1. Na fixação do regime provisório (de atribuição da casa de morada de família), antecâmara do definitivo, deve atender-se às circunstâncias relativas à atribuição da casa da morada de família previstas nos arts. 1793º, nº 1, do CC (para a casa de morada de família de propriedade comum ou só de um deles) e 1105º, nº 2, do mesmo diploma (para a casa de morada de família arrendada) com excepção das que só podem ser consideradas no âmbito dessa atribuição e resultem da sentença de divórcio.
2. E deve ser atribuída uma compensação ao outro cônjuge, pois sendo a casa um bem comum de ambos os cônjuges, não seria justo que se beneficiasse um deles (o cônjuge que fica com o direito de utilizar provisoriamente a casa de morada de família) sem compensar o outro da privação do uso e fruição de um bem que também lhe pertence.
O recorrido contra-alegou e recorreu subordinadamente apresentando as seguintes conclusões de recurso:
1.º - Os factos provados impõem, quanto à concreta questão objecto do recurso que subordinadamente foi interposto - i.e., atribuição da casa de morada de família ao requerido, como sucedeu, sem a concomitante obrigação de pagamento de qualquer contrapartida à requerente - uma decisão oposta à tomada pelo Tribunal a quo.
2.º - Desde logo, entende o aqui recorrente que do rol dos factos provados deveria constar, além dos demais elencados na sentença revidenda, que foi a requerente e recorrida nesta apelação subordinada quem decidiu, unilateralmente, sair de casa e abandonar a morada de família – como se mostra confessado nos autos e, ademais, consta amiúde da fundamentação da sentença.
3.º - A justificação avançada pela ora recorrida contextualizar tal abandono não existe, como resulta do teor do facto provado n.º 15.
4.º - O abandono e saída por parte da recorrida da casa onde se mostrava instalada a morada da família correspondeu, por isso, a um acto livre, querido e consciente da mesma, que só veio a reclamar judicialmente (porque extra-judicialmente nunca o fez) a atribuição da dita casa volvido mais de 1 ano de tal abandono.
5.º - Invocada fica, portanto, a deficitária decisão da matéria de facto, da qual deveria constar, como vem de se expender, que foi a requerente quem, inesperada e unilateralmente, abandonou a casa de morada de família.
6.º - Esse facto, cujo aditamento vem de se impetrar, conjugado, além do mais, com a circunstância de a propriedade da dita casa de morada de família se encontrar registada a favor do recorrente e essoutro adquirido para os autos no item 7.º do rol da matéria provada, é de molde a impor que nenhuma compensação, seja a que título for, deverá ser paga à requerente.
7.º - É que não poderá perder-se de vista que (1.º) o imóvel encontra-se registado em nome do recorrente, (2.º) auferem as partes salários cujos valores são semelhantes, e (3.º) a recorrida encontra-se devidamente assistida pela sua família alargada, nomeadamente, os seus irmãos, que, inclusivamente, se encontram a pagar-lhe a renda da sua casa, o que não sucede com o recorrente.
8.º - Não parece, portanto, que se possa sustentar ser de deferir ao conjugue que abandona a casa (para habitar um apartamento arrendado por uma irmã e no qual não despende um cêntimo), uma compensação à custa daquele que investido fica no que é seu,
9.º - O que, a admitir-se, implicaria, no caso vertente, uma deslocação patrimonial do aqui apelante subordinado em favor da apelada, à guisa da utilização de um bem que esta enjeitou, quando é certo que o seu legítimo direito à habitação se encontra garantido por via de um arrendamento cuja renda nem sequer é paga por si.
10.º - E essa deslocação patrimonial implicaria, em última instância, um enriquecimento da apelada que careceria de título ou justificação, posto que embolsaria EUR. 170,00€ do recorrente quando não tem, como provado está, de despender qualquer quantia na renda do apartamento que habita e ficaria, até, em melhor situação financeira que este.
11.º - Solução contrária à que vem se sustentar, importaria a valorização do abandono da morada de família em favor de quem foi responsável pela eclosão da situação, num verdadeiro venire contra factum proprium - que fica alegado e invocado.
12.º - Entende, por isso, o recorrente que o Tribunal a quo cometeu, data venia, um erro de julgamento da matéria de facto, que se revela, como acima se sustentou, deficitária, em violação da obrigação expressa na norma contida nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º do C.P.C..
13.º - Por outro lado, a decisão tomada de impor ao aqui apelante o pagamento de uma renda de EUR. 170,00€ afronta a disciplina do artigo 1793.º do Código Civil e o regime do direito de propriedade consignado nos artigos 1302.º e ss. do Código Civil e 62.º da Constituição da República Portuguesa,
14.º - Porque a imposição de um pagamento, a título de renda ou outro qualquer, no caso vertente, colide com o direito de propriedade do apelante, que, sem haver contribuído para tanto, se vê adstrito a um pagamento que não vai ter outro destino senão o bolso da recorrida (querendo dizer-se, não visará suprir uma necessidade, porque suprida já ela está – e sem custos), quando é certo que o rendimento disponível desta é, até, como se divisa da sentença, superior ao do apelante.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.
