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CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADES DA SENTENÇA
VÍCIOS DECISÓRIOS
Sumário
Sumário (elaborado pelo relator): I. Não há que apreciar os vícios apontados à decisão administrativa e não imputados à decisão judicial, em impugnação judicial, visto que este tribunal de recurso aprecia unicamente a decisão judicial recorrida. II. As nulidades objeto de recurso são unicamente aquelas que, segundo o recorrente, persistem na decisão judicial e não as, unicamente, apontadas à decisão administrativa. III. Ressalvados os casos previsto no art. 410º, n.º 2, als. a), b) e c) do Código de Processo Penal), este tribunal ad quem apenas conhece de direito, estando-lhe vedada a apreciação, em recurso, da matéria de facto apurada pelo tribunal a quo. IV. Apenas ocorre insuficiência da matéria de facto nos casos em que esta se mostra exígua para fundamentar a solução de direito encontrada, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. V. Apenas se deve alterar o montante das coimas parcelares e única nos casos em que a fixação pelo tribunal a quo viola regras da experiência ou ocorre desproporção da quantificação efetuada.
Texto Integral
Acordam os Juízes que compõem esta Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO.
A.
1. CTT – CORREIOS DE PORTUGAL S.A. impugnou judicialmente a decisão administrativa proferida pela AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES (ANACOM) que a condenou na coima única de € 15.000,00 (quinze mil euros), em virtude da prática de duas contraordenações, previstas e punidas pelos artigos 12º, nº 5 e 49º, nº 1, alínea d) e nº 3 da Lei nº 17/2012, de 18/08, na redação aplicável à data da prática dos factos.
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2. A referida impugnação judicial julgada parcialmente procedente, nos seguintes termos:
“Pelo exposto, e em conformidade com as supra referidas disposições legais, decide-se conceder parcial provimento ao recurso intentado por CTT – Correios de Portugal, S.A. e, em consequência condena-se a recorrente:
- pela prática dolosa de 1 (uma) contra-ordenação grave prevista na alínea d) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 49.º da Lei n.º 17/2012, na redação em vigor à data dos factos, pela violação do disposto no n.º 5 do artigo 12.º do referido diploma – por não ter efetuado a distribuição dos envios postais no domicílio da destinatária (...), sito na (...), mas antes em BCCI, na coima de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros);
- pela prática dolosa de 1 (uma) contra-ordenação grave prevista na alínea d) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 49.º da Lei n.º 17/2012, na redação em vigor à data dos factos, pela violação do disposto no n.º 5 do artigo 12.º do referido diploma – por não ter efetuado a distribuição dos envios postais no domicílio do destinatário (...), sito no (...), mas antes em BCCI, na coima de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros);
- depois de efectuado o cúmulo jurídico das coimas parcelares supra referidas condena-se a Recorrente na coima única de € 10.000,00 (dez mil euros).
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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.C´s - cf. artigos 93º, nº 3 e 94º, nº 3, ambos do RGCO.
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Após trânsito, comunique-se à autoridade administrativa, nos termos do nº 4 do artigo 70º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas.”
3. Inconformada com tal decisão, veio a CTT – CORREIOS DE PORTUGAL S.A. interpor recurso da mesma para este Tribunal da Relação.
Pede que:
1. Deve a Sentença Recorrida ser revogada na parte em que considerou improcedente a nulidade da Acusação e da Decisão Administrativa por violação do princípio da boa-fé, sob pena de violação dos artigos 10.º do CPA e 266.º, n. º2 da CRP;
2. Deve a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por outra que declare a nulidade da Decisão Administrativa por omissão de pronúncia face à decisão quanto à prova (ou não prova) dos factos invocados na Defesa da Arguida, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 58.º do RGCO, 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO;
3. Deve a Sentença Recorrida ser declarada nula, por omissão de pronúncia, uma vez que não se pronunciou sobre a questão probatória prévia invocada pelos CTT no seu Recurso, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 58.º do RGCO, 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, ou, pelo menos por falta de fundamentação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea a) e c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO;
4. Deve a Sentença Recorrida ser declarada nula, por omissão de pronúncia quanto a factos relevantes indicados pela Arguida no seu Recurso de Impugnação, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 58.º do RGCO, 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO; Sem prejuízo e à cautela,
5. Deve a Sentença ser revogada, e substituída por outra, por padecer de um vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º n.º 2 alínea a) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO;
6. Deve a Sentença ser revogada e substituída por outra que, aplicando corretamente os artigos 14.º do Código Penal, 8.º do RGCO, 40.º do CP e 29.º n.º 1 da CRP, conclua pela não verificação do dolo imputável aos CTT. Sem prescindir, mas à cautela,
7. Deve a Sentença Recorrida ser alterada na parte em que fixou o montante das coimas parcelares e da coima única aplicada aos CTT e, em cumprimento do princípio da culpa, deverá o montante das sanções ser reduzido para o mínimo legal aplicável aos ilícitos em causa, nos termos dos artigos 5.º da Lei Quadro, 18.º, n.º 1 do RGCO e 40.º do CP.
Requer-se ainda, expressamente, que V. Exas. se pronunciem sobre a inconstitucionalidade invocada.
Nestes termos, farão V. Exas. a costumada Justiça!”
4. Formulou as seguintes Conclusões (transcrição): INTRODUÇÃO E OBJETO DO RECURSO
1.º O presente recurso vem interposto da Sentença do TCRS que, julgando parcialmente procedente o recuso interposto pelos CTT quanto à Decisão final proferida pela ANACOM neste processo, os condenou numa coima única de € 10.000,00 (dez mil euros) pela alegada prática de:
(i) 1 (uma) contraordenação grave prevista na alínea d) do n. º 1 e no n. º 3 do artigo 49.º da Lei Postal, na redação em vigor à data dos factos, pela violação do disposto no n. º 5 do artigo 12.º do referido diploma – por não ter efetuado a distribuição dos envios postais no domicílio da destinatária (...), sito na (...), mas antes em BCCI, numa coima de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros);
(ii) 1 (uma) contraordenação grave prevista na alínea d) do n.º 1 e no n. º 3 do artigo 49.º da Lei Postal, na redação em vigor à data dos factos, pela violação do disposto no n.º 5 do artigo 12.º do referido diploma – por não ter efetuada a distribuição dos envios postais no domicílio do destinatário (...), sito no (...), mas antes em BCCI, numa coima de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros). QUESTÕES PRÉVIAS – VÍCIOS DA ACUSAÇÃO E DA DECISÃO DA ANACOM QUE FORAM INCORRETAMENTE DECIDIDOS NA SENTENÇA A NULIDADE DA ACUSAÇÃO E DA DECISÃO ADMINISTRATIVA POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
2.º A Sentença decidiu incorretamente a questão da nulidade da Decisão Administrativa, por violação do princípio da boa-fé, previsto no artigo 10.º do CPA e constitucionalmente consagrado no artigo 266.º, n. º 2 da CRP, devendo, nesta parte, ser revogada e substituída por outra que interprete e aplique corretamente o princípio da boa-fé.
3.º O Tribunal a quo desconsiderou que a prática de distribuição de correspondência em BCCIs colocada em crise neste processo tinha sido adotada pelos CTT ao longo de vários anos e em face de um vazio regulamentar que só pode ser imputado à ANACOM, sendo que, em face daquela prática, que era genericamente do conhecimento do Regulador, como o Tribunal reconhece, a ANACOM não comunicou à Recorrente a existência de qualquer prática irregular, nem emitiu qualquer recomendação ou orientação relativamente ao modo como a Recorrente efetuava a distribuição de envios postais em geral.
4.º O Tribunal a quo interpretou o princípio da boa-fé, e os artigos 10.º do CPA e 266.º, n. º 2 da CRP, no sentido de que apenas constitui violação desse princípio a atuação da administração contenda com atos externos (e não omissões de atuação) que anteriormente tenha praticado.
5.º Não pode a Recorrente conformar-se com este entendimento do Tribunal, porquanto, em matéria administrativa, a omissão reiterada de qualquer censura, advertência ou reparo, perante práticas do conhecimento da entidade administrativa, constitui, ela própria, um comportamento que revela sinal exterior relevante e idóneo a criar legítimas expectativas no regulado.
6.º Esta conduta de não oposição, não censura e não advertência, reiterada no tempo e perante situação concretas, não pode ser qualificada como um simples “vazio”, mas antes como uma atuação omissiva relevante, apta a criar e consolidar nos CTT a legítima expectativa de que a sua conduta era conforme ao quadro legal e regulamentar aplicável.
7.º Expectativa essa, que não havia sido criada por um elemento isolado, mas sim por uma conjugação de omissões devidamente sintetizados em sede de Defesa e de Recurso de Impugnação, que se predem com:
i Omissão de qualificação da conduta dos CTT como ilícita, desde 2012 – quando entrou em vigor a disposição legal da Lei Postal – até 2024;
ii Omissão de punição dos CTT no âmbito de processo de contraordenação anterior com base na mesma interpretação da norma legal;
iii Adoção da deliberação em 2021 que vai ao encontro de uma interpretação da obrigação em causa com base naquela que era já a prática dos CTT nesta matéria;
iv Omissão de qualificação da conduta dos CTT como ilícita mesmo perante os reclamantes;
v Omissão de intervenção, numa perspetiva regulatória, na conduta dos CTT, mediante a indicação de que a sua conduta teria de ser revista; e
vi Omissão de instauração de processo de contraordenação por estes factos logo após o seu conhecimento pela Autoridade.
