevantes para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis de direito.
Consequentemente, se da putativa alteração não resultar qualquer efeito juridicamente útil ou relevante (ou seja, mesmo que se modifique a factualidade, a mesma permaneça juridicamente inócua ou insuficiente para alterar o decidido), não deverá a Relação alterar a matéria de facto, sob pena de praticar um acto inútil, o que se mostra vedado pelo artigo 130.º do CPC.16
Cumpre analisar autonomamente cada um dos pontos invocados no presente recurso quanto à fundamentação de facto da sentença recorrida. Da impugnação da matéria de facto provada:
Pretende-se que o facto 16 seja dado como não provado.
Do mesmo consta: “O Administrador de insolvência respondeu por carta data de 18 de maio de 2010, recusando a pretensão formulada pela R. por ter sido formulada fora do prazo e advertindo a mesma para a possibilidade de recorrer ao disposto no art. 146º, do CIRE”.
Entende a recorrente que o teor deste facto não traduz o que consta da carta de 18/05/2010, sendo que a expressão “recusando a pretensão formulada pela R” não tem suporte documental.
A recorrida defende que o segmento em causa é o sentido da expressão “serve a presente para devolver a V/ carta”, pelo que a impugnação deste facto deve improceder.
Também nós assim o entendemos.
Admite-se, contudo, que o segmento em causa não deixa de traduzir um juízo valorativo do juiz que poderá ser extraído em sede de direito mas que não poderá integrar a matéria de facto.
Assim, embora o facto não tenha de ser considerado como não provado, deverá ser reformulado em conformidade com a prova produzida (designadamente o Doc. 4 junto à contestação).
Como tal, o mesmo passará a ter a seguinte redacção: “O Administrador de insolvência respondeu por carta data de 18 de maio de 2010, na qual se pode ler: «Serve a presente para devolver a V/ Carta datada de 03 de Maio de 2010, uma vez que a mesma foi entregue fora de prazo, esclarecendo que se assim o entender, ainda poderá recorrer ao disposto do artigo 146.º CIRE”.
Pretende-se que o facto 26 seja dado como não provado.
Do mesmo consta: “A ora Autora, bem como todos os administradores de insolvência que perpassaram, nunca reconheceram a validade de qualquer dos referidos “contratos promessa de compra e venda”, mormente o da R. relativamente à fração “T”.”
Defende a recorrente que o constante deste ponto não foi alegado por nenhuma das partes, pese embora não deixe de reconhecer que, no artigo 26.º da PI, foi referido que os AI´s nunca reconheceram os contratos promessa, incluindo o da ré. Ou seja, o que extravasa o alegado na p.i. são os segmentos “validade” (ao que a recorrida contrapõe tratar-se de uma discordância inócua, logo, inútil, já que sempre será evidente o não reconhecimento dos contratos promessa) e “relativamente à fração “T””.
Desde já se dirá que atendendo que a menção à validade de um qualquer contrato encerra um juízo de direito, deverá a mesma ser eliminada.
Já quanto à referência à fracção “T”, sendo efectivamente desta última que aqui se trata, não se vislumbra qualquer fundamento para a sua eliminação, tanto mais que daí nenhuma consequência resulta para a lide.
Porém, a recorrente defende que sempre os AI´s tiveram conhecimento dos contratos promessa que foram firmados com a sociedade Telhados da Cidade, inclusive o que o foi por aquela (quanto à fracção “T”), nada tendo feito para se oporem à ocupação das fracções.
Por assim ser, conclui dever tal facto ser dado como não provado.
Atendendo, contudo, que nada alega, nomeadamente em sede de prova produzida, no sentido de ser infirmado o que deste ponto consta - ou seja, que os AI´s tenham efectivamente reconhecido tais contratos promessa (o que não se confunde com o facto de os AI´s deles terem conhecimento, nem com as consequências jurídicas que desses contratos possam resultar) -, impõe-se manter o facto 26, apenas com a supra referida eliminação.
Assim, a redacção deste facto passará a ser: “A ora Autora, bem como todos os administradores de insolvência que perpassaram, nunca reconheceram qualquer dos referidos “contratos promessa de compra e venda”, mormente o da R. relativamente à fração “T”.”
Pretende-se que o facto 27 seja dado como não provado.
Do mesmo consta: “E muito menos as respetivas ocupações, as quais foram sempre mantidas contra a vontade da Autora e dos Administradores da Insolvência”
Defende a recorrente não ter sido produzida qualquer prova que suporte este ponto da matéria de facto, mais acrescentando que, inclusive, resulta da promoção do leilão levado a efeito por “A Leiloeira Forense, Lda.”, em 2021, que as fracções colocadas à venda estavam ocupadas.17
Sucede que, como bem realça a recorrida nas suas contra-alegações, a recorrente “confunde o conhecimento das ocupações com o seu reconhecimento, concordância e/ou permissão”.
Ao contrário do defendido pela recorrente, o constante dos factos 33 e 34 em nada belisca o vertido neste facto 27, já que a existência de fracções ocupadas não é sinónimo de que tais ocupações tenham merecido a concordância da autora e respectivos AI´s. E igual conclusão se terá de extrair quanto ao constante dos factos 11 e 12 (os quais se reportam ao acordo efectuado entre a recorrente e a Telhados da Cidade, ao qual a autora e os AI´s foram totalmente alheios) ou dos factos 57 a 65 (uma vez mais, uma coisa é a ocupação, outra coisa será já a concordância quanto à mesma).
Também a prova testemunhal não permite corroborar o defendido pela recorrente.
Como referiu expressamente a testemunha DD (colaborador da AI AA), a ocupação da fracção aqui em causa (por ser essa que aqui se discute) era contrária à vontade da massa insolvente e à da comissão de credores, mais tendo o mesmo acrescentado que, nas diversas deslocações que fez junto da fracção, afixou “papéis à porta” nos quais se questionava o porquê da ocupação (a que título), bem como se informava que se iria recorrer à força pública.
Também a testemunha EE (então funcionário da sociedade insolvente e que, como referiu, era a pessoa que fazia a ponte entre a mesma e a obra, tendo nessa qualidade de trabalhador, vindo a integrar a comissão de credores e a prestar colaboração à massa insolvente), quando questionado acerca de a ocupação ser ou não contrária à vontade dos AI´s, respondeu, “se existia lá alguém não sei”, “eles – os AI´s - queriam era vender as fracções” (tendo também referido que, tanto no período em que foi AI CC, como no período em que o foi AA, afixou em todas as fracções avisos de que as mesmas iriam ser vendidas pela massa insolvente). Esta última testemunha acrescentou que, ainda no tempo do AI CC, surgiu o incidente referente ao desaparecimento das chaves das fracções (matéria à qual, mais à frente, voltaremos).
Ou seja, em momento algum foi apurado, mesmo que de forma indiciária, que tenham os AI´s dado a respectiva anuência à ocupação da fracção pela recorrente.
Pelo contrário, a prova foi no sentido contrário, como decorre, designadamente, dos factos 19, 32, 36, 37 (sendo que, em face do motivo pelo qual foi este facto impugnado, ao qual iremos aludir, não obsta a que também ele seja aqui invocado) e 44 (sem prejuízo do que, quanto a este, será oportunamente decidido).
Improcede, pois, a pretensão da recorrente.
Quanto ao facto 28, não obstante a recorrente o tenha incluído nas suas primitivas conclusões – Conclusão V - , o certo é que já o omitiu nas que vieram depois a ser apresentadas (para além de, em sede de motivação do recurso, ao mesmo não aludir), pelo que nada há a referir.
No que concerne ao facto 29– “Nos autos de insolvência não foram reconhecidos quaisquer créditos à própria empresa promitente vendedora “Telhados da Cidade” -, apesar de não o negar, entende a recorrente que não se deverá ignorar que, embora não reconhecidos, a sociedade Telhados da Cidade detinha créditos sobre a insolvente. Simplesmente, não foram reclamados. Considera, assim, que, a manter-se este facto como provado, “deverá pelo menos ser reformulado no sentido de incluir a existência de créditos detidos por aquela sociedade, embora não reclamados”.
Contrapõe a recorrida não dever tal pretensão proceder, defendendo que se pretende “a eliminação do facto ou a sua reformulação baseada numa “Nova Lista de Créditos Reconhecidos, mas não Reclamados” que foi indeferida”.
Mais uma vez, não assiste razão à recorrente, porquanto, não tendo sido tempestivamente reclamados, nem reconhecidos por outra via, sempre os putativos créditos se terão por inexistentes (como decorre da sentença de verificação e graduação de créditos, nenhum crédito foi aí verificado e reconhecido à Telhados da Cidade). Acresce que o anexo 3 junto ao Doc. 12 da PI (de que a recorrente se socorre em defesa do que agora pretende) nem sequer indica qualquer montante ou natureza do putativo crédito de que seria titular a Telhados da Cidade (apenas se indicando como motivo: “Fornecimento de Produtos / Prestação de Serviços”). Por fim, não se poderá também deixar de realçar que a recorrente nem sequer indica qual a redacção que o facto 29 deveria passar a ter.
No que concerne ao facto 31– “Em 12.02.2020, a R. remeteu carta à A.I. AA, dando conta que já anterior administradora de insolvência PP havia pedido justificação pela ocupação da casa pela R. e manifestando o propósito de permanecer na mesma ao abrigo do “contrato promessa de compra e venda e permuta” celebrado com a empresa “Telhados da Cidade”, nos seguintes termos: “esta empresa nada mais pretende do que receber a casa, livre de ónus e encargos, e pagar o que tem a pagar (170.000,00 €), conforme o que ficou acordado, tanto nos fazendo pagarmos à “Telhados da Cidade” pagando esta depois a V.Ex.ª, ou em alternativa, pagarmos diretamente a V.Ex.ª.”” -, apesar de também não o negar, uma vez mais, entende a recorrente que o mesmo deverá ser contextualizado com o demais alegado nessa carta – designadamente quando, no ponto 7 da missiva se refere que se aguarda há mais de dez anos pela celebração da escritura de compra e venda da fracção – e com o constante no facto 24.
Novamente a recorrida defende nada haver a alterar.
Para além de também aqui não ter sido formulada a redacção que a recorrente entende que o facto 31 deveria passar a ter, o certo é que o constante do ponto 7 da carta nenhuma relevância jurídica assume (não havendo que levar à matéria de facto as expectativas ou estados de alma da recorrente).
E, como decorre das próprias alegações da recorrente, não é o teor do facto que a mesma impugna, mas a interpretação que do mesmo o tribunal veio a extrair – “Daí que a matéria constante da presente alínea deveria ter sido contextualizada com os pontos 6 e 7 da carta de 10 de Fevereiro de 2020 por forma a conferir maior rigor na interpretação da parte final daquela carta” (ponto 45 das alegações).
Nada há, assim, a alterar.
No que concerne ao facto 35– “Quanto à fração “T” foram realizadas várias deslocações à mesma e a diversas horas, a fim de verificar o seu estado e averiguar quem efetivamente a ocupava e a que título, mas nunca alguém ali foi encontrado” -, defende a recorrente que o mesmo deverá ser considerado não provado, já que a prova foi no sentido de estar a fracção ocupada por si.
Para tanto invoca os depoimentos das testemunhas EE e de DD.
A recorrida contrapõe que inexiste qualquer contradição entre a circunstância de a fracção estar ocupada e o facto de ninguém ali ter sido encontrado.
Também nós assim o entendemos, para além de que os depoimentos invocados em nada afectam o constante do facto 35.
EE, o qual referiu ter-se deslocado, por mais do que uma vez, ao imóvel, não obstante tenha dito que chegou a entrar na fracção “T”, por uma vez, a pedido do “Sr. BB” (por ter existido uma infiltração vinda do andar de cima), afirmou peremptoriamente: “se existia lá alguém não sei”, “nunca vi aquela casa habitada”, “não havia ninguém”.
Já DD, após afirmar que não foi possível contactar com a ré, a qual nem sequer respondia às comunicações escritas que lhe eram enviadas, referiu, como já mencionamos, que, nas várias deslocações que fez ao imóvel, colocou “papéis à porta”, alertando para o eventual recurso ao uso de “força pública”, em face de se desconhecer o porquê de a fracção estar a ser ocupada.
O facto será, assim, de manter.
No que concerne ao facto 37– “Foi então remetida pela Administradora da Insolvência à R. uma carta registada datada de 01.03.2021 para entregar a fração no prazo de 60 dias, livre e desocupada de pessoas e bens, sem obter sucesso” -, defende a recorrente que a carta não lhe foi dirigida, mas antes a BB (como resulta do teor da mesma – Doc. 17 da PI), sendo que este não era, à data, nem sócio, nem gerente da mesma (invocando para tal o teor da certidão comercial permanente junta na sessão de julgamento de 27/11/2024). Conclui dever o mesmo ser dado como não provado.
Nesta parte, contrapõe a recorrida: “O jogo de cadeiras de sócio e gerente da Ré, para além das relações familiares com os demais sócios/gerentes (marido/pai,) em que o declarante BB se envolveu conforme patenteado na certidão permanente oferecida pela Recorrente é usado e aproveitado para sustentar que a Ré não estaria ciente de que Administradora da Insolvência pretendia a entrega da fracção. // Tal carta é remetida para a sede da empresa e tudo advém do dito BB dar sempre a cara pela sociedade Quinta do Fontanário – Turismo Rural, Lda., incluindo como seu procurador (cfr. a própria escritura de justificação junta como DOC. 24 e o auto de declarações junto como DOC. 25, ambos da p.i.) E para denúncia da má-fé e abuso com que a Recorrente litiga ao dizer que a aludida carta de 01.03.2021 não lhe foi dirigida, observa-se que só agora toma essa posição de “assobiar para o ar”, pois em devido tempo lhe respondeu, bem como mencionou a dita carta e a resposta nos autos. (Cfr. DOC. 19 da p.i.)”.
A carta de 01/03/2021 foi efectivamente dirigida a BB (Doc. 17 junto com a PI), da mesma constando: “Ex.mo Senhor BB, Rua (…) Estoril // (…) Assunto: Insolvência Maconfer, Lda // (…) AA, administradora da insolvência (…), conforme deliberado na reunião da comissão de credores vem por este meio notificar V.Exª para no prazo de sessenta dias, proceder à entrega da fraçao acima mencionada livre de pessoas e bens, face à inexistência de qualquer título para a ocupação da mesma. (…)”, e nem sequer foi enviada para a sede da recorrente (situada Praça 8, em Lisboa, como resulta da respectiva certidão permanente).
Porém, analisado o Doc. 19 junto com a PI, constata-se que o mesmo corresponde ao requerimento que deu entrada em juízo no dia 30/03/2021 (transcrito no facto n.º 39), no qual a recorrente refere expressamente dar conhecimento ao tribunal da “cópia da carta que nesta mesma data enviámos a srª Drª AA, nomeada Administradora da Insolvência (…)”.
A carta anexada tem como assunto: “Proc. 775/10.9T2SNT – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo de Comércio de Sintra, Juiz 4 (Insolvência de “Maconfer”) – V/carta data de 1 de Março de 2021” (sublinhado nosso).
Tanto o requerimento, como a carta cuja cópia foi anexada, mostram-se subscritos por BB.
Dúvidas inexistem, pois, quanto a ter a carta de 01/03/2021 chegado ao conhecimento da recorrente.
