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MARCA
IMITAÇÃO
AFINIDADE
RISCO DE ASSOCIAÇÃO
Sumário
Sumário (elaborado pelo Relator): I. O consumidor, confrontado com os sinais “COMEÇO” e/ou “RECOMEÇO” tende a associar uma palavra à outra o que aliado à pertença à mesma classe de produtos ou serviços poderá induzir facilmente o consumidor no erro de que provêm da mesma origem empresarial ou que existe uma relação entre as duas entidades que se propõem a comercializar tais produtos ou serviços. II. A jurisprudência do TJUE entende de modo constante que para os efeitos da exceção prevista no artigo 60.º, n. 3, do Reg (EU) 2017/1001, torna-se necessário que o consentimento seja expresso, não sendo sequer suficiente que se possa deduzir dos comportamentos do titular da marca anterior.
Texto Integral
Acordam na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. A(…), recorre da sentença que negou provimento ao recurso por si interposto que manteve o despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I.P. que recusou parcialmente o registo da marca nacional nº. 726125, RECOMEÇO”.
2. Antecedentes, tal como descritos na sentença em recurso (transcrição parcial):
(…), (…) veio, ao abrigo do disposto nos artigos 38.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso do despacho do Diretor de Marcas do INPI que concedeu parcialmente o pedido de registo da marca nacional n.º 726125, substituindo-a por decisão de concessão de registo da aludida marca no que respeita a todos os produtos e serviços das classes 29ª, 43ª, 33ª e 44ª da Classificação de Nice.
Alegou em síntese, que o sinal requerido, composto pela palavra “RECOMEÇO” não é por um lado, desprovido de carácter distintivo e ocorra identidade com os produtos e serviços do sinal “COMEÇO” nem, por outro, apresenta semelhança gráfica e fonética com o referido sinal registado.
A marca “RECOMEÇO” terá, para além da comercialização de produtos contidos na classe 33ª da Classificação de Nice, como intuito a comercialização dos seguintes produtos e serviços: Azeite (classe 29ª da Classificação de Nice), Serviços de casas de turismo entre outros (classe 28ª da Classificação de Nice) e Serviços de viticultura; consultoria em matéria de viticultura (classe 44ª). O core business da marca RECOMEÇO não será apenas a produção e comercialização de vinhos e todos os pontos inseridos na classe de Nice 33.
O consumidor desta categoria de produtos (classe 33) é normalmente atento e razoavelmente bem informado, tem cuidados redobrados na aquisição destes produtos (alcoólicos).
Não há, um elo de afinidade devido ao facto dos produtos e serviços serem semelhantes, sendo suscetível de risco de associação ao consumidor daquela tipologia de produtos e serviços – entre os sinais existem produtos e serviços totalmente distintos entre si por não se resumirem aos serviços contidos na classe 33ª da classificação de Nice (única classe comum aos dois sinais, ao sinal registado e ao sinal a registar). Acresce que, os sinais “RECOMEÇO” e “COMEÇO”, embora apresentem um vocábulo em comum, quando juntos, são designativos capazes de dirigir o consumidor para o respetivo produto; não existe uma proximidade elevada de todos os elementos presentes; as marcas “COMEÇO” e “RECOMEÇO” não têm o mesmo número de letras, sendo as primeiras duas letras diferentes e apenas tendo a mesma terminação. Também em termos gráficos e fonéticos, o vocábulo RECOMEÇO quando, em confronto, com o vocábulo COMEÇO é suficientemente distintivo, o prefixo “RE” torna-o gráfica e foneticamente bastante diferente. Logo não suscetível de induzir o consumidor em confusão ou erro nem se verifique um risco de associação com uma marca anteriormente registada.
*
Cumprido o disposto no art.º 43.º, n.º 1 do CPI, não foi apresentada resposta.
3. O Tribunal da Propriedade Intelectual, proferiu a seguinte sentença:
“Pelo exposto, e ao abrigo das citadas disposições legais, julgo o presente recurso totalmente improcedente e, consequentemente, mantém-se o despacho recorrido proferido pelo INPI, de concessão parcial no que respeita a todos os produtos e serviços das classes 29ª e 43ª, da Classificação Internacional de Nice, sendo recusado para todos os produtos e serviços das classes 33ª e 44ª, da mesma Classificação.
