ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
CAUSA DE PEDIR
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
INSUFICIÊNCIA DO TÍTULO E DEMARCAÇÃO
Sumário


1. A causa de pedir as ações de demarcação é complexa, e exige a alegação: (a) da titularidade por Autor e Réu de prédios distintos; (b) da confinância desses prédios; (c) da controvérsia quanto aos limites e/ou da inexistência de linha divisória sinalizada no terreno.

2. Na ação de demarcação as partes não discutem os títulos de aquisição dos prédios, como na reivindicação, mas tão a extensão dos prédios.

3. Só na insuficiência dos títulos é que se faz a demarcação de harmonia com a posse em que estejam os confinantes, nos termos do artigo 1254º do Código Civil.

Texto Integral


I. Relatório

Na presente ação declarativa constitutiva sob a forma comum,
figuram como Autores e apelados:

FERNANDO e mulher

ANA, casados no regime de comunhão de adquiridos, ele titular do Bilhete de Identidade nº …, emitido pelos SIC de Viana do Castelo em 31/01/2003, e do NIF …, e ela titular do Bilhete de Identidade nº …, emitido pelos SIC de Viana do Castelo em 18/05/2001, e do NIF …, residentes na Rua …, freguesia de …, Viana do Castelo.

Figura como Ré e apelante:

P. – TRANSPORTES, LDA., com sede no Lugar da …, freguesia de ..., Ponte de Lima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial desta Vila sob o número único de matrícula e pessoa coletiva ….
Os Autores pediram:

- que se defina e fixe a linha divisória dos prédios que identifica, entre si confinantes, correspondente às estremas de cada um deles.
- que seja fixado o número de marcos, suas caraterísticas e distância entre eles, a implantar ao longo da linha divisória dos referidos prédios confinantes, bem assim como a data-limite para a sua implantação após o trânsito em julgado.

Para tanto alegaram, em síntese,

· O Autor marido adquiriu o prédio misto, que identificam, por compra em venda judicial por carta fechada, em 23-5-2014.
· Até 24-11-2009, este e um outro prédio, urbano, constituíam uma unidade económica murada em toda a volta, denominada Quinta C., com duas entradas, e delimitada num dos lados pelas linhas divisórias que dividem as freguesias de …, data em que foi celebrado contrato de compra e venda pelo qual a Ré comprou este prédio urbano.
· A Ré tem utilizado uma faixa de terreno, sita na freguesia de …, que os Autores entendem ser sua pertença, desde a aquisição que os Autores fizeram do prédio.

O Réu contestou, em súmula,
impugnando a factualidade e documentação junta pelos Autores, afirmando que existem sinais exteriores visíveis e permanentes que delimitam os prédios e que a ação deve ser decidida de encontro à posse em que se encontra.

Tendo-se procedido a julgamento, veio a ser proferida sentença com a seguinte decisão:

“Julgar a ação procedente por provada e, em consequência, decide-se:

1- Definir a linha divisória dos prédios dos autores e da ré na sua confinância norte/sul (a contar do prédio dos autores), em conformidade com a delimitação dos prédios constantes do ANEXO VI ao relatório junto a fls 218.
2- Deverão ambas as partes, ou uma delas na falta de colaboração da outra, no prazo de sessenta dias a contar do trânsito em julgado da decisão, proceder à colocação de vigotas pré-esforçadas de cimento, usualmente utilizadas na construção civil, implantadas em argamassa de betão inseridas num cabouco de 50 cm por 50 cm. A distância entre os marcos deve situar-se, aproximadamente, em 25 metros e a implantar ao longo da linha divisória dos referidos prédios confinantes.
Custas a cargo da ré.”

O presente recurso de apelação foi interposto pela Ré,
Insurgindo-se contra o facto e o direito apurados e aplicados na sentença, pugnando pela sua revogação.

Apresenta as seguintes conclusões:

1 - Resulta quer das declarações das testemunhas António, Gil e Eugénio, quer das fotos que integram o relatório elaborado na inspeção não judicial realizada, que o Tribunal “a quo” julgou incorretamente ao não fazer constar dos factos provados a factualidade descrita nos artigos 10º a 15º da contestação.
2 - Dos depoimentos das testemunhas, extrai-se que o arruamento calcetado em paralelo, que se inicia na entrada comum, sita do lado poente da antiga Quinta C. e sobe no sentido nordeste em direção dos pavilhões da antiga Fábrica C., era usado para aceder às instalações fabris da Fábrica C..
3 - Por esse arruamento circulavam, entravam e saíam camiões que forneciam o barro e outros produtos indispensáveis á produção de material cerâmico fabricado na “C.”, carregavam tijolo produzido para ser distribuído, entravam máquinas para a Fábrica C., era o acesso aos escritórios de contabilidade da antiga Fábrica C. e á garagem do administrador da unidade fabril da C. etc.
4 - Nenhuma das testemunhas inquiridas, inclusive as supra identificadas, referiu, em momento algum dos respetivos depoimentos, que o arruamento calcetado em paralelo granítico fosse utilizado para aceder ao prédio dos AA.
5 - O referido arruamento mostra-se desenhado e reproduzido no ANEXO VI ao relatório de fls 218 (relatório datado de 11 de Abril de 2016), o qual é reproduzido com legendas no ANEXO III do mesmo relatório elaborado na sequência da inspeção não judicial (nº 4 na legenda).
6 - Pelos depoimentos das testemunhas indicadas e pelos ANEXOS da inspecção não judicial de fls 218 o arruamento identificado servia única e exclusivamente a unidade industrial denominada “Fábrica C.”.
7 - Dos depoimentos em sede de Audiência extrai-se que a edificação situada do lado esquerdo do arruamento para quem segue a partir da entrada em direção à balança/pavilhões, foi construída pela antiga Fábrica C..
8 - Essa edificação foi usada como moradia do encarregado da Fábrica C., Sr Gil, desde junho de 1961 até 1982/1983.
9 - Depois dessa data aquela edificação foi usada como escritório da Fábrica C., Gabinete do Administrador da empresa, gabinete de contabilidade e sala de reuniões.
10 - Dos mesmos depoimentos conclui-se que os terrenos que se situavam na periferia dessa edificação eram cultivados pelos moradores dessa moradia, a família do encarregado da Fábrica C. e que havia mais edificações usadas pela mesma família, nomeadamente uma edificação, onde a mulher do encarregado, Sr Gil, tinha teares nos quais produzia carpetes e tapetes.
11 - Analisadas as fotos de páginas 11, 12, 13 (foto inferior) e 21 (foto inferior) do relatório efetuado na sequência da inspeção não judicial realizada em 26 de outubro de 2015, constata-se que os materiais utilizados nas construções aí representadas são tijolos, cimento e chapas.
12 - Os materiais usados nas edificações implantadas no prédio dos AA, (foto inferior da pagina 14 do relatório datado de 26 de Outubro de 2015 da inspecção não judicial) são essencialmente graníticas e com cobertura de telha.
13 - A Ré por si e seus antecessores tem estado na posse pública e pacifica do arruamento pavimentado em paralelo, das edificações sitas do lado esquerdo desse arruamento para quem segue em direcção aos pavilhões da antiga Fábrica C. vindo da entrada comum da antiga Quinta C., assim como da balança de pesagem.
14 - A resposta á matéria de facto deve ser alterada, dando-se como provado que:

- Existem sinais exteriores, visíveis e permanentes que delimitam o prédio dos Autores e da Ré;
- Que as construções existentes são diversas quanto aos materiais de edificação e ao uso ou destino que lhes é dado: do lado dos autores, duas casas de habitação de pedra e telha e dependências agrícolas e do lado da ré, diversos pavilhões industriais em tijolo, cimento e chapa e escritórios de apoio;
-Que o arruamento em paralelo de granito para acesso de camiões e máquinas, cargas e descargas, que segue uma das entradas da antiga Quinta C., serve exclusivamente o prédio da Ré;
- Que a Ré se tem servido em exclusivo do arruamento em paralelo de granito para acesso de camiões e máquinas, cargas e descargas.
15º - O artigo 1354º do CC é expresso em dispor que não sendo suficientes os títulos de cada um dos donos dos prédios em conflito para fazer a demarcação, esta será feita de harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova.
16º - O direito de demarcação supõe a incerteza ou duvida sobre a linha divisória entre dois prédios contíguos, por falta de marcos ou outros sinais exteriores que indiquem as estremas de cada prédio.
17º - Não se verificam estes pressupostos no caso em conflito.
18º - A linha divisória dos prédios dos AA e da Ré, terá de acompanhar o arruamento a que se faz referência em abundancia nestas alegações e que seguindo para nordeste abarcará a parcela de terreno onde está instalada a balança de pesagem ( nº 2 da legenda que acompanha o ANEXO III do relatório não judicial de fls 218) e daí em linha reta até ao vértice sul/poente que liga o prédio dos AA e da Ré na configuração constante no anexo VI do relatório da inspeção não judicial de fls. 218 datado de 11 de Abril de 2016.
19º - O Tribunal a quo ao decidir como decidiu, fez uma errada interpretação do direito, nomeadamente, das normas previstas no artigo 1354º do Código Civil.

Os apelados responderam, apresentando contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido, cujas conclusões, pela sua extensão, se resumem:

- A matéria de facto dada como provada em todos e cada um dos 25 itens que integram o elenco dos Factos Provados, e que não foi impugnada pela Ré Recorrente impugnou, neutraliza e conduz ao naufrágio as pretensões recursórias, já que a Decisão de facto daquela matéria impunha necessariamente que fosse dada como não provada a matéria de facto ínsita nos preditos itens nºs 2, 3 e 5 do elenco dos Factos não Provados.
- Os excertos dos depoimentos das testemunhas que depuseram em Audiência de Julgamento, sincopadamente transcritos pela Recorrente, não sustentam com o mínimo rigor e consistência a factualidade que através deles visa sindicar, devendo ser analisados no contexto muito mais amplo de tais depoimentos, havendo ainda documentos que não o apoiam.
- Para sustentar as suas Alegações de Recurso, estribou-se a Ré quase exclusivamente em excertos pontuais e esparsos do depoimento das testemunhas, fazendo tábua rasa dos documentos com que se encontram instruídos os autos, exceção feita à referência, ainda que superficial, às fotos de páginas 11, 12, 13 e 21 do Relatório da Inspeção não Judicial, junto a fls. 110 a 149-v., e ao Anexo III do “Relatório da Diligência da Tentativa de Conciliação das Partes”, datado de 11/04/2016, de fls. 207 a 219.

II. Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Da mesma forma, não está o tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, desde que prejudicadas pela solução dada ao litígio.

Face ao alegado nas conclusões das alegações, são as seguintes as questões que cumpre apreciar:

1 -- da impugnação da decisão da matéria de facto, apurando se devem ser dados como provados os seguintes factos:

_a) Que existem sinais exteriores, visíveis e permanentes que delimitam o prédio dos Autores e da Ré;
_b) - Que as construções existentes são diversas quanto aos materiais de edificação e ao uso ou destino que lhes é dado: do lado dos autores, duas casas de habitação de pedra e telha e dependências agrícolas e do lado da ré, diversos pavilhões industriais em tijolo, cimento e chapa e escritórios de apoio;
_c) -Que o arruamento em paralelo de granito para acesso de camiões e máquinas, cargas e descargas, que segue uma das entradas da antiga Quinta C., serve exclusivamente o prédio da Ré;
_d) - Que a Ré se tem servido em exclusivo do arruamento em paralelo de granito para acesso de camiões e máquinas, cargas e descargas.
2 -- as consequências jurídicas dessa alteração na aplicação do direito ou, mesmo que nada seja alterado se linha divisória dos prédios dos AA e da Ré, terá de acompanhar o arruamento que seguindo para nordeste abarcará a parcela de terreno onde está instalada a balança de pesagem e daí em linha reta até ao vértice sul/poente que liga o prédio dos AA e da Ré na configuração constante no anexo VI do relatório da inspeção não judicial de fls 218.
Para tanto importará analisar os critérios a atender para a fixação da linha divisória entre os prédios.

III. Fundamentação de Facto

A causa vem com a seguinte matéria provada:

- Factos Provados

1. Os Autores são donos e legítimos possuidores do prédio misto situado no lugar de …, também conhecido por Lugar …, da freguesia de …, concelho de Esposende, constituído por casa de rés do chão, dependência e logradouro; rés do chão e logradouro e terreno de cultura de regadio e sequeiro, videiras em ramada, pomar, eucaliptal, mato, pastagem e dependências agrícolas, inscrito na Matriz Predial da mesma freguesia e concelho sob os artigos … e … urbanos e 1814 rústico, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … da referida freguesia de ….
2. O referido prédio adveio à titularidade dos autores por compra que dele fez o autor marido em 23/05/2014, em venda judicial mediante proposta em carta fechada, promovida nos autos do Processo de Insolvência de M. Cunha – Indústria de Madeiras para Exportação, Lda. que então sob o nº 3502/09.0TBVCT correu termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo e presentemente corre termos na mesma Comarca, Instância Local, Secção Cível-J1.
3. Através de proposta em carta fechada, no valor de € 382.500,00, apresentada pelo autor marido e aberta em Sessão de Abertura de Propostas de 05/05/2014, presidida pela então Mmª Juiz titular, viria a ser proferido douto Despacho de adjudicação, exarado no Auto de Abertura de Propostas.
4. Transitado em julgado o referido Despacho, satisfeitas todas as obrigações legais, nomeadamente o pagamento de impostos e encontrando-se paga a totalidade do preço, foi pelo Sr. Administrador da Insolvência emitido em 23/05/2014 o documento denominado Título de Transmissão.
5. No referido “Título de Transmissão” lê-se, além do mais: “Mais certifico que o identificado bem foi objeto de venda judicial mediante proposta em carta fechada, sendo adquirido, pelo preço de € 382.500,00 (trezentos e oitenta e dois mil e quinhentos euros) por Fernando, com o NIF …, casado no regime de comunhão de adquiridos com Ana, com o NIF …, residentes no lugar de …, freguesia de …, concelho de Viana do Castelo.”
6. Através de Requerimento a que corresponde a Apresentação nº 1851, de 26/05/2014, a Conservatória do Registo Predial procedeu ao registo do citado prédio a favor do A. marido e ao cancelamento de todos os ónus sobre ele até então incidentes.
7. Consta da Certidão do Registo Predial que o prédio em apreço tem a área total de 151.624 metros quadrados, sendo 274 m2 de área coberta e 151.350 m2 de área descoberta.
8. Idênticas referências constam das Cadernetas Prediais.
9. Em 04/05/2014 foi publicitada no portal citius o anúncio de venda do referido prédio (verba nº 11).
10. O referido prédio juntamente com o prédio urbano sito no Lugar …, freguesia de …, concelho de Viana do Castelo, inscrito na Matriz Predial Urbana desta freguesia sob o artigo nº … e descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o número …, constituíam uma só unidade económica, murada em toda a volta, denominada “Quinta C.”, atravessada no seu extremo norte pela linha divisória das freguesias de … (Esposende) e … (Viana do Castelo).
11. Linha essa que delimita o concelho de Esposende pelo lado Norte deste, e correspetivamente, o concelho de Viana do Castelo, pelo seu lado Sul.
12. Conforme exarado no documento denominado “Compra e Venda”, consistente em escritura pública outorgada em 03/03/1995 no 2º Cartório Notarial …, através da qual M. Cunha – Indústria de Madeiras para Exportação, Lda. passou a ser dona da denominada “Quinta C.” constituída pelos preditos artigos matriciais urbanos nrs. … e …, e 1814 rústico, todos da freguesia de …, e artigo matricial urbano nº … da freguesia de …, foi atribuído ao prédio urbano a que corresponde o artigo nº 658/Alvarães, o valor de Escudos 1.000.000$00 (equivalente a € 4.987,98) e ao prédio misto a que correspondem os artigos urbanos nrs. 298 e 299/Forjães e rústico nº 1814/Forjães, o valor de Escudos 5.000.000$00 (equivalente a € 24.939,89).
13. Até 17/03/2008 o prédio inscrito na Matriz Predial Urbana de …/Viana do Castelo sob o artigo nº … e descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o nº … encontrava-se inscrito na Matriz e descrito na Conservatória com a área total de 15.748 m2, sendo a área coberta de 2.098 m2 e a área descoberta de 13.650 m2.
14. Em 16/04/2009, M. Cunha – Indústria de Madeiras para exportação, Lda. nos autos do Processo nº 2938/08.8 (carta Precatória extraída dos autos do Processo de Execução Ordinária. nº 661/2001, que correu termos no Tribunal Judicial de Barcelos) dirigiu àqueles um Requerimento no qual, além do mais refere que “E como já anteriormente se tinha dito, a área total do terreno do prédio em questão é de 15.748 m2 e não de 13.550 m2, como resulta da caderneta predial urbana actualizada com referência ao modelo 1 do IMI nº 1437971, apresentado em 2007/06/20 cfr., doc. nº 2 junto com o requerimento anterior.”
15. Através de Requerimento da então dona da “Quinta C.”, M. Cunha – Indústria de Madeiras Para Exportação, Lda., correspondente à Apresentação nº 83, de 17/03/2008, junto da Conservatória do Registo Predial foi efetuada por averbamento, a retificação das áreas do prédio a que se refere o artigo matricial urbano …, descrito na Conservatória sob o número 558/Alvarães.
16. Passando a área total do mesmo de 15.748 m2 para 16.000 m2, sendo a área descoberta de 13.550 m2 e a área coberta de 2.450 m2.
17. Através de escritura pública denominada de compra e venda, outorgada em 24/11/2009, o citado prédio urbano sito no lugar de … da freguesia de …, inscrito na Matriz sob o artigo nº … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … foi vendido a “P. – TRANSPORTES, LDA.”, ora ré, no Processo de Execução Ordinário nº 661/2001 que correu termos no Tribunal Judicial de Barcelos e Proc. nº 2938/08.8TBVCT, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo (Carta Precatória extraída dos autos do sobredito Proc. nº 661/2001) instaurado contra a anterior dona M. Cunha – Indústria de Madeiras Para Exportação, Lda.
18. No que tange à identificação do prédio consta da escritura de 24/11/2009, que se trata de um “Prédio urbano, composto de rés-do-chão, primeiro e segundo andares, águas furtadas, dependência anexa e logradouro, com área total de quinze mil setecentos e quarenta e oito metros quadrados, área coberta de dois mil e noventa e oito metros quadrados e área descoberta de treze mil, seiscentos e cinquenta metros quadrados, sito no Lugar …., freguesia de …, concelho de Viana do Castelo, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, e com o valor patrimonial tributário de € 207.350,00, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o número quinhentos e cinquenta e oito, da mesma freguesia de ….”
19. A referida escritura de 24/11/2009 não reflete as novas áreas do prédio, retificadas, resultantes do averbamento efetuado em 17/03/2008, sendo que ainda hoje constam da Matriz a área total do terreno de 15.748 m2 e a área de implantação do edifício de 2.098 m2.
20. A partir de 23/05/2014 a ré P. – Transportes, Lda. e M. Cunha, gerente da Insolvente M. Cunha – Indústria de Madeiras para Exportação, Lda., têm levado a cabo um conjunto de ações que colidem com o direito dos autores de fruir, velar, benfeitorizar e administrar como entenderem o seu prédio.
21. O referido M. Cunha, tio e padrinho do legal representante da ré, ocupa uma parcela de terreno, ali depositando sucata, autorizado pela ré que se arroga sua proprietária.
22. P. – Transportes, Lda. arroga-se proprietária de uma faixa de terreno com cerca de 230 metros de comprimento e 20 metros de largura, perfazendo a área de cerca de 4.600 m2, situada em toda a extensão da linha divisória do seu prédio com o dos autores.
23. Em data não concretamente apurada, foi removido do local onde desde tempos imemoriais se encontrava implantado o marco situado no extremo Nordeste do prédio dos autores, o qual separava as freguesias de … e de …, e respetivos concelhos.
24. Mantendo-se ainda incólume o maciço de pedra, construído sobre o solo, que servia de base de sustentação do referido marco cuja base encaixava na cavidade esculpida naquele.
25. Ao longo da linha com cerca de 230 metros de extensão em que o lado Norte do prédio dos autores confina com o lado Sul do prédio da ré, não existem quaisquer marcos visíveis ou identificáveis como tal.

A causa vem, igualmente, com a seguinte decisão quanto aos

- Factos não provados:

Não resultou provado que:

1. A faixa de terreno com 230 metros de comprimento e 20 metros de largura, está integralmente situada na freguesia de …, a sul da linha que delimita esta freguesia da de …, e respetivos concelhos de Esposende e Viana do Castelo.
2. Existem sinais exteriores, visíveis e permanentes que delimitam os prédios dos autores e da ré: as construções existentes são diversas quanto aos materiais de edificação e ao uso ou destino que lhes é dado: do lado dos autores, duas casas de habitação de pedra e telha, e dependências agrícolas; do lado da ré, diversos pavilhões industriais em tijolo, cimento e chapa, e escritórios de apoio; o arruamento em paralelo de granito para acesso de camiões e máquinas, cargas e descargas, que segue uma das entradas da antiga Quinta C., serve exclusivamente a ré; a terra do prédio dos autores é de cor escura, ora lavrada ora coberta de vegetação, e está separada do prédio da ré por duas extensas e alinhadas ramadas, a terra do prédio da ré é de tipo e cor barrenta, não lavrada, com restos espalhados de óleos e de madeiras.
3. Desde 24-11-2009 que a ré utiliza o seu prédio incluindo a faixa de 230 metros de extensão que pelo lado sul confina com o lado norte do prédios dos autores, na indústria da fileira de madeira, no sector do corte, abate e serração de madeiras, e transportes públicos rodoviários de mercadorias conexas.
4. No prédio, incluindo a parcela, recebeu clientes e fornecedores, e ajustou preços.
5. Serviu-se, em exclusivo, de um arruamento em paralelo de granito para acesso de camiões e máquinas, cargas e descargas.
6. Ocupou, em exclusivo, toda a área até duas extensas e alinhadas ramadas existentes no local.
[Os restantes factos alegados pelas partes nos respetivos articulados revelam-se inócuos para a decisão da causa, conclusivos ou constituem matéria de direito, motivo pelo qual não foram vertidos para o elenco dos factos provados ou dos factos não provados].

IV. Fundamentação de Direito

a) Dos critérios para a apreciação da impugnação da matéria de facto

Na reapreciação dos meios de prova deve-se assegurar o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância -, efetuando-se uma análise crítica das provas produzidas.
É à luz desta ideia que deve ser lido o disposto no artigo 662º nº 1 do Código de Processo Civil, o qual exige que a Relação faça nova apreciação da matéria de facto impugnada.
Como explanado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2012 no processo 649/04.2TBPDL.L1.S1, (sendo este e todos os acórdãos citados sem menção de fonte consultados no portal www.dgsi.pt) “A reapreciação da prova não se reduz a um controlo formal sobre a forma como o Tribunal de 1.ª instância justificou a sua convicção sobre as provas que livremente apreciou, evidenciada pelos termos em que está elaborada a motivação das respostas sobre a matéria de facto.”
Também neste tribunal se aplica o princípio da livre apreciação da prova, sendo que esta não se confunde com a íntima convicção do julgador.
A mesma impõe uma análise racional e fundamentada dos elementos probatórios produzidos, que estes sejam valorados tendo em conta critérios de bom senso, razoabilidade e sensatez, recorrendo às regras da experiência e aos parâmetros do homem médio.
Porque baseada em critérios objetivos, é suscetível de controlo.
Se o tribunal de recurso, com base em critérios racionais, concluir, com a necessária certeza, que houve um erro na apreciação da prova, porque esta deveria ser analisada em sentido diferente, deve proceder em conformidade, fazendo proceder a impugnação da matéria de facto nessa medida. Ao efetuar este juízo, deve, não obstante, ter em conta o afastamento que o tribunal de recurso tem de determinados tipo de provas, como a gravada e inspeção ao local.
E como alcançar tal certeza?
A formação da convicção não se funda na certeza absoluta quanto à ocorrência ou não ocorrência de um facto, em regra impossível de alcançar, por ser sempre possível equacionar acontecimento, mesmo que muito improvável, que ponha em causa a certeza, mas num alto grau de probabilidade.
“Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz – meio da apreensão e não critério da apreensão – a ideia de que mais do que ser possível (pois não é por haver a possibilidade de um facto ter ocorrido que se segue que ele ocorreu necessariamente) e verosímil (porque podem sempre ocorrer factos inverosímeis), o facto possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso. Donde resulta que se a prova produzida for residual, o tribunal não tem de a aceitar como suficiente ou bastante só porque, por exemplo, nenhuma outra foi produzida e o facto é possível.” cf o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-06-2014 no processo 1040/12.2TBLSD-C.P1 (sendo este, e todos os demais acórdãos citados sem indicação de fonte, consultados no portal dgsi.pt.)
A convicção do julgador é obtida em concreto, face a toda a prova produzida, com recurso ao bom senso, às regras da experiência, quer da vida real, quer da vida judiciária, à diferente credibilidade de cada elemento de prova, à procura das razões que conduziram à omissão de apresentação de determinados elementos que a parte poderia apresentar com facilidade e assegurariam com mais certeza o invocado, a dificuldade na apreciação da prova testemunhal e a fragilidade deste meio de prova.
Igualmente importa a “acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da ação.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Porto de 26-4-2014, no processo 1040/12.3TBLSD-C.P1).

.b) Da prova dos factos objeto da impugnação da decisão relativa à matéria de facto

Isto posto, vamos ao caso concreto.

Entende a Ré que se provou que os prédios se mostram delimitados por sinais exteriores consistentes nos diferentes materiais de construção utilizados no que entende ser o seu prédio e no que entende ser o prédio dos Autores (duas casas de habitação de pedra e telha e dependências agrícolas e do lado da ré, diversos pavilhões industriais em tijolo, cimento e chapa e escritórios de apoio), bem como que estes se encontram delimitados por um arruamento em paralelo de granito, porquanto este serve exclusivamente o prédio da Ré.
Mais pretende que se prove que se tem servido em exclusivo do arruamento em paralelo de granito para acesso de camiões e máquinas, cargas e descargas.
E para tanto pretende fundar-se nos depoimentos de testemunhas, que indica nas suas alegações: António, Gil e Eugénio, bem como nas fotografias juntas com a inspeção não judicial­. Afirma que o caminho que sobe para nordeste em direção aos pavilhões, era utilizado exclusivamente para entrarem e saírem camiões com barro, porquanto nenhuma testemunha afirmou que o arruamento era utilizado para aceder aos terrenos dos Autores.
No entanto, ouvindo-se a prova testemunhal globalmente não resulta claro, nem que a entrada, nem que o caminho se situem no prédio da Ré ora em demarcação, inscrito sob o artigo … e sob o nº … na Conservatória do Registo Predial.
Do depoimento de António, que trabalhou como contabilista da empresa até 1995, resultou que a propriedade era toda murada e que o tanque era muito anterior à cerâmica, servia toda a parte rústica; inicialmente o acesso a toda a quinta fazia-se pela entrada que tem acesso para a Estrada Nacional 103, e essa era a única entrada.
Só mais tarde é que se fez o outro caminho, então era o mesmo o sócio gerente da C. e o proprietário da parte rústica da Quinta. A casinha que existe sensivelmente a metade do caminho era anteriormente habitada por um caseiro que cultivava a Quinta e era também encarregado da fábrica. Depois deste mudar de habitação, esta casa veio a ser utilizada para arquivo, quer pela C., quer por outras duas outras sociedades. Nunca ali teve lugar qualquer serração de madeiras.
Do depoimento de Gil resulta que havia jornaleiras diárias que trabalhavam na Quinta, que a casinha referida supra se situava em zona que era agricultada, na parte rústica da propriedade, onde viveu com seu pai até este construir uma habitação, só tendo sido depois utilizada como escritórios. Afirmou perentoriamente que as latadas eram mais em baixo e não faziam a divisória entre os terrenos.
O depoimento de Eugénio foi no sentido de que a parte rústica da Quinta era de seu pai e o resto da fábrica, mas não havia coincidência entre a sua afetação e os seus proprietários. Mandou calcetar a primeira estrada em paralelo; a afetação da casa do encarregado a escritório não implicava que a mesma fazia parte do terreno pertencente à unidade industrial. Mais afirmou, quanto à natureza do terreno que pelo menos parte o terreno da área agrícola era argiloso, parte não estava cultivado; afirmou que para continuar os pavilhões (fabris) teria que fazer retificações de áreas dos prédios.
E nenhuma testemunha referiu o uso do terreno pela própria Ré e que esta utilizou, por si, o caminho empedrado para a passagem de quaisquer veículos.
O depoimento da testemunha Fernando A. não é, de todo, credível, por se mostrar totalmente emotivo, interessado e pouco objetivo, referindo ter utilizado parte do terreno de forma esporádica, e que entende ter sido vítima, tal como ocorreu na venda efetuada à Ré, de um processo de “usurpação” efetuada pelo administrador de insolvência, apresentando razões para as opiniões que assumidamente apresenta, com pouco factos concretizados, queixando-se de não ser ouvido na diligência efetuada nos autos pelo Sr. Perito, como se parte fosse.
Enfim, dos depoimentos conjugados resulta que parte do terreno rústico veio a ser afeta, durante certo período, ao uso industrial, enquanto houve coincidências e relações familiares entre os administradores dos prédios, sem que tenha existido qualquer preocupação em alterar os seus limites ou configuração, afirmando António e M. Cunha que a indústria de cerâmica da C. estava situada na freguesia de …, e Eugénio que a fábrica se tinha que situar nessa freguesia por razões de licenciamento.

Assim, não é possível dizer que os prédios sempre tenham estado afetos a diferentes fins económicos, antes que esta dupla utilização veio a coexistir em cada um deles durante bastante tempo, e sem que fossem alterados nas suas confrontações, se deu uma certa indefinição no seu uso. Tão pouco se pode afirmar que o arruamento não servia o prédio agrícola (embora tivesse sido melhorado, por deixar de ser em terra batida, quando foram afetas ao uso industrial partes do terreno, que haviam sido do interesse de toda a Quinta e tiveram funções agrícolas, mas sem alteração dos prédios, como se viu), mas tão só que foi empedrado no período em que coexistiram a utilização do terreno para fins agrícolas e industriais.
O “escritório de apoio”, a que se referiram as testemunhas, é um desses elementos sintomáticos do uso indistinto do prédio rústico.
Também destes depoimentos resulta que não há uma diferenciação clara entre a qualidade do terreno dos prédios e que estes nunca foram usados na indústria da serração de madeiras.
Enfim, não se pode considerar provada a matéria de facto que a Ré entende que se assente, por os elementos probatórios que aponta a tal não conduzirem com qualquer segurança e outros existirem que a afastam.
Com recurso aos elementos obtidos na inspeção não judicial, conjugados com os depoimentos e os documentos juntos resulta exatamente o que foi assente na sentença recorrida, nomeadamente quanto à inexistência de diferenciação clara de construções em ambos os terrenos, não existindo no terreno marcos e sinais exteriores nas estremas de cada prédio.
De resto, afirma a Ré que se provou que o arruamento a poente era apenas usado no interesse da fábrica, no entanto, não é certo que o mesmo não existisse anteriormente à construção desta (embora sem blocos de granito, postos pela testemunha Eugénio, quando se interessou pela fábrica, sem se preocupar se estava a ocupar prédio que não era daquela, por tudo pertencer à mesma família) e muito menos que o mesmo fazia parte do terreno que pertencia ao prédio da Ré.
Enfim, não se provou o uso do terreno nos termos expostos pela Ré (decorrendo antes dos depoimentos das testemunhas uma confusão na utilização dos prédios, entre dirigentes das sociedades e proprietários dos imóveis, sem qualquer intenção possessória na utilização dos terrenos, tudo visto como uma mera afetação, no tempo de proprietários bem anteriores à Ré e quem esta o adquiriu, sem que tal uso se demonstrasse já posteriormente).
Assim, é com base na inspeção não judicial, munida de todos os elementos que o Sr. Perito obteve nessa inspeção, como as imagens com vistas aéreas com origem no googleearth2013, carta militar de 1948, levantamentos aerofotogramétrico de 1974 e orfotomapa de 2004, carta militar de 1997, conjugado com as fotografias juntas, tudo elementos seguros, interpretados à luz dos depoimentos das testemunhas e dos demais documentos juntos, descrevendo o desenrolar da vida dos prédios, as estremas do que veio a ser denominada “Quinta C.” e depois as ora em apreço, que a sentença fundamenta a matéria de facto provada.
O que faz, sem necessidade de aqui se analisar mais detalhadamente, visto que se concorda na íntegra com o ali expendido na parte em que justificou a matéria de facto provada e uma vez que apenas está em causa, no que à impugnação da matéria de facto concerne, parte da matéria de facto não provada.
Ora, como se acabou de expender, não foram produzidos elementos que, entre si conjugados e criticados, confirmassem os factos que a apelante pretende que sejam considerados provados, quer testemunhais, quer documentais (é o próprio apelante que pretende afastar tais títulos, que o não favorecem), quer os obtidos nos autos (com a inspeção não judicial e elementos posteriores elaborados pelo especialista nomeado para a mesma).
Tudo posto, mostra-se impossível concluir que os sinais que a Ré pretende que delimitam os prédios correspondam de alguma forma às suas estremas, nomeadamente o “escritório de apoio” e o arruamento, embora estes em período de indefinição dos usos e fins dados aos prédios tenham sido usados para os fins industriais, pelo menos parcialmente.
Enfim, mantém-se na íntegra a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada constantes da sentença.

Aplicação do Direito aos factos apurados

Aqui chegados, importa verificar se se mostram preenchidos os pressupostos para a presente ação e, assim se concluindo, verificar se a estrema foi bem delineada.
Impõe o artigo 1353º do Código Civil o direito potestativo à demarcação, estabelecendo que o proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e os deles.

É unânime a jurisprudência quanto aos pressupostos desta ação e bem assim qual o método imposto pelo nosso Código Civil para efetuar a demarcação.
Com este tipo de ação pretende-se determinar e assinalar os limites entre imóveis confinantes, tornando-os visíveis e terminando com a confusão que nestes exista.
Nos casos em que as partes estão de acordo quanto à localização dos limites dos seus prédios contíguos, não havendo desacordo quanto à linha divisória, visa a ação tão só obter a colaboração na aposição dos sinais materiais no terreno que revelam a linha no terreno.
No entanto, não havendo acordo, há previamente que encontrar ou definir a linha que separa tais prédios, só depois se podendo proceder à sua corporalização no terreno.
Considerando estes pressupostos, encontra-se há muito assente, que se saiba sem oposição, que a causa de pedir nas ações de demarcação é complexa, e exige a alegação:

- da titularidade por Autor e Réu de prédios distintos;
- da confinância desses prédios;
- da controvérsia quanto aos limites e/ou da inexistência de linha divisória sinalizada no terreno.
Importa aqui salientar que a “distinção entre a ação de reivindicação e a ação de demarcação tem por base a diferença entre um conflito acerca do título e um conflito de prédios. Se as partes discutem o título de aquisição, a ação é de reivindicação. Se não discutem o título de aquisição do prédio de que a faixa faz parte, mas a extensão do prédio possuído, a ação é já de demarcação.” cf Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/13/2014 no processo 2201/12.0TBFAF.G1.
“A demarcação, portanto, tanto almeja a definição e fixação das estremas dos prédios cujos limites não são conhecidos, ou pelo menos, são discutíveis (a actio finium regundorum do Direito Romano) como simplesmente a aposição de marcos (supondo-se neste caso, portanto, que os limites entre os prédios são indisputados e apenas se pretende torná-los mais visíveis) (cfr. Gonzalez, José Alberto, Código Civil Anotado, vol. IV, 2011, p. 213-214)” citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/10/2012 no processo 725/04.1TBSSB.L1.S1.
Tal como a ação vem conformada pelas partes, é patente que ambas estão de acordo quanto aos factos que integram os pressupostos supra indicados.
Na contestação, a Ré não coloca em causa os títulos aquisitivos invocado pelos Autores, nem invocou a usucapião.
Quer os Autores, quer os Réus, estão de acordo quanto a serem proprietários de prédios confinantes e quais os seus títulos de aquisição (compras e vendas, sendo a celebrada pelo Autor marido por propostas em carta fechada com subsequente “título de transmissão”). Nesta parte não há desacordo expresso nos articulados.
A indefinição das estremas resulta do diferendo que deu origem a estes autos e nestes retratada na petição inicial e contestação: entende a Apelante que a mesma se faz pelo arruamento e abarca terreno onde foi colocada a balança de pesagem, o que não é aceite pelos Apelados.
É, além disso, manifesto que entre os prédios não existem marcos ou sinalização no terreno que trace linha divisória que delimite as suas estremas.
Verificados os pressupostos da ação, cumpre olhar para a linha traçada, por também esta ter sido posta em causa, na medida em que o Apelante pretende que o mesmo seja feito com base noutros critérios, não seguidos pela sentença em recurso.
O artigo 1254º do Código Civil esclarece como se deve proceder para efetivar a demarcação:

- Recorre-se em primeiro lugar aos títulos;
- Na sua insuficiência, de harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova;
- Se os títulos indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, atribuir-se-á a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um;
- Não existindo elementos suficientes que permitam obter a estrema com base nesses elementos, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais.
Baseando-se já não nos títulos, mas no facto de que a “Ré por si e seus antecessores (leia-se a fábrica C.) tem estado na posse pública e pacifica do arruamento pavimentado em paralelo, das edificações sitas do lado esquerdo desse arruamento …, assim como da balança de pesagem”, pretende a Ré, nesta apelação, que a linha divisória se faça pelo arruamento, abrangendo o local onde se encontrava a balança de pesagem e o denominado escritório de apoio.
No entanto, a versão apresentada na contestação fundou-se no uso do prédio no setor da madeira, não se referindo ao uso a que agora apela, relativo à cerâmica.
De qualquer forma, não se provou o uso do terreno nos termos expostos pela Ré, como supra se viu.
Não se encontra nos autos a posse exclusiva da Ré sobre o arruamento, as edificações e de toda a parte do terreno de que esta pretende beneficiar. Desde logo, soçobraria a pretensão desta, quanto à fixação da linha por este arruamento.
A ação de demarcação, apurada a necessidade do estabelecimento das linhas divisória dos prédios, tem particularidades muito interessantes, face às regras gerais aplicáveis às demais: desde que esteja demonstrados a confinância e contiguidade dos prédios, a diversa titularidade do respetivo direito de propriedade e a inexistência de linha divisória a ação de demarcação não há lugar à improcedência da ação, no sentido de desatender a pretensão de definir os limites dos prédios. (cf supra citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça) que, de forma expressiva, clarifica: “Por conseguinte, controvertida a localização da linha de demarcação, não pode deixar de ser delimitada uma área de terreno que pertence a um prédio ou ao outro, consoante a localização que vier a prevalecer, de acordo com os títulos, na falta ou insuficiência destes, de acordo com a posse que tiver sido exercida sobre essa área ou de acordo com o que resultar de outros meios de prova; se o problema no puder ser resolvido por qualquer destes critérios, resta a solução dita “salomónica” – que, diga-se, de salomónica não tem nada, já que a essência da justiça de Salomão não se baseou na “divisão”… - da divisão em partes iguais”.
“O direito a demarcar prédios depende, não tanto da invocação de uma linha de demarcação, mas antes da própria inexistência de demarcação em si - tudo o mais deve ser conhecido pelo próprio tribunal, aplicando, para efeitos da fixação de uma linha de demarcação, os critérios principal e supletivo previstos no citado artº 1354º.” – cf Acórdão do Tribunal daRelação de Porto no processo 666/04.2TBLMG.P1 de 05/10/2011.
Os títulos existentes é que concorrerão para definição das estremas, e esta definição não faz nascer um novo domínio, respeitando antes o domínio pré-existente.
Assim, e como se decidiu no acórdão do STJ de 09/10/2006 (relator Alves Velho) na ação de demarcação “o autor indica os limites que entende mas sujeita-se a um resultado que pode ou não coincidir com a linha proposta, podendo obter total ou parcial ganho de causa ou nenhum.”
Enfim, a demarcação tem que pôr fim ao estado de incerteza sobre o traçado da linha divisória entre dois prédios.
E a mesma deve ser efetuada com recurso aos procedimentos estabelecidos no artigo 1354º do Código Civil, estribando-se em primeiro lugar nos títulos; se estes indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, atribuir-se-á a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um.
Ora, os títulos em causa foram os alicerces para a demarcação, porque suficientes (aliás não se apurou diferente posse da Ré ou sucessor). No entanto, apurou-se que a área efetiva dos terrenos é superior ao que consta dos títulos em 13.247,00 m2.
Há, pois, que efetuar a marcação para que o excesso seja distribuído entre os prédios, proporcionalmente.
Na sentença recorrida foram respeitados e aplicados na íntegra os critérios legais para a fixação da linha de demarcação das estremas, com base nos títulos dos prédios, que continham as suas áreas e confrontações, com a aplicação da regra da proporcionalidade na adição a cada prédio da área do terreno que se veio a mostrar superior, traçando a linha tendo em conta os obstáculos físicos existentes.
Desta forma, nenhuma crítica há que apontar à decisão tomada na douta sentença.

V. Decisão:

Por todo o exposto julga-se a apelação improcedente e em consequência, mantém-se a sentença recorrida.
Custas na 2ª instância pelo apelante.

Guimarães, 18 de dezembro de 2017

Sandra Melo
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade