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SITUAÇÃO JURÍDICA PLURILOCALIZADA
CONTRATO
LEI APLICÁVEL
Sumário
Sumário:1 I - O Direito português é directamente aplicável, enquanto lex fori, aos processos judiciais que se desenrolam em Portugal, competindo-lhe delimitar as acções e procedimentos admitidos e regular os trâmites processuais, sendo ainda aplicável aos pressupostos processuais. II - No que diz respeito às normas sobre prova, há que distinguir o Direito probatório formal ou adjectivo, referente à produção da prova e à conduta dos juízes, peritos e partes no decurso do processo, a que é aplicável a lex fori e o Direito probatório material ou substantivo, que dispõe sobre o ónus da prova e presunções legais, a que se aplica o Direito aplicável ao fundo da causa. III - Alegada a celebração de um negócio de intermediação que teria tido lugar no início do ano de 1986 (ou seja, num momento em que ainda não havia entrado em vigor em Portugal a Convenção de Haia sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação, concluída em Haia, em 14 de Março de 1978), com elementos de conexão com os ordenamentos jurídicos português e sul-africano, sendo, por consequência, uma situação jurídica plurilocalizada, importa determinar a lei reguladora do suposto contrato, sendo de aplicar, para o efeito, as normas de conflitos de fonte interna, nomeadamente, as vertidas nos artigos 41º e 42º do Código Civil. IV - O artigo 41º, n.º 1 do Código Civil consagra a faculdade de os interessados escolherem a lei aplicável às obrigações provenientes de negócio jurídico e à sua própria substância, escolha que pode ser expressa ou tácita (enquanto vontade real e não meramente hipotética). V - Para a designação tácita da lei aplicável deve ser conferida relevância às representações convergentes ou concordantes das partes para a determinação do Direito aplicável, que se devem retirar, com elevada probabilidade, das circunstâncias do caso. VI - Na falta de designação pelas partes, importa recorrer ao critério supletivo previsto no artigo 42º, n.º 1 do Código Civil, ou seja, à lei da residência habitual comum das partes e, na falta desta, nos contratos não gratuitos, a lei do lugar da alegada celebração do putativo contrato (cf. artigo 42º, n.º 2, in fine do Código Civil). VII - De acordo com o direito sul-africano, impende sobre a parte que invoca a existência de um contrato o ónus de provar que havia um verdadeiro acordo de vontades entre as partes. Não se fazendo essa prova, não poderá ser declarada a existência do contrato.
Texto Integral
Índice: I – RELATÓRIO3 II – OBJECTO DO RECURSO36 III - FUNDAMENTAÇÃO36
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO 36
3.1.1. A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos: 36
3.1.2. O Tribunal recorrido deu como não provados os seguintes factos: 45
3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO 53
3.2.1. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto53 a) Tema da Prova 1) – “Em que consistiu o Projecto Adenia, designadamente no que tange à natureza e finalidade dos equipamentos”59 a.i)Alínea g) dos factos não provados59 a.ii)Alínea y) dos factos não provados65 b) Tema da Prova 2) – “Acordo entre as autoras e a ré no âmbito do dito Projecto originando a prestação de serviços de mediação e promoção pelas autoras junto das autoridades portuguesas”88 b.i)Alíneas h) dos factos não provados88 b.ii)Alíneas i), j) e k) dos factos não provados91 b.iii)Alíneas m), n) e o) dos factos não provados e aditamento de um novo facto102 b.iv)Alínea p) dos factos não provados108 c) Tema da prova 3) – “Actividades desenvolvidas pelas autoras na prossecução do acordo referido em 2) no sentido de criar o chamado canal português no âmbito do Projecto referido em 1)”109 c.i)Alíneas q), r) e s) dos factos não provados109 c.ii)Alíneas u), v) e aa) dos factos não provados114 c.iii)Alíneas t) e qq) dos factos não provados116 c.iv)Alíneas bb) e cc) dos factos não provados118 c.v)Alíneas ff), gg), hh), jj) e oo) dos factos não provados120 c.vi)Alíneas c) e tt) dos factos não provados e aditamento de novo facto124 d) Tema da prova 4) – “Fixação da comissão devida pela ré às autoras pelo cumprimento integral do mandato e actos praticados no âmbito do Projecto referido em 1)”127 d.i)Alínea w) dos factos não provados127 d.ii)Alínea x) dos factos não provados130 d.iii)Alíneas dd), ee), kk), uu) e yy) dos factos não provados131 d.iv)Alíneas zz), bbb) e ccc) dos factos não provados e aditamento de novo facto142 d.v)Alíneas mm) e nn) dos factos não provados146 d.vi)Alínea eee) dos factos não provados147 e) Tema da prova 6) – Da obtenção pela ré de um conjunto de vantagens económicas, traduzidas na aquisição, transporte, montagem e reexpedição de bens em resultado da actividade desenvolvida pelas autoras149 e.i)Alíneas z) e fff) dos factos não provados e aditamento de novo facto149 f) Tema da prova 8) – Do conhecimento pelas autoras há mais de 3 anos, à data da propositura da acção, dos factos que sustentam os pedidos principal e subsidiários152 f.i)Alíneas N) e Q) dos Factos Provados155 g) Fundamentaçao de Facto Reordenada156
3.2.2. A determinação da lei aplicável ao contrato alegadamente celebrado entre as partes164
3.2.3. A celebração de um contrato entre as partes e a sua qualificação178
3.2.4 Do enriquecimento sem causa189
3.2.5 Da Gestão de negócios194
3.2.6 Das Custas197 IV – DECISÃO198
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Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
* I – RELATÓRIO2 BEVERLY SECURITIES LIMITED3 e BEVERLY SECURITIES INCORPORATED4 intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra ARMAMENTS CORPORATION OF SOUTH AFRICA LIMITED5 formulando o seguinte pedido: “(i) Ser a R. Armscor condenada a pagar às AA. a quantia de € 192.180.622,82 (cento e noventa e dois milhões, cento e oitenta mil, seiscentos e vinte e dois euros e oitenta e dois cêntimos), a título de comissão de 10% por força do contrato de mandato comercial celebrado entre as partes, exercido pelas AA. em nome e por conta da referida R., acrescido dos juros de mora contados desde a data da citação, sem prejuízo dos demais juros vincendos até integral e efectivo pagamento, sem prejuízo do mais que se determinar em sede de execução de sentença, nos termos e para os efeitos dos artigos 471.º, n.º 1, alínea b) e 661.º, n.º 2 do Código de Processo Civil; Caso assim não se entenda, a título subsidiário, (ii) Ser a R. Armscor condenada a pagar às AA. a quantia de € 192.180.622,82 (cento e noventa e dois milhões, cento e oitenta mil, seiscentos e vinte e dois euros e oitenta e dois cêntimos), a coberto do disposto nos artigos 473.º, n.º 2 e 479.º do Código Civil, a título de vantagem patrimonial com que injustamente se locupletou à custa da conduta daquelas, correspondente à comissão de 10% sobre o valor total dos bens e prestações que integraram o Projecto Adenia, acrescido dos juros de mora contados desde a data da citação, sem prejuízo dos demais juros vincendos até integral e efectivo pagamento, sem prejuízo do que se determinar em sede de execução de sentença, nos termos e para os efeitos dos artigos 471.º, n.º 1, alínea b) e 661.º, n.º 2 do Código de Processo Civil; Ou, caso assim não se entenda, a título subsidiário, (iii) Ser a R. Armscor condenada a pagar às AA. a quantia de € 192.180.622,82 (cento e noventa e dois milhões, cento e oitenta mil, seiscentos e vinte e dois euros e oitenta e dois cêntimos), nos termos e para os efeitos dos artigos 464.º e seguintes do Código Civil, a título de remuneração correspondente à sua actuação comercial como gestoras de negócios da referida R. no Projecto Adenia, acrescido dos juros de mora contados desde a data da citação, sem prejuízo dos demais juros vincendos até integral e efectivo pagamento, sem prejuízo do que se determinar em sede de execução de sentença, nos termos e para os efeitos dos artigos 471.º, n.º 1, alínea b) e 661.º, n.º 2 do Código de Processo Civil; (iv) Condenar-se a R. Armscor no pagamento das custas, procuradoria e no mais legal.”
Para tanto alegaram, em síntese:
• Que se dedicam à mediação e representação comercial de contratos internacionais, auferindo comissões;
• Em meados dos anos 80 do século XX, a ré iniciou negociações com a Aérospatiale com vista à aquisição de kits de upgrade dos seus helicópteros Puma, aquisição de novos helicópteros de busca e salvamento semelhantes aos Super Puma e prestação de serviços de montagem e manutenção destes, a que se deu o nome de código de Projecto Adenia; os novos helicópteros, com fuselagem de Puma e um kit de melhoria do AS 332 Super Puma seriam um híbrido, posteriormente denominado Oryx;
• Estas aeronaves foram parcialmente montadas nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico6 portuguesas e, noutra parte, nas instalações da ré na África do Sul;
• Por outro lado, foram entregues kits para modernização de 30 Pumas;
• O projecto abrangeu ainda o fornecimento de sobresselentes para os helicópteros Alouette e veio a envolver o fornecimento de kits de upgrade de 10 helicópteros Puma da Força Aérea Portuguesa;
• Conhecendo as intenções da ré, as autoras ofereceram-lhe os seus serviços de assistência nessa negociação; altos responsáveis da ré informaram as autoras que, por razões de melindre político, queriam que os kits de upgrade fossem montados e fornecidos através de Portugal, mantendo-se a operação totalmente confidencial;
• As autoras aceitaram a confidencialidade exigida, que viria a ser usada pela ré para incluir no projecto Adenia o fornecimento de 50 novos helicópteros sem disso dar conhecimento às autoras e de que estas apenas vieram a ter conhecimento no âmbito de processos judiciais que moveram contra a ré, descobrindo que o valor global do contrato não se cingia aos FRF 98.000.000 informados pela ré, antes atingindo cerca de 3 biliões de USD;
• Previamente, a ré solicitou a intervenção das autoras como intermediárias no Projecto Orion, um projecto mais pequeno, como um teste às suas capacidades, tendo tudo corrido bem e as rés recebido a sua comissão;
• Subsequentemente, as autoras iniciaram as negociações com as Forças Armadas Portuguesas, em Março de 1986, com vista ao estabelecimento do canal português do Projecto Adenia, tendo estas manifestado o seu interesse, propondo, como contrapartida, o fornecimento gratuito de kits de upgrade dos seus 10 Puma; as autoras informaram a ré, que aceitou os termos propostos e em Janeiro de 1987 as Forças Armadas Portuguesas comunicaram às autoras a sua aceitação formal do negócio proposto, o que estas comunicaram à ré;
• A ré havia aceitado que as autoras iriam cobrar uma comissão indexada ao valor total bruto dos bens e serviços fornecidos no âmbito do Projecto Adenia, de 10% desse valor, o que foi vertido num memorando interno da ré, guardado num cofre na embaixada de Paris, mas que viria a ser levado para a África do Sul e eliminado ou ocultado;
• As autoras supervisionaram ainda a afectação pela Força Aérea Portuguesa e pelas OGMA da logística necessária ao desenvolvimento do Projecto Adenia, disponibilizaram-se para gerir a remessa de documentação e materiais, e mantiveram a ré sempre informada, tendo a sua actuação sido sempre considerada satisfatória, sem qualquer reparo da ré;
• A execução do Projecto iniciou-se em 1987, mas determinados funcionários da ré decidiram não fazer esse pagamento, apesar de garantirem às autoras que receberiam a sua comissão de 10%, de modo a que aquelas não paralisassem a operação por via da sua influência junto das Forças Armadas Portuguesas;
• Durante o embargo decretado pela ONU à venda de armas à República da África do Sul, a ré recorreu ao banco KBL, com sede no Luxemburgo, onde abriu centenas de contas da titularidade de empresas de fachada para efectuar o pagamento das aquisições de armas e equipamento militar e em 1990 foi ali aberta uma conta, da titularidade das autoras mas controlada pela ré, para pagamento das comissões, o que seria feito na proporção dos fornecimentos realizados, tendo aquelas passado procurações à ré que lhe permitiam movimentar as contas. A comissão nunca chegou a ser paga e a ré utilizou a procuração para encerrar tal conta;
• No final do ano de 1990, as autoras constataram que a ré passou a contactar directamente com as autoridades militares portuguesas, afastando-as das negociações e contactos em curso, impedindo-as de exercer o seu veto comercial junto destas;
• As autoras fizeram diversas diligências com vista ao recebimento da sua comissão, junto do banco KBL e de diversos dirigentes da ré, todas infrutíferas.
Concluem, qualificando o contrato celebrado como um mandato comercial, ao qual é aplicável a lei portuguesa por ter sido em Portugal que foram praticados todos os actos de comércio, referindo terem direito a uma comissão no valor de 192 180 622,82 €, bem como aos juros de mora desde a data do seu vencimento.
Subsidiariamente, pedem a condenação da ré no pagamento dessa quantia às autoras a título de enriquecimento sem causa e, caso também assim não se entenda, idêntico pagamento a título de remuneração por terem actuado como gestoras de negócios da ré.
Citada, a ré deduziu contestação (fls. 314-379, 2º volume), defendendo-se por excepção e por impugnação e juntou 26 documentos (fls. 382 a 913 verso, 2º e 3º volume). Defende que a lei substantiva aplicável é a sul-africana, inexistindo qualquer indício de que as partes tenham querido a aplicação da lei portuguesa.
Invocou as seguintes excepções:
• A imunidade de jurisdição, defendendo que a ré é uma agência estatal de armamento da República da África do Sul, agindo na prossecução de fins públicos, o que determina a incompetência absoluta dos Tribunais portugueses;
• A incompetência internacional dos Tribunais portugueses, não se verificando qualquer dos factores de conexão previstos no artigo 65º do Código de Processo Civil7, dado que nenhuma das partes tem sede em Portugal, o local de cumprimento alegado seria um banco sedeado no Luxemburgo, o alegado contrato teria sido celebrado na embaixada da República da África do Sul em Paris, sendo insuficiente a alegada prática de actos de execução em Portugal para atribuir competência aos seus Tribunais;
• A prescrição da obrigação contratual em que se funda o pedido principal, dado que a Lei da República da África do Sul prevê um prazo prescricional de três anos para dívidas emergentes de contratos que não estejam garantidas por hipoteca, reconhecidas por sentença ou que não tenham sido lavrados por notário; as autoras revelam conhecer os fornecimentos desde o seu início, tendo o prazo de prescrição começado a correr, pelo menos, quando intentaram a primeira acção judicial, em 1993, sendo que a desistência da instância não tem qualquer efeito sobre o prazo prescricional; quanto ao conhecimento do volume total dos fornecimentos do projecto Adenia, as autoras alegam dele ter tomado conhecimento no âmbito das anteriores acções judiciais, ou seja, até 2000, pelo que o prazo da prescrição também já se mostra decorrido nesta parte;
• A prescrição da obrigação emergente de enriquecimento sem causa, que funda o primeiro pedido subsidiário, com fundamento idêntico ao referido quanto ao pedido principal, atendendo às disposições legais sul-africanas e aos alegados momentos em que as autoras tomaram conhecimento dos factos relevantes;
• A prescrição da obrigação emergente da gestão de negócios, que funda o segundo pedido subsidiário, com fundamento idêntico ao referido quanto ao pedido principal, atendendo às disposições legais sul-africanas e aos alegados momentos em que as autoras tomaram conhecimento dos factos relevantes;
• A renúncia do credor, porquanto as autoras declararam na acção intentada em França contra a Eurocopter que inexiste um contrato de comissão e por isso se fundam no enriquecimento sem causa para peticionarem a condenação da, ali, ré; este instituto tem natureza residual nos ordenamentos jurídicos francês, sul-africano e português, pelo que as autoras sabiam que, nisso fundando a sua acção, renunciavam a qualquer direito emergente de um contrato, ao que acresce a circunstância de não terem exigido o cumprimento de qualquer obrigação contratual perante a ré durante os treze anos que mediaram a desistência da instância sul-africana e a propositura da presente acção;
• A nulidade do contrato alegado, caso o Tribunal entenda ser aplicável a lei substantiva portuguesa, por violador de normas imperativas, designadamente a Resolução n.º 418 de 1977 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que decretou um embargo geral contra a República da África do Sul, proibindo a todos os Estados a venda de armas ou material militar, paramilitar ou policial, resolução que vigorava directamente no ordenamento jurídico português, sendo o Projecto Adenia um programa de fornecimento de equipamento de natureza militar, como era do conhecimento das autoras.
Impugnando a alegação das autoras, alega a ré, em síntese, que:
• Durante a guerra da independência da Namíbia, sendo a República da África do Sul uma das partes beligerantes, as suas forças armadas necessitavam de novos helicópteros com capacidades de carga e transporte melhoradas e com características técnicas adaptadas às condições climatéricas e de altitude em que operavam;
• Os modelos comercializados pela Aérospatiale não satisfaziam integralmente tais necessidades, pelo que esta empresa, a Turbomeca e a Atlas desenvolveram um novo modelo híbrido com características específicas que as supriam, inicialmente denominado MTH8 e mais tarde Oryx;
• Face ao embargo da Organização das Nações Unidas9, a República da África do Sul criou canais clandestinos e secretos com vista ao seu fornecimento de armamento, aeronaves e todo o equipamento militar;
• O projecto MTH englobava apenas a produção de 50 helicópteros Oryx, cujo protótipo foi concluído e enviado para a República da África do Sul em 1985, ano em que também começou a produção dos novos helicópteros; parte do helicóptero era produzida na Roménia e enviada directamente para a República da África do Sul e outra parte era produzida pela Aérospatiale e remetida via Singapura para o seu destino final;
• Como a Aérospatiale receava que se descobrisse que estava a produzir helicópteros durante o embargo, começaram a preparar uma solução alternativa, tendo esta empresa e a Turbomeca contactado directamente as OGMA, perspectivando a sua intervenção no projecto MTH e, em contrapartida, receberiam a modernização da sua própria frota de Puma;
• O envolvimento das OGMA veio a ser autorizado em Janeiro de 1987;
• Em 1988, as OGMA celebraram um acordo com a Zandumec, uma empresa de fachada detida pela ré, fixando uma remuneração de 5%, e a partir do 15º helicóptero as OGMA começaram a produzir componentes para o Oryx;
• Entretanto, em 1985, o Sr. AA veio oferecer os préstimos das suas empresas para contactos em Portugal e como intermediário em quaisquer negócios, tendo sido encaminhado para a embaixada, em Paris;
• Ficou incumbido da intermediação da compra de um sistema de voo nocturno, operação denominada projecto Orion, que foi bem-sucedida, tendo-lhe sido paga uma comissão;
• Foi-lhe ainda solicitada assistência na aquisição de peças sobresselentes para helicópteros Puma e Alouette e manutenção de motores de aviões Hércules C130; depois de diversas reuniões com altas patentes militares portuguesas, o Sr. AA comunicou à ré que a Força Aérea Portuguesa10 prestaria essa assistência mediante uma comissão de 10% a ser paga em peças sobresselentes, mais declarando o Sr. AA pretender também uma comissão de 2% a 5%. Contudo, a ré não aceitou tal proposta, não se tendo realizado este negócio;
• O Sr. AA tomou conhecimento, de forma que desconhece, de alguns aspectos do projecto MTH/Oryx, ficando convencido que se tratava da aquisição de kits de transformação dos Puma já existentes na força aérea da República da África do Sul;
• Pretendendo as autoras imiscuir-se nas negociações do MTH, aproveitaram reuniões com altas patentes militares portuguesas para referir a possível intervenção portuguesa na modernização dos Puma sul-africanos;
• Aproveitando ainda o seu fácil acesso às altas patentes militares portuguesas, conseguiram que assinassem cartas que vieram mais tarde a utilizar para reclamar uma comissão à ré, criando a ilusão de que haviam participado em negociações do projecto MTH;
• É esse cenário ilusório que criam novamente na sua petição, remetendo para documentos que aludem ao projecto Orion ou à frustrada negociação referente a peças sobresselentes e manutenção, como se dissessem respeito ao projecto MTH/Oryx;
• Sinal da falsidade da alegação das autoras nos presentes autos é o facto de terem, na acção que correu termos na República da África do Sul, situado no tempo o acordo entre as autoras e a ré em três momentos diferentes;
• Antes da presente acção, as autoras jamais referiram existir um acordo quanto a uma comissão de 10%, o que está patente nas interpelações que dirigiram à ré, em que jamais indicam tal percentagem ou outra;
• Acresce a isto que não podia qualquer funcionário da ré, designadamente os indicados pelas autoras, celebrar acordos deste valor, que dependiam da respectiva aprovação pelo conselho de administração.
A ré pediu a condenação das autoras como litigantes de má-fé, por estarem plenamente cientes da falta de fundamento da sua pretensão, pretenderem enriquecer à sua custa e por terem intentado acção contra dois bancos luxemburgueses, com base nos mesmos factos e deduzindo idêntica pretensão à aqui formulada.
As autoras apresentaram réplica (4º volume – fls. 938-1023), respondendo às excepções invocadas e ao pedido de condenação como litigantes de má-fé. Juntaram ainda vinte e dois documentos (fls. 1024 a 1334, 4º e 5º volumes). Assim:
• Quanto à excepção de imunidade de jurisdição - defendem que a invocada teoria da imunidade soberana absoluta está ultrapassada; que a Convenção das Nações Unidas invocada ainda não está em vigor; que o contrato em questão nestes autos consubstancia uma actuação da ré típica de um ente privado e, como tal, jamais beneficiaria de qualquer imunidade, reservada para acta jure imperii e, finalmente, que a ré não pode ser qualificada como um órgão de Estado à luz da constituição da República da África do Sul, tratando-se diferentemente de uma empresa pública; e tanto assim é que no contrato que a ré celebrou com as OGMA, junto com a contestação, estipulou-se expressamente a aplicação do direito substantivo português;
• Quanto à incompetência internacional dos tribunais portugueses - defendem que essa competência resulta da coincidência com as regras de competência interna territorial, porquanto as autoras elegeram como domicílio para as suas operações comerciais o seu estabelecimento em Portugal, local do cumprimento da obrigação, face à impossibilidade do seu cumprimento no Luxemburgo, uma vez que a conta bancária aberta para o pagamento da comissão foi encerrada pela própria ré. E de acordo com a lei sul-africana devem ser cumpridas no local onde os serviços foram prestados ou no estabelecimento do prestador de serviços;
• Quanto à lei substantiva aplicável - mantêm que foi o direito português que as partes tiveram em vista com a celebração do contrato, perspectivando-se que os actos a praticar pelas autoras iriam decorrer em Portugal;
• Quanto à prescrição do pedido principal - uma vez que o direito substantivo sul-africano não é aplicável, tem de se considerar que a excepção não foi invocada. Não obstante, sendo aplicável o direito substantivo português, defendem que os factos constitutivos do direito à comissão, ou seja, o montante dos bens e serviços transaccionados no âmbito do projecto que as autoras negociaram com as Forças Armadas Portuguesas, foram-lhes ocultados pelo que nunca estiveram em condições reais de poder exercer o seu direito. Concluem que o prazo prescricional nem sequer se iniciou, pois dependeria da liquidação do referido valor por parte da ré. Acresce que a abertura da conta bancária titulada pela autora BSL em 8 de Fevereiro de 1990 constitui um reconhecimento tácito do direito das autoras à comissão de 10%, pelo qual abdicou da prescrição. Acaso se considere aplicável o direito sul-africano, deste resulta que o prazo prescricional só se inicia no momento em que o credor tomou conhecimento da dívida quando o devedor impediu dolosamente que o credor tivesse tal conhecimento. A dívida vencia-se parcial e proporcionalmente ao valor de cada entrega efectuada e a ré sempre as omitiu das autoras. Acresce que, tratando-se de uma acção de execução específica, em que se peticiona o cumprimento da obrigação, o prazo prescricional só se inicia com o vencimento da dívida, o que no caso dos autos só ocorreria quando a ré informasse as autoras da recepção dos bens, o que a ré nunca cumpriu;
• Quanto à prescrição dos pedidos subsidiários - defendem que apenas em 2006 tiveram conhecimento dos factos constitutivos do seu direito à restituição, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa; no que tange à gestão de negócios, o direito das autoras encontra-se sujeito ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos, não lhe sendo aplicável o prazo de dois anos, inaplicável a créditos entre comerciantes;
• Quanto à excepção da renúncia do credor, que a ré funda no direito sul-africano, realçam as autoras que esta não faz prova desse direito, cujo ónus sobre si impendia. Este instituto tem, no direito sul-africano, abundantes requisitos cumulativos e no caso dos autos nenhum se verifica, designadamente porque a ré nunca reconheceu o direito das autoras à sua comissão, porque a desistência da instância não consubstancia uma renúncia ao direito substantivo;
• Quanto à invocada nulidade, alegam que a criação do canal português no âmbito do Projecto Adenia não tinha qualquer propósito militar, respeitando a veículos de busca e salvamento. O contrato entre a ré e as OGMA foi assinado em 7 de Junho de 1988; o conflito militar em que a República da África do Sul esteve envolvida terminou com o acordo de Nova Iorque, assinado em 22 de Dezembro de 1988, sob a égide das Nações Unidas. Acresce que o Oryx é uma aeronave muito leve e sem armadura, insusceptível de transportar armamento ou realizar operações militares, sendo aliás uma versão melhorada de um Super Puma, que se inclui no segmento dos veículos civis produzidos pela Aérospatiale.. O facto de uma aeronave ser pertença das Forças Armadas de um Estado não lhe confere automaticamente natureza militar;
• Quanto à invocada litigância de má-fé das autoras, defendem que quem litiga com má-fé é a ré, resultando a verdade dos factos dos depoimentos dos generais portugueses juntos com a contestação que comprovam a versão das autoras. Refutam que qualquer dos documentos que juntaram seja forjado, não tendo a ré posto em causa tais documentos na acção sul-africana.
Por requerimento de 10 de Novembro de 2010 (fls. 3916-3988, 13º volume), BB, CC veio requerer a sua intervenção como assistente das autoras, o que foi deferido por despacho proferido em 21 de Dezembro de 2010 (fls. 4510-4512, 15º volume), passando aquele a figurar na acção como assistente das autoras.
Em 2 de Setembro de 2011 foi proferido despacho que julgou procedente a excepção dilatória da incompetência absoluta internacional do Tribunal e absolveu a ré da instância (fls. 5423-5429, 18º volume).11
Em 6 de Dezembro de 2011 as autoras interpuseram recurso desta decisão (fls. 5831-5866, 19º volume) e em 8 de Novembro de 2012 o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão concluindo que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer desta acção, julgando procedente a apelação e revogando o despacho recorrido (fls. 6267-6320, 21º volume). Interposto recurso de revista pela ré para o Supremo Tribunal de Justiça, em 19 de Setembro de 2013 foi proferido acórdão que julgou a revista improcedente e confirmou o acórdão recorrido (fls. 6514-6538, 22º volume).12
Em 29 de Abril de 2014 teve lugar a audiência prévia no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, em que se julgou improcedente a excepção dilatória inominada de imunidade de jurisdição da ré, relegando para a decisão final a apreciação das excepções de prescrição, renúncia ao direito e nulidade do contrato, aferindo-se positivamente os demais pressupostos processuais relevantes (fls. 6792-680513, 23º volume).
Foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
Em 15 de Julho de 2014 foi proferido despacho que determinou a rectificação da acta da audiência prévia no que concerne à redacção da alínea F) dos factos considerados assentes (fls. 6929-6932, 23º volume).14
Em 7 de Janeiro de 2015, as partes vieram requerer que, em substituição da expedição de cartas rogatórias, a inquirição das testemunhas na África do Sul tivesse lugar com intervenção das partes, de acordo com um conjunto de regras acordadas entre si, que juntaram e que fossem admitidas as testemunhas indicadas que excedem a dezena (fls. 6999-7027, 24º volume), o que foi deferido por despacho de 12 de Janeiro de 2015 (fls. 7028,24º volume).15
Em 27 de Fevereiro de 2015 vieram ambas as partes requerer a junção de um aditamento ao seu acordo sobre a inquirição de testemunhas (fls. 7567-7570, 26º volume), admitido por despacho de 3 de Março de 2015.16
Em 7 de Maio de 2015, as partes requereram que o seu acordo quanto à inquirição de testemunhas abrangesse a inquirição das testemunhas portuguesas general DD e general EE (fls. 7624-7629, 27º volume), o que foi admitindo por despacho de 11 de Maio de 2015 (fls. 7630, 27º volume).17
Por requerimento conjunto de 24 de Fevereiro de 2016, as partes apresentaram novo acordo relativo à inquirição de testemunhas (fls. 8392-8403, 30º volume), admitido por despacho de 29 de Fevereiro de 2016 (fls. 8404, 30º volume).18
Em 28 de Fevereiro de 2019 foi remetida aos autos pelas Justiças da República da Irlanda a transcrição do depoimento colhido à testemunha FF, redigida na língua inglesa (fls. 8669-8748, 31º volume), com tradução apresentada em 26 de Março de 2019 (fls. 8765-8957, 32º volume).19
Em 18 de Novembro de 2019 foi proferido despacho que determinou que o documento n.º 1 junto com o requerimento das autoras de 19 de Novembro de 2010 não seria considerado para efeitos de prova, sem prejuízo da sua relevância para a apreciação de eventual litigância de má-fé e decidiu o aditamento de um novo tema de prova ao enunciado anterior, com a seguinte redacção: “12) Da actuação das AA. como litigantes de má fé” (fls. 9415, 34º volume).20 Importa, aqui, mencionar que, não obstante conste do despacho de 18 de Novembro de 2019 a referência ao documento n.º 1 junto com o requerimento de 19 de Novembro de 2010, tal referência não é correcta, porquanto, na verdade, as partes assentiram na falsidade do documento n.º 3 junto nessa mesma data, que corresponde ao depoimento escrito prestado por FF com data de 12 de Março de 2002, que o próprio, no depoimento prestado nestes autos, referiu não reconhecer como correspondendo àquilo que teria declarado, o que se retira da conjugação dos requerimentos de 12 de Abril de 2019, 10 de Maio de 2019 e 28 de Maio de 2019 (Ref. Elect. 22546525, 22808988 e 23012811).
Em 7 de Março de 2022 as partes juntaram as traduções dos depoimentos das testemunhas:21
- GG (fls. 9504-9550, 35º volume);
- HH (fls. 9551- 9592, 35º volume);
- II (fls. 9595-9617, 35º volume);
- JJ (fls. 9617-9676, 35º volume);
- KK (fls. 9679-9722, 36º volume);
- LL (fls. 9723-9735, 36º volume);
- MM (fls. 9739-9800, 36º volume);
- NN (fls. 9804-9810, 36º volume);
- OO (fls. 9810-9843, 36º volume);
- PP (fls. 9846-9877, 36º volume);
- QQ (fls. 9880-10021, 37º volume);
- RR (fls. 10022- 10071, 37º volume).
Por requerimento conjunto de 21 de Março de 2022 as partes juntaram a transcrição do depoimento de DD (fls. 10075-10107, 37º volume).22
Em 29 de Junho de 2022 a ré requereu a reprodução dos vídeos das inquirições em audiência final, implicando o agendamento de diversas sessões de julgamento para o efeito (fls. 10127-10129, 37º volume), o que foi deferido por despacho de 14 de Dezembro de 2022.23
Realizada a audiência de julgamento, em 1 de Fevereiro de 2025 foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a ré dos pedidos.24
Inconformadas com esta decisão, as autoras vieram interpor o presente recurso, terminando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:2526
[…]
250) Em face de tudo quanto anteriormente se expôs, entendem as Autoras, aqui Recorrentes, que devem ser considerados como provados os seguintes factos:
251) Por referência ao Tema da Prova 1, entendem as Recorrentes que deve ser considerado:
a) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) G) nos seguintes termos:
“Que à relação contratual a ré Armscor e a Aérospatiale tenha sido dado o nome de código “Projecto Adenia”; e
b) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) Y) nos seguintes termos:
“Que o objeto primário do negócio entre a Armscor e as Forças Armadas Portuguesas, com a intervenção das autoras, seria (i) o fornecimento de kits de “upgrade” S2 para construir helicópteros de Busca e Salvamento semelhantes aos Super Puma, (ii) montagem dos mesmos nas OGMA, de acordo com os procedimentos e tecnologia indicada e transmitida pela Aerospatiale à OGMA, e (iii) subsequente remessa dos kits montados para as instalações da R. Armscor na República da África do Sul”
252) Por referência ao Tema da Prova 2, entendem as Recorrentes que deve ser considerado:
c) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) H) nos seguintes termos: “Que o diretor das autoras, AA, tenha tomado conhecimento da intenção do Governo da República da África do Sul de iniciar negociações com a empresa Aerospatiale respeitantes ao projeto Adenia, e que por isso endereçou a carta datada de 11 de fevereiro 1985 ao Sr. SS visando demonstrar o interesse e a possibilidade das autoras darem assistência à ré Armscor na condução de contactos e diligências negociais respeitantes ao projeto Adenia”;
d) Provado parcialmente o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) I) nos seguintes termos: “Que, na sequência da carta datada de 11.02.1985 remetida pelo Sr. AA, este tenha sido contactado telefonicamente pela Ré entre finais de 1985 e inícios de 1986, e que a Ré lhe tenha dito que as Autoras seriam contactadas em momento posterior pelo Comité Técnico da Ré em Paris, e que este contacto ocorreu pouco depois, por parte de TT”;
e) Provado parcialmente o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) J) nos seguintes termos: “Que, na sequência do contacto telefónico com o Sr. TT, o Sr. AA tenha sido convidado a deslocar-se às instalações da Ré em Paris a fim de serem debatidos os termos da eventual intervenção das autoras no projeto Adenia, e que essa deslocação tenha ocorrido entre finais de 1985 e inícios de 1986”;
f) Provado parcialmente o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) K) nos seguintes termos: “Que após a reunião de entre finais de 1985 e inícios de 1986, tenham havido outras reuniões em Paris e na sede da Ré, em Pretoria, tendo por objeto o projecto Adenia, e que a Ré (na pessoa de TT, mas não só) tenha clarificado que a Ré pretendia adquirir à “Aerospatiale” kits de “upgrade” S2 dos helicópteros “Puma Search and Rescue Helicopters” e diversos serviços de montagem e de manutenção associados”;
g) Provado parcialmente o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) M) nos seguintes termos: “Que, nos princípios de 1986, a ré Armscor, por intermédio dos Srs. TT e SS, numa reunião ocorrida na Embaixada da República da África do Sul, em Paris, tenha solicitado expressamente às autoras a prestação dos seus serviços de mediação e de promoção de negociações junto das autoridades militares portuguesas tendentes a obter o seu consentimento na criação e estabelecimento em Portugal de um esquema de montagem, distribuição, remessa e transporte dos helicópteros de Busca e Salvamento desde França para a República da África do Sul (conhecido entre as partes como o “Canal Português”) no âmbito do projeto Adenia, e que as autoras tenham aceite esta proposta”;
h) Provado parcialmente o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) N) nos seguintes termos: “Que tenha sido expressamente solicitado às autoras pela ré Armscor o estabelecimento de negociações com a Força Aérea Portuguesa de modo a obter o consentimento dos seus mais altos responsáveis, e com a empresa OGMA, no âmbito do projeto Adenia, e que as autoras tenham aceite esta proposta”;
i) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) O) nos seguintes termos: “Que a criação em Portugal de um sistema de montagem e de distribuição comercial dos helicópteros de busca e salvamento – designado como Canal Português – tenha sido expressamente acordado entre a ré Armscor e a Aerospatiale no âmbito do Projeto Adenia”; e
j) Provado o Facto P) (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) nos seguintes termos: “Que, tendo em vista o Projeto ADENIA, em fevereiro de 1986 a ré Armscor tenha decidido fazer um teste às capacidades negociais e rede de contactos das autoras e que o chamado Projeto Orion tenha constituído esse teste”.
253) Por referência ao Tema da Prova 3, entendem as Recorrentes que deve ser considerado:
k) Provado parcialmente o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) Q) nos seguintes termos: “Que, no ano de 1986, UU e AA tenham, em representação das autoras, iniciado contactos com militares portugueses tendentes à criação de um “Canal Português” no âmbito do projeto Adenia”;
l) Provado o Facto R) (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) nos seguintes termos: “Que em março de 1986 o General UU em reunião com o General EE tenha visado obter o apoio do General DD no estabelecimento do “Canal Português” no âmbito do Projeto Adenia”;
m) Provado o Facto S) (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) nos seguintes termos: “Que em março de 1986 o General UU, em reunião com o General DD, lhe tenha exposto os termos e objeto do projeto ADENIA, explicando-lhe que uma empresa sul africana pretendia um canal de montagem e distribuição de materiais e componentes de helicópteros utilizando as valências das OGMA e que este lhe manifestou interesse, exigindo uma compensação em material”;
n) Provado parcialmente o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) U) nos seguintes termos: “Que na reunião de 7 de abril de 1986, o General DD tenha manifestado ao General UU a sua aceitação liminar aos termos do negócio referente ao Projeto Adenia”;
o) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) V) nos seguintes termos: “Que na reunião de 7 de abril de 1986 o General DD tenha afirmado que a contrapartida pela participação no Projeto Adenia deveria ser liquidada pela empresa sul-africana em kits de “upgrade” S1 para os 10 helicópteros Puma detidos pela Força Aérea Portuguesa à data, sem quaisquer custos”;
p) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) AA) nos seguintes termos: “Que em 6 de janeiro de 1987, o Chefe de Estado Maior da Força Aérea Portuguesa, General DD tenha enviado à autora BSI a carta junta como documento n.º 4 da p.i., para confirmar a aceitação da Força Aérea Portuguesa às propostas das autoras relativas ao Projeto Adenia”;
q) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) T) nos seguintes termos: “Que as autoras tenham reportado à ré Armscor as diligências bem sucedidas efetuadas junto das autoridades militares portuguesas, e isso tenha sido registado em relatório interno da Armscor datado de 3 de Abril de 1986”;
r) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) QQ) nos seguintes termos: “Que as autoras tenham mantido os representantes da R. Armscor na República da África do Sul e em Paris informados quanto ao funcionamento do Canal Português no âmbito do projeto ADENIA”;
s) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) BB) nos seguintes termos: “Que, na sequência do recebimento da carta referida na alínea anterior [aa], o Sr. AA tenha informado prontamente a R. Armscor da aceitação através da carta que constitui documento n.º 5 da p.i.”;
t) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) CC) nos seguintes termos: “Que, através da carta da autora BSI para o Sr. SS, datada de 11 de fevereiro de 1987 mas enviada no final de Fevereiro de 1987, as autoras tenham reportado à Armscor as diligências bem sucedidas efetuadas junto das autoridades militares portuguesas respeitantes ao projecto ADENIA/MTH, designadamente que as forças armadas portuguesas haviam concedido à Força Aérea Portuguesa permissão para intervir no negócio e prestar assistência à República da África do Sul através da Armscor, mas reclamando uma compensação pela sua intervenção”;
u) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) FF) nos seguintes termos: “Que, durante os anos de 1986 e 1987 o Sr. AA e os seus colegas, em representação das AA., tenham promovido, conjuntamente com o Sr. MM, responsável pelo Projeto Adenia por parte da Armscor, diversos contactos negociais com as autoridades militares portuguesas no sentido de concluir os termos em que as mesmas admitiriam intervir na montagem e subsequente remessa dos equipamentos para a R. Armscor com vista a estabelecer o Canal Português de montagem e distribuição dos helicópteros de Busca e Salvamento integrantes do Projeto Adenia”;
v) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) GG) nos seguintes termos: “Que as autoras tenham solicitado às OGMA a realização de uma visita por parte de responsáveis da Armscor com o fim de negociar diretamente a criação do canal português através da carta junta como documento n.º 9 da p.i. e que o General VV, em resposta, tenha confirmado a possibilidade de se reunir com representantes da R. Armscor em maio de 1987”;
w) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) HH) nos seguintes termos: “Que tenha ocorrido um encontro nos dias 12 e 13 de maio de 1987, a propósito de uma visita a Portugal dos Srs. WW e MM, representantes da Armscor, tendo as negociações sido coordenadas pelas autoras em função de um programa delineado por Sr. AA”;
x) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) JJ) nos seguintes termos: “Que, na sequência do encontro de 19 de outubro de 1987 tenha sido acordado entre as autoridades militares portuguesas e a Armscor que esta, na sequência do seu anterior acordo, iria tentar negociar junto da Aerospatiale a aquisição de kits de “upgrade” de helicópteros de Busca e Salvamento Puma S1 à Aerospatiale como compensação pela intervenção das referidas autoridades no Projecto Adenia”;
y) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) OO) nos seguintes termos: “Que as autoras, na pessoa de Sr. AA, tenham supervisionado a afetação por parte da Força Aérea Portuguesa e das OGMA da logística necessária ao estabelecimento do Canal Português, para a receção dos bens expedidos pela Aerospatiale, montagem e subsequente remessa dos mesmos para a ré Armscor”;
z) Provado o Facto C) (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) nos seguintes termos: “Que as autoras tenham criado e desenvolvido a sua rede de contactos nacionais e internacionais no sentido de estabelecer uma efetiva rede de mediação, agenciamento, transporte e fornecimento a nível internacional”; e
aa) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) TT) nos seguintes termos: “Que tenha havido montagem, expedição e entrega, pelas OGMA, de helicópteros de Busca e Salvamento Puma melhorados por kits de “upgrade”, entre agosto de 1988 e meados dos anos 1990”.
254) Por referência ao Tema da Prova 4, entendem as Recorrentes que deve ser considerado:
bb) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) W) nos seguintes termos: “Que a ré Armscor tenha sido informada pelas autoras das contrapartidas exigidas pelo General DD na reunião de 7 de abril [de 1986] e que, após um período de discussão interna, tenha dado expressa aceitação à proposta de comissão exigida pela Força Aérea Portuguesa”;
cc) Provado parcialmente o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) X) nos seguintes termos: “Que em 18 de dezembro de 1986, o Sr. AA e o general DD, em reunião, tenham discutido os termos finais do negócio relativo ao Projeto Adenia e acordado que a compensação/remuneração a atribuir à Força Aérea Portuguesa consistiria em serviços e peças para helicópteros de Busca e Salvamento Puma detidos pela Força Aérea Portuguesa, a fornecer pela Aerospatiale à OGMA”;
dd) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) DD) nos seguintes termos: “Que o Sr. AA deixou bem claro à Armscor que as autoras, por força do exercício e cumprimento integral do mandato e atos praticados no âmbito do Projeto Adenia, iriam cobrar uma comissão indexada ao valor total dos bens e serviços objeto dos contratos em questão a serem celebrados pela ré Armscor com a Aerospatiale e a OGMA, em termos a concretizar posteriormente, e distinta da compensação devida pela Armscor à Força Aérea Portuguesa”;
ee) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) EE) nos seguintes termos: “Que a ré Armscor tenha aceite a comissão referida na alínea anterior”;
ff) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) KK) nos seguintes termos: “Que a Armscor, reconhecendo a intervenção vital das ações de agenciamento desenvolvidas pelas autoras junto das autoridades militares portuguesas, em julho de 1987 acordou com as autoras pagar-lhes solidariamente uma comissão correspondente a 10% do valor bruto de todos os bens e serviços integrantes do Projeto Adenia, a qual seria proporcionalmente paga à medida que tais bens e serviços fossem entregues e prestados”;
gg) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) UU) nos seguintes termos: “Que os Senhores WW, XX, MM, KK e YY, tenham garantido às autoras o pagamento de uma comissão de 10%”;
hh) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) YY) nos seguintes termos: “Que na sequência de contactos posteriores realizados pelo Sr. AA, os Senhores WW, XX, MM, KK e YY, tenham sucessivamente afirmado que o departamento financeiro da ré Armscor tinha tomado em consideração o montante da comissão de 10% e que as autoras. deveriam continuar a aguardar pacientemente o pagamento”;
ii) Provado parcialmente o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) ZZ) nos seguintes termos: “Que em meados de 1990, a ré Armscor, por intermédio do Sr. XX, tenha informado o Sr. AA que a Armscor havia decidido que o pagamento da comissão das AA. seria realizado por intermédio da abertura de uma conta bancária no banco KBL, com sede no Luxemburgo, para tal efeito”;
jj) Provado parcialmente o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) BBB) nos seguintes termos: “Que a Ré tenha informado as Autoras que o pagamento das comissões para a conta bancária no Banco KBL seria feito proporcionalmente em função dos fornecimentos realizados”;
kk) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) CCC) nos seguintes termos: “Que aquando da abertura da conta no banco KBL de que a autora BSL ficou titular, os senhores QQ e ZZ tenham clarificado que a mesma tinha por finalidade o pagamento da comissão de 10% emergente da relação comercial entre as autoras e a ré”;
ll) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) MM) nos seguintes termos: “Que, a pedido expresso da Armscor, aceite pelas autoras, o acordo de pagamento de uma comissão de 10%. Nunca foi vertido em documento escrito, ficando registado num memorando escrito interno de dez páginas que, por razões de segurança, seria retido pela Armscor num cofre na Embaixada da República da África do Sul, em Paris”;
mm) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) NN) nos seguintes termos: “Que em 1993/1994 tal memorando tenha sido removido do cofre pela Armscor e levado para a República da África do Sul, ao abrigo do chamado Projeto Massada (um programa de eliminação e/ou ocultação de documentos e registos ligados às atividades da Armscor que comprometessem apoiantes e executores do regime de “apartheid”)”; e
nn) Provado parcialmente o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) EEE) nos seguintes termos: “Que o valor total do Projeto Adenia ascendeu a não menos de USD 3.000.000.000,00 (três mil milhões de dólares dos Estados Unidos da América)”.
255) Por referência ao Tema da Prova 6, entendem as Recorrentes que deve ser considerado:
oo) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) Z) nos seguintes termos: “Que, sem revelar tal facto às autoras, a ré Armscor tenha incluído igualmente no objeto do Projeto Adenia a aquisição à Aerospatiale de 50 novos helicópteros híbridos de Busca e Salvamento semelhantes ao Super Puma, em peças soltas e componentes que seriam montados pela ré na República da África do Sul”; e
pp) Provado o Facto (considerado erradamente como não provado pelo Tribunal a quo) FFF) nos seguintes termos: “Que nos finais de 1990, as autoras tenham constatado que a R. Armscor desenvolvia contactos diretamente com as autoridades militares portuguesas com um crescente afastamento das AA. dos contactos negociais respetivos”.
256) Por outro lado, consideram, também, as Recorrentes, que deverão ser Aditados à matéria de facto assente os seguintes factos:
qq) Provado “Que a decisão sobre a utilização das autoridades Portuguesas no Projeto Adenia/no fornecimento de kits de upgrade/em componentes, equipamentos ou peças através de Portugal implicavam a prévia autorização do General DD” (facto relacionado com o Tema da Prova 2);
rr) Provado “Que a Ré vem beneficiando da abertura do Canal Português, o que ocorreu por força dos esforços e atos praticados pelas Autoras, nas pessoas de AA e UU” (facto relacionado com o Tema da Prova 3);
ss) Provado “Que a conta bancária aberta junto do banco KBL, no Luxemburgo, de que a autora BSL ficou titular e a que se refere o Facto Provado CCC), foi aberta no 1.º semestre de 1990 (e antes de 18.05.1990)” (facto relacionado com o Tema da Prova 4);
tt) Provado “Que a Ré ocultou informações às Autoras sobre o real objeto do Projeto Adenia, e sobre o concreto valor inerente ao mencionado Projeto Adenia” (facto relacionado com o Tema da Prova 6); e
uu) Provado “Que as autoras apenas tiveram conhecimento dos factos que sustentam a presente ação desde as declarações/depoimento prestado por FF, de 08 de abril de 2006” (facto relacionado com o Tema da Prova 8).
257) Finalmente, entendem as Recorrentes que deverão ser alterados os seguintes Factos considerados assentes pelo Tribunal a quo, considerando-se a redação que ora se sugere:
vv) Provado, quanto ao Facto N) dos factos considerados assentes pelo Tribunal, que “AA, Beverly Securities Incorporated e Beverly Securities (PTY) LTD foram os requerentes de uma ação intentada no Supremo Tribunal da África do Sul, divisão provincial de Transvaal, contra “Armaments Development and Production Corporation of South Africa, LTD” exigindo desta o pagamento de 9,8 milhões de francos franceses, juros sobre o referido valor à taxa anual de 18,25% ou, alternativamente, realizando uma contagem detalhando o número de equipamentos efetivamente fornecidos e recebidos pelo arguido, sua discussão e pagamento de 10% do preço de compra dos equipamentos efectivamente fornecidos e recebidos pelo arguido e ainda que se declare que os requerentes têm direito ao pagamento de 10% sobre o preço de compra de cada equipamento que viesse a ser recebido e a ser liquidado pelo arguido. (documento 4 contestação – fls. 1984-1988, 7º volume)”; e
ww) Provado, quanto ao Facto Q) dos factos considerados assentes pelo Tribunal, que “Em 18 de agosto de 1994 a divisão da província do Transvaal do Supremo Tribunal da África do Sul verificou que os requerentes retiraram a sua pretensão, o que correspondeu a uma desistência da instância (documento 9 da contestação, fls. 3860, 12º volume)”.
DO DIREITO:
258) Conforme resulta da impugnação da matéria de facto abordada, é notório que foi produzida prova bastante de que, efetivamente, foi celebrado entre as Recorrentes e Recorrida um contrato de intermediação que se traduziu no estabelecimento, por parte das Autoras, Recorrentes, de contactos negociais com as autoridades da Força Aérea Portuguesa e das OGMA tendentes à (triangulação) celebração dos negócios jurídicos de montagem dos kits de upgrade S1 e S2 para a Força Aérea Portuguesa e para a Ré, Recorrida, respetivamente, e remessa dos novos helicópteros Super Puma para esta última.
259) Conforme resultou igualmente demonstrado, como contrapartida dos serviços prestados, a Recorrida obrigou-se a pagar às Recorrentes uma comissão correspondente a 10% do valor bruto de todos os bens e serviços integrantes do Projeto Adenia, a qual seria proporcionalmente paga à medida que tais bens e serviços fossem entregues e prestados.
260) Sucede que, embora os serviços de intermediação tenham sido executados – e com sucesso – pelas Autoras, Recorrentes, e, como tal, estas tenham cumprido as obrigações que para si decorriam do referido contrato, a verdade é que a Ré, Recorrida, nunca chegou a cumprir as suas obrigações contratuais, nomeadamente quanto ao pagamento da comissão às Recorrentes conforme se havia obrigado.
261) A referida comissão não só é devida de facto, como também o é de direito.
262) Como vem de se expor, discute-se nos presentes autos em relação à lei aplicável ao contrato de intermediação celebrado entre Recorrentes e Recorrida.
263) Por força da apreciação – ou a falta dela – da matéria de facto feita pelo Tribunal a quo, nomeadamente quanto à ausência de prova quanto à existência de um contrato, as questões de direito, nomeadamente quanto à lei aplicável, ficaram prejudicadas, não tendo sido conhecidas pelo Tribunal a quo.
264) Não obstante, a propósito da lei aplicável, foi decidido na Sentença recorrida que a lei aplicável ao pedido principal seria a lei da África do Sul.
265) Segundo o entendimento perfilhado na Sentença recorrida, deverá ter-se em conta a natureza da Recorrida, sociedade de capitais públicos e que tem por objeto a aquisição, em nome e por conta do governo da África do Sul e demais instituições públicas, de material civil e militar, bem como a prestação de serviços associados às instituições sob dependência do Ministério da Defesa do Governo do referido país.
266) Entendeu o Tribunal a quo que tais circunstâncias tornam pouco razoável a submissão voluntária da Ré, aqui Recorrida, ao direito de um Estado estrangeiro.
267) Realçando, ainda, o local onde o contrato foi celebrado, no caso, as instalações da Embaixada da África do Sul em Paris; e, finalmente,
268) A circunstância de na ação que correu termos na África do Sul, proposta pelas Autoras aqui Recorrentes, não ter sido invocado a aplicação do direito estrageiro.
269) Ponderadas as referidas circunstâncias, entendeu – mal, do nosso ponto de vista – o Tribunal a quo que o direito interno sul africano seria aplicável ao pedido principal por força do disposto no artigo 41.º, n.º 1 e 16.º do Código Civil.
270) Sendo inegável que a presente ação se relaciona com diferentes ordens jurídicas, cremos, contudo, que não foram consideradas algumas circunstâncias, o que acabou por determinar (erradamente) a aplicação da lei sul africana na apreciação do pedido principal.
271) Temos então: uma Autora com sede no Reino Unidos; uma Autora com sede no Panamá; uma Ré com sede na Africa do Sul; um contrato celebrado na Embaixada de Africa do Sul em Paris; o local de cumprimento do mandato em Portugal; e o local de cumprimento da obrigação de pagamento da remuneração do mandato, no Luxemburgo.
272) Reitera-se que é totalmente falacioso o argumento de que a Recorrida, por ser sociedade de capitais públicos e que tem por objeto a aquisição, em nome e por conta do governo da África do Sul e demais instituições públicas, de material civil e militar, bem como a prestação de serviços associados às instituições sob dependência do Ministério da Defesa do Governo do referido país, não aceitaria a aplicação de uma lei estrangeira, nomeadamente a lei portuguesa.
273) Tal circunstância é frontalmente negada pelo facto de o contrato celebrado entre as OGMA e a Recorrida através da sociedade de fachada criada para o efeito e detida integralmente pela Recorrida – designada Zandumec (PVT) Ltd. –, contrato, esse, junto aos autos como Doc.º n.º 17 com a Contestação, terem as partes expressamente previsto a aplicação do Direito Português ao referido contrato (vide Facto Assente EE) e contrato junto a fls. 2361-2368), contrato este que materializou a criação do Canal Português na sequência da execução do mandato concedido pela Recorrida às Recorrentes para obtenção das necessárias autorizações junto das autoridades da Força Aérea Portuguesa e das OGMA
274) Razão pela qual não corresponde à verdade, nem é tampouco razoável – conforme decorre da Sentença recorrida – que a Recorrida, atenta a sua natureza, não aceitasse voluntariamente a aplicação de uma lei estrangeira para regular um contrato no qual tivesse intervenção.
275) A estipulação no contrato entre a Zandumec e as OGMA quanto à aplicação do direito português é demonstrativa de que a Ré, Recorrida, não só se conformou com a sujeição da abertura do Canal Português à legislação nacional, como – num contrato celebrado com uma pessoa coletiva de direito português – estabeleceu expressamente a aplicabilidade da lei material portuguesa à relação contratual concluída entre ambas.
276) Assim, por maioria de razão, ainda menos essencial seria relativamente a todas as relações jurídicas a ela instrumentais, nomeadamente, ao mandato concedido às Autoras, Recorrentes.
277) Como se demonstrou, tal mandato (i) traduziu-se no estabelecimento de contactos negociais com as autoridades militares da Força Aérea Portuguesa e das OGMA tendentes à celebração dos negócios jurídicos de montagem e subsequente remessa de helicópteros para a Força Aérea Portuguesa e para a Recorrida; e (ii) foi exercido e integralmente cumprido em Portugal, perante autoridades na dependência hierárquica direta do Estado Português, tendo em vista apenas a jurisdição e o território português.
278) Com efeito, todos os atos de comércio objeto do contrato em questão foram celebrados na perspetiva de virem a ser – e terem sido efetivamente – praticados pelas Autoras, Recorrentes, em Portugal, a pedido expresso da Ré, Recorrida, tendo em vista a execução do Projeto Adenia, em Portugal.
279) Tal realidade é – de per se – demonstrativa de que inexistem elementos que conduzam à conclusão de que as partes escolheram implicitamente a aplicabilidade da lei sul-africana.
280) Por outro lado, como vimos anteriormente, a Sentença recorrida também errou ao não ter aplicado ao caso em apreço a Convenção da Haia sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação, concluída em Haia, em 14 de março de 1978.
281) As normas que constam da referida Convenção são de “aplicação universal", na medida em que da sua aplicação pode resultar que a lei a aplicar é de um Estado não contratante como era o caso da África do Sul à data da celebração do contrato, que apenas aderiu à convenção em 2002 – cfr. artigo
282) A referida Convenção tem naturalmente prevalência sobre as leis ordinárias de fonte interna, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa;
283) Sendo que no artigo 17.º da Convenção se esclarece que a aplicação de uma das leis designadas por esta Convenção só pode ser afastada se manifestamente incompatível com a ordem pública, o que não é claramente o caso.
284) Assim, nos termos do artigo 5.º da referida Convenção, a lei interna designada pelas partes regula a relação de representação entre o representado e o intermediário, sendo que a designação deve ser expressa ou resultar com razoável certeza das disposições do contrato e das circunstâncias da causa.
285) Ou seja, o critério utilizado na referida convenção é muito similar ao critério estabelecido no artigo 41.º do Código Civil: as obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista.
286) Esclarece, ainda, o artigo 6.º da referida Convenção que “na medida em que não tenha sido designada nas condições previstas no Artigo 5.º, a lei aplicável é a lei interna do Estado no qual, no momento da formação da relação de representação, o intermediário tenha o seu estabelecimento profissional ou, na sua falta, a sua residência habitual. No caso de o representado ou o intermediário ter vários estabelecimentos profissionais, o presente Artigo refere-se ao estabelecimento com o qual a relação de representação esteja mais estreitamente relacionada.”.
287) Ora, é inegável que, in casu, a designação da lei portuguesa resultou implicitamente das circunstâncias da causa.
288) No que concerne à interpretação e determinação do conteúdo das declarações tácitas para efeitos de escolha da lei substantiva aplicável, a doutrina tem esclarecido que, ao usar os termos “houveram tido em vista” – ínsito no artigo 41.º do CC, mas com conteúdo semelhante aos termos “resultar com razoável certeza das disposições do contrato e das circunstâncias da causa”, constantes da Convenção – o legislador parece não querer referir-se propriamente a um acordo de vontades tácito, mas a uma simples concordância de ideias quanto à lei aplicável.
289) Nisto estaria a formulação legislativa em conformidade com o pensamento, atrás expresso, de que o que interessa para a determinação da conexão não é a vontade como vontade normativa (negocial), mas como facto que só tem relevância (no plano do DIP) enquanto revela que lei tiveram as partes na ideia ao realizar o ato.
290) Quer isto dizer que, conforme preconizado pela doutrina, a escolha tácita deve ser inferida das particulares circunstâncias do negócio concreto.
291) Atendendo ao exposto, é por demais manifesto que o local de exercício e cumprimento do mandato acordado entre as partes é um critério atendível no campo do direito internacional privado o qual vem refletido na Convenção como critério fundamental na determinação da lei substantiva aplicável.
292) Conforme acima deixámos dito, as Recorrentes executaram o contrato, tão-somente e apenas, em território português e, naturalmente, enquanto pessoas coletivas com escritório em Portugal à data dos factos, apenas puderam ter em vista a aplicação da legislação portuguesa.
293) A tudo isto acresce o facto de a criação do Canal Português ter ficado expressamente sujeito à legislação portuguesa, nos termos do contrato celebrado entre a Recorrida e a Zandumec;
294) Canal, esse, que é a materialização do mandato exercido pelas aqui Recorrentes.
295) Mas ainda que se considerasse como aplicável o critério previsto no artigo 6.º da referida Convenção, a verdade é que também se teria de concluir pela aplicação da lei portuguesa.
296) Pois como vimos anteriormente, as Recorrentes tinham, à data dos factos, estabelecimento profissional em Portugal, no Localização 1, Portugal – conforme Docs.º n.ºs 1, 5, 6 e 7 da Petição Inicial, tal como referido supra – local, aquele no Estoril, onde as Autoras geriam todas as suas operações a nível mundial;
297) Pelo que, à luz do critério estabelecido no 1.º parágrafo do artigo 6.º da Convenção, apenas o direito substantivo português é aplicável à relação jurídica em apreço nos presentes autos.
298) Na eventualidade de se considerar que as Autoras, Recorrentes, tinham mais do que um estabelecimento comercial, seria, ainda assim, aplicável a lei nacional portuguesa, por a mesma constituir a lei do “estabelecimento com o qual a relação de representação esteja mais estreitamente relacionada” – conforme critério previsto no 3.º parágrafo do artigo 6.º da Convenção – porquanto (i) as Recorrentes tinham estabelecimento comercial em Portugal à data dos factos, (ii) sendo esta a jurisdição em que as mesmas exerceram integralmente o seu mandato, bem como (iii) aquela em que a Recorrida, na qualidade de representada, obteve o efeito jurídico pretendido.
299) De todo o exposto, resulta por demais evidente que, seja por aplicação da Convenção de Haia, seja por aplicação do Código Civil (artigo 41.º, n.º 1) a lei aplicável ao pedido principal deverá ser a lei portuguesa.
300) E tal conclusão não é colocada em causa, nem é negada, pelo facto de a Convenção apenas ter entrado em vigor em Portugal em 1992, data, essa, posterior à celebração do contrato entre Recorrentes e Recorrida.
301) É inegável que Convenção apenas entrou em vigor em Portugal em 01 de maio de 1992, cfr. o Aviso n.º 37/92, publicado no D. R., I série A, de 01.04.92.
302) Mas também é inegável que a regra geral é a da aplicabilidade imediata de uma norma de conflitos a todas as situações jurídicas ocorridas antes ou depois da sua entrada em vigor, na medida em que tais normas não dispõem diretamente sobre o conteúdo de relações jurídicas, representando a sucessão de leis no tempo, de normas deste cariz, uma opção do legislador – nacional ou internacional – quanto à conexão mais estreita de determinado tipo de relações jurídicas com a ordem jurídica mais apropriada.
303) Uma nota apenas para a alegada renúncia das Autoras, Recorrentes, quanto à aplicação da lei portuguesa no âmbito da ação que correu termos na África do Sul.
304) Na verdade, o facto de não ter sido alegada a aplicabilidade da lei portuguesa no processo judicial que decorreu na África do Sul não consubstancia, de forma alguma, uma concordância, sequer implícita, por parte das Recorrentes, com a aplicação da lei sul-africana ao caso.
305) Efetivamente, a aplicabilidade da lei portuguesa apenas não foi alegada no âmbito daquele processo porque, no momento em que a ação sul-africana terminou ainda se não tinha chegado ao momento processual próprio, de acordo com as leis processuais sul-africanas, para discutir questões como a lei aplicável (ou seja, em sede de alegações orais, finda a produção de prova), tal como é entendimento de Baptista Machado, mencionado anteriormente.
306) Como tal, não obstante a Convenção ter entrado em vigor em 01 de maio de 1992, as suas disposições, ao desempenharem a função de normas de conflitos, são imediatamente aplicáveis a todas as situações jurídicas, nomeadamente à dos presentes autos.
307) Sem prescindir, e caso assim não entenda, o que não se consente e apenas se alega por mera hipótese académica, ainda que se viesse a entender que seria a lei sul africana a aplicável, sempre dependeria da aceitação expressa da remissão feita pela norma de conflitos portuguesa por parte do direito internacional privado sul-africano, o que não se verifica;
308) Nem tal resulta de forma expressa do parecer que, a esse propósito, foi junto pela Ré, Recorrida, a estes autos e já mencionado anteriormente, não sendo a solução preconizada pela Recorrida a acolhida pelo direito internacional privado sul-africano.
309) Uma vez que, na África do Sul, os casos de conflitos de leis são determinados por um processo prévio de caracterização ou classificação, o qual consiste na análise que o tribunal tem de fazer da(s) causa(s) de pedir e do(s) pedido(s), classificar cada elemento componente da causa de pedir e do pedido em função da qualificação ou conceito jurídico mais adequado, e verificar com que ordem jurídica é que os mesmos se encontram relacionados.
310) Como vimos, nos termos do direito sul-africano, a lei apropriada corresponde ao sistema jurídico que regula os aspetos mais relevantes da situação jurídica em apreço, cabendo, então, ao julgador determinar todos os elementos da relação jurídica concreta que têm conexões com ordens jurídicas estrangeiras; sendo que, na eventualidade de existir mais do que um elemento de conexão, é dada preferência à lei com a qual a relação jurídica tem a sua conexão mais estreita ou mais relevante: o chamado centro de gravidade do contrato – cf. o mencionado Acórdão Improvair (Cape)(Pty) Ltd v Establissements Neu 1983 2 SA 138 (C) 146H-147B do Supremo Tribunal de Recursos da África do Sul, pp. 144 a 147, cf. Doc.º n.º 8 junto com a Réplica, bem como, perito apresentado pela Recorrida, o Professor PP.
311) No seguimento de tudo o exposto, o presente caso pode ser caracterizado como tendo os seguintes elementos de conexão com ordens jurídicas estrangeiras: (i) Nacionalidade das partes – a Recorrente BSL é uma sociedade de direito inglês, a Recorrente BSI é uma sociedade de direito panamiano e a Recorrida é uma sociedade de direito sul-africano; (ii) Local de celebração – Embaixada da África do Sul, em Paris; (iii) Local de cumprimento do mandato das Recorrentes – Portugal; (iv) Local de cumprimento da obrigação de pagamento da comissão das Recorrentes – Luxemburgo.
312) Resultando claro que a lei apropriada para regular a relação jurídica em apreço é a lei portuguesa e sendo evidente que, para a relação jurídica em apreço, a ordem jurídica luxemburguesa é totalmente irrelevante, pois era totalmente irrelevante para as partes o local onde o pagamento da comissão poderia ocorrer.
313) Pois o objetivo essencial das partes na relação contratual em questão – o centro de gravidade do contrato – era a abertura do Canal Português, e tal foi levado a cabo e cumprido integralmente pelas Autoras, Recorrentes, exclusivamente em Portugal, pelo que, nunca outra coisa se poderia concluir que não fosse pela aplicabilidade do direito material português ao caso concreto.
314) No que diz respeito à qualificação do contrato, resultou provado que Recorrentes e Recorrida, ambas sociedades comerciais, nos termos do contrato celebrado, se obrigaram a praticar atos de comércio tendentes ao estabelecimento e execução do Projeto Adenia, relativamente aos helicópteros de busca e salvamento em nome e no interesse da Recorrida.
315) Atos, aqueles, qualificados como subjetiva e objetivamente comerciais nos termos e para os efeitos do artigo 2.º do Código Comercial, dando-se o mandato comercial quando alguma pessoa se encarrega de praticar um ou mais atos de comércio por mandato de outrem, presumindo-se oneroso (cf. 231.º e 232.º do mesmo diploma legal).
316) Pelo que, o contrato celebrado entre Recorrentes e Recorrida constitui um contrato de mandato comercial, nos termos do qual as Recorrentes se obrigaram a praticar diversos atos de comércio em nome, no interesse e por conta da Ré, Recorrida.
317) Tendo as Recorrentes cumprido a sua parte nos termos do contrato celebrado, conforme demonstrado anteriormente, motivo pelo qual, caberia à Recorrida ter cumprido a sua parte, pagando às Recorrentes a comissão devida, o que não se verificou até à presente data, motivo pelo qual a ação deveria ter sido julgada totalmente procedente.
318) Não obstante o exposto, e sempre no pressuposto (de que se não prescinde) da aplicação do 665.º, n.º 2 do CPC, sendo esse o caso, as Recorrentes não podem deixar de pugnar pela absoluta e indiscutível licitude do objeto do contrato celebrado entre as partes, não tendo a Recorrida sido capaz de demonstrar (como lhe competia) qualquer dos pressupostos da sua inusitada tese.
319) Tendo em conta a prestação das Recorrentes no caso em é evidente que a exceção de nulidade teria de ser apreciada em função do objeto dos bens e serviços de que a Ré, Recorrida, beneficiou na sequência da abertura do Canal Português e, tão-somente, em função disso, tal como demonstrado, sendo inegável que a criação do Canal Português não teve qualquer propósito militar.
320) Atendendo ao critério de diferenciação entre aeronaves civis e estatais, é amplamente aceite que o critério adotado pela Convenção de Chicago de 1944 para identificar aeronaves militares é um critério funcional baseado no tipo de atividade levado a cabo pela aeronave, e não ligado à sua marca de registo ou qualidade do seu titular, por exemplo o exército.
321) Pois, tendo em conta que as aeronaves transacionadas são classificadas pelo próprio produtor como veículos de natureza civil, bem como considerando a importância que as atribuições de proteção civil assumiam (e assumem) na África do Sul, qualquer terceiro, posto na posição das Recorrentes (que, como se demonstrou, desconheciam os contornos integrais do Projeto e as motivações da Ré, Recorrida), presumiria que a finalidade atribuída às aeronaves seria aquela para a qual as mesmas se encontram primordialmente destinadas.