Valor da causa: €30.000.01 (trinta mil Euros e um cêntimo) atento o facto de estarem em causa direitos imateriais, cfr. arts. 303º, 1, e 306º, 1 e 2, do CPC.
Registe e notifique.
Após trânsito da sentença, cumpra-se o estabelecido no n.º 5 do artigo 34.º do CPI (artigo 46.º do mesmo código).”
Alegações da recorrente 4. Da sentença referida no parágrafo anterior veio o recorrente (…) interpor o presente recurso para o Tribunal da Relação, pedindo:
“(…) revogar a decisão de concessão parcial de registo da marca nacional n.º 726125 (RECOMEÇO), substituindo-a por decisão de concessão de registo da aludida marca no que respeita a todos os produtos e serviços das classes 29ª, 43ª, 33ª e 44ª da Classificação de Nice, V. Exas. farão inteira JUSTIÇA.” 5. Apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
A. O Recorrente não se conforma com a sentença que decidiu estarem verificados os requisitos para a recusa de registo de marca, nos termos do artigo 232.º n.º 1, al. b), do Código da Propriedade Industrial (CPI).
B. Não há dúvida que a marca n.º 620137, da titularidade de Cadeado Wines, Unipessoal, Lda, tem prioridade aferida pelo confronto das datas da concessão ou dos pedidos dos respetivos registos. Não obstante, não se encontram verificados os restantes requisitos cumulativos previstos no art.238º do CPI para se concluir que há fundamento de recusa de registo da marca, nos termos do referido art. 238º, n.º 1, al. b) do CPI.
C. A Primeira Instância considerou erradamente que do confronto entre as classes 33ª e 44ª assinaladas a cada uma das marcas em causa há um elo de manifesta afinidade. Fê-lo, sem considerar, que a marca RECOMEÇO, proposta a registo, visa assinalar (também) produtos e serviços na classe 29ª e na classe 43ª – estas classes não associadas à marca anteriormente registada.
D. Com o devido respeito, mal decidiu o Mme. Senhor Juiz a quo ao considerar, desde logo, que ambas as marcas são destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins – o que não se verifica.
E. O core business da marca RECOMEÇO não será apenas a produção e comercialização de vinhos e todos os pontos inseridos na classe de Nice 33. Por sua vez, a marca anteriormente registada encontra-se associada apenas à comercialização de bebidas alcoólicas (classe 33ª), e foi não foi provado que a marca n.º 620137 seja conhecida, se distinga, do grande público.
F. Mais, o consumidor desta categoria de produtos (vinhos) é atento; razoavelmente bem informado; tem cuidados redobrados na aquisição destes produtos e facilmente distinguirá uma marca exclusiva de vinhos (de produtos alcoólicos – a marca registada) de uma outra marca que comercializa azeite, presta serviços de alojamento e, para além destes, em complemento, comercializa vinhos (a marca registanda)!
G. Não há, de facto, um elo de afinidade entre os sinais. Entre as marcas existem produtos e serviços totalmente distintos entre si que, por não se resumirem aos serviços contidos na classe 33ª da classificação de Nice (única classe comum aos dois sinais, ao sinal registado e ao sinal a registar), por si só, permite concluir a que as marcas em análise não sejam ambas destinadas a assinalar produtos idênticos.
H. A marca RECOMEÇO também servirá para identificar serviços de turismo e de alojamento temporário, comercializar azeite e também produtos alcoólicos, mas nunca para identificar, em exclusivo, às classes 33ª e 44ª, logo a marca RECOMEÇO não será destinada a produtos ou serviços totalmente coincidentes aos da outra marca.
I. O público-alvo das marcas em confronto nunca será o mesmo.
J. E tanto assim é, que a entidade Cadeado Wines, Unipessoal, Lda, titular da marca nacional n.º 620137, citada, para se pronunciar, quanto ao recurso interposto pelo Recorrente, nada disse. O que o Tribunal a quo não devia ter desconsiderado na decisão proferida.
