NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
NATUREZA URGENTE
Sumário


1- O que distingue a nulidade da sentença (acórdão ou despacho) por omissão ou excesso de pronúncia da nulidade por condenação ultra petitum é a circunstância da primeira se relacionar com os fundamentos do pedido – causa de pedir ou exceções (o tribunal não conheceu de todas as causas de pedir invocadas pelo autor para suportar o pedido que formulou ou de todas as exceções que foram invocadas pelas partes e cujo conhecimento não ficou prejudicado pela solução dada a outra questão de que conheceu, incorrendo em nulidade por omissão de pronúncia; ou conheceu de causa de pedir e/ou de exceção não invocada pelas partes e que não era de conhecimento oficioso, incorrendo em nulidade por excesso de pronúncia), enquanto a segunda prende-se com o pedido (o tribunal condenou na sentença, acórdão ou despacho em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido).
2- O exercício das funções que estão acometidas ao administrador da insolvência e que aquele tem de exercer com vista à máxima satisfação dos interesses dos credores da devedora, estão sujeitas a permanente fiscalização do tribunal e essas funções têm natureza estritamente pessoal, não podendo aquele delegar o exercício das mesmas, mas apenas podendo ser ajudado/coadjuvado no seu desempenho, por advogados, técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, mas quando recorra a esses auxiliares tal está dependente de prévia autorização da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão.
3- O carácter urgente atribuído ao processo de insolvência em todas as suas fases processuais visa satisfazer os interesses dos credores do devedor e, a título secundário, os próprios interesses do último, ao traçar-se de modo célere o futuro da empresa compreendida na massa insolvente, nos casos em que os credores optem pela aprovação de um plano de insolvência, evitando-se o acentuar da insolvência e a rápida recuperação daquela empresa, ou, quando tal não seja possível, a rápida apreensão e liquidação dos bens que integram a massa insolvente, evitando a sua perda e degradação/desvalorização decorrente do mero decurso do tempo, com o que se potencia que sejam liquidados pelo maior valor possível e que as dívidas da massa e da insolvência (reconhecidas em sentença de verificação e graduação de créditos transitada em julgado) sejam liquidadas o mais rapidamente possível.
4- A natureza urgente atribuída pelo legislador a todas as fases processuais do processo de insolvência não pode servir de fundamento para sacrificar os interesses prosseguidos por aquele ao ter feito aquela opção de celeridade: a otimização máxima dos interesses dos credores do devedor e, a título secundário, os do próprios devedor, não podendo a eventual demora de dois processos que se encontram pendentes em que se discute se determinada marca é propriedade da devedor ou de um credor servir de fundamento para se recusar o pedido formulado pelo administrador da insolvência para ser autorizado a constituir como mandatária da massa insolvente a causídica que vinha naqueles dois processos a representar a devedora antes de ter sido declarada insolvente.

Texto Integral


I- Relatório

AA, residente na Rua ..., ..., ... ..., instaurou em 28/02/2025, ação especial de insolvência contra EMP01..., Lda., com sede na Rua ..., ..., ... ..., pedindo que fosse declarada insolvente.
Citada, a requerida não deduziu oposição.
Por sentença proferida em 19/05/2025, transitada em julgado, foi declarada a insolvência da requerida, EMP01..., Lda., e onde, além do mais, se nomeou como administrador da insolvência o Senhor Dr. BB; declarou aberto o incidente de qualificação; fixou o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos; e dispensou a realização da assembleia de credores para apreciação do relatório a que alude o art. 155º do CIRE.
Em 20/06/2025, o administrador da insolvência requereu que fosse autorizado a constituir como mandatária da massa insolvente a Ex.ma Senhora Dr.ª CC, que representou a devedora até à data da declaração da insolvência, no âmbito dos dois processos que identifica referentes à marca ...”, “sendo que este mandato apenas será conferido caso seja atribuído à massa o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de custas e demais encargos com o processo”.
Para tanto alegou, em suma, que: em 16/06/2025, recebeu correio eletrónico da devedora em que lhe foi dado a conhecer estarem pendentes dois processos judiciais relativos à marca ...”: um, que corre termos pelo ... Juízo do Juízo da Propriedade Intelectual, sob o n.º 112/25.8YHLSB, instaurado por DD contra a decisão proferida pelo INPI, que recusou o pedido de registo daquela marca, após reclamação apresentada pela devedora; outro, que corre termos no INPI respeitante ao pedido de registo da marca deduzido pela devedora; considerando que a devedora já assegurou os honorários aos mandatários no âmbito daqueles dois processos, que declararam nada mais terem a receber a esse título, que a mandatária neles constituída pela devedora, Senhora Dr.ª CC, declarou ser conhecedora dos processos em causa e da matéria que neles se encontra em discussão, estando a massa insolvente crente de estar em condições de requerer e lhe ser concedido o benefício do apoio judiciário, na modalidade de isenção de taxa de justiça e do pagamento de custas e demais encargos em ambos os processos, de modo a não ter de suportar quaisquer encargos com aqueles e, atenta a litigância neles envolvida, a marca terá interesse para terceiros, pelo que poderá ter valor para ser liquidada.
Ordenada a notificação dos credores (cfr. despacho proferido a 27/06/2025), DD, AA, EMP02..., Lda. e EE opuseram-se à constituição da Senhora Dr.ª CC como mandatário da massa insolvente e que esta (a massa) seja parte nos processos identificados pelo administrador da insolvência, alegando, em suma, que a devedora não é proprietária da marca ...”, em virtude desta sido criada pelo credor DD, que apresentou em 13/07/2024, o registo daquela, por ser o seu verdadeiro e legítimo proprietário, o que é do conhecimento da devedora, que apenas apresentou reclamação a esse pedido por pura vingança, visando prejudicar aquele credor na sua atividade comercial, pois este pretende abrir um espaço comercial com o nome daquela marca, a qual foi por si criada e impulsionada no mercado, quando a devedora não explora estabelecimento comercial ou presta qualquer atividade sobre o nome da marca em causa, litigando de má-fé no âmbito daquelas duas ações; os credores não aceitam que “a massa possa ser representada pelos mandatários  que acompanharam a insolvente nestes processos com vista a defenderem a mentira de que não é o credor DD o legítimo titular da marca ..., pese embora haja sido ele quem a criou, ainda em momento prévio ao da relação laboral celebrada com a insolvência”; os sócios gerentes da devedora, ao liquidarem os honorários aos mandatários “priorizaram despender – certamente – avultadas quantias e recursos da insolvente para andar a litigar por mera desforra no registo da uma marca que confessaram há muito que não usam e não têm intenção de usar” e pretendem que “os credores acreditem que os honorários dos seus mandatários, de conceituado escritório da cidade ..., estão assegurados quando, pelo menos, quanto ao processo de registo promovido pela insolvente não existe sequer decisão do INPI”; ainda que a razão estivesse do lado da devedora e a titularidade da marca lhe pertencesse, o valor desta é manifestamente parco para a duração que o processo judicial terá, dado tratar-se de marca relacionada com um projeto que durou apenas um ano, tendo sido operada em estabelecimento no qual os sócios e gentes da devedora abriram novo espaço e o ... não exerce qualquer atividade ou presta qualquer serviço há sensivelmente um ano; a marca não trará por isso qualquer lucro à massa insolvente, salvo saciar a sede de vingança dos sócios-gerentes da devedora, impondo-se ordenar a notificação do administrador da insolvência para desistir das ações judiciais que identifica.
Por decisão judicial de 15/07/2025, deferiu-se a pretensão formulada pelo administrador da insolvência, a qual consta do seguinte teor:
“O Sr. A. I., informou sobre a pendência de dois processos relativos à marca ...”: um recurso, no Juízo da Propriedade Intelectual de Lisboa (Proc. n.º 112/25.8YHLSB), interposto pelo Sr. DD após a recusa do seu pedido de registo, na sequência de reclamação da EMP01..., Lda. (Insolvente); e um processo que corre termos no INPI respeitante ao pedido de registo da marca ...” requerido pela EMP01..., Lda.. O Administrador da Insolvência solicitou autorização superior para constituir mandatária para representar a Massa Insolvente nestes processos, adiantando que a mandatária constituída declara que os honorários já se encontram assegurados e não serão exigíveis à massa insolvente. Salientou, ainda, que a disputa pela marca ...” é de "muito interesse" para a Massa Insolvente, pois "poderá constituir o seu único ativo”.
A pretensão do Administrador de Insolvência de continuar a litigância sobre a marca ..." é juridicamente sustentável, pois se enquadra nos seus deveres de gerir e maximizar o valor da massa insolvente, de agir com diligência e de forma imparcial no interesse do processo, e de se fazer representar legalmente, especialmente quando os custos diretos para a massa são inexistentes (arts. 55º e 81º do CIRE).
Assim sendo, defere-se o requerido sob ref. ...49, sob condição de tais honorários não onerarem a MI”.
           