Porém, a redacção conferida ao facto 37 não traduz fielmente o acabado de expor, razão pela qual se altera a mesma, a qual passará a ter o seguinte teor: “Foi então remetida pela Administradora da Insolvência a carta registada datada de 01.03.2021, que corresponde ao Doc. 17 junto com a p.i., pela qual se solicitou a entrega da fração no prazo de 60 dias, livre e desocupada de pessoas e bens, a qual não obteve sucesso, apenas tendo merecido como resposta da ré a remessa da missiva que integra o Doc. 19 junto ao mesmo articulado (a qual foi também anexada ao requerimento mencionado no facto 39).”
No que concerne ao facto 44– “Em a 16.10.2022 a Administradora da Insolvência enviou mais uma carta à R. convidando-a a proceder voluntariamente à entrega da fração “T” em apreço”” -, alega a recorrente que não poderia o tribunal ter considerado o mesmo como provado, já que, para além de a recorrente sempre o ter negado, não foi junto qualquer comprovativo do registo de envio/recepção.
A recorrida, nada de relevante contrapõe nesta sede.
Em face de assim ser, considerando que não se mostra junta aos autos tal carta, nem os respectivos comprovativos de envio/recepção (sendo que o seu envio foi alegado no art. 46.º da PI e este foi impugnado no art. 32.º da contestação), será a pretensão da recorrente de atender, devendo a matéria do facto 44 ser dada como não provada.
No que concerne ao facto 66– “A A. pagou até ao ano de 2002 os impostos liquidados sobre os imóveis apreendidos – mormente, no que interessa à presente ação, sobre a fração “T”, já identificada -, tais como o imposto municipal sobre imóveis (IMI)” -, a recorrente defende igualmente que deverá ser considerado como não provado, porquanto, para além de versar sobre matéria que foi impugnada, não foi alvo de prova (nomeadamente testemunhal).
Já a recorrida, começando por defender que este facto padece de um lapso de escrita quanto ao ano indicado – ao invés de 2002, deveria constar 2022 (como alegado no art. 14.º da PI) –, reitera que os impostos foram efectivamente liquidados pela massa insolvente, tanto que a recorrente não logrou provar que tenha sido ela a fazê-lo.
Analisada a P.I. e o teor da sentença recorrida na sua globalidade, constata-se que a referência ao ano de 2002 traduz um manifesto lapso de escrita, sendo que o ano que se terá pretendido escrever era o de 2022.18
Quanto ao alegado pela recorrente, sendo certo que nada resulta dos autos (nem se vislumbrou existir no processo, analisado na sua globalidade) quanto aos comprovativos dos pagamentos a que se alude neste facto, não se poderá deixar de referir que, por um lado, a recorrente não alega, e muito menos demonstra, ter sido ela quem suportou o pagamento de tais impostos; e, por outro lado, na sentença proferida no apenso A, foram verificados e graduados créditos privilegiados reclamados pela Fazenda Nacional, respeitantes a IMI19.
Não obstante assim ser, e apesar de afastada estar a hipótese de ter sido a recorrente a pagar tais impostos (o que, na verdade, a mesma não solicita que seja consignado), o certo é que não poderá o facto 66 manter-se na factualidade provada, porquanto inexiste qualquer comprovativo de pagamento do IMI referente à fracção “T”.
Nessa medida, deverá o facto 66 ser eliminado da mesma, passando a integrar a factualidade não provada.
Quanto ao facto 67, não obstante a recorrente o tenha incluído nas suas primitivas conclusões – Conclusão V - , o certo é que já o omitiu nas que vieram depois a ser apresentadas (para além de, em sede de motivação do recurso, ao mesmo não aludir), pelo que nada há a referir. Da requerida ampliação da decisão de facto:
Defende a recorrente ter alegado factualidade que não veio a ser impugnada na Réplica, razão pela qual deverá a mesma ser considerada provada.
Nessa sequência, requer que à factualidade provada sejam aditados:
• Facto com o seguinte teor: “Na data de 11 de Setembro de 2009 a sociedade “Telhados da Cidade” declarou à gerente da “Quinta do Fontanário – Turismo Rural, Lda”, GG, seguinte: // “– Entre a sociedade “Maconfer” e a Telhados da Cidade foi acordado um programa negocial visando a comercialização e a venda de um conjunto de 34 frações autónomas, integradas nos edifícios que constituem os blocos A, B, C, D e E e o qual faz parte a fração prometida vender a V.Ex.ª”; // - A Telhados da Cidade foi autorizada, em execução do sobredito programa negocial, a comercializar e a vender a referida fração, tendo a garantia de que a proprietária (Maconfer) cumprirá pontualmente e integralmente as obrigações que assumiu para com esta empresa por forma a que, também esta empresa, possa cumprir com V.Ex.ª nos termos acordados; // - Esta empresa, no âmbito do programa negocial estabelecido com a “Maconfer”, ficou na posse de todos os imóveis objeto do acordo, que lhe foi transmitida a posse pela “Maconfer”, bem como as respetivas chaves, tendo havido assim a tradição dos mesmos a favor desta empresa; // - Os referidos imóveis se encontram inacabados, tendo esta empresa ficado com a responsabilidade de concluir os edifícios e de suportar os respetivos custos, bem assim como diligenciar no sentido do cumprimento da promessa estabelecida com V.Ex.ª e com outros promitentes compradores, tudo aliás com inteiro conhecimento da proprietária e também beneficiária, “Maconfer”; // - Face às dúvidas manifestadas por V.Ex.ª quanto ao cumprimento da promessa estabelecida e tendo esta empresa a garantia de cumprimento dada pela proprietária, reiteramos a nossa intenção em cumprir a promessa de alienação da fração em causa nos exatos termos em que esta empresa se obrigou”.
Defende tratar-se de matéria alegada no art. 90.º da Contestação e sustentada no Doc. 28 junto com a contestação - “Declaração complementar ao contrato promessa de compra e venda com permuta celebrado em 22 de Julho de 2009” (Ref.ª/Citius 24724587), a qual assumirá “relevância probatória, designadamente para a qualificação da posse exercida pela Recorrente sobre a fração “T” (…) posse fundada na convicção de que não lesava o direito da proprietária registada ou de quem quer que fosse”.
Contrapõe a recorrida que, como decorre da leitura deste artigo, o aí alegado reporta-se, não à fracção “T”, mas antes à fracção “U” (sobre a qual versa o contrato promessa junto sob Doc. 24, no qual são outorgantes a sociedade Telhados da Cidade e GG). O mesmo sucede com relação ao invocado Doc. 28.
Efectivamente, assim é, sendo que, nessas negociações, não obstante GG seja gerente da recorrente, a mesma não interveio nessa qualidade (mas antes em nome próprio, como resulta da leitura dos Docs. 24 e 28).
Considerando, no entanto, que:
- Apesar de o documento em causa ter sido emitido com vista a esclarecer a situação da fracção “U”, não deixa de aludir a todas as demais;
- Tal documento não foi impugnado;
- A relevância invocada pela recorrente para que a matéria seja aditada (não se podendo ignorar que a referida GG é gerente da ré e que a fracção “T” faz parte do mesmo grupo de edifícios ao qual pertence a fracção “U”);
independentemente da relevância (ou falta dela) que a declaração possa assumir, será levado à factualidade provada o que da mesma consta.
Nessa medida, adita-se à matéria assente um novo facto, com a seguinte numeração e teor: 56.º-A “A sociedade Telhados da Cidade emitiu documento denominado «Declaração complementar ao contrato promessa de compra e venda com permuta celebrado em 22 de Julho de 2009», datada de 11/09/2009, a qual tem o seguinte teor: ”
• Facto com o seguinte teor: “Em determinada altura a “Maconfer”, tendo entrado em dificuldades financeiras e vendo-se incapacitada para concluir o empreendimento, acordou com a sociedade Telhados da Cidade – Unipessoal, Lda“ um programa negocial visando a conclusão do empreendimento e a venda das diversas frações que o compunham”.
Trata-se de matéria alegada no art. 70.º da Contestação, aceite no art. 33.º da Réplica.
Porém, trata-se de um aditamento que carece de razão, tanto mais em face do que já consta da factualidade provada (designadamente dos factos 53, 55 e 56) , razão pela qual não se justifica o seu aditamento.
• Facto com o seguinte teor: “A Ré Quinta do Fontanário, Turismo Rural, Lda, e a sociedade promitente vendedora “Telhados da Cidade”, em derrogação do contrato de promessa de compra e venda celebrado em 22.7.2009, acordaram no pagamento do preço para a fração “T”, mediante a compensação dos créditos que a Ré detinha sobre a Telhados da Cidade e com origem nas letras n.ºs ..., no montante de 71.856,85€, com vencimento em trinta de Maio de dois mil e nove, aceite pela sociedade “Telhados da Cidade”; ..., no montante de 31.856,85€, com vencimento em trinta de Maio de dois mil e nove, aceite pela sociedade “Telhados da Cidade” e ..., no montante de 81.856,85€, com vencimento em trinta de Agosto de dois mil e nove, aceite pela sociedade “Telhados da Cidade” e que nessa sequência foram os originais devolvidos à aceitante através da carta junta à Contestação com o número 12”.
Trata-se de matéria alegada nos arts. 57.º a 65.º da Contestação, e que veio a ser complementada através do requerimento de 05/11/2024.
Pretende a recorrente a sua inclusão por em tais artigos ter alegado que “ celebrou com a firma “Telhados da Cidade” em 22.7.2009 um contrato promessa de permuta nos termos do qual aquela prometeu entregar à Recorrente a fração “T” pelo preço de 180.000,00 €, e a Recorrente àquela duas frações (armazéns) da Chamusca, de que era proprietária, com a salvaguarda de que caso viesse a necessitar de comercializar e a rentabilizar estes armazéns a Recorrente pagaria o preço da fração “T” em dinheiro. O que acabou por acontecer. // Com efeito, por força do Protocolo datado de 3 de Março de 2009 junto aos autos em 5.11.2024 (…) a sócia gerente da Recorrente, Dra GG, ficou titular e portadora dos três aceites seguintes subscritos pela Telhados da Cidade, no valor global em capital de 185.570,55 € (Aceite n.º ..., no valor de 31. 856, 85 € com vencimento em 2009-05-30; Aceite n.º ..., no valor de 81. 856, 85 € com vencimento em 2009-08-30; e Aceite n.º ..., no valor de 71. 856, 85 € com vencimento em 2009- 05-30). // Só que, tendo aqueles aceites sido apresentados no Banco Montepio Geral para cobrança, os mesmos não foram pagos, tendo os mesmos sido devolvidos à anterior portadora dos mesmos pela Telhados da Cidade em 8.6.2009. Perante a forte possibilidade de a Telhados da Cidade e o seu gerente, sr. HH, avalista dos mesmos aceites, virem a ser executados, propuseram à Recorrente a compensação dos respetivos créditos, tendo para esse efeito aqueles aceites sido endossados à aqui Recorrente e os originais devolvidos à Telhados da Cidade por carta de 23 de Setembro de 2009 (vide Doc. 12 junto à Contestação). Ficando deste modo totalmente pago o preço da fração “T”. // Toda esta factualidade ficou demonstrada e provada através da junção aos autos das cópias dos identificados aceites, da documentação bancária relativa à entrega no Banco Montepio Geral destes aceites e da sua devolução à sua portadora, dos contatos havidos sobre tal matéria com o mandatário da Telhados da Cidade, Dr. II e ainda com as declarações de BB, que prestou declarações na qualidade de parte por entretanto ter sido designado gerente da Recorrente, (vide registo áudio dessas declarações de parte entre o minuto dois e vinte e um segundos e o minuto nove e vinte e oito segundos).
Defende ter sido efectuado o pagamento da fracção à Telhados da Cidade.
E diz também que, sobre a documentação que sustenta o alegado na contestação (a qual veio a ser junta em 05/11/2024), já a autora se havia pronunciado.
Nessa medida, censura a posição do Mmo. Juiz a quo quando desvaloriza a prova produzida quanto a esta matéria (unicamente sob o argumento de as declarações de BB não lhe terem merecido credibilidade), mais enfatizando que, para tanto, terá contribuído o facto de aquele magistrado ter aceitado (indevidamente) receber documentos - “em mão e de forma informal, (…) e após o encerramento da audiência de julgamento” -, sobre os quais a recorrente nem sequer pode exercer o contraditório.
Também quanto a este aditamento a recorrida se insurge.
Não obstante a posição por esta última defendida se assumir extensa, em face do particular circunstancialismo invocado, afigura-se-nos ser aqui de reproduzir a mesma, por se revelar assaz pertinente.
Quanto ao putativo pagamento do preço da fracção, pode ler-se nas contra-alegações: “(…) a Recorrente ainda não se decidiu que tese deve sustentar perante as instâncias sobre a questão do pagamento do preço de 180.000,00€ atribuído à fracção T, por si prometida adquirir. E as hipóteses que vem avançando são as seguintes: // i. Se, como consta do contrato promessa junto como DOC. 1 da Contestação, pagou 10.000,00€ de sinal, também declarado recebido pela Telhados da Cidade, devendo depois, para além dos bens a ceder em permuta, pagar mais 20.000,00€ na escritura de compra e venda da dita fracção T (cláusula 4.ª, n.º 3 do CPCV); // ii. Se considera pagos os 10.000,00€ de sinal e pretende pagar mais 170.000,00€ na escritura, conforme consta do facto provado 31: “pagar o que tem a pagar (170.000,00 €), conforme o que ficou acordado, tanto nos fazendo pagarmos à “Telhados da Cidade” pagando esta depois a V.Ex.ª, ou em alternativa, pagarmos diretamente a V.Ex.ª.” (também a versão da Reclamação de Créditos entregue em 03.05.2010 (fora de prazo) – DOC. 3 da Contestação); // iii. Ou se, como se alega nos artigos 57º a 65.º, muito especialmente neste último, com a carta datada de 23.09.2009 (DOC. 12 da Contestação), “a Ré e a Telhados da Cidade, decidiram-se à compensação dos respetivos créditos sendo as letras entregues em pagamento do preço devido pela aquisição da fração “T” que assim ficou integralmente pago”. Nesta hipótese nem terá dado conta que o DOC. 12 da contestação respeita à fracção U e não à fracção T !... // iv. Ou ainda se, como disse o declarante BB no seu depoimento em audiência, não houve qualquer pagamento de 10.000,00€ a título de sinal e que o preço já estava todo pago através de um esquema de letras (…)”.20
Analisada a documentação junta aos autos, temos:
- O Doc. 10 junto com a contestação – carta datada de 20/03/2009, remetida por GG (em nome próprio) ao legal representante da Telhados da Cidade (HH) -, na qual se referem precisamente as três letras aceites por esta sociedade e avalizadas pelo seu legal representante, bem como terem as mesmas sido “endossadas à signatária pelo seu titular”; - O Doc. 11 junto com a contestação – carta datada de 24/04/2009, entregue por GG (em nome próprio) ao banco Montepio Geral -, através da qual a primeira, na qualidade de endossado, refere remeter os originais dos três aceites “com vista à cobrança dos mesmos (…) nas respectivas datas de vencimento”. Não obstante não serem identificados tais aceites, refere-se serem todos eles de 30/12/2008 e terem dois deles vencimento para 30/05/2009 (aceites nos montantes de 71.856,85€ e de 31.856,85€) e o terceiro para 08/08/2009 (aceite no montante de 81.856,85€); - O Doc. 12 junto com a contestação (do qual a recorrente aqui se socorre) – carta datada de 23/09/2009, enviada por GG (sem que a mesma refira que o faz em nome da ré) ao mesmo legal representante da Telhados da Cidade -, na qual se pode ler:
Já no que concerne aos documentos juntos em 05/11/2024, são eles: a) denominado Protocolo de Acordo, datado de 03/03/2009, outorgado por BB e GG (a título pessoal) e YY (na qualidade de legal representante da sociedade Zumali – Compra e Venda de Imóveis, SA); b) letra n.º ..., no montante de 71.856,85€, com vencimento em 30/05/2009, aceite pela sociedade “Telhados da Cidade”; c) Letra n.º ..., no montante de 31.856,85€, com vencimento em 30/05/2009, aceite pela sociedade “Telhados da Cidade”; d) Letra n.º ..., no montante de 81.856,85€, com vencimento em 30/08/2009, aceite pela sociedade “Telhados da Cidade”; e) Letra n.º ..., no montante de 31.856,85€, com vencimento em 15/09/2009, aceite pela sociedade “Telhados da Cidade”; f) Letra n.º ..., no montante de 81.856,85€, com vencimento em 15/10/2009, aceite pela sociedade “Telhados da Cidade”; g) Documentação bancária relativa à cobrança das letras de câmbio supra identificadas. h) Comunicação datada de 20/04/2009, enviada pelo mandatário da sociedade “Telhados da Cidade” a GG.