322) Tendo ficado demonstrado que nos termos da lei sul-africana, as Forças Armadas têm atribuições de proteção civil e, naturalmente, para a prossecução das suas atribuições têm de se munir de logística, bens e serviços suficientes e, ainda que, para Portugal, tal implicava – como se comprovou – ter meios capazes de realizar tais operações até limite da zona económica exclusiva nos Açores.
323) Recordemos ainda que, a autorização para a abertura do Canal Português encontrou a sua formalização no contrato celebrado entre as OGMA e a Recorrida, em 07 de junho de 1988, sendo que a execução do Projeto Adenia e a utilização do Canal Português se iniciou somente em meados de 1989, e que, o conflito entre a SWAPO – South West Africa People’s Organization e a República da África do Sul terminou em 22 de Dezembro de 1988 (Acordo de Nova Iorque).
324) Acordo este celebrado sob a égide das próprias Nações Unidas tendente à execução de uma Resolução do próprio Conselho de Segurança, nas quais os países outorgantes, incluindo a África do Sul, conferiram um mandato expresso ao Secretário-Geral das Nações Unidas para a sua implementação.
325) Resultando claro, assim, que ficaram indemonstrados os primeiro e segundos pressuposto da tese da Recorrida.
326) Acresce que, e em mais considerações do que aquelas que já foram detalhadamente explanadas supra, também quanto ao terceiro pressuposto (de que as Autoras, Recorrentes, saberiam estar em causa um esquema para violar o embargo decretado pelas Nações Unidas), como provado ao longo das presentes alegações, o mesmo também não se encontra demonstrado.
327) Pelo que, e atenta tal factualidade, só por temeridade se poderá afirmar que as Recorrentes sabiam que estava em causa um esquema para violar o embargo imposto pelas Nações Unidas.
328) Logo, sendo aplicável à presente causa – como é – a lei material portuguesa, nunca o negócio jurídico celebrado entre as Recorrentes e a Recorrida poderá ser tido como nulo por ilegalidade do seu objeto, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º e 294.º do CC.
329) Por fim, sempre se dirá, por mero dever de patrocínio, que ainda que assim fosse (quod non) o regime jurídico da nulidade previsto no artigo 289.º do Código Civil sempre obrigaria a Recorrida a restituir às Recorrentes os valores com que injustamente se enriqueceu.
330) E mais, e ainda que se viesse a considerar o contrato nulo – o que não se admite, mas apenas se alega por mera hipótese académica – a verdade é que a sua invocação pela Recorrida sempre consistiria num abuso de direito não permitido nem tolerado por lei, pois estamos perante um caso de venire contra factum proprium, tendo a Recorrida exercido uma posição jurídica em contradição com o comportamento por si assumido anteriormente.
331) Resultou evidente que a Ré, Recorrida, criou fundadas e legítimas expectativas às Autoras, Recorrentes, quanto à validade do contrato celebrado;
332) O que levou a que as mesmas cumprissem a sua parte no contrato, permitindo que a Recorrida beneficiasse do Canal Português criado através das (e apenas face aos atos praticados pelas) Recorrentes para que, dessa forma, pudessem ser recebidas pela Recorridas as encomendas vindas da Aerospatiale.
333) Atentos os factos provados nestes autos, resulta evidente que a conduta da Ré, Recorrida, ao invocar agora, e depois de ter beneficiado dos serviços prestados pelas Recorrentes, a nulidade do contrato só para se poder furtar ao pagamento da contraprestação – a comissão que lhes é devida – é ético-juridicamente censurável e inadmissível, violando a confiança que as Autoras, Recorrentes, em si depositaram.
334) Sendo ilegítimo, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé.
335) O mesmo será dizer que, ainda que se viesse a considerar o contrato como nulo – o que não se admite e apenas se alega por mera hipótese académica – sempre seria ilegítimo à Recorrida invocar esse direito única e exclusivamente para se furtar ao pagamento do que é devido e que corresponde à contrapartida pelos serviços que as Recorrentes já prestaram e que a Recorrida já beneficiou.
336) Devendo em qualquer circunstância o Tribunal ad quem considerar improcedente a invocada nulidade.
337) Posto isto, tendo a Recorrida invocado a prescrição do pedido principal por entender que o direito material aplicável é a lei material sul-africana o que, conforme acima se deixou expresso, não colhe,
338) Aplicando-se o direito português nunca se verificaria qualquer prescrição, por falta do decurso do prazo ordinário de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil.
339) Devendo assim ser entendido pelo Tribunal ad quem.
340) Pois conforme resultou provado nos termos acima expostos, a autorização para a abertura do Canal Português encontrou a sua formalização no contrato celebrado entre a OGMA e a Recorrida em 7 de junho de 1988, sendo que a utilização do Canal Português se iniciou somente em meados de 1989 (vide Facto Assente 12), pelo que, no limite apenas após essa data (se as Autoras tivessem conhecimento da totalidade dos factos, o que não era o caso, e já se viu que o conhecimento dos factos para peticionar a comissão apenas ocorreu em 08 de abril de 2006).
341) Assim, em face daqueles factos dados como provados e de a presente ação sido intentada em março de 2008 é inequívoco que o direito das Recorrentes, não se encontrava prescrito à data de instauração da presente ação.
342) Sendo certo, no mais, que o Tribunal apenas teria de apreciar esta exceção invocada pela Recorrida caso viesse hipoteticamente a concluir pela aplicabilidade da lei sul-africana (no que não se concede, pelas razões acima expostas, que se reiteram), não podendo, sequer, face ao ónus prescrito pelo artigo 303.º do Código Civil, conhecer da eventual prescrição ao abrigo do direito português.
343) Seja como for, na hipótese (meramente académica) de se considerar que a lei aplicável à presente causa é a sul-africana, ainda assim a exceção de prescrição deveria ser julgada improcedente, tal como amplamente demonstrado nas presentes alegações.
344) Devendo, pois, ainda que se considere aplicável à matéria dos autos o direito sul-africano (sempre sem conceder), julgar-se improcedente a invocada exceção de prescrição do pedido principal.
345) Já quanto à aplicabilidade do instituto da “renúncia do direito”, o mesmo é exclusivamente aplicável no direito sul-africano (conforme, de resto, reconhecido pela Recorrida no artigo 106.º da Contestação), que, como acima se referiu, não é aplicável ao presente caso;
346) O que, por si só, determinaria a imediata improcedência da exceção alegada. Em qualquer caso, da prova recolhida nos presentes autos constata-se, sem margem para dúvidas, que, ainda que o direito sul-africano fosse, de facto, aplicável (sempre sem conceder), não se encontrariam preenchidos os pressupostos para a aplicação do instituto de “renúncia do direito”.
347) Pois ficou cabalmente demonstrado que, no caso em apreço, não estão reunidos quaisquer dos requisitos elencados anteriormente para a renúncia.
348) Para além do mais, ficou comprovado que em momento algum as Recorrentes renunciaram de forma inequívoca, por ato expresso ou tácito, ao seu direito.
349) Tendo também a Recorrida reconhecido (artigo 310.º da Contestação) que a desistência da ação sul-africana por parte das Recorrentes se tratou de uma mera desistência da instância e não dos pedidos nela deduzidos,
350) Sendo evidente que tal desistência não consubstancia facto concludente de uma qualquer renúncia tácita do seu direito.
351) Por outro lado, diga-se que ficou comprovado que a ação intentada pelas Recorrentes perante os tribunais franceses contra a Eurocopter teve por causa de pedir o enriquecimento sem causa daquela sociedade a expensas das Recorrentes, verificando-se que a ação em questão teve um pedido, causa de pedir e sujeitos processuais distintos dos da presente ação, não tendo qualquer efeito de caso julgado quanto à presente relação material controvertida.
352) Cumprindo recordar que na aludida ação, na sua decisão, não ficou provada qualquer renúncia ou abdicação por parte das Autoras, Recorrentes, do seu direito contra a Ré, Recorrida, nem qualquer outro facto de onde se possa deduzir tal conclusão.
353) Por fim, reitera-se que, até à data da propositura da presente ação, as Recorrentes conduziram uma investigação tendente a apurar os factos constitutivos do seu direito à comissão, o que somente foi concluído com alguns elementos de prova concretos em abril de 2006, só aí se conhecendo os factos em que o direito à comissão das Autoras se substanciava e o respetivo montante aproximado.
354) Acrescendo que, no caso em apreço, a titularidade do direito das Recorrentes dependeria da conduta da própria Recorrida quanto à determinação do objeto e liquidação do crédito daquelas, facto esse que nunca foi praticado pela dita Recorrida e, ainda que, conforme as Recorrentes lograram demonstrar, é assente no direito sul-africano que “a demora no exercício do seu direito pode gerar a respetiva renúncia. Mas, por si mesma e sem mais, não priva uma parte do direito conferido nos termos de um contrato, exceto por prescrição”.
355) Concluindo-se que mesmo que se aplicasse o direito sul-africano (quod non), jamais teria ocorrido qualquer renúncia de direitos por parte das Recorrentes.
356) Por conseguinte, subsidiariamente, e sem prejuízo do exposto supra – no que diz respeito ao pedido principal –, estando a questão da lei aplicável ultrapassada quanto aos pedidos subsidiários, pois é de aplicar a lei portuguesa sempre se dirá que, na eventualidade de não se entender que a relação jurídica entre as partes assume a natureza de um contrato de mandato comercial (o que não se concede),
357) Então sempre se deveria entender que a Recorrida enriqueceu injustamente à custa da prestação dos serviços realizados pelas Recorrentes em seu nome, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 473.º e seguintes do Código Civil.
358) Pois, presentemente e como reconhecido pelo Tribunal a quo, tal figura teria sempre aplicabilidade, pois não tendo o Tribunal a quo considerado a existência de um contrato de mediação comercial entre Recorrida e Recorrentes, exigiu assim que seja demonstrada uma prestação por parte das Recorrentes – a qual ficou demonstrada e provada supra.
359) Conforme todas as considerações feitas ao longo das presentes alegações, e independentemente dos requisitos genéricos deste instituto, devemos ter em conta a evolução doutrinária da figura, quanto à modalidade de enriquecimento por prestação.
360) Assim, a prestação das Recorrentes é também bastante clara: facilitar o contacto entre a Recorrida e as demais entidades envolvidas (Força Aérea Portuguesa e as OGMA), possibilitando o Canal Português no âmbito do Projeto Adenia, o qual culminou na celebração de um contrato entre a Recorrida e a Força Aérea Portuguesa, através da OGMA.
361) Sendo que o resultado obtido é precisamente este contrato celebrado entre Recorrida (sob a capa da empresa de fachada Zandumec) e as OGMA portuguesas, fruto da atividade das Autoras, Recorrentes.
362) Ora, tal atividade das Recorrentes foi amplamente demonstrada ao longo do processo, resultando indubitável, também, ao longo da cabal impugnação da matéria de facto vertida nas presentes Alegações de recurso.
363) Cujo conjunto de factos não deixam margens para dúvidas de que, no caso de o Tribunal ad quem concluir pela ausência de qualquer contrato entre as partes – no que, como se disse e se reitera, se não concede – ainda assim sempre a Recorrida, deveria ser condenada à restituição às Recorrentes, do montante de que aquela se locupletou e correspondente a idêntico montante a título de comissão.
364) Sem prejuízo do que eventualmente se pudesse vir a determinar nos termos dos artigos 471.º, n.º 1, alínea b) e 661.º, n.º 2, do CPC, que aqui expressamente se invocam.
365) Por outro lado, ainda que assim igualmente se não entenda, sempre se terá de considerar que as Autoras, Recorrentes, agiram a título de gestoras de negócios da Ré, Recorrida, no âmbito do Projeto Adenia, praticando diversos atos de representação em nome, no interesse e por conta da Recorrida, nos termos e para os efeitos dos artigos 464.º e seguintes do Código Civil, tal como também demonstrado anteriormente.
366) Naturalmente, importará atentar no acervo fáctico apurado, ou seja, nos atos praticados pelas Autoras, Recorrentes, tendo em vista a futura celebração de um contrato entre a Recorrida e as OGMA, uma vez que o Tribunal a quo – mal –, considerou que a atividade das Recorrentes não foi suficiente para o preenchimento do requisito “assumir a direção de negócio alheio”.
367) No limite, sempre se deveria ter considerado que as Recorrentes levaram a cabo, no interesse e por conta da Recorrida, uma atuação correspondente a uma verdadeira negociação, tal como ficou provado, tendo as Recorrentes atuado de acordo com o interesse e vontade real e efetiva da Recorrida, a qual tinha conhecimento expresso de tal atuação comercial daquelas, e a quem as mesmas sempre prestaram as devidas informações.
368) Logo, nos termos do n.º 2 do artigo 470.º do CC, as Autoras, Recorrentes, sempre teriam direito, neste segundo cenário subsidiário, à remuneração correspondente à sua atuação comercial na aludida gestão de negócios, a qual deverá ser fixada nos termos do artigo 1158.º do CC, isto é, determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade.
369) Sendo que, em conformidade com o uso comercial existente no mercado, as comissões dos mandatários comerciais das partes em negócios jurídicos desta natureza situam-se entre 5% a 15% do valor total dos bens ou serviços objeto dos negócios jurídicos celebrados, pelo que, em último caso, sempre deveria o Tribunal ad quem reconhecer o direito das Recorrentes a serem remuneradas em montante a determinar com base nos aludidos usos, tendo por base o valor total dos bens e prestações que integraram o Projeto Adenia, conforme computado nos termos acima aludidos.
370) Sem prejuízo do que eventualmente se pudesse vir a determinar nos termos dos artigos 556.º, n.º 1, alínea b) e 609.º, n.º 2, do CPC, que aqui expressamente se invocam.
371) Finalmente, como decidido, e nesta parte também bem pelo Tribunal a quo, é a lei portuguesa que se aplica nos pedidos subsidiários, sendo necessário, apenas à luz do nosso ordenamento jurídico, elucidar os prazos prescricionais em causa.
372) Relativamente ao pedido subsidiário de enriquecimento sem causa, afigura-se como muito claro que não se verificou o decurso do prazo prescricional de três anos previsto no artigo 482.º do Código Civil, uma vez que as Recorrentes, como demonstrado ao longo de todo este processo, dada a conduta inadmissível da Recorrida de ocultação dolosa dos elementos relacionados com a comissão, apenas em 08 de abril de 2006 tiveram conhecimento dos factos constitutivos do seu direito à restituição nos termos acima descritos.
373) Por conseguinte, remontando este processo ao ano de 2008, altura em que foi submetida a Petição Inicial, resta-nos concluir pelo não decurso do prazo de 3 anos estabelecido no nosso Código Civil.
374) Por outro lado, quanto ao pedido subsidiário fundado na figura da gestão de negócios - não esquecendo que o Tribunal a quo já decidiu pela aplicação da portuguesa –, o direito das Recorrentes encontra-se sujeito ao prazo ordinário de vinte anos previsto no artigo 309.º do Código Civil, e não ao prazo de dois anos previsto na alínea b) do artigo 317.º do mesmo diploma legal, conforme temerariamente defendido pela Recorrida em sede de Contestação.
375) Com efeito, o prazo de prescrição de dois anos previsto no aludido artigo 317.º do Código Civil corresponde a um prazo de prescrição presuntiva que, por definição legal, se funda na presunção de cumprimento (cfr. artigo 312.º do Código Civil); e que – por natureza – tem como base a existência de uma relação obrigacional entre um credor e devedor na qual o credor não exerceu o seu direito ao fim de um certo período de tempo.
376) Ora, conforme tem sido entendimento pacífico da nossa doutrina e jurisprudência, “para que possa beneficiar da prescrição presuntiva, o réu não deve negar factos constitutivos do direito do autor, tais como: a negação da originária existência do débito, a discussão acerca do seu montante (…)”.
377) Recorde-se que, para além de o Tribunal a quo ter negado a relação contratual entre Recorrentes e Recorrida, toda a defesa desta última assenta nas alegações de que inexiste qualquer relação jurídica entre as partes, seja ela a título contratual ou de outra natureza, motivo pelo qual sempre recusou efetuar qualquer pagamento.
378) Praticou, assim, a Recorrida, em juízo, atos incompatíveis com a presunção de cumprimento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 314.º do Código Civil, pelo que jamais poderia beneficiar da presunção de cumprimento correspondente.
379) De todo o modo, sempre se dirá que o prazo de prescrição de dois anos não é aplicável aos créditos de comerciantes sobre outros comerciantes, bem como, quando a gestão de negócios se destine ao exercício industrial do devedor.
380) Ora, a Recorrida é uma sociedade comercial de capitais, e toda a gestão de negócios levada a cabo pelas Recorrentes teve por objeto bens e serviços destinados ao exercício industrial daquela pelo que (também por esta razão) jamais se poderia (in casu) aplicar o prazo prescricional de dois anos previsto no artigo 317.º do CC.
381) Por fim, sem conceder, que o prazo de prescrição do direito à comissão das Recorrentes ainda nem sequer se iniciou porquanto a Recorrida sempre ocultou os factos constitutivos do direito das primeiras, e as Recorrentes só em 08 de abril de 2006 tiveram conhecimento dos factos constitutivos do seu direito para efeitos do n.º 1 do artigo 306.º do Código Civil.
382) Por esta ordem de razão, significa isto que, em termos práticos, as Recorrentes nunca, antes dessa data, estiveram em condições reais de exercerem de uma forma consciente e esclarecida o seu direito.
383) Acresce que, o prazo prescricional ainda não começou a decorrer, como se disse, igualmente por força do disposto no n.º 4 do artigo 306.º do Código Civil, na medida em que a determinação do montante exato da comissão dependeria da liquidação por parte da Recorrida do valor total dos bens e serviços integrantes do Projeto Adenia, o que nunca foi promovido por aquela.
384) De facto, como já se explanou, nunca foi possível às Recorrentes promoverem a liquidação para efeitos de início do prazo de prescrição nos termos do n.º 4 do artigo 306.º do Código Civil, por força da ocultação ardilosa da Recorrida do valor líquido total dos bens e serviços integrantes do Projeto Adenia.
385) Termos em que, pelo que até aqui se relatou, nunca estaríamos perante qualquer prescrição associada aos pedidos subsidiários deduzidos pelas Autoras, Recorrentes.
386) A decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 410.º, 411.º, 412.º, 413.º, 414.º, 421.º, n.º 1 517.º, 519.º, 556.º, n.º 1, alínea b), 607.º, n.ºs 4 e 5 e 609.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, e 41.º, 334.º, 361.º, 376.º, n.ºs 1 e 2, 396.º, 405.º, n.º 1, 406.º, n.º 1, 464.º, 473.º e 762.º todos do Código Civil, pelo que deverá ser revogada a Sentença recorrida e substituída por outra que condene a Ré, Recorrida, nos pedidos formulados pelas Autoras, Recorrentes.
387) Em suma, e por tudo quanto resulta das presentes Alegações de recurso, é manifesto que a presente ação deveria ter sido julgada totalmente procedente e a Ré, Recorrida, condenada no pedido principal ou, caso assim não se entendesse, num dos pedidos subsidiários formulados pela Recorrente.
Terminam pugnando pela procedência do recurso e formulando as seguintes pretensões:
“a) Deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, conforme peticionado pelas Autoras, ora Recorrentes, condene a Ré, Recorrida, a pagar às Autoras a quantia de EUR 192.180.622,82 (cento e noventa e dois milhões, cento e oitenta mil, seiscentos e vinte e dois euros e oitenta e dois cêntimos), a título de comissão de 10% por força do contrato de mandato comercial celebrado entre as partes, exercido pelas Autoras em nome e por conta da Ré, acrescido dos juros de mora à taxa aplicável às sociedades comerciais vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento, contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento, sem prejuízo do mais que se determinar nos termos dos artigos 556.º, n.º 1, alínea b) e 609, n.º 2 do Código de Processo Civil;
b) Caso assim não se entenda, no que se não concede, deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, conforme também peticionado pelas Autoras, ora Recorrentes, condene a Ré, Recorrida, a pagar às Autoras a quantia de EUR 192.180.622,82 (cento e noventa e dois milhões, cento e oitenta mil, seiscentos e vinte e dois euros e oitenta e dois cêntimos), à luz dos artigos 473.º, n.º 2 e 479.º do Código Civil, a título de vantagem patrimonial com que injustamente se locupletou à custa das Autoras, correspondente à comissão de 10% sobre o valor total dos bens e prestações que integram o Projeto Adenia, acrescido dos juros de mora à taxa aplicável às sociedades comerciais vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento, contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento, sem prejuízo do mais que se determinar nos termos dos artigos 556.º, n.º 1, alínea b) e 609, n.º 2 do Código de Processo Civil; e
c) Caso assim igualmente se não entenda, no que novamente se não concede, deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, conforme paralelamente peticionado pelas Autoras, ora Recorrentes, condene a Ré, Recorrida, a pagar às Autoras a quantia de EUR 192.180.622,82 (cento e noventa e dois milhões, cento e oitenta mil, seiscentos e vinte e dois euros e oitenta e dois cêntimos), à luz dos artigos 464.º e seguintes do Código Civil, a título de remuneração correspondente à sua atuação comercial como gestoras de negócios da Ré no Projeto Adenia, acrescido dos juros de mora à taxa aplicável às sociedades comerciais vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento, contados desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento, sem prejuízo do mais que se determinar nos termos dos artigos 556.º, n.º 1, alínea b) e 609, n.º 2 do Código de Processo Civil.”
A ré contra-alegou pugnando pela improcedência integral do recurso e manutenção da decisão recorrida.27
* II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, perante as conclusões das alegações das autoras/apelantes há que apreciar as seguintes questões:
a. A impugnação da decisão da matéria de facto;
b. A determinação da lei aplicável ao contrato alegadamente celebrado entre as partes;
c. A celebração de um contrato entre as partes e a sua qualificação; Se comprovada a celebração do contrato:
d. A licitude do contrato;
e. A prescrição do direito que as autoras, com base no contrato, pretendem fazer valer;
f. A renúncia ao direito por parte das autoras, ao abrigo da lei sul-africana, se aplicável; Pedidos Subsidiários
g. O enriquecimento sem causa;
h. A gestão de negócios;
i. A prescrição dos pedidos subsidiários.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
* III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
3.1.1. A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:28
A. MM foi membro do Comité Técnico da Armscor junto do embaixador da África do Sul, em Paris, durante a segunda metade dos anos 80, estando encarregado do Procurement estrangeiro, em prol da força aérea sul-africana.
B. Em 1992 a Aérospatiale, na sequência de uma fusão com a sociedade DaimlerBenz Aerospace AG (DASA) para o segmento de helicópteros, formou a sociedade Eurocopter Group.
C. Em 1999 a Aérospatiale fundiu-se com a sociedade Matra Haute Technologie e, em 2000, com as sociedades espanhola Construcciones Aeronáuticas SA (CASA) e alemã DaimlerChrysler Aerospace AG, do que resultou a actual The European Aeronautic Defence and Space Company (EADS).
D. O Kredietbank S.A. Luxembourgeoise (doravante referido por “KBL”) é uma sociedade bancária de direito privado luxemburguês, com sede em Localização 2 Luxemburgo, sendo uma sociedade integrante do grupo societário financeiro KBC Group N.V., sediado em Bruxelas, na Bélgica.
E. A Kredietrust Luxembourg S.A. (doravante referida por “KT”) é uma sociedade anónima constituída nos termos das leis do Luxemburgo, com sede em Localização 3, Luxemburgo, igualmente integrante do grupo societário financeiro KBC Group N.V., tendo por objecto a gestão dos bens e direitos detidos pelo KBL.
F. Durante a vigência do Embargo aprovado pela Resolução n.º 418 das Nações Unidas e apenas para o efeito da aquisição e manutenção pela ré de material militar das Forças Armadas Sul-africanas a KBL e KT prestaram serviços à ré, designadamente através da abertura e movimentação de diversas contas bancárias, em sociedades fachada (front companies) de terceiros, sitas em paraísos fiscais, por forma a realizar pagamentos transnacionais a várias entidades e no planeamento e montagem de mecanismos tendentes à maximização do anonimato das suas operações e à facilitação de meios pelos quais as suas actividades comerciais podiam ser conduzidas com o menor risco possível de exposição pública.29
G. A KBL e a sociedade financeira afiliada KT desempenharam um papel essencial na protecção dos interesses da Ré Armscor e do Governo da República da África do Sul durante o regime de apartheid até meados da década de 90 do século passado, na vigência do Embargo aprovado pela Resolução n.º 418 das Nações Unidas, sendo um dos instrumentos fundamentais de financiamento e realização de operações bancárias durante o referido período para efeitos de aquisição e manutenção pela ré de material militar das Forças Armadas Sul-africanas.
H. Em 2 de Abril de 1987, a Autora BSI confirmou à Ré Armscor que as OGMA poderiam receber uma delegação da Armscor em Maio de 1987.
I. As Autoras tomaram conhecimento, depois dos procedimentos judiciais que intentaram contra a Ré, Armscor, na África do Sul, entre 1993 e 1994, e no início de 2000, contra a Aérospatiale, nos tribunais franceses, que o volume total das compras e vendas, no âmbito do Projecto Adenia, tinham sido superiores àquele que a Armscor pretendia que fosse revelado.
J. A ré não pagou às autoras qualquer quantia no âmbito do Projecto Adenia.
L. A ré resolveu incumbir o Sr. AA da intermediação da compra de um sistema de voo nocturno, operação que se denominou Projecto Orion.
M. O Sr. AA, em nome pessoal e das ora autoras, foi bem-sucedido na intermediação dessa compra e, por conseguinte, a ré liquidou-lhe a quantia de 25 000,00 dólares americanos, correspondente à acordada comissão de 1% sobre o valor da aquisição. Factos resultantes de documentos autênticos
N. AA, Beverly Securities Incorporated e Beverly Securities (PTY) LTD foram os requerentes de uma acção intentada no Supremo Tribunal da África do Sul, divisão provincial de Transvaal contra Armaments Development and Production Corporation of South Africa, LTD exigindo desta o pagamento de 9,8 milhões de francos franceses, juros sobre o referido valor à taxa anual de 18,25% ou, alternativamente, realizando uma contagem detalhando o número de equipamentos efectivamente fornecidos e recebidos pelo arguido, sua discussão e pagamento de 10% do preço de compra dos equipamentos efectivamente fornecidos e recebidos pelo arguido e ainda que se declare que os requerentes têm direito ao pagamento de 10% sobre o preço de compra de cada equipamento a ser recebido e a ser liquidado pelo arguido (documento 4 contestação – fls. 1984-1988, 7º volume).
O. No articulado inicial apresentado pelos requerentes identificados na alínea imediatamente anterior, datado de 24-03-1993, consta, entre o mais, o seguinte: “Entre aproximadamente janeiro de 1986 a abril de 1987 (…) os requerentes (…) e o arguido presente e representado pelo Sr. AAA e/ou o Sr. MM e/ou o Sr. WW e/ou o Sr. KK e/ou o Sr. XX, todos devidamente autorizados, entraram em acordo verbal, nos termos do qual as partes acordaram o seguinte: (…) iniciar negociações com as Forças Armadas Portuguesas e/ou a Organização Portuguesa de Serviços conhecida por OGMA e/ou por Força Aérea Portuguesa (…) 5.4. mais particularmente, (…) empenhar-se na obtenção da cooperação (…) para adquirir, preparar, produzir, recolher e fornecer determinados equipamentos para Helicópteros Puma, para aprimoramento dos Helicópteros Puma da Força Aérea da África do Sul, através duma conversão conhecida como S2”. “Nas reuniões atrás mencionadas, e/ou em tempo e local desconhecido para o Requerente, o Arguido concluiu um acordo (…) para fornecimento de 43 dos atrás mencionados equipamentos de conversão.“ (documento 4 da contestação – fls. 1984-1988, 7º volume).
P. Os requerentes da acção identificada na alínea antecedente alteram a sua alegação nos pontos discriminados no documento 22 da contestação, fls. 2470-2475, 8º volume.
Q. Em 18 de Agosto de 1994 a divisão da província do Transvaal do Supremo Tribunal da África do Sul verificou que os requerentes retiraram a sua pretensão (documento 9 da contestação, fls. 3860, 12º volume).
R. AA, Beverly Securities Incorporated e Beverly Securities (PTY) LTD intentaram acção contra a Eurocopter International, Sociedade Anónima, no Tribunal de Comércio de Bobigny, pedindo que se declare que a Eurocopter International, Sociedade Anónima, titular de direito da empresa Aérospatiale, beneficiou de um enriquecimento sem causa na sequência da venda de 50 helicópteros Super Puma S2, em detrimento das autoras, que se ordene à Aérospatiale que forneça todos os documentos que possam estar na sua posse relativos à referida venda, que se designe um perito com a tarefa de determinar o montante da venda, os lucros obtidos pela Aérospatiale na referida venda, o montante habitual da comissão do intermediário e os ganhos não obtidos pelos requerentes e que se condene a ré a pagar aos requerentes a quantia de 50.000 Frs para cada um e todas as custas inerentes ao processo (documento 12 da contestação, fls. 2061-2065, 7º volume).
S. Para tanto, alegaram os requerentes identificados na alínea anterior que “durante o ano 1986/1987, o Sr. AA foi informado de que a Armscor (…) desejava obter até 50 lotes de peças soltas destinadas em converter-se em helicópteros Puma em versão Superpuma S2. (…) devido ao embargo contra a República da África do Sul que o governo francês se comprometeu em respeitar, não era possível a uma empresa francesa e sobretudo a uma empresa pública celebrar um contrato de fornecimento com esta república. Foi nestas circunstâncias que (…) foram levados a prestar os seus serviços, a fim de permitir que esta transação fosse levada a cabo pelo intermediário de Portugal (…) Visto que o Sr. AA, a pedido da Armscor, se envolveu em longas e difíceis negociações com vários generais portugueses; (…) esta transação nunca poderia ter sido efetuada sem a intervenção do Sr. AA que, para além dos serviços acima descritos, pôs as suas contas bancárias à disposição da Armscor (…) Visto que a empresa Aérospatiale (…) obteve um benefício muito substancial com esta venda de helicópteros, benefício esse que foi bastante superior àquele que teria realizado com a simples venda dos conjuntos;” (documento 12 da contestação, fls. 2061-2065, 7º volume).
T. O Tribunal do Comércio do Distrito Judicial de Bobigny decidiu a acção identificada nas duas alíneas antecedentes, considerando o pedido de AA, Beverly Securities Incorporated e Beverly Securities LTD sem legitimidade na sua acção in rem verso contra a Eurocopter, rejeitando-o. E condenou-os a pagar à Eurocopter a quantia de 200 000 francos por má-fé, a suportar as custas, bem como a pagar a quantia de 456 569,67 francos (documento 13 da contestação, fls. 2066-2086, 7º volume).
U. Em 2008 a Beverly Securities Limited intentou uma acção no Tribunal de Comércio de Bruxelas contra as sociedades anónimas Kredietrust Luxembourg (KTL), Krediebank S.A. Luxembourgeoise, o KBC Bank S. A. e o KBC Groupe onde alega, entre o mais, o seguinte “O BSL e a empresa sua associada Beverley Securities Incorporated (BSI) foram então contactadas no decorrer do ano de 1986 pela Armscor, por motivos das ligações estreitas mantidas com as autoridades portuguesas através do seu dirigente, Sr. AA. Era-lhes pedido que facilitassem uma transação tendo em vista, oficialmente, a entrega de ‘upgrades’ de helicópteros Puma a Portugal, material esse que seria depois discretamente encaminhado para a África do Sul. (…) Em contrapartida dos esforços empreendidos pelo BSL e BSI, a Armscor comprometeu-se a pagar 10% de comissão sobre o conjunto dos acordos celebrados com a Aérospatiale e que transitassem através do ‘canal português’. Metade da comissão seria no final suportada pela Armscor e a outra metade pela Aérospatiale. Este acordo foi objeto de atas confidenciais guardadas nos cofres da Embaixada da África do Sul em Paris em 1987; (…) A Almanij e as suas filiais operacionais aceitaram desempenhar um papel ainda mais gravoso para a BSL. Efetivamente, levaram o Sr. AA a acreditar que o pagamento das suas comissões seria efetuado numa conta aberta especialmente pela BSL junto da KB LUX, no dia 8 de fevereiro de 1990, sob o n.º ... (…) Aliás, os funcionários da KB LUX felicitaram calorosamente o Sr. AA aquando da abertura da conta na própria sede do banco, à vista das comissões que ele deveria receber. (…) Sendo ainda mais grave, a Almaji e as suas filiais operacionais, nomeadamente o Kredietbank, a KB LUX e a Kredietrust, terão prestado auxílio no desvio das comissões em dívida à BSL, em proveito de terceiros, especialmente os próprios dirigentes da Armscor (…).” (documento 25 da contestação, fls. 2478-2488, 8º volume).30 (também admitidos por acordo de ambas as partes)
V. No início de 1986 AA participou numa reunião no escritório da ré situado na embaixada da República da África do Sul, em Paris (artigo 72º da p.i. e artigo 218º da contestação).
W. Em meados de Março de 1986 ocorreu uma reunião entre o general DD, Chefe de Estado-Maior da Força Aérea Portuguesa e o general UU (artigo 109º da p.i. e artigo 227º da contestação).
X. Em 7 de Abril e 2 de Maio de 1986 houve novas reuniões entre o general DD e o general UU (artigos 116º e 119º da p.i., artigo 227º da contestação).
Y. Em 18 de Dezembro de 1986 houve nova reunião entre o general DD e o general UU, tendo este último proposto uma possível colaboração das OGMA com a ré respeitante a helicópteros (artigo 124º e 129º da p.i., artigo 241º da contestação).
Z. Em 6 de Janeiro de 1987 houve uma reunião entre o general DD e o general VV na qual o primeiro deu autorização verbal ao segundo para avançar com a cooperação das forças armadas portuguesas no Projecto Adenia/MTH (artigo 131º da p.i., artigo 198º da contestação).
AA. (inexistente)
BB. Na década de 80 do século XX existia já uma relação comercial entre a Armscor e a Aérospatiale, de compra e venda de aeronaves, peças e prestação de assistência técnica (artigo 30º da p.i., artigo 158º e 160º da contestação).
CC. As forças armadas portuguesas procuravam uma solução para melhorar a capacidade da sua frota de helicópteros, com vista a conseguir cumprir obrigações assumidas pelo Estado português junto da NATO, mas não tinham capacidade orçamental para suportar os respectivos custos (artigos 93º a 94º, 97º, 98º, 100º da p.i.; artigos 188º a 192º da contestação).
DD. O Projecto Adenia incluía no seu objecto a aquisição pela ré de 50 helicópteros novos denominados Oryx, distintos de outros modelos de helicópteros, compostos por uma fuselagem/casco produzida na Roménia e outros componentes (artigos 35º e 36º da p.i., artigos 164º, 178º, 180º e da contestação).
EE. A empresa Zandumec, criada e detida pela ré para ocultar a verdadeira identidade do contratante, celebrou com as OGMA o contrato, junto a fls. 2361-2368, assinado pelas referidas partes em, respectivamente, 7 e 3 de Junho de 1988, respeitante aos fornecimentos pelas OGMA no âmbito do Projecto Adenia, do qual consta, entre o mais, o seguinte: “(…) 4. Pagamento O fornecedor deverá receber da parte do comprador o pagamento de 5% (…) do preço de fábrica pela compra (…) dos serviços prestados pelo fornecedor, nos termos do presente acordo, dos componentes serem entregues ao comprador. (…) Anexo A 6. Lei Aplicável A lei portuguesa será aplicável ao presente acordo” (artigo 203º da contestação e artigos 65º e 66º da réplica). Factos Provados
1. A autora Beverly Securities Limited é uma sociedade constituída nos termos das leis do Reino Unido (art.º 1º da p.i.).
2. A autora Beverly Securities Incorporated é uma sociedade constituída nos termos das leis do Panamá (art.º 2º da p.i.).
3. O Sr. YY foi director-geral da ré Armscor (art.º 7º da p.i.).
4. O Sr. WW teve funções de chefia da ré, envolvendo relações com o estrangeiro, entre 1988 e 1992, cuja denominação e âmbito não foram concretamente apurados (art.º 8º da p.i.).
5. O Sr. XX teve funções de chefia na ré cuja denominação e âmbito não foram concretamente apurados (artigo 9º da p.i.).
6. Em meados da década de 80, a ré Armscor começou a desenvolver um projecto secreto chamado Adenia cujo objectivo era, inicialmente, em 1984 e 1985, “o fabrico local de 50 novos helicópteros de transporte médio e a modernização dos helicópteros SAAF Puma existentes. Os novos helicópteros serão equipados com os componentes dinâmicos Super Puma, os quais serão também utilizados no helicóptero Combat Sport. Os componentes Super Puma serão também utilizados para a modernização.” Em data não concretamente apurada, a ré abandonou o propósito de modernizar os helicópteros preexistentes e o projecto passou a ter apenas como objecto a aquisição de 50 novos helicópteros, não tendo sido adquiridos nem incorporados quaisquer componentes para modernização (artigo 29º da p.i.).
7. O director das autoras, AA, remeteu uma carta datada de 11 de Fevereiro 1985 ao Sr. SS demonstrando interesse em colaborar com a ré Armscor (artigo 55º da p.i.).
8. O presidente das OGMA, general VV, dirigiu à Beverly Securities Inc uma carta datada de 23 de Fevereiro de 1987, na qual refere o seguinte “1. Em resultado das conversações que tivemos na nossa última reunião, tenho o prazer de confirmar que estamos dispostos a proceder a todas as reparações e revisões dos motores da Allison T-56-A15, nas condições a acordar com o vosso cliente. 2. No que respeita a modificação dos helicópteros PUMA SA-330 para a versão S2, estaremos em condições de participar na produção de alguns ‘kits’’, mas o projeto dependerá das decisões da Aerospatiale e do vosso cliente. 3. Assim, não vemos inconvenientes em que a BSI prossiga com as negociações com o vosso cliente relativamente aos assuntos supra mencionados. 4. Agradecíamos que nos mantivesse informados acerca dos desenvolvimentos das negociações com o vosso cliente.”
9. A R. Armscor dirigiu à autora Beverly Securities, Inc. uma carta datada de 26 de Fevereiro de 1987, onde refere “Temos o prazer de informá-los que a Armscor está preparada para discutir com as autoridades portuguesas responsáveis as possibilidades de colaboração e cooperação (associações em participação) no âmbito da produção de armamento específico e do marketing internacional de armamento (por exemplo as MGL de 4 mm e as granadas). Tal associação em participação poderia resultar em: - transferência de certas tecnologias – co-produção – associação em participação de marketing – contratos de assistência na aquisição de material militar. Acreditamos que as nossas sugestões serão recebidas de forma favorável e que nos poderemos reunir brevemente, à sua conveniência, no sentido de prosseguirmos as negociações.”
10. Em 19 de Outubro de 1987 ocorreu a deslocação de uma delegação da ré Armscor às OGMA, chefiada pelo senhor KK, tendo a reunião sido marcada junto das OGMA por AA.
11. Em 28 de Janeiro de 1988, a Armscor enviou uma nota às autoras (documento 12 da p.i.), assinada pelo Sr. BBB, solicitando um orçamento escrito para custos de fornecimento, a que as autoras responderam em 28 de Março de 1988 (documento 13 da p.i.).
12. A montagem, expedição e entrega dos novos helicópteros Oryx, com intervenção das OGMA, iniciou-se em Setembro de 1989 e terminou em Abril de 1994.
13. A BSI remeteu, em 26 de Julho de 198931, um fax para o Sr. TT, da R. Armscor, com o texto que consta de fls. 3799 (12º volume) com o seguinte teor:32 “No seguimento da nossa última conversa telefónica, abaixo discrimino a lista dos passos: 1/ Em Março/Abril de 86, durante uma visita ao vosso escritório em Paris, o MM fez menção ao projecto em questão, solicitando-me que abordasse as nossas autoridades, com vista à obtenção das autorizações necessárias. 2/ No dia 6 de Janeiro de 87, recebi uma carta da parte do nosso Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, confirmando a sua aceitação e concedendo o prosseguimento do projecto à OGMA. 3/ No dia 11 de Fevereiro de 87, enviei uma carta elaborada pelo falecido General UU, dirigida a SS, confirmando a nossa posição. 4/ No dia 23 de Fevereiro de 87, a OGMA enviou-me uma carta, através da qual me confirmavam estarem preparados para avançar. 5/ No dia 1 de Abril de 87, enviei uma resposta à OGMA, e confirmei a visita da Atlas e do vosso pessoal. 6/ No dia 19 de Outubro de 87, sete pessoas visitaram as instalações da OGMA. 7/ Referi diversas vezes ao MM que avancei de boa fé, com a promessa de assinar um contrato aceitável. Até ao momento nada aconteceu Espero que a situação esteja suficientemente clara para si. Agradeço antecipadamente a sua atenção.”
14. Em 27 de Março 1990, a BSI remeteu um fax para o Sr. TT, narrando “um breve resumo da sequência de eventos”, mais referindo “Posteriormente, o MM prometeu-me que iria rever a minha situação com o WW, e que me informaria quando o meu contrato estivesse pronto. Desde então, tentei obter uma resposta, e lamento que todos os meus pedidos tenham sido ignorados. Há um ano atrás, na ausência do WW, deixei nas mãos de XX um processo altamente confidencial, com cópias de cartas trocadas, provando os meus empreendimentos em Portugal, em relação ao qual ainda aguardo uma resposta. Neste momento, chegou a altura de contactar o Presidente, pois as entregas já se iniciaram, e não posso esperar mais tempo. Creio que o SS se encontra em posição de ajudar. Sempre fui leal e sempre estive à disposição para ajudar a Organização, pelo que não é justo que me tratem como um parente pobre.”
15. Em 1 de Julho de 1991 o Sr. AA teve uma conversa com o Presidente da ré, CCC, acerca dos seus pedidos de remuneração.
16. Em 15 de Julho de 1991, a Armscor remeteu uma carta para ambas as autoras, assinada pelo seu director-geral de aquisições, Sr. YY, negando a responsabilidade da Armscor no pagamento de qualquer comissão às AA., bem como afirmando que as autoras deveriam solicitar às OGMA o pagamento da mesma.
17. Durante a Guerra da Independência da Namíbia, a força aérea da República da África do Sul sentiu necessidade de ser dotada de helicópteros que permitissem o transporte de tropas, adaptados à geografia das zonas onde se desenrolava o conflito, onde as temperaturas são muito elevadas, necessidades que não se consideravam integralmente satisfeitas com os Puma SA330 de que dispunham.
18. Para suprir tais necessidades, foi desenvolvido conjuntamente com a Aérospatiale um novo modelo de helicóptero, híbrido, com algumas das características dos Super Puma e outra distintas, designadamente o motor denominado Makila.
19. A este novo modelo foram atribuídas as denominações MTH e Oryx.
20. O protótipo do MTH/Oryx foi construído pela Aérospatiale e enviado para a República da África do Sul em 1985.
21. Aquando da reunião com o general DD, em 6 de Janeiro de 1987, o general VV, director das OGMA, já era conhecedor da pretensão da Aérospatiale e da ré de recorrerem às OGMA como canal para o fornecimento de kits dos componentes dos helicópteros MTH/Oryx.
*
3.1.2. O Tribunal recorrido deu como não provados os seguintes factos:
a. Que a autora Beverly Securities Limited tenha por objecto a mediação, agenciamento e representação comercial de terceiros em todo o tipo de contratos comerciais internacionais, promovendo a sua celebração e execução, nomeadamente no estabelecimento dos meios e mecanismos de transporte, fornecimento e entrega dos bens comercializados pelas partes por si representadas (art.º 1º da p.i.);
b. Que a autora Beverly Securities Incorporated tenha por objecto a mediação, agenciamento e representação comercial de terceiros em todo o tipo de contratos comerciais internacionais, promovendo a sua celebração e execução, nomeadamente no estabelecimento dos meios e mecanismos de transporte, fornecimento e entrega dos bens comercializados pelas partes por si representadas (art.º 2º da p.i.);
c. Que as autoras tenham criado e desenvolvido a sua rede de contactos nacionais e internacionais no sentido de estabelecer uma efectiva rede de mediação, agenciamento, transporte e fornecimento a nível internacional (artigo 3º da p.i.);
d. Que, como contrapartida das actividades de mediação, agenciamento e representação dos seus diversos clientes, as autoras auferem habitualmente uma comissão de 5% a 15% do montante global do contrato celebrado entre as partes representadas, sendo estas percentagens o uso comercial deste mercado (artigos 4º e 5º da p.i.);
e. Que o Sr. YY tenha sido director-geral da Armscor durante os anos 1980 e 1990 (artigo 7º da p.i.);
f. Que o Sr. WW tenha sucedido a XX como “Chefe da Secção de Negociações Estrangeiras” da ré em 1992 (artigo 9º da p.i.);
g. Que à relação contratual a ré Armscor e a Aérospatiale tenha sido dado o nome de código “Projecto Adenia” (art.º 31º da p.i.);
h. Que o director das autoras, AA, tenha tomado conhecimento da intenção do Governo da República da África do Sul de iniciar negociações com a empresa Aérospatiale respeitantes ao projecto Adenia, e que por isso endereçou a carta datada de 11 de Fevereiro de 1985 ao Sr. SS visando demonstrar o interesse e a possibilidade de as autoras darem assistência à ré Armscor na condução de contactos e diligências negociais respeitantes ao projecto Adenia (artigo 55º da p.i.);
i. Que, na sequência da carta datada de 11 de Fevereiro de 1985 remetida pelo Sr. AA, este tenha sido contactado telefonicamente pelo Primeiro Secretário da Embaixada da República da África do Sul em Portugal, Sr. DDD, no final de 1985, e que este lhe tenha dito que as autoras seriam contactadas em momento posterior pelo Chefe do Comité Técnico da R. junto da Embaixada da República da África do Sul em Paris, o Sr. TT, e que este contacto tenha ocorrido pouco depois;
j. Que, na sequência do contacto telefónico com o Sr. TT, o Sr. AA tenha sido convidado a deslocar-se às instalações da Embaixada da República da África do Sul em Paris a fim de serem debatidos os termos da eventual intervenção das autoras no Projecto Adenia, e que essa deslocação tenha ocorrido em finais de 1985;
k. Que após a reunião de finais de 1985, tenha havido outras reuniões em Paris, tendo por objecto o Projecto Adenia, e que nestas o Sr. TT tenha clarificado que a Armscor pretendia adquirir à Aérospatiale kits de upgrade S2 dos helicópteros Puma Search and Rescue Helicopters e diversos serviços de montagem e de manutenção associados;
l. Que o presidente da Aérospatiale à data, o general EEE, não pretendia negociar com a Armscor e que o Sr. FFF, segundo na hierarquia da Aérospatiale, tinha opinião diversa e que por esse motivo as negociações conduzidas pela direcção da Aérospatiale sobre o Projecto Adenia tenham ocorrido sem que o presidente da Aérospatiale fosse informado;
m. Que, nos princípios de 1986, a ré Armscor, por intermédio dos Srs. TT e SS, numa nova reunião ocorrida na Embaixada da República da África do Sul, em Paris, com o Sr. AA, tenha solicitado expressamente às autoras a prestação dos seus serviços de mediação e de promoção de negociações junto das autoridades militares portuguesas tendentes a obter o seu consentimento na criação e estabelecimento em Portugal de um esquema de montagem, distribuição, remessa e transporte dos helicópteros de Busca e Salvamento desde França para a República da África do Sul (conhecido entre as partes como o “Canal Português”) no âmbito do Projecto Adenia, e que as autoras tenham aceitado esta proposta;
n. Que tenha sido expressamente solicitado às autoras pela ré Armscor o estabelecimento de negociações com a Força Aérea Portuguesa de modo a obter o consentimento dos seus mais altos responsáveis, e com a empresa OGMA, por ser a entidade, em Portugal, com a logística e conhecimentos necessários para executar o projecto em apreço no âmbito do Projecto Adenia, e que as autoras tenham aceitado esta proposta;
o. Que a criação em Portugal de um sistema de montagem e de distribuição comercial dos helicópteros de busca e salvamento – designado como canal português – tenha sido expressamente acordado entre a ré Armscor e a Aérospatiale no âmbito do Projecto Adenia;
p. Que, tendo em vista o Projecto Adenia, em Fevereiro de 1986 a ré Armscor tenha decidido fazer um teste às capacidades negociais e rede de contactos das autoras e que o chamado Projecto Orion tenha constituído esse teste;
q. Que, no ano de 1986, UU, GGG e AA tenham, em representação das autoras, iniciado contactos com militares portugueses tendentes à criação de um canal português no âmbito do Projecto Adenia;
r. Que em Março de 1986 o general UU em reunião com o general EE tenha visado obter o apoio do general DD no estabelecimento do canal português no âmbito do Projecto Adenia;
s. Que em Março de 1986 o general UU, em reunião com o general DD, lhe tenha exposto os termos e objecto do Projecto Adenia, explicando-lhe que uma empresa sul-africana pretendia um canal de montagem e distribuição de materiais e componentes de helicópteros utilizando as valências das OGMA e que este lhe manifestou interesse, exigindo uma compensação em material;
t. Que as autoras tenham reportado à ré Armscor as diligências bem-sucedidas efectuadas junto das autoridades militares portuguesas e isso tenha sido registado em relatório interno da Armscor datado de 3 de Abril de 1986;
u. Que na reunião de 7 de Abril de 1986, o general DD tenha manifestado ao general UU a sua aceitação aos termos do negócio referente ao Projecto Adenia;
v. Que nessa reunião de 7 de Abril de 1986 o general DD tenha afirmado que a contrapartida pela participação no Projecto Adenia deveria ser liquidada pela empresa sul-africana em kits de upgrade S1 para os 10 helicópteros Puma detidos pela Força Aérea Portuguesa à data, sem quaisquer custos;
w. Que a ré Armscor tenha sido informada pelas autoras das contrapartidas exigidas pelo general DD na reunião de 7 de Abril e que, após um período de discussão interna, tenha dado expressa aceitação à proposta de comissão exigida pela Força Aérea Portuguesa;
x. Que em 18 de Dezembro de 1986, o Sr. AA e o general DD, em reunião, tenham discutido os termos finais do negócio relativo ao Projecto Adenia e acordado que a compensação/remuneração a atribuir à Força Aérea Portuguesa consistiria em 11 kits de melhoria S1, peças sobresselentes e know-how para os 10 helicópteros de Busca e Salvamento Puma detidos pela Força Aérea Portuguesa, a fornecer pela Aérospatiale às OGMA para subsequente montagem por esta empresa;
y. Que o objecto primário do negócio entre a Armscor e as Forças Armadas Portuguesas, com a intervenção das autoras, seria (i) o fornecimento de kits de upgrade S2 para construir helicópteros de Busca e Salvamento semelhantes aos Super Puma, (ii) montagem dos mesmos nas OGMA, de acordo com os procedimentos e tecnologia indicada e transmitida pela Aérospatiale às OGMA, e (iii) subsequente remessa dos kits montados para as instalações da R. Armscor na República da África do Sul;
z. Que, sem revelar tal facto às autoras, a ré Armscor tenha incluído igualmente no objecto do Projecto Adenia a aquisição à Aérospatiale de 50 novos helicópteros híbridos de Busca e Salvamento semelhantes ao Super Puma, em peças soltas e componentes que seriam montados pela ré na República da África do Sul;
aa. Que em 6 de Janeiro de 1987, o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea Portuguesa, general DD tenha enviado à autora BSI a carta junta como documento n.º 4 da p.i., para confirmar a aceitação da Força Aérea Portuguesa às propostas das autoras relativas ao Projecto Adenia;
bb. Que, na sequência do recebimento da carta referida na alínea anterior, o Sr. AA tenha informado prontamente a R. Armscor da aceitação através da carta que constitui documento n.º 5 da p.i.;
cc. Que, através da carta da autora BSI para o Sr. SS, datada de 11 de Fevereiro de 1987, mas enviada no final de Fevereiro de 1987, as autoras tenham reportado à Armscor as diligências bem-sucedidas efectuadas junto das autoridades militares portuguesas respeitantes ao projecto Adenia/MTH, designadamente que as forças armadas portuguesas haviam concedido à Força Aérea Portuguesa permissão para intervir no negócio e prestar assistência à República da África do Sul através da Armscor, mas reclamando uma compensação pela sua intervenção;
dd. Que o Sr. AA deixou bem claro à Armscor que as autoras, por força do exercício e cumprimento integral do mandato e actos praticados no âmbito do Projecto Adenia, iriam cobrar uma comissão indexada ao valor total dos bens e serviços objecto dos contratos em questão a serem celebrados pela ré Armscor com a Aérospatiale e as OGMA, em termos a concretizar posteriormente, e distinta da compensação devida pela Armscor à Força Aérea Portuguesa;
ee. Que a ré Armscor tenha aceitado a comissão referida na alínea anterior;
ff. Que, durante os anos de 1986 e 1987 o Sr. AA e os seus colegas, em representação das AA., tenham promovido, conjuntamente com o Sr. MM, responsável pelo Projecto Adenia por parte da Armscor, diversos contactos negociais com as autoridades militares portuguesas no sentido de concluir os termos em que as mesmas admitiriam intervir na montagem e subsequente remessa dos equipamentos para a R. Armscor com vista a estabelecer o canal português de montagem e distribuição dos helicópteros de Busca e Salvamento integrantes do Projecto Adenia;
gg. Que as autoras tenham solicitado às OGMA a realização de uma visita por parte de responsáveis da Armscor com o fim de negociar directamente a criação do canal português através da carta junta como documento n.º 9 da p.i. e que o general VV, em resposta, tenha confirmado a possibilidade de se reunir com representantes da R. Armscor em Maio de 1987;
hh. Que tenha ocorrido um encontro nos dias 12 e 13 de Maio de 1987, a propósito de uma visita a Portugal dos Srs. WW e MM, representantes da Armscor, tendo as negociações sido coordenadas pelas autoras em função de um programa delineado por AA;
ii. Que a visita de 19 de Outubro de 1987 de uma delegação da Armscor às OGMA integrasse HHH (Chefe da Divisão de Projectos Estrangeiros da Armscor);
jj. Que, na sequência do encontro de 19 de Outubro de 1987 tenha sido acordado entre as autoridades militares portuguesas e a Armscor que esta, na sequência do seu anterior acordo, iria tentar negociar junto da Aérospatiale a aquisição de kits de upgrade de helicópteros de Busca e Salvamento Puma S1 à Aérospatiale como compensação pela intervenção das referidas autoridades no Projecto Adenia;
kk. Que a Armscor, reconhecendo a intervenção vital das acções de agenciamento desenvolvidas pelas autoras junto das autoridades militares portuguesas, em Julho de 1987 acordou com as autoras pagar-lhes solidariamente uma comissão correspondente a 10% do valor bruto de todos os bens e serviços integrantes do Projecto Adenia, a qual seria proporcionalmente paga à medida que tais bens e serviços fossem entregues e prestados;
ll. Que o Sr. MM, em representação da R., tenha informado o Sr. AA que a Aérospatiale iria suportar metade, ou seja 5% da comissão das AA., mas que o pagamento da comissão de 10% seria apenas realizado pela ré Armscor;
mm. Que, a pedido expresso da Armscor, aceite pelas autoras, o acordo de pagamento de uma comissão de 10% nunca foi vertido em documento escrito, ficando registado num memorando escrito interno de dez páginas que, por razões de segurança, seria retido pela Armscor num cofre na Embaixada da República da África do Sul, em Paris;
nn. Que em 1993/1994 tal memorando tenha sido removido do cofre pela Armscor e levado para a República da África do Sul, ao abrigo do chamado Projecto Massada (um programa de eliminação e/ou ocultação de documentos e registos ligados às actividades da Armscor que comprometessem apoiantes e executores do regime de apartheid);
oo. Que as autoras, na pessoa de Sr. AA, tenham supervisionado a afectação por parte da Força Aérea Portuguesa e das OGMA da logística necessária ao estabelecimento do canal português, para a recepção dos bens expedidos pela Aérospatiale, montagem e subsequente remessa dos mesmos para a ré Armscor;
pp. Que as autoras se tenham demonstrado disponíveis para gerir os documentos de expedição e remessa dos materiais por todas as partes envolvidas no Projecto Adenia desde França para as OGMA e destas para a República da África do Sul, incluindo a transportadora Aerofrete, de modo a assegurar a regularidade e tempestividade dos fornecimentos;
qq. Que as autoras tenham mantido os representantes da R. Armscor na República da África do Sul e em Paris informados quanto ao funcionamento do canal português no âmbito do Projecto Adenia;
rr. Que a Armscor tenha qualificado a actuação das autoras como satisfatória, nunca manifestando qualquer reparo ou reclamação quanto ao funcionamento do canal português relativo aos helicópteros de Busca e Salvamento;
ss. Que as autoras tenham desenvolvido ainda um conjunto de acções de auxílio às autoridades militares portuguesas e à Armscor no estabelecimento e execução do sistema de transporte dos helicópteros de Busca e Salvamento para a República da África do Sul;
tt. Que tenha havido montagem, expedição e entrega, pelas OGMA, de helicópteros de Busca e Salvamento Puma melhorados por kits de upgrade, entre Agosto de 1988 e meados dos anos 1990;
uu. Que os Senhores WW, XX, MM, KK e YY tenham garantido às autoras o pagamento de uma comissão de 10%;
vv. (inexistente)
ww. Que no fax de Julho de 1989 a BSI solicite o pagamento de uma comissão de 10% pela intervenção nas negociações com as autoridades militares portuguesas;
xx. Que as autoras, por intermédio de AA, contactaram os senhores MM, WW e XX quanto ao pagamento da comissão de 10% respeitante ao Projecto Adenia, ao longo do ano de 1989, tendo aqueles afirmado que a ré Armscor estava com problemas de alocação de dotações orçamentais e que as autoras teriam de aguardar um pouco para que o pagamento já atrasado da comissão fosse autorizado;
yy. Que na sequência de contactos posteriores realizados pelo Sr. AA, os senhores WW, XX, MM, KK e YY, tenham sucessivamente afirmado que o departamento financeiro da ré Armscor tinha tomado em consideração o montante da comissão de 10% e que as autoras deveriam continuar a aguardar pacientemente o pagamento;
zz. Que em meados de Janeiro de 1990, a ré Armscor, por intermédio do Sr. XX, e com o intuito de manter o controlo sobre as autoras, tenha informado o Sr. AA que a Armscor havia decidido que o pagamento da comissão das AA. seria realizado por intermédio da abertura de uma conta bancária no banco KBL, com sede no Luxemburgo, para tal efeito;
aaa. Que o Sr. AA, director de ambas as autoras, tinha especiais relações de amizade com o Sr. XX desde 1988, pois este último tinha contactos regulares com as autoras relativamente aos termos do Projecto Adenia;
bbb. Que o Sr. XX tenha informado o Sr. AA que o pagamento das comissões para a conta bancária no Banco KBLseria feito proporcionalmente em função dos fornecimentos realizados, conforme acordado em Julho de 1987;
ccc. Que aquando da abertura da conta no banco KBL de que a autora BSL ficou titular, os senhores QQ e ZZ tenham clarificado que a mesma tinha por finalidade o pagamento da comissão de 10% emergente da relação comercial entre as autoras e a ré;
ddd. Que o valor de um kit de upgrade S1, contendo somente materiais e componentes integrantes de um kit – cifrava-se, à data, em cerca de FRF 12.000.000 (doze milhões francos franceses), o que perfaz o contravalor de € 1.829.388,21 (um milhão, oitocentos e vinte e nove mil, trezentos e oitenta e oito euros e vinte um cêntimos) por kit;
eee. Que, dado o valor dos serviços de engenharia e concepção, dos contratos de transferência de tecnologia, do valor das peças de melhoria de um veículo Alouette III, da venda e remessa de peças sobresselentes e manutenção para os veículos, transporte e entrega dos mesmos, o valor total do Projecto Adenia terá ascendido, realmente, a não menos de USD 3.000.000.000,00 (três biliões de dólares dos Estados Unidos da América);
fff. Que nos finais de 1990, as autoras tenham constatado que a R. Armscor desenvolvia contactos directamente com as autoridades militares portuguesas com um crescente afastamento das AA. dos contactos negociais respectivos;
ggg. Que, nos finais de 1990, o Sr. AA tenha tentado por diversas vezes contactar com os representantes da R. Armscor, tendo todos recusado a prestação de qualquer esclarecimento;
hhh. Que, em 1 de Julho de 1991, o Presidente do Conselho de Administração da Armscor, Sr. CCC, tenha dito a AA que não entendia as queixas das AA. quanto ao tratamento que lhes era dado pela Armscor, e que se as AA. continuassem a exercer pressão sobre a Armscor, a mesma consideraria a relação contratual com as AA. como cessada;
iii. Que após a apresentação e inquirições preliminares na acção intentada pelas autoras contra a ré em 1993, na República da África do Sul, o advogado local responsável pelo caso, Sr. Mr III, tenha aconselhado as autoras na aludida acção a desistirem somente da instância, em primeiro lugar, devido a ameaças físicas e intimidações contra o Sr. AA na África do Sul e, em segundo lugar, devido à falta de provas suficientes que poderiam resultar na perda do caso;
jjj. Que as autoras tivessem conhecimento desde 2015 que o depoimento escrito da FF, junto aos autos em 19 de Novembro de 2010, fosse falso;
kkk. Que as testemunhas FF e QQ tenham recebido dinheiro em troca dos depoimentos que prestaram.
*
3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Estabelece o art.º 662º n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Ao assim dispor, pretendeu o legislador que a Relação fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-12-2016, 437/11.0TBBGC.G1.S1.33
Atento o disposto no art.º 640º, n.º 1 do CPC, o recorrente deve, em quaisquer circunstâncias, indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (existem três tipos de meios de prova: os que constam do próprio processo – documentos ou confissões reduzidas a escrito -; os que nele ficaram registados por escrito – depoimentos antecipadamente prestados ou prestados por carta, mas que não foi possível gravar -; os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo), o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
O recorrente deve consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, o que se exige no contexto do ónus de alegação, de modo a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.
De notar que a exigência de síntese final exerce a função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente – cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7º Edição Atualizada, pág. 201, nota 345.
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-05-2016, 1393/08.7YXLSB.L1-7 refere-se:
“É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum.”
As apelantes convocam para reapreciação os factos vertidos nos pontos g), y), h), i), j), k), m), n), o), p), q), r), s), u), v), aa), t), qq), bb), cc), ff), gg), hh), jj), oo), c), tt), w), x), dd), ee), kk), uu), yy), zz), bbb), ccc), mm), nn), eee), z) e fff) dos factos não provados, que pretendem que passem a ser dados como provados e pugnam também pelo aditamento de cinco novos factos provados e pela alteração dos factos provados N) e Q), indicando a prova documental e testemunhal em que assentam a sua convicção.
Nas suas contra-alegações a ré/recorrida vem, aparentemente, suscitar um incumprimento por banda das apelantes do ónus impugnatório que para elas decorre do disposto no art.º 640º, n.º 1 do CPC, referindo que a impugnação dirigida à decisão sobre a matéria de facto tem por referência vários documentos ou depoimentos de testemunhas que, a final, em nada se relacionam com o facto impugnado.
Ora, os requisitos do ónus impugnatório cingem-se à especificação dos pontos de facto impugnados, dos concretos meios de prova convocados, da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, com expressa indicação das passagens dos depoimentos gravados em que se funda o recurso - cf. alínea a) do n.º 2 do art. 640º do CPC.
Mais aprofundada ou menos aprofundadamente, as apelantes procederam à apreciação crítica dos elementos probatórios que convocaram, pronunciando-se sobre o valor probatório que lhes foi conferido e que, na sua perspectiva, não deveria ter sido ou, no sentido inverso, o valor que deveria ter sido concedido, para afirmar que a conclusão que deles o tribunal a quo retirou foi errada. Mais analisaram parte da prova documental junta aos autos para suportar aquelas que são as suas ilações - distintas das do Tribunal a quo -, e que sustentam serem as correctas com base na prova produzida.
Certo é que o recorrente não pode demitir-se de efectuar uma apreciação crítica dos meios de prova que convoca para reapreciação do decidido, não bastando a sua mera enunciação, porquanto a decisão que indica como sendo aquela que deveria ter sido proferida deve resultar da apreciação crítica que o próprio efectue sobre os meios de prova produzidos, ou seja, o sentido da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas deve surgir como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos/invocados – cf. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 201; Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, pág. 284.
Todavia, o terem ou não os elementos probatórios indicados a virtualidade de conduzir à modificação da decisão sobre a matéria de facto no sentido propugnado pelas recorrentes contende com a procedência ou improcedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e não com o cumprimento ou incumprimento do respectivo ónus impugnatório.
Além disso, deve considerar-se que “a insuficiência ou a mediocridade da fundamentação probatória aduzida pelo recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação.” – cf. acórdãos Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, 299/05.6TBMGD.P2.S1 e de 8-02-2018, 8440/14.1T8PRT.P1.S1.
Assim, em face do conteúdo das alegações e conclusões das recorrentes deve reconhecer-se que cumpriram o ónus impugnatório e respectivos requisitos que sobre si impendiam, impondo-se reapreciar os factos que foram objecto da sua impugnação, sem prejuízo de, a tal suceder, a propósito de cada um dos factos impugnados ser analisado o cumprimento concreto desse ónus ou a utilidade da impugnação.34
Nas suas alegações de recurso, no que à impugnação da decisão sobre a matéria de facto diz respeito, as recorrentes começam por proceder àquilo que designam de “questão prévia” sobre a valoração da prova, colocando em crise a apreciação efectuada pela 1ª instância quanto à valia probatória das testemunhas por elas arroladas, que classificou, em parte, de «tendenciosa», para além de não ter tomado em devida conta tudo quanto ia sendo referido referido pelos depoentes.
As recorrentes percorrem os depoimentos das testemunhas por si arroladas para realçarem aspectos não considerados pelo Tribunal recorrido e assim infirmar as conclusões por este formuladas.
É sabido que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre35 (que se contrapõe ao da prova legal – confissão, documentos autênticos, particulares e presunções legais), segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.
De acordo com o disposto no art.º 396.º do Código Civil e o princípio geral enunciado no art.º 607º, nº 5 do CPC, o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência.
Assim, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-06-2018, 18613/16.7T8LSB.L1-2:
“A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436.
É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.
Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente. Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (P 1156/2002.L1.S1).”
Cumpre, assim, ter presente que o Tribunal, para determinar a verdade de uma narrativa de factos passados irrepetíveis, tem de recorrer essencialmente à utilização de raciocínios indutivos que, pela sua própria natureza, apenas propiciam conclusões prováveis (as conclusões necessárias, no domínio da prova, serão escassas).
Assim é que a decisão de considerar provado um facto depende do grau de confirmação que esses juízos de probabilidade propiciem.
Na verdade, importa realçar que “A prova não é (nunca é) certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica). E isso significa que à vida em sociedade não escapa um certo nível de incerteza; havendo é que descortinar a partir de quando é que esse nível é aceitável; ou, ao invés, intolerável. Julgamos sempre que, se ao cidadão razoável e medianamente esclarecido não chocar tomar como certo um dado segmento de vida, é já consciencioso assumi-lo como provado; mas se ao invés a mesma consciência ainda ali se puder comportar como hesitante ou indecisa, só imprudentemente a prova pode ser assumida e afirmada.” – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-12-2012, 1267/06.6TBAMT.P2.
Merece também a pena convocar aqui, em termos de prova no processo civil a aplicação do standard “da probabilidade prevalecente” ou “mais provável que não”.
Este standard, como explica Luís Filipe Pires de Sousa36, consubstancia-se em duas regras fundamentais: (i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais; (ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa. [] este critério da probabilidade lógica prevalecente [] não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.” Assim é que “a valoração da prova sob o modelo da probabilidade lógica significa que uma hipótese deve aceitar-se como verdadeira se não foi refutada pelas provas disponíveis e estas a confirmam, tornando-a mais provável que qualquer outra hipótese alternativa sobre os mesmos factos estribada no material cognoscitivo concretamente carreado para o processo.”
No entanto, o Professor Miguel Teixeira de Sousa37 entende que o standard da probabilidade prevalecente não pode valer no processo civil português por ser incompatível com a distribuição do ónus da prova e, logo, com o objecto da prova referindo:
“Para que a teoria da "probabilidade prevalecente" possa operar, é necessário que existam provas de enunciados contrários ou contraditórios. Só nestas condições se pode ponderar qual das duas provas pode prevalecer sobre a outra.