Inconformado com o decidido, o credor AA interpôs recurso, em que formulou as seguintes conclusões:

1- O recurso impugna decisão do Tribunal a quo que ditou que a Massa Insolvente deve continuar a litigar em dois processos relativos à marca ...”.
2-Oque fez a pedido do sr. AI, todavia, sob condição de tais honorários dos mandatários constituídos, que correspondem aos já mandatados pela Insolvente, não onerarem a MI.
3- O despacho proferido viola a lei processual civil e incorre em nulidades e erros de julgamento, pois, o requerimento do sr. AI coloca restrições à litigância que não foram apreciadas pelo Tribunal, pelo que o despacho é nulo por excesso de pronúncia.
4- Ademais, o despacho proferido não aprecia o contraditório exercido pelo Recorrente, pelo que o despacho é nulo por falta de fundamentação.
5- Com efeito, o requerimento do sr. AI foi notificado às partes e sobre ele o Recorrente esclareceu em requerimento de 10-07-2025 (ref.ª citius 18067548) que a marca não pertence à Insolvente e as pretensões da mesma no processo visam, apenas e só, prejudicar antigo trabalhador da Insolvente que é o verdadeiro titular legítimo da marca: DD.
6- Tudo como tem logrado fazer com a conivência do sr. AI que, pese embora muito preocupado - no requerimento que recolheu a aprovação do Tribunal a quo - com a possibilidade de a marca ser o único bem de valor da Insolvente, no seu relatório de insolvência somente apreciou documentos contabilísticos de 2024 e 2025, não cuidando sequer de pedir o mapa de imobilizado da Insolvente.
7- Os gerentes da Insolvente, como demonstrado no requerimento de 30-06-2025, vão deturpando a verdade conforme lhes dá mais jeito, em diferentes processos judiciais.
8- É impossível que a Massa Insolvente seja representada por aqueles que representam a Insolvente nos diferentes processos judiciais, com declarações dos gerentes contraditórias entre si.
9- Uma dessas contradições advém da afirmação da mandatária da Insolvente no email enviado ao AI na qual escreve que “aproveita-se ainda para referir que os honorários já se encontram assegurados à aqui subscritora, não sendo exigíveis quaisquer quantias à massa insolvente, por conta destes processos”.
10- Ora, o registo da marca ...” por parte da EMP01..., Lda., deu-se em janeiro de 2025, ou seja, muitos meses depois de os sócios-gerentes da Insolvente admitirem que a Insolvente não tinha mais nenhuma atividade ou sequer liquidez para pagar créditos laborais que confessava existir em processos judiciais – cfr. contestação da Insolvente em processo de trabalho que foi junta como doc. 8 à petição deste processo apresentada a 28-02-2025 (ref.ª citius 17447249).
11- Ou seja, a 26-12-2024 os sócios-gerentes da Insolvente confessavam em processo judicial de trabalho que não tinham liquidez para pagar créditos laborais vencidos desde junho de 2024, todavia, confessam agora que tinham, pelos menos em janeiro de 2025, liquidez para custear registos de marcas que não usam, nem pretendem usar, sabem que não lhes pertence e suportar encargos judiciais e extrajudiciais como honorários de advogados.
12- Tudo o que prova as falsidades inculcadas pelos sócios-gerentes da Insolvente, bem como o dolo com que foi provocada a insolvência da sociedade comercial EMP01..., Lda.
13- Para além disso, no contraditório exercido no dia 10-07-2025, o Recorrente aclarou ainda que “o valor comercial da marca é, desde logo, manifestamente parco para a duração que o processo judicial terá”, pois, trata-se “de uma marca relacionada com um projeto que durou apenas 1 ano, tendo operado em estabelecimento no qual os sócios-gerentes da Insolvente abriram novo espaço”, com novo nome, “sendo que o ... não exerce qualquer atividade ou presta qualquer serviço há sensivelmente um ano”, “pelo que lucro algum trará à Insolvente, salvo saciar a sede de vingança dos seus sócios-gerentes”.
14- Sucede que o Tribunal a quo, como se afere do despacho impugnado, nada referiu sobre os argumentos do Recorrente.
15- O despacho não se encontra fundamentado, ou seja, desconhece-se as razões de facto ou de Direito que levaram o Tribunal a decidir como decidiu e para não acatar o entendimento do Recorrente.
16- O despacho sequer faz referência aos fundamentos desenvolvidos pelos Recorrente no requerimento do dia 10-07-2025, muito menos à existência do mesmo.
17- A manifesta falta de fundamentação leva à nulidade do despacho, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, a qual se invoca e se requer ver reconhecida.
18- Face a tal nulidade, deve-se revogar o despacho impugnado e assim proferir-se outro despacho que fundamente a decisão, nomeadamente justificando o entendimento do Tribunal e as suas razões para recusar os argumentos formulados pelo Recorrente.
19- Deve-se concomitantemente justificar qual o interesse de prosseguir com a dita ação, nomeadamente aferindo-se do efetivo valor comercial da marca que é praticamente zero.
20- Ao não o ter feito, a decisão é nula, mormente quando existiu contraditório quanto ao eventual valor efetivo da marca ...”.
21- Sublinhamos que não estamos diante de mera deficiência de fundamentação, mas, sim, diante de uma falta absoluta da mesma, quer quanto aos fundamentos de facto, quer de direito, pelo que o Tribunal a quo não cumpriu o estatuído no artigo 154.º, n.º 2, do CPC.
22- Por via do exposto, o despacho impugnado é nulo, vício que se requer VV. Exas. ver reconhecido.
Ademais,
23- É também nulo o despacho em que “o juiz (...) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” – cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
24- No caso, o Tribunal decidiu que a Massa devia ser representada pelos mandatários da Insolvente, tendo colocado como única limitação que “sob condição de tais honorários não onerarem a MI”.
25- Todavia, o peticionado pelo senhor AI é que somente litigará caso a Massa logre ver deferido o respetivo apoio jurídico e não apenas caso os honorários dos advogados não onerem a MI.
26- Resulta claro que o Tribunal a quo foi além do peticionado, tomando uma decisão acima do requerido pelo sr. AI.
27- A Massa não deverá litigar se tal significar mais custos com honorários e com taxas de justiça, daí ser necessário o apoio jurídico.
28- O que o Tribunal a quo ignorou.
29- Ou seja, deve ser reconhecida a nulidade do despacho por manifesto excesso de pronúncia, à luz da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, proferindo nova decisão que, no limite e caso se entenda que deve a Massa litigar no processo, entenda que tal não acontecerá se o apoio jurídico não for deferido nas modalidades de dispensa de pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo.
Sem prescindir,
30- Em todo o caso, andou mal o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.
31- A decisão viola o princípio da celeridade da insolvência, previsto no artigo 9.º do CIRE.
32- Não existe qualquer interesse para a Massa litigar nos processos identificados onde se discute a titularidade de uma marca com valor comercial de, praticamente, 0 €.
33- Apenas se conseguirá, em tais processos, adiar o término do presente processo, com aumento de custos para o mesmo, mais não seja de honorários do sr. Administrador da Insolvência.
34- Face ao exposto, deve a decisão impugnada ser revogada por outra que impeça o sr. Administrador da Insolvência de prosseguir nos processos de discussão de titularidade da marca ...”, por violação do princípio da celeridade processual, plasmado no artigo 9.º do CIRE.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve conceder-se provimento ao recurso, revogando-se o douto despacho, e, assim, ser o Tribunal a quo notificado para agir em conformidade, permitindo o contraditório à Recorrente e fundamentando as suas decisões.

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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.

Pronunciou-se quanto às nulidades assacadas pelo recorrente ao despacho recorrido, concluindo pela sua não verificação, advogando que: “A decisão recorrida está conforme aos arts. 55º, 81º e 149º do CIRE, garantindo o regular andamento do processo e protegendo os interesses da massa como um todo, não se verificando qualquer nulidade, vício ou erro de direito”.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
a- Se o despacho recorrido é nulo por omissão, excesso de pronúncia, falta de fundamentação e/ou por condenação ultra petitum;
b- Se a decisão de mérito nela proferida padece de erro de direito.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para a decisão a proferir no âmbito do presente recurso são os que constam do «I-Relatório» acima exarado, que aqui se dão por reproduzidos.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia e/ou excesso de pronúncia