No exercício do contraditório deste último requerimento, a autora impugnou todos os documentos juntos – “os documentos ora oferecidos pela Ré não fazem a menor evidência dos efectivos fluxos de preço invocados, não passando de uma “montagem” mal forjada e sem nexo, pelo que vão impugnados.” (Ref.ª/Citius 26756845).
Vejamos, agora, o que a 1.ª instância consignou em sede de fundamentação da matéria de facto: “(…) a factualidade não provada resultou da insuficiência dos meios de prova apresentados quanto aos mesmos, não se tendo apurado, por um lado o pagamento do preço pela aquisição da fração T, tanto mais que essa fração pertencia à insolvente e não à empresa “Telhados da Cidade” (…)”.
E, referindo-se às declarações prestadas pelo sócio gerente BB, acrescentou: “Procurou explicitar a origem do crédito que afirma deter contra a empresa “Telhados da Cidade”, suportado numa alegada entrega de letras subscritas por esta e feita pela sociedade “Zumali” (num âmbito de uma alegada parceria par criação de um turismo rural nuns terrenos adquirido/cedido para esse efeito) e que foram endossadas a mulher do declarante (sem conseguir explicar o fundamento para tal). Como a “Telhados da Cidade” não tinha dinheiro para honrar as letras foi proposta por esta uma permuta, ou seja, as letras foram devolvidas à “Telhados da Cidade” como parte do pagamento das frações. // Todavia, tal explicação não convenceu o tribunal quanto à realização do pagamento do preço, quer pelo facto de os documentos não se mostrarem suficientes para esse efeito (a começar pelo pagamento do sinal de € 10.000,00 mencionado no contrato promessa, do qual não existe indicio de pagamento), quer porque mais ninguém para além do declarante, com manifesto interesse na causa, ter corroborado a versão apresentada, respeitante a um pouco percetível processo negocial antecedente estabelecido somente com a “Telhados da Cidade, Lda.”. A R. juntou uma séria de documentos traduzidos em cópias de letras e aceites e cheques cujos valores somados não perfazem as quantias mencionadas no contrato promessa (só a quantia referente a letras perfaz € 185.570,55, que não inclui o montante € 10.000 qualificado como sinal). Portanto, não foi produzida prova minimamente suficiente da ocorrência do pagamento do preço da fração T, com ou sem aceites ou compensações de créditos, ainda com a agravante manifesta de a propriedade da mesma pertencer à “Maconfer, Lda.” e não à promitente vendedora. // (…) mesmo a provar-se e tese do pagamento aventada pela R., estaríamos sempre, no máximo, perante um crédito da mesma perante a sociedade comercial “Telhados da Cidade, Lda.”, e não perante a insolvente.”
Não vislumbramos razões para censurar a posição defendida pelo tribunal a quo quando desvalorizou a matéria em apreço, ou seja, a alegação e pretendida relevância das letras que terão sido endossadas a GG, tanto mais que nenhuma relação têm com a sociedade insolvente e, acrescentar-se-á, igualmente nenhuma conexão é possível estabelecer com a ré (já que, dos documentos juntos, não resulta que a referida GG ou BB tenham tido intervenção enquanto representantes da recorrente).
Não obstante BB tenha falado em cinco letras (sendo que foram juntas cópias de seis letras) e que três teriam sido endossadas pela sua mulher GG à ré, nada disso veio a ser corroborado pela demais prova.
Não se poderá igualmente deixar de realçar que a recorrente refere que a invocada “compensação de créditos” teria ocorrido no ano de 2009 mas, já depois desse ano, continuou a manifestar o propósito de entregar as duas fracções de que era proprietária, como havia sido acordado no contrato promessa (facto 20) ou a disponibilizar-se para pagar o preço em falta (facto 31).
Consequentemente, carece de pertinência para a decisão da causa o facto cujo aditamento se pretende.
Já quanto à postura assumida pelo Mmo. Juiz a quo após o encerramento do julgamento, nada nos apraz dizer, remetendo-se para o que já foi exposto no despacho da relatora proferido em 29/07/2025.
• Apesar de aludir ao alegado nos arts. 69.º a 89.º da contestação, a recorrente não formulou qual a redacção a conferir ao facto que, na sequência do aí vertido, deverá ser aditado.
Porém, resulta do que pela mesma foi exposto que pretenderá que seja aditada à factualidade provada a celebração dos contratos promessa de compra e venda que terão sido outorgados entre a Telhados da Cidade e os terceiros que identifica no seu art. 79.º da contestação (dos quais juntou cópias).
Pretende com esse facto demonstrar “que a proprietária inscrita Maconfer deixou na disponibilidade da sociedade “Telhados da Cidade” as frações que esta prometeu vender a terceiros e se encontram elencadas no artigo 79.º da Contestação. Tal circunstância resulta do acordo de parceria estabelecido entre aquelas duas entidades, tendo a Maconfer, em concretização desse acordo, apresentado a registo a transmissão daquelas frações a favor da sociedade Telhados da Cidade, o que se mostra efetuado através da Requisição n.º ..., AP n.º ... de 12 /10 /2009”.21
Em resposta, a recorrida contrapõe que estamos em face um registo de natureza provisória e invoca o depoimento da testemunha EE.
Ora bem, para além de se tratar de matéria que foi impugnada no art. 34.º da Réplica (atente-se que estão em causa documentos particulares), dúvidas inexistem de estarmos em face de um registo provisório por natureza, sendo que o mesmo nem sequer se reporta à fracção “T” aqui em causa – no mesmo identifica-se que o pedido é referente ao prédio ..., da freguesia de Estoril, concelho de Cascais, mas concretizando-se as seguintes menções ao mesmo atinentes: “F”, “Y”, “X”, “V”, “U”, “AG”, “AB”, “AF”, “AK”, “AJ”, “AM”, e “AL”. Aliás, a testemunha EE referiu, inclusive, que o pedido apresentado na CRPredial terá sido, segundo o Eng. JJ lhe terá contado, “rasurado” (já que deveria ser respeitante a uma única fracção22).
Como tal, sempre a inclusão desta matéria na factualidade provada não assumirá pertinência, pelo que improcede a pretensão da recorrente.
• Facto com o seguinte teor: “À posse da Ré, iniciada em 22/07/2009, soma-se a posse da Telhados da Cidade – Construções Unipessoal, Lda. iniciada em 8 de Maio de 2007 e terminada em 21/07/2009.”
Refere tratar-se de matéria alegada nos arts. 146.º e 147.º da contestação e que, apesar de ter sido impugnada, consta da escritura de justificação.
Sem razão, como bem defende a recorrida.
Estamos em face de uma redacção com natureza conclusiva e que nunca poderá integrar a decisão de facto. Mesmo que todo esse hiato temporal possa ser valorado para os efeitos pretendidos pela recorrente, apenas o poderá ser em sede de enquadramento jurídico.
Improcede, pois, tal pretensão. Da impugnação da matéria de facto não provada:
A recorrente insurge-se sobre toda a matéria que integra a factualidade não provada.
Vejamos se lhe assiste razão. a) O AI e a comissão de credores, não obstante serem conhecedores da situação concreta da fração “T”, designadamente da posse que a Ré, desde 2009, vinha e vem exercendo, ocupando e utilizando a referida fração deboa fé, de forma pública e pacífica, nada fizeram a esse respeito seja no sentido de acederem aos apelos da Ré ou sequer para manifestarem qualquer tipo de oposição à posse exercida por esta naquela fração.
A recorrente invoca o teor dos docs. 3, 5 e 8 juntos com a contestação e os docs. 11, 13, 19 e 22 juntos com a PI, os quais, em termos genéricos, correspondem à reclamação de créditos que a mesma apresentou (e que foi considerada extemporânea, nessa medida não tendo sido aceite), à correspondência enviada à administração da insolvência e aos requerimentos dirigidos ao tribunal (essencialmente no sentido de manifestar a sua vontade em cumprir o contrato promessa).
Para além de tal documentação não comprovar o que desta al. a) consta, reitera-se o que já anteriormente se defendeu – o facto de poder ser conhecida a ocupação da fracção, não permite extrair a conclusão pretendida pela ré, isto é, que tal ocupação merecesse a concordância dos AI´s.
Como na sentença se consignou, em sede de motivação: “Em termos de análise critica e conjunta da globalidade da prova produzida, incluindo os elementos evidenciados no processo principal de insolvência e demais apensos, resultou a convicção segura de que a R. (…) pretendeu manter a ocupação do imóvel mesmo sabendo da expressa ausência de legitimidade para o efeito, quer porque sabia de antemão que a fração nunca pertenceu à Telhados da Cidade” quer porque sempre se “esteve nas tintas” para as diversas decisões proferidas, incluindo as que incidiram sobre requerimentos por si apresentados desde 2010 (contrárias ao reconhecimento de qualquer direito sobre a fração). Sublinha-se novamente que, apesar de ter usado repetidamente o argumento de que no âmbito processo de insolvência ficou decidido que a fração em causa lhe seria atribuída, a verdade é essa realidade não se concretizou nos termos em que afirmou. O que houve realmente, e resulta expresso no processo judicial, a certa altura, uma possibilidade de os credores chegarem a acordo sobre a apresentação de um plano de liquidação/insolvência que incidisse sobre as várias dezenas de imóveis que compunham a massa insolvente e que poderia ser suficiente para cobrir o passivo), mas que não chegou a ser objeto de aprovação, tendo os autos prosseguido para a liquidação do ativo (e para cuja conclusão, diga-se falta apenas a alienação desta fração e de uma outra, ocupada igualmente por BB e sua mulher, GG, objeto de discussão no apenso XP).”
Acresce que estas alínea contêm uma redacção que não se poderá deixar de considerar conclusiva, para além de encerrar também conceitos e referências jurídicas – “posse (…) de boa fé, de forma pública e pacífica” (cfr. artigos 1251.º e 1260.º a 1262.º do CCivil).
Assim, para além de não assistir razão à ré, dever-se-ão considerar não escritas as referidas referências jurídicas, alterando-se a redacção para os seguintes termos: “O AI e a comissão de credores, não obstante serem conhecedores da situação concreta da fração “T”, designadamente que a Ré, desde 2009, vinha e vem ocupando e utilizando a referida fração, nada fizeram a esse respeito seja no sentido de acederem aos apelos da Ré ou sequer para manifestarem qualquer tipo de oposição à referida ocupação”. b) Ao longo desses 14 (catorze) anos, quer a proprietária inscrita quer, a partir de Fevereiro de 2010, a aqui Autora, conhecendo e reconhecendo a posse da fração pela Ré, nada fizeram, em termos objetivos, no sentido de se oporem àquela circunstância, evitando o decurso do prazo de prescrição conducente à usucapião.
Uma vez mais, estamos em face de uma redacção conclusiva e com recurso a conceitos/referências jurídicas. E, em face do seu último segmento, tal constatação é ainda mais gritante, desde logo por estarmos no âmbito de uma acção de impugnação de justificação notarial de aquisição da propriedade com fundamento em usucapião.23
Ou seja, o constante desta alínea, para além de ser conclusivo, assume-se como relevante para efeitos do desfecho da lide (em sede de solução jurídica a extrair), nessa medida devendo ser eliminada. c) Tendo em vista a realização dos trabalhos de acabamento das frações bem como a respetiva promoção e venda, a “Maconfer” investiu a “Telhados da Cidade” na posse dos apartamentos, entregando-lhe voluntariamente todas as chaves de acesso (seja aos apartamentos, seja às garagens, seja ainda aos edifícios que compõem o empreendimento habitacional D. Maria Residence).
A recorrente defende que se trata de matéria a considerar como provada, até em face do que já consta dos factos 53, 55 e 56, bem como do que resultou dos depoimentos das testemunhas FF (vendedor imobiliário da empreiteira Telhados da Cidade até à declaração da insolvência) – segundo o qual sempre a Telhados da Cidade teria tido acesso às fracções, nunca lhe teria sido recusado o acesso às chaves, nem a sociedade insolvente contra tal se teria revelado – e EE – o qual referiu que a Telhados da Cidade tinha no local “uma secretária e uma cadeira (…) um stand de vendas” (localizado no hall do Bloco D), para promoção das vendas.
Porém, como esta última testemunha esclareceu, era a própria quem “tinha as chaves”, as quais estavam na “casa da porteira” (onde estavam todas as chaves), sendo que, ainda durante a administração do AI CC, as chaves das fracções desapareceram. Mais referiu ser sua convicção que terá sido a testemunha FF quem as terá levado - disse que emprestou a chave da casa da porteira a este último para que o mesmo tivesse um espaço para reunir com um cliente e, nessa altura, todas as chaves (que se encontravam nesse espaço, dentro de uma caixa) desapareceram (e não votaram a ser recuperadas).
Já a testemunha FF referiu que a Telhados da Cidade, enquanto empreiteira (que recorria a sub-empreiteiros) e promotora imobiliária, tinha um stand junto do Bloco D, não deixando de esclarecer que o acesso às fracções, e respectivas chaves, era necessário para levar a cabo as obras e promover a venda das fracções.
Ou seja, do que daqui decorre, é que o acesso às chaves teve apenas como única finalidade tais propósitos (obras/acabamentos e promoção das vendas), não obstante estar igualmente demonstrado que ocorreu o desaparecimento dessas chaves.
Em momento algum ficou demonstrado que tenha ocorrido uma entrega voluntária das chaves nos moldes e para os efeitos alegados pela ré.
Consequentemente, não poderá dar-se por provado o constante desta alínea, a qual, uma vez mais, não deixa de conter juízos conclusivos, designadamente quando da mesma consta: “investiu (…) na posse”.