8.º Nestes termos, deve a Sentença Recorrida ser revogada na parte em que considerou improcedente a nulidade da Acusação e da Decisão Administrativa por violação do princípio da boa-fé, sob pena de violação dos artigos 10.º do CPA e 266.º, n. º2 da CRP.
DA NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
9.º O Tribunal a quo decidiu incorretamente a nulidade da Decisão Condenatória por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 58.º n.º 1 alínea b) do RGCO e 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1 alínea a) do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, por não decidir sobre matéria de facto alegada pela Arguida na sua defesa, não tendo a ANACOM indicado se tais factos foram considerados como provados ou não provados.
10.º A Decisão Condenatória da ANACOM não levou ao elenco de factos provados ou não provados constantes da Decisão os seguintes factos, alegados pelos CTT na sua defesa:
i Em 29.04.2021, a ANACOM aprovou uma Decisão que definiu os casos e as condições em que a distribuição de envios postais que integram o Serviço Postal Universal pode ser efetuada, in casu, pela Arguida, em instalações distintas do domicílio do destinatário.
ii A referida Decisão apenas entrou em vigor em 01.01.2023.
iii Entre o início da prestação do serviço postal universal em território nacional pelos CTT e a Decisão mencionada, a ANACOM nunca definiu as circunstâncias em que a Arguida poderia proceder à distribuição em local distinto do domicílio.
iv Pelo menos desde 1981, a distribuição de objetos postais sempre foi feita, em situações excecionais e devidamente identificadas, com recurso a baterias de caixas de correio individual.
v A instalação de baterias de caixas de correio era feita em zonas circunscritas e criteriosamente selecionadas, devidamente identificadas e com o envolvimento e colaboração das Juntas de Freguesia.
vi A instalação de baterias de caixas de correio destinava-se a garantir a distribuição postal domiciliária diária e com qualidade.
vii Verificando-se a existência de condições que permitissem à Arguida a entrega da correspondência porta a porta, esta tomava a iniciativa de desativar as baterias de caixas de correio individual.
viii A ANACOM conhece a atividade desenvolvida pelos CTT e a forma como estes foram procedendo, por mais de 20 anos, à distribuição de objetos postais.
ix Concretamente, a ANACOM conhecia, pelo menos desde 2000, que os CTT realizavam a distribuição de envios postais, em determinados casos, em baterias de caixas de correio individual.
x Os CTT estavam, à data dos factos, convictos de que a distribuição postal através de baterias de caixas de correio individual era, em determinados casos excecionais, adequada, necessária e proporcional a assegurar o cumprimento das suas obrigações enquanto prestador do serviço postal universal.
xi No tratamento das situações particulares de (...) e (...), os CTT atuaram na convicção de que, à data dos factos, não se encontravam reunidas nas localizações correspondentes, as condições para a distribuição postal porta a porta.
xii Nos autos do processo contraordenacional n.º SCO0004432013, em que estava em causa a distribuição postal domiciliária, após apresentação de defesa e produção de prova, não foi proferida qualquer decisão condenatória da ANACOM durante vários anos, tendo o processo encerrado através de arquivamento, em 24.10.2023, sem decisão que apreciasse o mérito.
xiii A ANACOM teve conhecimento das situações descritas nos autos em 2019 e 2020.
xiv Após tomada de conhecimento das situações descritas nos autos, além de esclarecimentos pedidos aos CTT, nenhuma outra comunicação, ordem ou recomendação, foi endereçada pela ANACOM aos CTT sobre as mencionadas situações.
xv O presente processo de contraordenação foi instaurado apenas em 28.02.2024.
11.º Reconhecendo essa omissão, o Tribunal a quo interpretou o disposto no artigo 58.º n.º 1 alínea b) do RGCO e 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1 alínea a) do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO no sentido de que não têm de constar do elenco de factos provados ou não provados da decisão condenatória todos os factos relevantes que tenham sido alegados pela defesa.
12.º A omissão de pronúncia sobre tais factos impede o escrutínio judicial efetivo sobre a matéria de facto e esvazia o direito ao recurso, tanto mais quando, no processo contraordenacional, o recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa não permite a reapreciação da matéria de facto.
13.º Os factos elencados, tendo sido alegados em sede de defesa e respeitando concretamente ao objeto em discussão nos autos, mais sendo relevantes para a decisão de direito pugnada pelos CTT, teriam de ter sido considerados na Decisão Administrativa, no limite, e sendo esse o entendimento da ANACOM, como factos não provados, fundamentando-se, devidamente, o motivo da sua não prova.
14.º É inconstitucional a norma que resulta do artigo 58.º n.º 1 alínea b) do RGCO no sentido de que a decisão que aplica a coima não tem de conter no elenco dos factos (provados ou não provados) os factos alegados pela defesa, por violação do direito de defesa, ao contraditório, ao recurso e a um processo equitativo, nos termos do disposto nos artigos 32.º n.º 10, 29.º n.º 5, 32.º n.º 1 e 20.º da CRP e 6.º da CEDH.
15.º Nestes termos, deve Sentença Recorrida ser revogada na parte em que não reconheceu a nulidade da Decisão Administrativa por omissão de pronúncia e substituída por outra que julgue procedente a nulidade da Decisão da ANACOM, nos termos do disposto nos artigos 58.º do RGCO, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 do CPP, aplicáveis por remissão do artigo 41.º do RGCO. NULIDADES DA SENTENÇA NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA QUANTO À QUESTÃO PROBATÓRIA PRÉVIA
16.º A Sentença é nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 do CPP, aplicáveis por remissão do artigo 41.º do RGCO, porque da mesma não consta qualquer decisão nem qualquer pronúncia quanto à questão probatória prévia suscitada no Capítulo III., E), do Recurso de Impugnação dos CTT.
17.º Tendo os CTT invocado no seu Recurso de Impugnação que não poderiam ser condenados pela prática dos ilícitos em virtude da insuficiência fáctica e probatória existente, dúvidas não existem de que o Tribunal deveria ter apreciado (e fundamentado) a insuficiência ou suficiência ao nível da prova, por referência à argumentação aduzida pelos CTT.
18.º A questão é tanto mais grave, porquanto, à luz do princípio da presunção de inocência, e, concretamente, do princípio in dubio pro reo, ínsito no artigo 32.º n.º 2 da CRP, sempre se impõe que, havendo um non liquet, uma dúvida sobre a factualidade constante nos autos o Tribunal tivesse resolvido em benefício da Recorrente – o que, manifestamente, não ocorreu no caso.
19.º Termos em que deve a Sentença Recorrida ser declarada nula, nos termos e para os efeitos do artigo 379.º n.º 1 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º do RGCO por omissão de pronúncia.
20.º Subsidiariamente, ainda que se entenda que a omissão de qualquer indicação de decisão quanto aos pontos referidos anteriormente equivale a decisão de improcedência do requerido e alegado – no que não se concede – sempre se terá de entender que, então, a Sentença Recorrida padece de falta de fundamentação por não indicar as razões da sua decisão tendo em consideração as questões concretamente suscitadas pela Recorrente, sendo, nessa medida nula, nos termos do disposto nos artigos 379.º n.º 1 alínea a) e 374.º n.º 2 do CPP.
NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA – FACTOS RELEVANTES ALEGADOS NO RECURSO
21.º A Sentença é nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 do CPP, aplicáveis por remissão do artigo 41.º do RGCO, porque da mesma não consta qualquer decisão quanto à prova ou não prova dos factos alegados pela Recorrente no seu Recurso de Impugnação e que são relevantes para o objeto do processo.
22.º Em concreto, desde a defesa escrita, mas mais concretamente no Capítulo IV da motivação do Recurso de Impugnação, os CTT alegaram e não foram dados como provados ou não provados os seguintes factos:
i Em 29.04.2021, a ANACOM aprovou uma Decisão que definiu os casos e as condições em que a distribuição de envios postais que integram o Serviço Postal Universal pode ser efetuada, in casu, pela Arguida, em instalações distintas do domicílio do destinatário.
ii A referida Decisão apenas entrou em vigor em 01.01.2023.
iii Entre o início da prestação do serviço postal universal em território nacional pelos CTT e a Decisão mencionada, a ANACOM nunca definiu as circunstâncias em que a Arguida poderia proceder à distribuição em local distinto do domicílio, o que foi sempre entendido pelos CTT como uma forma de credibilização da regularidade e licitude da sua atuação quanto ao cumprimento da distribuição de envios postais.
iv Pelo menos desde 1981, a distribuição de objetos postais sempre foi feita, em situações excecionais e devidamente identificadas, com recurso a baterias de caixas de correio individual.
v A instalação de baterias de caixas de correio era feita em zonas circunscritas e criteriosamente selecionadas, devidamente identificadas e com o envolvimento e colaboração das Juntas de Freguesia.
vi A instalação de baterias de caixas de correio destinava-se a garantir a distribuição postal domiciliária diária e com qualidade.
vii Verificando-se a existência de condições que permitissem à Arguida a entrega da correspondência porta a porta, esta tomava a iniciativa de desativar as baterias de caixas de correio individual.
viii A ANACOM conhece a atividade desenvolvida pelos CTT e a forma como estes foram procedendo, por mais de 20 anos, à distribuição de objetos postais.
ix Os CTT estavam, à data dos factos, convictos de que a distribuição postal através de baterias de caixas de correio individual era, em determinados casos excecionais, adequada, necessária e proporcional a assegurar o cumprimento das suas obrigações enquanto prestador do serviço postal universal.
x Nos autos do processo contraordenacional n.º SCO0004432013, em que estava em causa a distribuição postal domiciliária, após apresentação de defesa e produção de prova, não foi proferida qualquer decisão condenatória da ANACOM durante vários anos, tendo o processo encerrado através de arquivamento, em 24.10.2023, sem decisão que apreciasse o mérito.
xi A ANACOM teve conhecimento das situações descritas nos autos em 2019 e 2020.
xii Após tomada de conhecimento das situações descritas nos autos, além de esclarecimentos pedidos aos CTT, nenhuma outra comunicação, ordem ou recomendação, foi endereçada pela ANACOM aos CTT sobre as mencionadas situações.
xiii Nas interações entre a Autoridade e os CTT sobre os concretos casos reportados, nunca a ANACOM colocou em causa – ou sequer deu um qualquer sinal exterior – a conformidade da distribuição dos envios postais em BCCI.
xiv O presente processo de contraordenação foi instaurado apenas em 28.02.2024.