Na conclusão 3ª o recorrente assaca ao despacho recorrido o vício da nulidade alegando que “o requerimento do Sr. AI coloca restrições à litigância que não foram apreciadas pelo Tribunal, pelo que o despacho é nulo por excesso de pronúncia”.
Desenvolvendo e concretizando o vício de nulidade que assaca ao despacho recorrido, advoga que “o requerimento do sr. AI foi notificado às partes e sobre ele o Recorrente esclareceu em requerimento de 10-07-2025 (ref.ª citius 18067548) que a marca não pertence à Insolvente e as pretensões da mesma no processo visam, apenas e só, prejudicar antigo trabalhador da Insolvente que é o verdadeiro titular legítimo da marca: DD. Tudo como tem logrado fazer com a conivência do sr. AI que, pese embora muito preocupado - no requerimento que recolheu a aprovação do Tribunal a quo - com a possibilidade de a marca ser o único bem de valor da Insolvente, no seu relatório de insolvência somente apreciou documentos contabilísticos de 2024 e 2025, não cuidando sequer de pedir o mapa de imobilizado da Insolvente. Os gerentes da Insolvente, como demonstrado no requerimento de 30-06-2025, vão deturpando a verdade conforme lhes dá mais jeito, em diferentes processos judiciais. É impossível que a Massa Insolvente seja representada por aqueles que representam a Insolvente nos diferentes processos judiciais, com declarações dos gerentes contraditórias entre si. Uma dessas contradições advém da afirmação da mandatária da Insolvente no email enviado ao AI na qual escreve que “aproveita-se ainda para referir que os honorários já se encontram assegurados à aqui subscritora, não sendo exigíveis quaisquer quantias à massa insolvente, por conta destes processos”. Ora, o registo da marca ...” por parte da EMP01..., Lda., deu-se em janeiro de 2025, ou seja, muitos meses depois de os sócios-gerentes da Insolvente admitirem que a Insolvente não tinha mais nenhuma atividade ou sequer liquidez para pagar créditos laborais que confessava existir em processos judiciais – cfr. contestação da Insolvente em processo de trabalho que foi junta como doc. 8 à petição deste processo apresentada a 28-02-2025 (ref.ª citius 17447249). Ou seja, a 26-12-2024 os sócios-gerentes da Insolvente confessavam em processo judicial de trabalho que não tinham liquidez para pagar créditos laborais vencidos desde junho de 2024, todavia, confessam agora que tinham, pelos menos em janeiro de 2025, liquidez para custear registos de marcas que não usam, nem pretendem usar, sabem que não lhes pertence e suportar encargos judiciais e extrajudiciais como honorários de advogados. Tudo o que prova as falsidades inculcadas pelos sócios-gerentes da Insolvente, bem como o dolo com que foi provocada a insolvência da sociedade comercial EMP01..., Lda. Para além disso, no contraditório exercido no dia 10-07-2025, o Recorrente aclarou ainda que “o valor comercial da marca é, desde logo, manifestamente parco para a duração que o processo judicial terá”, pois, trata-se “de uma marca relacionada com um projeto que durou apenas 1 ano, tendo operado em estabelecimento no qual os sócios-gerentes da Insolvente abriram novo espaço”, com novo nome, “sendo que o ... não exerce qualquer atividade ou presta qualquer serviço há sensivelmente um ano”, “pelo que lucro algum trará à Insolvente, salvo saciar a sede de vingança dos seus sócios-gerentes. Sucede que o Tribunal a quo, como se afere do despacho impugnado, nada referiu sobre os argumentos do Recorrente” (conclusões 6ª a 14ª) – sublinhado nosso.
E, nas conclusões 23ª a 29ª o recorrente assaca ao despacho recorrido o vício da nulidade, por excesso de pronúncia, alegando ser “também nulo o despacho em que “o juiz (...) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” – cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC. No caso, o Tribunal decidiu que a Massa devia ser representada pelos mandatários da Insolvente, tendo colocado como única limitação que “sob condição de tais honorários não onerarem a MI”. Todavia, o peticionado pelo senhor AI é que somente litigará caso a Massa logre ver deferido o respetivo apoio jurídico e não apenas caso os honorários dos advogados não onerem a MI. Resulta claro que o Tribunal a quo foi além do peticionado, tomando uma decisão acima do requerido pelo sr. AI. A Massa não deverá litigar se tal significar mais custos com honorários e com taxas de justiça, daí ser necessário o apoio jurídico. O que o Tribunal a quo ignorou. Ou seja, deve ser reconhecida a nulidade do despacho por manifesto excesso de pronúncia, à luz da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, proferindo nova decisão que, no limite e caso se entenda que deve a Massa litigar no processo, entenda que tal não acontecerá se o apoio jurídico não for deferido nas modalidades de dispensa de pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo”.
 Analisados os fundamentos invocado pelo recorrente, diremos que, na conclusão 3ª, aquele confunde o vício da nulidade por alegado excesso de pronúncia com o da nulidade por omissão de pronúncia, sabendo-se que o distingue ambas é a circunstância de na primeira o tribunal não ter conhecido de todas as “questões” que lhe foram colocadas pelas partes, isto é, de todos os pedidos formulados à luz de todas as causas de pedir alegadas pelo requerente e de todas as exceções invocadas pelas partes para obstar a que o tribunal possa entrar no conhecimento do mérito (exceção dilatória) ou que impeçam, modificam ou extingam o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor  (exceções perentórias) e cujo conhecimento não tenha ficado prejudicado pela decisão que proferiu quanto a outra questão; enquanto na nulidade por excesso de pronúncia o tribunal conheceu de “questão” que não foi suscitada pelas partes e que não era do conhecimento oficioso.
Ora, analisados os fundamentos invocados pelo recorrente para fundamentar a pretensa nulidade que assaca ao despacho recorrido por pretenso excesso de pronúncia, verifica-se que se limitou a alegar que nele o tribunal não conheceu dos fundamentos que foram alegados no requerimento de 10/07/2025, em que ele e outros credores se opuseram ao deferimento da pretensão deduzida pelo administrador da insolvência para que fosse autorizado a constituir como mandatária da massa insolvente a Ex.ma Senhora Dr.ª CC, que representou a devedora até à data da declaração da insolvência no âmbito dos dois processos que identifica referentes à marca ...” (em que alegaram que a marca objeto dos dois processos não pertence à devedora e que as pretensões daquela sobre essa marca apenas visam  prejudicar o credor DD, antigo trabalhador daquela, que é o verdadeiro titular da marca e, bem assim, que a afirmação dos mandatários da devedora no âmbito daqueles dois processos de que os honorários que lhe são devidos já lhes foram liquidados encontra-se em contradição com a alegação da própria devedora de que não tinha qualquer atividade, nem liquidez para pagar os créditos laborais que foram dela reclamados em processos laborais, o que tudo, na sua perspetiva, prova as falsidades em que incorreram os sócios-gerentes da devedora e o dolo com que provocaram a insolvência desta, bem como, que o valor da marca é manifestamente parco para a duração dos dois processos, dado que a devedora apenas utilizou a dita marca durante cerca de um ano, cujos sócios-gerentes abriram um novo espaço sob outra marca e há cerca de sensivelmente um ano aquela não exerce qualquer atividade, pelo que o reconhecimento da marca como sendo da titularidade da devedora, nenhum lucro trará à massa insolvente, salvo saciar a sede de vingança dos seus sócios-gerentes), o que tudo, quando muito, se reconduz ao vício da nulidade do despacho recorrido, por omissão de pronúncia (não ao vício de nulidade por excesso de pronúncia que vem invocado pelo recorrente).
Por outro lado, o que distingue a nulidade por omissão e/ou excesso de pronúncia (al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC, onde constam todas as disposições legais que se venham a citar, sem referência em contrário) da nulidade por condenação ultra petitum (al. e) do n.º 1 do art. 615º) é o facto da primeira se relacionar com os fundamentos (causa de pedir e exceções, violando o juiz o comando do n.º 2 do art. 608º, ao não conhecer na sentença, acórdão ou despacho que proferiu sobre questão que as partes submeteram à sua apreciação e decisão e cujo conhecimento não ficou prejudicado pela solução dada a outra questão, incorrendo no vício de nulidade por omissão de pronúncia; ou conhecendo nele de questão - causa de pedir ou exceção - não suscitada pelas partes e que não é de conhecimento oficioso, incorrendo em nulidade por excesso de pronúncia), enquanto a segunda relaciona-se com o pedido (o juiz condenou na sentença, acórdão ou despacho que preferiu em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, violando o comando o n.º 1 do art. 609º).
Ora, analisada a alegação do recorrente vertida nas conclusões 23ª a 29ª, os fundamentos por ele aduzidos reconduzem-se ao vício de nulidade por condenação ultra petitum – e não, como pretende, à nulidade por excesso de pronúncia -, tanto assim que é o próprio a sustentar, na conclusão 26ª, resultar “claro que o tribunal a quo foi além do peticionado, tomando uma decisão acima do requerido pelo Sr. AI”, e, na conclusão 29ª, dever ser proferida “nova decisão que, no limite e caso se entenda que deve a massa litigar no processo, entenda que tal não acontecerá se o apoio jurídico não for deferido nas modalidades de dispensa de pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo”.
Deste modo, reconduzindo-se os fundamentos invocados pelo recorrente ao eventual vício da nulidade que inquinará o despacho recorrido, por alegada omissão de pronúncia e por condenação ultra petitum, será nessa perspetiva que se impõe analisar (e iremos analisar) o despacho recorrido, a fim de indagar se o mesmo padece dos invocados vícios.
As nulidades da sentença (extensíveis aos acórdãos, por via do n.º 1 do art. 666º, e aos despachos, por força do n.º 3 do art. 613º) são apenas os que ocorreram na elaboração dessas especificas peças processuais e desde que o vício neles cometido se reconduza aos taxativamente tipificados no n.º 1 do art. 615º, os quais traduzem vícios formais ou de conteúdo que afetam formalmente a sentença (acórdão ou despacho) de per se, decorrentes de nela não terem sido observadas as normas processuais que regulam a sua elaboração e/ou estruturação (v.g., falta de assinatura do juiz, provocando a dúvida sobre a sua autenticidade - al. a) -; falta de fundamentação de facto e/ou de direito, o que determina a ininteligibilidade do discurso decisório nela enunciado, por ausência total de explicação das razões de facto e/ou de direito por que se decidiu de determinada maneira  - al. b) -; contradição lógica entre o discurso fáctico-jurídico argumentativa que nela foi aportada para fundamentar a decisão e a própria decisão proferida no seu dispositivo final – al. c)), ou por terem  neles sido infringidos os limites a que o tribunal via a sua atividade instrutória e decisória circunscrita em termos de fundamentos, isto é, de causa de pedir e exceções (omissão ou excesso de pronúncia – al. d)), ou de pedido (condenação ultra petitum – al. e), todos do n.º 1 do art. 615º)[2].
Diferentemente das nulidade de sentença (acórdão ou despacho), são os erros de julgamento em que o julgador neles incorra (error in judicando), os quais se reconduzem à circunstância de, em sede de julgamento de facto e/ou de julgamento de direito, ter errado, por ter incorrido numa distorção da realidade factual que julgou provada e/ou não provada, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do que realizou (error facti) e/ou por ter incorrido em erro na identificação das normas aplicáveis ao caso que lhe foi submetido pelas partes, na interpretação que fez dessas normas jurídicas, e/ou na aplicação que delas fez à facticidade que se julgou provada e não provada (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.
Nos erros de julgamento assiste-se, assim, ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação, interpretação e/ou aplicação das normas jurídicas aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados (vícios formais) ou aos limites à sombra dos quais são proferidos, não os inquinam de invalidade, mas sim de error in judicando[3].
Enfatize-se que entre as causas de nulidade da sentença (acórdão ou despacho) taxativamente enunciadas no n.º 1 do art. 615º, conta-se o vício da nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia (al. d), do n.º 1 do art. 615º). Trata-se de nulidades que se relacionam com o preceituado no art. 608º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença (acórdão ou despacho) todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Com efeito, devendo o tribunal conhecer na sentença (acórdão ou despacho) que profere todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos pelas partes, com fundamento em todas as causas de pedir por elas invocadas para ancorar esses pedidos e de todas as exceções suscitadas com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte e, bem assim, de todas as exceções de que oficiosamente lhe caiba conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitadas/arguidas pelas partes) cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes na sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3)[4]. Inversamente o conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção não arguidos pelas partes e que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente configura nulidade por excesso de pronúncia.
Acresce precisar que, como já alertava Alberto dos Reis[5], impõe-se distinguir entre “questões” e “razões ou argumentos”. “(…) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.  Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões[6]. Apenas o conhecimento pelo tribunal de questão que não tenha sido suscitada pelas partes e de que não possa conhecer oficiosamente determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
«Questões» são os núcleo fáctico-jurídico essenciais, centrais, nucleares, relevantes ou importantes submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia entre elas existente e cuja resolução lhe submetem, atentos os sujeitos, pedidos, causas de pedir e exceções por elas deduzidos ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir das teses em confronto[7]. Revertendo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, “… assim como a ação se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir (…), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”[8].
Finalmente, a nulidade da sentença (acórdão ou despacho) por omissão de pronúncia tem como pressuposto que nela o juiz deixe de apreciar totalmente a questão (causa de pedir ou exceção) que lhe foi submetida pelas partes, e não que o faça de modo incompleto, sumário, deficiente ou erróneo. A incompletude da apreciação da questão que foi colocada à apreciação e decisão do julgador pode colocar em causa a força persuasiva daquela, levando a que as partes não apreendam cabalmente os fundamentos de facto e/ou de direito que levaram a que a questão tivesse sido julgada improcedente ou procedente, mas naturalmente que não ocorre omissão de pronúncia: o tribunal apreciou a questão (o pedido à luz de todas as causas de pedir e  exceções invocadas), simplesmente fê-lo de modo sumário e/ou incompleto. A decisão errónea da questão subsume-se a erro de julgamento, e não a causa determinativa de nulidade da sentença, designadamente, por omissão de pronúncia.
Revertendo ao caso dos autos, o administrador da insolvência requereu, em 20/06/2025 que fosse autorizado a constituir como mandatária da massa insolvente a Ex.ma Senhora Dr.ª CC, alegando como fundamento dessa pretensão (causa de pedir) que esta tinha representado a devedora em dois processos que identifica e que se encontram em curso tendo por objeto a marca ...”; a devedora já liquidou àquela mandatária os honorários que lhe são devidos no âmbito desses dois processos; essa mandatária declarou nada mais ter a receber a título de honorários como contrapartida do patrocínio que neles se encontra a desempenhar e ser conhecedora dos referidos processos e das matérias que neles se encontra em discussão e dispôs-se, na sequência da declaração da insolvência, a representar a massa insolvente no âmbito desses dois processos, pelo que neles nada será despendido pela massa insolvente a título de honorários; caso seja concedido o benefício do apoio judiciário à massa insolvente no âmbito dos dois processos, que a dispense do pagamento de taxa de justiça e do pagamento de custas e demais encargos, como está crente de estar a massa em condições de lhe ser concedido, não advirá para aquela qualquer prejuízo desses dois processos, mas apenas benefício, na medida em que, caso neles seja reconhecida a titularidade da devedora sobre aquela marca, atenta a litigância neles envolvida, esta terá interesse económico para terceiros e, por isso, poderá ter valor em sede de liquidação.
Logo, a questão que incumbia a tribunal a quo decidir e que, salvo o devido respeito por opinião contrária, decidiu no âmbito do despacho recorrido, era exclusivamente a de saber se, atentos os fundamentos invocados pelo administrador da insolvência (a Senhora Dr.ª CC é mandatária da devedora nos dois processos judiciais que se encontravam em curso à data da sua declaração de insolvência, e que continuam presentemente em curso, em que se discute a titularidade da marca ...”, em que a devedora se arroga titular desta, o mesmo acontecendo com o credor DD; aquela advogada já recebeu dos sócios-gerentes da devedora os honorários que lhe são devidos como contrapartida dos serviços que assumiu prestar no âmbito daqueles dois processos, e prontifica-se agora a continuar esse patrocínio, representando neles a massa insolvente, sem nenhum custo adicional para esta em termos de honorários, e acreditar que será, no âmbito desses dois processos concedido apoio judiciário à massa insolvente, na modalidade de isenção total de taxa de justiça e de dispensa do pagamento de custas e demais encargos, pelo que, a ser-lhe concedido esse beneficio, nenhum encargo advirá para a massa daqueles dois processos judiciais, mas apenas benefício, dado que, a vir a ser reconhecida neles a titularidade da devedora sobre aquela marca, esta tem valor económico, devendo ser apreendida para a massa e ser liquidada) se estão ou não reunidos os requisitos legais para que, no exercício da sua atividade fiscalizadora da atividade do administrador da insolvência, o juiz da insolvência autorize o último a constituir como mandatária da massa insolvente aquela advogada para que a represente no âmbito desses processos.
É certo que, na sequência da observação do contraditório, os credores DD, AA (recorrente), EMP02..., Lda. e EE opuseram-se ao deferimento da pretensão do administrador da insolvência, alegando que a marca em discussão naqueles dois processos não é propriedade da devedora, mas antes do credor DD; que a devedora não explora qualquer estabelecimento comercial ou presta qualquer atividade sobre aquela marca, litigando de má-fé no âmbito dessas duas ações; que ao pagarem os honorários àquela mandatária, os sócios gerentes da devedora priorizaram o pagamento daqueles em vez de liquidaram as dívidas da devedora, contribuindo para a criação do estado de insolvência em que se encontra a devedora ou para o agravamento desse estado; não acreditarem que os honorários devidos à dita mandatária tenha sido efetivamente liquidados; e,  finalmente, que, ainda que a marca seja efetivamente da titularidade da devedora, o respetiva valor é manifestamente parco para a duração daqueles processos, não resultando dela qualquer lucro para a massa, salvo saciar a sede de vingança dos sócios-gerentes da devedora em relação ao credor DD, a propósito do que, no despacho recorrido, a 1ª Instância não se pronunciou, na medida em que nela se limitou a decidir:
A pretensão do Administrador de Insolvência de continuar a litigância sobre a marca ..." é juridicamente sustentável, pois se enquadra nos seus deveres de gerir e maximizar o valor da massa insolvente, de agir com diligência e de forma imparcial no interesse do processo, e de se fazer representar legalmente, especialmente quando os custos diretos para a massa são inexistentes (arts. 55º e 81º do CIRE).
Assim sendo, defere-se o requerido sob ref. ...49, sob condição de tais honorários não onerarem a MI”.
No entanto, salvo o devido respeito por entendimento contrário, no despacho recorrido o tribunal a quo não se pronunciou, nem se podia pronunciar quanto aos fundamentos de oposição invocados pelo recorrente e pelos demais credores que naquele requerimento se opuseram ao deferimento da pretensão do administrador da insolvência, porque aquelas razões não constituem matéria de exceção, isto é, razões que verdadeiramente fossem aptas a impedir o deferimento daquela pretensão e além de que todas elas ou se encontravam subtraídas ao conhecimento do tribunal a quo ou eram totalmente irrelevantes para o conhecimento daquela pretensão.
Concretizando…
No âmbito do processo de insolvência nacional, uma vez declarada a insolvência do devedor, na qual tem de ser nomeado administrador da insolvência (art. 36º, n.º 1, al, d) do CIRE), mal seja notificado da sentença declaratória da insolvência, o administrador da insolvência entra imediatamente em funções (art. 54º do mesmo diploma). Sem prejuízo do disposto no título X do CIRE, com a declaração da insolvência, o devedor fica imediatamente privado, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens que integram praticamente todo o seu património, o qual passa a integrar a massa insolvente, cujos poderes de administração e de disposição passam para o administrador da insolvência, que é também quem assume os poderes de representação do devedor em todos os negócios e ações judiciais cujo objeto tenha efeitos de carácter patrimoniais que interessam à massa insolvente  (arts. 81º, n.ºs 1 e 4 do CIRE).
Acresce que, mal seja proferida a sentença declaratória da insolvência, o administrador da insolvência deve proceder à imediata apreensão da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que tenham sido arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infração criminal e de mera ordenação social (arts. 149º e 150º do CIRE).
A massa insolvente constitui um património autónomo, que se destina à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas (n.º 1 do art. 46º do CIRE).
Uma vez transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de credores para apreciação do relatório a que alude o art. 155º, o administrador da insolvência deve proceder com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, independentemente da verificação do passivo, na medida em que a tanto não se oponham as deliberações tomadas pelos credores na referida assembleia (art. 158º, n.º 1 do CIRE), a fim de que com o respetivo produto dar pagamento às dívidas da própria massa insolvente e com o remanescente às dívidas da insolvência que tenham sido julgadas verificadas e graduadas por sentença transitada em julgado (arts. 46º, n.º 1 e 173º, todos do CIRE).
No âmbito do exercício das suas funções cabe ao administrador da insolvência prover à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à eventual continuação da exploração da empresa («se for o caso» e «evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica» - art. 55º, n.º 1, al. b) do CIRE) e, sem prejuízo dos casos de necessidade de prévia concordância da comissão de credores, o administrador da insolvência exerce pessoalmente as competências do seu cargo, podendo substabelecer, por escrito, a prática de atos concretos em administrador da insolvência com inscrição em vigor nas listas oficiais (art. 55º, n.º 2 daquele diploma), podendo, no exercício das suas funções, ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por advogados, técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão (n.º 3 daquele art. 55º).
Dir-se-á assim que é ao administrador da insolvência, sob a fiscalização da comissão de credores, quando exista, e do juiz que cabe as funções essenciais e nucleares do processo de insolvência: a verificação do passivo e a apreensão e liquidação do ativo. No exercício dessa atividade o administrador da insolvência tem a função difícil de “defender e tentar conciliar dois grupos de interesses que estão em natural contraposição: por um lado, os interesses do insolvente, sujeito por ele representado para todos os efeitos de carácter patrimonial (cfr. art. 81º, n.º 4), e, por outro, os interesses comuns dos credores, sendo – como é – o fim último do processo a satisfação o mais completa possível do máximo número de credores”[9].
Porque assim é, na medida em que, atento o disposto no n.º 1 do art. 1º do CIRE, o processo de insolvência tem como única finalidade a satisfação, na medida do possível, dos interesses dos credores do devedor[10], no âmbito do exercício das suas funções, o administrador da insolvência exerce verdadeiros poderes-deveres, funcionalizados tendo em vista a defesa dos interesses dos credores da devedora – eleito pelo art. 1º do CIRE como única finalidade prosseguida pelo processo de insolvência -, para o que deve procurar conservar e frutificar ao máximo a massa insolvente, com vista à satisfação máxima dos créditos detidos pelos credores, primeiramente, sobre a massa insolvente e, secundariamente, sobre a insolvência.
A atividade  do administrador da insolvência está sujeita a permanente fiscalização do juiz[11] e da comissão de credores, caso exista, e, no exercício dessas funções, o juiz pode, a todo o tempo, exigir-lhe informações sobre quaisquer assuntos ou a apresentação de um relatório da atividade desenvolvida e da administração e da liquidação (art. 58º do CIRE).
O exercício das funções que estão acometidas ao administrador da insolvência e que aquele tem de exercer com vista à máxima satisfação dos interesses dos credores da devedora tem natureza estritamente pessoal, não podendo ser delegado, mas apenas ser auxiliado no seu desempenho, mas, neste caso, apenas mediante prévia autorização da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão (art. 55º, n.º 3 do CIRE).
Na sequência da redação do atual vigente n.º 3 do art. 55º do CIRE, introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11/01, o administrador da insolvência passou a ter que submeter a contratação de advogados, técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, que o auxiliem/coadjuvem no exercício das funções de lhe estão acometidas ao crivo da comissão de credores ou, na ausência desta, do juiz. “Mesmo com o risco de ser acusada de excessivo rigor, a lei optou por uma solução que favorece o maior controlo da atividade do administrador e do modo do seu exercício, em consonância com a responsabilidade pessoal a que agora irrevogavelmente o submete em conformidade com o art. 59º”[12].
À semelhança das funções que são acometidas ao administrador da insolvência, estando-se na presença de poderes-deveres que terá de exercer com vista à satisfação máxima dos credores do devedor, também o exercício dos poderes de fiscalização que são exercidos pelo juiz sobre a atividade daquele, assim, como a concessão de autorização pela comissão de credores ou pelo juiz, na falta daquela, para que o administrador da insolvência recorra a advogados, técnico ou outros auxiliares para que o coadjuvem no exercício daquelas funções têm de assentar no interesse da satisfação máxima dos interesses dos credores do devedor.
No exercício das suas funções o administrador da insolvência exerce assim aqueles poderes-deveres que lhe estão acometidos subordinado à satisfação de um único interesse: a satisfação dos interesses dos credores do insolvente, para o que deverá praticar todos os atos que tiver por convenientes e que sejam aptos a potenciar a máxima conservação e frutificação dos bens e direitos que integram o património do devedor e que tenham de integrar a massa insolvente. E a comissão de credores, quando exista, e o juiz, no exercício das suas funções de fiscalização, nomeadamente ao decidiram em dar (ou não) o seu consentimento ao administrador da insolvência para recorra a terceiros, coadjuvantes no exercício daquelas funções, incluindo, advogados, têm de exercer esse poder-dever de fiscalização imbuídos com aquela finalidade[13].
        
Resulta do que se vem dizendo que, no exercício do poder de fiscalização que lhe é acometido pelo n.º 3 do art. 55º do CIRE, o juiz tinha de deferir (ou indeferir) a pretensão formulada em 20/06/2025, pelo administrador da insolvência para que fosse autorizado a constituir como mandatária da massa insolvente a Ex.ma Senhora Dr.ª CC, no âmbito dos dois processos que se encontravam em curso à data da declaração da insolvência e que continuam presentemente em curso e onde se discute a titularidade da marca ...”, tendo em vista a salvaguarda dos interesses dos credores da devedora, para o que todas as questões que foram invocados pelo recorrente e pelos demais credores no requerimento em que se opuseram ao deferimento da pretensão do administrador da insolvência não consubstancia matéria de exceção e, nessa medida, não constituía qualquer «questão» que tivesse de ser apreciada e decidida no âmbito do despacho recorrido, no qual, inclusivamente, não podia apreciar os fundamentos fáctico-jurídicos invocados por aqueles para, na sua perspetiva, indeferir a pretensão do administrador da insolvência.
 
Na verdade, a questão a titularidade da marca ...” por parte da devedora ou do credor DD estava (e está) a ser discutida no âmbito dos dois processos, pelo que naturalmente que essa questão está subtraída ao conhecimento do tribunal de insolvência, na medida em que terá de ser dirimida no âmbito desses dois processos.
A questão do pagamento dos honorários pelos sócios-gerentes da devedora devidos aos mandatários que constituíram no âmbito daquelas duas ações para, no âmbito delas, patrocinarem a devedora antes desta ter sido declarada insolvente e as dúvidas suscitadas pelo recorrente e demais credores que apresentaram aquele requerimento em que se opuseram ao deferimento da pretensão do administrador da insolvência quanto ao efetivo pagamento dos honorários, são questões que se mostram totalmente indiferentes para o deferimento (ou recusa) da pretensão do administrador da insolvência em lhe ser concedida autorização para constituir como mandatária da massa insolvente a Ex.ma Senhora Dr.ª CC, que representou a devedora até à data da declaração da insolvência no âmbito daqueles dois processos tendo por objeto  a marca ...”, ante o facto dos mandatários constituídos pela devedora, que a vinha representando no âmbito daqueles dois processos até ser declarada insolvente, incluindo a Ex.ma Senhora Dr.ª CC que vinha exercendo esse mandato no âmbito dos mesmos terem confirmado o referido pagamento dos honorários que lhe são devidos, dispondo-se a última a continuar o patrocínio no âmbito desses processos,  agora por conta e no interesse da massa insolvente da devedora, sem que nada mais lhe seja devido a título de honorários.
E quanto às questões invocadas pelo recorrente e os identificados credores de que ao pagaram os honorários, em vez das dívidas da devedora, os sócios-gerentes desta criaram ou agravaram o estado de insolvência da devedora, além de que aqueles sócios-gerentes teriam assumido posições contraditórias ao longo dos vários processos, em que alegaram não ter a devedora capacidade financeira para liquidar os créditos laborais que neles eram reclamados daquela, quando, depois, pretendem ter pago os honorários aos mandatários que contrataram para patrocinar a devedora no âmbito daqueles dois processos antes de ter sido declarada insolvente, trata-se de questões absolutamente irrelevantes para apreciar o requerimento apresentado em 20/06/2025, pelo administrador da insolvência requerendo que fosse autorizado a constituir como mandatária da massa insolvente a Ex.ma Senhora Dr.ª CC para continuar o patrocínio naqueles dois processos agora em representação da massa e que, inclusivamente, delas não podia conhecer no despacho recorrido, sob pena de violar o caso julgado material que cobre a sentença que declarou a devedora insolvente, com o que se reconheceu, em definitivo (independentemente das inverdades ou comportamento contraditório assumido pelos sócios-gerentes da devedora), encontrar-se esta impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas. E quando à eventual criação ou agravamento do estado de insolvência da devedora decorrente do pagamento dos honorários trata-se de questão que apenas poderá ser apreciada em sede de eventual incidente de qualificação da insolvência. Aliás, independentemente do pagamento dos honorários aos mandatários constituídos pelos sócios-gerentes da devedora para representarem a última no âmbito daquelas duas ações antes da declaração da insolvência desta terem (ou não) contribuído para a criação ou o agravamento do estado de insolvência em que se encontra, esse facto, a verificar-se, mostra-se totalmente irrelevante para o (in)deferimento do requerido pelo administrador da insolvência em 20/06/2025, posto que o que agora nele releva é o de se saber se a satisfação dos interesses dos credores da devedora passa (ou não)  pela constituição como mandatária da massa insolvente da Senhora Dr.ª CC no âmbito daqueles dois processos em que vinha exercendo o mandato que a devedora lhe conferiu antes de ter sido declarada insolvente.
Finalmente, a questão do reduzido valor da marca, caso venha a ser reconhecida no âmbito daqueles processos pertencer à titularidade da devedora, e a eventual demora desses dois processos  judiciais, salvo o devido respeito por opinião contrária, não é fator que possa ou deva ser ponderado pelo tribunal no âmbito do despacho de deferimento ou indeferimento da pretensão do administrador da insolvência, uma vez que quer o tribunal, quer o administrador da insolvência encontram-se subordinados ao princípio da legalidade e, nos termos do art. 46º, n.º 1 do CIRE, integram a massa insolvente, salvo disposição em contrário, todos os bens que integram o património do devedor, à data da declaração da insolvência, suscetíveis de serem penhorados e, por isso, de serem apreendidos para a massa insolvente, e, bem assim os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo de insolvência, que igualmente sejam suscetíveis de serem penhorados e, por isso, de serem apreendidos para a massa insolvente. Ora, a vir a ser decidido, no âmbito daquelas duas ações, por decisão transitada em julgado, que a marca é propriedade da devedora, independentemente da demora dessas ações, dado tratar-se de um ativo patrimonial com valor pecuniário e, por isso, suscetível de ser penhorado (até porque não se vislumbrar tratar-se de bem absoluta ou relativamente impenhorável), aquela marca terá de ser apreendida para a massa insolvente e terá de ser liquidada.
Decorre do excurso antecedente que, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, ao não se pronunciar no despacho recorrido sobre nenhum dos fundamentos de oposição ao deferimento do pedido formulado pelo administrador da insolvência em que o próprio e restantes credores se opuseram ao deferimento da pretensão daquele para que fosse autorizado a constituir como mandatária da massa insolvente a Ex.ma Senhora Dr.ª CC no âmbito dos dois processos que identifica, a 1ª Instância não incorreu no vício da nulidade, seja por omissão de pronúncia (a que se reconduz a sua alegação) ou por excesso de pronúncia, o que se decide.

B- Da nulidade do despacho recorrido por condenação ultra petitum

Nas conclusões 23ª a 29ª o recorrente assaca ao despacho recorrido o vício da nulidade, por excesso de pronúncia, alegando ser “também nulo o despacho em que “o juiz (...) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” – cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC. No caso, o Tribunal decidiu que a Massa devia ser representada pelos mandatários da Insolvente, tendo colocado como única limitação que “sob condição de tais honorários não onerarem a MI”. Todavia, o peticionado pelo senhor AI é que somente litigará caso a Massa logre ver deferido o respetivo apoio jurídico e não apenas caso os honorários dos advogados não onerem a MI. Resulta claro que o Tribunal a quo foi além do peticionado, tomando uma decisão acima do requerido pelo sr. AI”.
Conforme anteriormente já se demonstrou, a alegação do recorrente reconduz-se ao vício da nulidade do despacho recorrido, não por excesso de pronúncia, mas antes por eventual condenação ultra petitum da al. e) do n.º 1 do art. 615º.
A referida nulidade relaciona-se com o disposto no n.º 1 do art. 609º, nos termos do qual “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.
No caso dos autos, por requerimento de 20/06/2025, o administrador da insolvência requereu que fosse autorizado a constituir como mandatária da massa insolvente da devedora a Ex.ma Senhora Dr.ª CC, que representou a devedora no âmbito dos dois processos que identifica até à declaração da insolvência, processos esses em que se discute a titularidade da marca ...”, nomeadamente, se esta é propriedade da devedora ou do credor DD.
No dito requerimento, o administrador da insolvência acrescentou que aquele mandato a ser concedido à dita causídica para representar a massa insolvente no âmbito daquelas duas ações “apenas será conferido caso seja atribuído à massa o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de custas e demais encargos com o processo”.
No despacho recorrido, a 1ª Instância deferiu a pretensão formulada pelo administrador da insolvência e na parte dispositiva daquele despacho decidiu: “Assim sendo, defere-se o requerido sob ref. ...49, sob condição de tais honorários não onerarem a MI”, mas nada disse expressamente quanto à parte do requerimento apresentado pelo administrador da insolvência em que afirmou que somente concederá o mandato à dita advogado para que represente a massa insolvente no âmbito daquelas duas ações caso nestas logre ver deferido o apoio judiciário na modalidade de isenção total de taxa de justiça e do pagamento de custas e outros encargos, com o que, na perspetiva do recorrente, o “tribunal a quo foi além do peticionado, tomando uma decisão acima do requerido pelo Sr. AI”.
Antecipe-se desde já, sem razão.
Defensores da tese clássica de que o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto e/ou de direito que servem de pressuposto à decisão proferida na parte dispositiva da sentença (acórdão ou despacho), Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, propugnam que “embora se aceite que a eficácia do caso julgado não se estende aos motivos da decisão, é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e o alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado”[14].
Já para Teixeira de Sousa, que é defensor da denominada tese eclética do caso julgado (que cremos ser atualmente largamente maioritária na jurisprudência nacional), defende que: “O caso julgado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão, isto é, a conclusão extraída dos fundamentos, que pode ser, por exemplo, a condenação ou absolvição do réu ou o deferimento ou indeferimento da providência solicitada. Contudo, “como a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”[15].
Decorre do que se vem dizendo que, independentemente da tese que se adote a propósito da eficácia do caso julgado, ser pacífico o entendimento doutrinal e jurisprudencial que a parte dispositiva da sentença, acórdão ou despacho tem de ser interpretado por apelo aos fundamentos de facto e de direito que lhe servem de fundamento. É por apelo a esses fundamentos que se comede o sentido interpretativo a dar ao decidido na parte dispositiva, isto e, o modo como o juiz quis resolver o conflito.
Assim sendo, na parte dispositiva do despacho sob sindicância, a 1ª Instância deferiu “o requerido sob ref. ...49, sob condição de tais honorários não onerarem a MI”, do que resulta: primo - que para se assacar o que concretamente foi deferido naquela parte dispositiva  do despacho sob sindicância tem, não só de se recorrer aos fundamentos de facto e de direito desse despacho ou, na sua insuficiência, ao requerimento ref. ...49, para a qual remete expressamente o decidido na parte dispositiva do despacho recorrido; secundo – que assim se procedendo, torna-se claro para qualquer observador externo, incluindo para o próprio recorrente, que a 1ª Instância deferiu a pretensão do administrador da insolvência para que fosse autorizado a constituir como mandatária da massa insolvente a Ex.ma Senhora Dr.ª CC, que representou a devedora até à data da declaração da insolvência no âmbito dos dois processos que identifica, em que se discute se a marca ...” é propriedade da devedora ou do credor DD nas precisas condições em que o administrador da insolvência solicitou ao tribunal que lhe fosse concedida aquela autorização, ou seja, conforme escreveu o próprio administrador da insolvência naquele requerimento: “sendo que este mandato apenas será conferido caso seja atribuído à massa o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de custas e demais encargos com o processo” nos processos que se encontram em curso.
Destarte, salvo o devido respeito por entendimento contrário, ao não fazer referência expressa a essa condição na parte dispositiva do despacho recorrido, nem na própria fundamentação desse despacho, mas ao deferir “o requerido sob ref. ...49, sob condição de tais honorários não onerarem a MI”, quando nesse concreto requerimento o administrador da  insolvência é expresso em dizer que apenas conferirá mandato a favor da Ex.ma Senhora Dr.ª  CC para que represente a massa insolvente naqueles dois processos, caso neles seja “atribuído à massa o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de custas e demais encargos com o processo”, não ocorre qualquer nulidade daquele despacho por pretensa condenação ultra petitum (a que se reconduz a alegação da recorrente) ou, conforme pretende, nulidade por excesso de pronúncia, uma vez que essa condição consta da parte dispositiva do despacho, ao nela se remeter expressamente para o identificado requerimento apresentado pelo administrador da insolvência, deixando-se perfeitamente claro que essa autorização é concedida pelo tribunal desde que sejam observadas as condições que nele são explanadas pelo administrador da insolvência que, caso se alterem, demandam necessariamente novo pedido de autorização daquele ao tribunal.
Termos em que, sem mais, por desnecessárias, considerações, improcede a nulidade do despacho recorrido por condenação ultra petitum ou por pretenso excesso de pronúncia.

C- Da nulidade por falta de fundamentação
Assaca o recorrente ao despacho recorrido o vício da nulidade, por falta de fundamentação, sustentando que nele nada se referiu sobre os argumentos que invocou no requerimento de 10/07/2025, desconhecendo, por isso, as razões de facto ou de direito que levaram o tribunal a decidir como decidiu e para não ter acatado o entendimento que sufragou naquele requerimento.
Enfatize-se que a nulidade por falta de fundamentação, da al. b) do n.º 1 do art. 615º, é uma consequência do disposto no art. 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, em que expressamente se estabelece que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Densificando a referida imposição constitucional, estabelece o art. 154º que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas (n.º 1), não podendo a fundamentação consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2).
Por conseguinte, salvo a exceção que se acaba de referir, a sentença, o acórdão e os despachos têm de ser sempre fundamentados de facto e de direito, de modo a que qualquer observador externo médio que proceda à sua leitura tenha conhecimento de todos os fundamentos de facto e de direito em que se ancorou a decisão neles proferida no seu dispositivo final.
Em sede de estruturação da sentença, estabelece o art. 607º que esta começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpra solucionar (n.º 2); seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final (n.º 3); na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência (n.º 4); o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documento ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (n.º 5º), no final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade (n.º 6).
Destarte, ainda que o pedido não seja controvertido ou que a questão decidenda não suscite qualquer dúvida, salvo a exceção já antes enunciadas, todas as decisões judiciais têm de ser fundamentadas de facto e de direito por imposição constitucional e infraconstitucional, dado que, destinando-se aquelas a solucionar um conflitos de direitos ou de interesses entre os litigantes e, assim, promover a paz social, esse objetivo só será alcançado quando o juiz, através da fundamentação logre demonstrar que a decisão que proferiu não é um mero ato arbitrário, mas antes a concretização da vontade abstrata da lei aplicada ao caso concreto, passando de convencido a convincente.
A fundamentação exerce a função primordial de autocontrolo do próprio julgador, ao forçá-lo a ter de indicar e discriminar os factos que julgou provados, a indicar os que julgou não provados e, bem assim, a ter de exteriorizar os fundamentos probatórios e o raciocínio que a partir dele fez, ou deixou de fazer, para chegar à decisão de facto que proferiu. E em sede de julgamento da matéria de direito, ao ter de identificar as normas jurídicas que avocou, a interpretação que delas fez e o modo como as aplicou aos factos que julgou provados e não provados, dando-os as conhecer às partes para que possam ajuizar do bom (ou mau) fundamento do decidido e da viabilidade (ou não) de utilizarem os meios de impugnação que a lei lhes faculta. E em caso de recurso, a fundamentação permite também ao tribunal superior conhecer dos fundamentos fácticos e jurídicos considerados pelo tribunal a quo para que os possa reapreciar e sindicar, além de constituir um elemento fulcral de legitimação do próprio poder jurisdicional.
Com interesse, expende Abílio Neto que a fundamentação da decisão judicial “contribui para a sua eficácia, já que esta depende da persuasão dos respetivos destinatários e da comunidade jurídica em geral. (…). Só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, convencer as partes e a sociedade da sua justiça”. Mas a fundamentação “permite, ainda, quer pelas próprias partes, quer, o que é de realçar, pelos tribunais de recurso, fazer o reexame do processo lógico racional que lhe subjaz, pela via do recurso”. A fundamentação constitui “um verdadeiro fator de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões”. A fundamentação constitui “uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de direito e no Estado social de direito comum contra o arbítrio do poder judiciário”[16].
No mesmo sentido já ensinava Alberto dos Reis que: “A exigência da motivação é perfeitamente compreensível. Importa que a parte vencida conheça as razões por que o foi, para que possa atacá-la no recurso que interpuser. Mesmo no caso de não ser admissível recurso da decisão o tribunal tem de justificá-la, pela razão simples de que uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. Claro que a força obrigatória da sentença ou despacho está na decisão; mas mal vai à força quando não se apoia na justiça e os fundamentos destinam-se precisamente a convencer de que a decisão é conforme à justiça. A função própria do juiz é interpretar a lei e aplicá-la aos factos da causa; por isso, deixa de cumprir o dever funcional o juiz que se limita a decidir, sem dizer como interpretou e aplicou a lei ao caso concreto. A decisão é um resultado; é a conclusão dum raciocínio; não se compreende que se enuncie unicamente o resultado ou a conclusão, omitindo-se as premissas de que ela emerge”[17].
Não obstante a função angular desempenhada pela fundamentação, constitui entendimento doutrinal e jurisprudencial consolidado de que apenas ocorre a nulidade da sentença, acórdão ou despacho por falta de fundamentação quando o tribunal omita, total e absolutamente, a indicação e discriminação dos factos que julgou provados, a indicação dos que julgou não provados, a fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto que realizou, e/ou o enquadramento jurídico que deu a esses factos. A fundamentação deficiente, incompleta, sumária ou errada não dita a nulidade da sentença, acórdão ou despacho por falta de fundamentação[18]. Não deve confundir-se a falta de fundamentação com fundamentação deficiente, medíocre, sumária, ou errada e menos ainda com fundamentação divergente. “O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”. E por “falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”[19].
Revertendo ao caso dos autos, já nos pronunciamos supra quanto aos concretos valores a que deve obedecer a prolação de decisão concedendo (ou não) autorização ao administrador da insolvência para constituir a Ex.ma Senhora Dr.ª CC como mandatária da massa insolvente no âmbito dos dois processos que se encontram em curso e onde aquela exerceu o mandato que lhe foi conferido para representar a devedora até esta ser declarada insolvente: a prossecução dos interesses dos credores da devedora.
E também já nos pronunciamos supra a propósito da irrelevância para esses efeitos das razões invocadas pelo recorrente e demais credores da devedora no requerimento de 10/07/2025, em que deduziram oposição ao deferimento do requerido pelo administrador da insolvência e, inclusivamente, a propósito da impossibilidade legal de apreciar a quase totalidade desses fundamentos, por se encontrarem subtraídos ao conhecimento do tribunal a quo e sobre a irrelevância dos mesmos para se deferir ou indeferir a dita pretensão do administrador da insolvência.
Daí que, no despacho sob sindicância, ao enunciar as razões em que o administrador da insolvência alicerçou o pedido para que fosse autorizado a constituir aquela advogada como mandatária da massa insolvente para prosseguir o mandato que lhe fora conferido pela devedora até ser declarada insolvente, e ao concluir que a “pretensão do Administrador de Insolvência de continuar a litigância sobre a marca ..." é juridicamente sustentável, pois se enquadra nos seus deveres de gerir e maximizar o valor da massa insolvente, de agir com diligência e de forma imparcial no interesse do processo, e de se fazer representar legalmente, especialmente quando os custos diretos para a massa são inexistentes (arts. 55º e 81º do CIRE)”, a 1ª Instância exteriorizou as concretas razões de facto e de direito em que fez assentar a decisão de deferimento daquela pretensão do administrador da insolvência, não existindo, por isso, salvo melhor opinião, qualquer falta de fundamentação.
Nesta conformidade, improcede o vício da nulidade que o recorrente assaca ao despacho recorrido, por pretensa falta de fundamentação.

D- Mérito
Assaca o recorrente erro de direito à decisão proferida no despacho recorrido, sustentando que aquela viola o princípio de celeridade da insolvência do art. 9º do CIRE; não existir qualquer interesses para a massa em litigar naqueles processos em que se discute a titularidade de uma marca com valor comercial de praticamente zero euros; e que com o deferimento da pretensão do administrador da insolvência apenas se conseguirá, com aqueles processos, adiar o término do presente processo de insolvência, com o aumento de custos para o mesmo, mais que não seja, os decorrentes dos honorários a liquidar ao administrador da insolvência.
Conclui dever a decisão impugnada ser revogada e substituída “por outra que impeça o Sr. Administrador da insolvência de prosseguir nos processos em que se discute a titularidade da marca ...”, por violação do princípio da celeridade processual, plasmado no art. 9º do CIRE”.

Quid Inde    
Nos termos do art. 9º, n.º 1 do CIRE, o processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, tem carácter urgente e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal.
No âmbito do CPEREF suscitava-se a dúvida se o carácter urgente do processo de insolvência se estendia igualmente aos seus incidentes, apensos e recursos, dúvida essa que foi afastada pelo CIRE no sentido positivo.
O carácter urgente atribuído ao processo de insolvência, seus incidentes, apensos e recursos prende-se com a necessidade de dar um desfecho rápido ao processo em causa, com o que se procura dar satisfação máxima aos interesses dos credores do devedor e, a título secundário, aos do próprio devedor, na medida em que uns e outro virão os seus interesses otimizados quanto mais rápido for traçado o futuro da empresa compreendida na massa insolvente, caso os credores optem pela sua recuperação, mediante a aprovação de um plano de insolvência e execução das medidas nele previstas, obstando-se ao degradar da sua situação patrimonial e financeira, com o acentuar da insolvência e, nos casos em que tal não seja possível e os credores optem pela liquidação do património do devedor, naturalmente que quanto mais célere for a apreensão e a liquidação desse património, mais rápido os credores obterão a satisfação (ainda que parcial) dos seus créditos e se potenciará o máximo produto da liquidação, ao colocar os bens que integram a massa insolvente a salvo do risco de se perderem ou de se degradarem por via do mero decurso do tempo[20].
Daí que se compreenda ter sido propósito do legislador, com o disposto no art. 9º, n.º 1 do CIRE, incutir a tónica de celeridade em todas as fases processuais do processo de insolvência.
Dir-se-á que se a razão de ser para o legislador ter atribuído natureza urgente a todas as fases do processo de insolvência é a otimização máxima dos interesses dos credores do devedor e, a título secundário, a salvaguarda dos próprios interesses do último, naturalmente que a celeridade processual não pode redundar em sacrifício desses mesmos interesses, como será o caso a que se reporta o recorrente, em que estando pendentes dois processos, em que se discute se a marca ...” é propriedade da devedora ou se antes do credor DD, em que, caso nesses processos, por decisão transitada em julgado, se venha a julgar que aquela marca é propriedade da insolvente, a mesma integra necessariamente a massa insolvente e, por isso, terá de ser apreendida pelo administrador da insolvência, que a terá de liquidar, para com o respetivo produto pagar as dívidas da própria massa e com o remanescente as da insolvência que tenham sido julgadas verificadas e graduadas em sentença transitada em julgado.
Dito por outras palavras, se a natureza urgente conferida pelo legislador ao processo de insolvência em todas as suas fases visa a salvaguarda dos interesses dos credores do devedor, e a título secundário, dos interesses do último, essa natureza urgente não pode servir de óbice processual para que se recuse a pretensão do administrador da insolvência para ser autorizado a  constituir como mandatária da massa insolvente a Ex.ma Senhora Dr.ª CC, que até à declaração da insolvência representou a devedora no âmbito desses dois processos, para agora prosseguir a representação neles da massa,  em que redunda a alegação do recorrente.
E muito menos serve para que se recuse essa autorização com o argumento expendido pelo recorrente de que “não existe qualquer interesse para a massa” no prosseguimento daqueles processos, “onde se discute a titularidade de uma marca com valor comercial de praticamente zero euros” e que “apenas se conseguirá, em tais processos, adiar o término do presente processo, como aumento de custos para o mesmo, mais não seja de honorários do sr. administrador da insolvência”.
Com efeito, como acima se referiu, cabe ao administrador da insolvência, logo que seja decretada a insolvência proceder à pronta apreensão dos bens que devem integrar a massa insolvente, atuando sempre na defesa dos interesses dos credores, no que exerce poderes-deveres sujeitos aos princípios da legalidade e da objetividade, pelo que, caso se venha a julgar que a marca é da propriedade da devedora, esta integra necessariamente a massa insolvente, que a terá de apreender para a massa insolvente e proceder à sua pronta liquidação, pelo que a prossecução dos interesses dos credores, incluindo da própria devedora passa pelo deferimento daquela pretensão do administrador da insolvência.
Quanto ao valor da marca, diversamente do pretendido pelo recorrente, encontra-se por demonstrar que o seu valor tenha um valor comercial praticamente de zero euros. Aliás, se assim fosse, mal se compreende a atitude do recorrente, credor da insolvência, que parece estar mais preocupado em defender os interesses do credor FF, do que os seus próprios interesses e dos demais credores da insolvência e da massa insolvente.
Finalmente, quanto aos custos acrescidos decorrentes dos honorários devidos com a liquidação da remuneração devida administrador da insolvência, na medida em que a remuneração deste é integrada por um parte fixa e uma parte variável, a qual se encontra dependente do produto dos bens apreendidos para a massa e que aquele liquide/venda, essa remuneração acrescida apenas se poderá reportar no aumento da remuneração variável que lhe é devida e apenas significará, por um lado, que no âmbito dos processos que se encontram em curso se julgou que a marca é propriedade da devedora e, por outro, que uma vez apreendida para a massa aquela marca veio a ser liquidada por um valor económico que não poderá ser próximo do zero, mas por valor bem superior de modo a provocar o aumento da remuneração variável devida ao administrador da insolvência.
Decorre do exposto, improcederem todos os erros de direito que o recorrente assaca ao despacho recorrido, pelo que nenhuma censura nos merece a decisão proferida pela 1ª Instância ao deferir a pretensão do administrador da insolvência para que fosse autorizado a constituir como mandatária da massa insolvente a Ex.ma Senhora Dr.ª CC, que representou a devedora até à data da declaração da insolvência no âmbito dos dois processos que identifica referentes à marca ...”.
Aqui chegados, na improcedência de todos os fundamentos de recurso invocados pelo recorrente, impõe-se julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
E- Das custas
Nos termos do disposto no art. 527º, n.ºs 1 e 2, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, quem do recurso tirou proveito. Entende-se que dá causa às custas a parte vencido, na proporção em que o for.
No caso, o recorrente AA ficou totalmente vencido no âmbito do presente recurso, pelo que as custas deste devem ficar a seu cargo.
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.
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As custas do recurso ficam a cargo do recorrente, dado ter ficado vencido.
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Notifique.
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Guimarães, 04 de novembro de 2025

José Alberto Moreira Dias – Relator
Pedro Maurício – 1º Adjunto
Alexandra Maria Viana Parente Lopes – 2ª Adjunta
           

[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro de 2014, Ediforum, pág. 734.
[3] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venham a citar sem referência em contrário.
[4] Neste sentido Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143, onde pondera: “Esta nulidade está em correspondência direta com o 1º período da 2ª alínea do art. 660º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e onde aponta como exemplo de nulidade por omissão de pronúncia, o seguinte caso retirado da prática judiciária: “Deduzidos embargos a posse judicial com o fundamente de posse baseada em usufruto, se o embargado alegar que este não podia produzir efeitos em relação a ele por não estar registado à data em que adquiriu o prédio e a sentença ou acórdão deixar de conhecer desta questão, verifica-se a nulidade (…). O embargado baseara a sua defesa na falta de registo do usufruto; pusera, portanto, ao tribunal esta questão de direito: se a falta de registo do usufruto tinha como consequência a ineficácia, quanto a ele, da posse do usufrutuário, o tribunal estava obrigado, pelo art. 660º, a apreciar e decidir esta questão; desde que a não decidiu, a sentença era nula”.
Ac. RC. de 22/07/2010, Proc. 202/08.1TBACN-B.C1: “…O juiz deve, antes de tudo, tomar em consideração as conclusões expressas nos articulados, já que a função específica destes é a de fornecer a delimitação nítida da controvérsia. Mas não só; é necessário atender, também aos fundamentos em que essas conclusões assentam, ou, dito de outro modo, às razões e causas de pedir invocadas (…). Em última análise, questão será, pois, tudo o que respeite ao litígio existente entre as partes, no quadro, tanto do pedido e da causa de pedir, como no da defesa por exceção”.
[5] Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143.
[6] No mesmo sentido Ferreira de Almeida, “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371, em que reafirma que “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes”. 
[7] Acs. STJ.  30/10/2003, Proc. 03B3024; 04/03/2004, Proc. 04B522; 31/05/2005, Proc. 05B1730; 11/10/2005, Proc. 05B2666; 15/12/2005, Proc. 05B3974.
[8] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 5º vol., pág. 54.
[9] Catarina Serra, “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, abril 2018, pág. 80.
[10] Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 3ª ed., Qud Juris, Lisboa 2015, pág. 71.
[11] Ac. R.P., de 04/06/2024, Proc. 816/99.3T8STS-AF.P1
[12] Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 331.
[13] Acs. RG., de 22/05/2025, Proc. 1069/09.8TBBGC-L.G1, RE., de 07/12/2023, Proc. 35/22.2T8LGA-E.E1.
[14] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra, 1985, pág. 715.
[15] Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex Lisboa 1997, págs. 578 e 579.
[16] Abílio Neto, ob. cit., pág. 298; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, pág. 736, em que expendem: “A fundamentação da sentença é, além do mais, indispensável em caso de recurso: na reapreciação da causa, a Relação tem de saber em que se fundou a sentença recorrida. Este vício da sentença tem a falta da causa de pedir como seu correspondente na petição inicial (art. 186-2-a)”.
[17] Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, Coimbra – 1945, págs.172 e 173.
[18] Ac. STJ., de 05/05/2005, Proc. 05B839; de 12/05/2005, Proc. 05B840; de 10/07/2008, Proc. 08A2179;  Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 199; Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 141; José Lebre de Freitas, “Código de Processos Civil Anotado”, vol. 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 703 e 704; e “A Ação declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3.ª edição, Coimbra Editora, setembro de 2013, pág. 332.
[19] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, Coimbra Editora, pág. 140.
[20] Alexandre de Soveral Martins, “Um Curso de Direito da insolvência”, vol. I, 4ª ed., Almedina, pág. 60, em que defende que: “O processo de insolvência deve conhecer um rápido desfecho. Os credores pretendem geralmente receber o valor dos seus créditos e evitar que o devedor possa prejudicar esse objetivo. O devedor, por seu lado, pode ter a ganhar com um célere esclarecimento da sua situação, almejando a adoção de medidas de recuperação. Há ainda que pensar no interesse em ver decidido se e em que termos aquele devedor pode continuar a atuar. Tudo isso ajuda a compreender por que razão o art. 9º, n.º 1, confere caráter urgente ao processo de insolvência”.