Nessa medida, mantendo-se na factualidade não provada, deverá o seu teor ser alterado nos seguintes termos: “Tendo em vista a realização dos trabalhos de acabamento das frações bem como a respetiva promoção e venda, a “Maconfer” entregou voluntariamente à “Telhados da Cidade” todas as chaves de acesso (seja aos apartamentos, seja às garagens, seja ainda aos edifícios que compõem o empreendimento habitacional D. Maria Residence).” d) Como é evidente, dada a amplitude das obrigações assumidas pela “Telhados da Cidade” naquele empreendimento, detinha esta empresa um absoluto controlo e domínio sobre todos os apartamentos que o compunham. e) Só desta forma, ou seja, que a “Telhados da Cidade” detinha com a autorização e a concordância da “Maconfer” o controlo e um poder quase absolutos sobre o empreendimento “D. Maria Residence”, permitindo-se praticar atos como se proprietária fosse das frações, é que se concebe que aquela empresa, não sendo a proprietária registada dos imóveis, tenha celebrado contratos promessa de compra e venda com mais de uma dezena de entidades para várias frações apresentando-se nesses contratos como dona, legítima possuidora e legítima proprietária.
Trata-se, em ambas as situações, de matéria de índole conclusiva, pelo que nunca poderão integrar a fundamentação de facto (seja provada, seja não provada).
Como tal, ambas as alíneas deverão ser eliminadas. f) Na sequência desses contratos promessa de compra e venda todos aqueles promitentes compradores passaram a habitar os apartamentos com autorização da promitente vendedora “Telhados da Cidade” e naturalmente da “Maconfer”.
Atendendo que apenas está aqui em discussão a fracção “T”, não assume pertinência para o caso o descrito nesta al. f) (ocupação por todos os promitentes compradores autorizada pelas duas sociedades identificadas). Apesar disso, para além de não ter sido provado (não obstante o constante do facto 34, mesmo a recorrente não afirma que tenha existido e sido transmitida qualquer autorização nesse sentido, antes se limitando a extrair uma ilação da sua lavra), o que para aqui interessa mostra-se já descrito nos pontos 57 a 64. Claro está que, reitera-se, o facto de estarem as fracções ocupadas, dessas ocupações poderem ser consequência dos contratos promessa celebrados e de serem do conhecimento da autora, não permite extrair a conclusão pretendida pela ré.
Nada há, pois, a alterar. g) No ato de assinatura do referido contrato a “Quinta do Fontanário” foi investida na posse da mencionada fração designada pela letra “T”, verificando-se a tradição da mesma a favor da “Quinta do Fontanário” com a entrega voluntária a esta por parte da “Telhados da Cidade” das chaves de acesso à fração e ao Bloco C e do comando eletrónico de acesso ao estacionamento do empreendimento habitacional.
Quanto a esta matéria nada se provou para além do teor do clausulado (como vertido no facto 12) e do teor do email enviado ao AI por BB (como provado no facto 13). Como tal nem sequer importa trazer à colação o constante dos factos 18 e 19, não podendo considerar-se provado que ocorreu entrega voluntária das chaves apenas por a recorrente alegar (mas não ter provado) que as mesmas o teriam sido em 22/07/2009, ou seja, em momento anterior ao da instauração da providência cautelar ali mencionada (e que correu termos sob o apenso H).
A verdade é que não se apurou - como, quando ou onde - as chaves (e também o comando electrónico) poderão ter sido entregues (seja à Telhados da Cidade, seja à ré) – mesmo a testemunha EE não conseguiu afirmar com certeza que a chave da fracção “T” tenha sido entregue.
Pese embora a al. g) tenha de se manter inserida na factualidade não provada, na sequência do que já temos vindo a defender, deverá a mesma ser expurgada dos juízos normativos que contém, a saber: “foi investida na posse da mencionada fração (…) verificando-se a tradição da mesma”.
A sua redacção será, pois, alterada nos seguintes moldes: “No ato de assinatura do referido contrato, a “Telhados da Cidade” procedeu à entrega voluntária à “Quinta do Fontanário” das chaves de acesso à fração e ao Bloco C e do comando eletrónico de acesso ao estacionamento do empreendimento habitacional.” h) A referida sociedade “Telhados da Cidade”, desde daquela data de 8 de maio de 2007 entrou na posse da referida fração e das chaves de acesso ao prédio e às diferentes frações que o compõem.
Socorrendo-se do já constante dos factos 53, 55 e 56, e invocando os depoimentos das testemunhas FF e EE, defende a recorrente que já no ano de 2007, a Telhados da Cidade se encontrava a finalizar as obras no empreendimento e a comercializar apartamentos (incluindo a fracção “T”).
Dando por reproduzido o que já anteriormente se expôs (designadamente quanto às finalidades visadas – obras e promoção/venda), também quanto a esta alínea a impugnação tem que improceder. i) As chaves da porta de entrada do prédio, bem como as chaves da porta de entrada na fração “T”, as chaves da caixa do correio postal e ainda o comando eletrónico com os respetivos códigos de acesso ao estacionamento foram entregues à Reconvinte pelo representante da sociedade Telhados da Cidade.
Pelas razões já expostas, nada há a alterar. j) Nenhumas das entidades supra identificadas ou qualquer credor se opuseram à posse legítima que a Reconvinte vem exercendo sobre a identificada fração autónoma desde do dia 22 de julho de 2009 e aos atos materiais que sobre a mesma por aquela têm sido praticados.
Também este facto não ficou provado.
Apenas ficou demonstrado o constante dos factos 57 a 64.
Remete-se para o que já se escreveu em sede de conhecimento da impugnação do facto provado n.º 27.
Porém, uma vez mais, há que modificar o teor desta alínea, expurgando-a das expressões de cariz jurídico ou conclusivo – “posse legítima” e “actos materiais”.
Ficará então: “Nenhumas das entidades supra identificadas ou qualquer credor se opuseram à ocupação pela Reconvinte da identificada fração autónoma desde do dia 22 de julho de 2009 e aos atos que sobre a mesma por aquela têm sido praticados, designadamente os descritos nos factos 57 a 64.” l) A Reconvinte, desde o dia 22 de julho de 2009, entrou na posse da identificada fração e a tem vindo a exercer de uma forma pública, pacífica, continua e de boa fé.
Considerando a natureza conclusiva e jurídica desta alínea, e o que já se expôs a propósito da al. a), determina-se a sua eliminação. m) Desde da referida data de 8 de maio de 2007 a Reconvinte entrou na posse da identificada fração “T” , tendo adquirido e mantido a sua posse sem a menor oposição de quem quer que fosse, designadamente da proprietária registada ou da Reconvinda, dos administradores da insolvência, dos credores da insolvência e dos membros da Comissão de Credores, com o conhecimento de todos, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, pagando todas as despesas referentes ao seu direito, sendo por isso uma posse pública, pacifica, continua e de boa fé, que dura, desde 8 de Maio de 2007 até à data de apresentação da presente Contestação com Reconvenção, 29 de Dezembro de 2023.
A recorrente volta a invocar o constante dos factos 53, 55 e 56 e os mesmos documentos anteriormente citados a propósito da al. a), mais acrescentando que pagou o preço pela aquisição da fracção e suportou despesas com condomínio e despesas relativas a investimentos que na mesma realizou (factos 59 a 66).
Argumenta que, o pagar o preço e o realizar investimentos como os que levou a cabo, é demonstrativo de que estava convicta de que agia como se fosse proprietária da fracção.
E, por entender que já antes a Telhados da Cidade sempre agiu nos mesmos moldes, terá que ser contabilizado todo o hiato temporal (ocorrendo “acessão na posse”) desde 08/05/2007 até à data na qual a contestação foi apresentada (29/12/2023).
Dispensamo-nos de voltar a escrever o que já se expôs quanto a ter/não ter existido oposição à ocupação pela massa insolvente e respectivos AI´s, bem como quanto ao que, da factualidade provada, resulta já com respeito a actos praticados pela ré ou pela Telhados da Cidade.
A isto acresce que a al. m), para além de não provada, se assume totalmente conclusiva, nessa medida se impondo a sua eliminação. n) As frações prometidas vender pela “Maconfer” foram entregues à “Telhados da Cidade”.
A recorrente volta a socorrer-se do constante dos factos 53, 55 e 56 e dos depoimentos das duas testemunhas já anteriormente referidas.
Sucede que, o que se apurou, é precisamente o que consta de tais factos, pelo que nada há a alterar quanto a esta alínea. o) Após a celebração do contrato promessa com a “Telhados da Cidade” a Quinta do Fontanário registou o referido contrato na Conservatória do Registo Predial, tornando assim público o referido negócio.
A recorrente socorre-se do Doc. 2 junto com a contestação, mas o mesmo não permite levar à factualidade provada o que consta desta al. o).
Tal documento corresponde à certidão da CRP referente à fracção “T” e da mesma resulta:
Ora, em face do que da mesma resulta, não se mostra possível dar como provado o facto em apreço.
Por um lado, não estamos em face de qualquer registo de contrato promessa de compra e venda (mas antes uma aquisição por permuta); por outro lado, trata-se de um registo provisório por natureza e dúvidas que, diga-se, há muito terá caducado.
Ora, prescreve o artigo 92.º, n.º 1, do CRPredial serem “pedidas como provisórias por natureza as seguintes inscrições: (…) g) De aquisição, antes de titulado o contrato”, acrescentando o seu n.º 4 que “A inscrição referida na alínea g) do n.º 1, quando baseada em contrato-promessa de alienação, é renovável por períodos de seis meses e até um ano após o termo do prazo fixado para a celebração do contrato prometido, com base em documento que comprove o consentimento das partes.” Já segundo o artigo 11.º do mesmo código, “(…) 2 - Os registos provisórios caducam se não forem convertidos em definitivos ou renovados dentro do prazo da respetiva vigência. 3 - É de seis meses o prazo de vigência do registo provisório, salvo disposição em contrário.”
Em face destas vicissitudes, improcede a pretensão da recorrente. p) A R. procedeu ao pagamento à “Telhados da Cidade” dos valores ou objetos constantes do acordo denominado contrato promessa de compra e venda com permuta, que deveriam equivaler ao valor acordado total de € 180.000,00 atribuído â fração “T”.
Nesta parte, alegou a recorrente: “Foi contratualmente convencionado entre a “Telhados da Cidade” (…) e a “Quinta do Fontanário” (…) que, em caso de esta vir a prescindir da entrega dos dois armazéns que prometeu entregar, o preço da aquisição da fração “T” seria pago em cheque (…) // Porém, já após a celebração do contrato promessa de compra e venda daquela fração, datado de 22 de Julho de 2009, em virtude de por incapacidade financeira não ser possível à Telhados da Cidade pagar à Quinta do Fontanário a dívida no valor de 185.570,55 € decorrente das três letras aceites por Telhados da Cidade e avalizadas pelo seu sócio-gerente, sr. HH, as partes acordaram no pagamento do preço da fração “T” mediante compensação dos respetivos créditos. // Com efeito, conforme alegado nos art. 60, 61, 62, 63, 64 e 65 da Contestação, a Ré era portadora das letras com os n.ºs ..., no valor de 31.856,85 €, ... no valor de 81.856,85 € e ..., no valor de 71.856,85 €, que foram apresentadas no Banco Montepio Geral para efeitos de cobrança, mas que não foram pagas, pelo que a Telhados da Cidade de forma a evitar a execução daquelas letras, propôs à Recorrente a compensação dessa dívida com o crédito (preço) que detinha sobre esta e relativo à fração “T”, tendo os originais dos identificados aceites sido devolvidos à Telhados da Cidade (vide Doc. 12 junto à Contestação), ficando deste modo ficou pago na totalidade o preço desta fração. // Estas três letras tiveram origem num acordo de parceria celebrado com a empresa Zumali para exploração de um projeto de turismo rural, tendo esta última empresa pagado a sua parte na parceria com o endosso das referidas cinco letras aceites por Telhados da Cidade e avalizadas pelo seu sócio-gerente, sr. HH (…)”.
Atendendo a que já antes abordamos a matéria referente ao putativo pagamento, designadamente para efeitos de apreciação do pedido de ampliação da matéria de facto (com fundamento no alegado nos arts. 57.º a 65.º da contestação), tendo inclusive transcrito o que foi defendido em sede de contra-alegações, bem como o que em sede de motivação da matéria de facto na sentença se escreveu a esse propósito (que aqui damos por reproduzido), outra conclusão não se poderá extrair para além de que também o constante desta alínea o) não ficou provado. q) A R. utilizou a fração desde 2009 como se fosse sua, retirando da mesma as utilidades que aquela podia proporcionar, de forma pública, contínua, pacífica e de boa fé, na convicção plena da legalidade do negócio e dos procedimentos da “Telhados da Cidade.
Redacção com teor jurídico e conclusivo que, obviamente, terá que ser eliminada.
Em síntese:
No que concerne à impugnação/reapreciação da matéria de facto, vai a pretensão recursória parcialmente procedente, nos moldes anteriormente expostos, para além das alterações que esta Relação levou a cabo oficiosamente, a saber:
1. Alteração da redacção dos factos provados n.º 16, 26 e 37 e das als. a), c), g) e j) da factualidade não provada, nos moldes que já se deixou transcrito;
2. Alteração dos factos 44 e 66, no sentido de os mesmos deverem ser eliminados da factualidade provada e passarem a integrar a factualidade não provada;
3. Aditamento de um novo facto (56º-A) com o teor que se deixou supra referido; e
4. Eliminação das als. b), d), e), l), m) e q) da factualidade não provada; 3. DA VERIFICAÇÃO DOS CARACTERES DA POSSE PARA A AQUISIÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE, COM FUNDAMENTO NA USUCAPIÃO, POR PARTE DA RÉ, SOBRE A FRACÇÃO AUTÓNOMA DESIGNADA PELA LETRA “T”
Tendo presente que estamos em face de uma acção de simples apreciação negativa24, incidia sobre a ré (ora recorrente) o ónus de demonstrar a verificação dos factos constitutivos25 do seu direito (artigo 343.º, n.º 1, do CC), não se podendo fazer valer, neste caso, da presunção derivada do registo (artigo 7.º do CRP).
Foi esse o entendimento que vingou no AUJ n.º 1/2008, de 04/12/200726, segundo o qual, “Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos artigos 116.º, n.º 1, do Código do Registo Predial e 89.º e 101.º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7.º do Código do Registo Predial.”27
É que, como também neste acórdão se realça, a justificação notarial não constitui acto translativo, pressupondo sempre, no caso de invocação de usucapião, uma sequência de actos a ela conducentes, que podem ser impugnados, antes ou depois de ser efectuado o registo com base naquela escritura.
Um direito de propriedade (como está aqui em causa) com fundamento na usucapião decorrerá dos concretos actos materiais de posse (com preenchimento dos seus dois elementos: corpus e animus), revestidos de determinadas características (posse pública e pacífica) e mantidos durante certo período temporal, que conduzirão a essa forma originária de aquisição (actos esses que são invocados na escritura de justificação).