23.º Assim, a omissão de tomada de decisão pelo Tribunal a quo quanto à prova ou não prova de factos oportuna e devidamente alegados pela defesa impede o exercício pleno do direito de defesa do arguido, e o seu direito ao recurso, desde logo na vertente de impugnação da matéria de facto.
24.º Os factos ora elencados, tendo sido alegados em sede de Recurso de Impugnação, e respeitando concretamente ao objeto em discussão nos autos, mais sendo relevantes para a decisão de direito pugnada pelos CTT, teriam de ter sido considerados na Sentença Recorrida, no limite, e sendo esse o entendimento do Tribunal, como factos não provados, fundamentando-se, devidamente, o motivo para a sua não prova.
25.º A Sentença Recorrida é, assim, também nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 58.º n.º 1 alínea b) do RGCO e 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 alínea a) do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO ex vi artigo 36.º do RQCSC, por não decidir quanto à prova ou não prova de factos que foram alegados pela Recorrente no seu Recurso de Impugnação, não tendo sequer indicado se tais factos foram considerados provados ou não provados. Sem prescindir, INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
26.º A Sentença padece ainda de vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º n.º 2 alínea a) do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO.
a. Quanto aos factos para a decisão relativa ao preenchimento do elemento objetivo do tipo
27.º Pese embora o Tribunal a quo venha imputar o alegado incumprimento, pelos CTT, de uma obrigação de distribuição de envios postais no domicílio dos destinatários, não resulta de qualquer dos factos provados, nem dos elementos constantes dos autos, que os CTT estivessem na disponibilidade de proceder à entrega de concretos envios postais naquelas moradas.
28.º Dito de outro modo, não existe nenhum elemento nos autos (nem alegado, nem demonstrado) que permita constatar que existissem cartas endereçadas ao domicílio dos destinatários, i.e., que contivessem a sua morada de casa, e não a morada das BCCI, e que tivessem sido distribuídas na BCCI e não no seu domicílio.
29.º Nessa medida, os factos provados constantes dos autos não são suficientes para a condenação da Recorrente, devendo ser a Recorrente absolvida da alegada prática dos ilícitos em causa nos autos, por manifesta insuficiência factual e probatória.
30.º Nestes termos, dúvidas não restam de que a Sentença Recorrida padece de um vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, para efeitos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, por não constarem da mesma factos suficientes para a conclusão de que a não entrega de envios postais na morada do domicílio dos reclamantes se deveu aos CTT, em virtude de não se alegar nem demonstrar, que ficaram por entregar envios postais corretamente endereçados a essa morada, e não ter, assim, sido apurado factos suficientes para a imputação dos ilícitos aos CTT, devendo a Sentença ser revogada e substituída por outra que corrija esse vício, proferindo uma decisão quanto a estes factos.
b. Quanto aos factos para a decisão relativa ao preenchimento do elemento subjetivo a título de dolo e da improcedência da alegação da atuação em erro que exclui a culpa constante do Recurso
31.º Conforme referido, a Sentença Recorrida encontra-se ferida de nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que não dá como provados ou não provados um conjunto alargado de factos alegados pela defesa no Recurso.
32.º Analisada a matéria de facto dada como provada, a fundamentação em que assenta e a conclusão que, a final, se encontra refletida no texto do dispositivo, verificam-se evidentes e incontornáveis saltos lógicos entre a matéria de facto e a decisão, em particular no que respeita ao preenchimento do elemento subjetivo do tipo de ilícito, especialmente se analisado à luz destes factos que foram alegados e sobre os quais o Tribunal omitiu pronúncia.
33.º Em suma, na motivação da decisão de facto da Sentença Recorrida, o Tribunal a quo sustenta a demonstração dos factos provados em 14), referentes ao elemento subjetivo do tipo e essenciais para a imputação do ilícito aos CTT a título de dolo, na circunstância de (i) serem os CTT os prestadores do serviço postal universal; (ii) na dimensão, organização, capacidade económica e know how dos CTT, sobretudo por estarem estes assessorados juridicamente; e (iii) no facto de já terem sido acusados no âmbito do processo de contraordenação n.º SCO0004432013 (cfr. Factos Provados n.ºs 10 a 13 da Sentença Recorrida).
34.º Sucede que, na Sentença Recorrida e nos factos provados ou não provados:
a. não se faz alusão à circunstância de que, desde 1988 e, seguramente, desde a Lei Postal, existe o reconhecimento de uma coexistência da obrigação de distribuição domiciliária de envios postais com a possibilidade de cumprimento da obrigação em local distinto do domicílio;
b. apesar de ter sido feita uma breve referência na motivação, não foi incluído no elenco de factos provados e não provados a circunstância de, entre o início da prestação do serviço postal universal em território nacional pelos CTT e a Decisão de 29 de abril de 2021, a ANACOM nunca ter definido as circunstâncias em que a Recorrente poderia proceder à distribuição em local distinto do domicílio;
c. também não foi incluído neste elenco que, em 29.04.2021, a ANACOM aprovou uma Decisão que definiu os casos e as condições em que a distribuição de envios postais que integram o Serviço Postal Universal pode ser efetuado em instalações distintas do domicílio do destinatário, sendo que a referida Decisão apenas entrou em vigor em 01.01.2023;
d. apesar de alegado, o Tribunal não considerou nem provado nem não provado que, pelo menos desde 1981, a distribuição de objetos postais sempre foi feita, em situações excecionais e devidamente identificadas, com recurso a baterias de caixas de correio individual;
e. apesar de ser referenciado o processo contraordenacional n.º SCO0004432013 no elenco de factos provados, o Tribunal não tem em consideração que, após apresentação de defesa e produção de prova no âmbito do referido processo, não foi proferida qualquer decisão condenatória da ANACOM durante vários anos, tendo o processo encerrado através de arquivamento, em 24.10.2023, sem decisão que apreciasse o mérito;
f. mas mais, o Tribunal não considerou nem provado nem não provado que a ANACOM teve conhecimento das situações descritas nos autos em 2019 e 2020 (e, portanto, cinco e três anos antes da própria instauração dos presentes autos, respetivamente) e, após tomada de conhecimento das situações descritas nos autos, além de esclarecimentos pedidos aos CTT, nenhuma outra comunicação, ordem ou recomendação, foi endereçada pela ANACOM aos CTT sobre as mencionadas situações.
35.º Não foram dados como provados ou não provados os referidos factos, que permitiriam concluir pelo (não) preenchimento do elemento subjetivo do tipo, desde logo, no que aos elementos volitivo e intelectual do dolo diz respeito.
36.º Se esses factos, tivessem sido provados – ou, por outras palavras, só se tivessem sido não provados, o que também não resulta da Sentença – determinariam, no âmbito das diversas soluções plausíveis de Direito, uma diferente solução quanto à imputação dos factos aos CTT e, sobretudo, quanto à imputação do elemento subjetivo do ilícito aos CTT – e, desde logo, uma solução que passasse pela sua absolvição por não preenchimento desse tipo subjetivo de ilícito.
37.º Solução essa que foi invocada pelos CTT no Recurso e que, sendo julgada improcedente, apenas pode ser compreendida em primeira linha, e impugnada, se o Tribunal fizer constar da Decisão todos os factos relevantes (provados e não provados) para concluir (como concluiu) pela sua improcedência.
38.º As conclusões pela (i) imputação da conduta aos CTT e (ii) pela sua atuação deliberada, livre e consciente, encerram uma conclusão jurídica, que, com o devido respeito, ficaria afastada se, demonstrando-se os factos alegados pela Recorrente, fosse concluído (como se espera) que: i.os CTT atuaram convictos de que a distribuição postal através de BCCI era, em determinados casos excecionais, adequada e necessária a assegurar as suas obrigações enquanto prestador do serviço postal universal; ii.os CTT atuaram convictos de que essa forma de distribuição postal era conhecida e aceite pela ANACOM – em face dos antecedentes regulatórios e factuais descritos em sede de Recurso de Impugnação; iii.os CTT atuaram convictos de que as situações em causa nos autos estavam devidamente justificadas e que permitiam a distribuição postal através de BCCI; iv.os CTT estavam, à data dos factos, convictos de que a utilização das BCCI era a única forma de assegurar uma efetiva distribuição nalguns locais, por respeito a imperativos de adequação, necessidade e proporcionalidade, pelo que mantiveram o que sempre tinham feito, atenta a omissão de regulamentação do tema por parte da ANACOM a partir de 2012 e qualquer indicação do Regulador em sentido contrário.
