REVISTA
REVISTA EXCEPCIONAL
ADMISSIBILIDADE
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
RATIFICAÇÃO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
CASO JULGADO
INIMPUGNABILIDADE
Sumário


I – O acórdão recorrido ao considerar que deveria ter sido fixado prazo aos administradores do condomínio que não subscreveram a contestação de 21 de Maio de 2019 para a sua ratificação – e não o ordenado desentranhamento dessa peça processual -, seguindo-se depois os termos previstos no artigo 27.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, consoante existisse, ou não, ratificação do processado ou ulterior apresentação de nova contestação (subscrita por todos os administradores), bem como os subsequentes termos processuais pertinentes, com prolação de nova decisão final - julgando-se logicamente prejudicado o conhecimento do mérito da apelação -, reveste neste tocante a natureza de decisão interlocutória de cariz exclusiva ou eminentemente processual, não se tratando de uma decisão final.
II – Assim sendo, não se verifica neste ponto o requisito essencial para a admissibilidade da revista consignado no nº 1, do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil, pelo que a sua impugnabilidade estaria, em qualquer circunstância, limitada à verificação das situações previstas nas alíneas a) e b), do nº 2, do artigo 671º, do Código de Processo Civil.
III - A contradição de julgados entre decisões interlocutórias de natureza estritamente processual poderá, em termos excepcionais, levar à admissão da revista se o acórdão fundamento apresentado pelo recorrente houver sido proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, o que acontece como desvio à regra estabelecida no nº 1 do artigo 671º do CPC, tal como se prevê na alínea b) do nº 2 da mesma disposição legal.
IV – A referência no artigo 671º, nº 1, e nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil, em bloco, às situações em que é sempre admissível recurso, limita-se aos casos previstos nas alíneas a) b) e c) do nº 2 do artigo 629º, e não na alínea d) desse preceito, a qual entendida como abrangendo as decisões interlocutórias de natureza exclusiva ou eminentemente processual estaria necessariamente em contradição aberta, frontal e insanável com a regra especial da alínea b) do nº 2 do artigo 671º do CPC.
V - Não havendo a recorrente indicado um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto acórdão fundamento demonstrativo da pretensa contradição de julgados, não há lugar, por este motivo e nesta parte, ao conhecimento do objecto do recurso, que se julga findo nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b) e 679º, do Código de Processo Civil.
VI – Não há ofensa ao caso julgado, que habilitaria a interposição da revista nos termos do artigo 629º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil, relativamente ao despacho onde apenas se refere que haveria que permitir a representação em juízo do condomínio Réu (e não da administração do mesmo, face ao disposto no art.º 1437º do Código Civil na sua nova redacção) nas pessoas dos seus administradores identificados e em que se ordena nova citação do Réu, em confronto com o acórdão recorrido em que se considerou que a inadmissibilidade da contestação apresentada pelos administradores resulta directamente da omissão de cumprimento pelo juiz a quo do disposto no artigo 27º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, afirmando-se – o que o mencionado despacho não contraria – que o Condomínio Réu deveria encontrar-se representado em juízo pela totalidade dos seus administradores, bem como que se justificava a regularização oficiosa da situação pelo juiz da causa nos termos do artigo 28º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil (que não teve lugar).
VII – A que acresce também o facto de o dito despacho, em que o recorrente assente na alegada ofensa ao caso julgado que habilitaria a admissibilidade da presente revista nos termos do artigo 629º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil, não comportar a interposição de apelação autónoma, dado que a decisão nele proferida não se integra em qualquer das alíneas do nº 1 do artigo 644º do Código de Processo Civil (obedecendo antes ao regime consignado no nº 3 da mesma disposição final), não sendo assim viável, nestas especiais circunstâncias, a pretensa constituição de caso julgado formal.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção-Cível).

I - RELATÓRIO.

Instauraram AA, BB e Interconfor – Decorações de Interiores, Lda., na qualidade de condóminos, a presente acção comum de declaração contra Condomínio do prédio sito na Quinta ..., ..., ..., Rua 1, em Lisboa.

Pediram que fosse declarado que o procedimento da Ré e plasmado nas cartas de 26 de Dezembro de 2018 e 7 de Janeiro de 2019 é nulo, ilegal e violador dos direitos dos AA.; que sejam declaradas nulas e de nenhum efeito as sanções aplicadas aos AA. pelas cartas de 26 de Dezembro de 2018 e de 07 de Fevereiro de 2019; que seja a Ré condenada como litigante de má-fé em multa e indemnização de pelo menos, trinta mil euros.

Contestou o formalmente enunciado “Condomínio do Edifício sito na Rua 1”, representado pelos seus (assumidos) administradores CC e DD.

Os AA. apresentaram réplica.

Notificada para juntar aos autos a competente procuração forense (já que a que estava nos autos não se mostrava regular), veio a mesma a ser junta em 6 de Maio de 2022 em nome do condomínio do edifício E/F do prédio sito na Rua 1, representado pelos seus administradores DD e EE.

Foi, então, proferido despacho em 7 de Julho de 2022 que considerou assentes os seguintes factos:

1. Com data de 26 de Dezembro de 2018 foi remetido a cada um dos AA. pelo “Condomínio do prédio sito na Quinta ... ...- ...– NIF ... ... .70 Rua 1– ... Lisboa” carta cuja cópia se encontra junta como doc. 1, 2 e 3 da PI, da qual consta que “por decisão dos administradores dos blocos E e F do prédio na Rua 1, em Lisboa, de 26.12.2018, foi decidido aplicar-lhe a sanção prevista no Regulamento do condomínio, nos termos do auto que se junta e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido que à data de 28 de Dezembro de 2018 ascende a 59.039,91€ e que se actualizará diariamente à razão de 279,81e, até que cesse actividade de restauração e sejam os prédios restituídos ao estado anterior às obras e início de funcionamento do restaurante ...….”

2. Tal carta encontra-se assinada através de três rubricas não identificadas.

3. Com data de 17 de Outubro de 2002, FF, na qualidade de sócio gerente e em representação de “FF, Limitada” outorgou escritura pública de constituição de propriedade horizontal na qual declarou que “À Sociedade sua representada pertence o prédio urbano, sito em Lisboa, no ..., Quinta ..., designado por ..., freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa, descrito na Sétima Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... - freguesia do Lumiar; (…) que a área do referido prédio é de quatro mil novecentos e vinte e sete metros quadrados e trinta decímetros, e é constituída por cento e oitenta fracções para venda por andares…”– certidão de fls. 155.

4. Do documento complementar elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do código do Notariado, cuja certidão consta de fls. 157 e ss. e aqui se dá por inteiramente reproduzido consta que “o Prédio tem área de quatro mil novecentos e vinte e sete metros quadrados e trinta decímetros, sendo o EDIFÍCIO A/B composto de …EDIFÍCIO C/D composto de …edifício e/f composto de … O prédio é constituído por cento e oitenta fracções para venda por andares” .