Na sentença recorrida escreveu-se: “Em termos genéricos a apreciação da factualidade apurada aponta logo para uma perplexidade inicial, decorrente da circunstância de a R. se arrogar como proprietária de uma fração autónoma cuja propriedade está registada a favor de “Maconfer, Lda.”, com base num contrato promessa de compra e venda celebrado (sem atribuição de eficácia real) com uma entidade totalmente diversa, a “Telhados da Cidade”. Ainda que, previamente a esse contrato, esta última empresa tivesse celebrado com aquela um outro contrato promessa de compra e venda, através do qual lhe foi prometida a aquisição de um conjunto de frações. // Portanto, em primeiro lugar, a insolvente “Maconfer, Lda.” não prometeu vender qualquer fração “T” à R.. // E, em segundo lugar, o eventual incumprimento do contrato promessa celebrado entre a R. e a “Telhados da Cidade, Lda.” seria sempre gerador de efeitos meramente obrigacionais entre as partes intervenientes. // Ainda assim, pretende, a R. afirmar a aquisição originária do direito de propriedade sobre uma fração autónoma que lhe foi prometida vender por outrem, que não a sua legal proprietária. Propõe-se, então, demonstrar os carateres necessários de uma posse boa para usucapião, nos termos do direito de propriedade, ao abrigo do disposto nos arts. 1287º, 1295º e 1296º, do CC. // Estabelece o artigo 1251º, do CC, (…) // Ou seja, para o que nos interessa agora, consiste no exercício de poderes de facto por parte da R. que tenham por objeto a fração “T” e nos termos do direito de propriedade, exigindo-se que o possuidora adquira originariamente essa posse ou beneficie da sua transmissão numa forma legalmente prevista. // Segundo a conceção maioritária vigente (subjetiva ) da posse, (…) a posse é constituída pelo “corpus” (exercício de poderes de facto) e o “animus” (também denominado elemento psicológico), traduzindo-se este na convicção não apenas pessoal de atuação como proprietário, mas na concretização/exteriorização desse comportamento sobre a coisa no confronto com terceiros - arts. 1251º e 1253º CC. // Por seu turno, os detentores (ou possuidores precários), exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito, incluindo todos os que exercem atos materiais sobre a coisa no âmbito de outra relação jurídica estabelecida com aquele titular e cujo conteúdo compreenda a prática desses atos. // No caso concreto, a R. fundamenta a aquisição da sua posse com a entrega (mesmo assim, duvidosa, face ao que consta nos factos apurados em 17, 18 e 19) obtida na sequência da celebração, em 22.07.2009, de um contrato promessa de compra e venda/permuta celebrado com quem não era proprietário da fração “T”. // Ora, a posse pode ser adquirida através de uma das formas previstas no artigo 1263.º do Código Civil, cuja enumeração não é, em rigor, taxativa. // Sublinhe-se que, em regra, a entrega da coisa prometida vender não constitui um efeito típico do contrato promessa de compra e venda (cf. art.º 410.º do CC), não sendo a respetiva celebração um meio apto a transmitir a posse. Isto quer dizer que, a R. não adquiriu a posse através do contrato em causa tornando-se apenas, quando muito, mera detentora (art. 1253º, al. c), do CC). Nos casos em que as partes acordam na entrega antecipada da coisa prometida, celebram na verdade um contrato atípico ou inominado, diferenciado do contrato-promessa, constitutivo de um direito pessoal de gozo e sem aptidão portanto para conferir posse (…). // Poderá, no entanto, a título de exceção, admitir-se uma exceção nos casos em que os poderes de facto exercidos pelo promitente-comprador revistam o mencionado elemento psicológico (“animus”), isto é, da intenção de agir como dono da coisa, o que se deve apurar casuisticamente. // Voltando ao caso em apreço, resulta da matéria de facto provada que a R. sempre se assumiu como detentora da fração. Isto resulta das comunicações que realizou nos autos e perante a AI e a comissão de credores, enumeradas nos factos descritos em 13, 15, 20, 21, 22, 39, 40, e 42. // Assim, entre 2010 e, pelo menos, 2021, a R. sempre se assumiu de facto como detentora da fração, não se apresentando de forma concludente e publicamente como proprietária (independentemente de interiormente se considerar dona), até à altura em que deu a conhecer o processo de justificação notarial (e, coincidência ou não, foi após a escritura de justificação que foi realizada a troca de fechadura – vide facto 62). // A isto acresce a circunstância de, ao contrário do defendido pela R., e expresso nas declarações prestadas em sede notarial, ter ocorrido, por diversas vezes, e sob as mais diversas formas, a oposição manifesta à sua atuação, quer por parte da titular inscrita no registo predial e com a apreensão e declaração de insolvência regista na CRP desde 2010 (que suportou o pagamento dos impostos incidentes sobre a fração em causa até 2022), quer fruto das decisões judiciais que foram proferidas e notificadas no processo de insolvência, como evidencia a materialidade apurada. // Os mesmos factos agora considerados constituem igualmente obstáculo à verificação de qualquer mecanismo de inversão do título da posse (art. 1263º, al. d), do CC), pois a R. nunca se assumiu como verdadeira dona da fração até à celebração da escritura de justificação notarial. Sempre se identificou como promitente compradora expectante da celebração do contrato definitivo ou merecedora da concessão de um direito de crédito privilegiado, qualificando-se tal postura como de mera detentora da fração “T”. // Em bom rigor, salvo melhor entendimento, mesmo a celebração da escritura de justificação notarial não pode ser considerada como idónea para fazer operar tal inversão do título da posse, na medida em que as próprias comunicações ao titular inscrito realizadas no âmbito das escrituram não foram remetidas quem efetiva e legalmente representava a A., evidenciado no próprio registo pela inscrição da declaração de insolvência, ou seja, para a Administradora Judicial (vide factos 49 e 50). // Dito de outro modo, a comunicação pessoal ao titular registado não observou o disposto no art. 99º, n.º1, do Código do Notariado, na medida em que a notificação ali prevista não foi remetida para o administrador de insolvência, designado nos autos de insolvência em sede de sentença proferida, e objeto de publicitação e registo desde 2010. //Não houve, pois, uma atuação perante as pessoas que diretamente tinham interesse no direito em questão, comunicando a sua intenção de passar a possuir investido de uma qualidade uti dominus, ou seja como verdadeira possuidora em nome próprio (…) // Em conclusão, a R. sempre se assumiu objetivamente como promitente compradora expectante da celebração do contrato definitivo ou merecedora da concessão de um direito de crédito privilegiado, qualificando-se tal postura como de mera detentora da fração “T”, nos termos do disposto no art. 1253º, al. ), do CC. // E, como se não bastasse o já supra referido, não logrou igualmente a R. demonstrar o pagamento do preço acordado, o qual, a ter-se verificado, teria sido feito a quem não era proprietário. // Em suma, cabia à R. demonstrar a aquisição do direito de propriedade da fração “T” por usucapião (art. 1316º), demonstrado ter a posse da mesma por determinado lapso de tempo (15 anos), o que notoriamente não logrou fazer (arts. 1287º e 1296º, do CC. // Por isso, deve ser declarada a não verificação dos factos descritos na escritura de justificação notarial e, consequentemente, ser ordenada a entrega da fração “T” identificada nos autos à A. // Quanto ao pedido de declaração que o dito prédio pertence à “Maconfer, Lda.”, tal decorre já diretamente da presunção derivada do registo (art. 7º, do CRP), sendo que o pedido típico objeto desta ação é de simples apreciação negativa, e que a procedência deste implica automaticamente a plena vigência e eficácia registrais.”
Contrapõe a recorrente que a usucapião não está dependente do direito de propriedade, mas antes da posse desse mesmo direito, e que sempre exerceu sobre a fracção “T” uma posse “com a intenção de agir como beneficiário do direito de propriedade sobre aquela fração”, nunca se tendo apresentado perante a autora (ou perante a sociedade devedora) como promitente compradora, mas antes como possuidora. Refuta poder ser considerada uma mera detentora para os efeitos previstos na al. c) do artigo 1253.º do CC (já que nunca poderia exercer uma posse em nome da sociedade devedora, com a qual não celebrou qualquer contrato promessa de compra e venda).
E, continua, desde 22/07/2009 até à instauração da presente acção (29/12/2023), “manteve a posse daquela fração exercendo sobre ela um total controlo material de forma contínua, pública, pacífica e de boa-fé, na convicção plena de que o imóvel que lhe prometido vender pela entidade que contratualmente se apresentou como dona da mesma (a Telhados da Cidade) cumpriria o prometido e que a outorga da escritura de compra e venda seria uma mera formalidade. (…) // tendo a Recorrente sido investida na posse da fração “T” em 22.7.2009 pela Telhados da Cidade com a entrega das chaves e com a autorização da proprietária inscrita (Maconfer), desde logo se assumiu como tradiciária da mesma, ou seja, obteve o corpus pela tradição a coberto da pressuposição de cumprimento do contrato definitivo e, na expetativa fundada de que tal se verificasse, passou a praticar atos de posse com o animus de estar a exercer o correspondente direito de proprietária em seu nome, ou seja, intervindo sobre a fração como se sua fosse. // (…) o facto de a Recorrente ter conhecimento de que a fração T não estava inscrita em nome da Telhados da Cidade mas em nome da Maconfer, não se segue sem mais que estivesse de má-fé, mas pelo contrário de boa-fé pois a posse tinha a cobertura dos acordos celebrados entre a Maconfer e a Telhados da Cidade e por essa razão nenhuma lesão a Recorrente poderia ter causado ou veio a causar à proprietária inscrita.” // Acresce que a Recorrente pagou integralmente o preço de aquisição da fração “T”, (…)”.
Enfatiza que sempre a autora teve conhecimento da ocupação e a que título a mesma ocorria (assim como das intervenções que na mesma foram efectuadas a expensas da recorrente).
Apreciando.
Sendo certo que a questão de que agora se trata sempre estará dependente do que resultou da fundamentação de facto e do que se decidiu em sede de impugnação/reapreciação da mesma, não deixaremos de a analisar em conformidade com o que dessa facticidade resulta em sede jurídica.
Como decorre do facto 46, na escritura de justificação ora impugnada, a recorrente invocou ser possuidora da fracção “T” e declarou que “justifica a aquisição da aludida fracção por usucapião”.
Declarou que, não obstante esta fracção esteja registada a favor da Maconfer, esta prometeu-a vender à Telhados da Cidade (em 08/05/2007), sendo que a segunda, por sua vez, prometeu vendê-la à recorrente pelo preço de 180.000€, “livre de ónus e encargos e desembaraçada de quaisquer responsabilidades perante terceiros” (contrato promessa de compra e venda com permuta celebrado em 22/07/2009).
Isto posto,
Há que ter presente a noção de posse constante do artigo 1251.º do CC - “A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real” –, bem como os meios pelos quais a mesma pode ser adquirida (artigo 1263.º do CC), a saber: a) pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito28; b) pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor (aquisição derivada – a posse é transferida de um possuidor para outro, podendo dar origem à acessão da posse referida no artigo 1256.º do CC); c) por constituto possessório (artigo 1264.º do CC); ou d) por inversão do título da posse (artigo 1265.º do CC).
A posse pode depois ser titulada ou não titulada, de boa ou má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta (artigos 1258.º a 1262.º do CC).
Em anotação ao transcrito artigo 1251.º, já Pires de Lima e Antunes Varela29 escreviam: “A actuação de facto correspondente ao exercício do direito, por parte do possuidor, constitui o corpus da posse. O Corpus é apresentado neste artigo como elemento essencial da posse (…). // Ao elemento subjectivo – o animus – não se refere ostensivamente o artigo 1251.º, mas ele deriva de outras disposições do código, especialmente do preceito do artigo 1253.º”. Mais acrescentando: “o nosso legislador não aceitou a concepção objectiva da posse (…). Para que haja posse, é preciso alguma coisa mais do que o simples poder de facto; é preciso que haja por parte do detentor a intenção (animus) de exercer como seu titular, um direito real sobre a coisa, e não um mero poder de facto sobre ela.”
Diz-nos, ainda, o artigo 1252.º do CC que “1. A posse tanto pode ser exercida pessoalmente ou por intermédio de outrem. 2. Em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1257.º”.30
Porém, estatui o artigo seguinte que “São havidos como detentores ou possuidores precários: a) os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; b) Os que simplesmente aproveitam a tolerância do titular do direito; c) Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem”. Nesta última norma estão abarcadas as situações em que falta o animus possidendi.
Já segundo o artigo 1287.º do CC, “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião”).
A verificação da usucapião de imóveis (por ser essa que aqui interessa) depende, pois, da existência da posse, a qual tem de ser pública e pacífica - artigos 1293.º, al. a), e 1297.º, do CC – e do decurso decerto lapso de tempo – sendo os hiatos temporais os descritos nos artigos 1294.º a 1296.º do CC, podendo ler-se neste último que “Não havendo registo de título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé”.
Feita esta nota introdutória, quanto ao regime jurídico que se impõe ter presente, reitera-se que a recorrente fundamenta a aquisição na sua alegada posse com a tradição da fracção realizada na sequência da celebração, em 22/07/2009, de um contrato promessa de compra e venda com permuta celebrado com a sociedade Telhados da Cidade, a qual, não sendo proprietária da fracção, também havia celebrado um contrato promessa de compra e venda com a respectiva proprietária, a aqui devedora/insolvente.
Em termos de eventual integração do elemento corpus, provou-se que a recorrente “ocupou, mobilou, decorou, equipou e passou a utilizar a fracção” (em data que não resulta da factualidade provada), mais tendo contratado em 2011 com as respectivas entidades o fornecimento de água e electricidade (factos 57 e 58). Mais se provou que levou a cabo as intervenções e adquiriu os equipamentos descritos nos factos 59 a 64, assim como que suportou as despesas/comparticipações de condomínio referidas no facto 65.
Não se poderá, contudo, olvidar que a celebração de um contrato promessa de compra e venda não tem como efeito imediato a transmissão da propriedade, mas apenas a obrigação de celebrar o contrato prometido (sendo com a outorga da competente escritura pública de compra e venda, ou documento equivalente, que ocorrerá o efeito translactivo – artigos 408.º, n.º 1, 879.º, al. a), e 1317.º, al. c), todos do CC.
E, mesmo quando, através desse contrato promessa, a coisa é desde logo entregue ao promitente comprador, fica este último em situação de mera detenção ou posse precária (já que preenche o elemento corpus, mas já não o elemento animus possidendi).