Ora, no direito português (e em muitos outros), o ónus da prova é atribuído (apenas) a uma das partes; só depois de cumprido este ónus da prova por uma das partes, cabe à outra parte provar um facto contrário ou contraditório. […]
Não se exclui que essas provas [de enunciados contrários] possam existir em qualquer processo, mas o sistema não as exige e trabalha sem essa dualidade de provas. […]
Se, se conclui [] que, apesar das "fragilidades da versão do Réu[,] nunca se poderá considerar ter a versão do Autor recebido uma «confirmação adequada»" e se, por isso, nenhuma das versões pode ser considerada provada, então fica claro que o standard da "probabilidade prevalecente" não é realmente suficiente para avaliar a prova. Se se seguisse o critério da "probabilidade prevalecente", seria sempre possível determinar qual das duas versões contrárias ou contraditórias seria mais provável que a outra e considerar uma delas provada e a outra não provada. […]
O principal equívoco é o de que, segundo este standard, a avaliação da prova não depende tanto do que foi provado quanto a um facto, mas mais do que foi ou não foi provado quanto a um facto contrário ou contraditório. A verdade é que a avaliação de uma prova não é comparativa com a avaliação de outra prova, dado que, desde logo, não se pode excluir que nenhuma das provas seja suficiente para provar os respectivos factos e que, por isso, nenhum dos factos contrários ou contraditórios possa ser considerado provado. Acresce que, como se disse, tudo isto é incompatível com a distribuição do ónus da prova e com o próprio objecto da prova.”
Efectuada esta súmula da valoração da prova testemunhal, há que relevar, no caso, a circunstância de os factos em discussão terem alegadamente ocorrido entre a segunda metade da década de 80 e a primeira metade da década de 90 do século XX e a maioria dos depoimentos colhidos para efeito dos presentes autos ter tido lugar nos anos de 2015 e 2016, ou seja, mais de vinte anos depois da sua verificação.
Acresce que algumas das testemunhas foram inquiridas várias vezes, seja no âmbito do processo que correu termos no Supremo Tribunal da África do Sul (Divisão Provincial de Transvaal) – processo 6566/9338 -, referido no facto N) dos factos provados, seja no processo instaurado contra a Eurocopter International, Sociedade Anónima39, em 199540, junto do Tribunal de Comércio de Bobigny, referido em R), seja ainda no processo instaurado em 2008 junto do Tribunal de Comércio de Bruxelas contra as sociedades Kredietrust Luxembourg (KTL), Krediebank S.A. Luxembourgeoise, KBC Bank S. A. e KBC Groupe, referido em U) dos factos provados. Esta circunstância, naturalmente, retira espontaneidade ao seu depoimento e, mais do que isso, torna tais depoimentos permeáveis à influência daquilo que já lhes foi perguntado, do que responderam e daquilo que ouviram às demais testemunhas, para além da nebulosidade que o tempo introduz na memória.
A prova testemunhal neste processo está claramente eivada de múltiplas fragilidades decorrentes quer do decurso do tempo, quer da confidencialidade associada aos factos em discussão e da intencional falta de clareza do texto dos documentos juntos aos autos, quer ainda da repetição dos depoimentos em sede de múltiplas acções intentadas em diversos países, sendo este um caso em que a percepção de Javier Cercas41 sobre a testemunha se revela lapidar, quando refere que “[…] a razão da testemunha é a sua memória, e a memória é frágil e, frequentemente, interesseira: nem sempre recordamos bem; nem sempre conseguimos separar a lembrança da invenção; nem sempre recordamos o que aconteceu mas o que recordamos já ter acontecido outras vezes, o que outras testemunhas dizem ter acontecido ou, simplesmente, o que nos convém lembrar que aconteceu.”
Transcorrida toda a prova documental e analisada a prova testemunhal carreada para os autos, pode-se adiantar, desde já, que, mesmo admitindo que algumas considerações plasmadas na decisão da 1ª instância não sejam de subscrever, não se vislumbram razões para divergir daquela que foi, na essência, a valoração probatória efectuada dos elementos de prova aportados aos autos pelas partes, sendo certo que todos eles foram amplamente escrutinados, como se revela da abundante e pertinente fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Assim, passa-se à análise dos factos impugnados, a propósito da qual se avaliará da adequação dos juízos probatórios formulados pelo tribunal recorrido.
a. Tema da Prova 1) – “Em que consistiu o Projecto Adenia, designadamente no que tange à natureza e finalidade dos equipamentos”
i. Alínea g) dos factos não provados
O Tribunal recorrido considerou não provado o seguinte:
g) Que à relação contratual a ré Armscor e a Aérospatiale tenha sido dado o nome de código “Projecto Adenia”. (art.º 31º da p.i.)
A fundamentação do Tribunal recorrido a este propósito é a seguinte:
“Alínea g) – Como se extrai do facto provado 5)42 e respetiva fundamentação, a designação Adenia foi atribuída a um projeto secreto da ré, visando o desenvolvimento e aquisição de helicópteros superiores aos Puma e não a uma qualquer relação contratual específica com qualquer empresa fabricante/fornecedora. […]”
Sustentam as apelantes que o nome de código do projecto alegado no artigo 31º da petição inicial, expressamente incluído no capítulo da impugnação especificada da contestação, não foi, contudo, cabalmente impugnado, resultando do próprio teor da contestação a referência ao nome Adenia; mais convocam a prova testemunhal que alude a vários nomes de código, sendo um deles o nome Adenia, que foi dado como assente na alínea DD) e ponto 6) dos factos provados; esse nome é ainda mencionado nos documentos n.ºs 12,13, 19, 44 a 48, 49 a 52 e 56 juntos pela ré nos requerimentos de 3 e 4 de Fevereiro de 2015; invocam ainda os depoimentos das testemunhas JJ, que aludiu a esse nome de código; KK, que referiu o Projecto Adenia como incluindo o fornecimento de 50 helicópteros; e FF, de onde resulta que a relação contratual estabelecida entre a ré e a Aérospatiale tinha aquele nome.
A ré/recorrida sustenta que o facto g) deve manter-se como não provado, porquanto do que se trata não é de saber se o projecto de que tratam os autos recebeu ou não o nome Adenia, mas sim se esse nome dizia respeito a um processo negocial existente entre a ré e a Aérospatiale para aquisição de material de melhoria dos helicópteros Puma e aquisição de novos helicópteros semelhantes aos Super Puma, o que foi afastado pelo Tribunal a quo.
Para melhor compreensão do que está em causa nesta alínea, importa atentar naquilo que foi dado como provado pelo Tribunal recorrido sob a alínea DD) e no ponto 6) e respectiva fundamentação, pois que incide directamente sobre o que era o projecto Adenia e o seu âmbito, factos que não foram impugnados:
DD) O Projecto Adenia incluía no seu objecto a aquisição pela ré de 50 helicópteros novos denominados Oryx, distintos de outros modelos de helicópteros, compostos por uma fuselagem/casco produzida na Roménia e outros componentes (artigos 35º e 36º da p.i., artigos 164º, 178º, 180º e da contestação).
6) Em meados da década da 80, a ré Armscor começou a desenvolver um projecto secreto chamado Adenia cujo objectivo era, inicialmente, em 1984 e 1985, “o fabrico local de 50 novos helicópteros de transporte médio e a modernização dos helicópteros SAAF Puma existentes. Os novos helicópteros serão equipados com os componentes dinâmicos Super Puma, os quais serão também utilizados no helicóptero Combat Sport. Os componentes Super Puma serão também utilizados para a modernização.” Em data não concretamente apurada, a ré abandonou o propósito de modernizar os helicópteros preexistentes, e o projecto passou a ter apenas como objecto a aquisição de 50 novos helicópteros, não tendo sido adquiridos nem incorporados quaisquer componentes para modernização (artigo 29º da p.i).
O vertido na alínea DD) resultou do acordo das partes.
Já quanto ao ponto 6), o Tribunal fundamentou a sua convicção do seguinte modo:
“Quanto à alínea 6), as autoras não fizeram prova fidedigna acerca do objeto do projeto Adenia, tendo em conta que nenhuma das testemunhas que indicou prestou depoimento credível, como foi já explanado na parte inicial da fundamentação, a propósito da existência ou não de um contrato. Note-se que nenhuma das referidas testemunhas trabalhava diretamente no projeto Adenia, ou exercia funções diretamente respeitantes a este projeto, nos aspetos respeitantes ao seu desenvolvimento (estudos, contratos, testes, acompanhamento, etc.).
Não obstante ambas as partes admitirem a existência deste projeto e que o seu objeto incluía a aquisição de 50 novos helicópteros, divergem na parte respeitante à inclusão no mesmo, também, da modernização/upgrade dos helicópteros PUMA préexistentes, de que a força aérea sul africana era já detentora.
Pese embora tal inclusão seja negada pela ré, resultou da prova feita que, numa fase inicial, o projeto visava também a modernização dos helicópteros já existentes, o que resulta diretamente do documento n.º 13 da ré (fls. 778-7785vº; volume 27º), onde este é definido nos termos transcritos. Resulta igualmente dos documentos 13 e 14 da ré, onde consta tal menção expressa (fls. 7778 e 7786, 27º volume). Não se vislumbra qualquer razão atendível para que a ré fizesse constar falsamente dos seus documentos internos um propósito que não estivesse a ser efetivamente analisado ou considerado. Foi essa a explicação que a testemunha JJ (ex-piloto da força aérea sul africana e funcionário da ré até 2002) quis dar para a circunstância de constar de um relatório por si elaborado esse objetivo de modernização, justificando-a com o ensejo de ocultar do exército a perspetiva de uma aquisição em grande escala de helicópteros. Esta explicação, contudo, não convence, na medida em que são vários os documentos em que existe referência à perspetivada modernização dos preexistentes, nem todos da sua autoria, para o que a testemunha não conseguiu dar nenhuma explicação satisfatória.
Já a testemunha KK admitiu francamente que a ré perspetivou a modernização dos helicópteros Puma preexistentes.
De todo o modo, o que resultou de forma unânime dos depoimentos das testemunhas envolvidas no desenvolvimento do projeto Adenia foi que essa vertente do projeto foi abandonada, não tendo havido modernização de qualquer dos helicópteros Puma preexistentes. Nem as autoras fizeram prova do contrário, por algum meio. No contrato entre a Atlas e a ré, datado de 19.02.1987 (documento 34 da ré, fls. 7872, 28º volume), já se encontra apenas prevista a aquisição de 50 helicópteros novos.
Esse abandono da vertente da modernização, que jamais se veio a concretizar, foi referido pelas testemunhas JJ e KK, sem que se tenha conseguido apurar qual o concreto momento em que isso aconteceu, mas todas referindo que os Puma jamais beneficiaram de qualquer upgrade.”
Trata-se de uma análise apurada e consentânea com a prova testemunhal produzida e documentação trazida aos autos.
O projecto Adenia não se reportava, como bem refere a recorrida, a qualquer relação contratual entre a ré e a Aérospatiale, ou com qualquer outra das empresas, reais ou de fachada, que a dado momento tiveram intervenção no seu desenvolvimento.
O Projecto surge na sequência da percepção que os militares tiveram de que a frota de aeronaves detida pela África do Sul, em meados dos anos 80 do século passado, não se mostrava adequada a fazer face aos conflitos de natureza manifestamente militar em que aquele país estava envolvido, circunstância de que deu expressa conta a testemunha II, piloto da Força Aérea da África do Sul43, comandante entre 1984 e 1988. Com efeito, esta testemunha descreveu o conflito no Sudoeste Africano e a função dos helicópteros que eram utilizados para moverem rapidamente tropas em contexto de operações internas que então ali decorriam para impedir o terrorismo e, no exterior, designadamente, até 200 quilómetros para o interior de Angola, utilizavam-nos, especificamente os Alouette III e os Puma 330 que então detinham e os avisões C130 para tropas paraquedistas, tendo referido as dificuldades sentidas com as limitações do Puma, que não tinha energia suficiente para a altitude e as temperaturas em que estavam a operar. Tais dificuldades conduziram à concepção de um projecto de actualização de helicópteros de ataque – que se tornou no desenvolvimento do helicóptero Rooivalk – e, embora não estivesse propriamente a par do desenvolvimento do helicóptero de transporte militar que veio a ser o MTH, explicou que tudo teve início com um pedido do staff, ou seja, da Força Aérea formulado à ré, Armscor, responsável pela organização do fornecimento do equipamento, no sentido de obter uma melhoria na frota das aeronaves ao dispor - cf. Depoimento prestado em 18 de Março de 2015, junto em 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496, segundo ficheiro.
Em conformidade com este depoimento, aquilo que se pretendia era actualizar a frota de helicópteros da FAAS, numa altura em que, como resultou claro do confronto de todos os depoimentos prestados, vigorava o embargo aprovado pela Resolução n.º 418 das Nações Unidas, referido em F), o que significava que a África do Sul não se podia dirigir, simplesmente, aos fornecedores desse tipo de equipamento e adquiri-lo na cena internacional, pelo que se tornou necessário montar todo um conjunto de operações para conduzir à criação do novo helicóptero, que, conforme foi referido, se baseou no Puma SA330 da Aérospatiale, mas com inovações que lhe foram introduzidas para o adaptar ao território onde teria de operar.
Neste sentido, também a testemunha JJ, que foi piloto e engenheiro na FAAS, tendo ingressado como funcionário na Armscor, aqui ré, sendo nomeado, em 1983, oficial do novo projecto de helicóptero de transporte médio, o MTH, cuja implementação supervisionou, projecto que assumiu diversos nomes de código (inicialmente era Fried), sucessivamente alterados por motivos de segurança, afirmou que este tipo de projecto de aquisição de material, como é normal, tem início com um estudo em face de um pedido operacional por parte dos pilotos quanto à necessidade de melhorias, no decurso do qual existe interacção com a Armscor para aferir da viabilidade da pretensão; assim, em face desse pedido, seria a Armscor a diligenciar pela obtenção do equipamento pretendido, sendo que a Atlas, uma subsidiária desta, podia executar a manutenção de aeronaves e tinha capacidade para fabricar componentes, motores, pás de rotor e outros componentes.
O objectivo do projecto MTH, conforme disse, era a implementação de um novo sistema de helicópteros na Força Aérea que incluísse 50 novos helicópteros com a sua base de apoio logístico, instalações de treino, documentação e peças sobresselentes e foi nesse contexto que foi lançado um projecto de um novo helicóptero, que depois ficou conhecido como o Oryx. Nessa conjuntura, para a execução desse projecto, existiu, sim, a colaboração entre a Atlas Corporation of South Africa (PTY) Ltd44 e a Aérospatialee, mas o projecto em si, de aquisição de novos helicópteros, reporta-se à pretensão da FAAS de renovação da sua frota e não à relação que nesse contexto se estabeleceu entre a Armscor e a Aérospatiale para a concretização ou execução do novo helicóptero pretendido e adequado às condições em que a Força Área sul-africana tinha de operar – cf. depoimento prestado em 18 de Março de 2015 junto em 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496, segundo ficheiro.
Não há dúvidas, pois, que o Projecto Adenia – ou, anteriormente, Fried, ou ainda Gamble ou Kingsley, nomes de código confirmados pela testemunha – se reportava ao projecto de helicóptero MTH sul-africano (que, ainda que criado a partir de componentes mecânicas do Super Puma, era diferente deste em muitos aspectos), que, em matéria de motores, engrenagem e sistema de rotor, deteria os requisitos de potência, a agilidade e o consumo de combustível necessários para colmatar as deficiências ou limitações dos Pumas no teatro de operações. Aliás, os antecedentes do projecto assim relatados encontram-se descritos de modo coincidente no relatório elaborado pelo sucessor de JJ à frente do projecto, com data de 20 de Julho de 1988, que consta do documento n.º 56 junto pela ré em 4 de Fevereiro de 2015.45
Portanto, tal como sustentam as apelantes, o Projecto Adenia existiu e visava a aquisição pela FAAS de 50 novos helicópteros e, efectivamente, esse nome é mencionado em diversos documentos juntos pela ré, designadamente aqueles acima identificados, como o documento n.º 13 junto em 3 de Fevereiro de 201546, que data de 20 de Setembro de 1985 e se reporta à deliberação do comité executivo quanto à primeira fase da industrialização dos novos helicópteros no âmbito do Projecto Adenia e alude a contratos que serão celebrados com a Atlas Aircraft Corporation para a sua execução e respectivos custos e bem assim a projecção de uma duração de seis anos para a concretização total do projecto.
Por sua vez, o documento n.º 14 subsequente, que constitui um memorando elaborado pela testemunha JJ, com data de 7 de Outubro de 1985, reporta-se igualmente ao Projecto Adenia e relata questões concernentes à aviónica47 para o novo helicóptero confirmando que as decisões no que diz respeito ao seu desenvolvimento são tomadas no contexto da Força Aérea sul-africana, em conexão com a Armscor, pelo que o Projecto Adenia respeitava a essa actualização visada por aquela entidade e não à relação contratual que no seu contexto veio a ser estabelecida entre a Armscor e a Aérospatiale.
No mesmo sentido depôs a testemunha KK, funcionário reformado da Atlas, que a partir de 1983 foi responsável pela execução, investigação e produção das aeronaves no âmbito do Projecto Adenia, até ao seu final, tendo esclarecido que o novo helicóptero, o Oryx, começou como uma redefinição do motor Puma, com motores Makila, sendo que o passo seguinte seria ser equipado com a fuselagem do Puma, com componentes do Super Puma, na forma de um protótipo, tendo a Atlas mantido um envolvimento contínuo com a Força Aérea para esse efeito (note-se, aliás, que, desde 1974, a Atlas, a Aérospatiale e a Turbomeca48 mantinham entre si um acordo de apoio técnico para manutenção, revisão geral e reparação, considerando que estas últimas haviam vendido ao Governo da África do Sul, através do seu Departamento de Defesa, helicópteros, como os Alouette, o Puma SA330 e o SA321 Super FRELON – cf. documento n.º 1 junto pela ré com o requerimento de 3 de Fevereiro de 2015, fls. 7034-7048, XXIV Volume, com tradução junta a 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813062.
Significa isto que existe, efectivamente, consenso quanto à existência do Projecto Adenia e que este envolvia a aquisição pela ré de 50 helicópteros novos, que vieram a ser os Oryx, designação que, por motivos de segurança, foi sofrendo alterações (isto é, para manter a sua confidencialidade face à existência do embargo das Nações Unidas quanto ao fornecimento de material militar à África do Sul), sendo claramente aferível que os sucessivos nomes de código foram sendo referidos em múltiplos documentos, por regra, em memorandos internos da ré Armscor e correspondência entre os diversos departamentos e comunicações com a Atlas e responsáveis da FAAS.
Como tal, as recorrentes não têm razão ao pretenderem que seja dado como provado que o nome Projecto Adenia designava a relação contratual estabelecida entre a Armscor e a Aérospatiale, pelo que o facto g) deve manter-se como não provado.
ii. Alínea y) dos factos não provados
O Tribunal recorrido considerou não provado o seguinte:
y) Que o objecto primário do negócio entre a Armscor e as Forças Armadas Portuguesas, com a intervenção das autoras, seria (i) o fornecimento de kits de upgrade S2 para construir helicópteros de Busca e Salvamento semelhantes aos Super Puma, (ii) montagem dos mesmos nas OGMA, de acordo com os procedimentos e tecnologia indicada e transmitida pela Aérospatiale à OGMA, e (iii) subsequente remessa dos kits montados para as instalações da R. Armscor na República da África do Sul.
A fundamentação do Tribunal recorrido a este propósito é a seguinte:
“Quanto às alíneas y) e z), reiteramos tudo o que já acima se escreveu, não se tendo provado a celebração do acordo/intervenção alegado, entre as autoras e a ré.
De igual modo, não foi feita qualquer prova de que o objeto inicial do Adenia fosse apenas o “upgrade” de helicópteros, mas, como acima já se referiu (facto provado 6 e respetiva fundamentação), o projeto contemplava, numa fase inicial as duas vertentes: modernização dos existentes e aquisição de 50 novos. O que sucedeu foi o abandono da vertente da modernização e não a alegada inclusão posterior da vertente da aquisição de helicópteros novos.
Nem se vislumbra, a bem dizer, e de acordo com as regras da experiência, qual o interesse que a ré teria na referida ocultação, na tese das autoras, pois se quisessem incumbi-las de tratar de um negócio, teriam certamente interesse em que as autoras estivessem devidamente informadas dos seus contornos.
Quanto à utilização de “busca e salvamento”, também não foi feita prova de que fosse essa a perspetivada pela ré, mas sim para transporte de tropas em cenários de guerra/hostis. A testemunha II, general das forças armadas sul africanas, referiu que os Oryx eram versáteis e poderiam desempenhar várias funções, não só militares, mas também civis, aí se incluindo a busca e salvamento de pessoas, mas que os mesmos haviam sido concebidos e adquiridos com vista ao desempenho de atividades militares, pela força aérea sul africana. Por outro lado, referiu a testemunha KK que o facto de os Oryx terem sido dotados de assentos blindados para a tripulação evidencia que o seu destino sempre foi o uso militar, uma vez que tal equipamento, que visa proteger a tripulação de projéteis, é desnecessário em missões civis.”
As apelantes entendem que este facto deve ser dado como provado, com a seguinte argumentação:
i. O objecto primário do negócio entre a ré e a FAP era o fornecimento de kits de upgrade S2 para helicópteros de Busca e Salvamento semelhantes aos Super Puma, na sequência da negociação da ré com a Aérospatiale tendo em vista a aquisição e fornecimento desse material de melhoria dos helicópteros Puma e aquisição de novos helicópteros, sendo que, por questões políticas, houve necessidade de montar um canal alternativo para a comercialização, através da FAP, o que resulta implicitamente do facto provado 6);
ii. Os documentos n.ºs 12, 13, 19, 44 a 48, 49 a 52 e 56 juntos aos autos pela ré, em 3 e 4 de Fevereiro de 2015, contêm referências que associam as autoras ao Projecto Adenia e a associação deste aos kits de upgrade de helicópteros e posteriormente o fornecimento de 50 helicópteros;
iii. Que o negócio entre a ré, a FAP (OGMA) e a Aérospatiale foi para o fornecimento de kits de upgrade S2 para helicópteros de busca e salvamento semelhantes aos Super Puma resulta do depoimento da testemunha QQ, no compromisso de honra prestado em 2001, junto a fls. 4140 a 4155, que depois confirmou nestes autos, e explicou que a Aérospatiale não queria aparecer a fornecer helicópteros novos à África do Sul, tendo então concordado em fornecer o pacote completo de 50 helicópteros Super PUMA e peças sobresselentes extra, ferramentas e know-how para a África do Sul ao abrigo de um contrato de peças sobresselentes para actualização dos Puma, isto é, foi uma cobertura para o fornecimento do pacote completo; mais referiu que a Aérospatiale não se sentia confortável para abordar a FAP, daí que tenha sido assinado um contrato confidencial entre a ré e a Aérospatiale para fornecer o equipamento, via Portugal;
iv. A testemunha FF, no compromisso de honra prestado em 2002, junto a fls. 4156 a 4188, depois confirmado quando inquirido em 29 de Novembro de 2017, disse que o Projecto Adenia consistia no fornecimento pela Aérospatiale/Eurocopter à Armscor de 50 helicópteros Super Puma S2, em kits, assim como uma grande quantidade de peças sobresselentes e componentes e deram-lhe um nome diferente para esconder que se tratava do Super Puma S2 francês; mais disse que o contrato era para kits de melhoria para os helicópteros Puma existentes;
v. E quanto a se tratar de helicópteros para operações de busca e salvamento, a testemunha II confirmou que o Oryx foi uma actualização do Puma SA330 para aumentar as capacidades da força aérea para prestar serviços de resgate em operações durante desastres naturais e buscas de pessoas presas em terrenos inóspitos; e a testemunha JJJ confirmou que o Oryx esteve envolvido em operações de auxílio a vítimas de cheias, referindo que qualquer helicóptero de transporte faz trabalho de salvamento;
vi. A testemunha general DD detalhou o envolvimento da FAP;
vii. O documento n.º 17 junto com a contestação comprova que o transporte para a África do Sul passaria por Portugal.
A ré/apelada sustenta que os documentos indicados não são aptos a demonstrar o envolvimento das autoras no Projecto Adenia, nem que este incluiu a modernização da frota preexistente da FAAS de helicópteros Puma; por outro lado, o depoimento de QQ foi elucidativo de que nenhum conhecimento tinha dos factos subjacentes ao Projecto Adenia, tendo admitido que não teve qualquer envolvimento nas negociações entre as partes, desconhecendo o que terá sido ou não discutido, com excepção do que lhe foi dito pelo próprio AA, confirmando também que as informações relativas ao Projecto eram altamente confidenciais, pelo que funcionários juniores do departamento financeiro, como ele, a elas não teriam acesso; quanto ao depoimento de FF, as recorrentes remetem para as suas declarações sob compromisso de honra de 12 de Março de 2002, que o próprio disse terem sido falsificadas, sendo uma minuta elaborada por terceiro, que se recusou a assinar e, de todo o modo, nenhum conhecimento tinha sobre os detalhes do Projecto Adenia.
O tribunal recorrido convocou, nesta matéria, para fundamentar a sua resposta negativa, tudo quanto aduziu para justificar a não prova da celebração do acordo/intervenção entre as autoras e a ré, tal como alegado nesta acção, pelo que se afigura útil transcrever o que a esse propósito discorreu na fundamentação:
“[…] é admitido por ambas as partes e resulta dos meios de prova que as autoras e a ré mantiveram relações e contactos respeitantes a outros projetos e tipo de aeronaves ou armamento, v.g. a contratação das autoras pela ré para a intermediação no chamado Projeto Orion, pelo qual foram remuneradas. Existe diversa correspondência referindo expressamente outros tipos de aeronaves, que não helicópteros, ou armamento, saindo obviamente do âmbito do projeto Adenia.
Consequentemente, da mera existência de contactos e correspondência entre as partes não se pode extrapolar, sem mais, que os mesmos respeitam ao projeto secreto Adenia/MTH/Oryx, importando procurar nos mesmos indícios seguros sobre o seu objeto: sobre qual concreto assunto/projeto versam.
O secretismo inerente à atividade da ré, conexionada com as forças armadas sul-africanas, justifica que a correspondência que enviou às autoras não contenha detalhes, pormenores claros ou abundantes sobre as relações entre as partes. Todavia, contém um mínimo de informação e identifica praticamente sempre o assunto sobre o qual versa: vide o documento 8 da p.i. (fls. 3789, 12º volume), uma carta da ré dirigida à autora BSI, datada de 26.02.1987, em que se refere “(…) possível colaboração e cooperação (empreendimento conjunto) no sector da fabricação de armamento selecionado e no marketing internacional de armamentos (por exemplo, 40mm MGL e granadas)”.
A primeira constatação a fazer, do conjunto da prova documental junta aos autos, é a de que não existe nos autos qualquer missiva enviada pela ré e dirigida a qualquer uma das autoras, ou ao seu então representante, que faça uma referência expressa do projeto Adenia ou MTH/Oryx nem qualquer menção que possa ser considerada uma referência discreta ao mesmo. Ou ao seu objeto.
A ausência de qualquer missiva da ré dirigida às autoras respeitante ao projeto Adenia configura um indício da inexistência de relações contratuais entre autoras e ré quanto ao referido projeto, na medida em que o secretismo do projeto não seria totalmente impeditivo de se corresponderem sobre o assunto, como sucedia com os outros projetos.
A segunda constatação que se pode extrair da análise global da prova documental é que as autoras só começam a reclamar uma comissão ou um contrato relacionado com este projeto da ré em missivas de 1989 e 1990, mais concretamente as que foram juntas como documentos 14 e 15 da p.i. No documento 14 (fls. 3799, 12º volume), um fax datado de 26.07.1989 e dirigido a TT, pese embora não se identifique o projeto por qualquer designação (“projeto em questão”), a necessidade de relatar as diligências feitas que com o mesmo estariam relacionadas e a referência a uma “promessa de assinar um contrato aceitável” indiciam tratar-se da primeira reclamação por escrito de uma remuneração pela alegada participação no acima referido projeto secreto.
O documento 15, também dirigido a TT e datado de 27.03.1990, e onde também não se identifica o projeto pelo seu nome nem se faz qualquer referência ao seu objeto, tem um teor similar ao anterior, sendo apenas feita uma referência aos “pedidos” do seu subscritor.
Ou seja, também não existe correspondência emitida pelas autoras e dirigida à Ré tendo por assunto o projeto Adenia, contemporânea do período de tempo em que, segundo alegam, estariam a cumprir o contratado.
Acresce a isto que dos próprios documentos internos da ré juntos aos autos não se encontra nenhum do qual se possa inferir a existência de um acordo/contrato, com as autoras, relativo ao projeto Adenia/MTH/Oryx, nem a existência de atividade desenvolvida pelas autoras respeitantes a este preciso projeto.
É o que sucede com o documento n.º 2 da p.i. (fls. 3781 e 3782, 12º volume), de data anterior ao momento em que teria sido celebrado o alegado contrato entre as partes, do qual não se pode inferir nem a iminência de vir a ser celebrado qualquer contrato concreto com as autoras, nem qualquer relação com o projeto Adenia em particular. Deste documento resulta apenas que o Sr. AA terá informado duma mera possibilidade de negócio com a Força Aérea Portuguesa, para a qual esta estaria disponível. Do ponto 2.5. do documento resulta expressamente que não foi dada continuação a esta proposta. Releva ainda a indicação expressa de “peças de aeronave” no seu assunto, indiciando referir-se a peças sobressalentes e não a kits de montagem de aeronaves. Logo, este documento não permite situar as conversas ali reportadas no âmbito do projeto Adenia.
Também o documento 8 da p.i. (fls. 3789, 12º volume) faz referência expressa a possível intermediação quanto a “fabricação de armamento selecionado e no marketing internacional de armamentos (por exemplo, 40mm MGL e granadas)”, ou seja, a um possível negócio com objeto totalmente distinto do projeto Adenia.
Do documento n.º 12 da p.i. (fls. 3793, 12º volume) não resulta o seu objeto concreto, mas indícios de respeitar apenas a reparações e não a fornecimentos, na medida em que refere conjuntamente “organização reparadora”, “peças”, “componentes”, custo hora de cada reparação, nada indicando que tenha alguma coisa a ver com o projeto Adenia.
A prova de um contrato não se faz, obviamente, através de trechos descontextualizados de correspondência entre as partes ou de outros documentos, não se podendo, sem mais, interpretá-los como sendo referências ao alegado acordo entre as partes sobre o projeto Adenia, interpretações essas que só podem ser consideradas forçadas. Quando muito, o putativo acordo seria apenas uma de várias explicações possíveis para excertos de documentos de sentido equívoco, não tendo sido feita prova de que a interpretação feita pelas autoras seja a verdadeira.
As autoras sugerem explicações para a ausência de documentos, e mais concretamente de correspondência com referências explícitas: por um lado, o secretismo da operação (artigos 69º a 71º da p.i.) e por outro lado um processo intencional de eliminação e ocultação de memorandos ou outros documentos existentes (artigos 159º a 165º da p.i.). Contudo, as autoras também não lograram fazer prova disto, designadamente que tenha existido um memorando interno destruído ou ocultado, facto que não resultou de qualquer meio de prova credível. Aliás, a junção pelas rés de abundante documentação interna sobre a execução do projeto MTH/Oryx, designadamente memorandos sobre a sua execução e custos revela que não houve destruição/ocultação, pelo menos total, de documentos respeitantes a este projeto, não se vislumbrando razões, a priori, para só desaparecerem documentos reveladores da intervenção das autoras. Documentos cuja existência as autoras não conseguiram provar, ademais.
Não se pode deixar de referir que a alegada existência de má fé ou dolo da ré (cfr. os artigos 67º, 68º, 128ºda p.i.) mostra-se bastante conveniente para as autoras justificarem a ausência de prova documental. Alegam as autoras que a ré, apesar de as contratar para intermediar um negócio, lhes escondeu as suas verdadeiras intenções quanto ao objeto do mesmo, vindo a descobrir-se que afinal pretendia 50 helicópteros novos e não (apenas) um upgrade dos préexistentes.
Porém, não só as autoras não conseguiram fazer prova desses factos – que a ré as tenha contratado e, além disso, ocultado a verdadeira dimensão do seu projeto – como os mesmos não se coadunam bem com as regras da experiência: se a ré tinha efetivo interesse na intermediação pelas autoras de um determinado negócio, teria igual interesse em dar a conhecer às intermediárias qual era o seu verdadeiro propósito, de modo a que a intermediação fosse eficaz. E se a ré quisesse poupar na comissão, ocultando a verdadeira dimensão do negócio, seria mais lógico que pagasse às autoras comissão pela parte que lhes deu conhecer, ocultando-lhe os ulteriores desenvolvimentos do negócio – o que não sucedeu, dado que a ré nunca reconheceu ter havido contrato, nem pagou qualquer tipo de comissão respeitante ao projeto Adenia.
A alegação de ocultação do verdadeiro objeto do projeto Adenia mostra-se também conveniente para justificar o facto de as autoras alegarem ser intermediárias de um negócio cujo objeto desconhecem, o que é, em certa medida, um contrassenso, como já se referiu. E para justificar o facto de apenas viram a ter conhecimento do mesmo através de outros processos judiciais anteriores. O normal, o expectável seria, de acordo com as regras da experiência e pela lógica, que quem incumbe outrem de intermediar um negócio, lhe transmita exatamente aquilo que pretende, no seu próprio interesse, com vista à eficácia da intermediação.
Ou seja, a revelada ausência de conhecimento acerca do objeto do projeto sobre o qual lhes teria sido pedida uma intermediação constitui também um indício de que não terá existido contrato.
Outro indício da inexistência de contrato reside na circunstância de os factos respeitantes ao alegado contrato irem variando de processo judicial, em processo judicial. É suposto que uma pessoa saiba em que data e com que pessoas foi celebrado o contrato, qual foi a pessoa que, em representação da ré fez a declaração negocial vinculante numa data concreta. Sendo as autoras empresas, dotadas a priori de uma organização profissional, mais exigível se mostra ainda o conhecimento/registo rigoroso de factos relevantes para a sua atividade.
Ora, nos presentes autos situam a proposta/solicitação da ré e a sua aceitação pelas autoras nos “princípios de 1986” (artigos 72º a 74º da p.i.). E por isso alegam que passaram de imediato à sua execução, com reuniões com militares portugueses em março de 1986.
Estranha-se, por isso, que no processo que correu termos na República da África do Sul, iniciado em 1993 (mais próximo no tempo do momento em que teria sido celebrado o alegado contrato) seja alegado um período temporal distinto: “entre aproximadamente janeiro de 1986 a abril de 1987”.
Também no Tribunal do Comércio francês de Bobigny se situam os factos neste amplo intervalo de tempo: “durante o ano 1986/1987”.
Já na ação intentada nos tribunais do Luxemburgo, também de 2008, vêm as rés a situar a sua contratação em 1986, tal como nestes autos.
Dispensando-nos duma análise exaustiva de todas as diferenças na alegação de factos em cada um dos processos, é forçoso concluir que a circunstância de as autoras modificarem o seu relato dos factos a cada ação que interpõem não abona a favor da veracidade dos mesmos, não existindo qualquer explicação lógica para que o façam relativamente a factos de conhecimento pessoal.
Avançando: na ausência de prova documental de um contrato tendo por objeto o projeto Adenia/MTH/Oryx, resta analisar se houve prova testemunhal do mesmo.
De todas as pessoas inquiridas como testemunhas nenhuma referiu ter assistido ou participado na celebração de um qualquer contrato/acordo entre autoras e ré quanto ao projeto Adenia, ou seja, não há qualquer prova testemunhal direta desse facto.
As autoras identificam os três funcionários que as teriam incumbido do mandato ou tratado diretamente com as autoras acerca do conteúdo do mesmo: TT, SS e MM.
Destas três pessoas, apenas MM prestou depoimento, tendo negado perentoriamente que as autoras ou AA tenham sido contratados para qualquer atividade relacionada com o projeto Adenia/Oryx.
Houve, contudo, testemunhas que referiram ter tomado conhecimento indireto da existência do acordo e/ou atividades alegados pelas autoras.
O Brigadeiro GG contou que, em conversa com o funcionário da ré WW, este lhe teria dito que ele e SS teriam decidido que não iriam pagar a comissão ao Sr. AA ou às suas empresas. Além da pertinente questão de se saber se a vontade destas duas pessoas seria suficiente para que a ré deixasse de cumprir qualquer obrigação contratual a que estivesse adstrita, uma vez que estes funcionários não estariam no topo da hierarquia da ré, todo o depoimento desta testemunha suscita as maiores dúvidas, pela incongruência e implausibilidade da narrativa e pela manifestada e inexplicada proximidade com o Sr. AA.
Esta testemunha prestou um depoimento confuso, divagando sobre histórias da sua vida profissional que ninguém lhe havia perguntado. A segurança nas respostas dadas e a memória dos factos também se mostraram muito falíveis, o que ficou por demais evidente quando a testemunha disse, primeiro, que não precisava de consultar os documentos que tinha trazido consigo (designadamente uma declaração escrita, que subscrevera, para ser junta a um processo judicial) para relatar o conteúdo da conversa que teve com WW para, quase logo a seguir, ao ser instado a esclarecer um detalhe dessa conversa, acabar por consultar essa declaração, receando dar uma resposta divergente da que ali havia sido redigida.
Sem prejuízo de a testemunha conhecer quer o Sr. AA, quer o Sr. WW, não conseguiu dar uma explicação satisfatória e compreensível para o enquadramento das conversas que relata. As relações que tinha com o Sr. WW eram estritamente profissionais e, não sendo funcionários do mesmo organismo, não se consegue vislumbrar com que legitimidade, ou sob que pretexto, é que esta testemunha, aproveitando uma visita profissional do Sr. WW, o iria confrontar ou pedir explicações – que aquele não tinha a obrigação de dar – sobre um fax que lhe havia sido facultado pelo Sr. AA. Uma tal abordagem poderia considerar-se, mais do que deselegante, abusiva, ao questionar outro funcionário público sobre um assunto profissional que não lhe dizia respeito, como se tivesse algum direito a questionar as decisões ou procedimentos dos funcionários da ré.
Também não ficou minimamente explicada a razão pela qual teria “tomado as dores” do Sr. AA, importunando outras pessoas com assuntos que eram do interesse pessoal deste, mas não da testemunha. Também não se vislumbra o motivo pelo qual o Sr. AA iria facultar cópias de documentos a uma pessoa estranha a estes assuntos, parecendo assim que a testemunha teria assumido um papel de defensor dos interesses do Sr. AA, fazendo pressão a favor do “caso” deste junto do Sr. WW.
A referida abordagem ao Sr. WW, ainda que se fosse verdadeira, seria a demonstração cabal da parcialidade da testemunha a favor da posição do Sr. AA (e das suas empresas), ao servir de defensor dos interesses do mesmo, num assunto sobre o qual a testemunha revelou não ter qualquer conhecimento direto, desconhecendo se houve contrato, qual era a comissão, desconhecendo tudo, no fundo.
A única justificação dada pela testemunha para a sua alegada abordagem ao Sr. WW foi porque sabia que o Sr. AA estava “com problemas”, explicação que obviamente não é suficiente, pois o conhecimento de problemas alheios não leva a que qualquer pessoa se sinta obrigada a ajudá-las.
A testemunha, que começou o seu depoimento referindo não ter nenhuma especial ligação às partes, acaba, a final, por admitir uma relação de amizade com o representante das autoras, de molde a tentar explicar a sua atuação a favor deste. Contudo, nem a amizade (não tendo resultado do depoimento que fosse muito intensa ou próxima) se mostra suficiente explicação para tornar plausível que andasse a questionar outras pessoas sobre assuntos do interesse do Sr. AA.
O Brigadeiro GG admitiu ter sido contactado já em 1995 para ir fazer conversas a favor dos interesses do Sr. AA o qual lhe teria enviado documentos para esse mesmo efeito. Referiu também que, depois da conversa havida com o Sr. WW, ligou logo ao Sr. Pinhol para lhe contar.
Duvidosa ou tendenciosa se afigura também a interpretação que a testemunha fez da alegada resposta que o Sr. WW lhe teria dado. A testemunha referiu que o Sr. WW lhe teria dito que, ele e XX, haviam decidido não pagar ao Sr. AA, querendo enfatizar que se tratara de uma opção/escolha destes, de uma decisão discricionária, pois até haveria dinheiro adstrito ao pagamento à BSI. Mas, de forma totalmente incongruente com o resto do seu relato, a testemunha, face a esta alegada resposta, já não quis importunar mais o Sr. WW, satisfazendo-se com a resposta, nada perguntando acerca dos motivos pelos quais decidiram não pagar: “não achei que fosse da minha conta”. Nada era da sua conta, em bom rigor.
Repare-se que a afirmação “decidimos que não íamos pagar” não tem necessariamente o sentido que a testemunha lhe dá, pois também pode ter o sentido de decidir fazer o que é correto, por, v.g., terem chegado à conclusão de que a ré não estava obrigada a pagar nada.
A testemunha também explanou a sua interpretação de uma expressão utilizada numa carta assinada pelo presidente da empresa francesa Eurocopter, e que considera constituir uma ameaça de morte. Não sendo especialista em ameaças de morte, nem linguista, não se compreende a rigidez da interpretação que esta testemunha fez, no seu depoimento, de um documento que foi escrito por uma pessoa que não conhece, num documento que não lhe é dirigido, e respeitante a assuntos que não lhe diziam respeito.
A única relevância que se tira desta parte do depoimento é a total parcialidade desta testemunha em prol das autoras, pois mais uma vez, e sem qualquer justificação aparente, é lhe facultado por AA um documento “para análise”, e a testemunha, no seu afã de defender os interesses das autoras, refere ter consultado conhecidos seus da polícia, a quem foi mostrar o documento, e que confirmaram a interpretação que dele fez.
Interpretação que se afigura forçada, e até caricata, uma vez que pretende fazer equivaler a expressão vaga e genérica “tomar as medidas essenciais” como significando uma ordem de eliminação física de uma pessoa. Caricata por se escudar na opinião dos seus conhecidos polícias (e, como admitiu, reconhecidos homicidas durante o regime do Apartheid), que lhe disseram que se tivessem recebido aquela instrução (do presidente de uma empresa francesa?), teriam de eliminar o indivíduo a que dizia respeito. Esta parte do depoimento da testemunha causa perplexidade.
Sintetizando, a testemunha Brigadeiro GG nada sabia dos factos, relatou alegadas conversas em que teria intervindo como defensor dos interesses das autoras, e veio ainda relatar as suas interpretações pessoais do uso de determinadas expressões/vocábulos por outras pessoas em documentos escritos. O depoimento afigura-se inseguro, a testemunha revelou parcialidade a favor das autoras, não tinha conhecimento direto de qualquer dos factos controvertidos, concluindo o Tribunal que não merece, de todo, qualquer credibilidade.
A testemunha HH (conhecido por HH), tal como a testemunha anteriormente referida, também revelou não ter qualquer conhecimento direto sobre os factos essenciais controvertidos: se houve contrato, qual a comissão fixada, etc.
Começou por explicar que conheceu o Sr. AA em 1991, a pedido de outro português, porque aquele queria contar-lhe a sua história, para que a testemunha – então Ministro dos Negócios Estrangeiros da República da África do Sul - intercedesse pelos seus interesses.
E, tal como sucedeu com a testemunha anterior, não se consegue perceber bem qual o interesse do Sr. HH em realizar uma “averiguação” de um assunto que, em rigor, não lhe dizia respeito, não parecendo inserir-se diretamente no âmbito de atuação do seu Ministério, mas antes no do Ministério da Defesa. A mera invocação de um objetivo de justiça não se afigura suficiente para explicar o interesse da testemunha pelos problemas do Sr. AA, ainda para mais por se tratar de um pedido de um estrangeiro que nem sequer conhecia.
A testemunha justificou a atenção a este assunto com a possibilidade de a situação do Sr. AA poder ter repercussões internacionais, designadamente prejudicando as relações entre a República da África do Sul e Portugal. Esta explicação também custa a convencer, na medida em que se não se tratava de um assunto entre o Estado português e o Estado sul-africano, mas dum litígio entre um particular português (rectius, entre uma empresa sedeada em Inglaterra e outra sedeada no Panamá, do qual este era representante) e uma empresa estatal sul-africana.
Do depoimento desta testemunha resultou que ficou fortemente convencido de que as pretensões do Sr. AA eram justas unicamente porque o Brigadeiro GG, que considerava uma pessoa de grande prestígio, disso o convenceu. Novamente nos deparamos com a ausência de uma explicação plausível e satisfatória para o interesse destas testemunhas por este assunto: qual o motivo para o Brigadeiro GG defender os interesses do Sr. AA junto do Ministro dos Negócios Estrangeiros, porque é que o Ministro se interessa por este caso (presumindo-se que haja abundância de pedidos similares junto de ministros) e, não só incumbe um embaixador de fazer uma averiguação, como vai ter uma conversa pessoal com o diretor executivo da ré, na altura, para o convencer a dar razão às pretensões do Sr. AA. E tudo isto apesar de, como reconheceu a testemunha, “não ser o seu trabalho”. Ficaram por apurar os verdadeiros motivos pelos quais tantas pessoas, alheias às relações entre as partes, se movimentaram para interceder pelas autoras.
Como referido, a testemunha não tinha conhecimento direto de qualquer facto controvertido, ficou convencido do bem fundado das pretensões do Sr. AA porque considera o Sr. GG “um dos nossos melhores investigadores” e porque acreditou no “seu embaixador” Sr. RR, ou seja, porque fez fé em pessoas em quem tinha confiança. Note-se, porém, que também estas pessoas não tinham conhecimento direto dos factos. O Sr. GG, apesar de ser um investigador, não fez qualquer investigação policial sobre o caso do Sr. AA, como admitiu no seu depoimento. E o Sr. Embaixador RR limitou-se a falar com uma pessoa, sem efetuar uma averiguação minimamente aprofundada do assunto.
Em suma: o depoimento de HH não tem aptidão para provar qualquer dos factos controvertidos. Igualmente irrelevante, consequentemente, é a carta que esta testemunha dirigiu ao ministro da defesa da África do Sul, dando conta do resultado das suas averiguações, intercedendo a favor do Sr. AA, e junta como documento n.º 20 da p.i.
O Embaixador RR também não tinha conhecimento direto dos factos, tendo revelado ter sido, enquanto exercia funções como embaixador em Portugal, incumbido pelo Ministro HH de averiguar se o Sr. AA tinha razão nas suas pretensões, pedido que admitiu ser incomum. Apenas conseguiu falar com o General DD, que lhe exibiu a carta junta como documento n.º 6 da petição (fls. 3041, 10º volume) daí extraindo que a autora BSI estaria ligada ao projeto, elaborando um relatório em conformidade (documento n.º 19 da p.i.). Ou seja, esta testemunha não fez qualquer averiguação junto da ré, retirando conclusões a partir, apenas, de uma conversa com o General DD e da leitura de uma carta assinada por outro general português e dirigida à BSI, obviamente presumindo a veracidade do seu conteúdo, sobre o qual nada sabia. Este depoimento é, obviamente, inapto a fazer prova de qualquer dos factos.
O depoimento da testemunha FF também não se mostra convincente nem credível, sendo de referir que, mesmo que assim não fosse, sempre seria insuficiente para fazer prova do alegado direito contratual a uma comissão de 10% a favor das autoras. É que a testemunha diz ter visto um contrato escrito, em papel, indicando uma comissão de 10%, mas o contrato não tinha qualquer referência às ora autoras, não tendo, aliás, a testemunha conseguido dizer quem eram as partes desse contrato (fls. 8829vº), a favor de quem estava estipulada a comissão (fls. 8778vº), ou o teor de qualquer outra concreta cláusula, descrevendo o contrato como vago, pouco descritivo (8878vº). No fundo, e sintetizando, a testemunha disse que viu um contrato, lembrando-se apenas que estava prevista uma comissão de 10% e nada mais. A favor de quem era a comissão, quem eram as partes no contrato? Não sabe, não viu isso no contrato.
Tudo o mais resulta de ouvir dizer a outras pessoas, que lhe teriam dito que a comissão seria para a Beverly Security e que fora aberta uma conta bancária no Luxemburgo para esse efeito.
É caso para dizer que tudo isto se afigura altamente duvidoso, tendo em conta que a testemunha referiu que contratos entre a Armscor e as OGMA estariam acima do nível de acesso que tinha enquanto funcionário (fls. 8776v.º), que nunca fez pagamentos no âmbito do Projeto Adenia (fls. 8777) e que não esteve presente em qualquer reunião relacionada com este projeto (fls. 8778).
Este relato também se afigura pouco plausível, tendo em conta que a própria testemunha admitiu que na Armscor apenas era dado conhecimento aos funcionários daquilo que era estritamente necessário para o exercício das suas funções, vigorando uma política de sigilo interno e externo. Todavia a testemunha refere que os funcionários do escritório de Paris falavam do Projeto Adenia porque era um projeto grande e até ouviu dizer que o seu valor global era de 3 mil milhões.
Também se afigura implausível que o contrato escrito indicasse um objeto não verdadeiro, como afirmou a testemunha. Referiu que o contrato referia 50 kits de melhoria para helicópteros Puma 330L, mais sobressalentes (fls. 8775) mas que todos (na Armscor) sabiam que essa atualização não era possível, pelo que o verdadeiro objetivo era o fornecimento de novos helicópteros (fls. 8775vº). Isto pareceu-nos ilógico e implausível, pois se todos os documentos eram sigilosos, de acesso reservado consoante o nível de responsabilidade dos funcionários, porque motivo não figuraria no contrato o seu verdadeiro objeto? Porque motivo se dariam ao trabalho de elaborar um documento escrito, para arquivo interno, contendo informação falsa?
Em suma: a memória seletiva da testemunha, que basicamente apenas se recorda de o contrato prever uma comissão de 10% e não se consegue recordar de mais qualquer outro detalhe do contrato que alegadamente viu, o complementar dessa memória com conversas vagas e impossíveis de confirmar ouvidas no escritório de Paris que permitem associar a comissão às autoras, a memória seletiva do valor global deste projeto ouvido no escritório, e a indicação de que no contrato estava um objeto que não correspondia ao real, tornam este depoimento totalmente duvidoso e implausível, carecendo de credibilidade. Do que supostamente viu e ouviu, a testemunha recorda-se apenas precisamente dos pontos chave discutidos neste processo, não conseguindo relatar outros pormenores e circunstâncias como seria normal se efetivamente tivesse consultado um contrato e ouvido muitas conversas sobre este assunto. Instado a explicar o motivo de ter decidido falar sobre estes assuntos, face aos deveres de sigilo dos funcionários da Armscor, surge mais uma vez nestes autos, como justificação, um propósito abstrato, nobre e altruísta, neste caso a solidariedade entre empresários (fls. 8841), ou seja, com o Sr. AA. A testemunha admitiu ter mantido conversas com AA posteriores aos factos que relata, e ter assinado dois depoimentos escritos para efeitos judiciais, estando o primeiro em paradeiro desconhecido, uma vez que a versão que foi conhecida nos autos era uma falsificação, que a testemunha nega ter assinado, tão grosseira que até o seu apelido está escrito incorretamente. Quem teria interesse na produção duma tal falsificação e quem a fez, são questões deveras interessantes, mas que os presentes autos não podem solucionar, tendo tal depoimento sido rejeitado por ambas as partes como meio de prova. Não obstante, o caricato depoimento desta testemunha consistiu maioritariamente em ser-lhe pedido que confirmasse ou infirmasse o conteúdo do depoimento escrito falso que lhe é atribuído…
Conclui-se, por tudo, que este depoimento não merece credibilidade alguma: nada confirma ou corrobora o seu relato, o depoimento é contraditório em si mesmo, quanto ao acesso a um contrato acima do seu nível de funcionário, e a testemunha só se lembra de duas ou três coisas, não conseguindo revelar outros detalhes, como seria natural e expectável se efetivamente tivesse visto tal documento escrito.
Outra das testemunhas inquiridas que referiu ter tido conhecimento da existência de um acordo entre o Sr. AA (i.e., as suas empresas) e a ré foi QQ funcionário do departamento financeiro da Armscor durante cerca de 19 anos, tendo saído em 1998.
Analisado globalmente o depoimento desta testemunha QQ (37º volume, fls. 9879-10021vº), conclui-se que o mesmo também não oferece credibilidade. porquanto contém muitos pontos duvidosos, de difícil plausibilidade, e em que a sua isenção e equidistância se mostram comprometidas.
A testemunha refere que parte do seu conhecimento sobre os factos resulta de coisas que ouvia a outros funcionários da Armscor na embaixada de Paris (fls. 9891vº) e que lhe foram relatadas em conversas (fls. 9892vº, 9909vº, 9934vº, 9939, “Ou, sei lá, alguém.” fls. 9977vº; 10008), mas sem conseguir identificar quem foram as concretas pessoas a quem ouviu tais informações. Acaba por identificar duas pessoas de entre aquelas com quem terá tido conversas – MM e NN – mas não consegue concretizar o que lhe terão dito, por não se recordar (fls. 9939, 9939vº-9942). Apesar disto, admitiu que vigorava na empresa o princípio de que os funcionários só acediam à informação estritamente necessária à execução das suas funções, contradizendo-se desta forma, não conseguindo explicar minimamente porque é que lhe contariam (ou poderia escutar) informação de que não precisava para exercer as suas funções. A criação de uma base de dados informática dos projetos e pagamentos, como a que teve de implementar, não implica, necessariamente, e a priori, que tivesse acesso a informação muito detalhada de qualquer projeto. Talvez seja por isso que não conseguiu referir qualquer aspeto concreto de qualquer outro projeto além daqueles que referiu respeitantes ao Projeto Adenia. Não faz sentido, assim, que tivesse conhecimento de alguns aspetos do projeto Adenia, por ouvir falar a outros funcionários, mas não tivesse igual conhecimento de características de outros programas, menos secretos.
Afirmando conhecer factos respeitantes ao Projeto Adenia e à alegada participação no mesmo do Sr. AA, acabou por revelar desconhecimento ou muita incerteza quanto a pormenores do mesmo que se suporia que conhecesse se realmente estivesse minimamente por dentro do mesmo. Não se lembrava, v.g., se a “Zandumec” era uma empresa de fachada ou real (fls. 9894). Não conseguiu dizer o nome de outro projeto da Armscor além do Adenia (cfr. fls. 9931 a 9932) - como seria expectável se precisasse disso para criar a sua base de dados -, não tendo conseguido explicar minimamente o funcionamento de qualquer outro projeto. E não sabia qual era o preço de venda de cada helicóptero do projeto Adenia, ou o seu custo (fls. 9968 e 9968vº), apesar de ter apresentado valores totais por si calculados com base nesses valores, escudando-se, sem mais explicações, em números constantes de documentos que alegadamente viu e em que baseou os seus cálculos.
Ou seja, acreditar nos valores indicados por esta testemunha consistiria em fazer um voto de fé no acerto dos seus cálculos e nos dados em que se terá baseado, que o Tribunal não pode sindicar.
Também esta testemunha não escondeu o seu propósito de ajudar ou “fazer justiça” ao Sr. AA, designadamente na sua declaração enigmática a fls. 9883vº (“depois de ajudar o Sr. AA também, ele disse que eu ficaria com o pacote, pedia o pacote e recebia o pacote”), afirmando que se incomodou com a informação que tinha visto na Armscor porque “tentaram pôr de lado” (o Sr. AA) (fls. 9943vº), declarando também que lhe deu informações para apoiá-lo (fls. 9945vº). E isto porque era um homem simpático, com quem passou uma tarde inteira e com quem conversou, e porque era uma pessoa que estava “do nosso lado” (fls. 9944vº), “um amigo … que nos ajudou” (fls. 9945). Referiu ainda expressamente que “pareceu-me injusta a forma como o Sr. AA foi tratado.” (fls. 9949vº).
O seu ensejo de ajudar e fazer justiça era tanto que fez cálculos e diagramas, extravasando o exercício das suas funções, para ajudar o Sr. AA, mas utilizando papel timbrado da Armscor, atitude manifestamente reprovável, pois não podia ignorar que isso inevitavelmente levaria a parecer tratar-se de um documento autêntico interno desta empresa (fls. 9972), isto caso não fosse esse o seu objetivo direto.
Não são, também, convincentes os putativos objetivos de ajudar um injustiçado porquanto, mesmo que a testemunha tivesse visto documentos reveladores de um acordo com determinada percentagem de comissão - no que não acreditamos -, a testemunha sempre teria de admitir que não tinha um conhecimento aprofundado das relações entre a sua entidade patronal e o Sr. AA, e que podia haver motivos, acima do seu nível de funcionário, que justificassem que a sua entidade patronal concluísse que nada teria de pagar ao Sr. AA. Aliás, o seu manifesto desconhecimento de outros detalhes do projeto Adenia ou de todos os outros programas é de tal ordem, e a testemunha não intervinha em negociações e contratos, que o expectável seria que admitisse que poderia haver algo fora do seu campo de conhecimento que justificasse a negação do pagamento de uma comissão ao Sr. AA pela Armscor. Não colhe, não é credível, por isso, a imagem de pessoa preocupada com uma injustiça que esta testemunha quis perpassar.
QQ referiu ter visto documentos (fls. 9899vº, 9900, 9934vº) dos quais resultava o compromisso de pagar uma comissão de 10% à BSI e que estava reservada uma quantia em contas do Luxemburgo para esse efeito, mas sem qualquer tipo de informação adicional sobre esses documentos – tipo de documento, data, por quem estavam assinados, etc. Refere expressamente que “Era um documento. Eu não consigo lembrar-me que tipo de documento era.” (fls. 9983vº, 9984). Documentos/ficheiros que, acaba por reconhecer, nem leu na íntegra (fls. 9936vº). Documentos aos quais, reconheceu a testemunha, não teria, normalmente acesso, mas apenas quando o Sr. FF estivesse de licença e fosse preciso fazer alguma coisa com eles relacionada. No entanto, a testemunha não só teve acesso aos mesmos como, por acaso, ainda se entreteve a fazer algo que não lhe competia, ou seja, o cálculo da comissão que seria devida à BSI… (fls. 9900vº). Afigura-se por isso muito estranho também que a testemunha, revelando desconhecimento ou, quando muito, falhas de memória quanto a tantos factos, revele, noutras partes, uma memória impecável de pormenores do projeto Adenia, a que teve acesso por uma consulta ocasional de documentos - que não faziam parte das suas tarefas habituais - e ainda para mais dando-se ao trabalho de fazer cálculos que não lhe foram pedidos nem lhe competia fazer. Estranha-se enormemente também que esta testemunha, por cujos olhos devem ter passado, ao longo de todo o seu tempo de serviço na Armscor, milhares de números plasmados em documentos, consiga recordar-se destes números, precisamente, sem que tenha ficado munido de qualquer cópia dos documentos que viu. A testemunha referiu, aliás, que trabalhavam com mais de cem contas bancárias (fls. 9904vº), tinham de enviar ao final de cada dia informação sobre todos os pagamentos feitos (fls. 9904), criavam sistemas de pagamento deliberadamente complexos para dificultar a sua eventual deteção (fls. 9903) e, mesmo assim, quis a testemunha convencer que se recordava da exata percentagem da comissão das autoras e do exato valor reservado em bancos para seu pagamento.
Noutra parte do depoimento, não conseguindo explicar porque é que fez constar num seu depoimento escrito que a ré havia pago um prémio de 25-30% à Aerospatiale, dado que admitiu desconhecer o custo de produção dos helicópteros, volta a remeter de forma vaga para documentos não identificados da ré, que consultou, para justificar os cálculos e valores que apresenta: “Eu cheguei a esse valor a partir de valores que tinha visto, que sei e calculei na calculadora” (fls. 9968). Nada disto se afigura credível.
Apesar de, em certo momentos, querer transmitir de forma perentória que conhece determinados factos, a testemunha acaba por resvalar e revelar manifestas incertezas, hesitando nas suas afirmações: “Acho que foi aí que cheguei a uma conclusão sobre esse valor. Mas não me consigo lembrar. Isso foi há algum tempo.” (fls. 9901); “Lidámos com muitos documentos… Não me consigo lembrar de facto de que sim. Mas devemos ter lidado.” (fls. 9901vº), “nessa fase devo ter visto os números da documentação”(fls. 9909); “esses eram os números, que eu tinha presumido que era”(fls. 9969); “eu não me consigo lembrar de como cheguei aos 25-30%”; “eu devo ter visto algures” (fls. 9969vº1.
As hesitações e incertezas foram, aliás, predominantes durante as instâncias do mandatário da ré: não sabe quantos documentos havia nos ficheiros que copiou (fls. 9956), “dei-lhe muitos documentos a dada altura” (fls. 9958vº), “não me lembro exatamente que papéis eram” (fls. 9959); “Neste caso, eu devo ter visto estes 25-30% algures…” (fls. 9967vº); “Agora, eu fiz as minhas suposições” (fls. 10009). Não conseguindo explicar trechos importantes dos seus depoimentos escritos anteriores, e a razão de ciência do que então declarou, a testemunha acaba até por admitir “Não sei em que estava a pensar quando escrevi isso”(fls. 9991vº) ou que uma das declarações contém um erro, pois não é verdade que viajasse para o Banco do Luxemburgo todas as quartas-feiras (fls. 9999).
A relação de QQ com o representante das duas autoras, Sr. AA, também se revela peculiar, tendo em conta que o conheceu em Paris com vista a irem abrir uma conta ao Luxemburgo, voltando a vê-lo ali mais duas ou três vezes, de passagem (cfr. fls. 9895 e 9909). Depois volta a vê-lo na África do Sul mais duas ou três vezes (fls. 9910).
Todavia, a testemunha não conseguiu dar uma explicação credível nem coerente para o reencontro em África: primeiro diz que, como não são amigos, foi por acaso (fls. 9910), depois acaba por dizer que foi a testemunha quem ligou ao Sr. AA, cujo cartão de visita guardara, para o avisar que corria perigo, porque tinha visto uma carta que o indiciava. E é nesse encontro que, supostamente, o Sr. AA lhe conta da sua batalha judicial contra a Armscor, arrebatando-o para a necessidade de fazer justiça ao seu caso.
Em primeiro lugar, importa referir que a interpretação que a testemunha faz de uma expressão utilizada numa carta assinada pelo Sr. KKK, presidente da Eurocopter em França, e dirigida à embaixadora da República da África do Sul, considerando-a uma ameaça velada, perigosa se fosse parar às pessoas erradas, se afigura como forçada e descabida. Tal como acima referido acerca da testemunha GG, a carta em questão foi escrita por uma pessoa que não conhecia, não lhe é dirigida, e respeita a assuntos que lhe são alheios. Fazer equivaler a expressão vaga e genérica “tomar as medidas essenciais” como significando uma ordem de eliminação/agressão de uma pessoa ou um qualquer perigo real afigura-se-nos totalmente descabido. Aliás, nem se compreenderia como o autor da carta - presidente de uma empresa fabricante de aeronaves - iria comprometer-se e autoincriminar-se, deixando uma qualquer ameaça, mesmo que velada, registada por escrito, numa carta acessível a um qualquer funcionário da Armscor, como a testemunha QQ.
Resumindo, a justificação apresentada pela testemunha para o seu reencontro com o Sr. AA não colhe, não convence. Não é minimamente credível, pelo que o seu reencontro terá sido suscitado por outras razões que a testemunha preferiu não revelar ao tribunal.
A testemunha também não dá uma justificação minimamente credível para o facto de ter entregue a um terceiro, a um estrangeiro, em conflito com a sua entidade patronal, documentos que a esta pertenciam. Mesmo que a carta acima referida revelasse que o Sr, AA corria um qualquer perigo, o afastamento desse perigo não impunha a entrega de documentos da Armscor ao Sr. AA, como a testemunha fez. Se realmente achasse que havia um qualquer perigo, poderia avisar o Sr. AA, sem que fosse necessário entregar-lhe qualquer documento; uma coisa completamente diferente é tomar partido a favor de uma pessoa que tem um litígio com a sua entidade patronal e facultar-lhe documentos que pertencem a esta, como relatou. Ou seja, existirá qualquer razão real, verdadeira, e não assumida, pela qual a testemunha preferiu ser leal ao Sr. AA e desleal para com a sua entidade patronal.
É também extremamente duvidoso que a testemunha não se recordasse, aquando da elaboração dos seus depoimentos escritos utilizados noutros processos judiciais, que na Armscor lhe havia sido dada uma explicação para a função da conta bancária que foi abrir em nome da BSI, e só se tenha recordado disso mais tarde, 15 anos mais tarde, quando foi preparar este seu depoimento junto da equipa jurídica das autoras.
Em conclusão: a testemunha não consegue identificar a fonte do conhecimento dos factos que afirma, não conseguindo identificar nem documentos concretos, nem pessoas concretas que sejam a fonte dessa informação. A testemunha revelou, outrossim, um enorme desconhecimento da atividade da Armscor – quer de outros projetos, quer de aspetos relevantes do projeto Adenia – querendo ao mesmo tempo convencer que, casualmente, vislumbrou documentos reveladores de uma comissão acordada de 10% negados por todas as demais testemunhas excetuando o Sr. FF. A inusitada preocupação da testemunha com as pretensões do Sr. AA suscita as já referidas enormes reservas. A sua memória seletiva, as inúmeras hesitações, falta de rigor e de concretização, respostas evasivas, alterações do sentido do depoimento, além do reconhecimento de falhas nos depoimentos escritos anteriormente prestados, contribuem igualmente para que se considere este depoimento como totalmente desprovido de credibilidade.
Face ao exposto, importa concluir que, face a toda a prova produzida, as autoras não conseguiram fazer prova credível de que tenham sido incumbidas pela ré de intermediar ou ter qualquer tipo de intervenção no projeto Adenia.
O facto de terem abordado de forma vaga, nas conversas com o General DD, o assunto de um possível auxílio das OGMA respeitante a helicópteros sul-africanos não é suficiente para demonstrar que as autoras tenham sido incumbidas disso contratualmente. O próprio desconhecimento manifesto das autoras sobre o objeto e contornos do Projeto Adenia, plasmado primeira ação intentada contra a ré, na República da África do Sul, é disso sintomático.
Não é possível dar como provada a celebração do contrato por presunção, porquanto não se demonstraram factos indiciários que permitam inferir, de acordo com um princípio de normalidade, através das máximas da experiência, que o mesmo terá sido celebrado. O facto de as autoras terem tido conhecimento, por forma que não se logrou apurar, de que a ré perspetivaria uma colaboração com as OGMA quanto a helicópteros, levando o seu representante a ter essa conversa em dezembro de 1986 com o General DD não permite assentar uma tal presunção, dado que o conhecimento desse facto poderia ter-lhes advindo, de acordo com as regras da experiência, de outra forma que não um contrato, designadamente, v.g., por uma fuga de informação por parte de algum funcionário da ré ou da Aérospatiale. Esta hipótese mostra-se até mais plausível, de acordo com as regras da experiência, face ao desconhecimento, revelado pelas autoras, do verdadeiro objeto do projeto Adenia.
Há que concluir, por isso, não ter sido feita prova, nem credível nem suficiente, de que as autoras tenham sido mandatas, incumbidas, contratadas para iniciar ou fazer negociações com as forças armadas portuguesas no âmbito do projeto Adenia.”
Transcorrida esta fundamentação e analisado todo o acervo probatório constante dos autos não se descortinam razões substanciais para divergir da ponderação e da relevância conferida ou retirada aos elementos probatórios em função do exame efectuado pela 1ª instância e, por via deste, das conclusões a que chegou em termos de demonstração – ou não - dos factos alegados pelas partes, concordando-se com a mencionada ausência de prova documental suficiente para comprovar a intervenção das autoras na concretização ou participação na intermediação necessária junto da FAP/OGMA para a execução do Projecto Adenia e, bem assim, com a inconsistência da prova testemunhal aduzida pelas autoras para esse efeito, subscrevendo-se, genericamente, as considerações tecidas a propósito de ambas.