Nos termos do n.º 1 do art.º 662 do CPC, a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Para além disso, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 662 “A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados
No entanto, a parte que pretender impugnar a matéria de facto tem que cumprir determinados ónus, sob pena da rejeição do recurso.
Tais ónus do recorrente consistem em, de acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do artº 640 do CPC (cfr, na jurisprudência, embora no domínio do Código revogado, mas inteiramente aplicável ao código actual, os acórdãos do S.T.J. de 7/07/2009 e do TRP de 20/10/2009, entre outros, ambos acessíveis em www.dgsi.pt):
- especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (que deverá referir na motivação do recurso e nas conclusões), mencionando o sentido em que, no seu entender, o tribunal deveria ter decidido relativamente a cada um dos concretos pontos de facto impugnado (ver o actual art. 640 n.º 1 al. a) e c) do C. P. Civil);
- fundamentar as razões da discordância, referindo os concretos meios probatórios em que fundamenta a impugnação ( actual art. 640 n.º 1 al. b) do C. P. Civil);
- quando se baseie em depoimentos testemunhais que tenham sido gravados, indicar os depoimentos em que se funda, indicando com exactidão as passagens da gravação em que se fundamenta, sem prejuízo da possibilidade de proceder à respectiva transcrição (indicação exacta dos trechos da gravação, com referência ao que tenha ficado assinalado na acta, diz Abrantes Geraldes na sua obra Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Dec.Lei n.º 303/07 de 24 de Agosto, pág. 136, Almedina, Fevereiro de 2008).
A impugnação da matéria de facto não gera a realização de um novo julgamento integral em segunda instância (cfr., a título de exemplo, António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 2ª edição revista e ampliada, p. 263 e 264), constituindo antes um meio de sindicar a decisão da primeira instância quanto à decisão da matéria de facto, relativa a determinados pontos concretos, pelo que não envolve a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida (sem prejuízo de o tribunal, se assim o entender, proceder à audição de todos os depoimentos), incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que ao recorrente compete identificar, indicando em complemento os concretos meios probatórios que, em seu entender, justificam uma diversa decisão.
Os requisitos descritos são cumulativos, não sendo suficiente que o apelante proceda à concreta identificação dos pontos da matéria de facto impugnados e na indicação do sentido ou sentidos das respostas a dar, em substituição das respostas dadas pela decisão recorrida, tendo que mencionar, ainda, os concretos pontos de prova relevantes em relação a cada um dos factos impugnados, indicação que terá de ser feita para cada um dos pontos da matéria de facto impugnada (cfr. o citado Ac. S.T.J. de 7/07/2009), porquanto só deste modo fundamentará as razões da sua discordância sobre a valorização dos elementos probatórios produzidos nos autos, procurando demonstrar que eles deveriam ter conduzido a conclusão diferente da formada na decisão recorrida.
Além disso, com a alínea c) do n.º 1 do art. 640, o recorrente deve expressamente especificar, ao impugnar a decisão sobre determinado facto, se entende que o mesmo deve considerar-se provado, não provado ou parcialmente provado e, neste caso, em que termos (cfr. A. Martins, C.P.Civil Anotações práticas, Almedina, 2013, pág. 295).
Como resulta das alegações e conclusões de recurso, a recorrente não invoca qualquer depoimento, não dá cumprimento cabal ao disposto no artigo 640, limitando-se a invocar os documentos.
Vejamos assim, se os documentos são suficientes para alterar a resposta sob os pontos impugnados .
Assim, no que respeita à inscrição matricial do prédio – facto sob o n.º 3 da sentença, o que consta dos documentos é que o prédio está inscrito na matriz sob o artigo 500. Se, eventualmente, já foi alterada a inscrição matricial, não pode este tribunal dar como provado tal facto, pois não consta de qualquer documento, devendo ser rectificado o referido ponto e onde consta 496, deve passar a constar 500.
De qualquer modo, tal só tem relevância para identificar correctamente o prédio e caso tenha havido alteração matricial deverá oportunamente ser feita a devida correspondência.
Quanto ao ponto sob o n.º 2 alega a recorrente que o mesmo deve ser alterado porque a sua filha não é casada.
Este facto foi alegado pelo recorrido dizendo o mesmo que na casa vivia a filha e o respectivo cônjuge. É certo que não está provado por documento o casamento da filha da recorrente e recorrido. Mas o facto em si não tem relevância para o desfecho da acção. De qualquer modo e como consta da fundamentação da matéria de facto, o tribunal baseou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas o que não foi impugnado pelo que nada há a alterar nesta matéria, até porque não foi junta pela recorrente qualquer certidão de nascimento da filha para comprovar o por si alegado (o estado civil da sua filha).
O que revela e é importante é o facto de saber quantas pessoas habitam na casa. E está provado que para além do recorrido habita um casal composto pela filha de ambos e o companheiro bem com a neta de ambos.
No que respeita ao facto sob o n.º 3 o facto essencial que se considerou provado é que a autora mandou efectuar uma peritagem e a conclusão da mesma peritagem.
Esse é o facto relevante; quando na mesma se fala em benfeitorias, deduz-se da referida perícia, que se faz referência à construção implantada no terreno, aos arranjos exteriores, agrícolas etc, uma vez que a casa foi implantada num terreno apenas pertencente ao réu.
Conclui a peritagem mandada efectuar pela autora que o valor das benfeitorias é de150.000,00 €.
Como já se referiu, o valor aí referido só pode entender-se em relação à construção implantada no terreno e arranjos.
Quem alegou que o valor da propriedade era de € 139.640,00 foi a recorrente. No entanto, tal facto não está provado documentalmente e o que consta da peritagem que a mesma solicitou, é o valor de € 150.000,00.
Assim é de alterar o artigo da sentença com a seguinte redacção:
Foi mandada elaborar uma peritagem pela Autora que concluiu tratar-se de construção com 14 anos, acabamentos de qualidade média, com equipamentos de qualidade e conforto. É um prédio misto, sendo a parte rústica inscrita na matriz sob o artigo R 98 e com a área de vinha e pomar de 1856 m2.
Nessa peritagem o perito subscritor conclui que o valor actual das benfeitorias é de €150.000,00.
Também a recorrente no que respeita ao ponto 10 pretende que seja alterada essa matéria.
O documento n.º 2 não espelha qual o gasto da água, pois refere-se a resíduos sólidos e águas residuais e o documento de fls 133 refere-se a factura de electricidade.
Assim, só por força destes documentos nunca este tribunal poderia alterar o facto que foi dado como provado sob o n.º 10º, de acordo com o disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil. E como já se referiu, não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 640º já citado e, por isso, não podem ser apreciados os depoimentos. E o mesmo se diga quanto aos rendimentos do réu.
Deste modo, tendo em conta o supra referido, é a seguinte a matéria de facto a considerar:
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1º A casa de morada de família trata-se de uma moradia unifamiliar composta por cave, rés-do-chão com 5 divisões, cozinha e três quartos de banho, vestíbulos e despensa, com superfície coberta de 174 m2 e logradouro de 626 m2, com o artigo matricial nº 500 da freguesia de Gondizalves e descrita na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o número 491/20100512. Tal moradia encontra-se descrita na Conservatória e nas Finanças a favor do Réu
2º Na moradia supra mencionada mora até à presente data o Requerido, a filha do casal e o marido.
3º Foi mandada elaborar uma peritagem pela Autora que concluiu tratar-se de construção com 14 anos, acabamentos de qualidade média, com equipamentos de qualidade e conforto. É um prédio misto, sendo a parte rústica inscrita na matriz sob o artigo R 98 e com a área de vinha e pomar de 1856 m2.
Nessa peritagem o perito subscritor conclui que o valor actual das benfeitorias é de €150.000,00
5º A Autora Requerente é operária especializada de 1ª na Bosch Car Multimédia Portugal SA, auferindo de salário €683,50 base, a que acresce a diuturnidade, horas nocturnas e sujeita à retenção em termos fiscais, perfazendo no mês de Janeiro de 2014 o montante líquido de €640,94. Aufere ainda nas datas previstas os subsídios de natal e férias.
6º O Réu exerce as funções de encarregado de 1ª na firma ABB- Alexandre Barbosa Borges, SA com um salário base de €820, a que acrescem duodécimos do subsídio de natal e férias. O montante líquido auferido em Dezembro de 2013 foi de €860,92.
7º Pelo apartamento arrendado em que reside a Autora é devida renda no montante de €285 que é paga por uma irmã desta, em nome de quem está o contrato de arrendamento.
8º A requerente é diabética Tipo 2 tendo de se injetar com insulina, três vezes ao dia e ter alimentação regrada. Teve de trocar de óculos e tem gastos de cerca de €80 com água, electricidade e gás .
9º A requerente Autora despende em farmácia €100 mensais.
10º Com a casa de morada de família, o Réu tem um gasto aproximado de €300 em água, electricidade e gás.
11º O casal edificou a casa de morada de família, sobre terreno que fora adquirido pelo Réu antes do matrimónio.
12º É o Réu quem tem mantido a casa e pago os impostos e taxas respeitantes.
13º Nenhuma das partes tem pessoas a seu cargo ou dependentes de si.
14º A requerente e o requerido não têm outra casa na mesma área geográfica ou em zona limítrofe para onde se possam mudar.
15º Por sentença transitada em julgado em 20.4.2012, no âmbito do processo n.º 1135 do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, foi o Réu absolvido da prática de um crime de violência doméstica que lhe era imputado pela Autora.
Guimarães, 26 de Março de 2015.
Conceição Bucho
Maria Luísa Duarte
Raquel Rego