K. Acresce ainda que, em termos gráficos e fonéticos, o vocábulo RECOMEÇO quando, em confronto, com o vocábulo COMEÇO é suficientemente distintivo, o prefixo “RE” torna-o gráfica e foneticamente bastante diferente.
L. Isto é, não obstante as palavras referidas puderem ser consideradas similares e puderem ter fonéticas semelhantes, o sinal registando tem na sua composição o prefixo RE que quando junto à palavra “começo” confere distintividade suficiente de modo que o sinal em estudo (RECOMEÇO) não seja suscetível de induzir o consumidor em confusão ou erro nem se verifique um risco de associação com uma marca anteriormente registada.
M. Ao contrario do que refere a sentença, não é do facto de ambos os sinais se apresentarem com a mesma grafia, em letras de imprensa, sem qualquer elemento figurativo ou outro que lhes imponha (mais) distintividade que resulta o risco de indução em erro ou de associação, dado que verificada a existência de alguma semelhança entre os sinais em confronto há que apurar se existe risco de confusão, apelando a uma avaliação global comparativa entre os sinais, pois como é pacificamente aceite pela jurisprudência, a existência ou não de risco de confusão depende da apreciação global de vários fatores interdependentes, incluindo, por exemplo: a identidade dos produtos e serviços, a semelhança dos sinais, os elementos distintivos e dominantes dos sinais em situação de conflito e o público relevante.
N. O Tribunal de Justiça já estabeleceu o princípio básico segundo o qual a apreciação global do risco de confusão implica uma certa interdependência entre os fatores de forma que um reduzido grau de semelhança entre os produtos e serviços designados pode ser compensado por um elevado grau de semelhança entre as marcas e inversamente (Acórdão de 29/09/1998, C-39/97, «Canon», n.º 17).
O. Este princípio da interdependência é crucial para a análise do risco de confusão e deve ser aplicado de acordo com o princípio do primado do direito da União Europeia sobre o direito nacional, enquanto princípio estruturante do próprio ordenamento comunitário, devendo os tribunais nacionais ter uma interpretação conforme o direito da União.
P. Apesar de os sinais em confronto apresentarem elementos semelhantes, as diferenças existentes de pormenor, mas com impacto no sinal como um todo, são suscetíveis de afastar o risco de confusão.
Q. A decisão recorrida foi assim errada quando concluiu pela existência de risco de impelir o público-alvo a crer, indevidamente, que a marca em estudo identifica uma variante do sinal prioritário.
R. Ao contrário do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, não se verifica que no caso sub judice todos os requisitos legais do conceito de imitação estão preenchidos pelo que se impõe alterar a decisão do INPI, de concessão parcial do pedido de registo da marca nacional n.º 726125, por outra que, em substituição, conceda o registo da aludida marca no que respeita a todos os produtos e serviços das classes 29ª, 43ª, 33ª e 44ª da Classificação de Nice.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
Como é pacífico, o Tribunal tem de resolver questões e não apreciar argumentos, e as questões são as que resultam das conclusões das alegações da recorrente. Acresce que este Tribunal de recurso, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, não conhece questões novas, isto é, questões que não tenham sido apreciadas pelo Tribunal recorrido.
É apenas umas a questão a decidir:
saber se o tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos, devendo ser admitido o registo nos termos pretendidos.
III. APRECIAÇÃO
A. Fundamentação de facto
1. Os factos provados.
Do facto descrito em 1.6 não consta a classe da Classificação Internacional de Nice, o que, ao abrigo dos poderes deste tribunal ad quem, se adita, tendo tal facto sido obtido através da consulta ao endereço eletrónico do INPI (https://servicosonline.inpi.justica.gov.pt/).
1.1 Em 27 de Maio de 2024, o Recorrente apresentou um pedido de registo marca nacional n.º 726125 “RECOMEÇO”, junto do INPI. (processo administrativo)
1.2 Entre os produtos e serviços que pretendia identificar com a marca RECOMEÇO, o Recorrente elencou:
- na classe 33ª da Classificação Internacional de Nice: “Bebidas alcoólicas (excluindo cerveja); vinhos; licores; amargos [licores]; licores cremosos; digestivos [licores e bebidas espirituosas]”,
- na classe 44ª da Classificação Internacional de Nice: “Serviços de viticultura; consultoria em matéria de viticultura”,
-na classe 29ª da Classificação Internacional de Nice: “Azeite; Azeite comestível”
- na classe 43ª da Classificação Internacional de Nice: “serviços de casas de turismo; pousadas de turismo; aluguer de alojamento temporário; aluguer de alojamento para férias; aluguer de quartos enquanto alojamento temporário; aluguer de alojamento temporário em casas e apartamentos de férias (cfr. processo administrativo).