No que diz respeito à matéria de facto vertida na alínea y) dos factos não provados e especificamente quanto à finalidade e natureza do Projecto Adenia, a ré convoca o depoimento das testemunhas II e JJJ, para justificar que as características do Oryx, ainda que não sendo especificamente militares na sua natureza, explicam-se tendo por pano de fundo as necessidades, de natureza militar, que levaram ao seu desenvolvimento; referem ainda que também a testemunha KK explicou a realização de estudos acerca da vulnerabilidade do Oryx a mísseis terra-ar de tipo SAM-7, o que apenas se justifica se se tiver em mente operações militares; além disso, essa finalidade está presente nos factos 17), 18) e 19), não impugnados pelas recorrentes; quanto ao objecto do Projecto Adenia alude ainda ao depoimento da testemunha MM e demais prova produzida, que revela que existia um projecto paralelo de fornecimento de peças sobresselentes de aeronaves e o contacto com AA foi no âmbito deste projecto e não no do Adenia, remetendo para diversa documentação junta aos autos, de onde resulta que todas as interacções entre as autoras (na pessoa de AA), a ré e a FAP, diziam respeito apenas à aquisição de peças sobresselentes de aeronaves, que não estavam relacionadas com o Projecto MTH/Adenia.
A modificação pretendida pelas apelantes do facto descrito na alínea y) de não provado para provado contende com duas das questões essenciais nos presentes autos: qual o âmbito e natureza do Projecto Adenia; saber se as autoras, através do seu legal representante, AA, desempenharam qualquer actividade na sua execução a pedido da ré.
Quanto ao âmbito do Projecto Adenia, decorre do ponto 6) dos factos provados – não impugnado – que o seu objectivo era, inicialmente, em 1984 e 1985, o fabrico local de 50 novos helicópteros de transporte médio e a modernização dos helicópteros Puma da FAAS, sendo que este último propósito foi depois abandonado, passando o Projecto a cingir-se à aquisição dos novos helicópteros.
Aliás, a fundamentação do tribunal recorrido a esse propósito, supra transcrita na parte atinente à prova do facto 6), é clara e reflecte o que emerge da prova testemunhal e documental convocada.
Veja-se o depoimento da testemunha KK, que, como acima se mencionou já, explicou de forma clara e consistente que o objecto do Projecto Adenia visava satisfazer os pedidos da Força Aérea de um helicóptero militar de transporte médio que pudesse actuar em ambiente hostil, para transporte de tropas e desempenho da função de casevac (evacuação de vítimas).49 Depois de mencionar as necessidades da Força Aérea face à desactualização da sua frota de helicópteros, foi muito assertivo ao referir, quando indagado sobre se o plano era que as aeronaves fossem actualizadas, que isso foi falado, mas nunca se concretizou, tendo antes sido prosseguido o objectivo de construção das novas aeronaves e nenhum dos antigos Puma 330 foi actualizado para o padrão de um Oryx – cf. página 23 do seu depoimento, linhas 11-17, transcrição junta em 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496, terceiro ficheiro.
Por sua vez, os documentos convocados pelos recorrentes não têm a virtualidade de, por si ou em conjunto com a demais prova produzida, modificar aquela que foi a convicção do Tribunal recorrido neste concreto ponto.
O documento n.º 12 junto pela ré em 3 de Fevereiro de 201450, com data de 9 de Setembro de 1985, reporta-se à aprovação do subprojecto, dentro do Projecto Adenia, de industrialização da caixa de velocidades, da divisão de helicópteros da Atlas, dele não decorrendo qualquer referência ao fornecimento de kits de upgrade S2 para construir helicópteros de Busca e Salvamento.
O documento n.º 1351, com data de 20 de Setembro de 1985, reporta-se, por sua vez, a um orçamento para o Projecto Adenia, industrialização de componentes da fuselagem Puma, ali se referindo, é certo, que aquele projecto compreende o fabrico local de 50 novos helicópteros de transporte médio e a modernização dos helicópteros Puma existentes na FAAS, mas, como decorre do depoimento das testemunhas JJ e KK, este último aspecto não foi prosseguido, ainda que não tenha sido explicitado o exacto momento em que a decisão foi tomada, tendo este último referido que quando foi estabelecida a definição final de produção do Oryx, no fim do desenvolvimento do protótipo, a possibilidade ou necessidade de actualizar qualquer aeronave existente caiu – cf. página 81, linhas 16-19, transcrição junta em 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496, terceiro ficheiro.
A testemunha JJ, embora tenha enveredado por uma tentativa de justificar a alusão à actualização da frota existente, designadamente no referido documento n.º 13 e no documento n.º 1452, como uma forma de manter a confidencialidade do projecto de aquisição de novos helicópteros, o que, tal como dá nota a decisão recorrida, não se compreende se se tiver em conta que se trata de memorandos internos da própria ré, não deixou, porém, de mencionar que existiam modificações contínuas nas aeronaves para melhorá-las, mas não foram incluídas no Projecto Adenia, pelo que, apesar da apontada inconsistência, nessa parte, do seu depoimento, acaba por estar em consonância com a testemunha KK.
O documento n.º 1953, com data de 25 de Fevereiro de 1986, reporta uma reunião entre a Aérospatiale e elementos daquele que era designado por Conselho Técnico da ré na embaixada da África do Sul, em Paris, onde se relata as consultas iniciais com Portugal, enquanto canal para o envio de peças suplentes de helicópteros normais (assunto em que, efectivamente, é mencionada a intervenção de AA), mas onde se reporta também a discussão existente entre a Aérospatiale, a Turbomeca e as OGMA sobre o caminho a seguir a propósito de duas soluções que estavam a ser consideradas, designadas por Puma S1 e Puma S2, para delinear a intervenção dos portugueses, sendo que as alusões pouco claras sobre o que estava a ser discutido entre aquelas três entidades não permite dali retirar qualquer conclusão, seja quanto à intervenção de AA ou das autoras na mediação para o canal português, através das OGMA, com vista ao fornecimento de kits para os novos helicópteros, seja quanto ao âmbito do Projecto Adenia. Ademais, foi apenas cogitada, segundo o que ali se inscreveu, por LLL, coordenador central da Aérospatiale para o projecto sul-africano, como o identificou a testemunha MM, a possibilidade de o canal para o envio das peças sobresselentes vir a ser utilizado também para “as peças da parte traseira/cauda dos Puma S2”, o que significa que se tratava de uma hipótese e não de qualquer decisão nesse sentido.
De todo o modo, importa salientar que do depoimento de MM, funcionário da Armscor desde 1976 até 1988, que tinha por função coordenar todas as peças sobresselentes de aeronaves e o aprovisionamento de aeronaves e fazia parte das aquisições estrangeiras, colocado em Paris a partir de Julho de 1983, reportando ao conselheiro técnico e a MMM, aquilo que se retira é que a execução do Projecto Adenia começou ainda antes da ponderação da criação do canal português, tendo já sido fornecidos kits à África do Sul, quando a testemunha foi solicitada, por LLL, para contratar as OGMA de modo a fabricarem um item específico (armário com estantes deslizantes e loops de equipamentos electrónicos específicos da aeronave) e criar o canal de fornecimento para pequenos volumes, sendo que já existiam então outros canais de fornecimento de material, como o canal Otomys, via Hong Kong, o que invalida a versão de que AA terá sido contactado para estabelecer esse canal – cf. páginas, 37 e 57-59 do depoimento prestado em 19 de Março de 2015, com transcrição junta em 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496, quarto ficheiro.
O documento n.º 4454, com data de 10 de Dezembro de 1987, constitui uma carta de intenções da Atlas (assinada pelo director geral NNN) dirigida à Aérospatiale (assina LLL) para a compra de 42 kits de peças de aeronave, definidos como kits números 09 a 50 inclusive, com a calendarização das encomendas, não contendo qualquer referência seja à inclusão de peças sobresselentes para os helicópteros existentes, seja à intervenção das autoras ou AA no negócio, tendo a testemunha KK explicado que este pedido se reporta a 42 dos 50 helicópteros, porquanto os anteriores oito já tinham sido encomendados (cf. documento n.º 35, de 24 de Setembro de 198655) e contemplado itens que, entretanto, deixaram de figurar nesta encomenda, por a ré já possuir licença para a produção de motores e engrenagens. Portanto, estes kits não têm relação com kits de melhoria da frota preexistente da FAAS.
Os documentos n.ºs 45, 46 e 47, de 1 de Dezembro de 1987, 4 de Dezembro de 1987 e de Janeiro de 198856, aludem, o primeiro, ao projecto Kingsley (outro nome do Projecto Adenia), mencionando a informação transmita por LLL (nome de código de LLL, da Aérospatiale) sobre a participação dos portugueses na produção de elementos do referido S2, ou seja, a solução para o fornecimento de helicópteros novos; o segundo, à informação transmitida por MM (a testemunha declarou que reportava ao MMM, em Pretória), do conselho técnico em Paris, para MMM, director de divisão de projectos exterior, da ré, em Pretória, dando conhecimento da participação das OGMA no fabrico dos itens do S2 que ali seriam fabricados e a comissão que lhes seria paga pelo apoio (nunca mais de 5%); e o terceiro, consiste numa comunicação de BBB, consultor técnico, para MMM, dando conta, no que às OGMA diz respeito, não estarem ainda assentes as comissões que estas receberiam pelo seu trabalho de conversão dos S (nome pelo qual se referiam aos novos helicópteros), mais referindo uma conversa com OOO, que dava apoio no marketing das OGMA (note-se que no documento n.º 3, de 21 de Junho de 1984, já MM informava a ré, em Pretória, da estrutura das OGMA e da possibilidade do apoio português, referindo a eventual existência de um contacto em Portugal, ou seja, muito antes de AA se dirigir a SS – carta de 11 de Fevereiro de 1985, documento n.º 1 junto com a petição inicial, em que refere esperar uma colaboração futura depois de o ter conhecido e a XX, que teve funções de chefia – cf. ponto 5)).57
Além disso, no documento n.º 49, de 11 de Abril de 1988, BBB refere, quanto ao estabelecimento do canal OGMA, que reuniu com o general VV, director das OGMA, em reunião marcada por OOO, aduzindo que todos os assuntos serão tratados directamente entre as OGMA e os “nossos serviços” – ou seja, a ré – sem intervenção de AA (que se manteria apenas para a cotação para a revisão do motor Allison C130, um assunto distinto), nada se apurando quanto a essa intervenção em qualquer um deles, seja quanto ao fornecimento de peças sobresselentes, seja quanto à intervenção das autoras no Projecto Adenia.
Assim, tal como concluiu a 1ª instância, não resultou provado que no âmbito do Projecto Adenia, para além da ponderação inicial que existiu nesse sentido, tenha sido mantido o fornecimento de kits de upgrade para os helicópteros pré-existentes e menos ainda que tenha sido demonstrada a intervenção das autoras no referido Projecto, sendo que os documentos convocados pelas recorrentes para alcançar a modificação do decidido são irrelevantes.
Por sua vez, os depoimentos das testemunhas QQ e FF nenhuma valia possuem para infirmar essa conclusão, precisamente pelas razões amplamente expendidas na fundamentação da decisão recorrida supra transcrita.
QQ, escriturário financeiro, foi funcionário da ré durante dezanove anos e esteve na delegação, ou naquilo que a ré designava de conselho técnico, na embaixada de Paris, durante quatro anos, desde 1981 a 1985, sendo um funcionário júnior, que tratava de todos os registos financeiros de tesouraria e instruções de pagamento, tendo mais tarde regressado a Paris, entre 1987 e 1990 (referiu que saiu da empresa a seu pedido, aceitando uma indemnização proposta).
Esta testemunha relatou que começou a projectar uma base de dados de fornecedores e canais de pagamento, com nomes de fornecedores, contas bancárias, números de contas, nome de projectos, administradores de empresas de fachada, administrativos e o canal a usar quanto a contas bancárias (mas especificou que não tinha conhecimento dos canais que serviam para a entrega física dos equipamentos) e que por essa razão teve acesso a múltipla informação.
O seu depoimento58 é um conjunto de afirmações contraditórias, não fundamentadas, pouco sustentadas, tendo deixado muitas das questões que lhe foram dirigidas por explicar. Já tinha assinado duas declarações anteriores onde vertera o seu depoimento – uma em 1998 e outra em 2001 -, o que fez a pedido de AA, que lhe pediu para escrever o depoimento em Março de 1998, quando ainda estava na Armscor e, mais tarde, dois anos depois, o segundo, para completar o primeiro.
A sua relação com AA não foi, efectivamente, explicitada, sendo certo que o conheceu apenas em 1990, quando foram proceder à abertura de uma conta bancária em nome da BSI, no Luxemburgo, tendo-o visto depois na embaixada, duas ou três vezes, mas não se afirmou amigo dele.
Tudo o que sabe é o que viu em três a cinco ficheiros/registos que examinou para elaborar a referida base de dados.
Afirmou que viu o contrato, viu informações sobre os documentos, porque tinha de fazer a administração do Projecto quando FF não se encontrava e viu um documento onde se referia a existência de 10% de comissão no contexto do Projecto Adenia e seria essa conta aberta no banco, no Luxemburgo, que serviria para pagar a comissão, tendo-lhe sido dito que esta era referente aos helicópteros Oryx, Puma e “coisas assim”, embora naquela fase isso não significasse nada para ele, o que, não obstante, segundo parece, não o impediu de fixar esta situação concreta, sendo certo que, como disse, nessa época actuava na abertura de contas semanalmente. No entanto, acaba por dizer que a conta poderia ter sido para qualquer coisa, para a comissão ou material, que tenham acordado comprar.
Cumpre realçar os seguintes dados:
= a testemunha apenas viu alguns ficheiros e leu documentos que não sabe identificar ou reproduzir;
= existiram conversas, troca de informações em Paris, ao discutir o assunto com colegas para preparar o programa informático;
= todos os funcionários estavam sujeitos a um dever de sigilo e actuavam numa base need to know, ou seja, cada um sabia o estritamente necessário para desempenhar as suas funções, mas, simultaneamente, a testemunha afirma que toda a gente em Paris tinha conhecimento do Projecto Adenia;
= apesar de conhecer o Projecto, não se recordava se a Zandumec (PTY) Ltd (empresa de fachada que interveio pela ré no acordo celebrado com as OGMA, com data de 7 de Junho de 198859, para a produção e fornecimento de componentes para o Oryx) era uma empresa de fachada, assim como não se recordava do nome de nenhum outro Projecto da ré;
= calculou através dos documentos que viu que os 10% seriam cerca de 300 milhões de dólares, mas não sabe explicar ou fundamentar onde e como viu os números que lhe permitiram chegar a esse valor, até porque não os guardou; não consegue dizer que tipo de documento era aquele que viu com a comissão de 10% (contrato, memorando, carta, ou se tinha inscrito o valor, se era percentagem, se era ambos);
= apesar de ter fixado o valor da comissão – que nem sabe a quem deveria ser paga – não se recorda se efectuou ou não algum pagamento no âmbito do Projecto Adenia;
= não tem conhecimento nenhum sobre onde foram fabricados os motores, caixas de velocidades, como foram adquiridas, como chegaram à África do Sul, onde foram fabricados os componentes;
= não consegue dizer quem tinha os poderes para celebrar contratos e pagar comissão, mas que certamente o pagamento de 300 milhões de dólares teria de ir até ao conselho de administração da empresa.
Trata-se de um depoimento eivado de sucessivas contradições, hesitações e incapacidade de explicitar como, onde, quando e com base em que documentos obteve tais informações ou com base em que conversas e com quem, ficando por saber como chegou ao conhecimento do alegado negócio entre as autoras e a ré, para além de reportar a abertura de uma conta, com a presença de AA, aparentemente em 18 de Maio de 1990, em nome da BSL, que emitiu procuração a favor dele próprio, QQ, e de PPP e FF para agirem em seu nome, e que surge, curiosamente, em data próxima à da carta dirigida pela BSI a QQQ e RRR, sobre o assunto MGL, que data de 16 de Maio de 199060, ou seja, sem que seja possível estabelecer qualquer conexão entre a abertura dessa conta e o Projecto Adenia.
A implausibilidade do relatado por esta testemunha é ainda maior se se atentar no depoimento de OO, funcionário da Armscor, que disse ter sido gestor sénior de compras internacionais e liderava o departamento financeiro em Paris (alternando com a direcção em Pretória, com SSS), que disse que os funcionários FF e QQ, escriturários financeiros, estavam sob a sua supervisão e verificavam os valores das facturas para ter a certeza de que estavam a fazer os pagamentos correctos e identificavam as contas onde seriam feitos os pagamentos. Face ao tipo de funções em causa, referiu não acreditar que tais funcionários tivessem visto os documentos que disseram ter visto, porque trabalhavam numa base de informação necessária e não estavam envolvidos em elaborar o contrato, pois que só executavam instruções de pagamento e abriam contas bancárias para os concretizar, sendo que a autorização de pagamento vinha da África do Sul, sendo o pessoal técnico de lá que verificava os respectivos detalhes, pelo que eles não tinham que ter conhecimento dos documentos.
O depoimento de QQ é, assim, todo ele, imprestável para a prova seja do que for.
Idêntica conclusão se impõe formular relativamente ao depoimento de FF, subscrevendo-se a análise que dele foi efectuada pela 1ª instância, tanto mais, como ali se aponta com pertinência, que o seu depoimento incidiu, na sua maior parte, no confronto com aquilo que inscrevera na sua declaração sob compromisso de honra, em 12 de Março de 200261, documento relativamente ao qual foi deduzido um incidente de arguição de falsidade, tendo as partes acordado quanto à sua falsidade, pelo que tal documento não pode ser atendido, excepto para efeitos de litigância de má-fé, conforme despacho proferido em 18 de Novembro de 2019.62
FF foi funcionário da Armscor, tendo estado em Paris entre 1986 e Maio de 1990 e fazia encomendas e gestão de caixa para o escritório, controlo bancário local em termos de despesas gerais quotidianas da empresa. Afirmou que nunca esteve envolvido no planeamento de canais para fornecimento de material ou equipamento e que apenas foi apresentado a AA porque trabalhava com os bancos; referiu ter aberto o processo para o Projecto Adenia, como faria para qualquer um dos outros, mas que as entregas dos kits só começaram a ser fechadas perto do fim do seu tempo em Paris – fez pagamentos às OGMA mas não tinham que ver com o Projecto Adenia relativamente ao qual não chegou a fazer pagamentos. Aduziu que se mencionava o fornecimento de kits de melhoria dos helicópteros, mas que toda a gente sabia que se tratava do fornecimento de novos helicópteros para a FAAS. No entanto, reforçou não ter conhecimento nem acesso a quaisquer acordos específicos entre Portugal e a Armscor, porque isso não estava no seu “nível de remuneração” e, tal como QQ, confirmou o nível de confidencialidade existente e o funcionamento numa base de que cada funcionário apenas teria conhecimento do necessário para cumprir a sua função, o que torna pouco credível o seu acesso à documentação que refere ter visto.
Apesar de afirmar que os contratos não eram muito descritivos, lembrava-se claramente da referência a uma comissão de 10%, mas sem qualquer menção de quem seria o beneficiário, porque isso seria incompatível com a segurança, mas teria sido verbalmente informado que a comissão deveria ser paga às autoras (ou a uma delas) e por isso foi aberta a conta bancária. Mais uma vez, não participava em reuniões com o pessoal sénior ou com AA, não se lembra do valor do contrato, mas sabe que seria muito perto dos 3 mil milhões de dólares, porque no escritório todos falavam disso, apesar, note-se, da confidencialidade existente e do princípio ou base need to know. Ao contrário do que disse anteriormente, acabou por admitir que não tinha conhecimento das razões para a abertura da conta bancária no Luxemburgo, admitindo que foi AA quem lhe disse que estaria a ser excluído da comissão pelo XX e pelo WW; não soube explicar o contrato existente entre a ré, as OGMA ou com a Aérospatiale, nem com quem foi celebrado o contrato que dizia respeito aos 50 helicópteros. Não soube explicar nada, aludindo em abstracto a um contrato que falava de 50 aeronaves no valor de x, componentes no valor y, comissão de 10% do valor Z, mas no global seria pouco menos de 3 mil milhões de dólares.
Ou seja, um depoimento sem qualquer substrato factual credível, sem explicação cabal da razão de ciência e correctamente desconsiderado pela 1ª instância, que, como tal, também não tem qualquer valia para demonstrar o vertido na alínea y) dos factos não provados.
Quanto à finalidade e/ou natureza dos helicópteros que a África do Sul pretendia adquirir, cumpre notar que sob os pontos 17), 18) e 19) foi dado como provado o seguinte:
17) Durante a Guerra da Independência da Namíbia, a força aérea da República da África do Sul sentiu necessidade de ser dotada de helicópteros que permitissem o transporte de tropas, adaptados à geografia das zonas onde se desenrolava o conflito, onde as temperaturas são muito elevadas, necessidades que não se consideravam integralmente satisfeitas com os Puma SA330 de que dispunham.
18) Para suprir tais necessidades, foi desenvolvido conjuntamente com a Aérospatiale um novo modelo de helicóptero, híbrido, com algumas das características dos Super Puma e outra distintas, designadamente o motor denominado Makila.
19) A este novo modelo foram atribuídas as denominações MTH e Oryx.
Dado que estes factos não foram impugnados pelas recorrentes, impõe-se concluir ser evidente a finalidade do negócio dos helicópteros aqui em discussão, tanto mais que as passagens dos depoimentos de II e JJJ em nada colidem com o que resultou demonstrado, sendo claro que os helicópteros podem ser usados para muitas finalidades, incluindo buscas e resgate e outras operações humanitárias de natureza civil. Contudo, neste caso, foram as necessidades militares que a África do Sul enfrentava e pretendia suprir que determinaram, a aquisição dos novos helicópteros, pelo que nada mais se justifica aduzir nesta matéria.
No entanto, sempre se convoca o conteúdo do documento n.º 61, com data de Abril de 1989, nessa data ainda classificado como “confidencial”, que contém uma descrição do helicóptero MTH/Oryx e onde se alude, precisamente às actividades hostis junto à fronteira e a defesa da República da África do Sul, que, em 1981, justificaram a necessidade do novo helicóptero, incluindo nas suas especificações, nomeadamente, protecção blindada para a tripulação desenvolvida no país e reportando-se o sucesso do programa, que contribuiu para uma “acrescida competência em combate do exército sul-africano”.
Estas menções são confirmadas pelo depoimento da testemunha JJ, que relatou as dificuldades dos Puma existentes no transporte de tropas e retirada após a batalha e recolha de vítimas, face à lenta resposta do motor, agravada pelas condições do terreno onde tinham de actuar, com poeiras e temperaturas muito quentes, daí a necessidade do fornecimento de novos helicópteros adaptados às mencionadas características onde teriam de intervir, referindo também que o assento blindado era necessário para proteger a tripulação, sobretudo os dois pilotos, contra fogo inimigo – cf. páginas 24 e ss. e 93 do seu depoimento prestado em 18 de Março de 2015, com transcrição junta em 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496, terceiro ficheiro.
Pelas razões expendidas, mantém-se inalterado o facto vertido na alínea y) como não provado.
*
b. Tema da Prova 2) – “Acordo entre as autoras e a ré no âmbito do dito Projecto originando a prestação de serviços de mediação e promoção pelas autoras junto das autoridades portuguesas” Alíneas h), i), j), k), m), n), o) e p) dos factos não provados
i. Alíneas h) dos factos não provados
O Tribunal recorrido considerou não provado o seguinte:
h) Que o diretor das autoras, AA, tenha tomado conhecimento da intenção do Governo da República da África do Sul de iniciar negociações com a empresa Aérospatiale respeitantes ao Projecto Adenia, e que por isso endereçou a carta datada de 11 de Fevereiro 1985 ao Sr. SS visando demonstrar o interesse e a possibilidade das autoras darem assistência à ré Armscor na condução de contactos e diligências negociais respeitantes ao Projecto Adenia (artigo 55º da p.i.).
O Tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“De nenhum meio de prova resulta que o Sr. AA tivesse conhecimento da existência do projeto Adenia em 1985, não existindo qualquer correspondência trocada entre as autoras ou o Sr. AA e a ré referindo-se-lhe, nem tendo isso resultado do depoimento de qualquer testemunha. Afigura-se bastante implausível que uma pessoa ou empresa estranha às forças armadas sul-africanas e à Armscor tivesse conhecimento de um projeto secreto desenvolvido por estas, numa fase inicial.
Repare-se que esta alínea alegação do conhecimento da existência deste projeto antes de as autoras serem alegadamente incumbidas de o intermediar. Mas as autoras não lograram provar que tenham sido contratadas como intermediárias, e muito menos que tenham tido conhecimento do projeto em momento anterior; pelo contrário, quando as autoras propõem a primeira ação judicial, na África do Sul, revelam não ter conhecimento do real objeto deste projeto, ignorância que tentam justificar com a alegada má fé e ocultação por parte da ré.
Note-se que, na tese das autoras, a ré solicitou a sua mediação nas negociações do projeto ADENIA (artigo 72º da p.i.), ficou satisfeita com essa medição (artigo 178º da p.i.), chegou até a ter quantias alocadas ao pagamento das comissões devidas (artigo 264º da p.i.), e só mais tarde, pelo menos no final de 1990, é que a ré pôs as autoras de parte do Projeto ADENIA enquanto lhes ia dolosamente garantindo o pagamento futuro da comissão (artigos 248º, 250º da p.i.). Ora, a ser assim, o natural seria que a ré, na fase inicial, antes de (decidir) pôr as autoras “de parte” e de decidir nada lhes pagar, trocasse correspondência com as autoras relativamente ao Projeto ADENIA, referindo aberta e expressamente as relações comerciais entre ambas. Todavia, não existe nenhuma correspondência dirigida pela ré às autoras referente ao projeto ADENIA, ao passo que existe alguma correspondência respeitante ao Projeto Orion e a outras relações entre autoras e rés.
O documento n.º 1 da petição inicial (fls. 3015-3019, 10º volume) é uma carta datada de 11.02.1985, assinada por AA na qualidade de diretor da Beverly Securities Inc. que não faz qualquer referência expressa ou implícita, nem ao projeto Adenia, nem a qualquer outro projeto. Aliás, não é possível retirar desta breve carta que o seu subscritor tenha conhecimento de qualquer concreto projeto desenvolvido ou perspetivado pela Armscor ou pelas forças armadas sul-africanas. Constitui uma carta de apresentação de disponibilidade para futuras colaborações, totalmente genérica e vaga. Da mesma não é possível retirar, sequer, qual o concreto tipo de serviços ou “colaboração” que as autoras se predispõem a prestar, inexistindo na mesma qualquer referência a redes de montagem ou de transporte ou de fornecimento ou de entrega, nem na mesma se faz referência a helicópteros, ou sequer que tal colaboração ocorreria em Portugal. É, pois, duma total evidência que tal escrito é inapto a provar o facto da alínea h).”
As apelantes insurgem-se contra o assim decidido, considerando que o facto deveria ter sido dado como provado, com a seguinte ordem de argumentos:
i. O documento n.º 1 junto com a petição inicial que revela o primeiro contacto com a ré pelo director das autoras, AA, aceite pela ré nos artigos 215º e 216º da contestação;
ii. O documento n.º 2, de 3 de Abril de 1986, que sumaria uma reunião entre as autoras e a ré a propósito do apelidado canal português.
A ré afasta a interpretação das recorrentes referindo que, tendo aceitado o documento n.º 1, nele, em lado algum, se faz referência a qualquer projecto levado a cabo pela FAAS ou pela ré e menos ainda ao Projecto Adenia, o mesmo se devendo concluir a propósito do documento n.º 2.
Com efeito, o documento n.º 1 junto com a petição inicial, que data de 11 de Fevereiro de 1985, já acima mencionado, constitui uma missiva da BSI para o Sr. SS, com data de 11 de Fevereiro de 1985, de onde se extrai que AA o acabou de conhecer e ao XX, sendo que na reunião que terão mantido terão tratado das bases para uma colaboração com a organização destes e a intenção de ajudar o país, pelo que a menção genérica e vaga a uma possível colaboração – que ao momento ainda nem sequer se verificava – nenhuma relevância assume para efeitos de se concluir que essa abordagem por AA tenha ocorrido na sequência de uma alegada tomada de conhecimento da intenção do Governo da África do Sul de iniciar negociações com a Aérospatiale atinentes ao Projecto Adenia.
Ademais, note-se, está demonstrado que já na década de 80 do século XX a ré mantinha uma relação comercial com a Aérospatiale de compra e venda de aeronaves, peças e prestação de assistência técnica (cf. alínea BB)), pelo que seria necessário apurar algo mais para se perceber a que tipo de colaboração se reportaria AA ao referir estar disposto a colaborar com o país.
Acresce que o início do desenvolvimento do Projecto Adenia situa-se em 1984/1985 (cf. ponto 6) dos factos provados), sendo que à data da missiva seria ainda algo muito incipiente, não sendo possível discernir qual o tipo de intervenção que as autoras aqui poderiam desempenhar – cf. documento n.º 8363 junto pela ré em 4 de Fevereiro de 2015, que constitui o relatório do encerramento do Projecto, de 11 de Julho de 2008, a que aludiu a testemunha JJ.
O documento n.º 1, desprovido de qualquer outra contextualização – que as recorrentes se abstiveram de efectuar ou não conseguiram provar – não permite, por si só, dar como provado os pressupostos da sua existência.
Por outro lado, o documento n.º 2 junto com a petição inicial64, constitui um relato de MM, de 3 de Abril de 1986, dirigido a MMM, que tem como título “partes do avião” e como assunto “sumário da reunião com AA”, em que estiveram presentes a testemunha MM e AA, onde se identifica que o propósito da visita deste último era informar o comité técnico sobre a possibilidade de comunicação/de ajuda da FAP, no que diz respeito às encomendas de material e onde se descreve a proposta no sentido de a FAP efectuar ordem de encomenda como se o material fosse para si, que depois reenviaria para a África do Sul, com a cooperação de AA, mas dele não se retira que já então existisse qualquer negócio, tanto mais que é referido que AA não quis criar expectativas elevadas e necessitava de garantias quanto à intenção de continuar com os negócios feitos a partir de Portugal; nessa reunião, refere-se no documento, foi ainda abordada a necessidade de estudar as possibilidades de assistência portuguesa, para o helicóptero Alouette.
Sobre este documento a testemunha MMreferiu expressamente que se tratou da primeira conversa com AA sobre o que este poderia fazer para ajudar no fornecimento de peças sobresselentes para os Alouette – referência contida também no apontamento manuscrito dele constante, que MM disse ter sido aposto por XX -, e nada tem que ver com o MTH/Adenia, negócio aquele que, segundo disse, acabou por não se concretizar – cf. página 159 da tradução do seu depoimento, junto a 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496.
Portanto, do conteúdo do documento em referência nada resulta no sentido de AA ter oferecido a sua ajuda ao Governo da África do Sul para estabelecer negociações com a Aérospatiale no âmbito do Projecto Adenia, devendo manter-se como não provado o facto descrito em h).
i. Alíneas i), j) e k) dos factos não provados
O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte:
i) Que, na sequência da carta datada de 11 de Fevereiro de 1985 remetida pelo Sr. AA, este tenha sido contactado telefonicamente pelo Primeiro Secretário da Embaixada da República da África do Sul em Portugal, Sr. DDD, no final de 1985, e que este lhe tenha dito que as autoras seriam contactadas em momento posterior pelo Chefe do Comité Técnico da R. junto da Embaixada da República da África do Sul em Paris, o Sr. TT, e que este contacto tenha ocorrido pouco depois;
j) Que, na sequência do contacto telefónico com o Sr. TT, o Sr. AA tenha sido convidado a deslocar-se às instalações da Embaixada da República da África do Sul em Paris a fim de serem debatidos os termos da eventual intervenção das autoras no Projecto Adenia, e que essa deslocação tenha ocorrido em finais de 1985;
k) Que após a reunião de finais de 1985, tenha havido outras reuniões em Paris, tendo por objecto o Projecto Adenia, e que nestas o Sr. TT tenha clarificado que a Armscor pretendia adquirir à Aérospatiale kits de upgrade S2 dos helicópteros Puma Search and Rescue Helicopters e diversos serviços de montagem e de manutenção associados.
A resposta negativa sobre estes factos foi fundamentada pelo tribunal recorrido do seguinte modo:
“Quanto às alíneas i), j), k) e l), não existe qualquer prova de que estes factos tenham acontecido: não são referidos em qualquer documento; nenhuma testemunha participou ou teve conhecimento de qualquer destes factos, que ninguém referiu. Não há prova de que tenha havido os referidos contactos telefónicos e reuniões, com o conteúdo alegado, que ninguém testemunhou.”
As recorrentes, reconhecendo que não resultou demonstrada a totalidade dos eventos descritos nestas alíneas, sustentam, porém, o seguinte:
i. O memorando interno de 3 de Abril de 1986 elaborado por MM – o documento n.º 2 - sumaria a reunião mantida com AA, pelo que a ré assume que ocorreram aquelas negociações com as autoras subsequentes ao envio da carta que constitui o documento n.º 1;
ii. Do documento n.º 3 junto com a petição inicial, memorando de 3 de Junho de 1986, resulta que em 28 de Maio de 1986 ocorreu outra reunião com AA;
iii. O documento n.º 76 junto pela ré com o requerimento de 4 de Fevereiro de 2015, que constitui uma declaração de TT, onde menciona ter recebido instruções para abordar o Sr. AA para estabelecer um canal através de Portugal, relatando posteriores visitas deste, dali resultando que foi TT quem pediu ao director das autoras para se deslocar ao escritório da ré em Paris, o que sucedeu diversas vezes no período mencionado nestes pontos;
iv. O documento n.º 19 junto pelas rés em 3 de Fevereiro de 2015 dá conta de uma reunião ocorrida em 25 de Fevereiro de 1986, com o conselho técnico da ré e a Aérospatiale, de onde resulta que os contactos iniciais relacionados com o Projecto Adenia foram assegurados por AA;
v. O documento n.º 25 junto na mesma data menciona a intervenção de AA no denominado “canal de assistência português”;
vi. O documento n.º 7 junto com a petição inicial revela que as autoras e a ré reuniram e as primeiras estavam em contacto com a FAP e esta confirmou as negociações relativas ao Projecto Adenia, conforme documento n.º 6 junto com a petição inicial, de onde resulta que as autoras tinham um mandato da ré e que agiram em conformidade; o documento n.º 6 foi redigido pelo general VV, a pedido de AA, para confirmar a actuação das autoras em benefício da ré, conforme consta do seu depoimento (documento n.º 20 junto com a contestação);
vii. A testemunha JJ refere discussões sobre o Projecto logo em 1985;
viii. E a testemunha JJJ refere discussões sobre o Projecto em finais de 1984 e disse que a entrega de peças sobresselentes, no âmbito do Projecto Adenia, acabou por ocorrer até 1999;
ix. No documento n.º 40 junto pela ré em 4 de Fevereiro de 2015 são mencionados os debates com AA quanto às possibilidades de distribuição em Micron.
Pretendem as autoras a modificação do decidido, nos seguintes termos:
Provado parcialmente o Facto I) nos seguintes termos: “Que, na sequência da carta datada de 11.02.1985 remetida pelo Sr. AA, este tenha sido contactado telefonicamente pela Ré entre finais de 1985 e inícios de 1986, e que a Ré lhe tenha dito que as Autoras seriam contactadas em momento posterior pelo Comité Técnico da Ré em Paris, e que este contacto ocorreu pouco depois, por parte de TT”.
Provado parcialmente o Facto J) nos seguintes termos: “Que, na sequência do contacto telefónico com o Sr. TT, o Sr. AA tenha sido convidado a deslocar-se às instalações da Ré em Paris a fim de serem debatidos os termos da eventual intervenção das autoras no projeto Adenia, e que essa deslocação tenha ocorrido entre finais de 1985 e inícios de 1986”.
Provado parcialmente o Facto K) nos seguintes termos: “Que após a reunião de entre finais de 1985 e inícios de 1986, tenham havido outras reuniões em Paris e na sede da Ré, em Pretoria, tendo por objeto o projeto Adenia, e que a Ré (na pessoa de TT, mas não só) tenha clarificado que a Ré pretendia adquirir à “Aerospatiale” kits de “upgrade” S2 dos helicópteros “Puma Search and Rescue Helicopters” e diversos serviços de montagem e de manutenção associados”.
A ré/recorrida refere que os documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial não têm qualquer virtualidade para afirmar que existiu um acordo entre a ré e AA, representante das autoras, para estas serem o intermediário responsável pela ligação às Forças Armadas Portuguesas/OGMA para abertura do canal português no âmbito do Projecto Adenia, sendo que o último se reporta a peças sobresselentes de aeronaves, estava em negociação e reportava-se também a peças para aviões C-130, questão ainda em aberto, conforme relatório da Armscor de 3 de Junho de 1986, o que resulta do depoimento do general DD (documento n.º 18 junto com a contestação).
Apreciando.
O documento n.º 76 também nada prova nesse sentido, sendo que MM negou que tivesse dado qualquer informação a AA sobre os kits de helicópteros que iriam circular pelo canal português, para além de tal documento não dever ser considerado porque a testemunha TT não compareceu em juízo para depor.
Os documentos n.ºs 19 e 25 não possuem utilidade para provar o pretendido, porquanto nada referem quanto ao Projecto Adenia, sobretudo o último, que distingue os canais portugueses: um referente à cooperação com a FAP (Adenia) e outro canal de assistência, com a participação de AA, referente ao fornecimento de peças sobresselentes, como referido pela testemunha MM; e o documento n.º 7 revela o contacto de AA com a FAP, o que não contesta, mas não no âmbito de qualquer mediação das autoras no contexto do Projecto Adenia.
Quanto ao documento n.º 6, subscrito pelo General VV, foi feito a pedido de AAe porque aquele presumiu o envolvimento deste no Projecto Adenia e não por ter conhecimento efectivo disso, tendo reproduzido apenas aquilo que lhe foi dito por aquele.
No documento n.º 40, MM refere que a Armscor deve aprofundar os contactos com as OGMA, através de AA, para a circulação ou canalização das peças sobresselentes para os demais helicópteros, mas deixando de fora o Projecto Adenia, como explicou o seu autor, a testemunha MM.
A ré afasta também a relevância do depoimento de JJJ para o efeito pretendido e conclui pela improcedência da pretensão das recorrentes, devendo manterem-se inalterados estes pontos de facto.
No que diz respeito aos documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial foram já atrás analisados e do seu conteúdo nada se retira que, por si só, permita concluir que na sequência da missiva dirigida por AA à ré tenham tido lugar negociações entre as autoras e esta no âmbito do seu envolvimento ou da sua intermediação junto da FAP, no contexto do Projecto Adenia. O documento n.º 2 reporta-se claramente ao fornecimento de peças sobresselentes para aeronaves sem qualquer alusão ao projecto em causa; por sua vez, o documento n.º 365, com data de 3 de Junho de 1986, constitui, de igual modo, um memorando interno, elaborado por MM, dirigido a MMM, sob o assunto de “peças de aeronaves”, aludindo, é certo, a uma reunião com AA ocorrida em 28 de Maio de 1986, com vista a ajuda para a obtenção do material militar referido, que a FAP já teria autorizado, estando em discussão o montante da comissão pedida por ambos (FAP e AA), com apresentação da proposta de como a transacção se processaria, sendo que quanto à colaboração para as peças do C-130 ainda não havia indicação, tendo MM confirmado que essa reunião teve que ver com a forma como seria obtido o apoio para a aquisição de peças sobresselentes para a África do Sul, nada tendo que ver com o MTH, até porque na altura existia o canal Chocolate ali mencionado, ou seja, as peças pedidas a França transitavam através do Reino Unido para a África do Sul, o que se manteria se nada se obtivesse junto das OGMA – cf. páginas 177-182 do depoimento prestado em 20-03-2015, cuja transcrição foi junta em 7-03-2022, Ref. Elect. 4835295.
Note-se, aliás, que a data deste memorando e de realização da mencionada reunião é compatível com o documento 2566 junto com o requerimento da ré de 3 de Fevereiro de 2015, que constitui uma acta de reunião do conselho técnico, em Paris, de 21 de Abril de 1986, em que participou MM, que, sobre o assunto “helicópteros” distinguiu, sob o ponto 2.1, o Projecto Adenia e sob o ponto 2.3, os Canais, onde surge em segundo lugar Portugal, subdividido em duas alíneas: “a) Cooperação com a Força Aérea Portuguesa; b) Canal de assistência português (AA)”, referindo-se, na primeira, que o S.N.I.A.S.67 (Aérospatiale) indicou a possibilidade de utilizar as OGMA como subcontratantes e, na segunda, que estão planeadas mais discussões com este.
Ora, esta reunião, segundo explicou MM, surgiu na sequência de lhe ter sido pedido por SS para investigar a possibilidade do canal português para as peças sobresselentes, porque ele tinha justamente proposto a sua colaboração. Por outro lado, o projecto MTH/Adenia estava ainda numa fase inicial, pelo que a alusão à intervenção do AA terá que ver apenas com as peças sobresselentes.
De todo o modo, diga-se, que este documento, de entre todos os carreados para os autos, suscita alguma dúvida sobre a posição de AA e a amplitude da sua intervenção nos diversos canais e finalidades tidos em vista pela Armscor naquela fase. Contudo, não se pode deixar de reconhecer a plausibilidade do depoimento de MM e a fragilidade deste documento para, por si só, sustentar, como pretendem as autoras, que foram chamadas a Paris para debater a sua intervenção no Projecto Adenia, quando nenhuma testemunha o asseverou e a credibilidade e consistência do depoimento daquelas que o mencionaram, QQ e FF, foram afastadas pelas razões atrás expendidas.
Note-se, a este propósito, que a testemunha KK, apesar de, confrontado com o documento n.º 25, ter mencionado nunca o ter visto antes, disse que o contacto inicial com as OGMA ocorreu a partir da Aérospatiale junto do general VV, a quem foi apresentado pelo LLL, mas que a sua intervenção junto das OGMA foi apenas para discutir o fornecimento dos componentes das aeronaves e nada mais. Acresce que a decisão de usar as OGMA situa-se por volta de Janeiro de 1988 (conforme consta do relatório relativo à investigação efectuada em Janeiro de 1992 a propósito da reclamação do pagamento da comissão por AA68), pelo que retirar do documento n.º 25 a contratação das autoras para a ligação com as OGMA no Projecto Adenia não encontra corroboração com a demais prova produzida.
O documento n.º 7669 junto com o requerimento da ré de 4 de Fevereiro de 2015 constitui uma declaração assinada por AAA, com data de 20 de Janeiro de 1993, que se pronuncia sobre a reclamação de AA relativa à comissão a que este entende ter direito, em que o primeiro refere que foi o responsável pelo escritório da Armscor em Paris, de Março de 1983 a Janeiro de 1987, que era usado para a aquisição clandestina de armas, equipamentos e peças sobresselentes, sendo responsável pelo desenvolvimento dos canais através dos quais os itens eram comprados, sem identificar a África do Sul como utilizador final.
De acordo com o vertido neste documento – que, em rigor, corresponde a um depoimento escrito que não observou os requisitos do disposto no art.º 518º do CPC - AA terá sido abordado, no ano de 1986, para estabelecer um canal através de Portugal, para o fornecimento de peças à África do Sul, mas, nesse âmbito, ou pelo menos em 1986, nenhum negócio foi com ele concluído.
Embora TT conclua que ele teria direito a comissão porque desenvolveu actividade na abertura do canal português, não se pode deixar de realçar que se trata de uma declaração subscrita em 1993, não se sabendo em que contexto, nem para que efeito e na sequência de contactos frequentes de AA com o subscritor, já depois de este ter terminado os seus serviços na Armscor, sendo dúbia a finalidade, a veracidade e a espontaneidade do que ali se consignou. Acresce que do texto da declaração nem sequer decorre, de modo expresso, que AA foi responsável pela participação das OGMA no contexto do Projecto Adenia. Com efeito, do seu teor apenas se retira o seguinte:
• Em 1986, AA foi contactado para apurar da possibilidade de abertura de um canal através de Portugal, para fornecimento de equipamentos e peças sobresselentes;
• Existiram diversas reuniões em Paris e ele visitou a sede em Pretória, mas nessa fase não foi concluído nenhum negócio;
• Terá existido uma reunião com a presença de MM e TT, tendo sido solicitado a AA que averiguasse da possibilidade da FAP agir enquanto canal para aquisição de peças sobresselentes de Puma e Mirage F1, mas sem menção ao tipo de produtos específicos visados;
• Para aferir da boa-fé de AA foi efectuada uma exportação de França para a África do Sul, de um visor de helicóptero, através de um contacto português que AA indicou, pelo que recebeu 1% do valor, porquanto não participou na canalização do item;
• Apenas mais tarde, em 1987, a possibilidade de usar as OGMA como canal foi pela primeira vez sugerida por um dos representantes da Aérospatiale, sendo do interesse daquelas o fabrico de certos componentes.
Para além destes factos, o declarante apenas relata o que AA lhe contou, ou seja, que MM lhe teria solicitado que os kits fossem obtidos através do canal português, o que, aliás, o deixou surpreso, porque na sua presença esse assunto nunca tinha sido abordado e, depois de regressar à África do Sul, em Fevereiro de 1987, já não acompanhou esse desenvolvimento.
Assim, este documento, embora emita a opinião de TT quanto ao alegado direito de AAa obter a comissão por ter desenvolvido o canal a solicitação da ré, na verdade não revela qual a actuação por ele desenvolvida, não identifica um acordo concreto que haja sido celebrado com AA, seja para o fornecimento de peças sobresselentes seja para o fornecimento dos kits, pelo que, por si só ou em conjugação com o documento n.º 1970, não tem a virtualidade de demonstrar as conclusões que as recorrentes pretendem, porquanto este último documento, mais uma vez, data de 25 de Fevereiro de 1986 (ainda antes de ter sido feito o teste do canal com AA, e reporta-se a uma reunião com a Aérospatiale, onde, efectivamente, foi abordada a possibilidade do canal português através de Pinhol para a aquisição de peças sobresselentes de helicóptero normais, sem que nada indicie que estas tivessem que ver com o Projecto Adenia (desde logo pela concreta referência a helicópteros normais, o que não era o caso do novo helicóptero perspectivado pelo Projecto Adenia). E esta conclusão não é infirmada pelo facto de ali se fazer alusão à consideração por LLL da possibilidade de o canal ser usado “mesmo para as peças da parte traseira/cauda dos Puma S2”, porquanto dessa referência resulta que nada estava decidido. Ademais, são já ali referidas interacções da Aérospatiale e da Turbomeca com as OGMA, em Portugal, para definir as soluções perspectivadas (Solução Puma S1 e Solução Puma S2), mas sempre com a alusão a um canal de peças sobresselentes, o que significa que, numa altura em que AA ainda não havia estabelecido qualquer canal, já estavam em andamento as conversações com as OGMA para a sua participação no projecto do Puma S2 (ou seja, o novo helicóptero que veio a ser o Oryx).
Note-se também que as datas indicadas no documento n.º 76 em relação às reuniões ocorridas em Paris entre AA e TT não correspondem com aquelas que são alegadas pelas autoras, porquanto o primeiro menciona que tiveram lugar em 1985 e o segundo situa-as em 1986.
A este propósito – documento n.º 19 - a testemunha MM disse que, já nesta altura, em Fevereiro de 1986, a Aérospatiale tinha estado em discussões com as OGMA relacionadas com o MTH, sendo que então estavam, em cumprimento do pedido solicitado por SS, a contactar AA mas no âmbito do fornecimento de peças sobresselentes. Ou seja, o Projecto Adenia ainda estava numa fase muito incipiente, mas os contactos já tinham sido iniciados (até porque, por regra, era o fornecedor do material à África do Sul que procurava um meio de fazer chegar o produto ao destino, sendo normal contactar as OGMA, que por sua vez também fabricavam material aeronáutico) e, por outro lado, paralelamente, procuravam um canal alternativo para o fornecimento de peças sobresselentes e foi nesse âmbito que AA, depois de ter oferecido os seus serviços, foi contactado – cf. páginas 23-28 do depoimento de MM prestado 20 de Março de 2015, junto em 7-03-2022, Ref. Elect 4835295.
Quanto ao documento n.º 2571 - acta de 21 de Abril de 1986 da reunião do conselho técnico em Paris -, a referência à intervenção de AA no canal de assistência português, como já acima se deu conta, e, em concreto, ao canal Portugal ali mencionado, verifica-se que consta, à frente dessa menção, a possibilidade de diversos itens do Projecto Adenia serem obtidos através de Portugal, tendo a SNIAS (Aérospatiale) indicado que possivelmente utilizariam as OGMA como subcontratantes, sendo mais plausível que a alusão às discussões a manter com AA se reportem à alínea b) do ponto ii) (Canal de assistência português (AA)) do que à alínea a), que se reporta à cooperação com a FAP, claramente já iniciada pela Aérospatiale nessa data (Abril de 1986), sendo certo que a testemunha MMassociou as discussões com AA às peças sobresselentes e não ao Projecto Adenia - cf. páginas 49-50 do depoimento de MM prestado em 20 de Março de 2015, junto em 7-03-2022, Ref. Elect 4835295.
Também no que diz respeito ao documento n.º 7 junto com a petição inicial72, que constitui uma carta da autora BSI, de 11 de Fevereiro de 1987, dirigida a SS, dando conta que em Abril de 1986 a FAP já havia aceitado a inclusão na sua encomenda de peças para motores ou das estruturas para helicópteros SA320, mas que tal se mantinha suspenso, confirmando a pretensão da FAP em obter uma compensação de 10% do valor da factura, que nada teria a ver com a compensação da BSI, nada dele se retira no sentido apontado pelas autoras, ou seja, que tenham existido reuniões entre estas e a ré no âmbito do Projecto Adenia, com o objecto que este contemplava e referido em DD) e 6) dos factos provados.
Por outro lado, o documento n.º 6 junto com a petição inicial73, que constitui uma carta subscrita pelo General VV, director das OGMA, dirigida à BSI, com data de 23 de Fevereiro de 1987, não pode ser atendida, por si só, para dar como provado que as autoras foram mandatadas pela ré para intermediar junto das OGMA a colaboração destas na produção de kits para o novo helicóptero.
E tal documento não tem essa virtualidade por ter decorrido da prova testemunhal o contexto em que foi elaborado, ou seja, a sua emissão teve lugar na sequência da reunião do general UU, a agir em representação das autoras, com o general DD, no final de 1986 e depois da reunião deste com o general VV, que por ele foi chamado para abordar o assunto da intervenção das OGMA, num momento em que, conforme resulta do seu depoimento, já o general VV tinha conhecimento dessa possibilidade de intervenção, por ter sido contactado directamente pela Aérospatiale (o que corrobora a versão das testemunhas KK e MM, no sentido de que a decisão de contactar as OGMA no âmbito do Projecto Adenia foi da iniciativa da Aérospatiale), tendo o documento sido redigido precisamente para justificar a intervenção das autoras.
Com efeito, embora o general VV não tenha sido ouvido no âmbito dos presentes autos, consta do processo o documento n.º 20 junto com a contestação74, que constitui o depoimento por ele prestado no âmbito do processo que correu termos na África do Sul, onde explicou que redigiu esta carta a pedido de AA, que pretendia com isso que se soubesse que a sua empresa tinha feito este trabalho para a África do Sul. Embora tenha estranhado o pedido, como na sua conversa com o general DD este tinha falado dessa empresa, presumiu que a respectiva intervenção estava correcta e não teve dúvidas em colocar esse facto por escrito, ainda que com precauções para que não ficasse claro do que se tratava.
Este depoimento tem de ser conjugado com o depoimento do general DD, não tanto aquele que prestou nestes autos em Julho de 201575 - cuja transcrição foi junta em 22 de Março de 202276 -, que se revelou um depoimento manifestamente confuso e muito pouco claro -o que se justifica quer pelo longo tempo decorrido entre a verificação dos factos e a data da sua colheita, quer pela idade do depoente -, mas sim o depoimento prestado no contexto do processo que correu termos na África do Sul, cuja transcrição foi junta com a contestação como documento n.º 1877, onde se pode constatar que relatou ter sido contactado, ainda em Março de 1986, pelo general UU, que estava associado às aqui autoras, que lhe apresentou a proposta de colaboração da FAP para o fornecimento à África do Sul de peças sobresselentes para helicópteros e aeronaves C-130 e reparação de motores desse tipo de aeronaves, sendo que quis saber que benefícios existiriam para a FAP, tendo existido reuniões posteriores com esse general e uma com AA, onde se discutiram os meios de transporte do material, sendo que apenas em Dezembro de 1986 o general UU lhe falou na questão da modernização dos helicópteros da África do Sul e na possibilidade de actualização também para os portugueses. Esta foi a primeira vez que ouviu falar deste assunto, mas referiu claramente que estavam a ocorrer conversas para o negócio com as peças sobresselentes, quando surgiu a possibilidade de intervenção no projecto de actualização dos helicópteros. Quando chamou o general VV, director das OGMA, apercebeu-se que este já estava em negociações com a Aérospatiale no âmbito desse Projecto. Na sequência disso comunicou ao general UU que a FAP aceitava participar no projecto.
Daqui decorre que existiram conversas simultâneas a propósito de diversos projectos para a participação das OGMA e que por alguma razão, as autoras, por intermédio do seu representante AA, tiveram conhecimento da pretensão da África do Sul de actualizar o helicóptero ou produzir kits componentes para o novo helicóptero que veio a ser o Oryx, não tendo de modo algum resultado provado que a sua intervenção nas negociações com as OGMA, traduzidas nas mencionadas reuniões com os referidos generais, lhe tenha sido solicitada pela ré em algum momento, tanto mais que tais negociações estavam já a ocorrer quando o general DD foi abordado pelo general UU a esse propósito.
Pelas razões supra referidas, o documento n.º 6 também não tem a utilidade probatória visada pelas autoras nesta sede.
Já no que diz respeito ao depoimento das testemunhas JJ e JJJ não se vislumbra, sobremaneira das passagens transcritas pelas recorrentes, como podem demonstrar que a intermediação das autoras no âmbito do Projecto Adenia foi solicitada pela ré e que para o efeito tenha AA sido chamado a reuniões em Paris e que nessas reuniões os pormenores desse Projecto tenham com ele sido discutidos. O facto de se saber que desde 1983 a FAAS já tinha identificado a necessidade de melhoramento da sua frota de helicópteros, na sequência do que JJ foi nomeado para supervisionar a implementação do Projecto Oryx, não significa, como é evidente, que desde então ou que em 1985 AA já tivesse conhecimento da sua existência.
As recorrentes invocam ainda o documento n.º 40 junto pela ré com o requerimento de 4 de Fevereiro de 201578, que constitui uma mensagem de MM para MMM, com data de 4 de Agosto de 1987, em que este aborda as possibilidades de distribuição em relação às OGMA (identificada como O) e com o AA (referido pelo nome de código AA) no canal Micron (ou seja, o nome de código do canal português), a propósito de Kingsley (outro nome do Projecto Adenia), reabastecimento 330, reparações fábrica alimentação Kat Z e entrega de peças sobresselentes Kat Z, aludindo à distribuição das peças através de Chocolate (o canal Reino Unido via Micron), sendo que AA é sempre associado à questão das peças sobresselentes. Mais ali se alude a LLL (LLL), da Aérospatialee, referindo que esta e Micron planeiam assinar um contrato para o S1 (termo pelo qual era designado o programa de actualização dos motores dos Puma portugueses, conforme explicitou a testemunha MM) no último trimestre de 1987 e apenas depois disso tomariam decisão quanto a um contrato para as peças sobresselentes para o S1 a serem fabricadas pelo canal português e só depois disso a Aérospatiale tomaria decisão em relação ao apoio ao fabrico pelas OGMA, mas ponderam que as peças sobresselentes/componentes do S2 (actualização ou produção do novo helicóptero da África do Sul) sejam fabricados nas OGMA.
Todo o texto da mensagem está de certo modo encriptado pela circunstância de ser escrito em frases curtas e truncadas, com sucessivos nomes de código e com referências simultâneas às OGMA (O), ao canal Micron, a AA, a peças sobresselentes do S1, a peças sobresselentes e componentes do S2, sem que se lobrigue de que se trata, em concreto, em cada específico ponto analisado.
Acresce que no ponto 4. é referido que não existe urgência em debater qualquer assunto relativo ao projecto Kingsley com Lavita/Micron, cingindo as discussões e a necessidade de conhecimento das instalações da O (OGMA) relativamente aos três parâmetros supra mencionados, com excepção do Kingsley, sendo que AA estaria envolvido “em todas as acções de apoio”.
MM, confrontado com este documento, mencionou que a referência a reabastecimento 330 se reporta ao fornecimento de peças sobresselentes para o Puma normal e Kat Z seria o motor C-130, tendo explicado que nesta altura já tinham sido entregues 15 kits no âmbito do Projecto Adenia, sem intervenção das OGMA e que esta só se perspectivava para 1988, sendo que a intervenção a ter junto das OGMA e Portugal se justificava precisamente, naquele momento, não para o Projecto Adenia, mas para as peças sobresselentes Puma, a reparação do motor C-130 e o fornecimento de peças sobresselentes para este motor, o que nada tinha a ver com aquele Projecto, sendo que o contacto com AA se cingiria a estas últimos e não àquele Projecto. Mais disse que foi nessa sequência que AAorganizou a visita às OGMA e apenas para esse efeito, visita que teve lugar em Outubro de 1987, tendo explicado, já a instâncias da ilustre mandatária das autoras, que não obstante existirem conversas directas entre a Aérospatiale e as OGMA, a intervenção do Pinhol nas peças sobresselentes dizia respeito a outro projecto e a separação de intervenções estava em consonância com a separação que a ré estabelecia para as várias categorias de compras – cf. páginas 64-75 e 99 dodepoimento de MM prestado em 20 de Março de 2015, junto em 7-03-2022, Ref. Elect 4835295.
Assim, ainda que o texto do documento n.º 40 não seja claro e suscite as dúvidas que foram levantadas precisamente pela ilustre mandatária das autoras quanto à intervenção de AA no âmbito das diversas ponderações que estavam em curso, a explicação de MM é plausível. De todo o modo, ainda que se mantenha a dúvida, certo é que na ausência de corroboração seja com base na prova testemunhal, seja com base na prova documental, tal documento não esclarece o âmbito da intervenção solicitada a AA. Que este foi solicitado pela ré para mediar ou indicar contactos em Portugal com vista à implementação do canal português para peças sobresselentes não há grandes dúvidas; que o negócio se tenha concretizado, não foi provado; que AA chegou a indicar um contacto para o fornecimento de um visor de helicóptero está demonstrado e que ele foi remunerado por isso. Assim, que existiram negócios entre a ré e AA, por si ou em representação das autoras, parece claro. Se, simultaneamente, actuou no âmbito do Projecto Adenia não foi de todo esclarecido no âmbito dos presentes autos.
Por fim, as alusões da testemunha JJJ à data do pedido de cinquenta novos helicópteros para a FAAS, seja quanto à data do término do Projecto Oryx e data de entrega de peças sobresselentes em nada auxilia a esclarecer o papel das autoras na execução do Projecto.
Por tal motivo, não se detectam razões para infirmar, também quanto a estes pontos, o juízo probatório formulado pela 1ª instância, que assim se mantém inalterado, não existindo evidências seja de que a ré tenha contactado AA, em finais de 1985/inícios de 1986, que este tenha sido chamado por TT para comparecer em Paris, seja que ali tenha ido para debater a intervenção das autoras no Projecto Adenia e que lhe tenham sido clarificados, em outras reuniões, que existiram, os contornos daquele Projecto.
Improcede, nesta parte, a impugnação dirigida à decisão sobre a matéria de facto.
i. Alíneas m), n) e o) dos factos não provados e aditamento de um novo facto
O Tribunal a quo deu como não provado o seguinte:
m) Que, nos princípios de 1986, a ré Armscor, por intermédio dos Srs. TT e SS, numa nova reunião ocorrida na Embaixada da República da África do Sul, em Paris, com o Sr. AA, tenha solicitado expressamente às autoras a prestação dos seus serviços de mediação e de promoção de negociações junto das autoridades militares portuguesas tendentes a obter o seu consentimento na criação e estabelecimento em Portugal de um esquema de montagem, distribuição, remessa e transporte dos helicópteros de Busca e Salvamento desde França para a República da África do Sul (conhecido entre as partes como o “Canal Português”) no âmbito do Projeto Adenia, e que as autoras tenham aceitado esta proposta.
n) Que tenha sido expressamente solicitado às autoras pela ré Armscor o estabelecimento de negociações com a Força Aérea Portuguesa de modo a obter o consentimento dos seus mais altos responsáveis, e com a empresa OGMA, por ser a entidade, em Portugal, com a logística e conhecimentos necessários para executar o projecto em apreço no âmbito do Projecto Adenia, e que as autoras tenham aceitado esta proposta.
o) Que a criação em Portugal de um sistema de montagem e de distribuição comercial dos helicópteros de busca e salvamento – designado como Canal Português – tenha sido expressamente acordado entre a ré Armscor e a Aérospatiale no âmbito do Projecto Adenia.
A 1ª instância fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“Quanto às alíneas m) e n), também não existe qualquer prova da existência de reuniões tendo como assunto o projeto Adenia: não existe qualquer documento fazendo-lhe referência; nenhuma testemunha referiu ter participado ou tido conhecimento disso. No mais, quanto à existência da expressa incumbência/contratação das autoras, remetemos para o que já foi referido na parte inicial da fundamentação.
Alínea o) – Não foi feita prova direta do que foi negociado entre a ré e a Aérospatiale, não tendo nenhuma das testemunhas referido que isso fazia parte do acordo inicial entre as duas empresas. As testemunhas KK e MM referiram que efetivamente houve o “Canal Português”, mas mais tarde, tendo o projeto Adenia funcionado inicialmente por via direta (Canal Maranta), por Hong Kong (Canal Otonys) e por Singapura.”
As apelantes discordam do assim decidido e argumentam do seguinte modo:
i. Os documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial revelam as reuniões mantidas com a ré, sendo que a alusão às peças sobresselentes do C-130 não correspondeu a uma discussão efectiva e a proposta das autoras ali descrita reporta-se não a essas peças mas ao estabelecimento de uma rede de montagem, transporte, fornecimento e entrega de componentes e kits de upgrade de helicópteros, através de Portugal;
ii. No documento n.º 25, de 25 de Fevereiro de 1986, menciona-se que o estabelecimento da rede e do canal português com intervenção do AA seria para algo mais do que peças sobresselentes, sendo referido que LLL o viu como possível para peças da parte traseira/cauda dos Puma S2, daí que se justifique que em 11 de Fevereiro de 1987 as autoras tenham comunicado à ré que a FAP confirmou o interesse em incluir além das peças para os motores ou estruturas dos helicópteros SA330, o tipo de material destinado à Armscor, conforme documento n.º 7 da petição inicial, portanto não eram apenas peças sobresselentes, o que foi confirmado pela carta das OGMA para as autoras de 23 de Fevereiro de 1987 e pela carta da FAP de 6 de Janeiro de 1987, documento n.º 4 junto com a petição inicial;
iii. O depoimento de DD, que confirmou ter sido o general UU, colaborador das autoras, quem primeiro o contactou para estabelecer a ligação da FAP com o fornecimento de peças à África do Sul, ainda antes de esse assunto ser abordado pelo general VV que, alegadamente, já estaria em negociações com a Aérospatiale, mas tendo sido aquele quem primeiro mencionou a possibilidade de negócio de transformação do Puma em Super Puma, através de kits de upgrade S2;
iv. O depoimento de KK, que mencionou a sua presença numa reunião com as OGMA, em Outubro de 1987, onde encontrou AA, referindo que logo transmitiu que naquela reunião não se falaria de helicópteros, mas acabou por confirmar que não sabia se aquele tinha sido ou não contratado pela ré para a prestação de quaisquer serviços, admitindo que, afinal, não tinha conhecimento de tudo o que estava a acontecer, para além de a reunião em causa ter sido organizada por AA e MM, como este relatou.
Com base neste conjunto de elementos probatórios pretendem as recorrentes que seja dado como provado o seguinte:
“Provado parcialmente o Facto M) nos seguintes termos: “Que, nos princípios de 1986, a ré Armscor, por intermédio dos Srs. TT e SS, numa reunião ocorrida na Embaixada da República da África do Sul, em Paris, tenha solicitado expressamente às autoras a prestação dos seus serviços de mediação e de promoção de negociações junto das autoridades militares portuguesas tendentes a obter o seu consentimento na criação e estabelecimento em Portugal de um esquema de montagem, distribuição, remessa e transporte dos helicópteros de Busca e Salvamento desde França para a República da África do Sul (conhecido entre as partes como o “Canal Português”) no âmbito do projeto Adenia, e que as autoras tenham aceite esta proposta”.
Provado parcialmente o Facto N) nos seguintes termos: “Que tenha sido expressamente solicitado às autoras pela ré Armscor o estabelecimento de negociações com a Força Aérea Portuguesa de modo a obter o consentimento dos seus mais altos responsáveis, e com a empresa OGMA, no âmbito do projeto Adenia, e que as autoras tenham aceite esta proposta”.
Provado o Facto O) nos seguintes termos: “Que a criação em Portugal de um sistema de montagem e de distribuição comercial dos helicópteros de busca e salvamento – designado como Canal Português – tenha sido expressamente acordado entre a ré Armscor e a Aerospatiale no âmbito do Projeto Adenia”.
E que seja aditado o seguinte facto ao elenco de factos provados: “Que a decisão sobre a utilização das autoridades Portuguesas no Projeto Adenia/no fornecimento de kits de upgrade/em componentes, equipamentos ou peças através de Portugal implicavam a prévia autorização do General DD”.
A ré reitera que os documentos n.ºs 2 e 3 mencionados nada têm que ver com o Projecto Adenia e que os documentos n.ºs 19 e 7 (petição inicial) não são aptos a demonstrar o envolvimento de AA, mas antes a sua relação com um canal português para peças sobresselentes normais de helicóptero; o documento n.º 4 junto com a petição inicial deve ser desconsiderado pelo Tribunal por ter sido escrito a pedido de AA e do General UU, para além de dele nada resultar expressamente quanto ao Projecto Adenia, sendo equívoco o seu sentido, como realçado pela 1ª instância; resulta dos autos que os contactos entre a ré e a FAP/OGMA foram feitos por intermédio da Aérospatiale, o que não é infirmado pelo depoimento de DD, em conjugação com o do general VV, que já tinha contactado a Aérospatiale devido ao défice de capacidades operacionais do helicóptero Puma (SA330) português, não dispondo de recursos financeiros para a sua melhoria ou aquisição de um novo motor, através da Turbomeca (responsável pelos motores Puma), o que levou a suscitar a questão da intervenção das OGMA em trabalhos para a África do Sul, assunto que era do conhecimento de um grupo restrito de pessoas e foi confirmado por MM e KK; os interesses da FAAS e da Armscor foram veiculados por intermédio da Aérospatiale e não por AA e as autoras, sendo que o pedido ao general DD para uma declaração confirmando o seu assentimento quanto ao envolvimento da FAP e OGMA com uma data anterior à real denuncia a intenção de criarem a aparência de que estiveram envolvidos neste projecto.
Apreciando.
Aquilo que as apelantes pretendem com a modificação ora visada dos factos não provados é que se dê como provado, essencialmente, que em 1986, numa reunião na embaixada da África do Sul, em Paris, a ré lhes solicitou serviços de mediação e promoção de negociações junto das autoridades militares portuguesas/FAP/OGMA para a criação de um esquema de montagem, distribuição, remessa e transporte de helicópteros de Busca e Salvamento desde França para a África do Sul, no contexto daquele que foi o Projecto Adenia e que esse sistema, configurado desse modo, foi acordado entre a Armscor e a Aérospatiale.
Ora, no que diz respeito aos documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial e, bem assim, ao documento n.º 25 junto em 3 de Fevereiro de 2015, a análise quanto ao seu conteúdo e interpretação que deles se pode retirar para suportar a tese das autoras foi já atrás efectuada, a propósito da impugnação dirigida contra os factos não provados sob as alíneas h), i), j) e k), tendo-se concluído pela inviabilidade de, com base em tais documentos, se afirmar que as autoras foram contactadas pela ré e que entre elas foi estabelecido um negócio, um contrato ou um acordo, dizendo respeito ao desenvolvimento ou implementação do Projecto Adenia, para que aquelas actuassem e diligenciassem pelo estabelecimento de negociações com a FAP/OGMA, pelas razões que bastamente ali se deixaram expendidas e que aqui se dão por reproduzidas.