5. Encontra-se junto aos autos a fls. 89 v.º e ss. o “Regulamento do condomínio” do qual consta, designadamente que:

“artigo 1º

1.O presente Regulamento e seus anexos, que dele fazem parte integrante, são aplicáveis ao prédio urbano sito na Rua 1, freguesia do Lumiar, em Lisboa, descrito na Sétima Conservatória do Registo predial sob o n.º ..75, constituído em regime de propriedade horizontal nos termos da inscrição G-dois, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do Lumiar sob o n.º ..07 do Décimo Primeiro Serviço de finanças de Lisboa.

Artigo 2º

O prédio urbano referido no artigo 1º é composto pelos Blocos geminados A/B, C/D e E/F, cada um subdividido em dois edifícios, designados pelas letras de A a F, que se sucedem no sentido Poente-nascente da Rua 1.

Artigo 28º

1. Os administradores são eleitos pela Assembleia para mandatos de dois anos, renováveis.

2. A eleição deve recair em dois Condóminos por cada edifício, limitando-se um deles a suprir as ausências do outro.

(…)”

6. No dia onze de Outubro de 2018 reuniu a Assembleia extraordinária de condóminos do Edifício ..., condomínio do Prédio sito na Quinta ..., ..., Rua 1, tendo sido lavrada a acta n.º 20 – conforme doc. de fls. 151/152.

7. No dia trinta e um de Maio de 2019 reuniu a Assembleia Geral ordinária de condóminos do Edifício ..., condomínio do Prédio sito na Quinta ..., ..., Rua 1, tendo sido lavrada a acta n.º 21 – conforme doc. de fls. 214 v.º a 219.

8. No dia vinte e quatro de Março de 2017 reuniu a Assembleia Geral ordinária de condóminos do Edifício ..., condomínio do Prédio sito na Quinta ..., ..., Rua 1, tendo sido lavrada a acta n.º 17 – conforme doc. de fls. 221 v.º a 227.

9. Aos doze dias do mês de Janeiro do ano de dois mil e vinte e dois, reuniu a Assembleia geral ordinária dos condóminos do prédio em regime de propriedade horizontal, sito nos n.ºs ... da Rua 1, em Lisboa, tendo sido lavrada a acta n.º 20 – conforme doc. de fls. 321/324.

Na sequência deste despacho e face à factualidade assente, proferiu-se, em 1 de Março de 2023, despacho pelo qual se concluiu que “de acordo com o regulamento do condomínio, este é constituído pelos blocos A/B, C/D e E/F e que a administração é composta por 2 condóminos de cada edifício.

Ora, o que se verifica é que, apesar de ter sido citada a “administração do condomínio do prédio sito na Quinta ..., ..., ..., Rua 1, ... Lisboa”, veio apresentar contestação o “condomínio do edifício sito na Rua 1, representado pelos seus administradores”.

Da documentação junta, como se referiu, resulta que o contestante não tem existência jurídica, sendo apenas parte do condomínio constituído pelos blocos A/B, C/D e E/F.”

Assim, determinou-se nova notificação do condomínio do prédio sito na Quinta ..., ..., ..., Rua 1, ... Lisboa (e não da administração do mesmo, face ao disposto no art.º 1437º do Código Civil na sua nova redacção), para em 20 dias ratificar os actos praticados nos autos pelo contestante, juntando a competente procuração forense assinada pelos administradores nos termos do regulamento do condomínio, sob pena de ser desentranhada a contestação junta aos autos com as legais consequências.

Entretanto, veio a ser proferido novo despacho datado de 6 de Dezembro de 2023, nos seguintes termos:

“Vem a presenta acção intentada contra “administração do condomínio do prédio sito na Quinta ..., ..., ..., Rua 1, ... Lisboa”.

Peticionam que:

1. Seja declarado que o procedimento da Ré e plasmado nas cartas de 26 de Dezembro de 2018 e 07 de Janeiro de 2019 é Nulo, Ilegal e Violador dos direitos dos AA.

2. Declaradas nulas e de nenhum efeito as sanções aplicadas aos AA. pelas cartas de 26 de Dezembro de 2018 e de 07 de Fevereiro de 2019.

3. Condenada esta como litigante de má-fé em multa e indemnização de pelo menos, trinta mil euros.

Apresenta contestação o “condomínio do Edifício sito na Rua 1, representado pelos seus administradores CC e DD”.

Resulta dos autos que, de acordo com o regulamento do condomínio, este é constituído pelos blocos A/B, C/D e E/F, sendo que a acção apenas foi contestada pelo “condomínio do edifício sito na Rua 1, representado pelos seus administradores”, a que corresponderão os edifícios E/F.

Assim, a fim de permitira representação em juízo do condomínio Réu, cite o R., devendo entender-se que se trata do condomínio do prédio sito na Quinta ..., ..., ..., Rua 1, ... Lisboa (e não da administração do mesmo, face ao disposto no art.º 1437º do Código Civil na sua nova redacção), nas pessoas dos seus administradores identificados no requerimento que antecede.

Para melhor esclarecimento junte cópia do despacho de 07.07.2022, de 16.10.2023 e deste despacho”.

Após várias diligências, no sentido de lograr a identificação e notificação dos representantes do condomínio, veio a ser junta aos autos outra (nova) contestação, em 14 de Março de 2024, pelos assumidos legais representantes dos edifícios A, B, C, e D do condomínio Réu.

Alegaram essencialmente:

Havendo necessidade, por parte de todos os edifícios (blocos A/B, C/D e E/F), de continuarem o seu quotidiano e a gerir/governar e até a executar obras de conservação, desde essa altura que a gestão/administração,nomeadamente a tomada de decisões de gestão corrente e respeitantes a cada um dos blocos de edifícios, são realizadas individualmente bloco a bloco.

Destarte, desconhecemos Administradores dos edifícios A,B, Ce Dos factos enunciados na Petição Inicial por ignorarem as cartas juntas, sejam as enviadas sejam as recebidas, o seu enquadramento, etc., uma vez que só tomaram conhecimento com a presente citação.

Tendo os legais representantes dos Edifícios A, B, C, e D sido citados, na qualidade de legais representantes de cada um dos edifícios, vêm responder em conformidade o que passam desde já a fazer.

Desconhecem os legais representantes dos edifícios A, B, C e D se foi tomada qualquer deliberação pela Administração dos Edifícios E e F após a cisão que se deu em finais de 2018 e se concretizou já em 2019.

Têm os representantes legais dos edifícios A, B, C e D conhecimento de que no decorrer do ano de 2018, e ainda no curso da anterior configuração de funcionamento da administração, foram abordadas pelos então administradores dos Edifícios E e F questões que se prendiam com a instalação de um “restaurante” numa das frações pertencente a esse bloco de edifícios (E/F).

Essa fração seria de propriedade dos aqui Autores.

A concretização da separação iniciada em finais de 2018 operou-se a partir da realização da AG acima referida não existindo na ata correspondente a mais ínfima referência ao assunto aqui em crise.

Assim, e desde 31 de maio de 2019, não mais se realizaram quaisquer assembleias de condóminos (ordinárias ou extraordinárias) com a participação da globalidade dos edifícios como vinha sendo feito desde sempre.

Concretamente, e em relação aos factos aqui em crise (aplicação de uma sanção aos Autores nos termos do Regulamento do Condomínio aqui Réu com primórdio numa carta datada de 26 de dezembro de 2018), nada sabem os legais representantes dos edifícios A, B, C e D.

Os legais representantes dos edifícios A, B, C e D não acompanharam nem lhes foi dado qualquer conhecimento da tramitação (cartas enviadas e recebidas), fundamentos, etc., que terão dado origem à aplicação de tal sanção.

Sabem agora, depois de citados nos presentes autos, que na génese de tais procedimentos estará a aplicação do Regulamento do Condomínio aqui Réu por tal resultar dos documentos juntos, mas é só. os alegados factos aqui em crise não foram praticados pelos legais representantes dos edifícios A, B, C e D, agora citados, tal qual acima já melhor se enquadrou, e no seguimento à cisão que em determinado momento (finais do ano de 2018) teve início no que respeita à administração/gestão corrente dos edifícios (por blocos).

Destarte, e como até é do conhecimento expresso dos Autores, relativamente à causa de pedir e aos pedidos por estes formulados nos presentes autos, desconhecem os legais representantes dos edifícios A, B, C e D a sua essência.

Termos em que, deve:

a) Seja julgada improcedente a presente acção, por não provada, com todas as legais consequências, absolvendo o Réu dos pedidos formulados no Petitório Inicial.

b) Ser o Réu absolvido do pedido de condenação como litigante de má fé, do pagamento da multa e indeminização peticionada, ou se assim não se entender, tal absolvição incidir parcialmente sobre os edifícios A, B, C e D do Réu que nenhuma intervenção tiveram nos factos aqui em crise.

Realizada nova Audiência Prévia, a pedido do primitivo contestante, foram discutidos os termos do litígio.

Foi seguidamente proferida sentença onde se considerou que a contestação apresentada em 21 de Maio de 2019, por ser apresentada por quem não tem existência jurídica, não representa o condomínio do prédio sito na Quinta ..., ..., ..., Rua 1, ... Lisboa, motivo pelo qual se determinou o desentranhamento da mesma.

Mais se referiu:

Na sequência dos anteriores despachos, acima referidos, tentou-se sanar a falta de existência jurídica do contestante, mediante a citação dos demais representantes do condomínio.

Considerando que veio a ser apresentada nova contestação pelos legais representantes dos edifícios A, B, C, e D, da qual decorre que não ratificam os actos praticados, outra não pode ser a decisão senão aquela já referida no despacho de 1 de Março de 2023.

Assim, considera-se que a contestação apresentada em 21 de Maio de 2019, por ser apresentada por quem não tem existência jurídica, não representa o condomínio do prédio sito na Quinta ..., ..., ..., Rua 1, ... Lisboa, motivo pelo qual determinou-se o desentranhamento da mesma.

Tendo em atenção a ausência de contestação nos termos do artigo 567º, nº 1, do Código de Processo Civil, julgou-se ainda procedente a presente acção e, em consequência, declarou-se que o procedimento plasmado nas cartas de 26 de Dezembro de 2018 e 7 de Fevereiro de 2019 não emanou do condomínio do prédio sito na Quinta ... ...- ... – NIF ... ... .70 Rua 1 – ... Lisboa, não produzindo quaisquer efeitos.

Os contestantes de 21 de Maio de 2019 (em relação a cuja contestação fora ordenado o desentranhamento dos autos) interpuseram recurso de apelação.

Foi proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa acórdão, datado de 13 de Maio de 2025, que julgou procedente a apelação, revogando o despacho havia determinado o desentranhamento da contestação de 21 de Maio de 2019, ordenando-se que fosse substituído por outro que, considerando processualmente admissível a apresentação da contestação de 14 de Março de 2024, fixasse então prazo aos administradores que não a subscreveram para a ratificarem, seguindo-se depois os termos previstos no art. 27.º n.º2 do Código de Processo Civil, consoante exista, ou não, ratificação do processado ou ulterior apresentação de nova contestação (subscrita por todos os administradores), bem como os subsequentes termos processuais pertinentes, com prolação de nova decisão final (precedida, ou não, conforme o que se vier a revelar necessário, de produção de prova); julgou-se ainda prejudicado o conhecimento da apelação interposta contra a decisão que, conhecendo de mérito, julgou procedente a presente acção.

Vieram os AA. interpor recurso de revista normal e, a título subsidiário, excepcional, apresentando as seguintes conclusões:

A) O presente recurso é interposto do Douto Acórdão da Relação de Lisboa que revogou o Despacho proferido em 1.ª instância que determinava o desentranhamento da contestação apresentada em 21 de Maio de 2019.

B) Embora formalmente se trate de uma decisão interlocutória, a decisão da Relação versa diretamente sobre a validade da intervenção de uma parte cuja existência jurídica é impugnada e, portanto, sobre uma questão de fundo essencial: a legitimidade do “condomínio dos edifícios E/F”.

C) A questão da existência jurídica dessa entidade — central à causa — foi indevidamente resolvida pela Relação em sentido contrário a decisão anterior com trânsito em julgado desta mesma Relação, no processo n.º 19815/19.0T8LSB.L1.2, onde se reconheceu expressamente a sua inexistência.

D)Por isso, mesmo que se entenda tratar-se de uma decisão interlocutória, deve admitir-se recurso de revista excecional, nos termos do artigo 672.º, n.º 1, alínea b) e c), do CPC, por estarmos perante uma questão de especial relevância jurídica e com contradição entre julgados.

E) O Acórdão recorrido incorre em nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC por falta de fundamentação clara sobre a razão de considerar o “condomínio dos edifícios E/F” como uma entidade juridicamente válida, desvalorizando o acórdão anterior com efeito de caso julgado.

F) A decisão da Relação contraria o caso julgado formado pelo despacho de 11/12/2023, transitado em julgado, que identificou com precisão o Réu — o condomínio do prédio sito na Rua 1 — e os respetivos administradores, sem que tal tenha sido impugnado.

G) O Acórdão recorrido aceita como válida uma contestação apresentada por entidade que não representa legalmente o Réu, e que apenas abrange parte de um dos edifícios do complexo, o que configura violação do artigo 1437.º do Código Civil, e, portanto, de normas de direito substantivo.

H) A decisão da Relação admite a ratificação de atos praticados por uma entidade inexistente, o que colide com os artigos 1414.º, 1415.º e 1437.º do Código Civil, pois só entidades com existência jurídica podem ser representadas e praticar atos processuais válidos

I) Acresce que a decisão da Relação conheceu de fundamentos que nunca foram invocadosnasalegaçõesde recurso pela parte Ré, designadamente a alegada falta de fixação de prazo de ratificação pelo tribunal de 1.ª instância, violando o artigo 635.º, n.º 4 do CPC.

J) Tal atuação configura excesso de pronúncia o que configura uma decisão surpresa que constitui nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

K) A intervenção do tribunal ad quem baseou-se numa construção jurídica autónoma, nunca submetida ao debate das partes, substituindo-se à atividade argumentativa da parte Ré e criando um fundamento novo para revogação da decisão, fora do objeto do recurso.

L) A presente revista deve ser admitida, pois a questão jurídica em análise — sobre a existência, estrutura e representação dos condomínios compostos por edifícios/blocos autónomos — carece de clarificação jurisprudencial, com implicações práticas relevantes no atual contexto urbano.

M) Termos em que deve ser admitido e julgado procedente o presente recurso de revista, com a revogação do acórdão recorrido e reposição da decisão da 1.ª instância que determinou o desentranhamento da contestação apresentada em 21/05/2019, por falta de representação válida do Réu.

Não houve contra-alegações.

II – FACTOS PROVADOS.

Os indicados no RELATÓRIO supra.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

I – (In)admissibilidade da revista face à natureza de decisão interlocutória, de cariz exclusiva ou eminentemente processual, integrada do acórdão recorrido.

II – Inadmissibilidade da revista excepcional interposta ao abrigo do disposto no artigo 672º, nº 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil.

III – Admissibilidade da revista com fundamento na previsão da alínea a) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil (alegação de ofensa ao caso julgado). Apreciação da invocada constituição de caso julgado formal nos presentes autos.

Passemos à sua análise:

I – (In)admissibilidade da revista face à natureza de decisão interlocutória, de cariz exclusiva ou eminentemente processual, integrada do acórdão recorrido.

O acórdão recorrido ao considerar que foi indevidamente omitido e que, por isso, deve ser fixado prazo aos administradores que não subscreveram a contestação de 21 de Maio de 2019 para a ratificarem, seguindo-se depois os termos previstos no artigo 27.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, consoante existisse, ou não, ratificação do processado ou ulterior apresentação de nova contestação (subscrita por todos os administradores), bem como os subsequentes termos processuais pertinentes, com prolação de nova decisão final (precedida, ou não, conforme o que se vier a revelar necessário, de produção de prova) - julgando-se logicamente prejudicado o conhecimento da apelação -, reveste indubitavelmente a natureza de decisão interlocutória de cariz exclusiva ou eminentemente processual, não se tratando, como se nos afigura óbvio, de uma decisão de natureza final (nem conhece de mérito, total ou parcialmente, nem põe termo à causa).

Não se verifica, nestes termos, o requisito essencial para a admissibilidade da revista consignado no nº 1, do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil.

(Sobre este ponto, vide Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2022, 7ª edição, a página 404).

Assim sendo, a sua impugnabilidade em sede de revista está, em qualquer circunstância, limitada à verificação das situações previstas nas alíneas a) e b), do nº 2, do artigo 671º, do Código de Processo Civil.

(Vide, a este propósito e entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 2024 (relator Nelson Borges Carneiro), proferido no processo nº 1607/21.8T8GRD.C1.S1 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2024 (relator Nuno Pinto de Oliveira), proferido no processo nº 7074/15.8T8LSB-G.L1-A.S1, ambos publicados in www.dgsi.pt).

Neste contexto, importa referir que a lei afasta a competência do Supremo Tribunal de Justiça quanto ao conhecimento de decisões interlocutórias de natureza exclusiva ou eminentemente processual, ainda que se invoque, como seu fundamento, a contradição entre acórdãos do Tribunal da Relação.

Ao invés, a contradição de julgados entre decisões interlocutórias de natureza estritamente processual poderá, em termos excepcionais, levar à admissão da revista se o acórdão fundamento apresentado pelo recorrente houver sido proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, o que acontece como desvio à regra estabelecida no nº 1 do artigo 671º do CPC, e tal como expressamente se prevê na alínea b) do nº 2 da mesma disposição legal.

Este é o enquadramento legal que foi concebido pelo legislador e a que há necessariamente que atender, independentemente do entorse constituído pela confusa e equívoca remissão que está consignada – de forma infeliz em termos da sua generalização – na alínea a) do nº 2 do artigo 671º do CPC, proporcionando desse modo a (despropositada e descabida) avocação da alínea d) do nº 2 do artigo 629º do CPC.

Cumpre, a este propósito, tomar em consideração que o artigo 629º, nº 2, alínea d), do CPC constitui a recuperação do artigo 678º, nº 4 do Código de Processo Civil de 1961 (introduzido pelo Decreto-lei nº 329-A/95 de 12 Dezembro), promovida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, face à sua anterior eliminação pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.

O Decreto-lei nº 375-A/99, de 20 de Setembro, viera inovatoriamente contemplar a possibilidade de recurso de agravo em 2ª instância em caso de contradição de julgados com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ou qualquer Relação.

(Constava do respectivo preâmbulo:

“Também em matéria de recursos, como medida mais incisiva, avança-se na supressão dos agravos continuados para o Supremo relativos a decisões interlocutórias, alterando-se, nesse sentido, o n.º 2 do artigo 754.º.

Neste domínio, fica sempre aberta a admissibilidade de recurso nos casos de divergência previstos na ressalva constante daquele normativo.

Importa, com efeito, restituir ao Supremo Tribunal de Justiça a sua fisionomia de tribunal vocacionado para a interpretação e aplicação da lei substantiva, salvaguardando, no entanto, e ao menos por ora, a sua intervenção quando a decisão sobre lei adjectiva puser termo ao processo”)

Com a reforma introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foi revogado, por um lado, o nº 4 do artigo 678º, e, por outro, o artigo 754º, nº 2, este na decorrência do desaparecimento da figura dos agravos e da preferência do legislador por um sistema monista de recursos.

Estas duas normas contemplavam situações processuais de natureza diversa que não se confundiam (o artigo 678º, nº 4, respeitava à admissibilidade do recurso em geral – tal como o artigo 629º, nº 2, alínea d) – e a sua aplicação dependia da circunstância de “não caber recurso ordinário por motivos estranhos à alçada do tribunal”; o artigo 754º, nº 2, permitia a interposição do recurso de revista em matéria de recursos de agravo perante a contradição de julgados entre acórdãos do Supremo ou da Relação, sem qualquer condicionante para além da anterior fixação de jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça).

A contradição de julgados passa, nessa altura, a ter a sua sede no artigo 721º, nº 1, alínea c), respeitante aos pressupostos da admissibilidade da revista excepcional; no artigo 732º-A, respeitante à revista ampliada; e no artigo 763º relativo ao recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência.

Neste contexto, o artigo 721º, nº 5, passou então a prever a impugnação das decisões interlocutórias com a sentença, nos termos do artigo 691, nº 3, e vedou expressamente o acesso, imediato e autónomo, ao Supremo Tribunal de Justiça relativamente a decisões interlocutórias proferidas pelo Tribunal da Relação.

A revisão do Código de Processo Civil introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, não quis assumidamente introduzir modificações estruturais ou sensíveis na grande e verdadeira reforma em matéria de regime dos recursos civis que fora empreendida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.

Embora renascendo a consagração da contradição de julgados como fundamento da admissibilidade do recurso de revista no artigo 629º, nº 2, alínea d), do CPC, tal redundou, não obstante, numa abertura tímida e muitíssimo limitada, encontrando-se reservada apenas para os casos em que existisse, enquanto seu pressuposto de aplicação, norma especial de irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça.

(Sobre este ponto concreto, isto é, a aplicabilidade do artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil restrita às situações em que o recurso de revista se encontrasse excluído por força de disposição legal especial que impedisse o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça - o que manifestamente não sucede na situação sub judice, uma vez que nos encontramos perante uma acção comum declarativa (em que se pede a anulação de um determinado acto imputável ao condomínio, deliberado na respectiva assembleia de condóminos) que comporta, de forma não condiciona, a admissibilidade de recurso em todos os graus, verificados que sejam todos os pressupostos gerais de recorribilidade -, vide as situações típicas previstas nos artigos 370º, nº 2 (procedimentos cautelares); 854º (recursos em processo executivo); 988º, nº 2, do Código de Processo Civil (decisões proferidas com base em critérios de oportunidade e conveniência em processos de jurisdição voluntária); no artigo 45º, nº 3, do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-lei nº 110/2018, de 10 de Dezembro; no artigo 65º, nº 2, do Código das Expropriações (relativamente à fixação do montante das indemnizações a pagar pela entidade expropriante) e paralelamente, em matéria de insolvência, relativamente às decisões proferidas nesse âmbito e dos respectivos embargos, o artigo 14º, nº 1, do CIRE, assente igualmente na excepcionalidade do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, salvo demonstrando-se contradição de julgados (inclusive entre acórdãos do Tribunal da Relação).

Em termos jurisprudenciais e quanto a esta concreta temática - relativa ao âmbito limitado de aplicação do artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil - vide, entre muitos outros:

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2015 (relator Gabriel Catarino), proferido no processo nº 3709/12.2YYPRT.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 2014 (relator Abrantes Geraldes), proferido no processo nº 542/14.0YLSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Junho de 2021 (relator Luís Espírito Santo), proferido no processo nº 92/13.2TBPNC-F.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 2020 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 824/17.0T8PTL-A.G1.A.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2021 (relatora Fátima Gomes), proferido no processo nº 25585/19.6YIPRT.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2021 (relatora Clara Sottomayor), proferido no processo nº 1320/17.8T8CBR.C1-A.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 2021 (relator Jorge Dias), proferido no processo nº 23839/15.8T8LSB-A.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2022 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 17315/16.9T8PRT.L3.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2021 (relatora Leonor Rodrigues), proferido no processo nº 2498/03.6TTPRT-D.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2018 (relatora Rosário Morgado), proferido no processo nº 810/13.9LSD.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 2024 (relator Luís Espírito Santo), proferido no processo nº 23994/16.0T8LSB-E.L1-A.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2020 (relatora Graça Trigo), proferido no processo nº 100098/18.7TYIPRT.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 2025 (relatora Isabel Salgado), proferido no processo nº 2311/18.0T8PTM-F.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt.).

Ou seja, o próprio âmbito do artigo 629º, nº 2, alínea d), do CPC é assumidamente restrito e não genérico, não bulindo com o novo espírito corporizado na reforma (esta sim muito significativa) introduzida no panorama jurídico nacional pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.

De resto, nunca o legislador na Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, ao recuperar o que se dispunha no artigo 678º, nº 4, do CPC, teve o menor propósito de repristinar o regime do anterior 754º, nº 2, tal como existia antes dessa mesma reforma de 2007.

Assim sendo, tomando em consideração toda a descrita evolução histórica, cumpre concluir que a regra geral vigente para a generalidade das situações reside no artigo 671º que, no seu nº 1, veda o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça quanto a decisões interlocutórias de natureza exclusiva ou eminentemente processual.

Porém, sem colocar em crise este pressuposto, o nº 2 do mesmo preceito abre timidamente a porta à revista, fazendo-o, porém, de forma perfeitamente excepcional e em termos muito apertados, isto é, apenas e só quando a alegada contradição se verifica com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

Parece, portanto, lógico concluir que em matéria de decisões interlocutórias, de natureza estritamente processual, rege o artigo 671º, nº 1, e nº 2, alínea b), do CPC, havendo de entender a referência em bloco às situações em que é sempre admissível recurso a todos os casos do nº 2 do artigo 629º (nº 2, alíneas a), b) e c), com excepção da alínea d) a qual a ser entendida como abrangendo as decisões interlocutórias de natureza processual estará necessariamente em contradição aberta, frontal e insanável com a regra especial da alínea b) do nº 2 do artigo 671º do CPC.

Por razões de coerência sistemática e interpretação da racional da (presumidamente) sensata vontade legislativa, não se pode aceitar que o mesmo legislador de 2013 que entendeu destinar à matéria da fixação da admissibilidade da revista relativamente a decisões interlocutórias de natureza processual - no novo artigo 671º, nº 2, alínea b) -, um regime altamente restritivo (salvaguardando apenas a contradição qualificada com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça), entendesse afinal, ao redigir a mesma disposição legal e de forma nitidamente contraditória, avocar a aplicação da alínea d) do nº 2 do artigo 629º quanto a esta mesma matéria, tornando incompreensivelmente inútil a limitação que havia feito e alargando inexplicavelmente e de forma totalmente incoerente a contradição de julgados quanto a decisões desta natureza aos acórdãos do Tribunal da Relação (e, por maioria, a um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - que a alínea b) do nº 2 do 671º já havia selectivamente escolhido como critério decisivo e diferenciador em matéria de admissibilidade da revista e que, nesses inopinados termos, deixaria incompreensivelmente de fazer qualquer sentido).

Isto rompendo ainda com o regime geral resultante da reforma empreendida do Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, que o legislador proclamou não querer modificar, no seu essencial, e que, a aceitar-se, constituiria um evidente e perturbador paradoxo.

Sobre esta matéria e neste mesmo sentido, vide:

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 2025 (relator Nelson Borges Carneiro), proferido no processo nº 5598/22.0T8VNG.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 2025 (relator Luís Correia de Mendonça), proferido no processo nº 18809/23.5T8LSB-B.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Janeiro de 2022 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 667/07.9TBPTL.G3.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2022 (relator Jorge Arcanjo), proferido no processo nº 575/05.8TBCSC-W.L1-A.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2023 (relatora Ana Resende), proferido no processo nº 115/16.3T8VNL-B.G1.-A.S1, publicado in www.dgsi.pt., onde pode ler-se:

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Novembro de 2023 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 19749/19.8LSB-D.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt.;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2019 (relator José Rainho), proferido no processo nº 704/18.1AGH-A.L1.S2, publicado in www.dgsi.pt.;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 2020 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 6333/15.4T8OER-A.L1S1, publicado in www.dgsi.pt.;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 2021 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo nº 3448/10.9TBVCD-E.P1S1, publicado in www.dgsi.pt.;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 2022 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 3450/20.2T8STS-A.P1S1, publicado in www.dgsi.pt.;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2023 (relator António Barateiro Martins), proferido no processo nº 8988/19.1T8VNG-D.P1S1, publicado in www.dgsi.pt.;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2025 (relator Luís Espírito Santo), proferido no processo nº 29258/13.3T2SNT-A.L1S1, publicado in www.dgsi.pt..

Perfilhando orientação diversa, e com menção à corrente jurisprudencial e doutrinária que a respalda, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 2025 (relator Jorge Leal), proferido no processo nº 32041/16.0T8CSB-L.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt).

Em suma, não havendo a recorrente indicado um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto acórdão fundamento demonstrativo da pretensa contradição de julgados imprescindível para a admissibilidade da revista, não há lugar, por este motivo e nesta parte, ao conhecimento do objecto do recurso, que se julga findo nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b) e 679º, do Código de Processo Civil.

Acresce ainda a tudo isto que o conceito técnico de contradição de julgados que habilitaria a interposição da revista pressupõe necessariamente que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, fossem rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, de modo a proporcionar a aplicação, em cada um deles, do mesmo regime legal em termos directamente conflituantes, com soluções de direito opostas e inconciliáveis que assim se contradizem.

O que significaria, na prática, que aplicada a posição adoptada no acórdão fundamento (sobre o ponto em conflito) ao acórdão recorrido o veredicto deste seria forçosamente diverso e favorável aos interesses do recorrente.

Ora, analisada a situação sub judice impõe-se concluir que inexiste qualquer hipótese de verdadeira contradição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão apresentado como acórdão fundamento.

Vejamos:

No acórdão recorrido apenas se discute do fundamento para a não admissibilidade da contestação apresentada por dois assumidos administradores do Condomínio R., sendo certo que se decidiu que a inadmissibilidade dessa peça processual não se justificava nem era fundada face ao incumprimento pelo juiz a quo do procedimento consignado nos artigos 27º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil.

No acórdão apresentado como fundamento foi decidida questão absolutamente diversa e autónoma relativamente a esta.

Os aí AA. – os mesmos assumidos administradores do Condomínio -, usando o processo especial de recurso de contencioso e em impugnação judicial, pretendiam unicamente que fosse decidida a inscrição no Registo Nacional de Pessoas Colectivas e como entidade equiparada a pessoa colectiva, do Condomínio E/F sito na Rua 1, em Lisboa, o que lhes foi negado.

Esclareça-se outrossim que a sua pretensão foi rejeitada nesse aresto através da seguinte argumentação essencial:

“(…) não se descortina a constituição ou a existência de um regime de propriedade horizontal que assente na autonomização de cada um dos blocos/edifícios que compõem o prédio abrangido pela propriedade horizontal, titulada pela escritura notarial de 17.10.2002, e registada sob a ap. 32 de 2002/11/05, do prédio descrito sob o n.º ..75 da freguesia do Lumiar, com a criação de um estatuto privado para cada um daqueles que lhes permita a constituição de uma realidade jurídica própria e independente.

Na ficha do prédio não foram destacados relativamente ao conjunto, os edifícios cuja independência e autonomia o Apelante reclama.
Não foram abertas fichas de cada um dos edifícios (enquanto descrições subordinadas e subordinantes), com referência às frações autónomas que seriam parte do edifício e o seu valor relativo, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do edifício.

Pelo contrário, do registo resulta um regime de propriedade horizontal unitário, que apesar de incidir sobre uma pluralidade de edifícios, assenta muito claramente num todo.

Da argumentação expendida, é mister concluir, como no parecer técnico do IRN proferido a propósito do caso em apreço, que, ainda que a lei permita, ao abrigo do disposto no artigo 1438.º-A do Código Civil, que, para além do edifício autónomo ou do grupo de edifícios estruturalmente ligados entre si, possam ser objeto de propriedade horizontal os conjuntos de imóveis urbanos materialmente descontínuos, mas funcionalmente ligados entre si através de elementos comuns, derrogando-se o destino jurídico unitário do prédio e permitindo a criação de um estatuto privativo para cada edifício, tal realidade tinha de estar espelhada no plano do registo.

Naturalmente, a pretendida inscrição no FCPC não poderá ser desligada e divergente desta realidade jurídica, do ponto de vista registal.
Não está demonstrada no registo predial a necessária autonomia estrutural dos vários edifícios pertencentes a um conjunto imobiliário, que permita a inscrição autónoma do condomínio respeitante a cada um deles, enquanto entidade equiparada a pessoa coletiva distinta daquela que já se encontra inscrita e identificada, que corresponde ao todo, ao prédio unitariamente constituído em regime de propriedade horizontal.

A prova de tal autonomia estrutural não dependia de qualquer produção de prova nos presentes autos, contrariamente ao que alega o Apelante”.

Ou seja, a questão processual versada no acórdão recorrido, isto é, o (in)cumprimento omitido do procedimento imposto no artigo 27º, nº 2, do Código de Processo Civil, nada tem a ver com a fundamentação jurídica que justificou a improcedência da impugnação judicial deduzida e a consequente não inscrição do Bloco E/F no Registo Nacional de Pessoas Colectivas.

Ou seja, no acórdão recorrido está unicamente em questão a necessidade de ratificação pelos restantes administradores do Condomínio indicado nos autos da contestação primeiramente apresentada, o que é absolutamente alheio ao facto de o Bloco E/F, representado pelos administradores que a subscreveram, estar ou não inscrito enquanto entidade equiparada a pessoa colectiva no Registo Nacional de Pessoas Colectivas.

No primeiro aresto entendeu-se que havia necessidade legal de a citação do Condomínio Réu passar pela intervenção no processo de todos os seus administradores (mormente através do instituto da ratificação de um acto praticado por dois deles – os do Bloco E/F); no segundo discutiu-se unicamente uma questão registral suscitada pelos administradores do Bloco E/F que visava que esta entidade fosse reconhecida como equiparada a pessoa colectiva, tendo sido judicialmente negada, o que não interfere nem conflitua minimamente com a decisão adoptada no acórdão recorrido.

Pelo que não se verificaria, em qualquer circunstância, a contradição de julgados exigida no artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil, pelo que tal norma nunca serviria para suportar a admissibilidade do presente recurso de revista.

Assim sendo, o presente recurso de revista é, neste tocante, inadmissível e, nessa medida, julga-se o mesmo findo, não havendo lugar ao conhecimento do respectivo objecto nesta parte, nos termos do artigo 652º, nº 1, alínea b) e 679º do Código de Processo Civil.

II – Inadmissibilidade da revista excepcional interposta ao abrigo do disposto no artigo 672º, nº 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil.

Subsidiariamente, vieram os recorrentes interpor revista excepcional.

Acontece que, em relação à apreciação da decisão de natureza interlocutória nos termos supra descritos, a inadmissibilidade da revista normal prejudica desde logo a interposição da revista excepcional, a qual constitui uma mera modalidade desta.

Ou seja, a admissibilidade da revista excepcional pressupõe a prévia verificação de todos os pressupostos gerais de recorribilidade, o que não se verifica na situação sub judice (concretamente o requisito da impugnabilidade).

Neste sentido, vide:

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Março de 2025 (relator Ferreira Lopes), proferido no processo nº 3346/22.3T8LRA-A.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2025 (relator Nelson Borges Carneiro), proferido no processo nº 158/18.2T8CSC.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2025 (relatora Maria Olinda Garcia), proferido no processo nº 104/22.9T8STS.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2024 (relator Aguiar Pereira), proferido no processo nº 7/24.2YLPRT.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2024 (relatora Clara Sottomayor), proferido no processo nº 371/23.0YLPRT.L1-A.S1, publicado in www.dgsi.pt.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Fevereiro de 2024 (relator Nuno Pinto de Oliveira), proferido no processo nº 4768/10.8TBLRA-B.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt.

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2020 (relator Raimundo Queiróz), proferido no processo nº 2255/17.2T8FAR.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 2020 (relator Lima Gonçalves), proferido no processo nº 1433/13.8TMLSB-H.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 2020 (relatora Catarina Serra), proferido no processo nº 709/09.6TBSSB.E1-A.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2020 (relator Tomé Gomes), proferido no processo nº 1534/15.8T8AGD-B.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 2020 (relator Fernando Samões), proferido no processo nº 32/18.2T8AGD-A.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 2020 (relator Acácio das Neves), proferido no processo nº 1319/14.9T8CBR-B.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 2023 (relatora Clara Sottomayor), proferido no processo nº 3370/22.6T8SNT-A..L1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2024 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 9507/19.5T8LSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2020 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 565/13.7TBAMT-G.P3.S1, publicado in www.dgsi.pt.

Pelo não há que tomar em consideração a interposição de revista excepcional.

III – Admissibilidade da revista com fundamento na previsão da alínea a) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil (alegação de ofensa ao caso julgado). Apreciação da invocada constituição de caso julgado formal nos presentes autos.

No âmbito do conhecimento do objecto da presente revista está alegadamente causa a impugnação de decisão que se traduziu em ofensa ao caso julgado, conforme prevenido no art.º 629º n.º 2 alínea a) do Código de Processo Civil.

Dispõe, com efeito, o artigo 629º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil:

“2. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

a) Com fundamento (…) na ofensa de caso julgado”.

Conforme refere Abrantes Geraldes, in, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 8ª edição, Almedina, 2024, página 64 e 51, a propósito da alínea a) do aludido n.º 2, do art.º 629º do Código de Processo Civil:

“(…) a admissibilidade excepcional do recurso não abarca todas as decisões que incidam sobre a excepção dilatória de caso julgado, mas apenas aquelas de que alegadamente resulte a “ofensa” do caso julgado já constituído, efeito que tanto pode emergir da assunção expressa de que a decisão recorrida não representa a violação de caso julgado, como do facto de ser proferida decisão sem consideração (ofensa implícita) do caso julgado anteriormente formado.

Esse efeito tanto pode emergir da assunção expressa de que a decisão recorrida não traduz essa ofensa (como ocorre quando se julga improcedente a excepção dilatória de caso julgado ou inverificado o efeito da autoridade de caso julgado), como do facto de ser proferida decisão sem consideração do caso julgado anteriormente formado, omitindo pronúncia a tal respeito (ofensa implícita).

Por conseguinte, esta regra especial aplica-se apenas aos casos em que seja julgada improcedente ou inverificada a excepção de caso julgado que, a ocorrer, determinaria a absolvição do réu da instância, assim como nas situações em que o tribunal considere que os efeitos da autoridade de caso julgado emanados de decisão proferida noutra acção não se repercutem na apreciação do mérito da segunda acção.

Já estão excluídas desta previsão especial as situações em que o juiz afirme a existência da excepção de caso julgado (e, consequentemente, absolvendo o réu da instância), ou se assumam, na apreciação do mérito da acção, os efeitos da autoridade de caso julgado emergente de outra decisão.

Nestes casos não se verifica qualquer violação do caso julgado, antes a prevalência de outra decisão já transitada em julgado, situação que fica sujeita às regras gerais sobre a recorribilidade (artº 629º nº 1) e oportunidade da impugnação (artºs 644º e 671º)”.

Escreveu-se a este propósito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 2025 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), proferido no processo nº 239/19.5T8AMR-B.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt:

“Como o Supremo Tribunal de Justiça tem também observado, repetidamente, saber se uma decisão judicial decidiu determinada questão com força de caso julgado implica, naturalmente, a respectiva interpretação. Para o efeito, a sua parte decisória há-de ser entendida à luz da fundamentação que apresenta (“é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado”, escrevem Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 1985, pág. 715, como se recorda no acórdão de 29 de Abril de 2010, www.dgsi.pt, proc. n.º 102/2001.L1.S1); “e carecem ainda de ser tidos na devida conta o contexto, os antecedentes e outros elementos que se revelem pertinentes (acórdão de 8 de Junho de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 25.163/05.5YLSB.L1.S1). Para além disso, e porque se trata de um acto formal, aliás particularmente solene, cumpre garantir que o sentido tem a devida tradução no texto (cfr., com o devido desenvolvimento, o acórdão de 3 de Fevereiro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 190-A/1999.E1.S1 e o acórdão de 25 de Junho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 351/09.9YFLSB)” – cfr, acórdão de 16 de Novembro de 2023, www.dgsi.pt, proc. n.º 1044/18.1T8VNF-A.G1.S1”.

No caso dos autos, está em discussão a pretensa ofensa ao decidido no despacho de 6 de Dezembro de 2023, onde pode ler-se:

“Vem a presenta acção intentada contra “administração do condomínio do prédio sito na Quinta ..., ..., ..., Rua 1, ... Lisboa”

Peticionam que:

4. Seja declarado que o procedimento da Ré e plasmado nas cartas de 26 de Dezembro de 2018 e 07 de Janeiro de 2019 é Nulo, Ilegal e Violador dos direitos dos AA.

5. Declaradas nulas e de nenhum efeito as sanções aplicadas aos AA. pelas cartas de 26 de Dezembro de 2018 e de 07 de Fevereiro de 2019.

6. Condenada esta como litigante de má-fé em multa e indemnização de pelo menos, trinta mil euros.

Apresenta contestação o “condomínio do Edifício sito na Rua 1, representado pelos seus administradores CC e DD”.

Resulta dos autos que, de acordo com o regulamento do condomínio, este é constituído pelos blocos A/B, C/D e E/F, sendo que a acção apenas foi contestada pelo “condomínio do edifício sito na Rua 1, representado pelos seus administradores”, a que corresponderão os edifícios E/F.

Assim, a fim de permitir a representação em juízo do condomínio Réu, cite o R., devendo entender-se que se trata do condomínio do prédio sito na Quinta ..., ..., ..., Rua 1, ... Lisboa (e não da administração do mesmo, face ao disposto no art.º 1437º do Código Civil na sua nova redacção), nas pessoas dos seus administradores identificados no requerimento que antecede.

Para melhor esclarecimento junte cópia do despacho de 07.07.2022, de 16.10.2023 e deste despacho”.

Já no acórdão recorrido foi referido a este propósito:

“A acção foi intentada pelos AA. contra «a administração do condomínio do prédio sito na Quinta ..., ..., ..., Rua 1, Lisboa», pretendendo que fosse declarado que o procedimento dessa administração, plasmado nas cartas por ela enviadas em 26/12/2018 e 7/2/2019, é nulo, assim como nulas são as sanções aplicadas mediante tais cartas.

É sabido que os pressupostos processuais se aferem, em princípio, mediante a relação processual configurada pelo autor na petição inicial.

No caso dos autos, os AA. indicam como R. a administração do condomínio do prédio sito na Rua 1, em Lisboa, sendo este condomínio que tem de estar em juízo, devidamente representado pelos seus administradores - cfr. arts. 1437.º do Código Civil e 12.º e) do Código de Processo Civil.

Ora, a contestação apresentada em 21/5/2019 foi subscrita apenas pelos administradores dos Blocos E e F (representados por i. mandatário), sendo certo que, em conformidade com o art. 28.º do regulamento do condomínio R. (constituído pelos edifícios A, B, C, D, E e F), a eleição dos administradores deve recair em dois condóminos por cada edifício, limitando-se um deles a suprir as ausências do outro.

Assim, impunha-se que o R. estivesse representado em juízo pela totalidade dos seus administradores, eleitos de acordo com aquele art. 28.º.

Note-se que não é caso de - ao contrário do que alega o apresentante da contestação de 21/5/2019 - o condomínio R. nunca ter existido (se assim fosse, não poderia, evidentemente, estar representado na acção). Com efeito, conforme resulta das actas de reunião de assembleia de condóminos de 24/3/2017, 11/10/2018 e 31/5/2019, o prédio sito na Quinta ... ..., na Rua 1, em Lisboa (portanto, com os blocos A, B, C, D, E e F), funcionou, pelo menos naquelas datas, como um condomínio, nos termos dos arts. 1414.º e 1415.º do Código Civil.

Se, entretanto, existiu, ou não, separação daquele condomínio em três condomínios parcelares, tal será já uma questão de mérito, que não contende com a questão - que nos ocupa - de identificação do R. e de verificação da regularidade da sua representação.

Portanto, como se disse, para que o R. se considerasse regularmente representado nos autos, em conformidade com os arts. 1437.º do Código Civil e 12.º e) do Código de Processo Civil e 28.º do regulamento do condomínio, teria de estar em Juízo representado por todos os seus administradores.

Como tal não aconteceu, o tribunal ordenou a citação dos restantes administradores (o que lhe incumbia, nos termos do art. 28.º do Código de Processo Civil), citação essa que foi efectuada, tendo sido, na sequência da mesma, apresentada nova contestação.

Ora, encontrando-se todos os administradores citados em representação de uma mesma entidade - o R. condomínio -, não lhes era lícito apresentarem duas contestações separadas e diversas, já que cada réu apenas pode apresentar uma contestação (cfr. arts. 569.º e ss. do Código de Processo Civil).

Tal lapso evidente decorreu, no entanto, de facto do próprio tribunal que, ao invés de citar os administradores (em falta) para a acção, mas fixando-lhes prazo para ratificarem os actos anteriormente praticados (cfr. art. 27.º n.º1 e 2 do Código de Processo Civil), simplesmente citou-os para, querendo, contestarem a acção.

Foi, assim, omitida pelo tribunal a fixação, aos administradores que não se encontravam ainda na acção, daquele prazo para ratificação, razão pela qual, não tendo corrido tal prazo, não pode considerar-se sem efeito a contestação de 21/5/2019.

E, mesmo depois de correr o prazo para ratificação, se a mesma não vier a ser efectuada, uma vez anulado o processado relativo à contestação, terá de ser concedido novo prazo para contestação, nos termos do citado art. 27.º n.º2 do Código de Processo Civil”

Vejamos:

Confrontando o teor do despacho proferido a 6 de Dezembro de 2023 e o acórdão recorrido, cumpre indubitavelmente concluir não existir qualquer ofensa ao caso julgado por via do veredicto perfilhado neste último acórdão.

Com efeito, no despacho proferido em 6 de Dezembro de 2023 não se considerou que a contestação apresentada pelos administradores CC e DD fosse processualmente inadmissível (o que só veio aliás a ser decidido precisamente na decisão judicial final que foi objecto de recurso de apelação).

Decidiu-se apenas nesse mesmo despacho que haveria que permitir a representação em juízo do Réu, enquanto condomínio do prédio sito na Quinta ..., ..., ..., Rua 1, ... Lisboa (e não da administração do mesmo, face ao disposto no art.º 1437º do Código Civil na sua nova redacção), nas pessoas dos seus administradores identificados no requerimento apresentado nos autos, pelo que se ordenou (precoce e erradamente) nova citação do Réu.

Ora, foi este concretamente o segmento objecto de revogação por parte do acórdão recorrido na medida em que a inadmissibilidade da contestação apresentada pelos administradores CC e DD resultou causalmente da omissão de cumprimento pelo juiz a quo do disposto no artigo 27º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “A incapacidade judiciária e a irregularidade de representação são sanadas mediante a intervenção ou a citação do representante legítimo do incapaz” (nº 1); “se estes ratificarem os actos anteriormente praticados, o processo segue como se o vício não existisse; no caso contrário, fica sem efeito todo o processado posterior ao momento em que a falta se deu ou a irregularidade foi cometida, correndo novamente os prazos para a prática dos actos não ratificados, que podem ser renovados (nº 2)”.

Ou seja, o que o acórdão recorrido afirmou – e o mencionado despacho não contraria expressa ou implicitamente – é que o Condomínio Réu deveria encontrar-se representado em juízo pela totalidade dos seus administradores, o que deveria ter sido objecto de regularização oficiosa pelo juiz da causa nos termos do artigo 28º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil (e não foi).

Pelo que do confronto entre o teor do dito despacho e o acórdão recorrido não resulta qualquer tipo de contradição.

De todo o modo, o despacho proferido em 6 de Dezembro de 2023, em que o recorrente assente na alegada ofensa ao caso julgado que habilitaria, a seu ver, a admissibilidade da presente revista, não comportava sequer a interposição de apelação autónoma, dado a decisão nele proferida não se integrar em qualquer das alíneas do nº 1 do artigo 644º do Código de Processo Civil, obedecendo ao regime consignado no nº 3 da mesma disposição final.

Assim sendo, não é viável, nestas especiais circunstâncias, a constituição de caso julgado formal, quando pelos motivos apontados, o despacho de 6 de Dezembro de 2023 – por não imediatamente recorrível – não poderia produzir tal efeito processual.

Pelo que a revista é negada.

IV – DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) negar provimento à revista do A., mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 13 de Novembro de 2025.

Luís Espírito Santo (Relator)

Eduarda Branquinho

Maria Olinda Garcia

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.