1.3 Em 18 de Setembro de 2024, foi proferido despacho de indeferimento provisório parcial do pedido de registo. (cfr. documento 2).
1.4 O Recorrente apresentou resposta em 11.10.2024. (cfr. documento 3).
1.5 Em 06 de Novembro de 2024, foi proferido despacho de concessão parcial no que respeita a todos os produtos e serviços das classes 29ª e 43ª, da Classificação Internacional de Nice, sendo recusado para todos os produtos e serviços das classes 33ª e 44ª, da mesma Classificação, o que foi inserido no Boletim da Propriedade Intelectual n.º 2024/220, publicado em 13 de Novembro de 2024. (cfr. documento 4).
2.1 A marca n.º 620137 “COMEÇO”, da titularidade de Cadeado Wines, Unipessoal, Lda seja conhecida do grande público.
B. Fundamentação de direito
1. O tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos?
É esta a questão a decidir.
Segundo o recorrente a resposta é positiva pois, em síntese, não se encontram verificados os restantes requisitos cumulativos previstos no art.238º do CPI para se concluir que há fundamento de recusa de registo da marca, nos termos do referido art. 238º, n.º 1, al. b) do CPI.
Alega, em apoio desta afirmação, que: “[e]ntre as marcas existem produtos e serviços totalmente distintos entre si que, por não se resumirem aos serviços contidos na classe 33ª da classificação de Nice (única classe comum aos dois sinais, ao sinal registado e ao sinal a registar)”.
Mais alega que “em termos gráficos e fonéticos, o vocábulo RECOMEÇO quando, em confronto, com o vocábulo COMEÇO é suficientemente distintivo, o prefixo “RE” torna-o gráfica e foneticamente bastante diferente”. Pelo que “[a]pesar de os sinais em confronto apresentarem elementos semelhantes, as diferenças existentes de pormenor, mas com impacto no sinal como um todo, são suscetíveis de afastar o risco de confusão.”
2. Apreciação deste tribunal.
Os factos apurados, como constam acima, são escassos. Revelam-nos, para além da prioridade e titularidade, os sinais das marcas nacionais, sendo que, quanto à marca nacional n.º 620137 “COMEÇO”, não constava sequer, a que classe pertence, o que, foi acima corrigido.
As marcas em comparação são as seguintes:
marcas registanda do recorrente
marca prioritária
RECOMEÇO
COMEÇO
A marca prioritária, invocada para a recusa parcial, pertence à classe 33ª da Classificação Internacional de Nice Consultável inhttps://inpi.justica.gov.pt/Documentos/Legislacao-e-outros-documentos/Classificacoes-internacionais-e-listas-de-classes. Ou seja, para “Bebidas alcoólicas, com exceção das cervejas; preparações alcoólicas para o fabrico de bebidas”.
O recorrente pretende o registo da marca “RECOMEÇO” para as classes 29ª, 33ª, 43ª e 44ª da referida Classificação Internacional de Nice, tendo-lhe sido concedido unicamente para as classes 29ª (Carne, peixe, aves e caça; extratos de carne; frutos e legumes em conserva, secos e cozidos; geleias, doces, compotas; ovos; leite, queijo, manteiga, iogurte e outros produtos lácteos; óleos e gorduras para a alimentação) e 43ª (Serviços para o fornecimento de alimentos e bebidas; alojamento temporário).
Ou seja, como resulta dos factos provados, designadamente em 1.2, o recorrente pretende o registo da marca “RECOMEÇO” também para designar os seguintes produtos ou serviços:
- Bebidas alcoólicas, com exceção das cervejas; preparações alcoólicas para o fabrico de bebidas (classe 33ª); e
- Serviços de viticultura; consultoria em matéria de viticultura (classe 44ª)
É entendimento deste Tribunal, já expresso, designadamente, no Acórdão de 10.4.2024, proferido no âmbito do processo n.º 225/23.0YHLSB.L1 Disponível inwww.dgsi.pt/jtrl, que:
“52. A semelhança dos produtos e serviços foi abordada na jurisprudência do Tribunal de Justiça no caso Canon (acórdão de 29/09/1998, C-39/97). O Tribunal de Justiça sustentou que para apreciar a semelhança entre os produtos importa levar em conta todos os factores pertinentes que caracterizam a relação entre os produtos. Estes factores incluem, em especial, a sua natureza, destino, utilização bem como o seu carácter concorrente ou complementar (n.º 23).
53. Deve ser considerado que determinado produto ou serviço é complementar de outro se existir uma relação estreita entre si, no sentido de que um é indispensável (essencial) ou importante (significativo) para a utilização do outro, de molde a que os consumidores possam entender que é a mesma empresa que é responsável pela sua produção (Cf. Ac. TG de 15 Dezembro 2010, Wind, T‑451/09, n.º 25).”
É, também, pacífico o entendimento expresso no Acórdão STJ de 9.6.2016 (ECLI:PT:STJ:2016:124.14.7YHLSB.L1.S1.4D), que:
“Já para definir se estamos em presença de um sinal destinado a marcar bens que apresentem afinidades com outros, importa atender à finalidade/utilidade dos produtos e serviços marcados, mas também à estrutura e características destes, aos respectivos circuitos e hábitos de distribuição, sem olvidar o mercado relevante de cada um (como se assinalou no Ac. deste STJ ( Fonseca Ramos ), de 13-07-2010, na revista nº3/05.9TYLSB.P1.S1, em www.dgsi,pt/jstj ).”
Como resulta da sentença, considerou-se que entre ambas estas classes (a 33ª e a 44ª) existe um elo de “manifesta afinidade”:
“Do confronto entre as classes assinaladas a cada uma das marcas em causa, constata-se ainda que a marca impugnante pretende assinalar, os produtos e serviços solicitados no pedido de registo – designadamente, na classe 33ª: “bebidas alcoólicas (excluindo cerveja); vinhos; licores; amargos [licores]; licores cremosos; digestivos [licores e bebidas espirituosas].” e na classe 44ª “serviços de viticultura; consultoria em matéria de viticultura”.
Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, entre este produtos e os produtos assinalados pelo direito prioritário – nomeadamente, na classe 33ª: (…) –, existe um elo de manifesta afinidade, na medida em que os produtos e serviços em confronto apresentam carácter complementar e concorrente, relativamente aos quais poderá haver coincidência no prestador, no utilizador final e nos circuitos de distribuição, detendo, desta forma, uma natureza e finalidade semelhante, o que, efectivamente não sucede relativamente aos restantes produtos e serviços que a marca proposta a registo visa assinalar na classe 29ª “Azeite; azeite comestível” e na classe 43ª “Serviços de casas de turismo; pousadas de turismo; aluguer de alojamento temporário; aluguer de alojamentos para férias; aluguer de quartos enquanto alojamento temporário; aluguer de alojamento temporário em casas e apartamentos de férias” da Classificação Internacional de Nice.”
Quanto aos produtos da marca registanda, na classe 33ª, há verdadeira similitude com os produtos da marca registada.
Resta, pois, apurar se há afinidade entre os serviços que o recorrente pretende registar, na classe 44ª, e os produtos e serviços da classe 33ª da marca registada, prioritária.
A “viticultura” pode, sem necessidade de precisão, definir-se como a ciência e/ou a arte de cultivar a videira para a produção de uvas Cf., p. ex. Carlos Sarres (https://carlosserres.com/que-es-viticultura/) "La viticultura es una rama de la agricultura que se ocupa del estudio, la gestión y el cuidado de la vid (Vitis vinifera), una planta trepadora que produce las uvas utilizadas en la elaboración de vino. La viticultura engloba una amplia gama de conocimientos y técnicas, que abarcan desde la selección de variedades y portainjertos, el diseño y la planificación del viñedo, la poda y el manejo del dosel vegetal, hasta el control de plagas, enfermedades y factores ambientales, como el clima y el suelo". (Tradução livre: “a viticultura é um ramo da agricultura que se ocupa do estudo, da gestão e da cultura da videira (vitis vinifera), uma planta trepadeira que produz as uvas utilizadas na produção do vinho. A viticultura engloba uma ampla gama de conhecimentos e técnicas que abarcam desde a seleção de variedades e porta enxertos, o desenho e planificação do vinhedo, a poda e o manejo do dossel vegetal até ao controle de pragas, doenças e fatores ambientais, como o clima e o solo”.. Uvas que, como sabemos, são o principal ingrediente do vinho.
Cremos, pois, ser isento de controvérsia que entre os produtos da classe 33ª e os “serviços de viticultura; consultoria em matéria de viticultura” existe uma acentuada afinidade, com especial relevo no facto de, em grande parte, partilharem os “respectivos circuitos e hábitos de distribuição” bem como o “mercado relevante”.
Atendendo ao que acima referimos quanto ao que deve entender-se por afinidade, mais não resta que concluir pela confirmação da afinidade entre os produtos e serviços da classe 33ª da marca prioritária e os serviços que o recorrente pretende registar.
3. Impõe-se, assim, apurar se a recusa do registo da marca “RECOMEÇO” quanto aos produtos e serviços da classe 33ª e 44ª, pedidos, decorre do apontado erro de direito ao ter-se considerado que a marca registanda importava risco de confusão com a marca prioritária.
Podemos desde já adiantar que a sentença é de manter.
O art. 238.º, n. 1, al. c), do Código da Propriedade Intelectual fornece-nos algumas indicações quanto ao conceito ou definição do que seja, para estes efeitos, “imitação”:
1 - A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
2 - Para os efeitos da alínea b) do número anterior:
a) Produtos e serviços que estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem não ser considerados afins;
b) Produtos e serviços que não estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem ser considerados afins.
3 - Considera-se imitação ou usurpação parcial de marca o uso de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada”
Ou seja, o que se pretende evitar é que as marcas gerem um risco de confusão entre os consumidores (destinatários finais da informação que o sinal distintivo pretende transmitir), podendo os traços de confundibilidade entre os sinais ter diversas origens: similitude gráfica, visual, fonética ou qualquer outra (Ac. STJ de 14.11.2024 – processo 202/21.6YHLSB.L1.S1).
Atendendo à matéria de facto, a apreciação efetuada quanto ao risco de confusão afigura-se-nos correta e de manter. Sendo que o risco de confusão abrange o risco de associação em sentido estrito, o qual se refere a uma situação em que o uso de uma marca pode criar uma relação indevida na mente dos consumidores entre dois produtos ou serviços, mesmo que não haja confusão direta entre as marcas em si.
Concordamos com a apreciação da 1ª instância:
. a palavra “RECOMEÇO” soa aos ouvidos como uma derivação da palavra “COMEÇO”;
. a palavra “RECOMEÇO” abarca toda a palavra “COMEÇO”; e
. as palavras “RECOMEÇO” e “COMEÇO” dizem respeito ao ato ou efeito de começar ou recomeçar (iniciar ou reiniciar).
Concordamos, igualmente, que o consumidor, confrontado com os sinais “COMEÇO” e/ou “RECOMEÇO” tende a associar uma palavra à outra o que aliado à pertença à mesma classe de produtos ou serviço poderá induzir facilmente o consumidor no erro de que provêm da mesma origem empresarial ou que existe uma relação entre as duas entidades que se propõem a comercializar tais produtos ou serviços.
Tal como já referimos, o risco de associação em sentido estrito refere-se a uma situação em que o uso de uma marca pode criar uma relação indevida na mente dos consumidores entre dois produtos ou serviços, mesmo que não haja confusão direta entre as marcas em si. Ou seja, ainda que as marcas não sejam idênticas ou muito semelhantes pode haver violação se o uso de uma delas levar os consumidores a acreditar, ainda que erroneamente, que existe uma conexão, cooperação ou relação comercial entre as empresas por trás das marcas.
Para determinar se há risco de associação, há que considerar uma série de fatores, incluindo a semelhança das marcas, a natureza dos produtos ou serviços em questão, o grau de distintividade e o grau de notoriedade da marca
Um dos mais relevantes acórdãos do TJUE sobre esta matéria é o do caso "Canon", de 11 de novembro de 1997 (C-39/97), enfatizando que a proteção das marcas não se limita apenas a evitar confusão direta entre as marcas, mas também se estende à prevenção de qualquer associação indevida que possa prejudicar o valor distintivo ou a reputação da marca registrada. Afirma-se que “Em contrapartida, a existência de tal risco está excluída se não se concluir que o público pode ser levado a supor que os produtos ou serviços em causa provêm da mesma empresa ou, eventualmente, de empresas economicamente ligadas”.
Quanto maior for o risco de associação maior é o risco de confusão.
Deste modo, e atendendo apenas aos factos provados, é nosso entendimento que não ocorre o invocado erro de julgamento e considera-se, que, efetivamente, as marcas em causa apresentam semelhanças suficientemente relevantes para que seja recusado o registo da marca da recorrente nas classes indicadas na sentença.
4. Impõe-se, ainda, referir que “o direito das marcas não existe para proteger as marcas, mas sim para proteger da confusão o público consumidor e, simultaneamente, para garantir ao titular da marca o seu direito a que o público não seja confundido Tribunal de Apelação do Sétimo Circuito, caso James Burrough, Ltd v. Sign of the Beefeater, Inc., 1976 (passagem extraída da tradução espanhola de FERNANDEZ-NOVOA, Fundamentos de Derecho de Marcas, Madrid, 1984, p. 45).”; e, ainda, que a interpretação do direito nacional deve fazer-se de harmonia com a Diretiva (UE) 2015/2436 do PE e do Conselho, de 16/12/2016, transposta para o nosso ordenamento jurídico pelo Código da Propriedade Intelectual.
É certo que, quanto às causa de nulidade da marca, e estando em causa uma nulidade relativa, o art. 60.º, n. 3, do Regulamento (UE) n. 2017/1001 REGULAMENTO (UE) 2017/1001 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 14 de junho de 2017 sobre a marca da União Europeia. estipula que a “A marca da UE não pode ser declarada nula se o titular de um direito referido nos n.ºs 1 ou 2 der o seu consentimento expresso ao registo dessa marca antes da apresentação do pedido de nulidade ou do pedido reconvencional”.
Contudo, ainda que não esteja em causa uma marca da UE, é pacífica a jurisprudência do TJUE que para os efeitos da exceção contemplada no referido artigo torna-se necessário que o consentimento seja expresso, não sendo sequer suficiente que se possa deduzir dos comportamentos do titular da marca anterior (cf. por todos os Acórdãos de 3.06.2015, “Pensa Pharma/OAMI — Ferring y Farmaceutisk Laboratorium Ferring - ECLI:EU:T:2015:355; e de 13.07.2017 - AIA/EUIPO — Casa Montorsi (MONTORSI F. & F.), ECLI:EU:T:2017:492).
É, pois, irrelevante para os efeitos de recusa do registo da marca que exista, ou não qualquer consentimento tácito por parte do titular da marca registada “COMEÇO”, sendo que, de resto, os factos nada demostram a este propósito
Sendo, portanto, totalmente irrelevante, para estes efeitos, o teor da conclusão “J”. Se o titular da marca registada consentir nada impede que o recorrente use o sinal, contudo, não pode registá-lo como uma marca sua, que é o que se decide neste processo.
IV. DECISÃO:
I. Pelo exposto, acordamos em negar provimento ao recurso e, em consequência mantemos a sentença impugnada na parte em que manteve a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que negou o registo da marca nacional n.º 726125 “RECOMEÇO” para os produtos e serviços das classes 33ª e 44ª.
II. Custas pelo recorrente.
Cumpra-se o disposto no artigo 34.º, n. 5, do CPI aplicável ex vi art. 46.º do mesmo diploma, após trânsito e baixa dos autos.
Lisboa, 29.10.2025
Armando Cordeiro Eleonora Viegas Rui A. N. Ferreira Martins da Rocha