39.º Não era, pois, admissível ao Tribunal a quo decidir em desfavor dos CTT, concluindo pela atuação livre e consciente dos CTT na prática dos ilícitos em causa, sem ter feito constar (pelo menos como não provados) os factos que os CTT alegaram para fundamentar, na sua ótica, essa mesma convicção.
40.º Em face do exposto, e sendo tais factos essenciais à posição sustentada pelos CTT, permitindo afastar o entendimento quanto à existência de uma vontade em incumprir com a obrigação de distribuição domiciliária dos envios postais, subjacente à imputação dolosa do tipo, deverá reconhecer-se o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, o qual, não podendo ser sanado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que apenas conhece de direito, deverá determinar a remessa dos autos ao Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 426.º do CPP, ex vi artigo 41.º n.º1 do RGCO.
DO ERRO DE DIREITO – INEXISTÊNCIA DE DOLO DOS CTT
41.º O Tribunal a quo sustenta a imputação dos ilícitos a título de dolo aos CTT, na circunstância de (i) serem os CTT os prestadores do serviço postal universal; (ii) na dimensão, organização, capacidade económica e know how dos CTT, sobretudo por estarem estes assessorados juridicamente; e (iii) no facto de já terem sido acusados no âmbito do processo de contraordenação n.º SCO0004432013 (cfr. Factos Provados n.ºs 10 a 14 da Sentença Recorrida).
42.º Sucede que, inexistem factos no processo que permitam concluir que os CTT representaram e quiseram violar a obrigação de distribuição domiciliária nos dois casos em causa nos autos, sabendo que tal correspondia a um ilícito contraordenacional, pelo que terá de concluir-se que o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorretamente os elementos do tipo doloso, tal como decorrem do artigo 14.º do Código Penal, ex vi artigo 32.º do RGCO. Sem prejuízo,
43.º Em face do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão de Direito acima invocado, que se crê que deverá ser julgado procedente, terão de considerar-se os factos alegados pelos CTT sobre a omissão da ANACOM em regulamentar os n.ºs 4 e 5 do artigo 12.º da Lei Postal, bem como a convicção dos CTT nessa sequência e na sequência de qualquer reparo da ANACOM sobre o procedimento adotado pelos CTT perante esse vazio regulamentar.
44.º Os CTT estavam, à data dos factos, convictos de que a utilização das BCCI era a única forma de assegurar uma efetiva distribuição nalguns locais, por respeito a imperativos de adequação, necessidade e proporcionalidade, pelo que mantiveram o que sempre tinham feito, atenta a omissão de regulamentação do tema por parte da ANACOM a partir de 2012 e qualquer indicação do Regulador em sentido contrário.
45.º A convicção dos CTT impede a qualificação da sua conduta como dolosa, pelo que errou o Tribunal a quo ao fazer essa qualificação, em aplicação do artigo 14.º do Código Penal, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, quanto ao seu comportamento.
46.º Compulsados os factos provados, constata-se que pretende o Tribunal sustentar a alegada vontade dos CTT em praticar (de forma direta) os ilícitos em questão, a partir da seguinte fórmula “a arguida agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram ilícitas e ainda assim, optou por prosseguir com o resultado antijurídico das suas condutas, isto é, a prática de contraordenações”.
47.º Omite, contudo, o Tribunal, do elenco de factos, os concretos factos que sustentam o aludido processo de formação de vontade tendente ao “resultado antijurídico”, e, bem assim, os factos de onde decorreria que teria existido um concreto processo volitivo dos CTT no sentido de praticar os factos em causa, e de que estivessem conscientes de que esses factos teriam por objeto um resultado antijurídico.
48.º A considerar-se que a conduta dos CTT é ilícita, no que não se concede, os CTT atuaram em erro sobre os elementos do tipo, erro esse que exclui o dolo, nos termos do artigo 8.º do RGCO.
49.º Ademais, atento o lapso temporal decorrido desde 1981 recorrendo a distribuição através de BCCI e, mesmo, depois de 2012, sem qualquer indicação definitiva e em sentido inverso da ANACOM, afastam a possibilidade de se imputar tal erro à violação de um qualquer dever de cuidados dos CTT.
50.º Nessa medida, não poderá ter-se por preenchido o elemento subjetivo do tipo nem a título de dolo, nem a título de negligência, tendo, necessariamente, de concluir-se que o comportamento dos CTT não preenche os critérios para a respetiva punição, nos termos do disposto nos artigos 1.º e 2.º do RGCO, 40.º do CP e 29.º n.º 1 da CRP, deverá ser determinada a absolvição da Recorrente, sob pena de violação do princípio da legalidade, da tipicidade e da culpa.
51.º Em face do exposto, ainda que se considerasse que, nos casos dos autos, a distribuição dos envios postais em BCCIs corresponderia, objetivamente, à violação do artigo 12.º n.º 5 da Lei Postal – no que não se concede – sempre se dirá que a convicção dos CTT quanto à licitude da sua conduta não permite outra conclusão que não seja a impossibilidade de preenchimento do tipo subjetivo dos ilícitos, nos termos do previsto nos artigos 8.º e 9.º do RGCO.
52.º Há por isso na Sentença Recorrida um erro de direito, uma vez que inexistem elementos que permitam proceder à verificação da ilicitude e à imputação subjetiva do comportamento da Recorrente aos ilícitos em causa (no limite, a título doloso), devendo ser determinada a absolvição da Recorrente, sob pena de violação do princípio da legalidade, da tipicidade e da culpa, ínsitos nos artigos 1.º, 2.º, 8.º do RGCO, 29.º n.º 1 da CRP e 40.º do CP ou, caso o Tribunal ad quem entenda que a condenação se deve manter, sempre terá de sê-lo a título de negligência.
53.º Deve, pois, a Sentença ser revogada e substituída por outra que, aplicando corretamente o Direito, conclua pela não verificação do dolo imputável aos CTT, alterando, necessariamente, porque assim se impõe, a factualidade prevista nos pontos 13) e 14) dos Factos Provados que encerra a conclusão (jurídica) da imputação daquele conhecimento, representação e vontade aos CTT.
54.º Mais se requer que a Sentença seja substituída por outra decisão que absolva os CTT do ilícito previsto no n.º 5 do artigo 12.º da Lei Postal, em virtude de não se demonstrar a culpa da Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 8.º do RGCO, 40.º do CP e 29.º n.º 1 da CRP.
Sem prescindir, mas à cautela
DA SANÇÃO
55.º O Tribunal a quo condenou os CTT na coima única de € 10.000,00 (dez mil euros), pela alegada prática de 2 contraordenações a título de dolo, analisando os pressupostos do artigo 5.º da Lei Quadro.
56.º Este valor resulta do cúmulo jurídico de 2 coimas parcelares, a saber:
a. quanto à contraordenação grave punível com coima entre € 5.000,00 e € 500.000,00, pelo alegado incumprimento do n.º 5 do artigo 12.º da Lei 17/2012 – por, até dezembro de 2019, não ter procedido à entrega dos envios postais na morada (...) –, uma coima no montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros);
b. quanto à contraordenação grave punível com coima entre € 5.000,00 e € 500.000,00, pelo alegado incumprimento do n.º 5 do artigo 12.º da Lei 17/2012 – por, até maio de 2021, não ter procedido à entrega dos envios postais na morada … Covilhã –, uma coima no montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).
57.º Não obstante o Tribunal a quo se ter distanciado (ligeiramente) da Decisão proferida pela ANACOM no montante da coima aplicada (reduziu a coima única de € 15.000,00 para € 10.000,00), não pode a Recorrente conformar-se com o montante apurado, atendendo à ponderação da sanção à luz do princípio da culpa.
58.º Em face do reenquadramento da culpa enquanto critério relevante para determinação da medida da coima, não se justifica a aplicação de uma coima cujo montante foi determinado pelo Tribunal a quo no pressuposto de que os CTT atuariam de forma dolosa.
59.º A coima tem, necessariamente, como medida a culpa, pelo que admitindo que o Tribunal ad quem entenda que deve ser mantida a aplicação de uma coima à ora Recorrente – o que não se concede – o montante da mesma deverá ser fixado para efeitos de uma atuação negligente, e no seu menor grau de culpa (isto é, inconsciente), considerando que os CTT sempre atuaram convictos de que cumpriam todas as exigências legais e regulamentares em matéria de distribuição postal, pelas razões supra expostas.
60.º Com efeito, considera a Recorrente que o princípio da culpa (artigo 40.º do CP) sempre imporia, caso se mantenha a punição dos CTT, no que não se concede, que seja operada uma redução no montante da coima aplicada para o mínimo legal aplicável aos ilícitos em causa.
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5. Admitido o recurso, a recorrida AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES (ANACOM) apresentou Resposta ao Recurso, formulando as seguintes Conclusões (transcrição):
A. Da alegada nulidade da acusação e da decisão administrativa por violação do princípio da boa-fé
1.ª Uma vez que este Venerando Tribunal funciona como tribunal de revista e tem o seu conhecimento limitado ao reexame da matéria de Direito, o objeto do recurso é uma sentença e não uma decisão administrativa, pelo que a eventual (e, no caso concreto, meramente hipotética) existência de nulidades na decisão administrativa já decididas e apreciadas na sentença do Tribunal recorrido ficam definitivamente resolvidas na sentença de que se recorre e nem serão apreciadas uma segunda vez, conforme vasta jurisprudência – mas, ainda assim, a acusação e a decisão administrativa não padecem de qualquer nulidade.
2.ª Com efeito, considerou o Tribunal a quo – e bem – que para que haja violação do princípio da boa-fé é necessário que se esteja perante uma confiança legítima, ou seja, não pode fundamentar-se numa mera convicção psicológica do administrado, mas antes terá de basear-se em sinais externos por parte da entidadeadministrativa, e que sejam concludentes da posição desta, idóneos a criarem a expectativa perante o homem médio, de qual a posição daquela (sublinhado nosso), sendo que, no caso do presente processo, não existem actos nem sinais externos por parte da Autoridade Administrativa quanto à sua posição sobre a matéria.
3.ª Ora, não existiu efetivamente nenhum ato contraditório por parte da ANACOM, nem foi suscitada qualquer confiança relativamente ao não exercício da sua competência sancionatória que fosse capaz de violar o princípio da boa-fé.
4.ª Diga-se até que os CTT já haviam sido acusados sobre esta matéria, mantendo-se a posição ali vertida, que em nada contradiz a acusação ou decisão administrativa impugnada.
5.ª Fazendo nossas as palavras do Tribunal a quo no âmbito de outro processo, que aqui se adequam – entendimento que foi confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa: “Conformando um dos elementos da boa-fé a necessidade de existir uma conduta contraditória, consideramos que nada dos autos nos permite concluir que era razoável intuir de um determinando comportamento anterior da ANACOM que não iria actuar como actuou. Não existe, a este nível, qualquer tipo de indicação no sentido de que a ANACOM tenha aderido de forma consensual e consolidada a um tipo de solução que passasse pela não prolação de uma acusação e de uma decisão final condenatória, ou que tenha expressado uma vontade firme e inequívoca para se vincular a este tipo de procedimento. Aliás, estranho seria se existisse, porque isso sim, seria violar o princípio da legalidade, da prossecução do interesse público e da boa Administração. Com efeito, o que a Recorrente parece defender é que a ANACOM deveria ignorar o princípio da legalidade a que se encontra sujeita e, mesmo tendo considerado a possibilidade da Recorrente ter praticado infracções para a qual a lei lhe confere poderes de regulação e sancionamento, abster-se de proferir uma acusação contra a Recorrente, em prol de um princípio de oportunidade, que não tem cabimento legal, neste contexto.” (sublinhados nossos)
6.ª Atento o exposto, andou bem o Tribunal a quo quando considerou que não existiu a adoção de nenhum ato contraditório por parte da ANACOM – pressuposto da criação de uma (que seria de qualquer modo meramente suposta) confiança ou expetativa à Recorrente, que não se admite existir –, que fosse suscetível de violar por parte desta Autoridade Administrativa, o princípio da boa-fé, improcedendo os argumentos aduzidos pela Recorrente neste ponto.
B. Da alegada nulidade da decisão administrativa por omissão de pronúncia
7.ª O artigo 58.º do RGCO – sob a epígrafe “Decisão condenatória” – regula, de forma completa, os requisitos a que deve obedecer a decisão da Autoridade Administrativa que aplica uma coima, pelo que não é subsidiariamente aplicável ao processo contraordenacional o disposto no artigo 374.º do CPP (que estabelece os requisitos da sentença penal).
8.ª E, havendo impugnação da decisão administrativa, esta converte-se, por força do n.º 1 do artigo 62.º do RGCO, em acusação, no momento em que o Ministério Público leva os autos presentes ao Juiz; assim sendo, para que o processo prossiga, é apenas necessário que tal decisão contenha a identificação do arguido, narre os factos imputados e indique as disposições legais violadas, as sanções aplicáveis e as provas – o que se verificava na decisão administrativa em causa.
9.ª Não se vislumbrando em que medida possa ter sido violado pelo teor da decisão administrativa o disposto no artigo 58.º do RGCO, apenas se pode concluir que aquela não padece de qualquer omissão de pronúncia, muito menos quanto à matéria de facto relevante para a decisão – como bem andou o Tribunal a quo –, improcedendo as alegações da Recorrente neste ponto.
10.ª Não obstante, caso se conjeturasse a hipótese de aplicar tal vício da sentença penal à decisão administrativa – o que não se admite –, in casu, de qualquer forma, também não se vislumbraria a existência do vício da omissão de pronúncia imputado pela Recorrente.
11.ª Se analisarmos em pormenor os “factos” que a Recorrente elenca como devendo constar da decisão administrativa (cfr. ponto 10 das conclusões de recurso), verifica-se que ou os mesmos resultam da matéria de facto dada como provada e da respetiva motivação (alegados factos viii, xii. e xiii.), ou da análise das questões prévias invocadas (alegados factos i. e ii.), ou estão mencionados na análise da subsunção da matéria de facto ao Direito (alegados factos i., ii., iii., iv., v., ix. e xiv.)
12.ª Outros factos foram contrariados com a factualidade dada como provada que demonstra a prática dolosa das contraordenações pelos CTT (alegados factos vi., vii, x. e xi.), ou decorrem até do próprio introito da decisão administrativa (alegado facto xv.).
13.ª O que acontece é que, com as referidas alegações, a Recorrente pretendia referir-se ao facto de esta Autoridade não ter concordado com os seus argumentos – tal como o Tribunal a quo não concordou –, nem com a sua versão dos factos, nem com o enquadramento jurídico que fez quanto a essa mesma matéria de facto (e que entende ser o correto) – até porque a ANACOM a isso não está vinculada.
14.ª Da leitura atenta da decisão administrativa, tal como refere o Tribunal a quo, verifica-se que nessa decisão não só foi dada resposta a todas as questões e argumentos aduzidos pela Recorrente na sua defesa, bem como que constam da matéria de facto, e de forma fundamentada, todos os factos relevantes, necessários e imprescindíveis à boa decisão da causa, ou seja, aqueles dos quais resulta demonstrada a prática das contraordenações e que relevam para a determinação da coima.
15.ª Conclui-se, assim, que andou bem o Tribunal a quo ao considerar que a decisão administrativa não padece de qualquer nulidade, cumprindo integralmente o disposto no artigo 58.º do RGCO.
16.ª Acresce que, tendo em conta que os recursos das sentenças judiciais têm por objeto o texto da sentença, não existindo na mesma qualquer pronúncia sobre a questão da inconstitucionalidade mencionada pela Recorrente nesta instância, no sentido em que inconstitucional a norma que resulta do artigo 58.º n.º 1 alínea b) do RGCO no sentido de que a decisão que aplica a coima não tem de conter no elenco dos factos (provados ou não provados) os factos alegados pela defesa, por violação do direito de defesa, ao contraditório, ao recurso e a um processo equitativo, nos termos do disposto nos artigos 32.º n.º 10, 29.º n.º 5, 32.º n.º 1 e 20.º da CRP e 6.º da CEDH – nada há a apreciar quanto à mesma, mas trata-se de uma alegação que sempre será improcedente.
C. Da alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à questão probatória prévia
17.ª Em primeiro lugar importa referir que sempre concluiu a sentença recorrida que, face ao teor do artigo 58.º do RGCO, a decisão proferida pela ANACOM não padece de qualquer nulidade, porquanto não se vislumbra, do seu teor, que tenha existido qualquer omissão passível de coartar o legítimo direito de defesa da recorrente ou de violar o seu princípio de presunção de inocência (…).
18.ª Em segundo lugar e embora se reconheça que a sentença recorrida não apreciou de forma autónoma e como uma questão prévia o alegado pela Recorrente no Capítulo III. E) da impugnação judicial – isso não significa que padeça dos vícios invocados.
19.ª Com efeito, a omissão de pronúncia traduz-se na ausência de decisão do tribunal quanto às questões que lhe são submetidas pelas partes e que, por isso, lhe incumbe conhecer, ou de que deva apreciar oficiosamente, e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelas partes, na defesa das suas posições.
20.ª Ora, se analisarmos a sentença recorrida verificamos que, quanto ao primeiro ponto mencionado pela Recorrente, o Tribunal a quo confirmou, no que é relevante, a factualidade dada como provada na decisão administrativa, e baseou a fundamentação da matéria de facto nos mesmos elementos de prova que se encontram naquela descritos – os quais não se reduzem às reclamações apresentadas, nem foram suscetíveis de criar qualquer dúvida aos decisores – obviamente que considerou improcedente o alegado pela Recorrente quanto à insuficiência da decisão.
21.ª Quando ao segundo ponto referido pela Recorrente como tendo sido supostamente ignorado pela sentença recorrida várias são as passagens da sentença que demonstram que o Tribunal a quo teve efetivamente em conta o circunstancialismo descrito pelos CTT em sede de defesa – até o mencionando por mais do que uma vez.
22.ª No que diz respeito ao terceiro ponto, o Tribunal a quo deu como provada a factualidade enunciada na decisão administrativa, tendo procedido à devida subsunção da matéria de facto ao Direito e concluído no mesmo sentido que aquela decisão – logo, concluiu que os factos alegados eram suficientes e permitiam imputar os incumprimentos em que a Recorrente foi condenada.
23.ª Também quanto ao último ponto enunciado pela Recorrente, existiu pronúncia no texto da sentença recorrida, desde logo quando menciona: Também relativamente ao reclamante JJT, dos factos provados resulta que o domicílio do reclamante se encontrava dotado de receptáculo postal e identificado com o número de polícia atribuído pela Câmara Municipal da Covilhã, tendo também condições de acessibilidade. O facto de ser um acesso de terra batida não é, à partida, e sem qualquer outra prova, impeditivo de ter condições adequadas à circulação rodoviária, ainda que possa constituir um incómodo. Nos termos da Decisão supra referida veio a consagrar-se que “Considera-se que existe dificuldade de acesso ao domicílio do destinatário quando o domicílio (ou o respetivo ponto de entrega15) esteja localizado em local cujo único acesso ao mesmo se faz através de via (estrada ou caminho) que não esteja em condições adequadas à circulação rodoviária – considerando-se como tal as vias (estradas ou caminhos) que apenas sejam passíveis de ser utilizadas por veículos projetados especificamente para circular fora de estrada ou em que o uso seguro de veículos exige que os mesmos circulem nessa via, em média, a uma velocidade inferior a 10 km por hora – e que diste mais de 200 metros do troço de via (estrada) com condições adequadas à circulação rodoviária.”. Nada resultou provado quanto à alegada impossibilidade de a via de acesso à habitação do reclamante JJT ser usada por veículos automóveis não dotados de tracção às quatro rodas ou que tivessem de circular a velocidade muito reduzida. Não existia qualquer impossibilidade de acesso à habitação do reclamante JJT para que este não se encontrasse a beneficiar da distribuição postal no seu domicílio.
24.ª Ora, não tendo a sentença recorrida deixado de dar resposta às questões enunciadas pela Recorrente, não padece aquela decisão judicial dos vícios de omissão de pronúncia nem de falta de fundamentação.
25.ª Caso assim não se entendesse – o que só por mera e académica hipótese se admite –, sempre poderia o TCRS, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 380.º do CPP, proceder à correção da situação, proferindo nova sentença suprindo a alegada nulidade em causa.
D. Da alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia – factos relevantes alegados no recurso
26.ª A argumentação da Recorrente neste ponto reconduz-se, no essencial, ao já alegado no ponto B das presentes conclusões – para onde por economia se remete – mas desta feita em relação à decisão judicial em apreço.
27.ª É que também aqui, se analisarmos em pormenor os “factos” que a Recorrente elenca como devendo constar da sentença recorrida (cfr. ponto 22 das conclusões de recurso), verifica-se que ou os mesmos resultam da matéria de facto dada como provada e não provada e da respetiva motivação, ou da análise das questões prévias invocadas, ou estão mencionados na análise da subsunção da matéria de facto ao Direito; outros foram mesmo contrariados com a factualidade dada como provada que demonstra a prática dolosa das contraordenações pelos CTT.
28.ª O Tribunal da Relação de Lisboa já se pronunciou sobre a matéria por diversas vezes, defendendo que “Se no entender da recorrente o juiz não apurou, não conheceu ou não se pronunciou sobre a existência ou inexistência de determinados factos, a mesma não pode imputar-lhe, por tal omissão, o vício da nulidade de sentença, nos termos do art. 379º, n.º 1, al. c) do CPP, pois ao fazê-lo está a confundir “questões” com “factos” ou “insuficiências” da matéria de facto” com “questões de direito”. Uma coisa é não conhecer de determinados factos ou conhecer deficientemente de determinados factos e outra, completamente distinta, é não tomar conhecimento de questões sobre que devesse pronunciar-se. Os factos materiais são apenas elementos para a solução da questão, mas não são a própria questão e a nulidade prevista no art. 379º, n.º 1 al. c) do CPP só se verificaria se, no caso em apreço, a sentença não se tivesse pronunciado sobre alguma questão que devesse apreciar. O que não é o caso.
29.ª Só a falta de fundamentação ou o não conhecimento de questões que devesse conhecer podiam constituir nulidade da sentença. Nunca as “insuficiências” da matéria de facto provada ou as deficiências de motivação alegadas pela recorrente.” (sublinhado nosso)
30.ª Verifica-se, portanto, que todas as questões foram analisadas e decididas pelo Tribunal a quo ao longo do texto da sentença recorrida – não existindo qualquer omissão de pronúncia.
E. Da alegada insuficiência da matéria de facto para a decisão de Direito
31.ª Não é verdade que não constem da matéria de facto provada e da respetiva motivação factos suficientes para a conclusão de que a não entrega de envios postais na morada do domicílio dos reclamantes se deveu aos CTT ou factos para a decisão relativa ao preenchimento do elemento subjetivo a título de dolo e da improcedência da alegação da atuação em erro que exclui a culpa constante do Recurso.
32.ª Quanto ao primeiro aspeto, é, pois, deveras evidente que decorre da factualidade dada como provada (factos provados 2 a 9) e da respetiva motivação, não só que a Recorrente não fazia a distribuição dos envios postais no domicílio daqueles destinatários, mas também que tinha condições para a efetuar, concluindo-se, naqueles dois casos, pelo incumprimento da obrigação de distribuição domiciliária a que a Recorrente se encontrava sujeita.
33.ª Quanto ao segundo aspeto invocado pelos CTT neste ponto analisando os factos provados 10 a 14 e a respetiva motivação constante da sentença recorrida, fica demonstrado, não só que a Recorrente conhecia as obrigações a que se encontrava sujeita, como também sabia que, não fazendo a distribuição no domicílio daqueles destinatários – estando as condições para o efeito reunidas, como estavam –, incorria na prática de contraordenações.
34.ª Ficou igualmente demonstrada, naqueles dois casos, a conduta dolosa por parte da Recorrente, na medida em que se tratou de uma opção estratégica e de organização interna dos CTT efetuar a distribuição dos envios postais que se destinavam a (...) e (...) em BCCI.
35.ª Foi isto que o Tribunal a quo considerou – e bem – depois de formar a sua convicção com base em todos os elementos de prova constantes dos autos.
36.ª Atento o exposto, verifica-se que resultou cabalmente demonstrada a matéria de facto provada e a respetiva motivação, elementos necessários à formulação de um juízo seguro de condenação, não padecendo a sentença recorrida do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, aplicável ex vi do artigo 41.º n.º 1 do RGCO.
F. Do alegado erro de Direito – alegada inexistência de dolo dos CTT
37.ª A título de considerações prévias, importa referir que as conclusões da Recorrente neste ponto, versam sobre a decisão de facto, em concreto sobre o elemento subjetivo dos tipos contraordenacionais e como é sabido não existe a possibilidade de impugnação da matéria de facto fixada nos recursos de sentenças proferidas em processos de contraordenação (cfr. n.º 1 do artigo 75.º do RGCO).
38.ª Estando legalmente vedado a esse Venerando Tribunal a sindicância da matéria de facto que o tribunal a quo deu como provada, uma vez que no presente recurso a Relação funciona como tribunal de revista e apenas conhece da matéria de Direito.
39.ª Ainda assim, no que diz respeito à imputação subjetiva reitera-se o que já foi mencionado no ponto anterior como tendo sido a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo, realçando-se novamente o teor dos factos provados 13) e 14), para onde se remete.
40.ª Veja-se ainda o facto não provado b. e a motivação dessa mesma factualidade, que revelam que o Tribunal não teve dúvidas em concluir que a Recorrente sabia que não podia proceder dessa forma, e, ainda assim, actuou.
41.ª Ora, decorre dos elementos constantes do processo e apreciados livremente pelo Tribunal, tendo ficado, consequentemente provado, que a ora Recorrente atuou de forma deliberada, com consciência da ilicitude e bem sabendo que ao não proceder à entrega dos envios postais no domicílio dos dois reclamantes (mas antes em BCCI) incorria na prática de contraordenações.
42.ª Resultou ainda provado que se tratou de uma opção da Recorrente, face à organização interna que decidiu ter, não proceder à distribuição domiciliária naqueles dois casos – o que demonstra desde logo a sua atuação dolosa.
43.ª Por sua vez, não resultou provado que a Recorrente tivesse atuado na convicção de que, à data dos factos, não se encontravam reunidas nas localizações correspondentes, as condições para a distribuição postal porta-a-porta – e, consequentemente, que fosse lícito proceder à entrega da correspondência que lhes era destinada em BCCI, não sendo possível, como bem decidiu o Tribunal a quo, excluir a culpa (dolosa) dos CTT.
44.ª A Recorrente pode discordar da apreciação da prova efetuada pelo Tribunal a quo, do exame crítico vertido na decisão judicial, ou mesmo da factualidade dada como provada e não provada, mas isso não significa que exista por parte do Tribunal a quo qualquer erro na interpretação da conduta adotada pela Recorrente – nada havendo a censurar, também neste ponto, na sentença recorrida.
G. Da sanção aplicada
45.ª No que diz respeito à medida das coimas parcelares e da coima única aplicada, que o Tribunal a quo concluiu ser a adequada, ela é objeto de análise e reflexão na decisão, tendo em conta os parâmetros previstos no artigo 5.º da Lei n.º 99/2009, de 4 de setembro.
46.ª A sentença recorrida ponderou a atuação dolosa da Recorrente, os prejuízos causados aos reclamantes em causa, as exigências de prevenção, o facto de terem sido regularizadas as situações reclamadas e a dimensão da recorrente; mencionou ainda a antiguidade dos factos e o critério do benefício económico com a prática das infrações.
47.ª Ora, não nos parece, pois, razoável admitir, principalmente face à ilicitude concreta dos factos, à culpa dolosa dos CTT, à duração da conduta ilícita e à ausência de sentido critico do seu comportamento, de que as coimas adequadas deveriam ser fixadas pelo mínimo legal ou sequer pelo mínimo legal aplicável à negligência – como requer, sem razão, a Recorrente.