Por pertinente, veja-se o acórdão do STJ de 09/06/201631, no qual se pode ler: “para funcionar a presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 1252.º do CC, importa que o pretenso possuidor se apresente como iniciador da posse, desligado portanto de qualquer possuidor antecedente, como nos casos de aquisição originária da posse por prática reiterada ou por inversão do título de posse, previstos, respetivamente, nas alíneas a) e c) do artigo 1263.º do CC. Já nos casos de aquisição derivada da posse, como sucede com a tradição material ou simbólica, efetuada pelo anterior possuidor, prevista na alínea b) do mesmo artigo, prevalecerá a presunção ilidível estabelecida no n.º 2 do art.º 1257.º, segundo a qual se presume que a posse continua no anterior possuidor, competindo assim ao adquirente provar não só a mera materialidade da traditio mas também a intencionalidade subjacente, mormente com apelo ao negócio em se fundou aquela traditio. Tem-se ainda discutido os termos em que opera o ónus de prova em sede da presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 1252.º do CC, havendo orientações jurisprudenciais dissonantes, entendendo alguns que só opera em caso de dúvida e que a prova do animus onera aquele que invoca a situação possessória; enquanto outros sustentam que essa presunção legal opera sempre que esteja demonstrado o corpus da posse, não recaindo nesse caso o ónus da prova do animus sobre aquele que invoca a situação possessória e beneficiando este daquela presunção legal, ainda que tenha sido elaborado quesito relativo a tal animus e o mesmo tenha obtido resposta negativa; finalmente, outros entendendo que, não recaindo o ónus da prova do animus sobre aquele que invoca a situação possessória sempre que esteja demonstrado o corpus da posse, ainda assim a presunção prevista no n.º 2 do art.º 1252.º do CC não operará sempre que, embora indevidamente, tenha sido elaborado quesito a inquirir da verificação positiva do animus da posse e tal quesito tenha obtido resposta negativa. Ora parece não haver dúvida que a sobredita presunção foi estabelecida em favor do pretenso possuidor, pelo que, não logrando ele provar o animus, recairá então sobre a parte contrária a prova da falta deste, sob pena de funcionar a respetiva presunção, a partir da factualidade demonstrada quanto ao corpus, na linha do doutrinado no AUJ do STJ, de 14/05/1996. É sabido que a celebração de um contrato-promessa de compra e venda protrai para momento posterior a realização do contrato prometido, só deste decorrendo o efeito típico de transmissão da propriedade da coisa, nos termos dos artigos 408.º, n.º 1, 879.º, alínea a), e 1317.º, alínea a), do CC, não tendo assim aquele contrato-promessa eficácia translativa. Neste quadro, tendo a coisa prometida vender sido logo entregue pelo promitente-vendedor ao promitente-comprador, tal entrega traduzir-se-á numa aquisição derivada da posse, nos termos previstos na alínea b) do artigo 1263.º do CC, a qual se presume, por força do n.º 2 do artigo 1257.º do mesmo Código, que continua em nome de quem a começou, ou seja, do promitente-vendedor. Nestas circunstâncias, o promitente-comprador ficará investido na situação de mero detentor, enquadrável no art.º 1253.º do CC, ainda que, dada a sua expectativa de realização do contrato definitivo, se lhe reconheça a titularidade de um direito pessoal de gozo, de base contratual, mais precisamente o acordo respeitante à traditio. Nas palavras de Antunes Varela: // «Os direitos pessoais de gozo do promitente-comprador (mesmo quando reforçados pela prestação do sinal e pela entrega antecipada da coisa, objecto do contrato prometido) assentam sempre sobre a pura expectativa da alienação prometida e não podem, por essa razão, exceder os limites impostos por tal situação.» Não obstante isso, a sobredita presunção da continuação da posse em nome do promitente-vendedor pode ser ilidida no sentido de que a vontade das partes fora a de transferir, desde logo, para o promitente-comprador por razões especificas - nas ditas situações excecionais -, a título definitivo, a posse da coisa correspondente ao direito de propriedade”.
Na situação em análise, como resulta da fundamentação de facto e da decisão proferida acerca da impugnação/reapreciação da mesma, a proprietária da fracção não concedeu qualquer autorização para que a recorrente passasse a ocupar a mesma (tal autorização apenas partiu da sociedade Telhados da Cidade), e nem sequer se poderá afirmar que essa ocupação e demais actuações da recorrente revelem que a mesma estivesse convicta de que a fracção lhe pertencia (já que, como decorre dos factos 13, 15, 20, 21, 22, 24, 31, 39 e 42, a mesma identificava-se perante os AI´s, a Comissão de Credores e o tribunal como promitente compradora interessada no cumprimento do contrato prometido de compra e venda).
E, adianta-se, também não estamos em face de um caso no qual tenha ocorrido inversão do título de posse (que traduz uma aquisição originária).
Para que assim suceda, necessário será que ocorra oposição do detentor contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse, mais se exigindo que o detentor manifeste directa e inequivocamente à pessoa em nome de quem possuía a sua intenção de actuar como titular do direito que se arroga.32
Assim o entendeu o STJ, no seu acórdão de 14/07/202133- “Não estando em causa um acto de terceiro capaz de transferir a posse (…), teria de demonstrar-se a existência de um acto de oposição contra a pessoa em cujo nome o agente vinha possuindo”. // Referem Rui Pinto e Cláudia Trindade, em anotação ao art. 1265º, (…): «[…] o ato de oposição traduz-se em o possuidor em nome alheio exprimir a sua intenção de deixar de representar na posse o representado e passar a agir como beneficiário do direito. Por outras palavras, declara um animus possidendi. (…) // A grande maioria da doutrina exige que essa oposição seja expressa e comunicada ao antigo possuidor, ou seja, consista numa declaração de vontade dirigida ao possuidor, não bastando atos de incumprimento do acordo, como deixar de pagar rendas. Esta interpretação tem a seu favor proteger melhor todo o sujeito que coloca outro a tomar conta de coisa sua. // Concordamos em que tem de haver uma declaração expressa: parece-nos que não basta deixar de cumprir obrigações contratuais – não pagar a renda de casa – ou praticar atos materiais que o contrato não exigiria ou não permitiria – fazer benfeitorias voluptuárias. É que tais comportamentos são significativos do ponto de vista obrigacional, mas não necessariamente do ponto de vista real. O sujeito pode achar que tem o direito de não pagar a renda em questão ou que pode fazer a obra voluptuária.»” (sublinhado nosso).34
Ora, como resulta da factualidade provada, não se mostra possível concluir que assim tenha sucedido no caso, ou seja, que a recorrente se tenha manifestado de modo inequívoco junto da devedora/insolvente como verdadeira possuidora do imóvel (sempre se tendo apresentado enquanto promitente compradora interessada na celebração do competente contrato prometido).
E, como defendido na sentença recorrida, também a celebração da escritura de justificação notarial “não pode ser considerada como idónea para fazer operar tal inversão do título da posse”, na medida em que as próprias comunicações ao titular inscrito (realizadas no âmbito da escritura) não foram remetidas a quem efectiva e legalmente representava a autora, ou seja, a AI (como evidenciado no próprio registo pela inscrição da declaração de insolvência).
A comunicação pessoal ao titular registado não observou o disposto no artigo 99.º, n.º 1, do CNotariado, pelo que, como referido na decisão recorrida, “Não houve, pois, uma atuação perante as pessoas que diretamente tinham interesse no direito em questão, comunicando a sua intenção de passar a possuir investido de uma qualidade uti dominus, ou seja como verdadeira possuidora em nome próprio.”
Quanto a este último aspecto, contrapõe a recorrente nas suas alegações (arts. 344º e 345º) que “se alguma falha a este respeito houve na notificação da insolvente terá a mesma que ser imputada à Recorrida”.35
Porém, estamos em face de um não argumento, seja em face do constante do facto provado n.º 10, seja porque a actual AI exerce o seu cargo desde 2018, facto do inteiro conhecimento da recorrente.
Em face de todo o exposto, bem andou a 1.ª instância quando decidiu no sentido de não ter a ora recorrente adquirido por usucapião a fracção autónoma aqui em causa (mais ordenando o cancelamento do respectivo registo), tanto mais que, como se demonstrará de seguida, e desde já se adianta, não ocorreu qualquer actuação com abuso de direito por parte da autora. 4. DO ABUSO DE DIREITO DA AUTORA
Na sentença recorrida consignou-se que “Os factos apurados e a apreciação efetuada sobre os mesmos supra, permitem concluir pela inexistência de qualquer abuso de direito praticado pela R. em termos enquadráveis no art. 334º, do CC.”
Quanto a esta questão, a recorrente volta a invocar o que já anteriormente havia defendido, concluindo depois que “Vir, como faz a Recorrida, ao fim de 17 anos, colocar em causa os factos possessórios da Recorrente sobre a fração “T” depois de durante esse longo período nada ter feito por opção própria para contrariar esses factos possessórios, adotando uma postura de total inércia perante a factualidade de que tinha pleno conhecimento, constitui inequivocamente abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, e ainda na modalidade de “supressio”, ao criar na Recorrente, durante esses 17 anos, a expetativa de que já não exerceria o direito de que agora se vem a arrogar com a presente ação.”36
Como já se adiantou antes, não lhe assiste razão.
Prescreve o artigo 334.º do CC que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
A boa-fé impõe uma actuação diligente, zelosa e leal (cfr., também, artigo 762.º, n.º 2 do CC), que não prejudique os legítimos interesses da parte contrária. Os bons costumes mais não traduzem do que um conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente, e em certo momento, as pessoas honestas e corretas aceitam como contrárias à imoralidade ou indecoro social. Já o fim social ou económico do direito apela a uma interpretação melhorada das normas, que dê valor à dimensão teleológica.
A figura do abuso de direito visa evitar situações de injustiça gravemente chocantes e reprováveis para o sentimento jurídico dominante na comunidade social, pressupondo um exercício de tal modo excessivo por parte do seu titular que acarrete que os direitos de terceiro fiquem reduzidos para além do que seria razoável.37
Como escreveu Antunes Varela, esta figura jurídica “(…) aponta de modo inequívoco para as situações concretas em que é clamorosa, sensível, evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjectivo, de carga essencialmente formal, e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou, pelo menos, dos direitos de certo tipo.”38
O abuso de direito abrange, assim, o exercício de qualquer direito de forma anormal quanto à sua intensidade ou à sua execução de forma a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiro e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício por parte do seu titular e as consequências que outrem tem de suportar.
E, consagrando o CC uma concepção objectivista deste instituto, nem sequer se mostra necessário que exista consciência de tal actuação (bastando que sejam efectivamente excedidos os limites a que apela o citado artigo 334.º)39.
A recorrente imputa à autora uma actuação com abuso de direito, nas modalidades de venire contra factum proprium e de suppressio.
Como esclarece Elsa Vaz de Sequeira40, na primeira dessas modalidades, “o agente afirma ou dá a entender ir adotar certo comportamento e depois age de maneira diversa ou contrária. O mesmo é dizer que uma pessoa pratica duas condutas, lícitas, contraditórias e desfasadas no tempo. A primeira ação realizada designa-se de factum proprium e a segunda de venire contra. Haverá um venire contra factum proprium positivo quando o sujeito expressa a intenção ou pelo menos gera a convicção de que não irá executar um ato e posteriormente executa-o. (…) O venire será negativo na hipótese inversa. Ou seja, quando o agente não efetua uma ação que anteriormente tinha feito crer que iria praticar.”41
Já na segunda modalidade, esclarece a mesma autora, “o agente não exerce o seu direito durante um lapso temporal considerável, criando por isso a convicção noutrem de que não o irá fazer. Não basta o mero não exercício, sendo simultaneamente preciso um indício objetivo que legitime essa convicção. (…) O titular do direito está consciente da sua situação, tem condições para agir, mas não o faz. Este problema só se coloca quando o período de tempo decorrido sem exercício do direito é menor do que os prazos de prescrição ou de caducidade. (…) Em tais circunstâncias, a tutela da confiança determina a neutralização do direito exercido tardiamente.”
Tendo subjacente o que consta da factualidade provada, não se poderá acompanhar a posição da recorrente quando defende que a autora, ao longo de 17 anos, terá assumido uma conduta susceptível de criar naquela a legítima convicção de lhe ser reconhecido o direito a ocupar a fracção “T” (seja enquanto possuidora, seja enquanto proprietária da mesma) ou de que não se iria insurgir contra a escritura de justificação notarial (impugnando-a judicialmente, como veio a suceder). 42
Basta ver o que ficou demonstrado e descrito nos factos 19 (informação prestada pelo AI em 21/10/2010 na qual, para além do mais, o mesmo refere expressamente que os contratos celebrados pela Telhados da Cidade “não são vinculativos da Massa Insolvente e da Comissão de Credores”), 32 (ter a AI, em 2020, encetado diligências para recuperar as fracções ocupadas), 35 (deslocações à fracção com vista a aferir do estado da mesma, da identidade de quem a ocupava e a que título o fazia), 36 (afixação, em 2021, na porta da fracção, de um aviso alusivo à mudança da fechadura), 37 (carta de 01/03/2021 a solicitar a entrega da fracção e resposta que a mesma mereceu) e 38 (diligências tendentes à venda da fracção).
Inexiste, assim, qualquer actuação da autora em abuso de direito, a qual mais não fez do que exercer um direito que lhe assistia e que se impunha, desde logo para protecção dos interesses dos diversos credores da massa insolvente (até considerando que a fracção havia sido alvo de apreensão/arrolamento em 2010, facto devidamente registado na CRP).
Como tal, reafirma-se a correcção da sentença recorrida quando decidiu considerar não verificados os factos descritos na escritura pública de justificação notarial celebrada em 25/01/2023, declarando-se que a recorrente não adquiriu por usucapião a fracção “T”, bem como quando ordenou o cancelamento de quaisquer registos operados com base em tal escritura. 5. DA SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Na sentença recorrida, justifica-se a condenação com fundamento no “acervo factual apurado e dado o período de tempo decorrido, bem como, o comportamento de recusa na desocupação do imóvel sem que tenham os autores reclamado créditos nos termos legais e a quem de direito e após diversos despachos judiciais que não deram acolhimento à permanência no imóvel”
Alega a recorrente: “(…) a condenação da Recorrente no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória pressupõe o incumprimento de uma obrigação principal, no caso, a entrega da fração “T” à autora na pessoa da Exma. Sra. Administradora de Insolvência. (…) a Recorrente não se encontra condenada na entrega da fração “T” seja à Autora, seja a quem for. Na falta de condenação na entrega da fração “T” não pode subsistir a condenação no pagamento de uma sanção que visa compelir a Recorrente a cumprir aquilo em que efetivamente não foi nem está condenada.”
Para depois acrescentar que nunca existirão fundamentos para uma tal condenação, porquanto “nunca foi notificada pela Autora para proceder à entrega da fração. Com exceção da carta dirigida a BB no ano de 2021, que na altura não era nem gerente nem sócio (e ainda hoje não é sócio) da Recorrente, inexistem nos autos quaisquer interpelações da Autora à Recorrente visando a reivindicação da propriedade da fração “T”.”, assim como inexiste qualquer despacho a determinar-lhe que desocupasse a fracção.
Bem como sempre ter informado a autora e os diversos órgãos da insolvência da ocupação e das razões em que a mesma se estribava, não se podendo pressupor que, perante uma condenação a determinar a entrega da fracção, não a venha a cumprir.
Conclui depois: “A condenação da Recorrente no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de quinhentos euros (500,00 €) por dia surge assim, por um lado, sem qualquer fundamento e, por outro, mostra-se de tal forma excessiva que não é enquadrável sequer no “prudente arbítrio do tribunal”, tão pouco se mostra uma condenação obtida com recurso à equidade: quinhentos euros diários, representa quinze mil euros por mês, cento e oitenta mil euros por ano..!. Ou seja, pouco menos do que o preço da fração em causa.”
Contrapõe a recorrida não ser necessária uma sentença condenatória a ordenar a restituição da fracção à massa insolvente (porquanto assim decorre dos artigos 149.º e ss. do CIRE), bem como ter sido a entrega da mesma solicitada, para além de existirem diversos despachos a recusar a pretensão da recorrente, a qual assumiu uma postura processual censurável e entorpecedora da acção da Justiça (com a constante apresentação de requerimentos e incidentes).
Prescreve o artigo 829.º-A do CC que “1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso. 2. A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.3. O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado. 4. Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.”
Como decorre deste preceito, a sanção em causa, para além de ter de ser requerida e posteriormente imposta pelo tribunal (o qual não a poderá impor oficiosamente), apenas é aplicável às prestações de facto infungíveis, positivas ou negativas43 (e não a todas, como resulta da ressalva feita no seu n.º 1) e tem por finalidade típica compelir/constranger o devedor a cumprir (está em causa forçar o cumprimento da obrigação e não a sua execução)44.
E, como dá nota Maria Vitória Rocha45, esta sanção não extingue a obrigação principal, antes gerando uma obrigação acessória e condicional (já que subordinada ao não cumprimento daquela), sendo alheia a qualquer pretensão indemnizatória.
Mas, como também acrescenta, no caso das prestações de facto positivas infungíveis, a sanção justificar-se-á quando a realização exija a “intervenção do devedor, pelas suas qualidades pessoais, sob pena de o interesse do credor não ser satisfeito” (ou seja, a prestação tem que ser necessariamente realizada pelo devedor, e não por terceiro).
Reportando ao caso, e tendo presente o que, em sede de apreciação do invocado vício de nulidade da sentença se deixou já afirmado, a entrega dos bens que integram o património da devedora é uma consequência necessária da apreensão dos mesmos para a massa insolvente (apreensão essa que, por sua vez, resulta da declaração da insolvência) e que incumbe ao AI levar a cabo, o qual, em caso de oposição/resistência, pode, inclusive, requisitar o auxílio de força pública (meio coercivo previsto na lei) – artigos 36.º, n.º 1, g), 149.º, n.º 1 e 150.º, todos do CIRE.
Nessa medida, independentemente de a ré proceder ou não, voluntariamente, à entrega, sempre a mesma não ficará obstaculizada (podendo ser concretizada com recurso à força pública).
A dúvida que se poderá suscitar é referente à possibilidade de, não obstante assim ser, poder o tribunal condenar a ré no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na concretização dessa entrega.
Ora, nesta parte, não nos poderemos alhear do contexto em que o presente caso se move, designadamente que estamos em face de uma acção de simples apreciação negativa – impugnação judicial da escritura de justificação notarial, na sequência da qual a propriedade da fracção “T” ficou registada a favor da ré (com fundamento na aquisição por usucapião).
Já vimos que inexistia fundamento para que assim tivesse sucedido mas o facto de se ter decidido nesses termos, não permite, sem mais, extrair um juízo quanto à bondade da condenação de que agora se cuida.
Não obstante a declaração da insolvência e a apreensão da fracção para a massa insolvente terem sido alvo do competente registo, o certo é que também a recorrente veio a registar a propriedade da mesma a seu favor. E, precisamente por este último ter sido efectuado, é que na presente acção a autora peticionou expressamente que se ordenasse “o cancelamento de quaisquer registos operados com base nas referidas escrituras”.
Impunha-se, pois, aferir se o direito declarado na escritura de justificação existia ou não (o que, tanto na 1.ª instância, como nesta Relação, mereceu resposta negativa).
Através da presente acção não se peticionou a condenação da ré a uma qualquer prestação (nem positiva, nem negativa), mas tão somente a declaração de inexistência de um direito que aquela afirma existir46. Como tal, inexistindo um concreto conteúdo condenatório imposto à ré (uma concreta obrigação que a mesma, e só ela, tenha que cumprir), carece de justificação a imposição de uma sanção pecuniária compulsória (a qual sempre pressupõe uma obrigação de cumprir, isto é, de fazer ou de não fazer).
E o facto de, ao longo de todo este período (que se arrasta desde 2010), sempre a recorrente se ter mantido a ocupar a fracção “T” (nas circunstâncias a que se já se aludiu e sobre as quais já nos pronunciamos), ocupação essa que manteve mesmo após saber que a AI pretendia a sua entrega (como descrito no facto 37), não permite afirmar com segurança, nem sequer em termos indiciários, que tal postura vá perdurar – isto é, que a ré não irá desocupar a fracção após o reconhecimento judicial de não lhe assistir qualquer direito para tal ocupação.
O facto de existir um litígio entre as partes e de ter sido intentada a presente acção, não permite antecipar e afirmar que a recorrente não irá colaborar na entrega da fracção ou que irá criar obstáculos a que a massa insolvente dela se aproprie materialmente (porquanto a apreensão jurídica já existe desde 2010).
Por fim, uma vez decidido o presente litígio, sempre a AI poderá agir nos moldes já anteriormente expostos – apreensão material da fracção, se necessário com recurso à força pública -, carecendo, assim, de haver lugar a qualquer condenação nos moldes constantes da sentença recorrida (já que, reitera-se, a entrega do imóvel sempre poderá ser efectivada sem que para tanto seja necessária qualquer colaboração da recorrente).
Termos em que, quanto a este segmento condenatório, será de revogar o decidido.
6. DA INDEMNIZAÇÃO POR BENFEITORIAS REALIZADAS PELA RÉ NA FRACÇÃO
Entende a recorrente que, em face do que ficou provado nos factos 59 a 64, ficou demonstrado que a mesma realizou benfeitorias (no interior e exterior da fracção), num montante global de 18.693,47€.
E, ao considerar que a mesma não deverá ser indemnizada por esse valor, sob a argumentação de ser “uma possuidora precária de má-fé, ou mera detentora da fracção”, o tribunal recorrido fez errada interpretação dos dispositivos legais aplicáveis.
Argumenta que, ao ocupar e habitar a fracção com o pleno conhecimento e autorização da proprietária inscrita, jamais poderia lesar o direito da sociedade insolvente, Maconfer (não tendo consciência que a pudesse prejudicar), concluindo ter exercido uma posse de boa-fé e nunca poder ser considerada uma mera detentora (já que não exerceu “o poder de facto sobre a coisa sob as ordens e as instruções do titular do direito”). Sustenta o agora invocado no teor dos Docs. 1, 5 e 28 juntos à PI e nos depoimentos das testemunhas EE e FF.
Acrescenta que, não obstante soubesse que a proprietária inscrita não era a sociedade Telhados da Cidade, era igualmente do seu conhecimento que entre tal sociedade e a insolvente existia um acordo de permissão quanto à segunda poder comercializar as fracções. Mais alega nunca se ter dirigido à autora na qualidade de promitente compradora, antes o tendo feito na qualidade de possuidora.
Tendo subjacente o que já anteriormente se defendeu, dispensamo-nos de reproduzir o que já escrevemos, sem contudo deixar de enfatizar que não ficou demonstrado que a ocupação da fracção “T” ocorresse com a concordância (ou sem oposição) da massa insolvente e respectivos AI´s, assim como que nada se apurou quanto a ter a ré invocado perante a autora a sua putativa qualidade de possuidora (apenas o tendo feito na qualidade de promitente compradora – cfr. factos 13, 15, 20, 21, 22, 24, 31, 39 e 42).
Isto posto,
Rege o artigo 1273.º, n.º 1, do CC que “Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela”.
Por seu turno, decorre do artigo 216.º, n.º 3, do mesmo código, serem benfeitorias necessárias as que se mostram indispensáveis à conservação da coisa ou tendentes a evitar que a mesma se deteriore ou destrua, e benfeitorias úteis as que incrementam o valor da coisa (ou, acrescentaremos, a sua utilidade), embora não sejam indispensáveis.
Estão em causa obras ou melhoramentos levados a cabo numa coisa.
Nas palavras de Marta Sá Rebelo47, as benfeitorias a que alude o citado artigo 1273.º “procuram o melhoramento da própria coisa, alcançando efeitos duradouros”, mais esclarecendo que “A dissociação entre o proprietário da coisa beneficiada e o autor da intervenção de melhoria ou conservação justifica a autonomia de tratamento jurídico das benfeitorias. Por gerarem o enriquecimento daquele – beneficiação de coisa de sua propriedade – à custa deste – que suporta a despesa respetiva – surge a necessidade de regular se, quando, como e em que medida há lugar a reembolso.”
Mas, realça, para que se possam caracterizar as benfeitorias como necessárias é exigível que produzam “o real efeito de conservação da coisa. (…) só se a benfeitoria necessária for de facto imprescindível à conservação da coisa se justifica que em relação a esta não se admita a restituição do enriquecimento através do levantamento da mesma e se imponha ao proprietário o pagamento de uma indemnização.”
Já com relação às benfeitorias úteis, continua esta autora, o aumento do valor da coisa deverá “ser apreciado em termos objetivos, atendendo à vantagem concretamente produzida, ou seja, confrontando o valor da coisa antes e depois do melhoramento. É esta a diferença para mais que consubstancia o enriquecimento e não o montante despendido pelo benfeitorizante.”48
Sucede que a qualidade de possuidor (com corpus e animus possidendi) é pressuposto legal para que o disposto no artigo 1273.º possa ser invocado.
Ora, assim não sucede com a ré, a qual é apenas uma mera detentora da fracção autónoma aqui em causa, para além de que sempre teve conhecimento de quem era a proprietária do imóvel, ou seja, que não era a sociedade Telhados da Cidade (com quem outorgou o contrato promessa de compra e venda referente à mesma).
Nessa qualidade, nunca poderá a mesma reivindicar o pagamento do montante que despendeu a título de benfeitorias levadas a cabo no imóvel, as quais, diga-se, por um lado, nunca poderiam ser caracterizadas como necessárias (atendendo ao que consta da matéria de facto), e, por outro, nem sequer resultou demonstrado qual a vantagem concretamente obtida que das mesmas poderá ter resultado (apenas foi alegado e apurado o montante gasto).49
Acresce que os actos descritos nos factos 61 a 64 ocorreram em momento posterior ao da celebração da escritura pública de justificação notarial (a qual se realizou em 25/01/2023, vindo depois a aquisição a favor da ré a ser registada em 02/03/2023 – factos 45 e 54) e, não obstante os actos descritos nos factos 59 e 60 o tenham sido em data anterior (Fevereiro e Julho de 2020), são igualmente posteriores ao da apreensão do imóvel para a massa insolvente e competente registo (o que ocorreu em 2010 – factos 9 e 10).
Por fim, não se poderá, também, desvalorizar o que demais resultou provado, a saber: email enviado ao AI em 27/04/2010 dando conta da intenção de cumprir o contrato promessa, o que foi reiterado na carta de 03/05/2010 (factos 13 e 15); requerimento de 11/01/2011 enviado ao processo, no qual se declara que a ré pretendia “cumprir escrupulosamente o acordado” (facto 20), o que foi reiterado em requerimento de 12/12/2011 (facto 22 – “pretendendo cumprir o contrato celebrado nos seus exactos termos, encontrando-se pronta a outorgar a respectiva escritura”); carta dirigida à AI em 12/02/2020 através da qual foi manifestado o propósito de permanecer na fracção ao abrigo do contrato promessa celebrado, pagando-se “o que tem a pagar (170.000,00€)” (facto 31). A ré igualmente invocou a sua qualidade de promitente compradora no requerimento que dirigiu ao processo em 30/03/2021 e na exposição que foi endereçada à Presidente da Comissão de Credores em 30/03/2021 (factos 39 e 42).
Ou seja, em face de todo este quadro, sabendo a recorrente que o contrato promessa foi celebrado com entidade que não era proprietária da fracção e que a ocupação não era autorizada pela autora (não tendo igualmente sido apurado que o tenha sido pela devedora insolvente), tendo executado as invocadas benfeitorias já depois de ter conhecimento que aquele contrato não iria ser cumprido (ou seja, que não iria ser celebrado o respectivo contrato prometido50), sempre a mesma saberia (ou deveria saber) que não teria direito ao imóvel, razão pela qual não deveria ter efectuado quaisquer melhoramentos no mesmo (os quais sempre serão da sua exclusiva responsabilidade e terão de ser apenas por si suportados).
Nessa medida, mesmo que fosse considerada possuidora (o que não é o caso), sempre seria uma possuidora de má fé.
Termos em que nada há a censurar quanto ao decidido pela 1.ª instância, ou seja, quando se considerou nada ser devido à recorrente a título de benfeitorias.
Por fim, há a assinalar que, não obstante a recorrida, em sede de contra-alegações, tenha devolvido à recorrente a acusação de abuso de direito, em face do decidido no presente acórdão, prejudicado ficou o conhecimento de tal matéria.
***
IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas desta Secção do Comércio em julgar:
- Parcialmente procedente a apelação quanto à impugnação/reapreciação da matéria de facto;
- Parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogar o segmento da sentença respeitante à condenação da ré/recorrente no pagamento de sanção pecuniária compulsória, desse pedido sendo a mesma absolvida, no mais se mantendo a sentença recorrida.
Custas pela recorrente e pela recorrida, na proporção de 5/6 para a primeira e de 1/6 para a segunda.
Lisboa, 14 de Outubro de 2025
Renata Linhares de Castro
Amélia Sofia Rebelo
Isabel Maria Brás Fonseca
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1. Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem. Já no que concerne às transcrições referentes às peças processuais, respeitou-se integralmente o que das mesmas consta, pelo que não se procedeu a qualquer rectificação dos lapsos de escrita ou inexactidões que foram detectados.
2. Dessa decisão foi interposto recurso, o qual foi julgado improcedente por acórdão desta Secção proferido em 10/12/2024, já transitado em julgado (Apenso XT).
3. Conclusões que, diga-se, continuam a não se poderem qualificar de sintéticas. Não obstante a peça processual apresentada contenha novamente a motivação de recurso, apenas se atenderá à motivação que foi inicialmente apresentada (já que o despacho convite visou unicamente a sintetização das conclusões).
4. Veja-se, nesta matéria, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/2018 (Proc. n.º 1867/14.0TBBCL-F.G1, relator José Alberto Moreira Dias), disponível in www.dgsi.pt, como os demais que vierem a ser citados, sem referência à respectiva fonte.
5. Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª edição, 2008, pág. 54.
6. Código de Processo Civil Anotado, volume II, 3ª edição, Almedina, pág. 736.
7. Proc. n.º 16858/22.0T8SNT-A.L1-2, relator Arlindo Crua.
8. Como defendido no acórdão de 19/12/2024, proferido no Apenso XS (relatado pela aqui 2.ª Adjunta), com plena pertinência, “a dinâmica do relacionamento estabelecido entre os intervenientes na presente ação – e de outros intervenientes em outros processos – só é percetível na sua amplitude se confrontados os vários elementos factuais e jurídicos que emergem do processo de insolvência e demais apensos, nomeadamente o apenso de apreensão e de liquidação.”
9. No que concerne à obscuridade conducente à ininteligibilidade da decisão, já ALBERTO DOS REIS, escrevia que “A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.”, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 151.
10. Segundo ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, pág. 686, não se inclui na previsão do artigo 615.º o chamado erro de julgamento, designadamente quando se discorda do enquadramento jurídico adoptado (erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou na interpretação desta última) ou quando possa ter ocorrido injustiça na decisão.
11. Direito Processual Civil, Vol. II, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ed. da Associação Académica, 1987, pág. 802.
12. Proferido no âmbito do Proc. n.º 2200/10.6TVLSB.P1.S1 e relatado por Alexandre Reis, cujo sumário está disponível nos sumários de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça. Secções Cíveis.
13. Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984, pág. 143.
14. Decorre desta norma que o recorrente que impugne a matéria de facto deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da requerida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
15. Segundo este preceito, “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
16. Nesse sentido, entre outros, vejam-se os recentes acórdãos desta Secção de 08/04/2025 (Proc. n.º 2139/17.4T8LSB-B.L1, Renata Linhares de Castro), de 08/04/2025 (Proc. n.º 18588/16.2T8LSB-FX.L1, relatora Elisabete Assunção) e de 25/03/2025 (Proc. n.º 13032/24.4T8LSB.L1, relatora Manuela Espadaneira Lopes), bem como o da Relação de Guimarães de 19/12/2023 (Proc. n.º 1526/22.0T8VRL.G1, relatora Maria João Matos).
17. No que a esta última alegação concerne, importa frisar que, da documentação junta aos autos alusiva à promoção do leilão (e que é apenas o Doc. 18 junto com a PI), constata-se que, com relação a cada uma das fracções a vender, é mencionado o “estado de ocupação”. No caso da fracção “T” (verba 20), aí se refere: “devoluto”. Tal menção veio a ser acusada no requerimento que a ré apresentou no processo e ao qual alude o facto n.º 40 (cfr. Doc. 20 junto com a PI). Posteriormente, a mesma leiloeira veio admitir ter-se tratado de um lapso, alterando o estado do imóvel para “ocupado” (cfr. Doc. 9 junto com a Contestação).
18. Assim decorre do art. 14.º da PI e do constante de fls. 34 da sentença (onde se refere expressamente o ano de 2022). Aliás, tendo a insolvência sido declarada em 2010, nunca a menção ao ano de 2002 teria qualquer justificação.
19. “Por sentença de 21/07/2022, já transitada em julgado, proferida no apenso referente à verificação e graduação de créditos (apenso A), para além do mais, foi decidido: «(…) b) Graduo os mesmos créditos da seguinte forma: // - Relativamente ao produto resultante da venda de bens imóveis apreendidos: (…) 1º (…) // 2º Os créditos privilegiados reclamados pela Fazenda Nacional, respeitantes a IMI, no valor reconhecido, relativamente a cada um dos prédios a que diga respeito o imposto; (…)»”.
20. E quanto às imputações feitas ao tribunal, na pessoa do Mmo. Juiz a quo, escreve a recorrida: ”(…) o mandatário da Autora elaborou apontamentos para lhe servirem de guião à produção de prova em audiência, designadamente (i) um índice de documentos da petição inicial e um índice de documentos da contestação, bem ainda (ii) três quadros resumo relativos aos valores alegados nos articulados a propósito do pagamento do preço da fracção T destes autos, bem como da fracção U do apenso XP. // No decorrer dos trabalhos da audiência (…), em momento que não podemos precisar e com a prévia concordância informal do I.M. da Ré e do Senhor Juiz, foi proporcionada a todos uma cópia dos referidos índices de documentos, de modo a facilitar os trabalhos. // Na mesma linha de colaboração, no final do julgamento realizado, e como se tivesse revelado desnecessário desenvolver em alegações os quadros resumo supra referidos, dada a flagrante inconsistência do depoimento do declarante, foi manifestada pelo signatário a disponibilidade para também facultar cópia dos mesmos, exibindo-os previamente ao I.M. da Ré e ao Sr. Juiz, quando ambos ainda se encontravam na sua respectiva bancada, na sala onde havia decorrido a audiência. // Por um lado, pelo I.M. da Ré foi manifestada a sua concordância e por outro, pelo Senhor Juiz foi manifestado que os trabalhos já havia acabado e que, tal como os índices, podia recebê-los mas sem que lhes reconhecesse qualquer relevância ou carácter de documento – como nem podia reconhecer -, acabando por, mais uma vez, ser facultada a todos uma cópia dos ditos quadros resumo.” Acrescenta ainda que nunca a recorrente se recusou/opôs à extracção e disponibilização de cópia de tais elementos.
21. Do art. 88.º da contestação consta: ter sido “o próprio sócio-gerente da proprietária registada “Maconfer”, sr. Eng.º JJ, quem requer em 2010 no registo predial o registo de várias frações da sua representada a favor da “Telhados da Cidade” subscrevendo com o seu próprio punho a respetiva requisição e apondo na mesma o carimbo da “Maconfer” – vide DOC.25 (…)”
22. O que não deixa de vir ao encontro do constante no Doc. 26 junto com a contestação – escritura pública de compra e venda celebrada entre as sociedades Maconfer e Telhados da Cidade, referente à fracção AO, do Bloco E (fracção essa que veio depois a ser vendida pela segunda – Doc. 27 junta à contestação).
23. Não é admissível um juízo de facto conclusivo que contenha em si a resposta (mesmo que parcialmente) a uma questão de direito (esta nunca poderá ser respondida no âmbito da decisão de facto, apenas o podendo ser em sede jurídica e tendo subjacente os factos carreados e demonstrados nos autos).
24. Cfr. Artigo 10.º do CPC: “(…) 2 - As ações declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas. 3. As ações referidas no número anterior têm por fim: a) As de simples apreciação, obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto; (…)”
25. ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2.ª edição, 2020, pág. 42, referindo-se às acções de simples apreciação, escrevem: “na sua formulação negativa recairá sobre o réu o ónus da prova da existência do direito ou do facto que o autor veio (legitimamente) questionar, assim se compreendendo, nestes casos, a manutenção do articulado de réplica, que permite ao autor responder à matéria que for alegada pelo réu na contestação.”
26. Disponível in DR n.º 63/2008, Série I de 31/03/2008, págs. 1871-1879.
No mesmo se acrescentando: “a usucapião constitui o fundamento primário dos direitos reais na nossa ordem jurídica, não podendo esquecer-se que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião (…).” E justifica-se o afastamento da presunção prevista no artigo 7.º do CRP nos seguintes termos: “o registo foi feito exactamente com base na escritura de justificação, agora impugnada. // A impugnação da escritura de justificação significa a impugnação dos factos com base nos quais foi celebrado o registo. // A impugnação desses factos, traduzida na alegação da sua não verificação ou da sua não correspondência com a realidade, não pode deixar de abalar a credibilidade do registo e a sua eficácia prevista no artigo 7.º do Código do Registo Predial, que é precisamente a presunção de que existe um direito cuja existência é posta em causa através da presente acção. // Daí que, impugnada a escritura com base na qual foi lavrado o registo, por impugnado também se tem de haver esse mesmo registo, não podendo valer contra o impugnante a referida presunção, que a lei concede no pressuposto da existência do direito registado. // A escritura de justificação notarial, com as declarações que nela foram exaradas, apenas vale para efeito de descrição do prédio na conservatória do registo predial, se não vier a ser impugnada - artigo 101.º do Código do Notariado. // Como o registo foi feito com base em tal escritura de justificação, aqui impugnada, e precisamente porque o foi, não pode ele constituir qualquer presunção de que o direito existe, já que é este mesmo direito cuja existência se pretende apurar nesta acção. // O princípio da boa fé registral não pode, só por si, justificar a solução oposta, sobretudo porque a escritura de justificação é um meio de suprir a falta de um título para registo. // Acresce que, não estando a acção sujeita a qualquer prazo de caducidade (…), é totalmente indiferente que já tenha ou não sido lavrado o registo com base na escritura de justificação. // Se o registo já se encontrar lavrado (…), o autor impugnante apenas terá de pedir o seu cancelamento - artigo 8.º, n.º 1, do Código do Registo Predial. // O que tudo permite concluir, como se conclui, que o direito de propriedade afirmado na escritura de justificação notarial e, com base nela, levado ao registo, passou a ser incerto com a impugnação apresentada, daí decorrendo que os réus não possam beneficiar da aludida presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial.” (sublinhados nossos).
27. Artigo 116.º do CRP: “1 - O adquirente que não disponha de documento para a prova do seu direito pode obter a primeira inscrição mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação previsto neste capítulo. 2 - Caso exista inscrição de aquisição, reconhecimento ou mera posse, a falta de intervenção do respetivo titular, exigida pela regra do n.º 2 do artigo 34.º, pode ser suprida mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação previsto neste capítulo. 3 - Na hipótese prevista no número anterior, a usucapião implica novo trato sucessivo a partir do titular do direito assim justificado.”
28. Como referem PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1987, pág. 27, “Só através de actos materiais, isto é, de actos que incidem directa e materialmente sobre a coisa se pode adquirir a posse, e nunca através de actos de disposição ou de administração. Se alguém, por exemplo, paga habitualmente a contribuição predial e outros encargos relativos a determinado imóvel, não adquire, através desses actos, a posse do prédio. Trata-se, com efeito, de actos que podem ser praticados por qualquer pessoa, não pressupondo uma relação de facto sobre a coisa.”
29. Obra citada, pág. 5.
30. PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, obra citada, pág. 8, em anotação a este preceito, defendem: “O n.º 2 estabelece uma presunção de posse em nome próprio por parte daquele que exerce o poder de facto, ou seja, daquele que tem a detenção da coisa (corpus), salvo se não foi o iniciador da posse (referência ao n.º 2 do art. 1257.º). (…) Justifica-se esta presunção, dado que é difícil, se não impossível, fazer a prova da posse em nome próprio, que não seja coincidente com a prova do direito aparente; e este pode, inclusivamente, não existir.”
31. Proc. n.º 299/05.6TBMGD.P2.S2, relator Tomé Gomes.
32. Nesse sentido, PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, obra citada, pág. 30 - “A inversão do título da posse (a chamada interversio possessionis) supõe a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio. A uma situação sem relevo jurídico especial vem substituir-se uma posse com todos os seus requisitos e com todas as suas consequências legais. // A inversão pode dar-se por dois meios: por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía, ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse. (…) // Torna-se necessário um acto de oposição contra a pessoa em cujo nome o opoente possuía. Nesse sentido pode dizer-se que ainda se mantém a regra nemo sibi causam possessionis mutare potest. Não basta sequer que a detenção se prolongue para além do termo do título (depósito, mandato, usufruto a termo, etc.) que lhe servia de base. O detentor há-de tornar directamente conhecida da pessoa em cujo nome possuía (quer judicial, quer extrajudicialmente) a sua intenção de actuar como titular do direito.”
33. Proc. n.º 1660/15.3T8STR.E1.S1, relator Tibério Nunes da Silva.
34. Anotação in Código Civil Anotado, ANA PRATA (Coord.), vol. II, Almedina, 2.ª edição, 2017, págs. 47-48.
35. Para tanto defendeu: “a notificação feita por aquele sr. Notário foi enviada para a morada da anterior Administradora da Insolvência, sra Dra PP, cabendo à atual Administradora da Insolvência, Dra AA, atualizar a morada da insolvente, o que não fez, violando desse modo o disposto na alínea a), do n.º 1, do art. 2.º, a alínea a), do n.º 1, do art. 8.º A e a alínea e) do n.º 1 do art. 98.º e ainda o art. 5.º, todos do Cód. Reg. Predial, conforme, aliás, alegado no art. 124.º da Contestação.” A menção ao artigo 98.º do CRP dever-se-á a lapso de escrito, sendo que a norma que se terá pretendido invocar será antes a do artigo 93.º do mesmo diploma.
36. Em reforço da sua posição, cita, entre outros, o acórdão do STJ de 07/11/2023 (Proc. n.º 10972/10.1TBVNG.P2.S1, relator Ricardo Costa), em cujo sumário se pode ler: “I – É insusceptível de ser declarada a ineficácia de justificação notarial de aquisição de propriedade por usucapião se a respectiva actuação processual em juízo é contraditória com a conduta anterior dos autores na acção, vista na sua globalidade como atentatória da tutela da confiança do adquirente por essa via de aquisição, e, portanto, configurada como abusiva, ao abrigo do art. 334.º do CCiv., na modalidade de “venire contra factum proprium” positivo” (o agente abusador gera a convicção de que não irá praticar certo acto e depois, contra a legítima excepctação de conduta, pratica o acto.).”
37. Citando o já antigo, mas ainda actual, acórdão do STJ de 08/11/1984 (in BMJ, n.º 341, pág. 418), verifica-se uma situação de abuso do direito quando este se exerce em termos clamorosamente ofensivos da justiça; quando, com esse exercício, se ofende clamorosamente o sentimento jurídico dominante.
Ou, recorrendo às palavras de PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 4.ª edição, 1987, págs. 298-300, “exige-se que o excesso cometido seja manifesto. Os Tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso. (…)”. E, continuam, “O abuso do direito pressupõe logicamente a existência do direito (direito subjectivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. A nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido.”
38. Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 128.º, pág. 241.
39. Porém, como referido no acórdão desta Secção proferido em 30/09/2025, no âmbito do apenso XP (relatora Manuela Espadaneira Lopes), “Isto não significa, no entanto, que ao conceito de abuso de direito consagrado no artigo 334º sejam alheios factores subjectivos, como por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido. A consideração desses factores pode interessar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito.”
40. Comentário ao Código Civil, Parte Geral, obra citada, págs. 967-968.
41. Segundo VAZ SERRA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 111.º, pág. 296, há abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium, se “alguém exercer o direito em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente a outra parte tenha confiado”.
Deste modo só se considera como venire contra factum proprium a contradição directa entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor. Baseia-se, directamente, no princípio da confiança, um dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico.
42. Cfr. Acórdão do STJ de 05/06/2018 (Proc. n.º 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1, relator Henrique Araújo), em cujo sumário se consignou: “I – O abuso do direito – art. 334.º do CC -, na modalidade da supressio, verifica-se com o decurso de um período de tempo significativo susceptível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido. (…)”.
43. Invocando-se, aqui, uma vez mais, o acórdão proferido no apenso XP, “A prestação de facto («facere») consiste numa conduta do devedor, diversa da entrega de coisa, podendo tratar-se de um facto positivo (acção) ou de um facto negativo (omissão): nas obrigações positivas o facto devido pode ser um facto material ou um acto jurídico; no entanto, é de observar que o cumprimento, mesmo quando, como geralmente acontece, tem por conteúdo um facto material, é sempre em si um acto jurídico (simples) na medida em que constitui uma manifestação de vontade que produz o efeito jurídico da extinção do vínculo obrigacional - neste mesmo sentido, Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, 1990, 1º Volume, p. 336 a 338.”
44. Cfr. JOÃO CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1995, pág. 407: “A sanção pecuniária compulsória não é medida executiva ou via de condenação da obrigação principal do devedor a cumprir a obrigação que deve. Através dela, na verdade, não se executa a obrigação principal, mas somente se constrange o devedor a obedecer a essa condenação, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado".
45. Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2021, págs. 1234/1235.
46. Assim como, caso a acção tivesse sido julgado improcedente, apenas existiria o reconhecimento do direito da ré (e nada mais).
47. Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2023, págs. 579/580.
48. Nesse sentido, veja-se o acórdão do STJ de 31/01/2023 (Proc. n.º 5633/16.0T8LSB.L1.S1, relator Jorge Arcanjo).
49. No sentido de que, salvo nos casos expressamente previstos na lei, o mero detentor ou possuidor precário não tem direito a ser indemnizado nos termos previstos pelo artigo 1273.º, n.º 1, do CC, vejam-se os acórdãos da Relação de Coimbra de 30/01/2001 (Proc. n.º 3365/2000, relator Nuno Cameira) e de 26/10/2004 (Proc. n.º 1575/04, relator Coelho de Matos), bem como o acórdão do STJ de 06/05/2003 (Proc. n.º 03A949, relator Ponce de Leão).
50. Sendo que o despacho a que alude o facto provado n.º 24 não permitiria à recorrente concluir em sentido contrário, tanto mais que o mesmo foi apenas proferido para efeitos de uma eventual votação/aprovação de um plano de insolvência – “passando as referidas frações a ser entregues, no âmbito do plano, à credora Telhados da Cidade” (sublinhado nosso) -, o que não veio a suceder (facto 25).