O documento n.º 4 junto com a petição inicial constitui uma carta subscrita pelo general DD dirigida à BSI, ao cuidado do general UU, com data de 6 de Janeiro de 1987, dando conta que relativamente aos “interesses comuns FAP/BSI”, considera aceitáveis as propostas feitas.
Ora, como o próprio general esclareceu no seu depoimento prestado no âmbito do processo que correu termos na África do Sul, a abordagem que recebeu do general UU ocorreu na primeira metade do ano de 1986 e foi a propósito da intervenção da FAP no fornecimento de peças sobresselentes de helicópteros e aeronaves C-130 e reparação de motores, tendo ocorrido reuniões posteriores para discussão do transporte de material, sendo que até então o negócio não se materializou. Depois, existiu uma reunião em 18 de Dezembro de 1986, em que foi abordada a percentagem de comissão no negócio das peças sobresselentes e em que foi aventada uma outra questão, a de modernização ou actualização dos Pumas da África do Sul, questão que o interessou porque poderia ter a contrapartida de aplicar o novo motor nos Pumas de Portugal, vindo a perceber depois, quando chamou o general VV para lhe apresentar essa questão, que este já estava em negociações com a Aérospatiale. Pelo que, conforme acima se mencionou, não resulta evidente dos autos que o início das conversações com a FAP/OGMA tenha sido estabelecido pelas autoras ou sequer que a ré as tenha incumbido de tal tarefa, até porque, como referiram KK e MM, também confirmado pelo general VV, o contacto com as OGMA já estava em curso (aliás, apenas numa segunda reunião com o general DD este abordou o assunto da actualização dos helicópteros – cf. fls. 1837-1838, VII volume).
Por sua vez, o general DD esclareceu que no dia 6 de Janeiro de 1987, e depois de ter falado com o general VV - que lhe explicou os detalhes da actualização do helicóptero -, comunicou ao general UU que decidira autorizar a intervenção da FAP, o que fez verbalmente. Apenas mais tarde, meses depois, o general UU lhe pediu para comunicar essa decisão por escrito, o que fez através da missiva que constitui o documento n.º 4 (tento ainda esclarecido que o general UU lhe tinha entregado um documento por ele escrito para dar a ideia do que pretendia, mas com o que não concordou, por não querer que determinadas coisa ficassem por escrito e daí ter redigido esta carta em termos gerais – cf. fls. 2398-2399 do seu depoimento, VIII volume).
Daqui se retira que este documento n.º 4, para além de ter sido redigido a solicitação do general UU e meses depois da conversa ocorrida em Janeiro de 1987, foi elaborado num contexto que não resultou claro, não se descortinando a que assuntos ou “interesses comuns” pretendia o general DD se reportar.
Os documentos n.ºs 6 e 7 juntos com a petição foram já analisados atrás e deles não se pode retirar qualquer relevância probatória consistente para demonstrar a atribuição de um mandato às autoras pelas rés para agirem como intermediadoras nas negociações com as OGMA a propósito do Projecto Adenia, para além de estar já esclarecido nos factos provados e não impugnados que os componentes que deveriam circular a partir de Portugal para a África do Sul não tinham que ver apenas com helicópteros de Busca e Salvamento, ainda que pudessem vir a exercer essas funções (cf. pontos 17) e 18) dos factos provados), sendo que ao facto de a FAP ter aceitado, em Abril de 1986, que fosse incluído na encomenda de peças para os motores ou estruturas dos helicópteros, o tipo de material destinado à Armscor referido no documento n.º 7 em nada altera o que acima se deixou consignado, até porque a decisão de as OGMA participarem nessa função foi tomada em 1987.
Que a decisão de avançar com o projecto caberia ao general DD, enquanto Chefe de Estado-Maior da Força Aérea Portuguesa, não é facto colocado em crise pela ré, que não se opõe ao aditamento de um ponto de facto nesse sentido, sendo certo que, por si, tal não permite infirmar a circunstância de o general VV já estar em negociações com a Aérospatiale, atenta, aliás, a autonomia administrativa e financeira que detinha e, mais do que isso, a margem ampla de actuação que o general DD lhe concedia, como o próprio referiu.
A reunião de 19 de Outubro de 1987 nas OGMA, com a presença, entre outros, de KK, MM e AA, com uma ordem de trabalhos reflectida no documento n.º 42 junto com o requerimento da ré de 4 de Fevereiro de 201579, emitido ao que parece pela BSI, sem assinatura, que constitui uma resenha da visita a Alverca e onde se menciona como tendo sido discutido, para além dos motores C-130 e transformação/kits Puma, a versão S1 e S2, indiciaria que ali se tinha discutido já a possibilidade de intervenção das OGMA na produção de componentes para o S2 (Oryx), mas a testemunha MM, como acima se deu nota, esclareceu que os contactos com as OGMA já estavam a ocorrer desde Fevereiro de 1986, para além de não ter confirmado a síntese do documento n.º 42, que disse nunca ter visto e que a reunião em Alverca era para discutir os motores C-130, peças sobresselentes e o potencial de peças sobresselentes de helicópteros Puma e Alouette, tendo sido deixado muito claro por KK, que presidia à reunião, que se trataria apenas das peças sobresselentes e de nenhum outro assunto, o que o próprio KK referiu no seu depoimento – cf. página 44-45 do depoimento de KK, transcrição junta em 7 de Março de 2022, da Ref. Elect. 31888496, terceiro ficheiro.
Retomando as considerações acima efectuadas a propósito destes depoimentos e dos diversos documentos convocados, incluindo o documento n.º 25 junto em 3 de Fevereiro de 2015, foi claramente justificada a presença de AA na reunião de 19 de Outubro de 1987, não sendo possível concluir que este ali estava para discutir a intervenção das OGMA no Projecto Adenia, tanto mais que a colaboração das primeiras, com a produção de componentes, apenas foi decidida já em 1988, pois naquela altura, Agosto e Outubro/Novembro de 198780, já tinham sido entregues 15 kits completos na África do Sul para o S2, sem envolvimento das OGMA, o que sucedeu através de outros canais – cf. página 73 do depoimento de MM transcrição junta em 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496, quarto ficheiro; documento n.º 35, de 30-03-1987, sobre as datas de entrega dos kits 1 a 8, junto a fls. 7207 verso, XXIX Volume, tradução junta em 11-05-2015, Ref. Elect. 4813407.
A existência prévia de outros canais para o fornecimento à África do Sul dos componentes do S2 afasta, de igual modo, a pretensão de dar como provado que entre a ré e a Aérospatiale tenha existido um acordo para a criação do sistema de montagem e distribuição com referência ao Projecto Adenia, solução que surgiu apenas mais tarde e cingida a alguns componentes do novo helicóptero, como referido pelas mencionadas testemunhas e se deixou explanado na fundamentação da decisão recorrida.
Assim, mantêm-se inalterados os factos não provados descritos nas alíneas m), n) e o).
Face à não oposição da ré e porque o general DD afirmou expressamente que a autorização para a intervenção das OGMA dependia dele próprio, mas não afirmou que tomou uma decisão por influência das autoras, adita-se o seguinte facto ao enunciado dos factos provados:
22) A decisão sobre a utilização das autoridades militares portuguesas/OGMA no fornecimento de kits de upgrade implicavam a prévia autorização do general DD.
i. Alínea p) dos factos não provados
O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte:
p) Que, tendo em vista o Projecto Adenia, em Fevereiro de 1986 a ré Armscor tenha decidido fazer um teste às capacidades negociais e rede de contactos das autoras e que o chamado Projecto Orion tenha constituído esse teste.
Que fundamentou do seguinte modo:
“No que respeita à alínea p), não tendo sido feita prova da solicitação/contratação referida na alínea m), também não foi feita qualquer prova – por documentos ou testemunhas – de que a ré tenha querido fazer um teste prévio à contratação das autoras, e que o projeto Orion – que efetivamente existiu, e no qual as autoras participaram como intermediárias – constituísse esse teste. Importa referir que existem diversos documentos, designadamente cartes trocadas entre as autoras e a ré reveladoras de que aquelas intermediaram diversos negócios para a ré (cfr., v.g. o documento 48, fls. 8071, 28º volume; o documento 55, fls. 8102, 28º volume; o documento 67, fls. 8228, 29º volume; o documento 69, fls. 8235, 29º volume) que nada têm a ver com o Adenia/MTH/Oryx, nada permitindo concluir que o projeto Orion tenha sido algo diferente.”
As apelantes não só alertam para o que resultou provado sob as alíneas L) e M), mas também que no documento n.º 76 junto em 4 de Fevereiro de 2015, TT declara que AA aceitou efectuar a exportação de um visor de helicóptero (material de visão nocturna) de França para a África do Sul, para confirmar a sua boa-fé, o que significa que foi um teste que a ré quis fazer; também MM confirmou que o Projecto Orion correspondia a um projecto de óculos de visão nocturna, pelo que tal facto deve ser dado como provado.
A ré/recorrida entende que os factos provados não contendem com a conclusão do Tribunal recorrido de que não é possível concluir que o Projecto Orion fosse um teste às capacidades das autoras para efeitos do Projecto Adenia, nem isso se retira do documento n.º 76.
Efectivamente, dos factos provados sob as alíneas L) e M) apenas se extrai que a ré incumbiu AAda intermediação da compra de um sistema de voo nocturno, denominado Projecto Orion, no que aquele foi bem-sucedido, tendo por isso sido remunerado. Desses actos nada mais se retira quanto à natureza do Projecto Orion ou à razão determinante da intervenção de Pinhol.
O documento n.º 76 já acima foi analisado, quer na perspectiva da sua força probatória, quer no seu conteúdo, tendo-se concluído dele não emergir qualquer demonstração de que MM, em Abril de 1986, tenha informado AA dos requisitos associados ao fornecimento de componentes para o S2 e dele também não se retira que a intervenção no projecto Orion tenha funcionado como um teste para uma futura participação no Projecto Adenia, tanto mais que a possibilidade de usar as OGMA como canal foi apenas sugerida mais tarde, pela Aérospatiale.
O facto descrito em p) deve, pois, manter-se como não provado.
*
c. Tema da prova 3) – “Actividades desenvolvidas pelas autoras na prossecução do acordo referido em 2) no sentido de criar o chamado canal português no âmbito do Projecto referido em 1)” Factos não provados c), q), r), s), t), u), v), aa), bb), cc), ff), gg), hh), jj), oo), qq) e tt)
i. Alíneas q), r) e s) dos factos não provados
A 1ª instância deu como não provados os seguintes factos:
q) Que, no ano de 1986, UU, GGG e AA tenham, em representação das autoras, iniciado contactos com militares portugueses tendentes à criação de um “Canal Português” no âmbito do Projecto Adenia.
r) Que em Março de 1986 o general UU em reunião com o general EE tenha visado obter o apoio do general DD no estabelecimento do “Canal Português” no âmbito do Projecto Adenia.
s) Que em Março de 1986 o general UU, em reunião com o general DD, lhe tenha exposto os termos e objecto do Projecto Adenia, explicando-lhe que uma empresa sul-africana pretendia um canal de montagem e distribuição de materiais e componentes de helicópteros utilizando as valências das OGMA e que este lhe manifestou interesse, exigindo uma compensação em material.
E justificou a resposta nos seguintes termos:
“Da alínea q), na qual nem sequer são identificados os concretos militares contactados, não foi feita prova de qualquer concreto contacto atinente ao projeto Adenia, sobre o qual nenhuma testemunha falou nem qualquer documento comprova.
Quanto às alíneas r) e s), não foi feita prova de que estas reuniões tenham versado sobre o projeto Adenia. Não existem atas ou relatórios destas reuniões, tendo a testemunha DD negado a existência de documentos oficiais das mesmas, referindo apenas ter feito algumas anotações pessoais.
Apenas a testemunha General DD (cfr. fls. 10075-10107, 37º volume) depôs acerca destas reuniões com o general UU.
No seu depoimento não existe qualquer referência à denominação de projeto Adenia. Quanto ao assunto das reuniões, a testemunha refere que inicialmente, antes de dezembro de 1986, foi o “fornecimento à Força Aérea da África do Sul de sobressalentes para helicópteros Puma de origem francesa” (fls. 10076v.º), “também falaram em sobressalentes para o avião C130, de origem americana” (fls. 10076v.º), e que só mais tarde, em dezembro de 1986, é que lhe falaram “na modernização, modificação dos helicópteros da África do Sul” (fls. 10077), “modernização e modificação de helicópteros pelas OGMA” (fls. 10077).
Não só a testemunha não confirma o que é alegado, ou seja, que houve conversas sobre fornecimentos de outra coisa além de peças sobressalentes, como não é possível deixar de assinalar o caráter confuso do depoimento, as hesitações, as dúvidas manifestadas, especialmente quanto a detalhes dessas reuniões iniciais de 1986: “confesso-lhe que não sei dizer…não sei, não sei” (fls. 10082), “aceitei que se continuasse a tratar com a África do Sul” (fls. 10084), “pois, talvez não. Não sei ” (fls. 10084vº), “Pois, talvez, mas quer dizer, vamos lá a ver…já não sei o que é que tinha em mente, mas a minha mente era sempre melhorar os nossos helicopteros” (fls. 10084vº). Aliás, a própria testemunha reconhece que “… a memória já não me acompanha” (fls. 10078v.º).
Aliás, quanto ao próprio conteúdo da reunião de dezembro de 1986 o seu depoimento é bastante inseguro.
De todo o modo, deste depoimento consegue extrair-se que as conversas havidas até à reunião de dezembro de 1986 foram vagas e indefinidas, revelando ainda confusão ou incerteza quanto ao conhecimento detalhado da proposta que lhe fora feita em dezembro: “Aceitei a proposta e autorizei que se prosseguisse na concretização do que fora…negociado, mas não… não foi discutido, não fora abordado. Quer dizer, nós tivemos umas conversas. Ao princípio foi umas conversas mais informais que… sem ideias, sem se chegar a dados concretos” – fls. 10087v.º. Dizendo então que em 18 de dezembro de 1986 lhe foi apresentada uma nova proposta e que “se calhar, foi a partir daqui” que se começou a falar de modernização de Pumas (fls. 10088), acabando por recusar confirmar de forma perentória se essa conversa só surgiu nesta data ou havia sido referida em data anterior. Reitera que afinal foi tudo muito vago: “aquilo foi sempre ideias”, “o detalhe foi sempre avançando” (fls. 10089v.º), “ficou depois para as OGMA…eu…os detalhes não entraram…””, “Eu quando decidi, aprovei, chamei o TTT e disse eu aprovo a modernização e coisa…combine lá isso com a Aérospatiale” (fls. 10090).
Ou seja, a testemunha admite que apenas discutiu ideias em bruto ou traços gerais e só em dezembro de 1986 lhe falaram de modernização de helicópteros, tendo dado carta branca ao general VV para definir os detalhes.
Importa, contudo, referir que a testemunha revelou de alguma proximidade e familiaridade com o representante das autoras e sua família, apesar de ter negado qualquer relação inicialmente. Refere que AA lhe foi apresentado pela primeira vez em 1986 (fls. 10076v.º) e, não referindo se estabeleceu com ele algum tipo de relacionamento mais próximo, profere afirmações que claramente o indiciam: “…o AA foi…eu nem sei como é que tenho ido na conversa dele.
Desta vez foi a mulher que me telefonou e eu fiquei com pena e pronto, e vim cá.” (fls. 10078vº).
Não obstante esta proximidade, e alguma confusão no depoimento, é possível extrair do mesmo que a modernização só foi referida em dezembro de 86, o que constitui facto admitido por ambas as partes.
Em bom rigor, o depoimento infirma os factos das alíneas r) e s) na medida em que, se fosse verdade que, no início de 1986, as autoras tinham sido incumbidas de criação de um esquema de montagem, distribuição, remessa e transporte de helicópteros para a África do Sul, o “Canal Português”, não haveria qualquer explicação plausível para, nas reuniões havidas em março e abril desse ano lhe falarem unicamente de sobressalentes para helicópteros e C130, e só em dezembro de 1986 ser falada – e em termos muito vagos – uma ideia de modernização de helicópteros sul-africanos.
Uma última nota para referir que a carta assinada pelo General DD, dirigida à BSI, ao cuidado do general UU (documento 4 da p.i., fls. 73, 1º volume), em nada altera o que acima se referiu. Trata-se de um documento feito a pedido do General UU, elaborado e assinado meses após a data que do mesmo consta, desconhecendo-se qual a finalidade a que se destinava. Deteta-se aqui, novamente, alguma proximidade, estranhando-se que o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea tenha acedido a um tal pedido, assinando uma missiva vaga, que se pode adequar a qualquer assunto, não o identificando. Na carta são referidos “assuntos de interesse comum”, tanto podendo ser helicópteros como outra coisa qualquer. Parece tratar-se de uma carta de favor, da qual não se consegue retirar qualquer sentido útil.”
As autoras/recorrentes pretendem que estes factos sejam dados como provados, o que fazem convocando os seguintes elementos probatórios:
i. O depoimento do general DD, dado que este disse que a primeira abordagem à intervenção da FAP como intermediária no fornecimento de helicópteros para a África do Sul foi em 1986, tendo falado apenas ao nível de generais, tendo sido o general UU, em representação de AA, quem o abordou para o efeito, em Março daquele ano, no âmbito do Projecto Adenia, para fornecimento de peças sobresselentes, o que está demonstrado na alínea W) dos factos provados;
ii. Quanto à modernização dos Puma da FAAS, apesar de o general DD não referir nomes de código, a intermediação do general UU, em representação de AA, foi para o fornecimento que corresponderia ao canal português, no âmbito do Projecto Adenia e a intervenção das OGMA é justificada pelas suas relações com a Aérospatiale, o que foi confirmado pelo general VV, no depoimento que prestou na acção sul-africana (documento n.º 20 junto com a contestação), referindo que quando falou com o general DD ele já conhecia o assunto, que lhe tinha sido transmitido pelo general UU e AA, que para ele, VV, representavam os agentes do cliente na África do Sul.
A ré/apelada reitera que AA teve intervenção em projectos paralelos, mas em nada relacionados com o Projecto Adenia, como é o caso das negociações relativas à aquisição de peças sobresselentes de aeronaves pela África do Sul às OGMA, assunto que foi discutido em reuniões do general UU com o general DD durante o ano de 1986, mas nada aconteceu nessa fase; AA pode ter tido influência na relação entre as OGMA e a ré, mas a sua intervenção não foi, neste projecto específico, solicitada, e não resulta sequer do depoimento do general DD qualquer alusão ao Projecto Adenia, para além de a decisão recorrida estar correcta quando refere que não é congruente a alegação das autoras que no início de 1986 foram incumbidas do estabelecimento do esquema de montagem, remessa e transporte de helicópteros para a África do Sul e apenas no final desse ano, após conversas sobre peças sobresselentes com o general DD, tivessem mencionado o assunto pela primeira vez.
Apreciando.
A argumentação aduzida pelas recorrentes nesta sede nada aduz de novo quanto à versão que trouxeram aos autos e interpretação que efectuam dos elementos de prova que para estes carrearam e não tem a virtualidade de infirmar aquele que foi o juízo probatório da 1ª instância, designadamente no que diz respeito à resposta negativa aos factos ora em análise e que acima se reproduziu.
Como já se referiu supra, o depoimento do general DD no contexto deste processo pouca utilidade assume, para além de, de modo muito genérico, confirmar o seu pretérito depoimento – transcrito no documento n.º 20 junto com a contestação – e a que já se aludiu, sendo que a inconsistência, vaguidade, a falta de clareza do conteúdo das conversas foram realçadas – e bem – na decisão recorrida, sendo inviável convocá-lo para demonstrar que a abordagem efectuada pelo general UU teve sempre em vista estabelecer o canal português a favor da ré e da África do Sul, no contexto do Projecto Adenia, quando já se deixou expresso o entendimento de que estavam em curso negociações em processos paralelos, que nada tinham que ver com este Projecto, a que se associa o facto de o general VV já estar em contacto com a Aérospatiale para a possível implementação da colaboração das OGMA na produção de componentes, o que justifica que se adira àquela que foi a convicção do tribunal recorrido, sendo de relevar, como ali se aponta, para a confusão entre assuntos, datas de reuniões e o facto de as conversas terem sido, nessa fase, muito genéricas, sem concretização de um acordo (acordo que, no âmbito do Projecto Adenia, apenas veio a ter lugar entre as OGMA e a Zandumec - empresa fachada da ré - em Junho de 198881).
O facto provado sob a alínea W) não tem, como é evidente, qualquer utilidade para a modificação que as recorrentes pretendem alcançar, sendo que a existência das reuniões entre DD e UU, por si só, nada revelam quanto ao que estava a ser conversado entre ambos.
Os depoimentos dos generais DD e VV foram já analisados e pelas razões supra expendidas não se vê como discordar da ponderação efectuada pela 1ª instância. Quanto a este último, apenas mais uma nota para referir que o general explicou, quando prestou depoimento na acção n.º 6566/93 que correu termos na África do Sul, que numa primeira reunião com o general DD este apenas lhe falou do fornecimento de peças sobresselentes, sendo que a questão da modernização dos helicópteros apenas surgiu numa segunda ocasião, conversas que situou sempre no final de 1986 e início de 1987, o que revela que a abordagem ao general DD, por parte do representante das autoras, se terá cingido, inicialmente, ao primeiro assunto. Mais disse então o general VV, que a questão da modernização dos helicópteros era um assunto secreto, que estava a ser tratado entre ele, o OOO, representante das OGMA junto da Aérospatiale e esta última. Ademais, explicou que o transporte das peças a fabricar pelas OGMA seria efectuado “através de um sistema conhecido em Portugal, com um despachante aduaneiro que iria enviar os Kits para a África do Sul por meios invisíveis”, sem qualquer alusão à intervenção de AA, referindo que o assunto seria tratado entre a Aérospatiale, a Turbomeca e as OGMA, com exclusão de qualquer outra pessoa – cf. Documento n.º 20 junto com a contestação, fls. 2434 a 2440, VII volume.
Nada há, pois, a alterar quanto aos factos dados como não provados sob as alíneas q), r) e s).
i. Alíneas u), v) e aa) dos factos não provados
O Tribunal a quo deu como não provado o seguinte
u) Que na reunião de 7 de Abril de 1986, o general DD tenha manifestado ao general UU a sua aceitação aos termos do negócio referente ao Projecto Adenia.
v) Que nessa reunião de 7 de Abril de 1986 o general DD tenha afirmado que a contrapartida pela participação no Projecto Adenia deveria ser liquidada pela empresa sul-africana em kits de “upgrade” S1 para os 10 helicópteros Puma detidos pela Força Aérea Portuguesa à data, sem quaisquer custos.
aa) Que em 6 de Janeiro de 1987, o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea Portuguesa, general DD tenha enviado à autora BSI a carta junta como documento n.º 4 da p.i., para confirmar a aceitação da Força Aérea Portuguesa às propostas das autoras relativas ao Projecto Adenia.
Fundamentando:
“Quanto às alíneas u) e v), reiterando o que já acima se referiu, não resulta do depoimento do General DD que nestas reuniões tivesse havido qualquer concreto acordo, aceitação de propostas ou discussão detalhada de contrapartidas, pois só em dezembro é que foi abordada uma ideia mais concreta. Antes disso: “Quer dizer, nós tivemos umas conversas. Ao princípio foi umas conversas mais informais que… sem ideias, sem se chegar a dados concretos” – fls. 10087v.º. Em 18 de dezembro de 1986 foi-lhe apresentada uma nova proposta e que “se calhar, foi a partir daqui” que se começou a falar de modernização de Pumas (fls. 10088)”.
Quanto à alínea aa), e como acima foi referido, a carta em questão (documento 4 da p.i., fls. 73, 1º volume), foi, nas palavras do General DD, um documento elaborado a pedido do General UU, e não por iniciativa do seu subscritor, elaborado, assinado e entregue meses após a data que do mesmo consta. Ou seja, jamais poderia ter sido através desta carta que as autoras iriam ter conhecimento imediato do que quer que fosse, pois foi elaborada a posteriori.
No mais, e reiterando que já acima se expôs, o documento 4 da p.i. consubstancia uma missiva totalmente equívoca, da qual não se consegue retirar qualquer sentido útil, pois não concretiza os assuntos a que diz respeito, podendo ajustar-se a uma plêiade de explicações possíveis.”
Para fundamentar a sua pretensão de que tais factos sejam dados como provados, as recorrentes invocam que a existência das reuniões entre os generais DD e UU estão provadas, conforme alíneas X) e Y) dos factos provados e ainda o depoimento do primeiro, remetendo, no essencial, para as mesmas passagens em que o general refere a abordagem que lhe foi feita, a necessidade de confirmar a disponibilidade das OGMA, a conversa com o general VV e a autorização para avançar com a proposta, de onde retiram que aquele confirmou que ao longo de 1986 existiram negociações que culminaram no acordo quanto à modernização dos helicópteros da FAP e intervenção na actualização dos da África do Sul; e ainda o documento n.º 4 junto com a petição inicial, realçando a alusão a “assuntos de interesse comuns FAP/BSI”, o que revela a intervenção das autoras no negócio, propondo que se dê como provado o seguinte: “u) Que na reunião de 7 de Abril de 1986, o General DD tenha manifestado ao General UU a sua aceitação liminar aos termos do negócio referente ao Projecto Adenia; “v) Que nessa reunião de 7 de Abril de 1986 o General DD tenha afirmado que a contrapartida pela participação no Projeto Adenia deveria ser liquidada pela empresa sul-africana em kits de “upgrade” S1 para os 10 helicópteros Puma detidos pela Força Aérea Portuguesa à data, sem quaisquer custos”; “aa) Que em 6 de Janeiro de 1987, o Chefe de Estado Maior da Força Aérea Portuguesa, General DD tenha enviado à autora BSI a carta junta como documento n.º 4 da p.i., para confirmar a aceitação da Força Aérea Portuguesa às propostas das autoras relativas ao Projeto Adenia.”
A recorrida reitera que a existência das reuniões entre os generais não é contestada pelas partes, refutando porém que não ocorreram no âmbito do Projecto Adenia, facto que não resultou demonstrado, nem tal resulta do depoimento do general DD ou da carta subscrita por este com data de 6 de Janeiro de 1987, que o próprio afirmou ter sido escrita a pedido do general UU, meses mais tarde, para além de ali não constar qualquer referência ao Projecto Adenia ou algo que se lhe associe, pelo que não merece censura a decisão do Tribunal recorrido.
Não se pode deixar de concordar com a posição da recorrida, dando aqui por reproduzido tudo quanto acima se aduziu, seja a propósito das negociações entre os generais DD e UU, as datas das reuniões, a conversa com o general VV e aquilo que se retira do depoimento deste em confronto com o do primeiro, sendo inviável estabelecer, com segurança, que antes de Dezembro de 1986 tenha sido feita qualquer abordagem pelas autoras ou por alguém em sua representação, junto de DD para viabilizar a intervenção da FAP/OGMA no fornecimento e/ou fabrico de componentes/kits no contexto do Projecto Adenia.
De igual modo, a relevância probatória do documento n.º 4 junto com a petição inicial – carta subscrita por DD e dirigida ao general UU, com data de 6 de Janeiro de 1986, mas redigida meses mais tarde, a solicitação deste – pela vaguidade do seu teor e pela ausência de qualquer menção susceptível de concretizar “os assuntos” abordados entre as partes é de todo inviável para demonstração destes factos.
As alíneas u), v) e aa) mantêm-se, pois, entre os factos não provados.
ii. Alíneas t) e qq) dos factos não provados
O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte:
t) Que as autoras tenham reportado à ré Armscor as diligências bem-sucedidas efectuadas junto das autoridades militares portuguesas, e isso tenha sido registado em relatório interno da Armscor datado de 3 de Abril de 1986.
qq) Que as autoras tenham mantido os representantes da R. Armscor na República da África do Sul e em Paris informados quanto ao funcionamento do Canal Português no âmbito do Projecto Adenia.
Que fundamentou do seguinte modo:
“Quanto à alínea t), tendo em conta os factos não provados acima identificados, tem de, lógica e necessariamente, ser julgada não provada esta matéria, inexistindo, ademais, qualquer meio de prova – testemunhal ou documental – do qual resulte que as autoras tenham reportado à ré quaisquer diligências relacionadas com o projeto Adenia resultantes da referida reunião.
Note-se que o documento n.º 2 da petição (fls. 3781, 3782, 12º volume) não faz essa prova. Esse documento, elaborado pela testemunha MM, não faz qualquer referência ao projeto Adenia, nem faz referência a qualquer acordo prévio entre autoras e ré. Deste documento não resulta o sentido que as autoras lhe pretendem atribuir: a existência de uma incumbência prévia da Armscor às autoras, e a existência de uma reunião entre o Sr. AA e o Sr. MM para informar/reportar acerca do andamento dessa incumbência prévia.
Pelo contrário, e logo no início do documento, se revela o que aconteceu: o Sr. AA foi informar a ré duma possibilidade (“consistia em informar a TC acerca da possibilidade da prestação de assistência de fornecimento…”). E apresentou uma proposta das Forças Aéreas Portuguesas: “A proposta da Força Aérea Portuguesa consiste nomeadamente no seguinte …”. Da mesma resulta que o Sr. AA queria forçar ou acelerar a concretização dessa possibilidade, exigindo que a ré indicasse possíveis negócios para que ele prosseguisse com negociações com as FAP.
Ora, se as rés já tivessem sido incumbidas, como é alegado, em data anterior do ano de 1986, de negociar com as Forças Armadas Portuguesas a criação de um canal português para modificação de helicópteros sul-africanos, o Sr. AA já saberia qual era o negócio a negociar, e não estaria a posteriori a exigir a sua indicação. Depreende-se do texto da missiva ou relatório que o Sr. AA queria insistentemente receber qualquer tipo de pedido ou vinculação da parte da ré, e por isso exige a indicação de possíveis negócios, e depois pede uma requisição para uma execução experimental, mas que nada lhe foi concedido.
Finalmente, a testemunha MM, autor do documento em questão, referiu sem qualquer hesitação que a reunião que teve com o Sr. AA a que respeita a carta que elaborou não tinha nada a ver com o projeto Adenia/MTH, mas sim ao fornecimento de peças sobressalentes de aviões (cfr. fls. 9752, 9753, 36º volume). […]
Quanto aos factos das alíneas pp) a ss), também não resultam de qualquer documento ou de qualquer depoimento.”
Para obterem a modificação destes factos para provados, com a redacção que propõem – “T) Que as autoras tenham reportado à ré Armscor as diligências bem sucedidas efetuadas junto das autoridades militares portuguesas, e isso tenha sido registado em relatório interno da Armscor datado de 3 de Abril de 1986”; QQ) Que as autoras tenham mantido os representantes da R. Armscor na República da África do Sul e em Paris informados quanto ao funcionamento do Canal Português no âmbito do projeto ADENIA” -, as autoras/recorrentes afirmam que está demonstrado que mantinham a ré informada das diligências por si realizadas junto da FAP, facto que é referido por TT, reportando-se ao relatório que AA apresentou detalhando os seus contactos junto das autoridades portuguesas, que terá sido extraviado pela ré, mas é mencionado no documento n.º 76 junto em 4 de Fevereiro de 2015, relatório que dataria de Março de 1986, data da reunião com o general DD (7 de Abril); invocam ainda o documento n.º 2 junto com a petição inicial, que reporta essas diligências e data de 3 de Abril de 1986.
A recorrida reitera que o documento n.º 76 deve ser desconsiderado pelas razões já explicadas e o documento n.º 2 nada tem que ver com o Projecto Adenia, mas com um projecto paralelo de fornecimento de peças sobresselentes para aeronaves, pelo que tais meios probatórios são inaptos para a prova destes factos.
O documento n.º 76 – já acima analisado – e que se traduz numa declaração subscrita por TT sobre a reclamação de AA quanto à sua comissão, nenhuma virtualidade possui para comprovar a intervenção deste no Projecto Adenia. Para além de ali se mostrarem apenas vertidas aquelas que foram as percepções de TT sobre essa matéria, não se pode deixar de ter em atenção que este não depôs neste processo, nem o conteúdo daquele documento foi sujeito a contraditório pela ré, para além do que, de todo modo, ali nada é indicado, em concreto, sobre a intervenção das autoras, aludindo-se a um relatório que estas teriam enviado à ré sobre a sua interacção com generais da FAP, documento que, porém, não se mostra junto aos autos.
Por outro lado, o documento n.º 2 junto com a petição foi já acima analisado, no confronto com o depoimento do seu autor, a testemunha MM, que negou qualquer relação deste seu memorando com o Projecto Adenia, sendo certo que decorre de tudo quanto atrás se explanou a existência em simultâneo de diversos projectos em curso, designadamente, um referente ao fornecimento de peças sobresselentes para os Puma e C-130 que não estava integrado no Projecto Adenia.
Pelo exposto, os elementos de prova convocados em nada infirmam o juízo probatório espelhado pelo tribunal recorrido na fundamentação supra transcrita, pelo que tais factos se mantêm como não provados.
iii. Alíneas bb) e cc) dos factos não provados
O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte:
bb) Que, na sequência do recebimento da carta referida na alínea anterior, o Sr. AA tenha informado prontamente a R. Armscor da aceitação através da carta que constitui documento n.º 5 da p.i.
cc) Que, através da carta da autora BSI para o Sr. SS, datada de 11 de Fevereiro de 1987 mas enviada no final de Fevereiro de 1987, as autoras tenham reportado à Armscor as diligências bem-sucedidas efectuadas junto das autoridades militares portuguesas respeitantes ao Projecto Adenia/MTH, designadamente que as Forças Armadas Portuguesas haviam concedido à Força Aérea Portuguesa permissão para intervir no negócio e prestar assistência à República da África do Sul através da Armscor, mas reclamando uma compensação pela sua intervenção.
Que fundamentou do seguinte modo:
“Quanto à alínea bb), também não se prova, em parte em consequência da alínea anterior, na medida em que o seu recebimento não é contemporâneo da data que dela consta, impossibilitando que AA também desse imediato – com referência à data da carta – conhecimento dela às autoras.
Quanto ao documento n.º 5 da p.i. (fls. 3036, 10º volume), afigura-se-nos que do mesmo também não resulta que se refira ao assunto que as autoras alegam. Por um lado, em parte alguma deste documento é feita qualquer referência ao projeto ADENIA/MTH (fls. 3036, 10º volume), antes pelo contrário, no seu assunto é identificado expressamente tratar-se de “40mm MGL Lança-Granadas”. Do corpo da missiva resulta igualmente que se trata de assunto diverso, aludindo a “Milkor (Pty) Ltd e ao Grupo Drummond. A parte final faz uma referência que se afigura como lateral, face ao assunto da carta, a “peças avulsas para os helicópteros Puma e para os aviões C-130”, aparentemente como argumento para a Armscor dar maior importância às preocupações manifestadas pelo General EE, que seria peça fundamental noutros assuntos ou negociações de interesse para a Armscor.
Por mais voltas que se possam dar e nem mesmo com a máxima amplitude interpretativa se pode retirar desta carta o sentido que as autoras lhe atribuem, pois nela não se encontra qualquer comunicação do Sr. AA tendente a informar a ré de qualquer aceitação de proposta negocial.
Quanto às alíneas cc), dd) e ee), baseiam-se as mesmas na carta junta como documento 7 da p.i. (fls. 3046, 10º volume). Basta atentar no corpo do texto desta carta (“1. Em abril de 1986 a FAP (Força aérea portuguesa), contactada para o efeito pela BSI, aceitou que fosse incluído na encomenda das peças avulsas para os motores ou para as estruturas dos helicópteros SA320, o tipo de material destinado à Armscor, de acordo com uma lista que estes teriam elaborado. 2. Este assunto tem-se mantido suspenso pela FAP (Força aérea portuguesa) por razões que desconhecemos. 3. Gostaríamos de informar que a FAP (Força aérea portuguesa) mantém a sua posição no que respeita a compensação de 10% do valor da factura relativa ao mesmo tipo de material, a ser informado pela FAP (Força aérea portuguesa). Para vossa informação esta compensação de 10% não se destina à BSI, mas à Força Aérea Portuguesa. A BSI terá de ser compensada pela vossa organização, nos termos a negociar.”) para se concluir que não corresponde aos factos alegados. Não há qualquer referência expressa ao projeto ADENIA/MTH, apenas uma referência a peças para helicopteros Puma. Depois, porque da carta não resulta qual seria o “tipo de material destinado à Armscor, de acordo com uma lista que estes teriam elaborado” não se podendo, sem mais, concluir que se trata daquilo que as autoras vêm alegar. Tendo em conta a pendência de vários negócios/relações, mais ou menos indiretos, entre a Armscor e as FAP, é evidente que a referência – feita pela autora, não pela ré, é preciso ver também - não significa necessariamente kits de upgrade de helicópteros ou novos helicópteros híbridos. Finalmente, e no que à compensação à BSI diz respeito – seja qual for o negócio a que diz respeito - a missiva deixa tudo em aberto, ou seja, que a comissão ainda terá de ser negociada, não resultando da carta, de modo algum, que a mesma iria ser calculada por indexação ao valor total dos bens e serviços, porquanto tal critério é referido unicamente para a comissão das FAP.
Quanto à aceitação de quaisquer termos pela ré, não há prova nenhuma: não resulta da carta nem de qualquer outro meio de prova.”
As apelantes pretendem que estes factos sejam dados como provados aduzindo o seguinte:
i. Existem duas comunicações enviadas pelas autoras a SS que comprovam que aquelas comunicaram à ré o acordo da FAP em participar no Projecto Adenia, no que teve influência o general EE, como referido pelo general DD, que são os documentos n.ºs 5 e 7 juntos com a petição inicial;
ii. O documento n.º 8 – comunicação da ré às autoras de 26 de Fevereiro de 1987 – revela que a recorrida pretendia negociar directamente com as autoridades militares portuguesas, solicitando o auxílio das recorrentes.
A ré/apelada afirma que nada do que pretendem as recorrentes resulta dos documentos n.ºs 5, 6 e 8 juntos com a petição inicial, porquanto fazem referência a fornecimento de peças sobresselentes de aeronaves, o Projecto Orion e venda de itens militares (MGL), pelo que a pretensão das recorrentes deve improceder.
Analisado o conteúdo dos documentos juntos aos autos que foram convocados pelas apelantes para justificar a modificação do decidido, verifica-se que, ao discorrerem sobre aqueles, estas parecem ignorar o que consta do respectivo texto, que, como se dá clara nota na decisão recorrida, em ponto algum alude ao Projecto Adenia ou a um eventual acordo entre a FAP/OGMA e a ré para a intervenção da primeira na produção de kits para o novo helicóptero S2 (note-se, aliás, que a aeronave a que se reporta a referência constante do documento n.º 7 “helicópteros SA320”, tem que ver com o helicóptero Frelon e não com o novo helicóptero projectado pela África do Sul, através da Armscor, inicialmente designado como S2/MTH e que seria concebido a partir de alguns componentes do Super Puma, o SA332, sendo que os Puma de que a FAAS dispunha eram os SA33082).
Por sua vez, o documento n.º 883 reporta-se, como refere a apelada, à negociação a estabelecer entre esta e as OGMA com vista à colaboração no sector de fabrico de armamento, referindo expressamente, como exemplo, as 40 mm MGL e granadas, não contendo qualquer alusão ao fornecimento de componentes para o novo helicóptero ou que revele que esta missiva da ré para a BSI tenha surgido na sequência das missivas enviadas pelo general DD para a BSI, no início de 1987.
Não há que fazer qualquer censura à análise efectuada pela 1ª instância, pelo que se mantêm inalterados estes pontos de facto.
i. Alíneas ff), gg), hh), jj) e oo) dos factos não provados
O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte:
ff) Que, durante os anos de 1986 e 1987 o Sr. AA e os seus colegas, em representação das AA., tenham promovido, conjuntamente com o Sr. MM, responsável pelo Projecto Adenia por parte da Armscor, diversos contactos negociais com as autoridades militares portuguesas no sentido de concluir os termos em que as mesmas admitiriam intervir na montagem e subsequente remessa dos equipamentos para a R. Armscor com vista a estabelecer o Canal Português de montagem e distribuição dos helicópteros de Busca e Salvamento integrantes do Projeto Adenia.
gg) Que as autoras tenham solicitado às OGMA a realização de uma visita por parte de responsáveis da Armscor com o fim de negociar directamente a criação do canal português através da carta junta como documento n.º 9 da p.i. e que o general VV, em resposta, tenha confirmado a possibilidade de se reunir com representantes da R. Armscor em Maio de 1987.
hh) Que tenha ocorrido um encontro nos dias 12 e 13 de Maio de 1987, a propósito de uma visita a Portugal dos Srs. WW e MM, representantes da Armscor, tendo as negociações sido coordenadas pelas autoras em função de um programa delineado por Sr. AA.
jj) Que na sequência do encontro de 19 de Outubro de 1987 tenha sido acordado entre as autoridades militares portuguesas e a Armscor que esta, na sequência do seu anterior acordo, iria tentar negociar junto da Aérospatiale a aquisição de kits de upgrade de helicópteros de Busca e Salvamento Puma S1 à Aérospatiale como compensação pela intervenção das referidas autoridades no Projecto Adenia.
oo) Que as autoras, na pessoa de Sr. AA, tenham supervisionado a afectação por parte da Força Aérea Portuguesa e das OGMA da logística necessária ao estabelecimento do Canal Português, para a recepção dos bens expedidos pela Aérospatiale, montagem e subsequente remessa dos mesmos para a ré Armscor.
O que fundamentou nos seguintes termos:
“Quanto à alínea ff) – sem prejuízo de alguma sobreposição com as alíneas anteriores – importa atentar no depoimento do Sr. MM, que nega perentoriamente ter negociado ou trabalhado conjuntamente com as autoras e o Sr. AA no âmbito do projeto Adenia: não só a testemunha negou ter poderes de vinculação da Armscor, ou seja, de contratar as autoras em sua representação (cfr. fls. 9747 e 9782v.º, 36º volume) como negou perentoriamente ter celebrado qualquer compromisso com as autoras e/ou o Sr. AA(fls. 9782v.º, 36º volume: “é uma inverdade total”; fls. 9783: “É falso”). Do depoimento da testemunha, abundantemente interrogada acerca de todos os pormenores dos documentos e dos contactos e reuniões em que interveio, resultou simplesmente que estavam de pé, na altura dos contactos com o Sr. AA e com as FAP, vários projetos da ré, entre os quais o ADENIA, que era secreto, mas que tais projetos eram decididos e desenvolvidos em paralelo e às autoras e ao Sr. Pinhol jamais foi pedida qualquer colaboração respeitante ao projeto ADENIA nem houve aproveitamento de qualquer diligência feita por estes para esse projeto.
Ou seja, não só deste depoimento não resulta provado qualquer trabalho conjunto ou colaboração entre a testemunha e as Autoras no âmbito do projeto Adenia, como nada se encontra que permita desvalorizar ou descredibilizar este depoimento. Mas note-se que, ainda que assim não fosse, daí não resultaria a prova de uma qualquer colaboração entre autoras e a testemunha no âmbito do projeto Adenia, a qual não resulta de qualquer outro meio de prova.
Quanto à alínea gg), a ré impugnou o documento n.º 9 da p.i. (cfr. o artigo 307º da contestação; documento a fls. 78, 1º volume), não tendo as autoras feito prova da sua autoria nem do seu envio, que não resulta do próprio documento. Também não foi feita outra prova acerca do modo pelo qual foram combinadas reuniões.
Quanto à alínea hh), não foi feita menção a uma reunião nesta data por qualquer das testemunhas. Quanto aos documentos, o único que lhe faz referência é o documento n.º 11 da p.i. (fls. 3061, volume 10º) o qual, contudo, é inapto a fazer a sua prova, uma vez que se trata de um documento não assinado, contendo um programa de visita cuja ocorrência não resulta provada do próprio documento. […]
Relativamente à alínea jj), não há nenhuma prova de que nesta reunião tenham sido abordadas quaisquer questões relacionadas com helicópteros ou, mais concretamente, com o Projeto Adenia, o que foi, aliás, frontalmente negado pelas já referidas testemunhas MM e KK. Não foi feita qualquer prova de que na sequência da referida reunião tenha havido um tal acordo. […]
Quanto à alínea oo), também não há prova nenhuma de qualquer supervisão, por parte das autoras, de qualquer atividade levada a cabo nas OGMA, supervisão que não resulta de qualquer documento ou depoimento. Nem se vislumbra como plausível, aliás, que terceiros alheios à estrutura militar portuguesa pudessem supervisionar atividades das OGMA.”
As apelantes sustentam que:
i. O documento n.º 9 junto com a petição inicial constitui um pedido de visita às OGMA, por parte das autoras, o que surge na sequência da confirmação de 23 de Fevereiro de 1987, do general VV quanto à sua disponibilidade para fazer reparações e transporte de motores Allison T-56-A15 e participar na transformação de helicópteros SA-330 Puma para a versão S2, produzindo alguns kits, devendo as autoras continuar as negociações, o que revela que estas já discutiam então com as OGMA, a pedido da ré, o negócio da transformação de Pumas em Super Puma através de kits de upgrade S2;
ii. O general VV, no depoimento prestado na acção sul-africana, confirmou que as OGMA foram visitadas por representantes sul-africanos depois da carta de Fevereiro de 1987, tendo confirmado a visita de WW, em Maio de 1987, o que demonstra que esta visita visou a criação do canal português, em consonância com o que ficou provado sob a alínea H);
iii. Nesse contexto, a ré solicitou ainda às autoras uma segunda visita às OGMA, conforme resulta dos documentos n.ºs 41 e 42 juntos em 4 de Fevereiro de 2015, tendo sido discutido, entre outros, o assunto dos kits de transformação, ou seja, o Projecto Adenia e o correspondente canal português, reunião ocorrida a 19 de Outubro de 1987 e a solicitação da ré, conforme o depoimento de MM, decorrendo de tudo isto que as autoras supervisionaram a afectação de meios da FAP e das OGMA para o estabelecimento do canal português.
A ré/apelada entende que estes factos se devem manter como não provados referindo que o documento n.º 9 foi impugnado e as autoras não fizeram prova da sua autoria e envio e o documento n.º 6 nenhum valor possui por ter sido elaborado a pedido de AA, sendo escrito pelo general VV, que presumiu o envolvimento daquele no Projecto Adenia; por sua vez, o documento n.º 11 junto com a petição inicial não se encontra assinado, para além de não ter sido feita referência a uma reunião em Maio de 1987; as autoras não indicam a passagem dos depoimentos dos generais DD e VV de onde retiram que existiu uma reunião nas OGMA em Maio de 1987; e quanto aos documentos n.ºs 41 e 42, MM explicou que o primeiro é um memorando interno da ré e respeita ao fornecimento de peças sobresselentes de aeronaves em que AA esteve envolvido e o segundo não reflecte a agenda que foi efectivamente discutida na reunião de 19 de Outubro de 1987.
Apreciando.
Relativamente à valia probatória dos documentos n.ºs 41 e 42 juntos com o requerimento da ré de 4 de Fevereiro de 2015, já atrás se deixou explanada as razões pelas quais não servem para demonstrar a intervenção das autoras no estabelecimento da ligação entre a ré e as OGMA com vista à execução por parte destas de componentes/kits para o Projecto Adenia, tal como a testemunha MM deixou claro, tanto mais que nunca antes tinha visto o documento n.º 42 e refutou que a ordem de trabalhos que dele consta tenha sido aquela sobre a qual incidiu a reunião das OGMA de 19 de Outubro de 1987; aliás, quanto a esta reunião, também a testemunha KK, que a ela presidiu, referiu que nada teve que ver com o Projecto Adenia e o fornecimento de componentes do novo helicóptero, mas antes com o fornecimento de peças sobresselentes e revisão de motores C-130 (a referência aos motores do L100 da Safair efectuada pela testemunha KK reporta-se à versão civil do Hercules C-130) – cf. página 76 do depoimento de MM e página 43 do depoimento de …, Ref. Elect. 31888496 de 7-03-2022.
A falta de demonstração de que a reunião de 19 de Outubro de 1987 tenha servido para discutir os termos da intervenção das OGMA na aquisição dos kits para o novo helicóptero torna inviável, como é evidente, que se conclua que subsequentemente a essa reunião tenha existido um acordo entre as autoridades militares portuguesas e a ré quanto à mencionada compensação da FAP com o fornecimento de kits de upgrade dos seus helicópteros de busca e salvamento.
Pelas razões expendidas a propósito das circunstâncias em que a carta de 23 de Fevereiro de 1987 foi elaborada pelo general VV e atenta a fundamentação da decisão recorrida quanto à irrelevância probatória dos documentos n.ºs 9 e 11 juntos com a petição inicial84 - o primeiro, uma missiva constante de documento com a inscrição na parte superior da BSI e assinada por AA, com data de 1 de Abril de 1987, dirigida ao general VV, para agendar uma reunião com uma delegação da ré, para Maio desse ano, cujo envio não está comprovado e menos ainda a sua recepção pelo destinatário e o segundo, um esquema da alegada visita de WW, que não se mostra assinado nem comprovada a respectiva autoria –, tendo ainda em conta que, quanto a este assunto, o depoimento do general VV, prestado no âmbito da acção sul-africana, não é claro sobre o momento em que existiu essa reunião, pois que aquele apenas refere que conheceu WW numa visita às OGMA e a resposta foi induzida pela pergunta que concretamente situou a visita em Maio de 1987 (cf. fls. 1840, VII volume), não é possível aderir à argumentação aduzida pelas recorrentes para dar como provado que as visitas tenham ocorrido sob a égide das autoras e do seu legal representante e com vista à negociação da criação do canal português
Por outro lado, o facto provado sob a alínea H) – “Em 2 de Abril de 1987, a autora BSI confirmou à ré Armscor que as OGMA poderiam receber uma delegação da Armscor em Maio de 1987” – foi tomado como resultando do assentimento de ambas as partes e terá por base o documento n.º 10 junto com a petição inicial85 - missiva de 2 de Abril de 1987, dirigida pela BSI a WW, a dar conta da possibilidade de ser recebido pelas indústrias portuguesas -, mas, na verdade, dali não se retira que tal tenha sucedido, tanto mais que aquilo que consta do documento é que poderia ser recebido a partir de Maio e não necessariamente nesse mês, sendo que a reunião ocorrida nas OGMA relatada pelas testemunhas foi a que teve lugar em 19 de Outubro de 1987 (cf. ponto 10) dos factos provados).
Nada há aqui a apontar à decisão recorrida. Os factos descritos nas alíneas ff), gg), hh), jj) e oo) mantêm-se como não provados.
i. Alíneas c) e tt) dos factos não provados e aditamento de novo facto
A 1ª instância deu como não provado o seguinte:
c) Que as autoras tenham criado e desenvolvido a sua rede de contactos nacionais e internacionais no sentido de estabelecer uma efectiva rede de mediação, agenciamento, transporte e fornecimento a nível internacional (artigo 3º da p.i.).
tt) Que tenha havido montagem, expedição e entrega, pelas OGMA, de helicópteros de Busca e Salvamento Puma melhorados por kits de upgrade, entre Agosto de 1988 e meados dos anos 1990.
Com a seguinte fundamentação:
“Alínea c) – Não foi feita qualquer prova do modo como as autoras desenvolviam a sua atividade, qual era a sua organização, nem de quem integraria a alegada rede de contactos. Mais concretamente, não foi feita qualquer prova de que as pessoas com quem mantiveram contactos (da ré ou das forças armadas portuguesas) – evidenciados pelos depoimentos e documentos constantes dos autos – integravam uma rede, com algum grau de consistência ou constância. Estes factos não resultaram de qualquer depoimento nem documento. […]
Relativamente à alínea tt), resulta já do que noutras partes da fundamentação se escreveu que não houve prova de que alguma vez tenha “saído do papel” o upgrade de helicópteros Puma, tendo antes resultado da prova que essa ideia foi abandonada e jamais concretizada.”
As autoras/recorrentes entendem que estes factos devem ser dados como provados porque:
i. Ao contrário do afirmado quanto a nunca ter sido concretizado o upgrade dos helicópteros Puma, a própria ré admite que o canal português começou a funcionar a partir de meados de 1988, conforme acordo entre as OGMA e a Zandumec, tendo as primeiras produzido alguns componentes a incorporar no Oryx;
ii. O documento n.º 17 junto com a contestação relativo ao acordo de Junho de 1988 entre as OGMA, a Aérospatiale e a Zandumec revela que o transporte para a África do Sul transitaria via Portugal;
iii. O memorando interno da ré, de 1 de Dezembro de 1987 – documento n.º 45 junto em 4 de Fevereiro de 2015 – revela que no dia 30 de Novembro de 1987, a Aérospatiale, através de LLL, informou a ré que iriam avançar com o negócio através das OGMA, prevendo-se as primeiras entregas para o final de 1988/início de 1989;
iv. O mesmo resulta do documento n.º 46, memorando interno de 4 de Dezembro de 1987;
v. A montagem, expedição e entrega pelas OGMA resulta ainda do relatório que constitui o documento n.º 71 apresentado em 4 de Fevereiro de 2015, de onde decorre que a decisão de usar as OGMA foi tomada por volta de Janeiro de 1988; para obter fundos para o melhoramento dos helicópteros da FAP aquela procedeu ao fabrico parcial de kit de montagem e importaram o remanescente da Aérospatiale, enviando depois o conjunto para a Atlas; o que também resulta do documento n.º 72.
Entendem ainda que, com base neste acervo probatório, deve ser dado como provado o seguinte novo facto: “Que a ré vem beneficiando da abertura do Canal Português, o que ocorreu por força dos esforços e actos praticados pelas Autoras, nas pessoas de AA e UU.”
A recorrida refere que é evidente que o facto descrito na alínea tt) se reporta à tese ficcionada das autoras de que o Projecto Adenia teria consistido num processo de melhoria dos helicópteros Puma através de kits de upgrade, sendo que os documentos invocados apenas fazem referência à existência do canal português que, por si, não é contestada pela ré.
Apreciando.
No que diz respeito ao âmbito do Projecto Adenia, ao abandono da actualização dos Puma pré-existentes (cf. ponto 6) dos factos provados) e à natureza dos novos helicópteros, que surgiram como solução para melhorar a capacidade da FAAS no transporte de tropas, designadamente tendo em conta as deficiências detectadas nos pré-existentes durante a Guerra da Independência da Namíbia (cf. pontos 17) e 18) dos factos provados), resulta já amplamente do anteriormente expendido que as autoras não lograram demonstrar a versão por si trazida aos autos, porquanto não provaram que no âmbito daquele Projecto se tenha mantido a intenção e se tenha executado a actualização de helicópteros com kits de upgrade e menos ainda que essa actualização tenha incidido quanto a helicópteros de busca e salvamento, que é aquilo a que se alude na alínea tt).
A intervenção das OGMA na montagem, expedição e entrega dos novos helicópteros está demonstrada, a partir de Setembro de 1989, conforme ponto 12) dos factos provados, mas diz respeito ao novo helicóptero Oryx, que é realidade distinta daquela que as autoras quiseram fazer crer, ou seja, que se pretendeu melhorar os helicópteros pré-existentes e que estes não tinham qualquer utilização de natureza militar.
A leitura do documento n.º 17 junto com a contestação86 - memorando do acordo entre Zandumec (Pty) Ltd (comprador) e OGMA (fornecedora), com data de 7 de Junho de 1988 – que aborda como funcionaria a encomenda, a montagem e o envio dos componentes para a África do Sul, atesta, efectivamente, a intervenção das OGMA, como canal português, mas dele não decorre qualquer participação das autoras no estabelecimento desse canal, ao contrário do que estas pretendem fazer crer, tanto mais que se trata de um documento em que os intervenientes são designados como comprador, fornecedor, fabricantes, despachante e agente correspondente, sem alusão a qualquer nome concretamente identificado.
De igual modo, os documentos n.ºs 45 e 46 juntos com o requerimento de 4 de Fevereiro de 201587, que constituem comunicações de UUU e de MM para MMM, relativas ao Projecto Kingsley (Adenia), que datam de 1 e 4 de Dezembro de 1987, aludem, de facto, ao acordo Português e às entregas à África do Sul pela Micron (canal português), que poderiam ter início em Dezembro de 1988/Janeiro de 1989 e abordam o tema da comissão, mas, de novo, do seu conteúdo nada emerge que aluda ao estabelecimento deste canal através de contactos criados ou desenvolvidos pelas autoras. Aliás, a testemunha MM, a propósito do documento n.º 46, mencionou que até à sua saída da Armscor, em 1989, as OGMA ainda não tinham efectuado qualquer trabalho para a ré, tendo negado que em algum momento tenha mandatado AA para obter autorização junto das autoridades militares portuguesas para a sua intervenção no Projecto MTH, até porque nunca teve o poder para o fazer e menos ainda para estipular qualquer comissão – cf. páginas 89 e 90 do seu depoimento, transcrição junta a 7-03-2022, Ref. Elect. 31888496.
Por fim, o relatório elaborado pela ré na sequência da investigação interna efectuada em 27-30 de Janeiro de 1992, que constitui o documento n.º 7188,ao contrário do pretendido pelas recorrentes, não tem a virtualidade de estabelecer ou comprovar a sua intervenção no estabelecimento do canal português no âmbito do Projecto Adenia, tanto mais que ali é referido que a decisão de utilizar as OGMA passou pelo general VV e pelo Sr. Monteiro, não sendo feita alusão a AAou às autoras, relativamente a quem LLL terá afirmado que o general VV lhe disse que o Pinhol não esteve envolvido com os kits de montagem.
Sendo este o enquadramento factual que a prova produzida fornece, não se vê como divergir do juízo probatório formulado a este propósito pela 1ª instância, mantendo-se inalterados os pontos de facto em apreciação e, por consequência, não se demonstrando que a ré venha beneficiando dos esforços desenvolvidos pelas autoras quanto ao canal português, pelo que também não há que aditar o novo facto proposto pelas recorrentes.
Improcede, nesta parte, a impugnação dirigida à decisão sobre a matéria de facto.
*
d. Tema da prova 4) – “Fixação da comissão devida pela ré às autoras pelo cumprimento integral do mandato e actos praticados no âmbito do Projecto referido em 1)” Alíneas w), x), dd), ee), kk), mm), nn), uu), yy), zz), bbb), ccc) e eee) dos factos não provados
i. Alínea w) dos factos não provados
O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte:
w) Que a ré Armscor tenha sido informada pelas autoras das contrapartidas exigidas pelo general DD na reunião de 7 de Abril e que, após um período de discussão interna, tenha dado expressa aceitação à proposta de comissão exigida pela Força Aérea Portuguesa.
Com a seguinte fundamentação:
“No que respeita à alínea w), decorre logicamente do facto de não se ter provado qualquer aceitação de proposta detalhada em reunião de abril de 1986 – as alíneas u) e v) antecedentes – que não se prove a sua comunicação às rés, comunicação que não resulta, de modo direto, de qualquer meio de prova, testemunhal ou documental.
Quanto ao documento que, segundo as autoras comprova este facto, o documento 3 da p.i. (fls. 3785, 12º volume), o mesmo consiste numa mensagem assinada por MM dirigida a MMM e datada de 3 de junho de 1986. Ou seja, numa data em que, segundo a testemunha DD, só tinham sido discutidas ideias vagas, sem qualquer detalhe, e sem que tivesse sido referida a modernização de helicópteros.
Ora, analisado o documento, constata-se que o mesmo não contém informação ou referências suficientes que nos permitam associá-lo aos factos que as autoras querem provar. Não há qualquer referência ao projeto ADENIA/MTH/Oryx, não há uma identificação concreta do tipo de aeronaves sobre o qual versa parte da mensagem, tendo em conta que no cabeçalho consta “peças da aeronave”, e a única identificação mais concreta consta do ponto 7, “C-130”, que é um modelo de avião.
Dos pontos 1 a 6 comunica-se acerca de uma “assistência de fornecimento” à República da África do Sul sem que se identifique o objeto desse fornecimento, que será diferente das peças do C-130 a que respeita a informação diferente constante do ponto 7.
Consequentemente, este documento de per si não prova aquilo que as autoras alegam, sendo que a mensagem que do mesmo consta pode referir-se a qualquer tipo de peças sobre as quais tivesse havido conversas com o Sr. AA. Ou seja, o texto da missiva, não sendo claro, admite várias explicações possíveis.
A isto acresce ainda que o seu autor, a testemunha MM negou perentoriamente que este documento tenha o sentido que as autoras lhe atribuem, negando que tenha alguma ligação ao projeto Adenia/MTH (cfr. fls. 9764, 36º volume).”
As apelantes pretendem que este facto seja dado como provado louvando-se:
i. No documento n.º 2, junto com a petição inicial, memorando interno da ré, em que MM resume uma reunião mantida com AA e alude à proposta da FAP que este lhe transmitiu; e no documento n.º 25 junto em 3 de Fevereiro de 2015, que relata uma reunião do conselho técnico da ré, de 2 de Abril de 1986, em que se faz alusão à intervenção de AA no denominado canal de assistência português;
ii. No documento n.º 3, junto com a petição inicial, memorando de 3 de Junho de 1986, que alude a uma reunião entre a ré e AA, na qual este transmitiu a posição das autoridades portuguesas quanto ao Projecto Adenia, que revela que as autoras, no primeiro semestre de 1986, contactaram a FAP e disso deram nota à ré;
iii. No documento n.º 7, junto com a petição inicial, de onde retiram que em Abril de 1986 a FAP já havia dado o seu acordo à intervenção no Projecto Adenia;
iv. No depoimento do general DD, que confirmou a sucessão de contactos com as autoras até meados de 1986;
v. Nos documentos n.º 3 e 6, juntos com a petição inicial e nos documentos n.ºs 42 e 45, juntos em 4 de Fevereiro de 2015, que revelam que a ré decidiu avançar com o canal português;
vi. No documento n.º 47, junto em 4 de Fevereiro de 2015, com data de 20 de Janeiro de 1988, em que BBB dá conta que o general VV estava muito interessado, desconhecendo que as autorizações já haviam sido obtidas pelas autoras, sendo que em 28 de Janeiro de 1988 aquele solicitou às autoras que obtivessem cotações para os custos de fornecimento de várias peças e serviços, conforme documento n.º 12 junto com a petição inicial, a que estas responderam por carta de 28 de Março de 1988 (documento n.º 13 junto com a petição inicial);
vii. No documento n.º 49, junto em 4 de Fevereiro de 2015, em que BBB, tendo reunido com o general VV em 7 de Abril de 1988, decidiu que todos os assuntos entre a Aérospatiale e as OGMA seriam tratados directamente pela ré, sem o envolvimento das autoras, reconhecendo que AA tinha estabelecido os contactos iniciais, pelo que a cotação para os serviços de revisão e reparação dos motores para aviões C130 seria tratada por ele, sendo que a sua exclusão expressa revela que AA esteve de facto na abertura do canal português.
A apelada sustenta que nenhum dos documentos invocados pelas recorrentes faz prova do facto que está em discussão, ou seja, a fixação de uma comissão, tanto mais que a alínea w) respeita a uma comissão fixada em benefício das FAP/OGMA, pelo que a impugnação dirigida a este facto constitui necessariamente um lapso. Mais refere que os documentos n.ºs 2 e 3, como já visto, se reportam a peças sobresselentes de aeronaves e o documento n.º 25 alude ao canal de assistência português quanto a fornecimento de peças; o documento n.º 7 também nada demonstra quanto a uma comissão a favor de AA; quanto à reunião entre as OGMA, a ré e AA, em Outubro de 1987, já se apurou que não foram discutidos assuntos relacionados com o Projecto Adenia; os documentos n.ºs 45 e 47 não fazem referência às autoras nem à existência de uma sua intervenção ou fixação de uma comissão em seu benefício, sendo que o último infirma a tese de que o contacto com as FAP/OGMA tenha surgido por via de AA; os documentos n.ºs 11 e 12 juntos com a petição inicial e o documento n.º 49 dizem respeito a outros projectos relativos a reparações e fornecimento de peças sobresselentes nada tendo a ver com o Projecto Adenia.
Toda a argumentação expendida no âmbito da impugnação deste facto não provado sob a alínea w) incide sobre a participação das autoras no estabelecimento do canal português e sua intervenção no Projecto Adenia e comissão que terá sido fixada a seu favor. No entanto, o facto controvertido em questão tem apenas que ver com as contrapartidas exigidas pelo general DD, em reunião de 7 de Abril de 1986, e eventual aceitação da ré quanto à comissão exigida pela FAP.
Ora, todo o esforço argumentativo desenvolvido pelas autoras nesta sede em nada belisca aquela que foi a fundamentação da 1ª instância a propósito deste facto, desde logo, pela singela circunstância de terem resultado não provados os factos referidos em u) e v), designadamente, o não ter ficado provado que em Abril de 1986 o general DD tenha dito ao general UU que aceitava os termos do negócio referente ao Projecto Adenia; além disso, o documento n.º 3 junto com a petição inicial foi já amplamente escrutinado e dele nada se retira de relevante no contexto do que aqui se discute, ou seja, a intervenção das autoras no estabelecimento do canal português no âmbito da execução do mencionado Projecto.
As autoras renovam, nesta sede, toda a teia interpretativa que criaram para o conteúdo dos documentos juntos aos autos, tentando deles retirar conclusões cujo texto, em conjugação com a prova testemunhal produzida, não as autoriza, tal como atrás já se deixou amplamente explicitado através do confronto dos depoimentos e dos documentos em apreço.
Remete-se, pois, para tudo quanto acima se discorreu a propósito dos documentos n.ºs 2, 3, 6 e 7 juntos com a petição inicial, documento n.º 25 junto com o requerimento de 3 de Fevereiro de 2015 e documentos n.ºs 42 e 45 juntos com o requerimento de 4 de Fevereiro de 2015, e, bem assim, sobre o depoimento de DD, dos quais nada se retira em abono da tese das recorrentes.
Acresce que os documentos n.ºs 47 e 49 não têm, seguramente, a virtualidade de demonstrar o facto vertido na alínea w), quer porque no primeiro, nenhuma alusão é feita às autoras, à sua actividade ou a uma qualquer transmissão por parte delas das contrapartidas exigidas por DD, sendo que, pelo contrário, nele se menciona OOO, como director de apoio ao marketing e braço direito do general VV dando conta da expectativa deste no avanço da operação. Por sua vez, no documento n.º 49, de 11 de Abril de 1988, é mencionado, nessa sequência, que foi OOO quem arranjou a reunião com VV, em Abril de 1988. Mais do que isso, emerge desse documento que nessa reunião esteve em causa o estabelecer de um novo projecto - negociações para “finalização do pacote de fabrico da OGMA” e “entregas da parte da OGMA dos nossos --- Dezembro 1988/Janeiro 1989” -, no qual não teria intervenção AA, cuja participação foi salvaguardada para a revisão do motor Allison C130, pelo que não se vislumbra como retirar do texto deste documento qualquer posição em abono da teoria das autoras de que estas sempre tiveram intervenção no estabelecimento do canal português para efeitos do projecto Adenia e depois foram afastadas, pois que a ser assim não se perceberia como teria a ré deixado consignado de modo expresso o seu afastamento. Por sua vez, os documentos n.ºs 11 e 12 já atrás analisados são imprestáveis para suportar a prova do vertido na alínea w), que se deve manter como não provado.
i. Alínea x) dos factos não provados
O Tribunal deu como não provado:
x) Que em 18 de Dezembro de 1986, o Sr. AA e o general DD, em reunião, tenham discutido os termos finais do negócio relativo ao Projecto Adenia e acordado que a compensação/remuneração a atribuir à Força Aérea Portuguesa consistiria em 11 kits de melhoria S1, peças sobresselentes e know-how para os 10 helicópteros de Busca e Salvamento Puma detidos pela Força Aérea Portuguesa, a fornecer pela Aérospatiale às OGMA para subsequente montagem por esta empresa.
Com a seguinte fundamentação:
“Quanto à alínea x), reiterando o que já acima se referiu, não só não ficou provado que as conversas havidas com o General DD respeitassem à assistência no âmbito do projeto ADENIA/MTH, como não resulta sequer do depoimento deste que tivesse sido acertado qualquer tipo concreto de contrapartida, e sua quantificação, tendo o general DD referido que só posteriormente, em dezembro, teria indicado que a definição dos detalhes daquilo que lhe foi falado seria a acertar pelas OGMA, em cujo diretor tinha plena confiança.”
As apelantes entendem que o facto em questão deveria ser dado parcialmente como provado com base no depoimento de DD, que detalhou o que foi discutido naquela reunião e que depois confirmou na comunicação de 6 de Janeiro de 1987 dirigida às autoras, conforme documento n.º 4 junto com a petição inicial, propondo a seguinte redacção: “Que em 18 de Dezembro de 1986, o Sr. AA e o general DD, em reunião, tenham discutido os termos finais do negócio relativo ao Projeto Adenia e acordado que a compensação/remuneração a atribuir à Força Aérea Portuguesa consistiria em serviços e peças para helicópteros de Busca e Salvamento Puma detidos pela Força Aérea Portuguesa, a fornecer pela Aérospatiale à OGMA.”
A recorrida entende que os meios de prova invocados não são susceptíveis de modificar a resposta ao facto x).
Na verdade, conforme resulta do já acima explanado a propósito seja da valia probatória do documento n.º 4 junto com a petição inicial (elaborado a pedido de AA), seja do depoimento de DD, que aqui se dá por reproduzido, é evidente que não possuem préstimo para dar como provado que na reunião ocorrida entre este general e AA, em Dezembro de 1986, tenham sido acertados os termos do negócio relativo ao Projecto Adenia e a contrapartida devida à FAP/OGMA, relativamente ao qual, conforme decorre do anteriormente expendido, nem lograram as autoras provar a sua intervenção ou do seu legal representante no estabelecimento da ligação com as OGMA, pelo que tal facto deve manter-se como não provado.
ii. Alíneas dd), ee), kk), uu) e yy) dos factos não provados
A 1ª instância deu como não provado o seguinte:
dd) Que o Sr. AA deixou bem claro à Armscor que as autoras, por força do exercício e cumprimento integral do mandato e actos praticados no âmbito do Projecto Adenia, iriam cobrar uma comissão indexada ao valor total dos bens e serviços objecto dos contratos em questão a serem celebrados pela ré Armscor com a Aérospatiale e as OGMA, em termos a concretizar posteriormente, e distinta da compensação devida pela Armscor à Força Aérea Portuguesa.
ee) Que a ré Armscor tenha aceitado a comissão referida na alínea anterior.
kk) Que a Armscor, reconhecendo a intervenção vital das acções de agenciamento desenvolvidas pelas autoras junto das autoridades militares portuguesas, em Julho de 1987 acordou com as autoras pagar-lhes solidariamente uma comissão correspondente a 10% do valor bruto de todos os bens e serviços integrantes do Projecto Adenia, a qual seria proporcionalmente paga à medida que tais bens e serviços fossem entregues e prestados.
uu) Que os Senhores WW, XX, MM, KK e YY, tenham garantido às autoras o pagamento de uma comissão de 10%.
yy) Que na sequência de contactos posteriores realizados pelo Sr. AA, os Senhores WW, XX, MM, KK e YY, tenham sucessivamente afirmado que o departamento financeiro da ré Armscor tinha tomado em consideração o montante da comissão de 10% e que as autoras deveriam continuar a aguardar pacientemente o pagamento.
E aduziu para tanto a seguinte fundamentação:
“Quanto às alíneas cc), dd) e ee), baseiam-se as mesmas na carta junta como documento 7 da p.i. (fls. 3046, 10º volume). Basta atentar no corpo do texto desta carta (“1. Em abril de 1986 a FAP (Força aérea portuguesa), contactada para o efeito pela BSI, aceitou que fosse incluído na encomenda das peças avulsas para os motores ou para as estruturas dos helicópteros SA320, o tipo de material destinado à Armscor, de acordo com uma lista que estes teriam elaborado. 2. Este assunto tem-se mantido suspenso pela FAP (Força aérea portuguesa) por razões que desconhecemos. 3. Gostaríamos de informar que a FAP (Força aérea portuguesa) mantém a sua posição no que respeita a compensação de 10% do valor da factura relativa ao mesmo tipo de material, a ser informado pela FAP (Força aérea portuguesa). Para vossa informação esta compensação de 10% não se destina à BSI, mas à Força Aérea Portuguesa. A BSI terá de ser compensada pela vossa organização, nos termos a negociar.”) para se concluir que não corresponde aos factos alegados. Não há qualquer referência expressa ao projeto ADENIA/MTH, apenas uma referência a peças para helicopteros Puma. Depois, porque da carta não resulta qual seria o “tipo de material destinado à Armscor, de acordo com uma lista que estes teriam elaborado” não se podendo, sem mais, concluir que se trata daquilo que as autoras vêm alegar. Tendo em conta a pendência de vários negócios/relações, mais ou menos indiretos, entre a Armscor e as FAP, é evidente que a referência – feita pela autora, não pela ré, é preciso ver também - não significa necessariamente kits de upgrade de helicópteros ou novos helicópteros híbridos. Finalmente, e no que à compensação à BSI diz respeito – seja qual for o negócio a que diz respeito - a missiva deixa tudo em aberto, ou seja, que a comissão ainda terá de ser negociada, não resultando da carta, de modo algum, que a mesma iria ser calculada por indexação ao valor total dos bens e serviços, porquanto tal critério é referido unicamente para a comissão das FAP.
Quanto à aceitação de quaisquer termos pela ré, não há prova nenhuma: não resulta da carta nem de qualquer outro meio de prova. […]
Dos factos das alíneas kk) a nn) não foi feita prova (credível) alguma: nenhum documento atesta a existência de um qualquer acordo remuneratório entre autoras e ré de 10% respeitante ao projeto Adenia/Oryx, nem a existência de um qualquer memorando secreto, nem da ocultação ou destruição desse memorando. […]
Quanto à alínea uu), isto foi negado pelas pessoas referidas que depuseram como testemunhas, a saber, MM (fls. 9783, 36º volume), KK (fls. 9715vº, ao negar que as autoras tivessem qualquer ligação com o projeto Adenia, volume 36º). Não existe qualquer outro meio de prova do qual resulte que qualquer das referidas pessoas acordaram ou garantiram às autoras o pagamento de qualquer comissão respeitante ao projeto Adenia, antes negando que aquelas estivessem envolvidas no mesmo. […]
Quanto à alínea yy), também não houve qualquer prova destes outros contactos e afirmações.”
As apelantes discordam do assim decidido, pretendendo que tais factos sejam dados como provados, convocando os seguintes elementos de prova:
i. Documento n.º 7 junto com a petição inicial, onde as autoras, em comunicação de 11 de Fevereiro de 1987 dirigida à ré salientam que a comissão que devem receber teria de ser negociada pelas partes;
ii. Documento n.º 3 junto com a petição inicial, de acordo com o qual, a ré, em memorando de 3 de Junho de 1986, menciona a necessidade de pagamento ao director das autoras de uma comissão, que identificou como compreendida entre 2 a 5%, e que nada tem que ver com o teste realizado com a intermediação de AA na aquisição do sistema de voo nocturno (projecto Orion), que foi de 1%;
iii. Documento n.º 8 junto com a petição inicial, resposta da ré de 26 de Fevereiro de 1987, em que não contesta a necessidade de as autoras serem compensadas, já referida em reunião de 28 de Maio de 1986 (documento n.º 2 junto com a petição inicial);
iv. Apesar de a testemunha MM não ter assumido qualquer contrapartida a pagar às autoras, tal resulta dos documentos e do depoimento de AA, prestado no âmbito da acção sul-africana, que referiu que MM lhe telefonou, entre Junho e Julho de 1987, a confirmar a comissão de 10%;
v. O depoimento de QQ, que disse que AA e as autoras montaram toda a estrutura do canal português e que de acordo com a documentação arquivada no escritório em Paris, que viu, a Armscor tinha um compromisso de pagar à BSI uma comissão de 10% do valor total do contrato pelos serviços prestados;
vi. O depoimento de FF, que confirmou também ser devida uma comissão de 10% às autoras, constante de um contrato que viu, dizendo ainda que MM tinha poderes para acordar o pagamento dessa comissão, não servindo o documento n.º 24 junto com a contestação para demonstrar que os limites internos da hierarquia da ré quanto à celebração de negócios se aplicassem neste caso;
vii. O depoimento de HH, que pediu ao embaixador em Lisboa, RR, para investigar sobre o direito de AAà comissão, cujo relatório concluiu no sentido da existência desse direito, conforme documento n.º 19 junto com a petição inicial, para além de ter mantido uma conversa com o presidente da ré, YY, que foi favorável à pretensão do caso do Pinhol e lhe garantiu que os fundos para pagamento às autoras se encontravam depositados numa conta bancária aberta no Luxemburgo;
viii. O depoimento de GG, que confirmou que as autoras têm direito a uma comissão, porque ao confrontar WW este confidenciou que ele e XX tinham decidido não pagar a comissão;
ix. O depoimento da testemunha RR, que relatou que a ré, quando se deslocou a Portugal, já vinha com a ideia predefinida de não pagar qualquer comissão, abordando as autoridades portuguesas com desrespeito.
Por sua vez, a recorrida refere que a prova indicada não prova aquilo que as autoras pretendem. Os documentos n.ºs 7, 3 e 8 juntos com a petição inicial, como referido, têm que ver com encomendas de peças avulsas e não demonstram qualquer acordo entre as autoras e a ré quando à fixação de uma comissão no âmbito do Projecto Adenia, tanto que, no segundo, a ré menciona que as taxas pedidas são elevadas e no terceiro, a ausência de menção a recusar uma comissão não significa que a ré a tenha aceitado; por outro lado, os depoimentos das testemunhas QQ e FF são imprestáveis para a prova destes factos por ter sido clara a sua total falta de conhecimento dos factos subjacentes ao Projecto Adenia e a sua falta de credibilidade, assim como o é o depoimento de HH, que não tinha conhecimento directo de quaisquer factos atinentes à alegada celebração do contrato; mais invoca o documento n.º 24 junto com a contestação, de onde resulta que os níveis de autorização internos da ré, à data, exigiam que qualquer contrato superior a 1 milhão de rands sul-africanos fosse aprovado pelo respectivo conselho de administração, o que não aconteceu; tal foi confirmado pela testemunha MM, que adiantou nunca ter recebido poderes para chegar a tal acordo com AA; e invoca ainda o depoimento de OO, quanto à necessidade de avaliação jurídica de qualquer contrato, incluindo quanto à autoridade da pessoa para vincular a Armscor; o depoimento de GG é um depoimento indirecto, “de ouvir dizer”, de nenhum valor probatório e bem assim o depoimento do embaixador RR, porque nenhum dos dois efectuou qualquer investigação sobre o sucedido.
Apreciando.
Os factos em discussão têm que ver, essencialmente, com a existência ou não de um acordo entre as autoras e a ré quanto ao pagamento de uma comissão pelos serviços que aquelas alegadamente prestaram no contexto da implementação do Projecto Adenia e que teria sido fixada, conforme alegado, com o acordo de MM, em 10% do valor da totalidade do valor dos bens fornecidos ou enviados para a África do Sul.
Tendo em conta tudo quanto se vem aduzindo no contexto da apreciação da prova documental e testemunhal produzida e tendo sido confirmado o juízo probatório formulado pela 1ª instância quanto à não demonstração pelas autoras da celebração de um acordo entre elas e a ré no sentido de terem sido incumbidas, mandatadas ou contratadas para intermediarem as negociações que esta última pretendia entabular com a FAP/OGMA para obter a sua colaboração/participação na execução do Projecto Adenia, assemelha-se evidente que a prova da existência de qualquer acordo sobre uma alegada comissão nunca poderia estar conexionada com um negócio que não se provou.
De todo o modo, sempre se dirá que também nessa sede – acordo entre as partes para o pagamento às autoras de uma comissão de 10% - os elementos probatórios disponíveis não são bastantes para viabilizar uma convicção segura e suficiente de que tal acordo teria existido.
Na verdade, quanto ao alcance e sentido do que ficou consignado nos documentos n.ºs 3, 7 e 8 juntos com a petição inicial, já acima se deixou explicado que nada autoriza a associar a comissão que AA diz ser devida ou dever ser considerada para a BSI, na carta de 11 de Fevereiro de 1987 que dirigiu a SS89, pois que esta missiva não tem que ver com o Projecto Adenia, mas sim com o fornecimento de peças sobresselentes e estruturas de helicópteros SA320 (helicóptero Frelon), como explicou a testemunha MM, pelo que não se reporta a uma eventual comissão que devesse vir a ser definida pela prestação de serviços que, conforme se viu, as autoras não conseguiram provar terem prestado ou sequer lhes terem sido solicitados – cf. páginas 61-63 do seu depoimento, prestado em 20 de Março de 2015, transcrição junta em 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496, quarto ficheiro.
Por sua vez, a falta de menção na missiva da ré de 26 de Fevereiro de 1987, dirigida à BSI, quanto à exigência de uma comissão (carta de 11 de Fevereiro de 1987), nenhum relevo pode assumir para provar algo que dela não consta, ou seja, que a ré aceitou pagar uma comissão às autoras, sobretudo quando o texto não contém qualquer referência que permita associar o que nele se inscreve ao Projecto Adenia, pois que ali é mencionada a perspectiva de colaboração no sector da “fabricação de armamento seleccionado e no marketing internacional de armamentos (por exemplo, 40 mm MGL e granadas)”, não tendo sido estabelecida qualquer conexão entre este assunto e o Projecto Adenia.
Certo é que AA, director das autoras, depôs no âmbito do processo sul-africano90 e aí mencionou que o acordo sobre a comissão que lhe seria paga foi estabelecido com MM, o que este refutou expressamente referindo nunca ter tido o poder de dar instruções a AA para obter autorização junto das autoridades militares portuguesas quanto ao projecto MTH, razão pela qual nunca o fez e, além disso, dizendo que uma comissão de 10% nunca foi um ponto de discussão e a única vez em que esse valor foi mencionado foi a propósito do pedido da força aérea portuguesa de 10% - cf. páginas 90 e 91 do seu depoimento, transcrição junta em 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496, quarto ficheiro.
De referir também que as recorrentes entendem que o documento n.º 24 junto com a contestação91, que descreve o regulamento relativo à autoridade decisória no interior da sociedade ré não lhe pode ser oposto, o que, porém, é irrelevante, porque nenhuma prova foi feita de que MM tenha com elas acertado a comissão que lhes seria devida no âmbito de um acordo cuja prova não conseguiram efectuar.
No que diz respeito aos depoimentos das testemunhas QQ e FF já acima se consignaram as razões que justificam a sua desconsideração, que ora se reiteram, daí que a incongruência manifestada, as falhas e desconhecimento revelados não permitem que o Tribunal se louve em afirmações destituídas de uma indicação clara e segura da sua razão de ciência para dar como provado um acordo de uma comissão de 10% inscrito num documento que apenas aquelas testemunhas referem ter existido, mas que não foi mencionado por nenhuma outra (note-se, aliás, que, a ter existido um contrato ou documento a mencionar essa comissão, não se percebe como o próprio AA dele não teve conhecimento, pois que em missiva de 26 de Julho de 1989 dirigida a TT queixa-se de não ter ainda sido assinado qualquer contrato, embora, é certo, não seja claro a que assunto esse contrato diria respeito, assim como na missiva de 27 de Março de 1990, novamente para TT, torna a apelar para que a sua pretensão seja atendida92).
Tais depoimentos não são, pois, úteis para modificar o juízo probatório quanto aos factos ora impugnados.
Em abono da sua tese, as recorrentes louvam-se ainda no depoimento de HH, que foi Ministro dos Negócios Estrangeiros da África do Sul de 1 de Abril de 1977 a Abril de 1994, que disse ter sido contactado por AA para que intercedesse a seu favor junto da ré, no sentido de lhe ser paga a comissão em falta.
O Tribunal recorrido considerou que o depoimento desta testemunha não tinha aptidão para provar qualquer dos factos controvertidos, argumentando que:
= a intervenção da testemunha no sentido de interceder no interesse de AA não foi cabalmente justificada, não se percebendo qual o seu interesse em ordenar uma averiguação de um assunto que não lhe dizia respeito nem ao seu Ministério, tanto mais que na data nem o conhecia;
= o facto de a situação com AA poder ter repercussões internacionais, prejudicando as relações entre Portugal e a África do Sul também não é atendível por não estar em causa um assunto de Estado;
= a sua posição de que AA teria direito a uma comissão assentou no que lhe foi dito pelo seu embaixador após a averiguação e por GG, pessoa que para si tinha grande prestígio e em quem confiava por ser um dos melhores investigadores, mas estas pessoas também não tinham conhecimento directo dos factos.
As recorrentes entendem que esta avaliação está incorrecta, porquanto a testemunha disse ter contactado com o director-geral da ré, YY, que estava solidário com a posição de AA, referindo a existência de fundos no Luxemburgo que poderiam servir para lhe pagar a comissão, tendo a testemunha justificado a sua intervenção, embora reconhecendo que seria assunto do Ministro da Defesa, porque, atenta a sensibilidade da matéria, poderia ter consequências internacionais.
Como decorre do depoimento desta testemunha, prestado em 16 de Março de 201593, pela própria foi referido não ter qualquer conhecimento directo das matérias em discussão nestes autos. Conheceu AA em 1991, a solicitação de uma pessoa amiga que lhe transmitiu a situação em que este se encontrava. Independentemente da estranheza assinalada pelo tribunal a quo a propósito da intervenção do Ministério dos Negócios Estrangeiros neste assunto, não é esse o facto determinante para a sua inutilidade no apuramento dos factos. Com efeito, a análise do seu depoimento permite constatar facilmente a pouca razoabilidade das suas afirmações assentes única e exclusivamente no relatório que o seu embaixador em Lisboa, à data, RR, lhe enviou, quando é sabido que este não fez uma averiguação exaustiva, limitando-se a falar em Lisboa com o general DD, para além de se louvar numa carta assinada pelo general VV, de 23 de Fevereiro de 198794, dirigida à BSI, onde é mencionado que, quanto à modificação dos helicópteros Puma SA-330 para a versão S2 as OGMA estariam em condições de participar na produção de alguns Kits. Ora, a fidedignidade desta carta ficou por demonstrar, face à discrepância da data em relação ao momento em que foi firmado o acordo entre a Aérospatiale e as OGMA para a montagem dos kits, tal como referido no relatório do YY, para além de, como resulta do atrás expendido, tratar-se de documento elaborado a pedido do próprio AA.
Além disso, a testemunha afirmou ter tido contacto pessoal com YY e que “ele quase que me garantiu que o AA ia ser pago”95, mas, sendo posteriormente confrontado com o documento n.º 71 junto pela ré com o requerimento de 4/02/201596 - que constitui o relatório da visita a Paris e Lisboa daquele responsável, realizada entre os dias 27 e 30 de Janeiro 1992 -, na sequência da audição de LLL (chefe da divisão de helicópteros da Aérospatiale), do embaixador RR, VVV (da OFEMA97), MM, WWW, MMM (estes da Armscor) e onde o referido De YY concluiu, após a sua investigação, que AA esteve envolvido na aprovação para os motores do C130 e peças sobresselentes do Puma, negócio que não se concretizou, o que lhe permitiu, de algum modo, se aperceber da existência de outra transacção que estava a ocorrer paralelamente a essa e que, ainda que tenha auxiliado a “abrir portas políticas” para a África do Sul, daí não adveio nenhum negócio em concreto, porque não lhe foi solicitado qualquer papel no desfecho do fornecimento dos kits de montagem do S2 via OGMA, pois que não foi acordada à partida qualquer comissão que lhe fosse destinada e o negócio se teria realizado, ainda que sem a sua intervenção, HH não conseguiu explicar as conclusões a que chegou YY, manifestamente contrárias àquela que, segundo ele, teria sido a sua posição na conversa pessoal que com ele manteve.
Por fim, a sua fé naquilo que lhe transmitiu GGtambém não pode ser validada, sabendo-se que, ao contrário do que HH afirmou, o próprio GG disse que não investigou o assunto da comissão do AA junto da Armscor e que tudo o que sabe foi o que lhe foi dito por WW.
Assim, resta apenas secundar a valoração probatória efectuada pela 1ª instância, não se reconhecendo qualquer valia neste depoimento para demonstração dos factos que as autoras pretendiam provar.
Por via disso, também não colhe a sua invocação para sustentar um acordo quanto a uma comissão que a ré teria aceitado pagar às autoras, quando é seguro que esta testemunha nenhum conhecimento directo revelou quanto ao assunto e tudo quanto afirmou foi baseado no relatório do embaixador RR que afirmou, o próprio, não ter efectuado qualquer investigação, para além de uma conversa que manteve com o general DD e AA. Aliás, é precisamente isso que se retira do relatório que enviou a HH, com data de 21 de Abril de 199298, onde menciona apenas a versão do general DD e a carta de 23 de Fevereiro de 1987, do general VV, que foi a base para a sua convicção quanto à intervenção de AA no Projecto Adenia, referindo existirem outros documentos comprovativos dessa intervenção, mas que não identificou.
O depoimento da testemunha GG, que foi polícia na África do Sul de 1974 a 2000 e depois ingressou numa empresa privada de investigação de fraudes, também não possui a virtualidade de convencer este Tribunal de modo diferente daquela que foi a percepção da 1ª instância.
A relevância deste depoimento foi desde logo afastada pelo Tribunal recorrido argumentando que:
= a testemunha transmitiu aquilo que lhe terá sido dito por WW, funcionário da Armscor, com funções de chefia, em Pretória (cf. ponto 4) dos factos provados), ou seja, que ele, WW, e SS99 decidiram não pagar a comissão ao AA, mas não sabe se tinham poderes para o decidir;
- não explicou cabalmente a proximidade com AA;
- revelou falta de segurança nas respostas: primeiro disse não precisar de consultar os documentos e depois necessitou de o fazer para relatar a conversa com o WW;
- não foi perceptível por que razão, no contexto de uma visita de WW, o terá abordado sobre o teor de um fax que lhe tinha sido entregue por AA (um artigo de um jornal de 1996);
- não explicou porque assumiu as dores do Pinhol, nem por que razão este lhe facultou documentos que não lhe diziam respeito, parecendo que estava a fazer pressão junto do WW a favor de AA, revelando assim a sua parcialidade relativamente a este;
- a testemunha não tem conhecimento directo de nenhum dos factos;
- a interpretação que fez da carta dirigida pelo presidente da empresa Eurocopter para a embaixadora da África do Sul quando ali se refere “tomar as medidas essenciais” como significando uma ordem de eliminação física da pessoa não tem qualquer suporte razoável.
As recorrentes entendem que o Tribunal valorou incorrectamente este depoimento argumentando que a circunstância de a testemunha ser amiga do Sr. AA foi por ela assumida, tendo explicado como o conheceu e não coloca em causa a sua credibilidade; também o facto de se ter recorrido de documentos para a prestação do seu depoimento não é motivo para o desconsiderar, atento o disposto no art.º 461º, n.º 2 do CPC, não tendo o Tribunal atendido a que a testemunha afirmou que o director-geral da ré à data, YY, tinha afirmado que a ré devia pagar a comissão, mas o WW não queria pagar, sendo de ter presente a circunstância de os factos estarem sujeitos a confidencialidade e terem ocorrido há muitos anos atrás.
A recorrida sustenta, por sua vez, que o Tribunal valorou correctamente o depoimento.
Concorda-se com a valoração probatória conferida pelo tribunal recorrido ao depoimento em crise. Na verdade, a testemunha GG limitou-se a relatar uma conversa que terá tido, em Fevereiro de 1996, com WW que teve funções de chefia na ré, no âmbito de relações com o estrangeiro, entre 1988 e 1992, no âmbito de um encontro com este no contexto de uma investigação (que nada tinha que ver com este assunto) a que então procedia, tendo abordado este tema em face de uma cópia de uma carta que lhe fora facultada pelo Sr. AA e fora enviada pelo consultor técnico da embaixada. Ou seja, todo o depoimento, prestado em 16 de Março de 2015, incide sobre uma conversa mantida com o WW, em Fevereiro de 1996, tendo a testemunha se louvado para tanto num documento que redigiu em 2000 sobre o teor dessa conversa, a pedido de alguém e para um efeito que não soube concretizar. O único dado que conseguiu afirmar com segurança, por se recordar de lhe ter sido dito pelo WW em Fevereiro de 1996, foi que o ministro dos negócios estrangeiro, HH indagou o YY sobre o facto de não terem pagado a comissão às autoras ou ao Sr. AA pelos serviços prestados, que aqueles entendiam que deveria ter sido paga, mas que o WW e XX decidiram não pagar.
Ou seja, a testemunha desconhece o âmbito do eventual acordo entre as autoras e a ré, quais as actividades desenvolvidas pelas autoras no âmbito desse acordo, qual a comissão que deveria ter sido paga, limitando-se a relatar uma conversa em que o seu interlocutor terá afirmado que “decidiu não pagar”. O conhecimento que manifestou sobre os serviços prestados pelas autoras, para além de extremamente vago, é o resultado daquilo que lhe terá sido transmitido pelo próprio AA, o que é manifestamente insuficiente para se considerar credível e bastante. Além do mais, como o próprio admitiu, a mencionada conversa entre o ministro HH e YY não terá sido presenciada pelo referido WW e a alusão a uma eventual comissão que seria devida poderia nada ter que ver com o seu envolvimento no fornecimento dos componentes de kits para o novo helicóptero Oryx - cf. página 65 da tradução do seu depoimento, linhas 5 a 20 junto com o requerimento de 7 de Março de 2022, primeiro ficheiro Ref. Elect. 31888496.
A ampla vaguidade deste depoimento, a total ausência de conhecimento sobre as questões fulcrais a apurar, como a existência do acordo entre as partes, o tipo de actividade acordada e a eventual remuneração, associado ao facto de se cingir a uma mera reprodução de uma conversa com alguém que reportou outra conversa entre terceiras pessoas justificam a sua desconsideração, pois que, ainda que pudesse ser conjugado com a prova documental, o que se verifica é que, em rigor, tal como apontou o tribunal recorrido, esta não revela, apesar da sua profusão, uma menção directa a qualquer acordo existente entre as autoras e a ré para as primeiras entabularem negociações com a Força Aérea Portuguesa com vista ao fornecimento de equipamentos no âmbito do designado Projecto Adenia.
Quanto ao depoimento da testemunha RR, diplomata, embaixador da África do Sul, colocado em Lisboa pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros HH, entre 1991 e Junho de 1994, revelou-se, de igual modo, inconsistente para demonstrar qualquer um dos factos pertinentes para a decisão da presente causa. Não teve conhecimento ou participação directa no sucedido, tendo-se limitado a receber e a dispensar a atenção diplomática da embaixada em Lisboa à delegação da recorrida que se deslocou a Lisboa, em Janeiro de 1992, tendo-lhe sido pedido para assistir às reuniões, sendo que apenas estava lá para facilitar os contactos e apresentar pessoas, devendo depois reportar a Pretória, apenas a natureza geral da visita, que, segundo recordou com base em elementos que teve de consultar, visava apurar se AA tinha direito a receber uma comissão pelo trabalho prestado com as OGMA e com a Armscor. O embaixador confirmou que não acompanhou a delegação a Paris, pelo que não ouviu os responsáveis da Aérospatiale sobre o assunto. Declarou que nunca viu o documento n.º 71 (que constitui o relatório de YY sobre essa visita), tendo concluído que a impressão que teve, no final, foi que a ré não iria pagar a comissão. Para além de ter relatado o nervosismo e alguma agressividade revelada nos contactos mantidos pela delegação da ré com os generais em Portugal, disse que não estava preocupado em relatar as conclusões da averiguação, sendo que deveria efectuar apenas um relatório normal para Pretória, sendo a ré responsável pelo seu próprio relatório. Porém, posteriormente, o ministro HH pediu-lhe para contactar os generais e enviar-lhe a sua própria análise da situação, tendo então mantido uma conversa com o general DD e AA, tendo concluído, sobretudo com base na carta do general VV (com quem não chegou a falar) de 23 de Fevereiro de 1987 e onde é feita referência ao projecto S1 e S2, que AA teria direito à comissão, embora não tivesse ouvido a esse propósito nenhum responsável da Armscor, nem LLL, da Aérospatiale.
Portanto, tal como realçou a 1ª instância, a testemunha não fez qualquer averiguação junto da ré e retirou as suas conclusões a partir de uma conversa com DD e da leitura da carta referida, cujo conteúdo tomou por bom e verdadeiro, mas, em rigor, nada sabia sobre o âmbito das negociações entre as partes, o estabelecimento de qualquer acordo no contexto do Projecto Adenia e menos ainda sobre a comissão alegadamente devida.
Conclui-se, pois, que nenhum dos elementos convocados, por si ou conjugados com os demais carreados para os autos, permite concluir que, em primeiro lugar, tenha existido um pedido ou um assentimento entre as partes no sentido de as autoras estabelecerem a ligação da ré com a FAP/OGMA para o fornecimento ou produção de componentes ou elementos dos kits para o helicóptero Oryx e, em segundo lugar, que tenha sido comunicado por AA que a sua actuação nesse âmbito ou a das autoras implicaria o pagamento de uma comissão indexada ao valor total dos bens e serviços objecto dos contratos a celebrar entre a Armscor, a Aérospatiale e as OGMA e que essa condição tenha sido aceite pela ré e fixada em 10% do valor bruto desses bens e serviços, ou que alguma das pessoas identificadas na alínea uu) tenham alguma vez garantido às autoras o pagamento de tal comissão.
Os factos descritos em dd), ee), kk), uu) e yy) devem, pois, manter-se como não provados.
i. Alíneas zz), bbb) e ccc) dos factos não provados e aditamento de novo facto
O Tribunal recorrido deu como provado o seguinte:
zz) Que em meados de Janeiro de 1990, a ré Armscor, por intermédio do Sr. XX, e com o intuito de manter o controlo sobre as autoras, tenha informado o Sr. AA que a Armscor havia decidido que o pagamento da comissão das AA. seria realizado por intermédio da abertura de uma conta bancária no banco KBL, com sede no Luxemburgo, para tal efeito.
bbb) Que o Sr. XX tenha informado o Sr. AA que o pagamento das comissões para a conta bancária no Banco KBLseria feito proporcionalmente em função dos fornecimentos realizados, conforme acordado em Julho de 1987.
ccc) Que aquando da abertura da conta no banco KBL de que a autora BSL ficou titular, os senhores QQ e ZZ tenham clarificado que a mesma tinha por finalidade o pagamento da comissão de 10% emergente da relação comercial entre as autoras e a ré.
Com a seguinte fundamentação:
“No que respeita à alínea zz), não existe qualquer meio de prova do qual resulte que tenha havido quer a comunicação às autoras, quer a decisão quanto ao alegado meio de pagamento. […]
E novamente, no que respeita à alínea bbb), não existe qualquer meio de prova de que tenha havido a referida informação.
Quanto à alínea ccc), nem sequer a testemunha QQ o afirmou, pois de acordo com o seu depoimento só mais tarde teria visto os tais documentos que lhe permitiram calcular o valor da comissão de 10%. Não há prova alguma disto.”
Pretendem as recorrentes que a resposta negativa a estes factos seja modificada e que sejam dados como parcialmente provados, com a seguinte redacção: “ZZ) Que em meados de 1990, a ré Armscor, por intermédio do Sr. XX, tenha informado o Sr. AA que a Armscor havia decidido que o pagamento da comissão das AA. seria realizado por intermédio da abertura de uma conta bancária no banco KBL, com sede no Luxemburgo, para tal efeito”; BBB) Que a Ré tenha informado as Autoras que o pagamento das comissões para a conta bancária no Banco KBLseria feito proporcionalmente em função dos fornecimentos realizados; CCC) Que aquando da abertura da conta no banco KBL de que a autora BSL ficou titular, os senhores QQ e ZZ tenham clarificado que a mesma tinha por finalidade o pagamento da comissão de 10% emergente da relação comercial entre as autoras e a ré.” Pretendem ainda o aditamento de um novo ponto com a seguinte redacção: “Que a conta bancária aberta junto do banco KBL, no Luxemburgo, de que a autora BSL ficou titular e a que se refere o facto provado CCC), foi aberta no 1º semestre de 1990 (e antes de 18-05-1990).”
Para o efeito invocam o seguinte:
i. Os factos provados sob as alíneas D), E), F) e G);
ii. Os depoimentos de QQ e de FF, de onde decorre que a ré criou um programa informático de contabilidade destinado a permitir a gestão de um sistema de pagamentos, respectivo controlo e eliminação ou minimização de qualquer vestígio de intervenção da ré nessas operações bancárias e financeiras, com intervenção de empresas fachada, tendo aberto uma conta bancária em nome das autoras destinada ao pagamento da comissão em causa nestes autos; e ainda, quando ao segundo, que este referiu que, em meados de Janeiro de 1990, receberam em Paris instruções de XX para que a conta em nome das autoras fosse aberta no Luxemburgo, para receber a remuneração referente à assistência no Projecto Adenia;
iii. O documento junto a 19 de Novembro de 2010, fls. 4217 e ss. dos autos, que permite verificar que na procuração emitida pelas autoras foram concedidos poderes à ré para a abertura de conta destinada ao pagamento de uma remuneração;
iv. O depoimento da testemunha OO, que disse que essa procuração foi emitida no âmbito de um outro contrato relacionado com granadas/MGL, referindo-se ao documento n.º 69 junto com o requerimento de 4 de Fevereiro de 2015, mas acabou por confirmar que não estava a par do negócio MGL a que se refere o documento n.º 64, não sabendo explicar por que razão a conta seria aberta oito meses depois da celebração do contrato, ocorrida em 15 de Março de 1989.
Sustenta a recorrida que dos factos provados indicados e do modus operandi da ré na realização de pagamentos nada se retira em abono da prova dos factos em referência; a abertura da conta diz respeito a um processo paralelo de comercialização de bens de natureza militar para o Equador, negócio que foi iniciado entre as autoras e a ré em 11 de Fevereiro de 1987, que conduziu ao contrato celebrado em 15 de Setembro de 1989 e constitui o documento n.º 64 junto pela ré e, como referido por OO, diz respeito à venda de um dos MGL (lançador de multi-granadas), em que a ré figurava como vendedora, a INDEP – Indústrias Nacionais de Defesa, E. P. como compradora ou cliente e AA como agente da INDEP, sendo que na carta de 16 de Maio de 1990 (documento n.º 69), AA refere que tem três potenciais clientes para os MGL, retirando-se do contrato que seria ele a efectivar o pagamento dos MGL à ré, pelo que havia a necessidade de criar uma conta bancária para esta, por ela controlada, mas em nome das autoras, para permitir receber os montantes que lhe eram devidos, pelo que tal conta nada tem que ver com o pagamento às autoras de comissão referente ao Projecto MTH.
Os factos provados sob as alíneas D), E), F) e G) apenas revelam o esquema bancário utilizado ou construído pela ré para movimentar diversas contas bancárias, através de sociedades “fachada”, de modo a realizar pagamentos a entidades distintas mantendo o seu anonimato, nada aduzindo, em concreto, sobre a finalidade da conta bancária aberta junto do KBL, da titularidade das autoras.
Por sua vez, para além de já se ter afastado a relevância probatória dos depoimentos de QQ e FF, pelas razões supra expendidas, importa notar que as passagens destes depoimentos invocadas para sustentar a modificação do decidido, em nada contribuem para a formação da convicção de que a conta bancária n.º ..., a que se reportam os documentos n.ºs 5 a 8 juntos em 19 de Novembro de 2010100, foi constituída para pagamento da comissão que seria devida às autoras no âmbito da alegada actuação no Projecto Adenia.
Note-se, mais uma vez, a falta de assertividade dos depoimentos, em concreto de QQ, quando refere que a conta foi aberta no Luxemburgo e que lhe disseram para lá ir, mencionando que era para os helicópteros Oryx e Puma “e coisas assim”, isto depois de toda a explicação fornecida quanto à criação de um sistema que mitigasse ou eliminasse a associação da ré nas transacções bancárias a que se procederia, atenta a natureza confidencial dos negócios em que esta intervinha, amplamente referida por todas as testemunhas ao longo deste processo. Ou seja, não é credível que tenha sido transmitido a funcionários que, como referiu a testemunha OO, se situavam a um nível de autoridade inferior (B) e no contexto de uma organização em que aquilo a cujo conhecimento cada um acedia se baseava no princípio need to know, tenha sido feita expressa menção da finalidade da abertura de conta e, menos ainda, com expressa referência a helicópteros Oryx e Puma.
A explicação adiantada pela testemunha OO apresenta-se muito mais sólida, coerente e plausível, pela circunstância de o fax através do qual foram transmitidas as procurações conterem a data de 18 de Maio de 1990, próxima à data em que AA, em representação da BSL, por carta de 16 de Maio de 1990, comunica, sob o assunto “MGL”, a “QQQ” e RRR, que possui três potenciais clientes para este tipo de material e pergunta pelas novidades do cliente da ré na América do Sul, informando-a que a conta da BSI “está agora aberta e pronta”.101
Por sua vez, o documento n.º 64102 evidencia o memorando de acordo relativo ao contrato celebrado entre a Armscor, como vendedor e representada por XXX, devidamente autorizado, e Beverly Securities Ltd, designada como “A” e representada por AA, contrato n.º AC21/89, em que aquela se compromete a fornecer a esta os dados técnicos desenvolvidos e formação e assistência para permitir ao Cliente (no caso, as INDEP, que depois se destinaria ao país comprador, o Equador, como explicou a testemunha OO) montar e fabricar o MGL, no país do comprador, tendo ficado consignado que a BSL era o representante por este designado e autorizada a celebrar o contrato com o vendedor em seu nome, sendo que na cláusula 2.1 desse contrato ficou estipulado que as quantias devidas devem ser pagas por “A” (BSL) ao vendedor (Armscor).
Associada à celebração deste contrato, verifica-se que existiu troca de correspondência, nomeadamente os documentos n.ºs 66 e 67103, o primeiro uma missiva de 16 de Outubro de 1989, em que AA alude ao contrato MGL e, o segundo, um fax do INDEP (de 12 de Outubro de 1989) que a acompanha, no qual o director deste declara que a BSL é o seu representante para os assuntos relacionados com o contrato AC/21/89. Nesta matéria, a testemunha OO explicou, designadamente a propósito do documento n.º 63104, que constitui uma missiva por si dirigida a SSS, com data de 11 de Setembro de 1989, que se reportava a um contrato de comercialização de bens que eram vendidos ao Equador, estando AA/BSL a gerir a venda (de lançador multi-granadas) ao Equador, enquanto agente, tendo tal contrato sido assinado por este, na sua presença, em reunião de 11 de Setembro de 1989 e que para a operação era necessário que a ré tivesse uma conta bancária que estivesse sob o seu controlo, para receber o dinheiro que viria da comercialização, para o que usaram o seu sistema bancário no Luxemburgo, confirmando que a conta n.º ... pertencia à ré, embora em nome da BSL, e foi aberta para efeitos do recebimento dos valores decorrentes do contrato que constitui o documento n.º 64 e não para recebimento pela BSL de qualquer comissão que lhe fosse devida – cf. páginas 31-49 do seu depoimento, prestado em 23 de Março de 2015, com transcrição junta aos autos em 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496, quinto ficheiro.
A circunstância de a testemunha OO ter referido, como alegam as recorrentes, que desconhecia se o contrato de comercialização das MGL se concretizou ou não, não coloca em crise toda a organização engendrada para o efeito, até porque esse era o esquema utilizado para os negócios estabelecidos pela Armscor, no período em que a África do Sul estava sob o embargo das Nações Unidas supra referido, tal como foi profusa e abundantemente mencionado no decurso destes autos.
Os meios de prova invocados não têm valia para demonstrar os factos ora impugnados, estando, aliás, centrados na razão de ser da abertura da conta em nome da BSL junto do KBL, sem que alguma das testemunhas indicadas tenha sequer mencionado que tivesse tido conhecimento de qualquer decisão da ré, transmitida a AA, no sentido de aceitação do pagamento de uma comissão de 10% ou que esta decisão tenha sido transmitida a alguma delas, por qualquer modo e menos ainda que a abertura da conta tenha ocorrido antes de 18 de Maio de 1990.
Mantêm-se inalterados os factos zz), bbb) e ccc) da enunciação fáctica não provada e não há lugar ao aditamento do novo facto proposto.
i. Alíneas mm) e nn) dos factos não provados
O Tribunal deu como não provado o seguinte:
mm) Que, a pedido expresso da Armscor, aceite pelas autoras, o acordo de pagamento de uma comissão de 10% nunca foi vertido em documento escrito, ficando registado num memorando escrito interno de dez páginas que, por razões de segurança, seria retido pela Armscor num cofre na Embaixada da República da África do Sul, em Paris.
nn) Que em 1993/1994 tal memorando tenha sido removido do cofre pela Armscor e levado para a República da África do Sul, ao abrigo do chamado Projecto Massada (um programa de eliminação e/ou ocultação de documentos e registos ligados às actividades da Armscor que comprometessem apoiantes e executores do regime de apartheid).
Cuja convicção justificou do seguinte modo:
“Dos factos das alíneas kk) a nn) não foi feita prova (credível) alguma: nenhum documento atesta a existência de um qualquer acordo remuneratório entre autoras e ré de 10% respeitante ao projeto Adenia/Oryx, nem a existência de um qualquer memorando secreto, nem da ocultação ou destruição desse memorando.”
Para demonstração destes factos, as recorrentes argumentam que as testemunhas QQ e FF confirmaram ter analisado o referido documento que continha o compromisso da ré de lhes proceder ao pagamento de uma comissão de 10% referente ao Projecto Adenia e que a testemunha GG aludiu ao programa Massada que teria levado à eliminação e destruição de vários documentos da ré.
A recorrida entende que tais factos devem permanecer como não provados.
Como é evidente, a argumentação aduzida não infirma seja por que modo for o juízo probatório da 1ª instância.
As recorrentes limitam-se a transcrever passagens dos depoimentos de QQ e FF sobre a alegada documentação que terão visto com a menção de uma comissão de 10% como sendo devida, questão que foi já amplamente analisada atrás, tendo-se concluído pela inconsistência do por elas afirmado para dar como provada a existência desse documento escrito.
Por outro lado, a testemunha GG, como se referiu já, não tem qualquer conhecimento directo dos factos e, mais uma vez, a propósito da mencionada operação Massada, apenas relatou uma conversa que manteve com um colega de trabalho, já falecido, que lhe terá contado que na sede da Armscor se procedeu à destruição ou eliminação de muita documentação, não existindo qualquer referência ou menção ao documento em específico aqui em discussão, cuja existência, aliás, não foi comprovada.
Mantêm-se os factos descritos nas alíneas mm) e nn) como não provados.
ii. Alínea eee) dos factos não provados
O Tribunal recorrido deu como não provado:
eee) Que, dado o valor dos serviços de engenharia e concepção, dos contratos de transferência de tecnologia, do valor das peças de melhoria de um veículo Alouette III, da venda e remessa de peças sobresselentes e manutenção para os veículos, transporte e entrega dos mesmos, o valor total do Projecto Adenia terá ascendido, realmente, a não menos de USD 3.000.000.000,00 (três biliões de dólares dos Estados Unidos da América).
Com a seguinte fundamentação:
“Quanto à alínea eee), além de o projeto Adenia não englobar os itens referidos na alínea, o seu valor ascendeu apenas, de acordo com o depoimento da testemunha LL, coronel da força aérea Sul-Africana, já reformado, que elaborou o relatório de auditoria de encerramento provisório do projeto Adenia, ao custo, atualizado para o ano de 2000, de 5.159.348.000 de rands, ou seja, à taxa de câmbio publicitada pela página do Banco de Portugal [https://www.bportugal.pt/page/conversor-de-moeda, nos termos da qual em 01.01.2000 1 USD = 14,07094 ZAR], de 366.666.903,5615247 dólares americanos.”
Mais uma vez as recorrentes discordam do assim decidido invocando o depoimento de QQ, que disse ter analisado documentos que lhe permitiram concluir que a totalidade do projecto assumiu um custo de USD 3 000 000 000,00 e de FF, que depôs no mesmo sentido, dizendo que somou as remessas mencionadas no contrato referente ao Projecto Adenia e que chegou a um valor aproximado de 3 mil milhões de dólares, incluindo uma verba referente a comissão de 10%, pelo que pretendem que seja dado como provado o seguinte: “Que o valor total do Projecto Adenia ascendeu a não menos de USD 3.000.000.000,00 (três mil milhões de dólares dos Estados Unidos da América).”
A recorrida entende que não decorre dos autos qualquer prova específica relativamente ao valor global do Projecto MTH, sendo que a tese das recorrentes assenta num conjunto de suspeições e conjecturas das mencionadas testemunhas, com base em cálculos que não souberam explicar, por referência a valores que também não conseguiram concretizar, sendo claro que desconheciam que componentes dos helicópteros terão circulado pelo canal português, assim como não sabiam o verdadeiro preço dos helicópteros, conforme QQ admitiu.
Na senda do que anteriormente se discorreu sobre a fragilidade destes depoimentos e, em específico, relativamente aos documentos que alegam ter visto e valores neles inscritos e cálculos que terão efectuado, é evidente que tais depoimentos não logram colocar em crise a análise probatória efectuada pela 1ª instância e as conclusões a que, nesta sede, chegou.
Aliás, a fundamentação aduzida e acima reproduzida assenta no depoimento de quem, sendo funcionário da ré, estava, pelo tipo de funções desempenhadas, mais apto a ter conhecimento dos valores envolvidos no referido Projecto. Com efeito, LL, coronel da FAAS, que foi oficial sénior da direcção de aquisições da FAAS, referiu ter sido responsável pela compilação do documento n.º 83 junto com o requerimento de 4 de Fevereiro de 2015, que constitui o memorando com o relatório final de encerramento do Projecto Adenia (Gamble), referente à aquisição de 52 helicópteros Oryx, onde consignou que os gastos com o projecto ascenderam a 5 159,348 rands, contra base financeira real de RM 6 087,516 (valor do rand em 2000), o que significa que o valor adiantado pelas mencionadas testemunhas, sem qualquer suporte documental apresentado, não tem suporte suficiente para infirmar o que resulta deste documento.
Assim, seja este valor o correcto ou não, certo é que a prova produzida é manifestamente insuficiente para dar como provado o valor alegado pelas autoras, para além de, ainda que se desse esse valor como assente, tal não bastaria, por si só, para calcular a comissão alegadamente devida às autoras, porquanto sempre seria necessário apurar qual o valor das peças e componentes que transitaram e/ou foram produzidas com o auxílio do canal português.
Mantém-se, pois, como não provado o vertido na alínea eee).
*
e. Tema da prova 6) – Da obtenção pela ré de um conjunto de vantagens económicas, traduzidas na aquisição, transporte, montagem e reexpedição de bens em resultado da actividade desenvolvida pelas autoras
i. Alíneas z) e fff) dos factos não provados e aditamento de novo facto
O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte:
z) Que, sem revelar tal facto às autoras, a ré Armscor tenha incluído igualmente no objecto do Projecto Adenia a aquisição à Aérospatiale de 50 novos helicópteros híbridos de Busca e Salvamento semelhantes ao Super Puma, em peças soltas e componentes que seriam montados pela ré na República da África do Sul.
fff) Que nos finais de 1990, as autoras tenham constatado que a R. Armscor desenvolvia contactos directamente com as autoridades militares portuguesas com um crescente afastamento das AA. dos contactos negociais respectivos.
Com a seguinte fundamentação:
“Quanto às alíneas y) e z), reiteramos tudo o que já acima se escreveu, não se tendo provado a celebração do acordo/intervenção alegado, entre as autoras e a ré.
De igual modo, não foi feita qualquer prova de que o objeto inicial do Adenia fosse apenas o “upgrade” de helicópteros, mas, como acima já se referiu (facto provado 6 e respetiva fundamentação), o projeto contemplava, numa fase inicial as duas vertentes: modernização dos existentes e aquisição de 50 novos. O que sucedeu foi o abandono da vertente da modernização e não a alegada inclusão posterior da vertente da aquisição de helicópteros novos. […]
Nem se vislumbra, a bem dizer, e de acordo com as regras da experiência, qual o interesse que a ré teria na referida ocultação, na tese das autoras, pois se quisessem incumbi-las de tratar de um negócio, teriam certamente interesse em que as autoras estivessem devidamente informadas dos seus contornos.
Quanto à utilização de “busca e salvamento”, também não foi feita prova de que fosse essa a perspetivada pela ré, mas sim para transporte de tropas em cenários de guerra/hostis. A testemunha II, general das forças armadas sul africanas, referiu que os Oryx eram versáteis e poderiam desempenhar várias funções, não só militares, mas também civis, aí se incluindo a busca e salvamento de pessoas, mas que os mesmos haviam sido concebidos e adquiridos com vista ao desempenho de atividades militares, pela força aérea sul africana. Por outro lado, referiu a testemunha KK que o facto de os Oryx terem sido dotados de assentos blindados para a tripulação evidencia que o seu destino sempre foi o uso militar, uma vez que tal equipamento, que visa proteger a tripulação de projéteis, é desnecessário em missões civis.[…]
Não foi feita qualquer prova dos factos das alíneas fff), ggg) e hhh) […]”
Sustentam as recorrentes que ficou claro que a ré tentou esconder o escopo total do Projecto Adenia, sem deixar de retirar proveito dos contactos por elas efectuados junto da FAP/OGMA, argumentando:
i. A testemunha JJ confirmou a inclusão no Projecto Adenia da aquisição de 50 novos helicópteros e o seu secretismo, sendo que a alusão a actualização foi feita para ocultar que, na verdade, pretendiam a aquisição de novos helicópteros, o que justifica que este dado também tenha sido escondido das autoras;
ii. A testemunha LL confirmou a implementação e conclusão da aquisição dos 50 novos helicópteros, daí devendo retirar-se que os envolvidos do lado da ré confirmam a inclusão no Projecto desta aquisição e a participação de AA nos diversos contactos com a FAP/OGMA, de que é exemplo a reunião de 19 de Outubro de 1987, providenciada pelas autoras, o que afasta a tese de que não haveria interesse da ré em ocultar das autoras esse facto, pois que era dessa forma que a primeira não procederia ao pagamento às segundas;
iii. A testemunha KK confirmou que na reunião de 19 de Outubro de 1987, em que estava presente AA, foi abordado esporadicamente o verdadeiro objecto do Projecto Adenia, referindo que era possível outra pessoa ter pedido para ser discutido outro assunto na reunião, admitindo não estar a par de tudo o que estava a acontecer e que poderiam existir conversações com AA sem ter conhecimento disso;
iv. A testemunha MM confirmou o envolvimento de AA no Projecto Adenia, com referência à reunião de Outubro de 1987, tentando justificar a alusão àquele com uma falha do comité ou de quem estava a redigir a acta.
Pretendem que seja dado como provado o seguinte: “Z) Que, sem revelar tal facto às autoras, a ré Armscor tenha incluído igualmente no objeto do Projeto Adenia a aquisição à Aerospatiale de 50 novos helicópteros híbridos de Busca e Salvamento semelhantes ao Super Puma, em peças soltas e componentes que seriam montados pela ré na República da África do Sul; FFF) Que nos finais de 1990, as autoras tenham constatado que a R. Armscor desenvolvia contactos diretamente com as autoridades militares portuguesas com um crescente afastamento das AA. dos contactos negociais respectivos.” Pretendem também o aditamento aos factos provados do seguinte: “Que a ré ocultou informações às Autoras sobre o real objecto do Projecto Adenia, e sobre o concreto valor inerente ao mencionado Projecto Adenia.”
A recorrida sustenta, por sua vez, ter demonstrado que a implementação do Projecto Adenia – na relação Aérospatiale, OGMA e Armscor – teria ocorrido de igual modo, quer tivesse havido intervenção das autoras, quer não, sendo que do depoimento das testemunhas JJ e LL nada se retira em contrário do já admitido e constante da alínea DD) e 6) dos factos provados, não percebendo de onde retiram as recorrentes que todos os envolvidos no Projecto confirmaram a participação de AA e que a ré quis esconder o âmbito daquele, factos que não se podem retirar dos excertos transcritos daqueles depoimentos; os depoimentos das testemunhas KK e MM não permitem também a conclusão de que AA esteve envolvido no Projecto Adenia, pois que foi explicada a sua intervenção em projectos paralelos, daí que os mencionados factos devam manter-se como não provados.
Apreciando.
As recorrentes reeditam nesta sede tudo quanto anteriormente tentaram demonstrar fazendo apelo a excertos de depoimentos das testemunhas mencionadas, que, isolada ou conjuntamente com os demais meios de prova atendíveis, não têm a virtualidade de demonstrar que a ré acordou com as autoras a participação destas ou a sua intermediação no estabelecimento do canal português, a ligação com a FAP/OGMA, para efeitos de implementação do Projecto Adenia, que a ré lhes ocultou o verdadeiro objecto do Projecto e que os helicópteros cuja aquisição estava prevista tivessem a finalidade de busca e salvamento, como resulta de tudo quanto a este propósito se deixou já atrás explanado.
Algumas discrepâncias ou inconsistências que possam ser detectadas nos depoimentos das testemunhas JJ, KK e MM, para que apelam as autoras, são insuficientes para bulir com a genérica credibilidade que lhes foi conferida, no confronto com a prova documental oportunamente escalpelizada, tanto mais que do que se trata não é de provar que AA e as autoras não tiveram qualquer intervenção na execução do Projecto Adenia, mas o contrário, ou seja, competia às autoras demonstrar essa intervenção, o que não lograram fazer, nem as insuficiências das explicações adiantadas por aquelas testemunhas para a referência a AA e ao Projecto Adenia vertida, designadamente no documento n.º 25 (acta da reunião de 21 de Abril de 1986 do conselho técnico, em Paris), podem ser evidenciadas para demonstrar factos controvertidos e sobre os quais não incidiu prova segura e bastante para afastar a dúvida sobre a que projecto se reportava a intervenção de AA, intervenção que foi admitida pela ré relativamente a projectos paralelos em curso.
Por outro lado, estando já definido o âmbito do Projecto Adenia (cf. alínea DD) e ponto 6) dos factos provados) e não estando provada a intervenção de AA e/ou autoras, é evidente a inviabilidade de admitir que a ré tenha ocultado daquelas a aquisição dos 50 helicópteros ou que as tenha afastado dos contactos com as autoridades militares portuguesas.
Mantêm-se não provados os factos descritos em z) e fff), assim como não há lugar ao aditamento do facto acima proposto.
A não demonstração dos factos integradores da causa de pedir que suportam o pedido principal e que resultaram não provados justifica-se, em concreto, pelas razões que foram sendo apontadas acerca de cada um desses factos impugnados, sendo que essa falta de prova se adensa por um conjunto de dados que geram a confundibilidade de datas, intervenções e projectos e que as autoras não lograram dissipar, como sejam a existência de diversos projectos em curso e em simultâneo por parte da ré; a intervenção das autoras em alguns desses projectos (relacionados com o fornecimento de armamento ou equipamento dessa natureza); a criação de múltiplos canais de fornecimento a partir de países terceiros; a intervenção de distintos agentes, empresas fachada e celebração de contratos entre compradores, agentes de compradores e fabricantes sem uma clara identificação de quem ocupa cada uma dessas posições; o recurso sistemático a nomes de código; a confidencialidade inerente a todo este tipo de actuação; a não redução a escrito de acordos; a eventual destruição de documentos e, finalmente, o longo tempo decorrido entre a data dos factos e o julgamento da causa. Todo este contexto impede que a prova produzida, seja a testemunhal seja a documental, com a sua manifesta tibieza, permita formular conclusões distintas daquelas que foram as vertidas na decisão recorrida.
*
f. Tema da prova 8) – Do conhecimento pelas autoras há mais de 3 anos, à data da propositura da acção, dos factos que sustentam os pedidos principal e subsidiários
As recorrentes reiteram aqui que, devido ao carácter sigiloso do Projecto Adenia, facto notório face aos meios de prova, apenas em 8 de Abril de 2006 tiveram conhecimento dos factos constitutivos do seu direito à restituição, porque só nessa data tiveram conhecimento do conteúdo do segundo depoimento de FF sobre a extensão do Projecto Adenia e o valor em causa, o que não foi relatado nos anteriores depoimentos desta e da testemunha QQ. Pretendem, assim, que seja dado como provado o seguinte facto, a aditar à enunciação dos factos provados: “Que as autoras apenas tiveram conhecimento dos factos que sustentam a presente acção desde as declarações/depoimento prestado por FF, de 08 de abril de 2006.”
A recorrida pugna pela improcedência desta pretensão por não ser atendível o depoimento prestado por FF, no âmbito do processo judicial que correu termos em Bruxelas, para além de as autoras terem conhecimento dos factos desde 1993 e da sua extensão pelo menos desde 2000, ao terem interposto a acção na África do Sul, conhecendo a identidade do devedor e os factos constitutivos do seu direito de crédito; além disso, afirmaram na petição inicial que no início do ano 2000 tomaram conhecimento que o volume total das compras e vendas no âmbito do Projecto Adenia tinha sido muito superior ao referido no processo sul-africano e já então conheciam o depoimento de QQ, prestado a 23 de Março de 1998 (documento n.º 1 junto com o requerimento de 19 de Novembro de 2010); também na acção intentada em Bruxelas contra o KBT e KBL, as autoras mencionaram o valor de 3 mil milhões de dólares americanos como sendo o valor total do Projecto MTH (documento n.º 2 junto com o requerimento de 19 de Novembro de 2010).
Este facto, tal como as autoras pretendem que seja aditado aos factos provados, resulta da alegação de que quando intentaram a acção nos tribunais da África do Sul não estavam em condições de liquidar, na totalidade, o valor da comissão que lhes é devida, porquanto não tinham ainda o conhecimento sobre a verdadeira extensão do Projecto Adenia. Contudo, no artigo 184º da petição inicial as autoras afirmaram que durante os procedimentos judiciais, entre 1993 e 1994 e no início de 2000, na acção interposta contra a Aérospatiale, nos tribunais franceses, por intermédio de depoimentos prestados por antigos trabalhadores da Armscor, tomaram conhecimento que o volume total de compras e vendas no âmbito do Projecto Adenia tinha, afinal, sido muito mais significativo do que o valor que indicaram na acção na África do Sul (FRF 98 000 000), situando-o em cerca de USD 3 biliões.
Todavia, confrontadas com a invocação da excepção de prescrição deduzida pela ré com base na lei sul-africana, que estabelece o prazo de três anos para as obrigações contratuais, em sede de réplica, invocando a indivisibilidade da confissão, vieram então especificar, no respectivo artigo 195º, que o depoimento de FF sobre esta concreta matéria foi prestado em 8 de Abril de 2006, pelo que esta é a data do conhecimento dos factos de onde a dívida da ré emerge.
Ora, é indubitável que as autoras afirmaram na petição inicial que no início de 2000 tinham já conhecimento de que o Projecto Adenia teria tido um custo que se cifrava em 3 biliões de dólares americanos. Ainda que tenham associado esse conhecimento ao depoimento das testemunhas QQ e FF no âmbito da acção intentada na África do Sul, em 1993, e na acção intentada em França, em 2000 e independentemente do conteúdo dos depoimentos então prestados, certo é que afirmaram que já então tinham noção do valor que ora vieram referir na presente acção. A alusão ao conhecimento apenas com o segundo depoimento de FF surgiu, ex novo, em sede de réplica, enquanto modo de refutar a prescrição invocada pela ré, não se vendo como a indivisibilidade da confissão prevista no art.º 360º do Código Civil possa ser invocada para impor à ré a aceitação desta nova data quanto ao conhecimento da extensão do custo do Projecto, porque do que se trata, na realidade, é de uma retractação do anteriormente afirmado (inviável, após aceitação da confissão feita em articulado – cf. art.º 465º do CPC). Com efeito, não se trata de afirmar que tomaram conhecimento em 2000 que não eram 98 000 000 RFR, mas só mais tarde souberam que eram 3 biliões de dólares americanos, mas sim de uma afirmação singela de que já em 2000 sabiam que o valor eram os 3 biliões de dólares norte americanos, pelo que não está em causa uma confissão complexa, que a ré deva aceitar no seu todo, porque só mais à frente as autoras modificam o momento em que tomaram conhecimento do valor ora invocado – cf. António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, I – Parte Geral, CIDP 2020, pág. 1037 – “A confissão complexa ocorre quando o confitente, aos factos confessados, adite outros que lhe diminuam ou retirem o alcance probatório (confissão qualificada) ou que ela surja de tal modo que permita, ao mesmo confitente, uma defesa por excepção ou uma reconvenção (por ex., recebi mas restituí).”; Rita Cruz, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, 2ª edição revista e atualizada, UCP, pág. 1030 – “O princípio da indivisibilidade da confissão não se aplica aos casos de confissão simples, isto é, quando se verifica o simples reconhecimento do facto alegado pela parte contrária e favorável a esta, porquanto esta declaração é, por natureza, indivisível. O problema da indivisibilidade pressupõe, pois, que a confissão conste de duas partes, uma favorável à parte contrária, outra ao confitente.”.
Acresce que, tal como aponta a ré/recorrida, em 23 de Março de 1998, QQ informou que forneceu às autoras documentação da ré onde constavam pagamentos efectuados no âmbito do Projecto Adenia, ou seja, reportada aos canais utilizados pela recorrida, e, já no âmbito do depoimento prestado nestes autos, reiterou ter fornecido a AA a documentação a que teve acesso (constante de cinco ficheiros), enquanto ainda trabalhava na Armscor (note-se que nos anexos ao seu depoimento, que elaborou, é referida uma quantia de 15 biliões de francos franceses pagos entre 1985 e 1995105), o que sempre indicaria que as autoras terão tomado conhecimento da extensão do Projecto muito antes de 2006 – cf. páginas 514-528 do depoimento prestado em 7 de Abril de 2016, com transcrição junta em 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496, sétimo ficheiro.
Não se descortinam, assim, razões para introduzir nos autos o facto que as recorrentes pretendem aditar, pelo que improcede, também nesta parte, a sua pretensão recursória.
i. Alíneas N) e Q) dos Factos Provados
O Tribunal a quo deu como provado o seguinte:
N) AA, Beverly Securities Incorporated e Beverly Securities (PTY) LTD foram os requerentes de uma acção intentada no Supremo Tribunal da África do Sul, divisão provincial de Transvaal, contra Armaments Development and Production Corporation of South Africa, LTD exigindo desta o pagamento de 9,8 milhões de francos franceses, juros sobre o referido valor à taxa anual de 18,25% ou, alternativamente, realizando uma contagem detalhando o número de equipamentos efectivamente fornecidos e recebidos pelo arguido, sua discussão e pagamento de 10% do preço de compra dos equipamentos efectivamente fornecidos e recebidos pelo arguido e ainda que se declare que os requerentes têm direito ao pagamento de 10% sobre o preço de compra de cada equipamento a ser recebido e a ser liquidado pelo arguido (documento 4 contestação – fls. 1984-1988, 7º volume).
Q) Em 18 de Agosto de 1994 a divisão da província do Transvaal do Supremo Tribunal da África do Sul verificou que os requerentes retiraram a sua pretensão. (documento 9 da contestação, fls. 3860, 12º volume).
Entendem as recorrentes que a redacção da alínea N) deve ser corrigida em conformidade com o que consta do pedido deduzido na mencionada acção e se afere de fls. 1988 dos autos, passando a parte final da alínea a ter a seguinte redacção: “… cada equipamento que viesse a ser recebido e a ser liquidado pelo arguido.”
Quanto à alínea Q) pretendem que se modifique a menção a que os requerentes retiraram a sua pretensão junto do Tribunal da África do Sul, pois, apesar de corresponder ao texto da decisão que consta a fls. 3860 dos autos, as próprias rés referem no artigo 110º da contestação que as autoras desistiram da instância, devendo passar a constar esta referência para que não haja dúvidas quanto ao significado da expressão.
A recorrida opõe-se dizendo que a modificação que as autoras pretendem introduzir na alínea N) não tem respaldo no documento invocado, sendo que a redacção dela constante corresponde à tradução oficial, conforme documento n.º 4 junto com a contestação. Quanto à alínea Q), a sua redacção corresponde ao que consta da decisão junta a fls. 3860 e seguintes dos autos, documento que não permite aferir se tal actuação corresponde a uma desistência da instância ou do pedido, pelo que se deve manter inalterado.
Não têm razão as recorrentes.
A tradução do pedido formulado pelas autoras junto do tribunal da África do Sul, tal como consta do documento n.º 4 junto com a contestação106 corresponde, ipsis verbis àquilo que ficou a constar da alínea N) dos factos provados, razão pela qual se entende que não existe motivo para modificar o que dela consta.
Por sua vez, no que diz respeito à alínea Q), a respectiva redacção corresponde, também, à concreta tradução daquela que foi a decisão proferida no âmbito da acção que correu termos na África do Sul, como se afere do conteúdo de fls. 3860 e seguintes dos autos107, pelo que deve ser esse o facto a consignar, sendo que a sua equiparação a uma desistência da instância, nos termos do processo civil nacional, extravasa o âmbito do que emerge do documento, não devendo ficar inscrito na enunciação da matéria de facto.
Mantém-se, pois, inalterada a redacção das alíneas N) e Q) dos factos provados.
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g. Fundamentaçao de Facto Reordenada
Embora a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tenha sido julgada improcedente quase na sua totalidade, com excepção do aditamento de um único facto, procede-se à enunciação por ordem cronológica da sucessão dos acontecimentos, para uma melhor percepção dos actos praticados (considerando que na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz deve usar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que se considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, - Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 718), pelo que, com a necessária renumeração, os factos provados a considerar são os seguintes:
1. A autora Beverly Securities Limited é uma sociedade constituída nos termos das leis do Reino Unido.
2. A autora Beverly Securities Incorporated é uma sociedade constituída nos termos das leis do Panamá.
3. O Sr. YY foi director-geral da ré Armscor.
4. O Sr. WW teve funções de chefia da ré, envolvendo relações com o estrangeiro, entre 1988 e 1992, cuja denominação e âmbito não foram concretamente apurados.
5. O Sr. XX teve funções de chefia na ré cuja denominação e âmbito não foram concretamente apurados.
6. MM foi membro do Comité Técnico da Armscor junto do embaixador da África do Sul, em Paris, durante a segunda metade dos anos 80, estando encarregado do Procurement estrangeiro, em prol da força aérea sul-africana.
7. O Kredietbank S.A. Luxembourgeoise (doravante referido por “KBL”) é uma sociedade bancária de direito privado luxemburguês, com sede em Localização 2 Luxemburgo, sendo uma sociedade integrante do grupo societário financeiro KBC Group N.V.., sediado em Bruxelas, na Bélgica.
8. A Kredietrust Luxembourg S.A. (doravante referida por “KT”) é uma sociedade anónima constituída nos termos das leis do Luxemburgo, com sede em Localização 3, Luxemburgo, igualmente integrante do grupo societário financeiro KBC Group N.V.., tendo por objecto a gestão dos bens e direitos detidos pelo KBL.
9. Durante a vigência do Embargo aprovado pela Resolução n.º 418 das Nações Unidas e apenas para o efeito da aquisição e manutenção pela ré de material militar das Forças Armadas Sul-africanas a KBL e KT prestaram serviços à ré, designadamente através da abertura e movimentação de diversas contas bancárias, em sociedades fachada (front companies) de terceiros, sitas em paraísos fiscais, por forma a realizar pagamentos transnacionais a várias entidades e no planeamento e montagem de mecanismos tendentes à maximização do anonimato das suas operações e à facilitação de meios pelos quais as suas actividades comerciais podiam ser conduzidas com o menor risco possível de exposição pública.
10. A KBL e a sociedade financeira afiliada KT desempenharam um papel essencial na protecção dos interesses da Ré Armscor e do Governo da República da África do Sul durante o regime de apartheid até meados da década de 90 do século passado, na vigência do Embargo aprovado pela Resolução n.º 418 das Nações Unidas, sendo um dos instrumentos fundamentais de financiamento e realização de operações bancárias durante o referido período para efeitos de aquisição e manutenção pela ré de material militar das Forças Armadas Sul-africanas.
11. Durante a Guerra da Independência da Namíbia, a força aérea da República da África do Sul sentiu necessidade de ser dotada de helicópteros que permitissem o transporte de tropas, adaptados à geografia das zonas onde se desenrolava o conflito, onde as temperaturas são muito elevadas, necessidades que não se consideravam integralmente satisfeitas com os Puma SA330 de que dispunham.
12. Na década de 80 do século XX existia já uma relação comercial entre a Armscor e a Aérospatiale, de compra e venda de aeronaves, peças e prestação de assistência técnica.
13. Para suprir tais necessidades, foi desenvolvido conjuntamente com a Aérospatiale um novo modelo de helicóptero, híbrido, com algumas das características dos Super Puma e outra distintas, designadamente o motor denominado Makila.
14. A este novo modelo foram atribuídas as denominações MTH e Oryx.
15. Em meados da década de 80, a ré Armscor começou a desenvolver um projecto secreto chamado Adenia cujo objectivo era, inicialmente, em 1984 e 1985, “o fabrico local de 50 novos helicópteros de transporte médio e a modernização dos helicópteros SAAF Puma existentes. Os novos helicópteros serão equipados com os componentes dinâmicos Super Puma, os quais serão também utilizados no helicóptero Combat Sport. Os componentes Super Puma serão também utilizados para a modernização.” Em data não concretamente apurada, a ré abandonou o propósito de modernizar os helicópteros preexistentes e o projecto passou a ter apenas como objecto a aquisição de 50 novos helicópteros, não tendo sido adquiridos nem incorporados quaisquer componentes para modernização.
16. O Projecto Adenia incluía no seu objecto a aquisição pela ré de 50 helicópteros novos denominados Oryx, distintos de outros modelos de helicópteros, compostos por uma fuselagem/casco produzida na Roménia e outros componentes.
17. O protótipo do MTH/Oryx foi construído pela Aérospatiale e enviado para a República da África do Sul em 1985.
18. O director das autoras, AA, remeteu uma carta datada de 11 de Fevereiro 1985 ao Sr. SS demonstrando interesse em colaborar com a ré Armscor.
19. No início de 1986 AA participou numa reunião no escritório da ré situado na embaixada da República da África do Sul, em Paris.
20. As forças armadas portuguesas procuravam uma solução para melhorar a capacidade da sua frota de helicópteros, com vista a conseguir cumprir obrigações assumidas pelo Estado português junto da NATO, mas não tinham capacidade orçamental para suportar os respectivos custos.
21. Em meados de Março de 1986 ocorreu uma reunião entre o general DD, Chefe de Estado-Maior da Força Aérea Portuguesa e o general UU.
22. Em 7 de Abril e 2 de Maio de 1986 houve novas reuniões entre o general DD e o general UU.
23. Em 18 de Dezembro de 1986 houve nova reunião entre o general DD e o general UU, tendo este último proposto uma possível colaboração das OGMA com a ré respeitante a helicópteros.
24. Em 6 de Janeiro de 1987 houve uma reunião entre o general DD e o general VV na qual o primeiro deu autorização verbal ao segundo para avançar com a cooperação das forças armadas portuguesas no Projecto Adenia/MTH.
25. A decisão sobre a utilização das autoridades militares portuguesas/OGMA no fornecimento de kits de upgrade implicavam a prévia autorização do General DD.
26. Aquando da reunião com o general DD, em 6 de Janeiro de 1987, o general VV director das OGMA, já era conhecedor da pretensão da Aérospatiale e da ré de recorrerem às OGMA como canal para o fornecimento de kits dos componentes dos helicópteros MTH/Oryx.
27. O presidente das OGMA, general VV, dirigiu à Beverly Securities Inc uma carta datada de 23 de Fevereiro de 1987, na qual refere o seguinte “1. Em resultado das conversações que tivemos na nossa última reunião, tenho o prazer de confirmar que estamos dispostos a proceder a todas as reparações e revisões dos motores da Allison T-56-A15, nas condições a acordar com o vosso cliente. 2. No que respeita a modificação dos helicópteros PUMA SA-330 para a versão S2, estaremos em condições de participar na produção de alguns ‘kits’’, mas o projeto dependerá das decisões da Aerospatiale e do vosso cliente. 3. Assim, não vemos inconvenientes em que a BSI prossiga com as negociações com o vosso cliente relativamente aos assuntos supra mencionados. 4. Agradecíamos que nos mantivesse informados acerca dos desenvolvimentos das negociações com o vosso cliente.”
28. A R. Armscor dirigiu à autora Beverly Securities, Inc. uma carta datada de 26 de Fevereiro de 1987, onde refere “Temos o prazer de informá-los que a Armscor está preparada para discutir com as autoridades portuguesas responsáveis as possibilidades de colaboração e cooperação (associações em participação) no âmbito da produção de armamento específico e do marketing internacional de armamento (por exemplo as MGL de 4 mm e as granadas). Tal associação em participação poderia resultar em: - transferência de certas tecnologias – co-produção – associação em participação de marketing – contratos de assistência na aquisição de material militar. Acreditamos que as nossas sugestões serão recebidas de forma favorável e que nos poderemos reunir brevemente, à sua conveniência, no sentido de prosseguirmos as negociações.”
29. Em 2 de Abril de 1987, a Autora BSI confirmou à Ré Armscor que as OGMA poderiam receber uma delegação da Armscor em Maio de 1987.
30. Em 19 de Outubro de 1987 ocorreu a deslocação de uma delegação da ré Armscor às OGMA, chefiada pelo senhor KK, tendo a reunião sido marcada junto das OGMA por AA.
31. Em 28 de Janeiro de 1988, a Armscor enviou uma nota às autoras (documento 12 da p.i.), assinada pelo Sr. BBB, solicitando um orçamento escrito para custos de fornecimento, a que as autoras responderam em 28 de Março de 1988.
32. A empresa Zandumec, criada e detida pela ré para ocultar a verdadeira identidade do contratante, celebrou com as OGMA o contrato, junto a fls. 2361-2368, assinado pelas referidas partes em, respectivamente, 7 e 3 de Junho de 1988, respeitante aos fornecimentos pelas OGMA no âmbito do Projecto Adenia, do qual consta, entre o mais, o seguinte: “(…) 4. Pagamento O fornecedor deverá receber da parte do comprador o pagamento de 5% (…) do preço de fábrica pela compra (…) dos serviços prestados pelo fornecedor, nos termos do presente acordo, dos componentes serem entregues ao comprador. (…) Anexo A 6. Lei Aplicável A lei portuguesa será aplicável ao presente acordo.”
33. A montagem, expedição e entrega dos novos helicópteros Oryx, com intervenção das OGMA, iniciou-se em Setembro de 1989 e terminou em Abril de 1994.
34. A ré resolveu incumbir o Sr. AA da intermediação da compra de um sistema de voo nocturno, operação que se denominou Projecto Orion.
35. O Sr. AA, em nome pessoal e das ora autoras, foi bem-sucedido na intermediação dessa compra e, por conseguinte, a ré liquidou-lhe a quantia de 25 000,00 dólares americanos, correspondente à acordada comissão de 1% sobre o valor da aquisição.
36. A BSI remeteu, em 26 de Julho de 1989, um fax para o Sr. TT, da R. Armscor, com o texto que consta de fls. 3799 (12º volume) com o seguinte teor: “No seguimento da nossa última conversa telefónica, abaixo discrimino a lista dos passos: 1/ Em Março/Abril de 86, durante uma visita ao vosso escritório em Paris, o MM fez menção ao projecto em questão, solicitando-me que abordasse as nossas autoridades, com vista à obtenção das autorizações necessárias. 2/ No dia 6 de Janeiro de 87, recebi uma carta da parte do nosso Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, confirmando a sua aceitação e concedendo o prosseguimento do projecto à OGMA. 3/ No dia 11 de Fevereiro de 87, enviei uma carta elaborada pelo falecido UU, dirigida a SS, confirmando a nossa posição. 4/ No dia 23 de Fevereiro de 87, a OGMA enviou-me uma carta, através da qual me confirmavam estarem preparados para avançar. 5/ No dia 1 de Abril de 87, enviei uma resposta à OGMA, e confirmei a visita da Atlas e do vosso pessoal. 6/ No dia 19 de Outubro de 87, sete pessoas visitaram as instalações da OGMA. 7/ Referi diversas vezes ao MM que avancei de boa fé, com a promessa de assinar um contrato aceitável. Até ao momento nada aconteceu Espero que a situação esteja suficientemente clara para si. Agradeço antecipadamente a sua atenção.”
37. Em 27 de Março 1990, a BSI remeteu um fax para o Sr. TT, narrando “um breve resumo da sequência de eventos”, mais referindo “Posteriormente, o MM prometeu-me que iria rever a minha situação com o WW, e que me informaria quando o meu contrato estivesse pronto. Desde então, tentei obter uma resposta, e lamento que todos os meus pedidos tenham sido ignorados. Há um ano atrás, na ausência do WW, deixei nas mãos de XX um processo altamente confidencial, com cópias de cartas trocadas, provando os meus empreendimentos em Portugal, em relação ao qual ainda aguardo uma resposta. Neste momento, chegou a altura de contactar o Presidente, pois as entregas já se iniciaram, e não posso esperar mais tempo. Creio que o SS se encontra em posição de ajudar. Sempre fui leal e sempre estive à disposição para ajudar a Organização, pelo que não é justo que me tratem como um parente pobre.”
38. Em 1 de Julho de 1991 o Sr. AA teve uma conversa com o Presidente da ré, CCC, acerca dos seus pedidos de remuneração.
39. Em 15 de Julho de 1991, a Armscor remeteu uma carta para ambas as autoras, assinada pelo seu director-geral de aquisições, Sr. YY, negando a responsabilidade da Armscor no pagamento de qualquer comissão às AA., bem como afirmando que as autoras deveriam solicitar às OGMA o pagamento da mesma.
40. A ré não pagou às autoras qualquer quantia no âmbito do Projecto Adenia.
41. Em 1992 a Aérospatiale, na sequência de uma fusão com a sociedade DaimlerBenz Aerospace AG (DASA) para o segmento de helicópteros, formou a sociedade Eurocopter Group.
42. Em 1999 a Aérospatiale fundiu-se com a sociedade Matra Haute Technologie e, em 2000, com as sociedades espanhola Construcciones Aeronáuticas SA (CASA) e alemã DaimlerChrysler Aerospace AG, do que resultou a actual The European Aeronautic Defence and Space Company (EADS).
43. AA, Beverly Securities Incorporated e Beverly Securities (PTY) LTD foram os requerentes de uma acção intentada no Supremo Tribunal da África do Sul, divisão provincial de Transvaal contra Armaments Development and Production Corporation of South Africa, LTD exigindo desta o pagamento de 9,8 milhões de francos franceses, juros sobre o referido valor à taxa anual de 18,25% ou, alternativamente, realizando uma contagem detalhando o número de equipamentos efectivamente fornecidos e recebidos pelo arguido, sua discussão e pagamento de 10% do preço de compra dos equipamentos efectivamente fornecidos e recebidos pelo arguido e ainda que se declare que os requerentes têm direito ao pagamento de 10% sobre o preço de compra de cada equipamento a ser recebido e a ser liquidado pelo arguido.
44. No articulado inicial apresentado pelos requerentes identificados em 43., datado de 24-03-1993, consta, entre o mais, o seguinte: “Entre aproximadamente janeiro de 1986 a abril de 1987 (…) os requerentes (…) e o arguido presente e representado pelo Sr. AAA e/ou o Sr. MM e/ou o Sr. WW e/ou o Sr. KK e/ou o Sr. XX, todos devidamente autorizados, entraram em acordo verbal, nos termos do qual as partes acordaram o seguinte: (…) iniciar negociações com as Forças Armadas Portuguesas e/ou a Organização Portuguesa de Serviços conhecida por OGMA e/ou por Força Aérea Portuguesa (…) 5.4. mais particularmente, (…) empenhar-se na obtenção da cooperação (…) para adquirir, preparar, produzir, recolher e fornecer determinados equipamentos para Helicópteros Puma, para aprimoramento dos Helicópteros Puma da Força Aérea da África do Sul, através duma conversão conhecida como S2”. “Nas reuniões atrás mencionadas, e/ou em tempo e local desconhecido para o Requerente, o Arguido concluiu um acordo (…) para fornecimento de 43 dos atrás mencionados equipamentos de conversão.“
45. Os requerentes da acção identificada em 43. alteram a sua alegação nos pontos discriminados no documento 22 da contestação, fls. 2470-2475, 8º volume.
46. Em 18 de Agosto de 1994 a divisão da província do Transvaal do Supremo Tribunal da África do Sul verificou que os requerentes retiraram a sua pretensão.
47. AA, Beverly Securities Incorporated e Beverly Securities (PTY) LTD intentaram acção contra a Eurocopter International, Sociedade Anónima, no Tribunal de Comércio de Bobigny, pedindo que se declare que a Eurocopter International, Sociedade Anónima, titular de direito da empresa Aérospatiale, beneficiou de um enriquecimento sem causa na sequência da venda de 50 helicópteros Super Puma S2, em detrimento das autoras, que se ordene à Aérospatiale que forneça todos os documentos que possam estar na sua posse relativos à referida venda, que se designe um perito com a tarefa de determinar o montante da venda, os lucros obtidos pela Aérospatiale na referida venda, o montante habitual da comissão do intermediário e os ganhos não obtidos pelos requerentes e que se condene a ré a pagar aos requerentes a quantia de 50.000 Frs para cada um e todas as custas inerentes ao processo.
48. Para tanto, alegaram os requerentes identificados em 47. que “durante o ano 1986/1987, o Sr. AA foi informado de que a Armscor (…) desejava obter até 50 lotes de peças soltas destinadas em converter-se em helicópteros Puma em versão Superpuma S2. (…) devido ao embargo contra a República da África do Sul que o governo francês se comprometeu em respeitar, não era possível a uma empresa francesa e sobretudo a uma empresa pública celebrar um contrato de fornecimento com esta república. Foi nestas circunstâncias que (…) foram levados a prestar os seus serviços, a fim de permitir que esta transação fosse levada a cabo pelo intermediário de Portugal (…) Visto que o Sr. AA, a pedido da Armscor, se envolveu em longas e difíceis negociações com vários generais portugueses; (…) esta transação nunca poderia ter sido efetuada sem a intervenção do Sr. AA que, para além dos serviços acima descritos, pôs as suas contas bancárias à disposição da Armscor (…) Visto que a empresa Aérospatiale (…) obteve um benefício muito substancial com esta venda de helicópteros, benefício esse que foi bastante superior àquele que teria realizado com a simples venda dos conjuntos.”
49. O Tribunal do Comércio do Distrito Judicial de Bobigny decidiu a acção identificada em 47. e 48., considerando o pedido de AA, Beverly Securities Incorporated e Beverly Securities LTD sem legitimidade na sua acção in rem verso contra a Eurocopter, rejeitando-o. E condenou-os a pagar à Eurocopter a quantia de 200 000 francos por má-fé, a suportar as custas, bem como a pagar a quantia de 456 569,67 francos.
50. Em 2008 a Beverly Securities Limited intentou uma acção no Tribunal de Comércio de Bruxelas contra as sociedades anónimas Kredietrust Luxembourg (KTL), Krediebank S.A. Luxembourgeoise, o KBC Bank S. A. e o KBC Groupe onde alega, entre o mais, o seguinte “O BSL e a empresa sua associada Beverley Securities Incorporated (BSI) foram então contactadas no decorrer do ano de 1986 pela Armscor, por motivos das ligações estreitas mantidas com as autoridades portuguesas através do seu dirigente, Sr. AA. Era-lhes pedido que facilitassem uma transação tendo em vista, oficialmente, a entrega de ‘upgrades’ de helicópteros Puma a Portugal, material esse que seria depois discretamente encaminhado para a África do Sul. (…) Em contrapartida dos esforços empreendidos pelo BSL e BSI, a Armscor comprometeu-se a pagar 10% de comissão sobre o conjunto dos acordos celebrados com a Aérospatiale e que transitassem através do ‘canal português’. Metade da comissão seria no final suportada pela Armscor e a outra metade pela Aérospatiale. Este acordo foi objeto de atas confidenciais guardadas nos cofres da Embaixada da África do Sul em Paris em 1987; (…) A Almanij e as suas filiais operacionais aceitaram desempenhar um papel ainda mais gravoso para a BSL. Efetivamente, levaram o Sr. AA a acreditar que o pagamento das suas comissões seria efetuado numa conta aberta especialmente pela BSL junto da KB LUX, no dia 8 de fevereiro de 1990, sob o n.º ... (…) Aliás, os funcionários da KB LUX felicitaram calorosamente o Sr. AA aquando da abertura da conta na própria sede do banco, à vista das comissões que ele deveria receber. (…) Sendo ainda mais grave, a Almaji e as suas filiais operacionais, nomeadamente o Kredietbank, a KB LUX e a Kredietrust, terão prestado auxílio no desvio das comissões em dívida à BSL, em proveito de terceiros, especialmente os próprios dirigentes da Armscor (…).”
51. As Autoras tomaram conhecimento, depois dos procedimentos judiciais que intentaram contra a Ré, Armscor, na África do Sul, entre 1993 e 1994, e no início de 2000, contra a Aérospatiale, nos tribunais franceses, que o volume total das compras e vendas, no âmbito do Projecto Adenia, tinham sido superiores àquele que a Armscor pretendia que fosse revelado.
*
3.2.2. A determinação da lei aplicável ao contrato alegadamente celebrado entre as partes
Para apreciação das questões de Direito que importavam resolver, a 1ª instância começou – como se impunha – por determinar qual a lei aplicável ao contrato/negócio/acordo em discussão nos autos, em função daquilo que foi alegado pelas partes, louvando-se, relativamente ao pedido principal, sobremaneira, na análise efectuada por esta Relação, no acórdão proferido em 8 de Novembro de 2012.108
Nesse acórdão, a Relação apreciou o recurso interposto da decisão que julgou os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para a apreciação da causa e, para efeitos de ponderação dessa competência, no que diz respeito à previsão da alínea b) do art.º 65º do CPC de 1961 (na redacção anterior à que lhe foi conferida pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, atenta a data da interposição da acção109) – dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa – pronunciou-se sobre o modo de determinar os critérios de conexão a que se reporta o art.º 74º, n.º 1 do CPC de 1961. Para esse efeito, a Relação afirmou que se colocavam duas vias: recorrer às normas de conflitos para, em função delas, se aceder ao sistema jurídico material e com base nele determinar o sentido a conferir aos critérios de conexão; ou definir tais critérios através do direito material português. Subsequentemente, a Relação analisou essas duas vias e, no âmbito da primeira, para apurar o lugar onde a obrigação deveria ser cumprida, fez apelo às normas de conflitos dos art.ºs 41º e 42º do Código Civil e, com base nelas, entendeu ser aplicável ao caso, para a densificação do conceito do lugar de cumprimento da obrigação, a lei sul-africana, pelas razões que, posteriormente, foram reproduzidas no texto da decisão recorrida.
As apelantes discordam do decidido quanto à lei aplicável ao alegado negócio em discussão nos autos pela seguinte ordem de fundamentos:
i. A circunstância de a ré ser uma sociedade de capitais públicos não determina, por si só, que não aceitaria a aplicação de uma lei estrangeira, nomeadamente, a lei portuguesa, até porque no contrato celebrado entre as OGMA e a ré, através da sociedade de fachada Zandumec, detida pela recorrida, as partes previram expressamente a aplicação do Direito português;
ii. Foi esse contrato entre a Zandumec e as OGMA que materializou o canal português, na sequência da execução do mandato conferido pela ré às autoras, para obtenção da autorização junto da FAP/OGMA;
iii. O mandato foi exercido e integralmente cumprido em Portugal, perante autoridades na dependência hierárquica directa do Estado Português e tendo em vista a jurisdição e o território português;
iv. A Convenção da Haia sobre a lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação, de 14 de Março de 1978 é aplicável ao caso dos autos por as suas normas serem de aplicação universal, pelo que o facto de a África do Sul não ser um Estado contratante não obsta à aplicação da sua lei, conforme art.º 4º da Convenção;
v. Na falta de designação pelas partes, a lei aplicável, de acordo com o art.º 6º da Convenção, é a lei interna do Estado no qual, ao momento da formação da relação de representação, o intermediário tenha o seu estabelecimento profissional ou, na sua falta, a sua residência habitual, ou, tendo vários estabelecimentos profissionais, aquele com o qual a relação de representação esteja mais estreitamente relacionada;
vi. A designação da lei portuguesa resultou implicitamente das circunstâncias da causa; o local de exercício e cumprimento do mandato acordado entre as partes é um critério atendível para efeitos de determinação da lei substantiva aplicável e as autoras executaram o contrato em território português, possuindo escritório em Portugal à data dos factos;
vii. Ainda que não fosse atendível a designação implícita da lei portuguesa, as autoras tinham estabelecimento profissional em Portugal, no Localização 1, onde recebiam correspondência, pelo que nos termos do art.º 6º, n.º 1 da Convenção seria aplicável a lei portuguesa;
viii. Apesar de a referida Convenção apenas ter entrado em vigor em Portugal em 1 de Maio de 1992, a regra geral é a da aplicabilidade imediata de uma norma de conflitos a todas as situações jurídicas ocorridas antes ou depois da sua entrada em vigor, dado que tais normas não dispõem directamente sobre o conteúdo de relações jurídicas;
ix. A lei portuguesa não foi alegada no âmbito da acção referida em 43. porque quando a acção terminou quando ainda não tinha chegado o momento processual próprio, de acordo com as leis processuais sul-africanas, para discutir essa questão;
x. Ainda que fosse de aplicar a lei sul-africana, isso sempre dependeria da aceitação expressa da remissão por parte do DIP sul-africano, o que não se verifica, havendo que dar preferência à lei com a qual a relação jurídica tem a sua conexão mais estreita ou mais relevante, que, no caso, seria a lei portuguesa, lei do local de cumprimento da obrigação que primeiro foi cumprida e fundamenta o dever de pagamento da comissão.
A recorrida entende que a lei aplicável é a lei sul-africana, como decidido, pelas seguintes razões:
• O Tribunal da Relação de Lisboa apreciou a questão da lei aplicável ao alegado contrato e decidiu que é a lei sul-africana, o que reveste força de caso julgado, para efeitos do art.º 580º do CPC;
• Não há qualquer coligação de contratos, tendo o alegado contrato de mandato precedido o contrato celebrado entre as OGMA e a Zandumec, pelo que aquele não pode ser instrumental deste, não existindo razão lógica para se entender que a lei aplicável ao segundo, em que as autoras não são parte, haveria de determinar a lei aplicável ao primeiro;
• Não há relação necessária entre o local da prática de actos de comércio e a lei que as partes tiveram em vista, para além do que a competência internacional dos tribunais portugueses não se confunde com a lei aplicável a um contrato;
• A Convenção de Haia não é aplicável em razão do seu âmbito temporal, por ter entrado em vigor em Portugal depois da alegada celebração do contrato de mandato e a África do Sul até hoje não aderiu à Convenção;
• Não está em causa uma questão de sucessão de leis, porquanto a sua entrada em vigor não revogou o DIP interno, para além de a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, ratificada por Portugal em 2003, estipular, no respectivo art.º 28º, a não retroactividade dos tratados e ainda que a Convenção de Haia fosse aplicável, as suas disposições não remetem para a lei portuguesa, pois que as autoras não possuem domicílio em Portugal, nem para tanto releva correspondência enviada para o referido Apartado;
• Existiu designação por vontade convergente das partes quanto à escolha da lei da África do Sul e, ainda que assim se não entendesse, sempre seria aplicável esta lei, por ser a lei do lugar da celebração do contrato, nos termos do art.º 42º, n.º 2, parte final do Código Civil e o direito sul-africano aceita o reenvio efectuado pelo direito português.
Em primeiro lugar, cumpre afastar, desde já, que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 8 de Novembro de 2012 constitua caso julgado no que diz respeito à determinação da lei aplicável ao negócio alegadamente celebrado entre as partes.
Como se afere da leitura da decisão colocada em crise e do acórdão que sobre ela se pronunciou, o objecto do recurso cingiu-se a saber se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para o conhecimento da presente acção, ao abrigo das alíneas c) e d) do art.º 65º do CPC de 1961 (versão aplicável aos autos).
Nesse contexto, para efeitos de verificação do elemento de conexão decorrente das regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, designadamente, o previsto no art.º 74º, n.º 1 do CPC110, esta Relação pronunciou-se sobre o sistema jurídico material relevante para efeitos de definição dos critérios de conexão, para o que, ensaiando a via do recurso às normas de conflitos, entendeu ser aplicável, para a densificação do conceito do lugar de cumprimento da obrigação, a lei sul-africana.
Seguidamente, apurada a lei aplicável, a Relação discorreu sobre qual seria o lugar em que a alegada obrigação deveria ser cumprida à luz do Direito material sul-africano, chegando à conclusão que não estava suficientemente habilitada a tomar posição na matéria, porquanto importava efectuar ulteriores indagações sobre aquele Direito.
No entanto, recorrendo ao Direito interno para definir o lugar do cumprimento das obrigações, concluiu que seria o lugar do domicílio e que este não se situava em Portugal, pelo que, com base nesse elemento de conexão, os tribunais portugueses não seriam internacionalmente competentes. Esta competência foi, porém, afirmada com base na alínea d) do art.º 65º do CPC de 1961, ou seja, por terem sido praticados em território português os factos que servem de causa de pedir na acção.
Daqui se verifica que a decisão em referência não se pronunciou, em concreto, sobre a questão da lei aplicável ao conteúdo, efeitos, vigência e cessação do alegado contrato, ou sequer sobre a lei aplicável à sua formação, validade e interpretação, mas fê-lo apenas para efeitos de densificação do elemento de conexão – lugar do cumprimento da obrigação – e como via para verificar a existência de um elemento que conferisse aos tribunais portugueses competência internacional para a apreciação da causa.
O caso julgado, tal como a litispendência, implica a repetição de uma causa sendo que o primeiro se verifica quando a repetição tem lugar depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário – cf. art. 580º, n.º 1 do CPC.
A excepção do caso julgado tem como objectivo evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior – cf. art. 580º, n.º 2 do CPC.
Transitam em julgado tanto as sentenças ou despachos recorríveis, relativos a questões de carácter processual, como a decisão referente ao mérito da causa, ou seja, aquela que aprecia a concreta relação material controvertida. No primeiro caso, forma-se o caso julgado formal (processual, externo ou de simples preclusão); no segundo caso, forma-se o caso julgado material (substancial ou interno).
O caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material (que se constitui sobre uma sentença ou despacho saneador que aprecie o mérito da causa), restringe-se às decisões que apreciem unicamente matéria de direito adjectivo ou processual (como aquelas que se pronunciam sobre excepções dilatórias), não dispondo sobre os bens ou direitos litigados – cf. art.º 620º, n.º 1 do CPC.
Considera-se despacho que recai sobre a relação processual todo aquele que, em qualquer momento do processo, aprecia e decide uma questão que não seja de mérito – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, pág. 753.
O caso julgado formal apenas possui valor intraprocessual, ou seja, só é vinculativo no próprio processo em que a decisão foi proferida. Com efeito, dado que as decisões de forma recaem sobre aspectos processuais (como a apreciação de um pressuposto processual ou a admissibilidade de um meio de prova), a sua eficácia cinge-se ao processo onde são proferidas, enquanto as decisões de mérito confirmam ou constituem situações jurídicas, que podem ser relevantes para a apreciação ou constituição de outras situações e não podem ser contrariadas ou negadas noutro processo – cf. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa 1997, pp. 569-570.
O acórdão de 8 de Novembro de 2012 apreciou e decidiu única e exclusivamente a questão processual da competência internacional dos tribunais portugueses, pelo que constitui, sobre essa concreta questão e dentro do processo, caso julgado formal.
As sentenças constituem caso julgado nos precisos limites e termos em que julgam – cf. art.º 621º do CPC.
De acordo com a doutrina tradicional, para efeitos da excepção de caso julgado apenas importa a existência de caso julgado material, isto é, o caso julgado que se forma mediante uma sentença de mérito, ou seja, uma sentença que conheça da relação jurídica substancial, declarando os direitos e obrigações respectivos.
Importa reter que apenas se estará perante uma situação de caso julgado quando uma anterior decisão apreciou o mesmo ponto concreto, a mesma questão concreta, de direito ou de facto.
É sabido que o caso julgado material se forma unicamente sobre a decisão relativa ao objecto da acção, mas, em certos casos, deverá abranger ainda as decisões preparatórias. Será pelo teor da decisão que se deverá determinar a extensão objectiva do caso julgado.
Assim, para que se constate a existência de duas decisões sobre a mesma pretensão é necessário que a parte dispositiva das duas sentenças ou de dois despachos tenha resolvido o mesmo ponto concreto, a mesma questão concreta, de direito ou de facto – cf. neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7-05-2008, 07S4005 e de 12-07-2011, 129/07.4TBPST.S1; Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume, 2015, pág. 623 – “A sua autoridade «faz lei» para qualquer processo futuro, mas só em estrita correspondência com o respectivo conteúdo, nada obstando a que numa nova acção, «se discuta e dirima aquilo que ela mesma não definiu»”.
Tendo isto presente, há que afastar a verificação de caso julgado dentro do processo quanto à determinação da lei aplicável ao alegado contrato, porquanto a apreciação efectuada pela Relação se cingiu ao estrito objectivo de identificar os elementos de conexão e apurar da competência internacional dos tribunais portugueses para a causa. Foi apenas apreciada uma questão processual e o alcance do decidido produz apenas caso julgado formal que, devendo ser observado dentro do processo, apenas significa que não pode aqui voltar a ser apreciada a questão da competência internacional, questão adjectiva, mas que em nada contende com a apreciação do mérito do litígio, cuja solução pressupõe a definição da lei aplicável atenta a plurilocalização do negócio invocado.
Resolvida esta questão, adianta-se, desde já, que não se descortinam razões para divergir do entendimento da 1ª instância quanto à determinação da lei aplicável, para além do que, em rigor, face àqueles que são os factos dados como provados e não provados, a solução do litígio sempre encontraria a mesma solução à luz do Direito sul-africano ou face ao Direito português, como se verá infra.
O Direito português é directamente aplicável, enquanto lex fori, aos processos judiciais que se desenrolam em Portugal. Com efeito, sendo os tribunais judiciais órgãos de soberania que exercem uma função do Estado, a sua actuação está necessariamente submetida à lei portuguesa.
Colocam-se, no entanto alguns problemas de delimitação entre matéria processual submetida à lex fori e matéria substantiva regida pelo Direito aplicável ao fundo da causa. Cabe ao Direito processual do foro delimitar as acções e procedimentos que são admitidos e regular os trâmites processuais; o direito processual do foro aplica-se ainda, em princípio, aos pressupostos processuais.
A existência de situações privadas internacionais – aquelas cujos sujeitos intervêm sem poderes de autoridade e que se encontram em conexão com mais de uma ordem jurídica - e a diversidade das leis com que estas se encontram conexionadas originam os conflitos de leis no espaço.
Os conflitos de leis no espaço, juntamente com os conflitos de jurisdições, a cooperação judiciária internacional e o reconhecimento de sentenças estrangeiras, integram o objecto essencial do DIP.
O DIP tem por missão essencial determinar a lei aplicável às situações plurilocalizadas, tendo em conta a conexão entre essas situações e as leis a que se encontram ligadas.
As leis (ordenamentos jurídicos) em conflito podem ser identificadas tomando em consideração a relação material controvertida, tal como ela é alegada pelo autor – ou seja, considerando a causa de pedir –, à luz das razões de direito por este invocada.
A situação em apreço possui elementos de conexão com os ordenamentos jurídicos português e sul-africano, pelo que é uma situação jurídica plurilocalizada, atenta a nacionalidade das partes, dado que as autoras têm sede no Reino Unido e no Panamá e a ré tem sede na África do Sul; o negócio foi alegadamente celebrado ou as partes terão alegadamente emitidido as suas declarações negociais na embaixada da África do Sul, em Paris; os contactos ou os actos a praticar pelas autoras deveriam ter lugar junto de autoridades militares, em Portugal.
Quer vista à luz da lei portuguesa, quer vista à luz do direito sul-africano, a causa-de-pedir (relação material controvertida alegada) resolve-se num contrato (de mediação). É, pois, incontroverso que está em causa a determinação da lei aplicável a uma putativa relação contratual.
Em primeiro lugar há que convergir com a decisão da 1ª instância no sentido de serem ao caso aplicáveis as normas de conflitos de fonte interna, nomeadamente, as vertidas nos art.ºs 41º e 42º do Código Civil.
Com efeito, não merece acolhimento a tese defendida pelas recorrentes no sentido da aplicabilidade da Convenção da Haia sobre a lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação de 14 de Março de 1978111, porquanto, como claramente explicado no parecer da Professora YYY junto aos autos112 e atendendo ao alegado pelas autoras, o negócio aqui em causa teria sido celebrado no início do ano de 1986 (cf. artigos 72º a 74º da petição inicial) e a referida Convenção entrou em vigor, em Portugal, em 1 de Maio de 1992113, de acordo com o estatuído no respectivo art.º 26º.
Não obstante aquela Convenção não contenha normas de direito transitório especiais — ao contrário do que sucede, por exemplo, com a Convenção de Roma de 19 de Junho de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais e o Regulamento CE 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, Regulamento «Roma I», cujos art.ºs 17º e 28º prescrevem sobre a sua aplicabilidade, estipulando, o primeiro, que a Convenção apenas se aplica aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor no Estado —, deve considerar-se, se não por outra via, que do art.º 28º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, com entrada em vigor na ordem internacional em 27 de Janeiro de 1980114, decorre a não retroactividade dos tratados, ou seja, que “as disposições de um tratado não vinculam uma parte no que se refere a um acto ou facto anterior […] à data da entrada em vigor do tratado relativamente a essa Parte.”
E a esta conclusão não constitui óbice a circunstância de a referida Convenção de Haia tratar de regras de conflitos, porquanto o art.º 28º da Convenção de Viena não exclui do seu âmbito os tratados unificadores de regras de conflitos.
Mas mesmo sem necessidade de recorrer à mencionada Convenção de Viena, a aplicação no tempo da regra de conflitos sempre deveria seguir os critérios gerais em vigor no direito do foro, ou seja, no caso português, as regras constantes dos art.ºs 12º e 13º do Código Civil, das quais emerge o princípio da na retroactividade das leis, tendo presente que tais preceitos estipulam gerericamente sobre a aplicação da leis no tempo, não excluindo do seu âmbito de aplicação o DIP interno – cf. Maria Helena Brito, Direito Internacional Privado sob influência do Direito Europeu, pág. 179; neste sentido, acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 90/03 (processo nº 692/2002), de 14-02-2003115 - “[…] tudo redunda numa questão de aplicação da lei no tempo, questão que, mesmo tendo como parâmetro normas de direito internacional privado, não se postará de modo substancialmente diverso da atinente a normas reguladoras de outros ramos do direito (cfr., sobre o problema, Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Volume I, 313 a 318)”; do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-1991, 081357; e do Tribunal da Relação de Lisboa de 2-04-2008 – “A sucessão no tempo das normas de conflitos vigentes na ordem portuguesa deve subordinar-se, salvo disposição expressa em contrário, aos princípios gerais que regem no nosso direito a sucessão de leis no tempo" cf. Isabel de Magalhães Collaço, Direito Internacional Privado, vol. II, Lisboa, 1959, p. 111; no mesmo sentido, por exemplo, Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, vol. I, Lisboa, 2001, p. 313 e ss., … 317.”
Deixa-se, assim, assente que as normas de conflitos a atender, in casu, são as normas do DIP interno português.
Um dos traços fundamentais do DIP é o reconhecimento aos sujeitos da faculdade de escolherem, dentro de certos pressupostos, a lei aplicável a essas relações: é o princípio da autonomia privada – cf. art.ºs 34º e 41º do Código Civil.
As regras de conflitos de leis no espaço socorrem-se de conceitos-quadro a fim de delimitarem o seu objecto, que ora designam uma categoria de situações ou relações jurídicas (v. g. «obrigações contratuais» ou «direitos reais»), ora uma categoria de questões jurídicas parciais (como «validade formal» ou «capacidade negocial»). A estatuição das regras de conflitos consiste no chamamento de normas de Direito material, interno ou estrangeiro, para regular essas situações, relações e questões – cf. Dário Moura Vicente, Código Civil Comentado…, pág. 138.
Face ao estatuído no art.º 15º do Código Civil, a referência feita por uma regra de conflitos à lex causae, deve ser entendida como uma referência selectiva, ou seja, dirige-se apenas àquelas disposições que correspondam, pelo seu conteúdo e pela função que desempenham no ordenamento a que pertençam, à categoria normativa visada pela regra de conflitos, que o seu conceito-quadro exprime – cf. João Baptista Machado, Lições de Direito Internacional Privado, 3ª edição, pp. 65-66 - “O conceito-quadro duma Regra de Conflitos serve para designar ou circunscrever o tipo de matérias ou de questões jurídicas dentro do qual é relevante ou decisivo para a fixação da lei competente o elemento de conexão a que a mesma Regra de Conflitos se refere.”
Isto implica que se averigúe se as normas da lei designada pela regra de conflitos potencialmente aplicável à situação privada internacional, pelo conteúdo e pela função que têm nessa lei, se subsumem ao regime do instituto visado na norma de conflitos que para ela remeta, ou seja, o tribunal, antes de aplicar a lei designada, tem de a qualificar, para o que deve actuar com autonomia em relação ao Direito material do foro, isto é, deve aferir da correspondência funcional entre as normas que disciplinam as situações de vida em apreciação nos ordenamentos com elas conexos e os conceitos-quadro das regras de conflitos do foro.
Por força do disposto no art.º 16º do Código Civil, na falta de preceito em contrário, a referência à lei estrangeira determina apenas a aplicação do Direito interno dessa lei, ou seja, as normas materiais da lei designada, com exclusão das suas normas de conflitos (os art.ºs 17º e 18º constituem um desvio, admitindo, em certos casos, o reenvio para a lei de um terceiro Estado ou para a lei portuguesa).
Nos termos do art.º 35º, n.º 1 do Código Civil, a perfeição, interpretação e integração da declaração negocial são reguladas pela lei aplicável à substância do negócio. Esta opção favorece a existência de um estatuto contratual único, evitando os problemas que se colocariam pela dispersão das várias vertentes do negócio a leis diferentes.
Idêntica solução de convocação da lei aplicável à substância do negócio está prevista para a regulação da forma da declaração negocial – cf. art.º 36º, n.º 1 do Código Civil –, com a alternativa de ser aplicável a lei em vigor no lugar em que é feita a declaração, salvo se a lei reguladora da substância do negócio exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o negócio seja celebrado no estrangeiro.
O art.º 41º, n.º 1 do Código Civil consagra a faculdade de os interessados escolherem a lei aplicável às obrigações provenientes de negócio jurídico e à sua própria substância.
Esta escolha pode ser expressa ou tácita, sendo que no último caso a escolha deve ser inferida, por exemplo, de referências feitas no negócio jurídico a disposições legais ou a institutos jurídicos próprios de certa lei.
É evidente que no caso sub judice as partes não procederam a uma designação expressa do Direito aplicável.
De todo o modo, como resulta da parte final do n.º 1 do art.º 41º do Código Civil, a lei aplicável será a designada ou aquela que as partes “houverem tido em vista”.
Como realça João Baptista Machado, “a escolha da lei competente (professio iuris) não é uma cláusula negocial como qualquer outra. A vontade das partes funciona aqui como elemento – como elemento capital e decisivo, é certo – da «localização» do negócio, ou seja, como factor de conexão – e, portanto, como um «facto» a que o DIP confere aquela particular relevância de conexão decisiva na determinação da lei competente, e já não como fonte (normativa ou negocial) de uma lex privata reguladora das relações entre as partes.” – cf. op. cit., pág. 360.
À luz do vertido no n.º 1 do art.º 41º do Código Civil tem sido conferida relevância às representações convergentes ou concordantes das partes para a determinação do Direito aplicável.
Para o apuramento da manifestação tácita da vontade das partes – trata-se de uma vontade real e não hipotética (a vontade que teriam tido se tivessem pensado no ponto em aberto) – bastará que estas tenham contratado na suposição de que esse ordenamento era o aplicável, ou seja, “uma simples concordância de ideias quanto à lei aplicável” (segue-se aqui um critério menos restritivo do que aquele que emerge do art.º 3º, n.º 1 do Regulamento «Roma I»).
Essa relevância é admitida por autores como Ferrer Correia e Baptista Machado, como dá nota Luís de Lima Pinheiro, in Direito Internacional Privado, Volume II – Direito de Conflitos – Parte Especial, 4ª Edição Refundida, pp. 411-412:
“Segundo o comentário ao Anteprojeto de 1951, da autoria de Ferrer Correia, não seria “preciso que possa falar-se de uma intenção das partes expressamente dirigida a sujeitar o contrato a certo ordenamento jurídico: bastará que elas tenham contratado na suposição de que esse ordenamento era o aplicável”. Baptista Machado formulou algumas considerações que apontam no mesmo sentido, designadamente quando assinala que o legislador parece não ter querido “referir-se propriamente a um acordo de vontades tácito, mas a uma simples concordância de ideias quanto à lei aplicável” e que o problema suscitado pela relevância de uma vontade hipotética só surgiria quando cada uma delas “pensou numa lei diferente.””
O mesmo autor acrescenta, porém, que, diversamente, Isabel Magalhães Collaço defende que o art.º 41º, n.º 1 não dispensa uma vontade real, expressa ou tacitamente manifestada; se as partes apenas tiveram em vista certa lei, mas não manifestaram ao menos pela sua conduta a intenção de submeter o contrato a essa legislação, não poderia falar-se de estipulação tácita.
Todavia, atendendo à natureza menos restritiva do preceito (no confronto com o que resulta do Regulamento «Roma I»), será apenas de exigir que a designação se infira com elevada probabilidade das circunstâncias do caso, podendo, assim, revelar-se através da referência das partes, durantes as negociações ou no contexto do próprio negócio, aos preceitos de determinada lei; do recurso a formulários concebidos dentro dos quadros de certa lei; do acordo sobre um lugar unitário de celebração, nos contratos entre ausentes; da convenção sobre a competência de jurisdição de certo Estado para apreciar o litígio relativo a determinado contrato; ou de uma cláusula compromissória que remeta para o tribunal arbitral de um determinado Estado.
Na decisão recorrida, a representação concordante das partes quanto à aplicabilidade do Direito material sul-africano para a regulação do putativo negócio foi apurada com apoio nos seguintes aspectos:
• A natureza da sociedade ré, empresa de capitais públicos, tendo por objecto a aquisição em nome do Governo e demais instituições públicas de material civil e militar e prestação de serviços associados às instituições sob dependência do Ministério da Defesa116, característica que deporia no sentido de não ser plausível que a recorrida aceitasse a sujeição do negócio a uma lei estrangeira;
• A alegada celebração do negócio na embaixada da África do Sul, em Paris, onde seria aplicável o Direito do Estado acreditado;
• A interposição pelas autoras da acção nos tribunais da África do Sul contra a aqui ré, referida no ponto 43. dos factos provados e onde não invocou a aplicação da lei portuguesa como lei reguladora do negócio.
Os elementos de conexão são dados de facto (embora existam diferentes espécies de elementos de conexão e estas realidades são expressas, nuns casos, por conceitos descritivos ou de facto e, noutros casos, por conceitos técnico-jurídicos, o que coloca problemas de interpretação e ainda de concretização dos conceitos117), o que pressupõe que a enunciação da matéria de facto provada evidencie a declaração invocada, que sustenta a vontade declarada no sentido da escolha da lei aplicável; ou, ainda, outros elementos, como a nacionalidade das partes ou o lugar de celebração do negócio.
As apelantes, nos artigos 301.º a 305.º da petição inicial, sustentam que o elemento de conexão relevante é aquilo que as partes tiveram em vista. Terem as partes “tido em vista” a aplicação ao suposto contrato de um determinado ordenamento é um facto. Como tal, para ser considerado na decisão sobre a lei a aplicar, tem de constar do leque dos factos provados ou admitidos por acordo.
No entanto, nada foi decidido sobre este facto, não tendo sido arguido qualquer erro a este respeito – nem de julgamento, nem processual.
Na petição inicial, as apelantes convocam o facto indiciário de as suas atividades de mediação terem sido solicitadas “na perspetiva de virem a ser (…) praticadas pelas autoras em Portugal, a pedido expresso da ré”. Ora, este facto indiciário também não resultou provado. Aliás, quando as autoras descrevem o suposto acordo (artigos 72.º a 74.º da petição), em ponto algum referem que a ré solicitou que a sua actividade só se realizasse num determinado lugar. À luz desta alegação, seria normal que os contactos fossem feitos em Portugal, mas não era forçoso nem contratualmente estipulado que assim fosse.
Neste ponto, as autoras enredam-se num equívoco, pois atribuem relevância ao momento executivo de negócio, e não ao momento estipulativo – cfr. o artigo 305.º da petição118 –, quando o que se discute é a representação ou vontade das partes (no momento estipulativo) como elemento de conexão relevante.
Para este efeito são irrelevantes os contratos ulteriormente celebrados pelas OGMA. As recorrentes não foram parte no contrato celebrado entre as OGMA e a Zandumec (empresa fachada criada pela ré) referido em 32. e onde se estipulou a aplicação da lei portuguesa e não se pode dizer que entre este contrato e o alegadamente celebrado com as autoras existiria um nexo de ligação que justificasse que partes contraentes distintas tenham tido em vista a mesma lei como lei reguladora de negócios distintos (tal apenas poderia relevar se se tratasse de uma escolha expressa feita num contrato conexo ou em relações anteriores, do mesmo tipo, estabelecidas entre as mesmas partes119).
Dos factos apurados não é possível retirar a vontade real das partes ou o que tiveram em vista. Mas também não consta nenhuma vontade declarada – melhor, nenhum facto que encerre uma declaração negocial, nem expressa, nem tácita.
A interposição pelas autoras da acção nos tribunais da África do Sul contra a aqui ré, referida no ponto 43. dos factos provados, onde não invocaram a aplicação da lei portuguesa como lei reguladora do negócio, poderia relevar, tendo em conta que, como explicou o Professor PP, no Direito sul-africano a lei estrangeira não é de conhecimento oficioso pelo Tribunal, mas desse facto não se pode retirar uma declaração tácita que, necessariamente, tem de se reportar ao momento da conclusão do acordo.
Na falta de designação pelas partes, importa recorrer ao critério supletivo previsto no art.º 42º, n.º 1 do Código Civil, ou seja, à lei da residência habitual comum das partes, residência habitual comum que, no caso, não ocorre (cf. pontos 1., 2. e artigo 6º da petição inicial).
À luz dos factos provados, o elemento de conexão relevante é o do lugar da alegada celebração do putativo contrato – cf. art.º 42º, n.º 2, in fine do Código Civil.
Devendo um elemento de conexão revelar qual é o Estado que apresenta uma conexão mais estreita com o contrato, não pode deixar de ser portador de significado o facto de o suposto contrato ter sido alegadamente firmado no edifício de uma embaixada, propositadamente designada para o efeito, isto é, no edifício de uma embaixada situado num lugar que, se não fosse a vontade das partes na escolha deste edifício, nada teria a ver com o contrato celebrado.
O elemento de conexão deve, em princípio, conduzir à aplicação da lei do Estado que apresenta uma conexão mais estreita com o contrato. O lugar da celebração pode ser meramente fortuito ou absolutamente indiferente no contexto do contrato – cf. Ana Taveira da Fonseca, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, 2ª edição revista e actualizada, pág. 141; Dário Moura Vicente, anotação ao art.º 42º, Código Civil Comentado, I – Parte Geral, CIDP 2020, pág. 194, aduz que esta solução suscita inveitáveis dificuldades quando o contrato for celebrado entre ausentes e, mesmo quanto aos contratos entre presentes, muitas vezes esse lugar não tem qualquer ligação significativa com os factos, como quando as partes ali se encontravam ocasionalmente, pelo que considera este elemento de conexão hoje, geralmente, desajustado aos interesses do comércio internacional.
À luz dos factos alegados, a celebração do suposto contrato em Paris é meramente fortuita – podia o representante da autora ter sido convocado para comparecer na sede da ré –; mas a escolha da embaixada da África do Sul nada tem de fortuito. Basta atentar em toda a organização implementada pela ré naquele local e com vista à prossecução dos seus propósitos, sobremaneira no que diz respeito à aquisição de equipamento e material militar, como transcorre cristalinamente dos factos provados e da profusa documentação junta aos autos.
Tendo as partes alegadamente escolhido o edifício de uma embaixada para celebrar um contrato de mediação, este lugar deve ser tido como prevalecente por referência ao Estado representado, tendo em conta que uma das contratantes é uma entidade pública deste Estado e sendo no seu território que seria realizada a prestação do contrato mediado – cf. no sentido de que esses espaços – embaixada – se encontram sujeitos a um regime paralelo ao do território do Estado acreditante e que – é aspecto em uníssono sublinhado – no seu interior tem lugar a aplicação do Direito do Estado acreditante, a vasta doutrina mencionada no parecer da Professora YYY, de 14 de Novembro de 2010, páginas 31-32, notas 65 e 66, junto a fls. 4004 a 4047 dos autos, XIII volume.
A adensar a conexão com a África do Sul, verifica-se a nacionalidade, a sede e o cariz público de uma das partes, elementos que apontam para a lei sul-africana, em conjunto, com o lugar da alegada celebração do contrato, constituindo laços que traduzem uma ligação efectiva à esfera económico-social daquele país, pelo que, devendo ser ponderada a conexão mais estreita a relevar, é de conferir maior peso a tais vínculos que evidenciam uma conexão objectiva dos interesses em presença com a ordem jurídica sul-africana.
Não procedem os demais os aspectos convocados pelas recorrentes, pois nada indicia – pelo contrário – que as partes pudessem ter configurado ou representado como competente a jurisdição portuguesa (para além do facto de a competência internacional dos tribunais de um Estado não implicar a aplicação do Direito material desse Estado), porque, alegadamente, estaria em causa uma actuação perante autoridades na dependência do Estado português, o que é desde logo infirmado pela natureza e confidencialidade do alegado negócio.
Como se dá nota no acórdão desta Relação de 8 de Março de 2012 que apreciou a competência internacional, as autoras não possuem domicílio em Portugal, nem sequer está aventado que aqui possuam um qualquer estabelecimento profissional, porquanto um apartado é uma caixa postal, identificada por um número, localizada num posto dos CTT ou de outra estação de correios, onde o assinante pode receber correspondência sem que esta seja entregue na sua morada pessoal.
Ainda que a matéria do reenvio não tenha sido, em concreto, tratada por nenhum tribunal da África do Sul, não existindo nenhuma decisão sobre a aplicação da doutrina do reenvio, pelo menos até à data do parecer do Professor PP, de 26 de Outubro de 2010120, conforme este confirmou no seu depoimento121, e não obstante a base do DIP sul-africano seja o holandês romano original, não deixou de ser influenciado pela lei inglesa ao longo dos anos, pelo que a doutrina tem seguido o entendimento maioritário a nível internacional no sentido de o reenvio não ser aplicável em matéria de direito das obrigações, pelo que tal situação não se coloca.
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3.2.3. A celebração de um contrato entre as partes e a sua qualificação
Como decorre do atrás exposto, estabelecida a lei designada pela regra de conflitos há que verificar se as suas normas, pelo seu conteúdo e pela função que desempenham nessa lei, se subsumem ao regime do instituto visado na norma de conflitos, ou seja, há que qualificar a lei designada e aferir se possui correspondência funcional com o conceito-quadro da regra de conflitos do foro.
Parece não se suscitarem grandes dúvidas que a relação alegadamente estabelecida entre as partes tem que ver com um negócio de onde teriam emergido obrigações para ambas as partes, ou seja um vínculo jurídico através do qual uma parte ficou adstrita para com a outra à realização de uma prestação e/ou contraprestação, pelo que, ainda que a qualificação deva ser efectuada com autonomia em relação ao direito interno, não se pode deixar de considerar, atendendo ao parecer do professor PP e às decisões judiciais juntas aos autos, que a lei sul-africana convocada se reporta a uma realidade coincidente com matéria obrigacional – cf. o artigo A Lei dos Contratos na África do Sul, de R H Christie, junto a fls. 3147 e seguintes dos autos e as decisões de tribunais da África do Sul, a fls. 3159 e seguintes, X volume.
Como refere Luís de Lima Pinheiro, op. cit., pág. 30, no que diz respeito às normas sobre prova, há que distinguir que uma parte constitui Direito probatório formal ou adjectivo, referente à produção da prova e à conduta dos juízes, peritos e partes no decurso do processo e a que é aplicável a lex fori e outra parte dessas normas estabelece um nexo funcional estreito com o direito substantivo, qualificando-se como Direito probatório material ou substantivo, entre as quais figuram as normas que dispõem sobre o ónus da prova e as que estabelecem presunções legais, havendo que recorrer aqui ao Direito aplicável ao fundo da causa.
O Professor PP esclareceu no seu parecer, que a fonte do direito moderno sul-africano dos contratos é a common law consagrado em obras de autores institucionais de direito romano-holandês e na jurisprudência, sobretudo do Supremo Tribunal da África do Sul.
As decisões das várias divisões dos tribunais superiores são vinculativas para os tribunais inferiores. Os tribunais têm de aplicar as fontes de common law, mas a interpretação que delas efectuam constituem um precedente judicial vinculativo.
A este propósito, o referido Professor discorreu do seguinte modo no seu parecer:
“a) A natureza do direito privado sul-africano
O direito privado sul-africano ou, mais concretamente, o direito dos contratos, tem as suas raízes no direito romano e no direito romano-holandês. Tem sido desenvolvido pelos tribunais sul-africanos, muitas vezes sob influência do direito e da legislação ingleses, mas mantém, na essência, a sua natureza romano-holandesa. Embora não se encontrem codificados, os princípios gerais do direito dos contratos estão consagrados nas fontes tradicionais de direito, nomeadamente os autores institucionais (institutional writers), a jurisprudência e legislação específica. Os autores institucionais do direito romano-holandês conservam o seu estatuto de fonte da common law sobre contratos, mas as principais fontes da common law são actualmente a jurisprudência e os manuais académicos. Embora existam diversas leis aplicáveis a domínios específicos do direito dos contratos, tais como o crédito ao consumidor, os princípios gerais sobre a formação, a execução e o incumprimento dos contratos não sofreram grandes alterações.
O mesmo acontece com o regime da agência e com o direito internacional privado, que também têm as suas raízes no direito romano-holandês. No entanto, o direito internacional privado tem sido muito influenciado pelo direito inglês, dado que os tribunais recorrem frequentemente a material comparativo.
As normas sobre prescrição estão codificadas no Prescription Act 68, de 1969. Assim, estas normas encontram-se, em primeiro lugar, na lei e, em segundo, na jurisprudência que a interpreta.
(b) Fontes de direito
A fonte mais importante do direito dos contratos moderno é a common law consagrada nas obras dos autores institucionais de direito romano-holandês, como Van der Linden, De Groot e Johannes Voet, mas sobretudo nos acórdãos das diversas divisões da High Court da África do Sul. Actualmente, todas as leis estão sujeitas às disposições e ao espírito da Constituição da República da África do Sul de 1966 («a Constituição»). Embora sobre todos os tribunais impenda o imperativo constitucional de desenvolver a common law, o direito dos contratos ainda não foi substancialmente influenciado pela Constituição e pelos princípios que lhe estão subjacentes. Nos domínios relevantes para o presente litígio, a Constituição é, de um modo geral, irrelevante, salvo possivelmente no que respeita à legalidade do cumprimento coercivo de um contrato.
A hierarquia das diferentes fontes de direito na África do Sul é a seguinte:
• A Constituição. A Constituição é lei mais importante do país e tanto o direito positivo como a common law devem estar em conformidade com as suas disposições e princípios.
• A lei ordinária. Todas as leis ordinárias estão sujeitas à Constituição, mas o Parlamento pode alterar livremente as disposições da common law por meio de um acto legislativo. Estes actos legislativos prevalecem sobre as disposições da common law ou revogam-nas. O Prescription Act 68 de 1969 é um caso em que a common law foi alterada e, em grande parte, codificada por uma lei ordinária.
Decisões dos tribunais superiores. O direito sul-africano aceitou e aplica a regra stare decisis consagrada no direito inglês. De acordo com esta regra, as decisões das várias divisões dos tribunais superiores são vinculativas para as divisões dos tribunais hierarquicamente inferiores. No entanto, as decisões dos tribunais de uma divisão não são vinculativas para os tribunais de outra divisão do mesmo nível hierárquico, possuindo um valor meramente persuasivo. Os tribunais superiores têm o dever de aplicar e interpretar a lei, salvo se for inconstitucional. Em regra, os tribunais seguem as decisões que proferiram em processos anteriores, excepto quando entendam que a decisão anterior padecia de erros manifestos.
A hierarquia dos tribunais sul-africanos é a seguinte:
• Tribunal Constitucional
Supremo Tribunal de Justiça (Supreme Court of Appeal)
• Colectivo de Divisões Provinciais da High Court (Full Bench of Provincial Divisions)
• Divisões Provinciais
o Tribunais de primeira instância (Magistrates courts)
• Common law. Os tribunais têm de aplicar as fontes de common law, mas a interpretação dada por estes cria, geralmente, um precedente judicial vinculativo. Os tribunais também preenchem as lacunas da common law, quando não existe uma regra aplicável e estão sujeitos ao dever constitucional de desenvolver a common law em conformidade com os princípios e as disposições da Constituição.
• Doutrina. Os tribunais consultam textos académicos, nomeadamente manuais, artigos e a enciclopédia The Law of South Africa (LAWSA)'', sobre matérias como a situação actual do direito, a interpretação da common law e do direito positivo, mas estes textos têm força meramente persuasiva e não constituem uma fonte formal de direito. Da mesma forma, os tribunais consultam frequentemente o direito estrangeiro sobre matérias em que a lei ainda está pouco desenvolvida. O direito estrangeiro também tem unicamente valor persuasivo e não constitui uma fonte formal de direito.
(c) Disciplinas jurídicas relevantes para o litígio
Dos articulados parece resultar que as disciplinas jurídicas relevantes para o litígio são as seguintes:
• Princípios gerais do direito dos contratos
A primeira questão é a seguinte: as partes celebraram um contrato de prestação de serviços ou um contrato de agência, ou seja, existia um acordo de vontades entre as partes?
Nos articulados que ofereceu, a Armscor negou que alguma vez tenha sido celebrado um contrato vinculativo. De acordo com o direito sul-africano, impende sobre a parte que invoca a existência de um contrato o ónus de provar que havia um verdadeiro acordo de vontades entre as partes. Não se fazendo essa prova, não poderá ser declarada a existência do contrato.
[…]
Em terceiro lugar, caso tenha sido celebrado um contrato, as suas cláusulas estabeleciam com precisão suficiente os direitos e as obrigações das partes e, mais concretamente, a remuneração do agente?
Em quarto lugar, quais as regras aplicáveis às cláusulas tácitas, para determinar se as partes designaram tacitamente a lei aplicável, dado não existir acordo expresso quanto a esta questão?
[…]
Quais as cláusulas implícitas aplicáveis a este contrato nos termos do direito consuetudinário? […]
(d) Dicotomia direito processual/direito substantivo
No direito sul-africano, existe uma distinção razoavelmente clara entre direito processual e direito substantivo. No contexto do direito privado, podemos afirmar, de um modo geral, que o direito substantivo cria direitos e obrigações subjectivos para os sujeitos jurídicos, enquanto o direito processual define o modo como são exercidos os direitos e cumpridas as obrigações criadas ao abrigo do direito substantivo. Em algumas áreas do direito, como acontece com o princípio do estoppel, a distinção não é tão clara. Mas esta distinção é importante para determinar a lei aplicável, dado que, de acordo com as normas do direito internacional privado sul-africano, a lei processual aplicável é a lex fori (ou seja, a lei do tribunal competente), enquanto a lei substantiva aplicável é determinada pelas normas de direito internacional privado e pode remeter para uma lei estrangeira.
3. Direito dos contratos - Princípios gerais
(a) Proposta, aceitação e celebração do contrato
A formação de um contrato é geralmente analisada por referência à proposta e à aceitação. É necessário que exista uma proposta precisa que contenha, pelo menos, todos os elementos essenciais do contrato em causa. A formação do contrato dá-se com a aceitação inequívoca e incondicional da proposta pelo seu destinatário. Salvo algumas situações excepcionais, que não são relevantes para o caso sub judice, o direito sul-africano não prevê requisitos de forma. Por conseguinte, o contrato de agência pode ser celebrado por acordo verbal entre as partes; em casos excepcionais, tacitamente através do comportamento das partes; ou em parte por escrito, em parte verbalmente e em parte tacitamente. Porém, no artigo 72.° da petição inicial, o autor alega que o contrato foi objecto de celebração expressa. O ónus da prova da existência de um contrato impende sobre a parte que a invoca. Incumbe ainda a essa parte fazer prova dos termos do contrato.
Neste caso, o autor não invoca a existência de qualquer instrumento escrito, pelo que importa determinar se foi celebrado um contrato, verbal ou tacitamente. Trata-se de uma questão de facto, que deve ser apreciada à luz dos princípios enunciados em baixo.
Para determinar se foi feita uma proposta válida, vinculativa e passível de aceitação, a parte tem de provar que a contraparte proponente tinha a intenção de se vincular juridicamente caso a proposta fosse aceite.
(b) A proposta tem de ser suficientemente precisa e clara
A proposta também tem de ser suficientemente precisa e clara. No caso vertente, tem de conter, pelo menos, todos os elementos essenciais para que se considere celebrado um contrato de prestação de serviços ou de agência. No caso dos contratos de agência, o mandato do agente tem de ser definido em termos suficientemente precisos e claros, o mesmo acontecendo com a contraprestação, ou seja, a remuneração dos serviços prestados pelo agente. Tratando-se de um contrato de prestação de serviços, a natureza e o âmbito dos serviços a prestar têm de estar claramente definidos, e a contraprestação, ou seja, a remuneração dos serviços prestados pelo agente, tem também de estar definida de forma suficientemente clara e precisa. […]
(ii) Cláusula tácita
Ainda que, aparentemente, o autor invoque a existência de uma cláusula expressa, os princípios aplicáveis às cláusulas tácitas e aos usos e costumes comerciais são aqui abordados por uma questão de exaustividade, uma vez que o objectivo do presente parecer é apresentar uma visão geral sobre o direito sul-africano.
Uma cláusula tácita é uma cláusula que resulta da vontade não manifestada, mas ainda assim implícita ou presumível, das partes. A cláusula tácita baseia-se no acordo principal expresso, em todos os factos e circunstâncias a ele subjacentes e até mesmo no comportamento posterior das partes.
No acórdão Bourbon-Lefley, a posição sobre as cláusulas tácitas foi sintetizada da seguinte forma:
(19) Encontramos uma análise dos princípios legais aplicáveis às cláusulas tácitas no acórdão proferido pelo juiz conselheiro Nienaber no processo Wilkins NO contra Voges, 1994 (3) SA 130 (A) a fls. 136H-137D. Desde então, esses princípios foram aplicados por este tribunal, entre outros processos, em HH contra Coopers & Lybrand, 2002 (5) SA 347 (SCA) n.°S 22-25 e no processo Consol Ltd (sob a firma Consol Glass) contra Twee Jonge Gezellen (Pty) Ltd e outro, [2004] PAUl SA 1 (SCA), n.° 50-52. Tal como referido nestes processos, uma cláusula tácita baseia-se na dedução daquilo que as partes terão necessariamente acordado, mas que, por qualquer motivo, não ficou expresso no contrato. À semelhança do que acontece com qualquerprocesso de dedução, a aceitação da cláusula tácita proposta depende totalmente dos factos. Porém, tal como resulta dos acórdãos citados, os tribunais têm-se mostrado algo relutantes em relação à determinação do teor das cláusulas tácitas. Tal relutância está intimamente associada ao princípio de que os tribunais não se podem substituir às partes na celebração dos contratos nem complementá-los cláusula com fundamento no facto de que, aplicando o bem conhecido critério do «espectador excessivamente zeloso», teria sido desrazoável para uma das partes opor-se a essa cláusula se o expectador sugerisse a sua inclusão no contrato. Esta dedução também não se pode basear na conveniência da cláusula e na suposição de que teria sido incluída no contrato se as partes se tivessem lembrado dela no momento em que o celebraram. Só é admissível a incorporação num contrato de uma cláusula tácita proposta se o tribunal estiver convicto de que as partes teriam necessariamente concordado com o seu teor caso lhes tivesse sido sugerida na altura (ver, por exemplo, ZZZ (supra) a fls. 532H-533B e Consol Ltd (sob a firma) Consol Glass (supra), n.° 50). Caso se conclua que a resposta de uma das partes à sugestão do espectador poderia ter sido a de que preferiria primeiro discutir e analisar a cláusula proposta, a incorporação desta não se justifica. [20] Para determinar se é possível deduzir a existência da cláusula sugerida, o tribunal atentará sobretudo nas cláusulas expressas do contrato e nas circunstâncias em que foi celebrado. Porém, em alguns casos, reconheceu-se que o comportamento posterior das partes também pode ser um indício da existência ou inexistência da cláusula tácita proposta (ver, por exemplo, Wilkins NO contra Voges (supra) a fts. 143C-E; HH contra Coopers & Lybrand (supra), n.° 25).
Para determinar a eventual existência de uma cláusula tácita estipulando a percentagem da remuneração do autor, o tribunal terá de tomar em consideração as negociações e o acordo expresso entre as partes, bem como o seu comportamento posterior.
(iti) Cláusulas implícitas e usos comerciais
Ainda que, aparentemente, o autor invoque a existência de uma cláusula expressa, os princípios aplicáveis às cláusulas tácitas e aos usos e costumes comerciais são aqui abordados por uma questão de exaustividade, uma vez que o objectivo do presente parecer é apresentar uma visão geral sobre o direito sul-africano.
Contrariamente às cláusulas tácitas, que se baseiam no acordo real não expresso das partes, as cláusulas implícitas são aquelas que estão incorporadas no contrato por força da lei ou dos usos comerciais. A legislação sul-africana aplicável aos contratos de prestação de serviços e aos contratos de agência não prevê uma disposição supletiva sobre o montante da remuneração a pagar ao prestador dos serviços ou ao agente. Importa distinguir esta situação dos casos em que as partes acordaram expressa ou tacitamente no pagamento de uma remuneração razoável, tal como referido anteriormente.
No direito sul-africano, os usos comerciais são regras universal e uniformemente respeitadas num determinado ramo de negócios. Estas regras têm de ser precisas e vinculativas, não bastando que sejam respeitadas pela maioria se não forem universalmente consideradas vinculativas. […]
c) Aceitação inequívoca e incondicional
A aceitação tem de ser inequívoca e incondicional. Se a aceitação for condicional ou se a proposta for aceite com alterações ou aditamentos, essa aceitação será considerada uma rejeição da proposta inicial e constitui uma contraproposta. Se o destinatario rejeitar a proposta inicial, não poderá vir a aceitá-la posteriormente. Uma proposta válida pode ser aceite tacitamente pelo comportamento do destinatário, salvo se for revogada antes da aceitação tácita.
O contrato considera-se celebrado quando a aceitação é comunicada ao proponente ou chega ao seu conhecimento. Enquanto o proponente não tiver conhecimento da aceitação, pode revogar livremente a proposta. A revogação tem de ser comunicada ao destinatário da proposta antes de uma aceitação válida. Existe uma excepção a esta regra geral baseada na teoria da informação, quando as partes não estão na presença uma da outra (inter absentes). Se as negociações e comunicações tiverem lugar por telefone, é aplicável a regra geral, ou seja, o contrato considera-se celebrado no momento e no local em que o proponente tomou conhecimento da aceitação. Porém, se a proposta for efectuada por correio normal e permitir, expressa ou tacitamente, que a aceitação seja efectuada pela mesma via, o contrato considera-se celebrado no momento e no local em que a carta for enviada. Quando as negociações têm lugar em parte presencialmente, em parte por telefone ou em parte por escrito, não existe qualquer presunção a favor da regra postal, sendo aplicável a teoria da informação. Consequentemente, de acordo com a regra geral, o contrato considerar-se-á celebrado no momento e no local em que o proponente teve conhecimento da aceitação da proposta.
Enquanto o contrato não for celebrado, não existem obrigações jurídicas entre as partes. Qualquer prestação supostamente efectuada por uma parte na expectativa da celebração de um contrato não conferirá a essa parte o direito ao pagamento ou à contraprestação se não vier a ser celebrado qualquer contrato, salvo possivelmente ao abrigo das normas do enriquecimento sem causa, que analisarei adiante. O direito sul-africano não impõe às partes envolvidas no processo de negociações de um contrato a obrigação de as levar a bom termo. Do mesmo modo, a interrupção das negociações antes da celebração do contrato também não gera responsabilidade civil, como acontece em alguns países com sistemas romano-germânicos.
(d) Consenso e erro
No direito sul-africano, o ponto de partida para a análise da questão do consenso é a chamada teoria da vontade. Considera-se que foi celebrado um contrato quando existe um acordo de vontades, ou seja, quando ambas as partes aceitaram subjectivamente criar direitos e obrigações juridicamente vinculativos, quando estão de acordo quanto aos aspectos essenciais do contrato e quando estão conscientes dos seus actos. No entanto, reconhece-se, de um modo geral, que a vontade subjectiva das partes só pode ser determinada por manifestações externas, ou seja, pelas suas palavras e pelo seu comportamento. Quando as palavras e o comportamento de uma parte não representam a verdadeira manifestação da sua vontade real, pode ocorrer um erro ou uma divergência entre as partes quanto à celebração ou não de um contrato ou quanto ao seu objecto. Neste caso, existe a aparência de um contrato validamente celebrado, mas, subjetivamente, não existe consenso e, por conseguinte, não existe contrato.
No caso do erro, a parte estará, ainda assim, vinculada se as suas palavras ou o seu comportamento levarem a outra parte a confiar justificadamente que foi celebrado um contrato Esta «teoria da confiança», baseia-se, antes de mais, no conceito de consentimento quase mútuo, consagrado no direito inglês, que foi expresso no bem conhecido obiter dictum do juiz Blackburn no acordão proferido no processo WW contra AAAA, (1871) LR 6 QB 597 a fls. 607, em que o erudito juiz afirmou: «Se, qualquer que seja a sua verdadeira intenção, um sujeito adoptar um comportamento que leve um homem razoável a acreditar que aquele aceitou as cláusulas propostas pela outra parte e esta, com base nesta convicção, celebrar com ele um contrato, o sujeito em causa estará vinculado por aquelas cláusulas tal como se tivesse tido a intenção de as aceitar.»
A teoria da confiança foi firmemente estabelecida no acórdão Sonap Petroleum, tendo o tribunal enunciado a regra da seguinte forma: «Entendo, por conseguinte, que a questão decisiva num caso como este é a seguinte: a parte cuja intenção real não correspondia à intenção declarada levou a outra parte, colocada na posição de um homem razoável, a acreditar que a intenção declarada correspondia à intenção real? [...] Para encontrar a resposta a esta pergunta, é geralmente necessário formular mais três perguntas, nomeadamente: A intenção declarada de uma das partes não correspondia à sua intenção real? Quem fez a declaração? A outra parte foi induzida em erro por esta declaração? ...] A última pergunta contempla duas possibilidades: a outra parte foi efetivamente induzida em erro e um homem razoável teria sido induzido em erro?»
Para determinar se foi ou não celebrado um contrato, o tribunal terá, por conseguinte, de responder às seguintes perguntas, com base nos factos:
• Alguma das partes fez uma proposta clara passível de aceitação e a outra parte manifestou inequivocamente a sua intenção de aceitar a proposta? Se a resposta a ambas as perguntas for afirmativa, terá sido celebrado um contrato baseado no consenso real das partes. Se a resposta a qualquer uma das perguntas for negativa, não existe um consenso real e o tribunal terá de formular a pergunta seguinte.
• A intenção declarada por uma das partes à outra não correspondia à sua intenção real? Se a resposta for negativa, não existe um contrato e o contrato aparentemente celebrado é nulo. Se a resposta for afirmativa, será necessário responder à pergunta seguinte.
• A outra parte foi induzida em erro pela declaração? Se a outra parte não foi induzida em erro e conhecia a verdadeira intenção do declaratário, não poderá existir um contrato porque a outra parte tinha conhecimento da divergência. Por conseguinte, não pode justificadamente confiar numa intenção erroneamente declarada. Se, porém, a outra parte não tinha conhecimento do erro, o tribunal tem de responder à última pergunta.
• Uma pessoa razoável teria sido induzida em erro pela intenção declarada? Esta pergunta pretende determinar, de forma objectiva, se a parte poderia justificadamente confiar na intenção declarada pela outra parte. Caso se conclua que uma pessoa razoável deveria ter percebido que existia um erro, a confiança na aparência de um verdadeiro consenso não é justificada. Por exemplo, se, durante as negociações verbais, as partes discutiram uma comissão entre 1% e 2% sem ter chegado a um acordo definitivo, mas a proposta elaborada por uma delas contém erroneamente uma cláusula estipulando uma comissão de 10%, a outra parte não pode justificadamente aceitar a proposta constante do instrumento escrito, dado que uma pessoa razoável se teria apercebido do erro e não teria confiado na declaração.
Neste caso, o tribunal terá de determinar se ambas ou alguma das partes estavam equivocadas quanto à existência de um contrato entre elas. Caso não tenha existido qualquer contrato, o tribunal terá ainda de determinar se o facto de o autor confiar na existência de um contrato aparente se justificava em face das circunstâncias e se essa confiança resultava de palavras ou do comportamento do réu. (e) Contrato tácito
Ainda que, aparentemente, o autor invoque a existência de uma cláusula expressa, os princípios aplicáveis às cláusulas tácitas e aos usos e costumes comerciais são aqui abordados por uma questão de exaustividade, uma vez que o objectivo do presente parecer é apresentar uma visão geral sobre o direito sul-africano.
Dos articulados parece resultar que um dos factos controvertidos é a existência de um contrato.
Não existindo um acordo expresso, poderá, ainda assim, considerar-se que o contrato foi celebrado tacitamente, desde que existam indícios claros do consenso entre as partes. O critério para determinar se foi ou não celebrado um contrato tácito foi claramente enunciado no acórdão proferido no processo Alzu Ondernemings (Edms) Bpk contra Agricultural and Rural Development Corporation e outro, [2001] 2 All SA 368 (T), a fls. 368 e segs:
E. Foi celebrado um contrato tácito? [13] Convida certamente a um exame atento da prova produzida, fazendo a distinção entre declarações de facto susceptíveis de uma avaliação objectiva e opiniões subjectivas. Porém, antes de apreciar a questão da eventual celebração de um contrato de compra e venda implicito ou tácito entre o autor e o primeiro réu, importa analisar os princípios jurídicos que regem os contratos tácitos. Segundo Wessels, a única diferença entre um contrato expresso e um contrato implícito é o meio de prova (p. 374 de [2001] 2 All SA 368 (T)). Para provar a existência de um contrato expresso, recorre-se a provas directas, enquanto para provar a existência de um contrato implícito, se recorre a provas circunstanciais. Tais provas, segundo afirmou o juiz Van Zyk no acórdão proferido no processo BBBB contra CCCC:
«... não se manifestam em palavras, gestos ou documentos escritos, sendo antes deduzidas de todas as circunstâncias e dos actos das partes: Voet (2.14.15). A fim de estabelecer a existência de um contrato, o tribunal terá de concluir, com base nestas circunstâncias e actos, que existiu uma proposta implícita e uma aceitação implícita e que as partes pretendiam celebrar um contrato entre elas; por outras palavras, terá de concluir que as circunstâncias e os actos das partes revelam a sua real intenção de celebrar um contrato vinculativo.» [14) A fim de estabelecer a existência de um contrato tácito, a antiga Appellate Division adoptou uma abordagem ambivalente. A abordagem tradicional é a de que incumbe ao autor provar que o primeiro réu tinha pleno conhecimento de todas as circunstâncias e que o seu comportamento e os seus actos eram inequívocos, no sentido de que apenas poderiam ser razoavelmente interpretados como uma intenção de contratar, tal como alegado pelo autor, e que daqui se deduz que o alegado contrato tácito terá sido necessariamente desejado pelas partes. Em caso de dúvida, qualquer contrato tácito deve ser objecto de uma interpretação restritiva. O princípio da «única interpretação razoável» foi reiterado pelo então juiz conselheiro Corbett no acórdão proferido no processo Standard Bank of South Africa Ltd e outro contra Ocean Commodities Inc e outros: «A fim de estabelecer a existência de um contrato tácito, é necessário demonstrar, por uma preponderância de probabilidades, um comportamento inequívoco cuja única interpretação razoável seja a de que as partes tinham pretendido celebrar, e tinham efectivamente celebrado, um contrato nos termos alegados. E necessário provar que existia, de facto, um consenso.»... 15] Posteriormente, no acórdão proferido no processo DDDD e EEEE com Cleveland Estates (Pty) Ltd, o então juiz conselheiro Corbett questionou o mérito formulação tradicional do princípio da «única interpretação razoável», dado que implica meios de prova mais exigentes do que a preponderância de probabilidades nas deduções baseadas nos factos provados. A Appellate Division não afastou a abordagem tradicional mas formulou o critério da «preponderância de probabilidades»: «Neste contexto, afirma-se que um tribunal pode considerar que foi celebrado um contrato tácito quando, por um processo de dedução, concluir que a conclusão provável mais plausível, tendo em conta todos os factos e circunstâncias relevantes, é a de que foi celebrado um contrato.» [16] Segundo Christie, as duas formulações são irreconciliáveis, sendo invariavelmente difícil decidir qual deve ser seguida. A solução ideal será, possivelmente, uma síntese das duas. No acórdão proferido no processo Bayer South Africa (Pty) Ltd contra Frost, o juiz conselheiro Kumleben, na sua declaração de voto vencido, não se deparou com esta dificuldade, porque ambas as formulações apontavam para a mesma conclusão. Porém, a formulação mais recente é consentânea com as normas sobre o ónus da prova, devendo ser adoptada como critério de aplicação geral.
Christie apresenta argumentos convincentes: Perante estas três possíveis soluções, a melhor abordagem a uma síntese parece assentar no reconhecimento de que, ao decidir se foi feita prova da existência de um contrato tácito ou uma cláusula tácita, o tribunal estará a conduzir uma análise que envolve três fases, e não duas como habitualmente. No raciocínio dedutivo nos processos cíveis normais, a primeira fase consiste em determinar, segundo a preponderância das probabilidades, quais os factos que ficaram provados. A segunda e última fase consiste em determinar, também com base na preponderância das probabilidades, a conclusão compatível com estes factos que si provavelmente a mais correcta. Porém, na decisão quanto à existência de um contrato tácito existe uma fase intermédia, que consiste em determinar de que modo os factos provados, ou seja, o comportamento de cada parte e as circunstâncias subjacentes, deverão necessariamente ter sido interpretados pela outra parte. O termo «necessariamente» é utilizado deliberadamente, porque, nesta fase intermédia, o tribunal não pretende decidir uma questão de facto, mas sim determinar o efeito do comportamento das partes e das circunstâncias subjacentes sobre o espírito de cada uma delas. O nosso direito dos contratos assenta no verdadeiro acordo, pelo que, se o estado de espírito de uma parte for o de que «de um modo geral, penso que estamos provavelmente de acordo», não estaremos na presença de um contrato. Por conseguinte, nesta fase da análise, o tribunal coloca-se no luhar das partes para interpretar o seu comportamento e as circunstância e, a menos que esse comportamento e essas circunstâncias sejam de tal modo claros e inequívocos que as partes deverão ter considerado que estavam de acordo, não existe contrato.”
Daqui decorre que o direito dos contratos sul-africano não tem uma base legislativa, desenvolvendo-se através da doutrina e da jurisprudência. Esta natureza é sumariamente descrita em «South African Contract Law: The Need for a Concept of Unconscionability» (Lynn Berat)122, onde se referem as traves mestras do direito contratual descritas nos seguintes termos:
«Under modem South African law, a contract is an agreement between or among persons that gives rise to personal rights and corresponding obligations. Although a contract is an agreement legally binding on the parties, not all agreements bind the parties. Rather, an agreement is a contract only if it has a number of essential elements: (1) the agreement is for future performance or non-performance by one or more of the parties; (2) the parties have the legal capacity to contract; (3) the parties seriously intend to bind themselves; (4) with few exceptions, the agreement is executed with some formality and in writing; and (5) the agreement is not contrary to statutory law, public policy, or good morals in its formation, performance, or purpose».123
Sufragando esta doutrina, na decisão CONRADIE v ROSSOUW, 1919 AD 279 (Appellate Division, South Africa, 6 March and 27 June 1991)124escreveu-se:
“[…] that I was satisfied to accept the law on the subject as laid down by Voet (2.14.9) where he says: "It is now perfectly well known and everywhere received that from nude pacts entered into with a serious and deliberate mind, an action is born, equally as from contracts." In other words, he states […] that now all that was required to create a binding obligation between two parties was that they should have entered into an agreement with a serious and deliberate mind. That is the simple and general rule on the subject as laid down by Voet and many other jurists. […]
What we are mainly concerned with, however, is the general rule […] . That rule may be simply stated as follows: An agreement between two or more persons entered into seriously and deliberately is enforceable by action. […]
The important thing, however, is that we are agreed upon the general rule that agreements seriously and deliberately made are enforceable [289] at law.”125
Assim, de acordo com o direito sul-africano, impende sobre a parte que invoca a existência de um contrato o ónus de provar que havia um verdadeiro acordo de vontades entre as partes. Não se fazendo essa prova, não poderá ser declarada a existência do contrato.
No direito sul-africano, o ponto de partida para a análise da questão do consenso é a chamada teoria da vontade. Considera-se que foi celebrado um contrato quando existe um acordo de vontades, ou seja, quando ambas as partes aceitaram subjectivamente criar direitos e obrigações juridicamente vinculativos, quando estão de acordo quanto aos aspectos essenciais do contrato e quando estão conscientes dos seus actos.
Para determinar se foi ou não celebrado um contrato, o tribunal terá de verificar se alguma das partes fez uma proposta precisa, passível de aceitação, com todos os elementos essenciais do contrato e se a outra parte manifestou de mdo inequívovo e incondicional a sua intenção de aceitar a proposta. Se tal não se verificar positivamente, não existe um consenso real.
Ora, à luz destes ensinamentos e ponderando os factos apurados, não sobram dúvidas que a resposta às questões que o tribunal tem de verificar é, em toda a extensão, negativa.
As autoras não efectuaram a prova da existência de um verdadeiro e real acordo entre elas e a ré no sentido de esta as ter incumbido de estabelecer contactos e obter autorizações junto da FAP/OGMA para a respectiva colaboração na criação e estabelecimento em Portugal de um esquema de montagem, distribuição, remessa e transporte dos helicópteros de busca e salvamento desde França para a República da África do Sul (o designado canal português).
Não tendo sido feita prova da existência de uma proposta da ré dirigida às autoras tal como alegada na petição inicial, nem da sua aceitação pelas autoras, não está demonstrado um consenso real ou um acordo de vontades juridicamente vinculativo entre as partes, pelo que, tal como concluiu a 1ª instância, não está provado o contrato (como também não o estaria se houvesse de ser aplicada a lei portuguesa) em que as autoras basearam o seu pedido principal de condenação da ré no pagamento da quantia de 192 180 622,82 € (cento e noventa e dois milhões, cento e oitenta mil, seiscentos e vinte e dois euros e oitenta e dois cêntimos), a título de comissão de 10% por força de tal contrato.
E se o consenso real e expresso não se provou, também não se provou a existência de um contrato tácito, que, conforme decorre do atrás exposto, se reconduz a uma questão de facto.
Os factos apurados não autorizam a identificar do lado da ré um comportamento tal que as autoras pudessem ter interpretado como uma proposta no sentido de que actuarem junto das autoridades portuguesas para estabelecerem o mencionado canal português, no contexto do Projecto Adenia. As comunicações, reuniões e memorandos descritos, designadamente, nos pontos 18. a 24. e 28. a 31. dos factos provados relatam o contexto de conversas e negociações que em nada apontam para o Projecto em referência, como resulta, em abundância, das considerações tecidas a propósito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não sendo possível retirar seja do comportamento dos intervenientes ali mencionados, seja das circunstâncias envolventes da sua actuação, qualquer conclusão no sentido de as autoras estarem legitimadas a depreender ou interpretar o comportamento da ré como uma proposta de negócio ou intenção de celebrar um qualquer acordo nesse âmbito.
A conduta reportada não tem a clareza e inequivocidade exigidas para permitir afirmar que as partes consideraram estar de acordo quanto a um tal negócio. Não existe, pois, contrato.
Face ao decidido neste ponto, resulta prejudicada a apreciação das excepções de prescrição, renúncia do credor e nulidade do contrato (alíneas d), e) e f))
*
3.2.4 Do enriquecimento sem causa
Subsidiariamente, as autoras peticionaram, como primeiro pedido subsidiário, que, a não se entender que a relação estabelecida entre as partes tem a natureza de um contrato de mandato comercial, se reconheça que a ré enriqueceu injustamente à custa da prestação dos serviços por elas realizados, em seu nome, nos termos do disposto no art.º 473º do Código Civil, porquanto praticaram, entre 1985 e 1991, diversos actos de comércio em nome, por conta e a pedido expresso da ré Armscor, por força dos quais esta logrou obter uma vantagem, que se traduziu na aquisição de kits de upgrade S1 e S2 de helicópteros de busca e salvamento Puma, na aquisição de 50 novos helicópteros híbridos e no estabelecimento de relações comerciais com as autoridades militares portuguesas e criação de um sistema de transporte, montagem e reexpedição de tais helicópteros para a ré, que assim obteve um benefício económico, sem proceder ao pagamento da comissão de 10% acordada, vantagem patrimonial obtida exclusivamente à custa da actuação comercial das autoras, pelo que deve restituir-lhes o valor correspondente de 192 180 622,82 €.
O Tribunal recorrido considerou que o enriquecimento sem causa é regulado pela lei com base na qual se verificou a transferência do valor patrimonial a favor do enriquecido, nos termos do disposto no art.º 44º do Código Civil, pelo que, sendo as alegadas vantagens advenientes do contrato que a ré celebrou com as OGMA, no qual foi estabelecido como Direito aplicável a lei portuguesa (cf. ponto 32. dos factos provados), seria esta a lei aplicável.
Estatui o art.º 44º do Código Civil que “O enriquecimento sem causa é regulado pela lei com base na qual se verificou a transferência do valor patrimonial a favor do enriquecido.”
A esfera de competência da lei designada pelo art.º 44º do Código Civil abrange os pressupostos, o conteúdo e a extensão das pretensões fundadas no enriquecimento sem causa – cf. Maria João Matias Fernandes, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, 2ª edição revista e actualizada, UCP, pág. 145.
João Baptista Machado explicita que a questão essencial de saber se o enriquecimento tem ou não causa legítima representa uma questão a resolver previamente, em face da lei que eventualmente seria competente para reconhecer um título negocial ou legal ao enriquecimento. Só depois disso se passará à lei designada pelo art.º 44º - cf. op. cit., pág. 367.
Afastada a existência de um negócio celebrado entre as partes, parece seguro que importa recorrer ao estatuído no art.º 44º do Código Civil.
Luís de Lima Pinheiro, apontando que o enriquecimento sem causa abrange situações muito variadas, conclui que o preceito não permite uma solução unitária, havendo que atender aos diversos tipos de enriquecimento - enriquecimento por prestação, por intervenção e outras modalidades -, sendo que, no caso de existir uma relação jurídica entre o enriquecido e o empobrecido, conexa com o enriquecimento, deve-se aplicar ao enriquecimento sem causa o Direito regulador desta relação.
Segundo a alegação das autoras, a celebração do contrato entre as OGMA e a Zandumec foi uma consequência dos actos de mediação ou intermediação que aquelas praticaram junto da FAP e teriam sido esses contactos que permitiram à ré estabelecer o canal português, conforme pretendia, sem ter pagado às autoras qualquer valor.
Ora, segundo Lima Pinheiro, no enriquecimento por prestação – a prestação é feita com a intenção de cumprir uma obrigação, quando esta não existe ou não tem por sujeito passivo o autor da prestação – deve, em princípio, ser regulado pelo Direito que rege a relação jurídica a que diz respeito a prestação ou aquele que regularia a relação, caso esta existisse.
Tender-se-ia, pois, a concluir pela aplicação, no caso, da lei sul-africana.
De todo o modo, certo é que no negócio que permitiu a vantagem patrimonial da ré foi estipulada a aplicação da lei portuguesa, pelo que se poderia admitir ser esta a lei reguladora da situação, por a transferência patrimonial invocada estar associada à celebração de tal contrato.
Seja como for, a decisão recorrida considerou aplicável a lei portuguesa e as apelantes conformaram-se com este segmento da decisão.
A decisão recorrida julgou improcedente a pretensão das autoras com a seguinte ordem de fundamentos:
= o caso dos autos é apenas susceptível de se integrar na categoria do enriquecimento por prestação, ou seja, uma situação em que alguém efectua uma prestação a outrem mas não há causa jurídica para a recepção dessa prestação;
= a prestação deve constituir, simultaneamente, um enriquecimento da ré e um empobrecimento das autoras;
= para se afirmar a prestação seria necessário concluir que a celebração do contrato entre a ré e as OGMA foi resultado de uma actividade produzida pelas autoras, que foi a sua causa adequada;
= o acervo fáctico apurado não permite concluir que, se não fosse a actividade das autoras, o referido contrato não teria sido celebrado, não se tendo provado que aquelas tenham apresentado à FAP/OGMA um qualquer negócio minimamente definido e que o contrato seja o resultado da reunião ocorrida em 18 de Dezembro de 1986 (cf. ponto 23.), ou sequer que apenas elas poderiam ter tido acesso aos dirigentes da FAP;
= não ficaram provados factos de onde resulte que as autoras tenham conduzido negociações com a FAP/OGMA referentes aos helicópteros, concretizando propostas ou transmitindo contrapropostas;
= não foi estabelecido um nexo de causalidade entre os actos das autoras que se provaram e a posterior celebração do contrato, pelo que não se prova o enriquecimento sem causa da ré.
Sem refutar esta argumentação, as recorrentes argumentam estar demonstrada a obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial pela recorrida, à custa daquelas, por a sua prestação ter correspondido ao facilitar do contacto entre a recorrida e a FAP/OGMA, possibilitando o canal português e a celebração do contrato referido em 32., que constitui fruto daquela actividade, louvando-se nos factos provados sob os pontos 21. a 24., 26., 27. e 30. e convocando o que aduziu em sede de impugnação da matéria de facto, com base nos depoimentos dos generais DD e VV e assumindo que os factos não provados descritos nas alíneas q), r), s),t), u), v), y) e aa) sejam dados como provados.
A recorrida refuta este entendimento sustentando que não se enriqueceu com o que quer que fosse e menos ainda por efeito de uma qualquer deslocação patrimonial das recorrentes para ela, nem a suposta prestação daquelas alguma vez ocorreu, pois que a sua actuação não foi material nem instrumental da criação do canal português, em cuja negociação aquelas não participaram, não tendo existido nenhum empobrecimento destas.
O art.º 474º do Código Civil, sob a epígrafe “Natureza subsidiária da obrigação” estipula que “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.”
Resulta de tal normativo legal, que o empobrecido apenas poderá recorrer à acção de enriquecimento quando a lei não lhe faculte outro meio para cobrir os seus prejuízos. Ou seja, a aplicação deste instituto pressupõe o não funcionamento de outro regime jurídico que permita ao autor ser indemnizado ou restituído pelo valor invocado.
Significa isto que “sempre que exista uma acção normal (de declaração de nulidade ou anulação, de resolução, de cumprimento, de reivindicação, etc.) e possa ser exercida, o empobrecido deve dar-lhe preferência: não se levantará, pois, questão de averiguar se há locupletamento injustificado. E, então, só apurando-se, por interpretação da lei, que essas normas directamente predispostas não esgotam a tutela jurídica da situação é que se justifica o recurso complementar ao instituto do enriquecimento sem causa (ex.: em hipóteses de responsabilidade civil). [] À inexistência da acção normalmente adequada equipara-se a circunstância de esta não poder ser exercida em consequência de um obstáculo legal (ex.: prescrição do direito de indemnização – cf. o art. 498º, nº 4) ou de não poder sê-lo utilmente por razões de facto («maxime» a insolvência do devedor).” – cf. neste sentido, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª edição, págs. 420 e 421.
É, porém, reconhecida a necessária flexibilização que importa introduzir ao princípio da subsidiariedade da obrigação por enriquecimento sem causa que se traduz em três pontos: 1) o enriquecimento aplica-se sempre que outro instituto não cubra totalmente a situação verificada ou não o faça com plena eficácia; 2) no foro, a parte interessada pode indicar diversos remédios e, subsidiariamente, o do enriquecimento sem causa; 3) ele funciona ainda quando, por caducidade ou por falta de prova, não se possa recorrer a uma via alternativa.
Ora, neste caso, após deduzir um primeiro pedido subsidiário com base no enriquecimento sem causa, as autoras deduziram ainda um segundo pedido subsidiário, peticionando a condenação da ré no pagamento de idêntica quantia, a título de remuneração correspondente à sua actuação como gestoras de negócios, nos termos do disposto no art.º 464º do Código Civil, alegando ter agido de acordo com o interesse e vontade real e efectiva da ré Armscor, que tinha conhecimento expresso dessa actuação.
O enriquecimento sem causa, atenta a subsidiariedade, não opera quando seja possível recorrer à responsabilidade civil, a mecanismos contratuais na área do trabalho, ao incumprimento, à compra e venda, à invalidade; à empreitada – cf. Diogo Costa Gonçalves, Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, Coordenação António Menezes Cordeiro - CIDP 2021, pág. 393.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-12-2023, 576/22.1 T8VCT.G1.S1:
“O requisito da ausência de causa justificativa, ou da falta de causa justificativa, remete-nos para o conceito de causa, ou de causa justificativa, e o conceito de causa justificativa é um conceito indeterminado — remete-nos para os “critérios legais definidores de uma correcta ordem ou ordenação dos bens”.
Ora os critérios legais definidores de uma correcta ordem ou de uma correcta ordenação dos bens são todos os princípios e todas as regras do ordenamento ou do sistema jurídico — e, como os critérios legais definidores de uma correcta ordenação dos bens são todos os princípios e todas as regras do ordenamento ou do sistema jurídico, o requisito da falta de causa justificativa significa, em última análise, “uma remissão para o resto do ordenamento”.”
Ao deduzir um pedido subsidiário com base no instituto da gestão de negócios, foram as próprias autoras que evidenciaram que não poderia ponderar-se, por ora, e em sede de um primeiro pedido subsidiário, sem análise prévia do segundo pedido subsidiário (que só deverá ser conhecido na improcedência do primeiro – cf. art. 554º, n.º 1 do CPC), a falta de causa para a deslocação para a esfera da ré e, por outro, a falta de tutela jurídica da situação com base nas normas que lhe são directamente aplicáveis.
Se as autoras tinham ainda a protecção da acção de condenação com base no instituto de gestão de negócios e não a usaram previamente (apenas o fizeram subsidiariamente), optando por socorrer-se antes daquela da acção de enriquecimento, a qual, por subsidiária, lhes estava vedada, verifica-se a excepção peremptória da violação do princípio da subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa, prescrito no art.º 474º do Código Civil, o que sempre conduziria à absolvição da ré – cf. neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-10-2015, 6553/12.3TBCSC.L1.S1 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 9-01-2021, 533/20.2T8MBR.C1.
E ainda que assim não fosse, que é, sempre seria secundar a não verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa tal como decidido pelo tribunal recorrido, por falta de nexo de causalidade entre os actos praticados pelas autoras e apurados nos autos e a posterior celebração pela ré do contrato referido em 32.
Na falta de demonstração dos factos impugnados, que se mantêm não provados, e atenta a inviabilidade de retirar dos factos provados, designadamente aqueles chamados à colação pelas recorrentes e que foram precisamente os considerados na decisão recorrida, o estabelecimento de um qualquer nexo causal entre as reuniões existentes entre o general UU e a FAP/OGMA e a posterior celebração do negócio entre as OGMA e a Zandumec, nunca seria possível concluir que os benefícios decorrentes da montagem, expedição e entrega dos novos helicópteros Oryx, com intervenção das OGMA (cf. ponto 33.), foram possíveis devido à actuação das autoras.
Com efeito, não foi estabelecida qualquer relação entre os contactos descritos em 18., 19., 21., 22. e 23. e a celebração daquele negócio e, pelas razões expendidas a propósito da apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a carta mencionada no ponto 27. não é bastante para concluir que foi a intervenção das autoras que promoveu, permitiu e conduziu à celebração do contrato com as OGMA, tanto mais que já em Janeiro de 1987, o director destas tinha conhecimento da pretensão da Aérospatiale e da ré de a elas recorrerem como canal para o fornecimento dos kits dos componentes dos helicópteros Oryx (cf. ponto 26.).
Não sendo possível afirmar que a ré retirou benefícios monetários dos actos e despesas realizados pelas autoras, não há lugar à indemnização/restituição pelo enriquecimento sem causa, sendo certo que esta nunca equivaleria ao montante reclamado pelas autoras, mas apenas à correspondente medida do empobrecimento ou do enriquecimento, consoante o que fosse menor.
Resulta, assim, prejudicada a apreciação da prescrição do exercício do direito com base no enriquecimento sem causa.
*
3.2.5 Da Gestão de negócios
As autoras pretendem ainda obter a condenação da ré no pagamento da mencionada quantia alegando terem actuado no interesse e de acordo com a vontade da ré, a quem sempre prestaram as devidas informações, tendo a gestão sido solicitada e aprovada por esta, pelo que têm direito à remuneração correspondente, nos termos do disposto no art.º 470º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil.
Com base no disposto no art.º 43º do Código Civil, o Tribunal recorrido entendeu ser aplicável nesta matéria a lei portuguesa, por a actividade principal ter decorrido em Portugal.
O art.º 43º do Código Civil estipula, com efeito, que à gestão de negócios é aplicável a lei do lugar em que decorre a principal actividade do gestor. Ainda que os actos de gestão ocorram em território correspondente a vários Estados, a determinação é a da aplicação de uma única lei, a do lugar onde ocorreu a principal actividade do gestor. No entanto, a demarcação dos actos a submeter a um mesmo estatuto deve ser efectuada em função da identidade do dono do negócio e da conexão objectiva e temporal entre os actos de gestão de negócios da mesma pessoa – cf. Luís de Lima Pinheiro, op. cit., pág. 514.
Parece seguro, face às alegações das partes e atenta a configuração da relação material controvertida que os actos praticados pelas autoras que aqui relevam, enquanto integradores dos contactos estabelecidos para efeitos de obter a intervenção das OGMA no estabelecimento do canal português, apreciados sob o manto da gestão de negócios, terão ocorrido, principalmente, em Portugal, pelo que será a lei portuguesa a aplicável (o que, aliás, foi aceite pelas recorrentes).
As apelantes entendem que ficou provado, ao menos, que levaram a cabo, no interesse e por conta da recorrida, uma actuação correspondente a uma verdadeira negociação, actuando de acordo com o interesse e a vontade efectiva desta, que disso tinha conhecimento, pelo que teriam direito à remuneração.
A recorrida reitera que não ficou provado que as recorrentes tivessem praticado actos relacionados com o Projecto MTH, ou seja, com o desenvolvimento ou execução do projecto que levou ao Oryx, pois que as suas interacções com a ré disseram sempre respeito a outros projectos; realçam ainda que as recorrentes confessam não estarem reunidos os pressupostos do instituto de gestão de negócios ao referirem que actuaram em nome e a pedido da ré; a ter existido gestão de negócios esta estaria também afectada de nulidade, por contrária à lei, por violação do embargo das Nações Unidas.
O Tribunal recorrido apreciou este pedido nos seguintes termos:
“Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, “ A atuação do gestor tanto pode concretizar-se na realização de negócios jurídicos em sentido estrito (compras, vendas, empreitada para reparação de uma coisa, arrendamentos, expurgações de hipotecas, etc.), como na prática de atos jurídicos não negociais (aceitação de pagamentos, cobrança de dívidas, pagamento de rendas) ou até de simples factos materiais (…)”.
Face a esta amplitude de atos abrangidos, parte da doutrina confere ao vocábulo “negócio” aqui empregue o significado de assunto.
No caso dos autos importa voltar a atentar no acervo fáctico apurado, ou seja, nos atos praticados pelas autoras tendo em vista a futura celebração de um contrato entre a ré e as OGMA que se conseguiram apurar.
Retomando o que acima foi já referido em III, afigura-se-nos que a apurada atividade das autoras não é suficiente para se considerar preenchido o requisito “assumir a direção de negócio alheio”.
A referência numa conversa havida durante a reunião de dezembro de 1986 à possível realização de um negócio respeitante a helicópteros não se afigura suficiente, pois não ficou provado que nessa conversa ou noutras tenham sido abordados, propostos, negociados, os elementos essenciais do acordo perspetivado: concreto objeto, quantidades, preços, prazos, condições.
Afirmar um interesse na futura realização de um negócio respeitante a helicópteros, em termos totalmente indefinidos, sem qualquer concretização, sem qualquer detalhe, não consubstancia o curar, o cuidar de um negócio alheio.
Sê-lo-ia, porventura (e abstraindo agora dos demais requisitos deste instituto) se as autoras tivessem levado a cabo, no interesse e por conta da ré, uma atuação que correspondesse a uma verdadeira negociação de um contrato a celebrar, negociando pelo menos os elementos essenciais do mesmo. Mas isso não ficou provado.
Por outro lado, o conceito de gestão de negócios implica a existência de algum impedimento do dono do negócio, e a necessidade de uma atuação por parte do gestor, não autorizado, com vista acautelar os interesses daquele ou evitar prejuízos. É considerado um pressuposto da gestão: “Efetivamente, a tutela dos interesses do dominus exige que não se possa considerar atribuída ao gestor a possibilidade de exercer a gestão, quando não existe qualquer utilidade para o dominus nessa gestão. Será o caso, por exemplo, quando o dominus se encontre a exercer ele próprio essa gestão ou tenha proibido a intervenção do gestor”.
Este pressuposto da absentia domini consiste na “impossibilidade de o ‘dominus’ curar dos seus próprios assuntos. Não deve confundir-se com a ausência do ‘dominus’: este pode estar fisicamente ausente, mas ter encarregado alguém de tratar dos seus negócios ou estar contactável. E pode estar presente, mas impossibilitado de cuidar dos respetivos interesses.”
A maior parte da doutrina considera que a absentia domini se inclui nos requisitos da gestão de negócios, embora se divida quanto àquele em que se insere: no requisito da utilidade ou negotium utiliter coeptum, ou seja, a gestão apenas pode ser considerada útil se o domini não estiver impedido de a exercer; no requisito da falta de autorização do dominus, ou seja, se este está presente, ou contactável ou a gerir os seus assuntos, “é de presumir que proíbe ou pelo menos não quer a gestão por outrem”.
Independentemente da posição adotada, este requisito visa obviamente salvaguardar o dono do negócio da possível ingerência de terceiros nos seus bens ou negócios quando a mesma não se mostre necessária, ou porque aquele está em condições de fazer essa gestão ou porque, não havendo qualquer urgência ou necessidade premente, o dono do negócio pode ser contactado ou avisado para, ele próprio, assumir, querendo, tal gestão.
A figura legal da gestão de negócios visa tornar lícitas ingerências na esfera alheia que constituam atos – louváveis - de solidariedade entre pessoas. Por isso, o pressuposto da absentia domini, independentemente da posição adotada, leva sempre à exclusão de ingerências de terceiros não autorizados nos assuntos alheios, quando não são necessárias e o dono do negócio não está impedido de realizar essa gestão. A gestão de negócios, nessas situações, será, a priori, um ato ilícito.
A não ser assim, estaria o ordenamento jurídico a legitimar que terceiros, sem autorização, se ingerissem em assuntos alheios num amplo universo de situações, atuando em paralelo a um domini perfeitamente apto a tratar deles, o que seria manifestamente insustentável.
Voltando ao caso dos autos, e ao acervo de factos apurados e relevantes, não está demonstrado que a ré estivesse, de algum modo, impedida de curar dos seus assuntos, isto é, de levar a cabo por si mesma ou por terceiro que disso incumbisse, qualquer negociação com as FAP/OGMA. E o facto de não estar presente/representada numa determinada reunião não equivale a estar impedida de o fazer. Não só não se vislumbra qualquer urgência ou necessidade premente de que uma negociação respeitante a helicópteros se encetasse ou iniciasse numa data definida, como não estava a ré impedida de o fazer, legitimando que as autoras o fizessem por conta ou no interesse daquela.
Conclui-se, destarte, não estarem verificados os pressupostos legais da gestão de negócios, improcedendo assim também o segundo pedido subsidiário formulado, ficando prejudicada a apreciação da prescrição da eventual obrigação dela emergente.”
Concorda-se, na íntegra, com a análise efectuada.
O art.º 464º do Código Civil pressupõe a assunção da gestão, ou seja, o início da gestão, no interesse do dominus e não apenas com intenção de o fazer no interesse do dominus. Está em causa uma intromissão na esfera jurídica alheia; a gestão inútil é uma ilicitude – cf. Nuno Andrade Pissara, Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, Coordenação de António Menezes Cordeiro, pág. 365.
Não ficou demonstrada seja a utilidade da gestão no sentido de se impor a intervenção das autoras para salvaguardar os interesses da ré, seja a impossibilidade de esta cuidar dos seus próprios assuntos.
Por outro lado, são as próprias autoras que na sua petição inicial (cf. artigos 328º e 329º) afirmam – e em sede de alegações reiteram - que actuaram com o conhecimento expresso da ré, actuação solicitada por esta.
Ora, não há gestão de negócios verdadeira se alguém agir no interesse e por conta de outrem a coberto de uma legitimidade decorrente da lei ou de um acto do beneficiado. Se as autoras afirmam que agiram a solicitação da ré, não há a falta de autorização a que alude a parte final do art.º 464º do Código Civil.
Pelo exposto e aderindo à fundamentação supra transcrita, é evidente que o segundo pedido subsidiário tem de improceder.
Resultando, também aqui, prejudicada a necessidade de apreciação das demais excepções deduzidas.
Resta, em conformidade, concluir pela total improcedência do recurso, devendo manter-se inalterada a decisão recorrida.
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3.2.6 Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
As apelantes decaem quanto à pretensão que trouxeram a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo.
* Dos pressupostos da dispensa da taxa de justiça remanescente
Nenhuma das partes na presente acção, seja na 1ª instância, seja nesta instância de recurso requereu a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, nos termos do art.º 6º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais126, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro e aplicável aos presentes autos, conforme decorre do disposto no art.º 8º, n.º 1 da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, com entrada em vigor em 29 de Março de 2012, na redacção decorrente das alterações introduzidas por este diploma legal.
O valor da presente causa foi fixado em 192 180 622,82 €, correspondente ao valor do pedido, conforme despacho proferido em 29 de Abril de 2014, em sede de audiência prévia.
O art. 527º, n.º 1 do CPC estipula que “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.”
É sabido que as custas assumem, grosso modo, a natureza de taxa paga pelo utilizador do aparelho judiciário, reduzindo os custos do seu funcionamento no âmbito do Orçamento Geral do Estado – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., volume 2º, 3ª edição, pág. 418; Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República de 19-04-2012127 – “A taxa de justiça corresponde a uma prestação pecuniária que, em regra, o Estado exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional por eles causada ou de que beneficiem, como contrapartida do serviço judicial desenvolvido, sendo fixada, de acordo com o disposto no artigo 447.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, em função do valor e complexidade da causa, nos termos constantes do Regulamento das Custas Processuais, e paga, em regra, integralmente e de uma só vez, no início do processo, por cada parte ou sujeito processual.”
As custas em sentido amplo abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte - cf. art. 529º, n.º 1 do CPC -, sendo que a primeira corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa (cf. n.º 2 do art. 529º), ou seja, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, conforme o disposto nos seus artigos 5.º a 7.º, 11.º, 13.º a 15.º e das tabelas I e II anexas.
Daqui se retira que o impulso processual do interessado constitui o elemento que implica o pagamento da taxa de justiça e corresponde à prática do acto de processo que dá origem a “núcleos relevantes de dinâmicas processuais” como a acção, a execução, o incidente, o procedimento cautelar e o recurso – cf. Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 7ª edição, pág. 15.
Nos termos do artigo 529.º, n.º 3 do CPC, os encargos são as despesas resultantes da condução do processo correspondentes às diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz, cujo regime consta essencialmente dos artigos 16.º a 20.º, 23.º e 24.º do aludido Regulamento.
E, de acordo com o disposto no art.º 530.º, n.º 4 do CPC, as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária nos termos do Regulamento, cujo regime consta essencialmente dos seus artigos 25.º, 26.º e 30.º a 33.º e da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril. Envolvem, por exemplo, as quantias que a parte vencedora, na respectiva proporção, despendeu a título de encargos, de taxa de justiça e de patrocínio a advogados.
A taxa de justiça deve ser paga no momento do respectivo impulso processual, em uma ou duas prestações (cf. art.ºs 13º e 14º do RCP), por meio de autoliquidação da parte, para o que esta deverá socorrer-se das tabelas anexas ao diploma e, no caso de processo cuja taxa seja variável, a parte liquidará a taxa pelo seu valor mínimo, pagando o excedente, se o houver, a final (cf. art.º 6º, n.º 6 do RCP).
A conjugação do disposto no art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 com o n.º 6 do art.º 607.º e no n.º 2 do artigo 663.º do CPC permite aferir que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas tal não sucede quanto à taxa de justiça.
Tendo as autoras ficado vencidas na presente acção e recurso, as custas do processo devem ser por elas suportadas.
Em conformidade com o acima referido, a responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça decorre automaticamente do respectivo impulso processual, por via, por exemplo, de petição inicial, contestação, requerimento de interposição de recurso, contra-alegação, requerimento de incidente ou de oposição, portanto, independentemente do decaimento ou do vencimento na causa.
Assim, nos termos do n.º 1 do art.º 530.º do CPC, a taxa de justiça só é devida, incluindo a remanescente, em função do impulso processual da parte que demande na qualidade de autor ou de réu, de exequente ou de executado, de requerente ou requerido, de recorrente ou recorrido.
Por esta razão, proferida a decisão final nestes autos, nem por isso deixa de ser exigido às autoras e à ré o pagamento da taxa de justiça remanescente devida pelo impulso processual a que cada uma delas deu origem.
Com efeito, como se referiu, o pagamento da taxa de justiça nada tem que ver com o vencimento ou decaimento na acção, mas com o respectivo impulso processual da parte, por via da dedução de petição inicial, contestação, requerimento de interposição de recurso, ou outros.
Sobre a matéria da taxa de justiça devida estatui o art.º 6º do RCP:
“7. Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
A norma do n.º 7 do art.º 6º foi introduzida pela Lei n.º 7/12, de 13 de Fevereiro em resposta a declarações de inconstitucionalidade do regime anterior que não estabelecia qualquer possibilidade de dispensa de pagamento ou de redução do montante da taxa de justiça remanescente nas acções com valores mais elevados.
Relevante é ainda o que dispõe agora o art. 14º do RCP, na redacção da Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, com entrada em vigor em 27 de Abril de 2019:
“9. Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do nº 7 do art. 6º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final”.
A inserção deste preceito pela Lei nº 27/2019, de 28 de Março correspondeu, de igual modo, a uma reacção à declaração de inconstitucionalidade do anterior preceito interpretado no sentido de que a parte totalmente vencedora na acção, ainda assim, ficaria obrigada ao pagamento da taxa de justiça remanescente, que depois cobraria da parte vencida a título de custas de parte.
Outro preceito que importa ter em consideração nesta sede é o do art. 30º, nºs 1 e 2 do RCP, segundo o qual a conta é elaborada, relativamente a cada sujeito processual, de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da acção, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos. E nos termos dos referidos n.ºs 2 e 3, alíneas a) e f), a conta deve discriminar as taxas pagas e as taxas devidas, assim como os montantes a pagar por cada sujeito responsável.
O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido no âmbito do recurso extraordinário n.º 1118/16.3T8VRL-B.G1.S1-A, publicado no DR I Série de 3-01-2022 uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem lugar, de acordo com o nº 7 do art. 6º do RCP, com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.
Como tal, qualquer requerimento atinente a dispensa (ou redução) da taxa de justiça remanescente deve ser apresentado antes do trânsito em julgado da decisão ou, no limite, dentro do prazo para a dedução do incidente de reforma da decisão quanto a custas, nos termos do art. 616º do CPC.
Na situação sub judice, não tendo nenhuma das partes requerido, por ora, essa dispensa, tal não obsta ao conhecimento oficioso da questão por este Tribunal.
Há que ter presente que os incidentes, as acções e os recursos são considerados processos ou procedimentos autónomos para efeito de sujeição ao pagamento de custas stricto sensu e de taxa de justiça, ou seja, vigora aqui o princípio da autonomia entre essas fases processuais que, para Salvador da Costa, justifica que no final de cada uma delas, compita ao juiz de primeira instância ou ao colectivo de juízes do tribunal superior apreciar da concessão de dispensa ou não do pagamento do remanescente.
A condenação em custas em qualquer uma das instâncias, enquanto não sobrevenha uma decisão final transitada em julgado, não assume cariz definitivo, pelo que, como é evidente, sendo susceptível de alteração por via da modificação que a decisão venha a sofrer em sede de recurso não pode ter-se por transitada em julgado - cf. A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 282 - “O resultado obtido no recurso de apelação pode determinar ainda uma modificação da decisão sobre custas que tenha sido proferida no tribunal a quo.”
Cumpre, pois, apreciar dos pressupostos da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.
Em face da redacção do art.º 6º, n.º 7 do RCP, em que se exige uma decisão fundamentada do juiz, que deverá, designadamente, atender à complexidade da causa e à conduta processual das partes, tem sido entendido que os factores a ponderar têm natureza meramente exemplificativa.
Logo, para além da ponderação da complexidade da causa e da conduta processual das partes, nada obsta a que se ponderem outros factores associados, num sentido ou noutro, ao princípio da proporcionalidade, como sejam o valor dos interesses económicos em causa, os resultados obtidos, o facto de alguma ou de ambas as partes serem pessoas individuais ou colectivas ou de exercerem ou não uma actividade comercial empresarial ou prosseguirem outros fins.
Para aferição do critério da complexidade da causa pode recorrer-se ao estatuído no art.º 530.º, n.º 7 do CPC, que dispõe: “Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.”
Sobre a norma do n.º 7 do art.º 6º do RCP escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Jurisprudência n.º 1/2022, o seguinte:
“A ratio desta norma é, assim, evitar casos de disparidade clara entre o expediente do Tribunal e a conta de custas, por uma questão de Justiça Material, e do cumprimento dos princípios da proporcionalidade e adequação, e ainda do livre acesso à justiça, todos plasmados na CRP.
Este aditamento do n.º 7 ao artigo 6.º do R.C.P. ocorreu na sequência da decisão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 15 de Julho de 2013, que julgou inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I -A anexa, ao Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL n.º 52/2011, de 13 de Abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.
Assim se introduziu a possibilidade de graduação prudencial do montante das custas devidas nos processos de valor especialmente elevado. […]
Assim, embora a taxa de justiça até ao valor de 275.000,00 euros tenha de ser autoliquidada pela parte, por referência, em regra, à Tabela I-A anexa ao RCP, dessa forma impulsionando a ação, incidente, procedimento cautelar, recurso ou execução (com a junção do documento que comprove o prévio pagamento da taxa de justiça então devida), veio o legislador, por forma a se sintonizar com as exigências constitucionais, dispor que para além daquele valor da causa de 275.000,00 euros, o valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fração, três UC, no caso da coluna A; 1,5 UC, no caso da coluna B; e 4,5 UC, no caso da coluna C (cfr. parte final da tabela I-A anexa ao RCP). E conferiu, ainda, ao juiz o poder (dever?) de ex officio, ou a requerimento das partes, dispensar (ou reduzir) o pagamento (fundamentando-o na decisão final a proferir quanto à ação, incidente, procedimento cautelar, recurso ou execução) da taxa de justiça remanescente, atendendo designadamente àcomplexidade da causa e à conduta processual das partes (cit. n.º 7 do artigo 6.º do RCP).
Nesta senda, «a norma constante do n.º 7 do artigo 6.º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de 275.000 euros, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes) iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade».”
Dado que a taxa de justiça equivale, tendencialmente, ao custo ou preço da despesa necessária à prestação do serviço desenvolvido pelos tribunais, o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa deve assegurar que o valor cobrado ao utente que recorre ao sistema público de administração da justiça reflicta o custo do serviço que lhe foi prestado.
Como tal, a fixação do valor que for devido a final pelos utilizadores desse serviço de justiça deve atender necessariamente às especificidades da acção concreta, designadamente, a sua utilidade económica, a complexidade do processado e o comportamento das partes, tendo sempre por base os princípios da proporcionalidade e adequação.
Atendendo aos critérios emergentes do n.º 7 do art.º 530º do CPC, a presente causa reúne todos os requisitos para ser considerada de elevada complexidade:
• Contém articulados prolixos e extensos, tendo a petição inicial 338 artigos, a contestação 326 artigos e a réplica 381 artigos;
• Ambas as partes foram manifesta e excessivamente prolíferas na apresentação de uma vastidão de requerimentos, respostas e contra-respostas que perduraram ao longo de catorze anos até se poder dar início à realização da audiência final;
• O processo contém 40 volumes e mais de 11 000 páginas;
• Foram suscitadas múltiplas questões e excepções de elevada especialização jurídica, especificidade técnica e que exigiam a análise de questões jurídicas de âmbito muito diverso, designadamente, a competência internacional dos tribunais portugueses (cuja decisão originou a interposição de recurso para a Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça), a imunidade de jurisdição relativamente à ré, a determinação da lei aplicável ao contrato alegadamente celebrado entre as partes e a sua qualificação; a ilicitude do contrato (por referência à violação de um embargo das Nações Unidas, sua vigência em Portugal e violação pelas partes), a prescrição do direito e a renúncia ao direito por parte das autoras ao abrigo da lei sul-africana, se aplicável; subsidiariamente, foram ainda deduzidos pedidos com base no enriquecimento sem causa e na gestão de negócios, relativamente aos quais foi invocada igualmente a prescrição;
• As partes foram assumindo ao longo do processo um comportamento tendencialmente quezilento, respondendo a requerimentos e a respostas e respostas de respostas, conduzindo a um emaranhado de questões a resolver – o que foi expressamente realçado pelo tribunal recorrido, no seu despacho de 7 de Julho de 2014128 -, para além de dificultarem a produção da prova documental, colocando em crise, por regra, a tradução dos documentos apresentados em língua estrangeira e originando novas junções de documentos;
• Além disso, procederam à apresentação de uma panóplia de pareceres jurídicos a propósito de diversas matérias (competência internacional, imunidade de jurisdição, lei aplicável e ainda uma série de pareceres sobre a natureza dos helicópteros Oryx, que ocupam os XV, XVI, XVII, XVIII e parte do XIX volumes);
• Requereram a produção de prova testemunhal para além do número limite de testemunhas;
• As partes lograram, porém, cooperar e colaborar na produção da prova testemunhal, estabelecendo os trâmites em que esta teve lugar, na África do Sul, e procedendo posteriormente à sua transcrição integral e tradução, o que facilitou e economizou recursos e meios ao Tribunal;
• De todo o modo, foi solicitada a reprodução da gravação dos depoimentos e foi colhido presencialmente o depoimento de uma das testemunhas, pelo que a audiência final decorreu em seis sessões, em seis dias de manhã e de tarde;
• A sentença de 1ª instância desenvolveu-se em 118 páginas;
• As alegações de recurso e as contra-alegações desenvolvem-se ao longo de 412 e 283 páginas, respectivamente;
• A apreciação da impugnação dirigida à decisão da matéria de facto implicou a apreciação de toda a prova testemunhal e documental produzida nos autos, com a complexidade e extensão que acima se revelam patentes.
Perante todo este contexto dir-se-ia não estarem reunidos os pressupostos para a dispensa da taxa de justiça remanescente.
Todavia, a projecção do valor dessa taxa ainda em dívida, face ao valor da causa, situa o montante em cerca de 3 500 000,00 € (a taxa remanescente será equivalente a 1,5 UC por cada 25 000,00 € ou fracção acima dos 275 000,00 €).
Ponderando o disposto nos art.ºs 8º e 7º, nº 1 do CPC, onde se estatui o dever de as partes agirem de boa fé e de cooperarem mutuamente e com o tribunal para com brevidade e eficácia se alcançar a justa composição do litígio e não obstante estar em causa o interesse económico de cada uma das partes e estas serem pessoas colectivas que desenvolvem uma actividade comercial empresarial e ainda que se considere e releve a densidade do processado e a irregularidade da sua tramitação, que em grande parte lhes é imputável, há que reconhecer que, no momento fulcral da produção de prova, lograram conciliar-se para alcançar da forma mais eficiente e eficaz a colheita dos depoimentos.
Assim, apesar da complexidade do processo, do estudo que exigiu e o labor judicial envolvido, que se prolonga já há dezassete anos, atento o valor da taxa remanescente que está em causa, é de reconhecer que este se revela desproporcional e desadequado face ao trabalho e custo inerente ao processado.
Atendendo à proporcionalidade entre os serviços prestados pelo Tribunal e a taxa suportada, se a exigência do pagamento da totalidade do remanescente de taxa de justiça pode ser considerada manifestamente excessiva, por desproporcional aos serviços concretamente prestados, já essa desproporcionalidade não se evidencia se se reduzir a taxa remanescente a 35% do seu valor, que, adicionado aos montantes já pagos, se apresenta ainda como suficiente, justo, proporcional e adequado para fazer face aos custos e despesas dos serviços prestados na presente causa.
Em consonância, face às circunstâncias mencionadas, afigura-se adequado, razoável e conforme com os princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito, consagrados nos art.ºs 2.º, 18.°, n.º 2, e 20º da Constituição da República Portuguesa, dispensar as autoras/recorrentes do pagamento de 65% do remanescente da taxa de justiça.
* IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
As custas ficam a cargo das apelantes.
*
Lisboa, 4 de Novembro de 2025129 Micaela Sousa Luís Filipe Pires de Sousa Paulo Ramos de Faria
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1. Elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade – cf. art.º 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil.
2. Segue-se aqui, no essencial, o relatório que consta da sentença recorrida, com supressão de aspectos processuais não relevantes e inscrevendo-se apenas as incidências processuais posteriores.
3. NIPC ..., adiante referida como BSL.
4. Adiante referida como BSI.
5. Número de pessoa colectiva ..., adiante referida como Armscor.
6. Adiante designadas pela sigla OGMA.
7. Adiante designado pela sigla CPC.
8. Medium Transporter Helicopter.
9. Adiante designada pelo acrónimo ONU.
10. Adiante designada por FAP.
11. Ref. Elect. 16731870.
12. Ref. Elect. 3861474.
13. Ref. Elect. 19263184.
14. Ref. Elect. 19387039.
15. Ref. Elect. 1467039 e 329313091.
16. Ref. Elect. 3719612 e 332674913.
17. Ref. Elect. 4776380 e 335122418.
18. Ref. Elect. 9143964 e 344791238.
19. Ref. Elect. 22057207, 22349113 e 22349245.
20. Ref. Elect. 391826219.
21. Ref. Elect. 31888496.
22. Ref. Elect. 32048443.
23. Ref. Elect. 32987718 e 421437392.
24. Ref. Elect. 431637220.
25. Ref. Elect. 42318970.
26. Que se transcrevem apenas na parte relevante para a identificação das questões objecto do recurso.
27. Ref Elect. 42825289.
28. Para efeitos de melhor percepção da análise da impugnação da matéria de facto mantém-se, por ora, a enunciação dos factos sob sequências de alíneas e pontos, tal como consta da decisão da 1ª instância.
29. Este facto foi transcrito tal como consignado na acta da audiência prévia, realizada em 29 de Abril de 2014 (Ref. Elect. 19261384, fls. 6800 do XXIII volume), no contexto da qual foram dados como assentes diversos factos. Posteriormente, a ré suscitou a existência de um erro material na redacção desta alínea, que veio a ser reconhecido pelo Tribunal, por despacho de 15 de Julho de 2014 (Ref. Elect. 19387039, de 7 de Julho de 2014; fls. 6929 do XXIII volume), que ordenou a sua rectificação. É esta redacção que ora se inscreve no elenco factual apontando-se em itálico o aditamento.
30. Introduziu-se a correcção quanto ao Tribunal onde a acção foi intentada, o Tribunal de Comércio de Bruxelas, e não o Tribunal de comarca do Luxemburgo e o aditamento das partes demandadas - KBC BAnk S. A. e KBC Groupe -, que não haviam sido referidas, conforme emerge do documento n.º 25, que consta a fls. 2478-2483, VIII volume.↩︎
31. Corrigiu-se a data do fax de 27 para 26 de Julho de 1989, por ser esta a data que consta do mencionado documento n.º 14 junto com a petição inicial (cf. original junto a fls. 84 e 85 do I volume).
32. Reproduz-se o teor do mencionado fax.
33. Acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
34. Seguindo-se a ordem de explanação apresentada pelas apelantes por facilidade de exposição.
35. Cabe ao Direito processual do foro regular os trâmites processuais e, no que diz respeito à produção da prova, aplica-se também o Direito probatório adjectivo a título de lex fori (já não quanto a matéria de ónus da prova e presunções legais) – cf. Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Volume II – Direito de Conflitos – Parte Especial, 4ª Edição Refundida, pp. 29-30.
36. InProva por Presunção no Direito Civil, 2017 . 3ª Edição, pp. 169-173.
37. In Blog IPPC, Entrada Jurisprudência 2019 (100), de 18/19/2019, anotação ao acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/09/2019, 3018/18.3T8BRG.G1.
38. Cf. Documentos n.ºs 4 e 9 juntos com a contestação e tradução no V e VI volumes, a folhas 1383-1388 e 1449.
39. Que sucedeu nos direitos da Aérospatiale.
40. Cf. Documento n.º 12 junto com a contestação, fls. 2061-2065, VII volume.
41. InO Impostor, Assírio e Alvim, pág. 302.
42. Trata-se de um lapso. O facto que releva aqui é o inscrito em 6).
43. Adiante designada pela sigla FAAS.
44. Empresa sul-africana de desenvolvimento, fabrico e manutenção de aeronaves que, posteriormente, em 1992, foi transferida como divisão operacional para a Denel (PTY) Ltd, adiante designada por Atlas.
45. Cf.Fls. 7266-7273, XXV volume, com tradução junta a 11-05-2015, Ref. Elect. 4813508.
46. Ref. Elect. 2137662, com tradução junta em 11 de Maio de 2015, fls. 7119 verso e ss., XXIV volume.
47. O termo aviónica reporta-se à instrumentação da aeronave, como indicadores de velocidade, altímetros, indicadores de horizonte artificial, equipamento de rádio, equipamento de alinhamento, sistemas de radar, ou seja, todo o equipamento necessário para pilotar uma aeronave com eficácia – cf. depoimento de JJ, página 232-233, linha 20-25, Ref. Elect. 31888496 de 7-03-2022, segundo ficheiro.
48. Sociedade incorporada de acordo com as leis de França.
49. Cf. Página 20, linhas 15-20 do seu depoimento, transcrição junta em 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496, terceiro ficheiro.
50. Fls. 7113 verso-7117, XXIV volume, com tradução apresentada em 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813179.
51. Fls. 7119 verso-7122, XXIV volume, com tradução apresentada em 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813179.
52. Fls. 7126-7128, XXIV volume, com tradução apresentada em 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813179.
53. Fls. 7141 verso, XXIV volume, com tradução junta em 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813288.
54. Fls. 7239 e ss., XXIV volume, com tradução junta em 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813474.
55. Fls. 7207 ss., XXIV volume, com tradução junta em 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813407.
56. Fls. 7242 ss., XXIV volume, com tradução junta em 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813474.
57. Cf. Fls. 7054, XXIV volume, tradução junta em 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813062 e fls. 3017, X volume.
58. Prestado em 7 de Abril de 2016, em Pretória, junta a respectiva transcrição a 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496, terceiro ficheiro.
59. Documento n.º 17 junto com a contestação, fls. 773-783, III Volume, com tradução a fls. 2361-2368, VIII volume.
60. Que pode ter que ver com o fornecimento de lança-granadas, negócio identificado nos documentos n.ºs 66, 67, 69 e 70 juntos em 4 de Fevereiro de 2015 – cf. fls. 7334 verso a 7340, XXV volume, com tradução junta em 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4835232.
61. Cf. Fls. 4156-4188, XIII volume.
62. Ref. Elect. 391826219 de 14-11-2019.
63. Fls. 7392-7399, XXV volume, com tradução junta em 12 de Maio de 2015, Ref. Elect.4835295.
64. Fls. 65-68, I volume, com tradução a fls. 3022 e 3023, X volume.
65. Fls. 69-70, I volume, com tradução a fls. 3029-3030, X volume.
66. Fls. 7156 verso, XXIV volume, com tradução junta a 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813348.
67. Societé Nationale Industrielle Aérospatiale.
68. Cf. Documento n.º 71 junto pela ré com o requerimento de 4 de Fevereiro de 2015, fls. 7340-7342, XXv volume, com tradução junta em 12 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4835232.
69. Fls. 7353 verso-7356, XXV volume, com tradução junta a 12 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4835251.
70. Fls. 7141 verso, XXIV volume, com tradução junta a 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813288.
71. Fls. 7156 verso e ss., XXIV volume, com tradução junta em 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813348.
72. Fls. 76, I volume, com tradução a fls. 3046, X volume.
73. Fls. 75, I volume, com tradução a fls. 3041, X volume.
74. Fls. 844-857, III volume, com tradução a fls. 1832 e ss., VII volume.
75. Cf. Ref. Elect. 4776380 de 8 de Maio de 2015.
76. Ref. Elect. 32048443.
77. Fls. 784-841, III volume, tradução a fls. 2369 e ss., VIII volume.
78. Fls. 7231 verso-7232 verso, XXV volume, com tradução junta a 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813474.
79. Fls. 7236 verso, XXV volume, com tradução junta em 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813474.
80. Cf. Documento n.º 43, que constitui uma mensagem de MM para MMM, de 12-11-1987, sobre a proposta para que as OGMA produzam peças do S2 sob orientação da Aérospatiale, junto a fls. 7237 verso, XXV volume, com tradução junta a 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813474.
81. Documento n.º 17 junto com a contestação, fls. 773-783, III volume, com tradução a fls. 2361-2368, VIII volume.
82. Variantes C, H e L, como referiu a testemunha JJ - cf. páginas 51 e seguintes e 66-68 do depoimento prestado em 18 de Março de 2015, junto em 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496, segundo ficheiro; cf. depoimento KK, prestado em 19 de Março de 2015, página 20; e MM, a propósito do documento n.º 7 junto com a petição inicial, cf. página 61 do depoimento, Ref. Elect. 31888496, quarto ficheiro, de 7 de Março de 2022.
83. Fls. 77, I volume, com tradução a fls. 3789, XII volume.
84. Fls. 78 e 80, I volume.
85. Fls. 79, I volume, com tradução a fls. 3791, XII volume.
86. Fls. 773-783, com tradução a fls. 2361-2368, VIII volume.
87. Fls. 7242 verso e 7243, XXV volume, com tradução junta em 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813474.
88. Fls. 7340-7342, XXV volume, tradução junta em 12 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4835232.
89. Documento n.º 7, a fls. 76, I volume.
90. Documento n.º 15 junto com a contestação, fls. 519 a 763, II e III volumes, com tradução a fls. 2093 a 2350, VIII volume; cf. págioas 31 a 40 do seu depoimento.
91. Fls. 900, IV volume, com tradução junta a fls. 1929ss, VII volume.
92. Cf. Documentos n.ºs 14 e 15 juntos com a petição inicial, fls. 84-86, I volume, com tradução a fls. 3799 e 3801-3802, XII volume.
93. Depoimento prestado em 16 de Março de 2015, transcrição junta em 7 de Março de 2022, segundo ramo da árvore Citius, Ref. Elect. 31888496.
94. Documento n.º 6 junto com a petição inicial; fls. 75 do I Volume e tradução a fls. 3041, X volume.
95. Cf. Linhas 15-20, página 116 do seu depoimento junto a 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496, segundo ficheiro.
96. Fls. 7340 a 7342, XXV Volume, com tradução junta em 12 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4835232.
97. Office Français D`Exportation de Matériel Aéronautique.
98. Documento n.º 19 junto com a petição inicial, fls. 90-93, I volume, com tradução a fls. 3105-3106, X volume.
99. A referência a SS tratar-se-á de lapso, porquanto GG referiu que a decisão foi tomada pelo WW e por XX – cf. página 24 do depoimento, prestado em 16 de Março de 2015, transcrição junta em 7 de Março de 2022, segundo ramo árvore Citius, Ref. Elect. 31888496.
100. Fls. 4218 a 4230, XIV volume; correspondente ao documento n.º 7 junto a fls. 7337-7339, XXV volume.
101. Cf. Documento n.º 63 junto com o requerimento de 4 de Fevereiro de 2015, fls. 7286-7287, XXV volume, com tradução junta em 12 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4835232.
102. Junto com o requerimento de 4 de Fevereiro de 2015, fls. 7289 verso-7305, XXV volume, com tradução junta em 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813537.
103. Fls. 77334 verso, XXV volume, com tradução junta em 12 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4835232.
104. Fls. 7286.7287, XXV volume, com tradução junta em 11 de Maio de 2015, Ref. Elect. 4813537.
105. Cf. Anexo B que encontra junto a fls. 4107, XIII volume.
106. Fls. 425-433, II volume, com tradução a fls. 1985-1988, VII volume.
107. XII volume.
108. Ref. Elect. 5036024.
109. 13 de Março de 2008.
110. “A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana.”
111. Aprovada para ratificação pelo Decreto n.º 101/79, de 18 de Setembro, DR I Série dessa data.
112. Fls. 4004-4047, XIII volume.
113. Cf. Aviso n.º 37/92, DR I Série-A, de 1 de Abril de 1992.
114. Aprovada pela Assembleia da República para adesão, por Resolução n.º 67/2003, de 29 de Maio, ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 46/2003, de 17 de Agosto, DR Série A de 7 de Agosto de 2003, e entrou em vigor em Portugal em 7 de Março de 2004.
115. Acessível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030090.html.
116. Cf. Artigo 6º da petição inicial e documentos juntos a fls. 1943-1969, VII volume.
117. Cf. Maria Helena Brito, Direito Internacional Privado sob Influência do Direito Europeu, pág. 181.
118. “O mandato das AA. foi exercido e cumprido tendo em vista apens a jurisdição e o território portugueses.”
119. Cf. Neste sentido, Luís de Lima Pinheiro, op. cit., pp. 335-336.
120. Fls. 4515-4563, XV volume.
121. Prestado em 25 de Março de 2015, transcrição junta em 7 de Março de 2022, Ref. Elect. 31888496, sétimo ficheiro.
122. Acessivel em chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://digitalcommons.lmu.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=&httpsredir=1&article=1246&context=ilr, consultado em 22 de Outubro de 2025.
123. Em tradução livre: “De acordo com a legislação sul-africana moderna, um contrato é um acordo entre pessoas que dá origem a direitos pessoais e obrigações correspondentes. Embora um contrato seja um acordo juridicamente vinculativo para as partes, nem todos os acordos vinculam as partes. Um acordo só é considerado um contrato se tiver uma série de elementos essenciais: (1) o acordo é para desempenho ou não desempenho futuro por uma ou mais das partes; (2) as partes têm capacidade jurídica para celebrar contratos; (3) as partes têm a intenção séria de se vincular; (4) com poucas exceções, o acordo é executado com alguma formalidade e por escrito; e (5) o acordo não é contrário à lei estatutária, à ordem pública ou à boa moral na sua formação, execução ou finalidade.”
124. Acessível em https://www.studocu.com/row/document/university-of-botswana/introduction-to-contract-law/conradie-v-rossouw-1919-ad-279/76139508, consultado em 22 de Outubro de 2025.
125. Tradução livre: «[…] que me satisfazia aceitar a lei sobre o assunto, tal como estabelecida por Voet (2.14.9), onde ele afirma: «É agora perfeitamente conhecido e universalmente aceite que dos pactos nus celebrados com uma mente séria e deliberada nasce uma ação, tal como dos contratos.» Por outras palavras, ele afirma [...] que agora tudo o que era necessário para criar uma obrigação vinculativa entre duas partes era que elas tivessem celebrado um acordo com uma mente séria e deliberada. Essa é a regra simples e geral sobre o assunto, tal como estabelecida por Voet e muitos outros juristas. [...] O que nos interessa principalmente, porém, é a regra geral [...]. Essa regra pode ser simplesmente enunciada da seguinte forma: um acordo entre duas ou mais pessoas celebrado com seriedade e deliberação é executável por ação judicial. [...] O importante, porém, é que estamos de acordo com a regra geral de que os acordos celebrados com seriedade e deliberação são executáveis [289] por lei.”
126. Adiante designado pela sigla RCP.
127. Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. supra referida.
128. Ref. Elect. 19387039.
129. Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.