Termina pedindo que “deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional interposto pelos CTT – Correio de Portugal, SA, mantendo-se a sentença recorrida incólume na ordem jurídica (que será, assim, confirmada)”.
6. Também o Magistrado do Ministério Público apresentou Resposta ao Recurso tendo concluído “(…) que a sentença condenatória proferida pelo JUIZ 1 do TCRS no âmbito dos presentes autos não padece de qualquer vício, nulidade ou até mesmo erro de julgamento, devendo, por isso mesmo ser mantida na sua íntegra, a par do julgamento, porque não provado, do recurso a que por ora se responde”. *
7. Neste Tribunal da Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no sentido de “que a douta sentença recorrida não contém qualquer nulidade, vício do artigo 410.º do CPP, vício de inconstitucionalidade, erro de interpretação, de julgamento ou de direito, devendo ser mantida na íntegra, e, julgado manifestamente improcedente quanto à impugnação de facto e improcedente no mais, o recurso de CTT - SA.”.
8. A recorrente respondeu ao aludido parecer, mantendo que se deve julgar “procedente o Recurso, nos precisos termos em que foi interposto pela Recorrente”.
*
Foram colhidos os Vistos.
***
B. Questões prévias.
1. O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. os artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2 e 410º, n.º 2, als. a), b) e c) do Código de Processo Penal) e atento o disposto no artigo 75º n.º 1 do DL n.º 433/82, de 27/10 (RGCO) este Tribunal apenas conhece de matéria de direito.
Na suas alegações, e conclusões, a recorrente suscita diversas questões que não devem ser conhecidas por este tribunal de recurso pelas razões que a seguir se enumeram.
1. Como já referido, atento o disposto no artigo 75º n.º 1 do DL n.º 433/82, de 27/10 (RGCO), este Tribunal apenas conhece de matéria de direito, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
2. Este tribunal apenas aprecia, com as limitações referidas em 1, o recurso da decisão judicial, não da decisão administrativa.
3. No julgamento da impugnação judicial o Tribunal conhece de toda questão em discussão e não, apenas, a decisão administrativa. Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, uniformizador de jurisprudência, n. 3/2019[1], de 23 maio de 2019: "o objecto da sua apreciação não é a decisão administrativa, mas a questão sobre a qual incidiu a decisão administrativa”.
4. O artigo 73.º, do RGCO (Decisões judiciais que admitem recurso) estabelece a regra da irrecorribilidade, ao contrário do que sucede no direito penal. Ou seja, sem prejuízo de casos excecionais não presentes neste caso, apenas é permitido recorrer da decisão final condenatória, e não das decisões interlocutórias ou prévias.
Assim, perante estes pressupostos, quaisquer questões suscitadas pela recorrente que respeitem unicamente à decisão administrativa ou a decisões prévias ou interlocutórias proferidas pelo Tribunal a quo não podem ser apreciadas e, por tal, não serão apreciadas.
2. Em concreto, por não admitirem recurso nos termos acima descritos, não se apreciam as questões que a recorrente intitula de:
. vícios da acusação e da decisão da ANACOM que foram incorretamente decididos na sentença;
. a nulidade da acusação e da decisão administrativa por violação do princípio da boa-fé;
. da nulidade da decisão administrativa por omissão de pronúncia.
(conclusões 2º a 15).
Pelo mesmo motivo, também não há que apreciar a invocação, genérica, da violação de princípios constitucionais, designadamente da boa fé ou do princípio in dubio pro reo.
Nenhuma circunstância aponta para a verificação oficiosa de tal violação.
3. Assim, atentas as conclusões da recorrente há as seguintes questões a decidir:
1ª saber se a sentença é nula, designadamente por omissão de pronúncia quanto à questão probatória prévia (conclusões 16ª a 20ª) e/ou por omissão de pronúncia – factos relevantes alegados no recurso (conclusões 21ª a 25º). 2ª saber se a sentença padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (conclusões 26ª a 40º) 3ª apurar se ocorre do erro de direito – inexistência de dolo dos CTT (conclusões 41º a 54º) 4ª apurar se ocorre do erro de direito na determinação da sanção (conclusões 55º a 60º)
4. Apreciando a primeira das questões (saber se a sentença é nula, designadamente por omissão de pronúncia quanto à questão probatória prévia (conclusões 16ª a 20ª) e/ou por omissão de pronúncia – factos relevantes alegados no recurso - conclusões 21ª a 25º).
Como acertadamente a ANACOM conclui “a omissão de pronúncia traduz-se na ausência de decisão do tribunal quanto às questões que lhe são submetidas pelas partes e que, por isso, lhe incumbe conhecer, ou de que deva apreciar oficiosamente, e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelas partes, na defesa das suas posições” – conclusão 19.
i. A primeira das muitas nulidades apontadas pela recorrente à decisão condenatória consiste numa originalidade.
Para além de realizar o seu julgamento, com o âmbito descrito no já referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, uniformizador de jurisprudência, n. 3/2019[2], de 23 maio de 2019, segundo a recorrente, impunha-se ao tribunal, com respeito à decisão administrativa, “(…) ter apreciado (e fundamentado) a insuficiência ou suficiência ao nível da prova, por referência à argumentação aduzida pelos CTT” – conclusão 17ª e artigos 67 a 75 das alegações.
Acrescenta, com nova originalidade, que se assim não se considere a sentença é nula por “falta de fundamentação” – conclusão 20ª.
Ou seja, a recorrente entende, sem apoio na Lei, que, de resto, não indica, que, perante a impugnação judicial, o tribunal a quo haveria de numa primeira fase apreciar as provas da autoridade administrativa e numa, eventual, segunda, cumprir a imposição prevista no artigo 65.º, do RGCO, ou seja, realizar o julgamento (com o âmbito já referido).
Ignora, pois, a recorrente, o regime legal preestabelecido: na apreciação sumária o juiz pode entender decidir por despacho (respeitadas as condições previstas no art. 64.º) ou decidir na sequência de julgamento.
A marcação do julgamento, nos termos do art. 65.º, pressupõe o juízo de inaplicabilidade da decisão por despacho, previsto no art. 64.º. Valendo, pois, a marcação do julgamento quer como decisão quer como fundamentação, sem necessidade de outras fundamentações.
Apenas estas as regras a observar pelo juiz, nesta fase. Nada mais, designadamente, nada lhe impõe que realize, fora do julgamento, com audiência ou por despacho, a agora pretendida ponderação das provas indicadas pela autoridade administrativa.
Improcede, pois a invocada nulidade.
ii. A segunda das nulidades apontadas, e que se mantêm em apreciação neste recurso, consiste na imputação à sentença de omissão de pronúncia de factos relevantes alegados pela recorrente, na impugnação judicial.
Descreve os factos como sendo referentes a uma Decisão da ANACOM e que “a ANACOM nunca definiu as circunstâncias em que a Arguida poderia proceder à distribuição em local distinto do domicílio, o que foi sempre entendido pelos CTT como uma forma de credibilização da regularidade e licitude da sua atuação quanto ao cumprimento da distribuição de envios postais” (conclusão 22ª)
Ou seja, perante estes factos, a recorrente entende que estava “à data dos factos, convictos de que a distribuição postal através de baterias de caixas de correio individual era, em determinados casos excecionais, adequada, necessária e proporcional a assegurar o cumprimento das suas obrigações enquanto prestador do serviço postal universal”.
Como resulta evidente, a recorrente, com esta invocação, mais não faz que impugnar os factos provados de sentido contrário e que constam da matéria de facto apurada sob os números 10 a 14, e no facto não provado descrito em “a”.
Como já referimos tal impugnação da matéria de facto não é permitida.
A invocada “Decisão” foi, de resto, tida em consideração pelo Tribunal a quo.
Improcede também esta invocada nulidade.
II. Fundamentação de Facto. Com interesse para a boa decisão da causa, foram considerados provados pelo tribunal de 1ª instância, os seguintes factos:
Com relevância para a decisão de mérito resulta dos autos a seguinte factualidade:
1) A recorrente é desde 1 de Setembro de 2000, a empresa prestadora do serviço postal universal em território nacional.
2) A recorrente, pelo menos até Dezembro de 2019, não procedeu à entrega de envios postais no domicílio de (...), sito na (…).
3) Até essa data, a recorrente realizava a distribuição dos envios postais no receptáculo postal apenas de parte dos moradores da referida rua.
4) Relativamente a (...) a distribuição da correspondência era realizada em Bateria de Caixas de Correio Individuais (BCCI) localizada a cerca de 1000 metros da residência desta utilizadora.
5) O domicílio desta utilizadora encontrava-se dotado de receptáculo postal e identificado com o número de polícia atribuído pela Câmara Municipal de (…).
6) A recorrente distribuía correspondência no domicílio dos destinatários em 2300 metros dos cerca de 3 quilómetros (…), e percorria os demais 700 metros dessa rua de forma a procederem à distribuição dos envios postais na BCCI.
7) A recorrente, pelo menos até Maio de 2021, não procedeu à entrega de envios postais no domicílio de (...), sito no (…).
8) Até essa data, a recorrente realizava a distribuição dos envios postais do utilizador (...) em BCCI, localizada a cerca de 200 metros da residência deste.
9) O domicílio do utilizador (...) encontrava-se dotado de receptáculo postal e identificado com o número de polícia atribuído pela Câmara Municipal da (…), tendo também boas condições de acessibilidade.
10) A recorrente, enquanto concessionária do serviço postal universal e empresa com a dimensão, organização e capacidade económica e financeira, bem como know-how (incluindo jurídico), conhece as obrigações legais a que se encontra adstrita no exercício da respectiva actividade, sendo-lhe exigível o respectivo cumprimento.
11) A recorrente sabia, portanto, que está obrigada a proceder à distribuição dos envios postais abrangidos no âmbito do serviço universal, no domicílio dos destinatários ou, nos casos e condições previamente definidos pela ANACOM, em instalações apropriadas.
12) E sabia que deve assegurar o cumprimento dessa obrigação em todas as situações, devendo garantir que, na distribuição, os objectos postais são colocados nos receptáculos postais de cada destinatário ou entregues em mão no seu domicílio, no caso dos envios registados – sempre que os destinatários ali se encontrem -, com celeridade e segurança.
13) A recorrente conhecia todas as obrigações a que estava adstrita, bem sabendo também, que as condutas por si adoptadas constituíam a prática de contra-ordenações, até porque, em particular e no que respeita à violação da obrigação da distribuição domiciliária, já havia sido acusada no âmbito do processo de contra-ordenação com o nº SCO0004432013.
14) Assim, ao adoptar as condutas acima descritas:
a) Não procedendo à entrega dos envios postais na morada (…), não efectuando, desse modo, a distribuição postal no domicílio da destinatária (...), mas antes colocando a correspondência que lhe era dirigida em BCCI; e
b) Não procedendo à entrega dos envios postais na morada (…), não efectuando, desse modo, a distribuição postal no domicílio do destinatário (...), mas antes colocando a correspondência que lhe era dirigida em BCCI,
a recorrente agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram ilícitas e, ainda assim, optou por prosseguir com o resultado antijurídico das suas condutas, isto é, a prática das contra-ordenações.
15) No ano de 2022 a recorrente teve um volume de negócios de € 466.029.627,04, um balanço total de € 1.135.432.073,40 e um resultado líquido de exercício no valor de € 37.307.257,60.
16) No ano de 2022 a recorrente teve um número médio de 10.069 trabalhadores.
17) No ano de 2023 a recorrente apresentou um resultado líquido no valor de € 70.805.388,90.
18) Actualmente a recorrente efectua a distribuição porta-a-porta no domicílio dos utilizadores (...) e (...).
B. Factos não provados
Não se provaram com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
a. A ANACOM conhecia que os CTT realizavam a distribuição de envios postais, em determinados casos, em baterias de caixas de correio individual.
b. No tratamento das situações particulares de (...) e (...), os CTT atuaram na convicção de que, à data dos factos, não se encontravam reunidas nas localizações correspondentes, as condições para a distribuição postal porta-a-porta.
III. Fundamentação Jurídica.
1. Segunda questão (saber se a sentença padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - conclusões 26ª a 40º)
a. Segundo a recorrente a sentença padece de insuficiência de matéria de facto relativa ao preenchimento do elemento objetivo do tipo.
Em concreto que “não resulta de qualquer dos factos provados, nem dos elementos constantes dos autos, que os CTT estivessem na disponibilidade de proceder à entrega de concretos envios postais naquelas moradas” e que “não existe nenhum elemento nos autos (nem alegado, nem demonstrado) que permita constatar que existissem cartas endereçadas ao domicílio dos destinatários”. (conclusões 27ª e 28ª)
É pacífico que no âmbito do direito delitual, “ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando esta se mostra exígua para fundamentar a solução de direito encontrada, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição” (Acórdão STJ de 5.10.2007, proferido no processo 07P3406, e disponível in www.dgsi.pt).
A recorrente entende que os factos não permitem a condenação.
Não lhe assiste razão como resulta da mera leitura da decisão recorrida.
Após identificar o tipo de contraordenações em causa a sentença identifica, com pormenor, os factos que permitem a conclusão, acertada, dizemos, de que se encontra preenchido o tipo objetivo da infração.
b. Invoca, ainda, a recorrente a insuficiência quanto “aos factos para a decisão relativa ao preenchimento do elemento subjetivo a título de dolo e da improcedência da alegação da atuação em erro que exclui a culpa constante do Recurso”.
Sem esquecer o que já se decidiu quanto à 1ª questão, os factos constantes da sentença (descritos essencialmente no que agora importa em 10 a 14) permitem a conclusão a que chegou o tribunal a quo e são suficientes para tal decisão.
Tudo o mais é especulação da recorrente tendo por pressuposto factos não provados.
É, assim, negativa, na sua totalidade, a resposta a esta questão.
2. terceira questão (apurar se ocorre do erro de direito – inexistência de dolo dos ctt - conclusões 41º a 54º).
A recorrente invoca a inexistência de dolo porque o tribunal a quo apreciou erradamente as provas (conclusões 41ª e 42ª) e especula com factos não provados, mas que desejaria que o tivessem sido (conclusões 43ª e 52ª), designadamente quanto a situação de “erro”.
Ora, os factos provados dão conta da verificação do dolo, como acertadamente consta da sentença em recurso ao concluir, dos factos apurados, que “a recorrente sabia que não podia proceder dessa forma, e, ainda assim, actuou”.
É, pois, também negativa a resposta a esta questão. 3. quarta questão (apurar se ocorre do erro de direito na determinação da sanção (conclusões 55º a 60º).
Segundo a recorrente, “atendendo à ponderação da sanção à luz do princípio da culpa”, “o montante da mesma deverá ser fixado para efeitos de uma atuação negligente, e no seu menor grau de culpa (isto é, inconsciente), considerando que os CTT sempre atuaram convictos de que cumpriam todas as exigências legais e regulamentares em matéria de distribuição postal, pelas razões supra expostas” e ainda que “o princípio da culpa (artigo 40.º do CP) sempre imporia, caso se mantenha a punição dos CTT, no que não se concede, que seja operada uma redução no montante da coima aplicada para o mínimo legal aplicável aos ilícitos em causa”.
A atuação a recorrente é dolosa e não negligente, como já acima referimos. Importa, pois, unicamente apurar se a coima se encontra desfasada das finalidades da punição atendendo à conduta dolosa.
Na determinação da coima única deve atender-se, para além da apreciação conjunta dos factos, à responsabilidade social-adscritiva do agente[3].
A lei não fornece um critério específico para a determinação a coima única e os critérios determinantes no direito criminal não são aqui diretamente aplicáveis, essencialmente, porque não está em causa a aplicação de uma pena que tem como limite a culpa do agente, mas sim outros interesses legalmente protegidos. Nem a punição visa, pelo menos diretamente, os fins previstos no art. 40.º do Código Penal[4].
É entendimento maioritário na doutrina que atendendo aos valores protegidos pela aplicação das coimas, a coima única deverá, tendencialmente, ser fixada próxima do valor da cumulação material[5]. Contudo, tal não resulta ter sido a opção do legislador nem é a prática jurisprudencial.
Contudo, é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça que apenas se deve alterar o quantum nos casos em que a fixação pelo tribunal a quo viola regras da experiência ou ocorre desproporção da quantificação efetuada. Neste sentido, e por todos, o acórdão do STJ de 14.07.2010[6]:
“(…) no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada (…)”.
No caso, a sentença apelou com propriedade ao artigo 5.º da Lei n.º 99/2009:
“Nos termos dos n.os 1 e 4 do artigo 5.º da Lei n.º 99/2009, de 4 de Setembro, a determinação da medida da pena é feita em função da ilicitude concreta do facto, da culpa do agente, dos benefícios obtidos com a prática da contraordenação e das exigências de prevenção, tendo ainda em conta a natureza singular ou coletiva do agente, havendo ainda que tomar em conta a situação económica e a conduta do agente”.
A justificação para a determinação das coimas parcelares e única não viola regras da experiência e situa-se dentro dos critérios gerais para a determinação da coima, sendo de manter.
A coima única situa-se no meio do valor existente entre o montante mínimo e o máximo, pelo que não ocorre qualquer desproporção no quantum fixado pela 1ª instância.
É pois, igualmente, negativa a resposta à questão em apreciação.
IV. Decisão.
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em não dar provimento ao recurso interposto por CTT – CORREIOS DE PORTUGAL S.A. e manter integralmente a sentença condenatória em recurso.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.
Lisboa, 29.10.2025
Armando Cordeiro
Carlos M. G. de Melo Marinho
Paula Cristina P. C. Melo
_______________________________________________________ [1] disponível in www.dgsi.pt e https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/3-2019-122857882 e que uniformizou a seguinte jurisprudência: “Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1.ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa” [2] disponível in www.dgsi.pt e https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/3-2019-122857882 e que uniformizou a seguinte jurisprudência: “Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1.ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa” [3] Cf. Por todos Paulo Pinto Albuquerque in Comentário do RGCO, 2ª ed. Atual., anotação ao art. 19.º, p. 119, e anotação ao art-º 9º, pp 85 e 86. [4] “1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. [5] Cf., por todos, Paulo Pinto Albuquerque in Comentário do RGCO, 2ª ed. Atual., anotação ao art. 19.º, pp. 119 (9, 10) e 120-121 (18 a 20) [6] Proferido no proc. n.º 149/07.9JELSB.E1.S1 e disponível in www.dgsi.pt, no qual se cita abundante jurisprudência do STJ nesse sentido: acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00 – 5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01 – 5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01 – 5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 -5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 - 3ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 - 5ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008 no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª..