EXECUÇÃO
ACORDO RELATIVO À QUANTIA EXEQUENDA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário


I - O artigo 806.º do Código de Processo Civil refere-se a um acordo relativo à quantia exequenda, pelo que, na ausência de declaração expressa em contrário, tem de se entender que o pagamento do montante que for acordado põe fim à execução.
II - O exequente litiga com má-fé ao fundamentar o seu pedido de renovação da execução no "incumprimento do acordo celebrado com o Executado", quando, como reconheceu mais tarde, sabia que os executados "pagaram o montante total do acordo".

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I
Na presente ação executiva, que corre termos no Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão, em que é exequente Banco 1... SA e executados AA e BB, a Meritíssima Juiz proferiu o seguinte despacho:

"Vêm os Executado(a)(s) BB (NIF ...57) e AA (NIF ...54), apresentar reclamação da decisão do Sr. (ª) Agente de Execução, pela qual este, acedendo ao requerido pelo Exequente decidiu pela renovação da execução extinta.
Alegam para tanto, em síntese que em 17/03/2015, o exequente Banco 1..., S.A. (NIF/NIPC ...16) intentou contra os Executado(a)(s) a execução para pagamento da quantia de € 15.228,79.
Prosseguem alegando que como resulta da referência ...02 de 07/12/2016 o Sr. (ª) Agente de Execução proferiu decisão de extinção da execução, nos seguintes termos em virtude de acordo global das partes; decisão essa que teve por base um acordo global, tácito, e após o pagamento da 7ª prestação (ver infra pagamento realizado a 29/11/2016);
No âmbito desse acordo global, tácito, entre exequente e executados, estes liquidaram àquele, em pagamentos mensais (64 prestações mensais) e sucessivos, desde o mês de maio do ano de 2016, até ao mês de agosto do ano de 2021, que perfazem a quantia de € 13.161,20;
Após a renovação da execução, os Executado(a)(s) procederam à transferência adicional para o Exequente de € 216,50;
Donde, somada esta quantia de € 216,50 ao aludido valor de € 13.161,20, perfaz a quantia já paga pelos executados ao exequente o valor de € 13.377,70.
Concluem os Executado(a)(s) que o exequente peticiona arbitrariamente, e à data em que o exequente requereu prosseguimento das diligências executivas, não corresponde o peticionado à realidade objetiva, não colhendo apoio nos autos e no título executivo a alegação do exequente de que: "…. à data de 05.08.2023, encontrava-se já em dívida o valor de Eur. 11.606,45, cfr. infra se discrimina: - Eur. 9.978,02 de capital; - Eur. 1.213,33 de juros à taxa contratual de 7,654 + 3% mora; - Eur. 92,53 de imposto de selo por utilização de crédito; - Eur. 263,50 de comissões; e - Eur. 59,07 de imposto de selo sobre juros".
Mais impugnam o mapa de responsabilidades apresentado nestes autos pelo Exequente sob a referência ...49 de 19/07/2024.
Terminam, requerendo sejam ordenadas as diligências necessárias para que notificado que seja o Senhor Agente de Execução se proferir decisão de extinção por pagamento na sequência dos comprovativos apresentados e dos aludidos requerimentos para extinção da ação executiva por pagamento, devendo em qualquer caso declarar-se nula a decisão de renovação da execução.

Respondeu o Exequente, expondo o seguinte:
- que a instância foi extinta, em 07/12/2016, em virtude do acordo de pagamento celebrado entre Exequente e Executados;
- o Executados deveriam proceder ao pagamento do montante aí fixado, e, após o cumprimento do acordo, continuar a liquidar as prestações vincendas do contrato, o que não sucedeu;
- os termos do acordo de pagamento em prestações celebrado entre Exequente e Executados, que visava a liquidação do valor vencido e prestações vincendas, com início a 30/09/2016, foram os seguintes: 58 prestações, sendo 57 parcelas mensais e sucessivas de Eur. 216,50 cada e uma de Eur. 215,18, sendo que o acordo visou o pagamento do montante total de Eur. 12.555,68;
- apesar dos pagamento dos Executados não terem sido no valor estipulado (efetuaram pagamentos mensais de Eur. 200,00), considera-se que pagaram o montante total do acordo, tendo esse valor sido amortizado ao valor em dívida;
- a soma do valor dos juros remuneratórios de Eur. 7.139,99, imposto de selo de Eur. 285,66, juros de mora de Eur. 2.501,98, imposto de selo de Eur. 100,18, despesas de Eur. 2.433,65, comissões de Eur. 1.231,98, imposto de selo de Eur. 49,30, resulta no valor total de Eur. 13.742,74;
- permanecendo em dívida o valor discriminado no mapa de responsabilidades junto aos autos, deve a ação prosseguir até efetivo e integral pagamento da quantia exequenda.
Notificado para se pronunciar o Sr. (ª) Agente de Execução não o fez.

Apreciando.
A presente execução foi instaurada em 17 de março de 2015, para pagamento da quantia de 15.228,79 € (Quinze Mil Duzentos e Vinte e Oito Euros e Setenta e Nove Cêntimos).
Foi apresentada como título executivo a escritura de mútuo com hipoteca, outorgada em 20 de fevereiro de 2012, pela qual o Banco 2..., SA mutuou aos Executados a quantia de €13.500,00 pelo prazo de 240 meses, a contar do dia 2 de março de 2012, sendo o montante mutuado reembolsado em 240 prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, em consonância com o plano estabelecido na escritura.

No requerimento executivo o Exequente alegou, ao que ora interessa, o seguinte:
«Sucede que os Executados não pagaram a prestação que se venceu na data identificada no capítulo do presente requerimento referente a liquidação da obrigação, pelo que se venceu o capital então em dívida, acrescido dos juros compensatórios calculados à taxa então em vigor, relativos ao período decorrido entre a última prestação paga e a primeira vencida e não paga e dos juros moratórios calculados à mesma taxa, mais 2%, desde esta data, até integral pagamento e ainda do montante pré-fixado para despesas judiciais e extrajudiciais.
O Banco Exequente tem, pois, o direito de haver dos Executados em regime de solidariedade e estes têm a obrigação de pagar-lhe as parcelas vindas de indicar, devidamente contabilizadas em sede de liquidação da obrigação.»
A quantia exequenda foi liquidada pelo Exequente, no requerimento executivo, do seguinte modo:
«(…)
Resumo
Capital dos mútuos: 12.950,20 €
Juros compensatórios e moratórios de ambos os mútuos: 1.662,09 €
Despesas asseguradas pelas hipotecas: 540,00 €
Taxa de justiça: 76,50 €
Juro moratório total: 4,47 €
Valor líquido: 12.950,20 €
Verbas dependentes de cálculo: 1.662,09 €
Verbas não dependentes de cálculo: 616,50 €
Total em dívida: 15.228,79 €»
Em 06/07/2016, a Sr. (ª) Agente de Execução informou o "Estado de Processo / Informação Estatística - Extinção - Acordo global" (cfr. req. junto aos autos em 21-11-2016);
E em 07-12-2026 a Sr.(ª) Agente de Execução proferiu decisão nos autos pela qual declarou a extinção da instância executiva nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 806.º do Código de Processo Civil.
O referido acordo global não foi junto aos autos, mostrando-se assente, que este não foi reduzido a escrito.
De todo o modo segundo alega o próprio Exequente (resposta à reclamação de 26-09-2024):
«14. Em 2016, foi celebrado acordo entre Exequente e Executados, que visa a liquidação do valor vencido e prestações vincendas, com início a 30/09/2016, nos seguintes termos:
- 58 prestações, sendo 57 parcelas mensais e sucessivas de Eur. 216,50 cada e uma de Eur. 215,18. - pagamento de eventuais despesas de contencioso, custas decorrentes da ação judicial em curso, incluindo honorários do Agente de Execução.
15. Assim sendo, o acordo visou o pagamento do montante total de Eur. 12.555,68.»
E no requerimento de 27-01-2025, o Exequente confessa que no âmbito do acordo celebrado, os Executado(a)(s) procederam ao pagamento de 64 prestações mensais e sucessivos, desde o mês de maio do ano de 2016, até ao mês de agosto do ano de 2021, que perfazem a quantia de € 13.161,20.
O que significa, portanto, que não surgem dúvidas de que os Executados cumpriram com o pagamento de todas as prestações acordadas para liquidação da quantia exequenda.
Defende, contudo o Exequente que lhe assiste o direito a requerer a renovação da execução extinta, uma vez que «o acordo celebrado teve como objetivo a regularização do contrato, e não a extinção da ação executiva», isto é, as partes teriam acordado que após o pagamento da quantia exequenda fixada no acordo as os Executado deveriam continuar a liquidar as prestações vincendas do contrato de mútuo que serve de título executivo, o que não sucedeu.
Ora, não cremos que ao Exequente assiste razão.
Com efeito, realça-se uma vez mais que não foi junto aos autos o alegado acordo de que os Executado para além da quantia exequenda continuariam a proceder ao pagamento das prestações vincendas, pelo que, não estando esse acordo nos autos nos autos, não pode o tribunal tê-lo em consideração.
Ainda assim, cremos que, a partir do momento em que o acordo de pagamento da quantia exequenda é cumprido, com o pagamento das prestações acordadas, não há, salvo o devido respeito por entendimento diverso, fundamento para requerer a renovação da execução extinta.
Assim, contrariamente ao propugnado pelo Exequente o acordo de pagamento em prestações que as partes alcançaram nestes autos tem como efeito, como teve, a extinção da execução, extinção essa que foi oportunamente declarada pela decisão da Sr.(ª) Agente de Execução.
Importa ainda ponderar que não obstante o título oferecido – escritura pública de mútuo com hipoteca – prever o pagamento da quantia mutuada em 240 prestações mensais e sucessivas, do valor total da quantia exequenda e do exposto no requerimento executivo, afigura-se-nos inequívoco que o pedido executivo não se refere apenas às prestações que se encontravam em dívida em 21-03-2015.
Veja-se que o Banco 2..., SA mutuou aos Executados a quantia de € 13.500,00 pelo prazo de 240 meses; a primeira prestação venceu-se em 2 de março de 2012; os Executados procederam ao pagamento das primeiras 24 prestações acordadas e em 2 de abril de 2014 deixaram de pagar, tendo a execução dado entrada em 21-03-2015 (ou seja um ano depois).
Assim, a quantia exequenda, de 15.228,79 € (Quinze Mil Duzentos e Vinte e Oito Euros e Setenta e Nove Cêntimos) reflete o vencimento total das obrigações, e não apenas as prestações que estavam vencidas à data da entrada da execução – num total de 12.
Ou seja, não estamos, in casu, perante uma hipótese de título de trato sucessivo, em que se poderia justificar a renovação da execução para o pagamento das prestações vincendas (que não integrassem a quantia exequenda), nos termos do disposto no art.º 850.º, n.º 1 do Código de Processo Civil – veja-se a situação paralela tratada no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo 3022/11.2TBPTM.E1, Relator: Conceição Ferreira, de 12-06-2019.
Nestes termos, concluiu-se que assiste razão aos Executados e, em consequência, julgo procedente a reclamação, revogando-se a decisão da Sr.(ª) Agente de Execução pela qual a mesma declarou a renovação da execução, anulando-se, consequentemente todos os atos executivos praticados subsequentemente."

Inconformado com esta decisão, dela o exequente interpôs recurso findando a respetiva motivação com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão do Tribunal a quo que (i) julgou procedente a reclamação dos Executados, revogando a decisão do Agente de Execução que declarou a renovação da execução, (ii) decidiu anular todos os atos executivos praticados subsequentemente a essa decisão e (iii) decidiu ordenar a suspensão das diligências executivas, o que merece a discordância do Banco Recorrente.
2. Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, a M.º Juiz a quo não fez correta interpretação dos factos nem adequada aplicação do direito, pelo que está o Recorrente convicto que Vossas Excelências, após reapreciação, não deixarão de revogar a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
3. Em 21 de Março de 2015, em virtude do incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de mútuo, no valor de Eur. 13.500,00 (treze mil e quinhentos euros), outorgado entre as partes em 28 de Fevereiro de 2012, o Banco instaurou ação executiva contra BB e AA, pela qual peticiona o pagamento do valor de Eur. 15.228,79 (quinze mil, duzentos e vinte e oito euros e setenta e nove cêntimos), correspondente à soma do capital em dívida, dos juros remuneratórios e de mora vencidos e despesas, cfr. requerimento executivo.
4. Em 2016, no decurso da ação executiva, as partes acordaram um acordo de pagamento pelo qual os Executados/Recorridos se obrigaram (i) à liquidação do valor vencido e vincendo (no decurso do acordo) em 58 prestações, mensais e sucessivas (57 parcelas no valor de Eur. 216,50 e uma de Eur. 215,58), (ii) ao pagamento de despesas de contencioso e custas decorrentes da ação judicial em curso e (iii) após pagamento do valor fixado no acordo, ao pagamento das prestações, mensais, vincendas a que se obrigaram no contrato com regresso deste à gestão da estrutura comercial do Banco.
5. Após extinção da instância em virtude do acordo, os Executados/Recorridos incumpriram o acordado com o Banco (quer quanto ao pagamento das prestações mencionadas no acordo quer quanto ao pagamento das prestações vincendas do contrato após o término do prazo estipulado para a vigência do acordo), pelo que o Banco requereu a renovação da execução.
6. A Meritíssima Juiz a quo revogou a decisão de renovação da instância proferida pelo Agente de Execução pois entendeu que o valor pago pelos Executados/Recorridos líquida a totalidade da quantia exequenda e que, do acordado com o Banco, não resulta para os Executados e Recorridos a obrigação do pagamento de valores vincendos a que se obrigaram no contrato, decisão que merece a discordância do Banco Recorrente.
7. O mútuo concedido, em 28 de fevereiro de 2012, pelo Banco aos Executados e Recorridos ascendeu a Eur. 13.500,00 (treze mil e quinhentos euros), pelo prazo de vinte anos, com reembolso estipulado em 240 prestações mensais e sucessivas, pelo que o montante global a reembolsar ao Banco ascende a mais de Eur. 30.000,00 e, de acordo com o contratado, o Banco só estaria integralmente reembolsado (capital, juros e acréscimos) no ano de 2032.
8. O pagamento, acordado com os Executados e Recorridos, das cinquenta e oito (58) prestações mensais e sucessivas (que incluía o valor vencido e vincendo durante o prazo do plano prestacional) visou, única e exclusivamente, a regularização do incumprimento do mútuo, sendo que, após a regularização e o término do prazo do acordo, os Executados/Recorridos deveriam continuar a liquidar as prestações vincendas no montante, prazo e condições a que se obrigaram contratualmente, recuperando-se, desta forma, sob a gestão comercial do Banco, o normal curso do contrato (cfr. artigo 28.º do DL 74-A/2017 de 23/06).
9. O acordo, a que as partes chegaram em 2016, visou a regularização do incumprimento do contrato e não o pagamento da totalidade do valor em dívida ao Banco, daí que, após o pagamento das prestações e findo o acordo, os Executados/Recorridos tenham ficado obrigados ao pagamento do remanescente do empréstimo nos termos contratualmente fixados.
10. O facto de não resultar dos autos acordo reduzido a escrito, não pode levar à conclusão – como decidiu o Tribunal Recorrido – de que a quantia liquidada pelos Executados/Recorridos paga, integralmente, a quantia exequenda e a dívida ao Banco.
11. Dos autos não consta qualquer prova de que o Banco tenha perdoado dívida aos Executados/Recorridos (muito menos uma quantia superior a 50% da dívida!) ou que os tenha desonerado do pagamento de qualquer valor, designadamente das prestações vincendas do contrato.
12. Assim como não resulta dos autos qualquer facto/elemento de prova que permita ao Tribunal a quo decidir que o pagamento realizado pelos Executados/Recorridos líquida a quantia exequenda ao Banco e/ou que os Executados e Recorridos estão desonerados do pagamento das prestações vincendas do contrato, nem tal entendimento tem o mínimo de acolhimento nos princípios do equilíbrio das prestações e da boa-fé - (cfr. artigos 237.º, 239.º e 350.º do Código Civil).
13. O pagamento da totalidade da quantia exequenda e da dívida ao Banco não pode resultar de presunção judicial.
14. A quantia fixada no acordo não abrange a totalidade da quantia exequenda em dívida ao Banco, pelo que, tendo presente o pedido e a causa de pedir, não podia o Tribunal considerar que a quantia exequenda ficou integralmente paga com os valores liquidados pelos Executados/Recorridos.
15. Face ao incumprimento do acordo e após apuramento – com a devida afetação das parcelas pagas pelos Executados/Recorridos – de que subsiste dívida ao Banco, o pedido de renovação da execução e prosseguimento dos autos para ressarcimento do remanescente da quantia exequenda é legalmente admissível.
16. A decisão do Tribunal a quo ao assim não ter decidido e ao rejeitar a pretensão do Banco Recorrente viola o preceituado nos artigos 806.º e 808.º do Código de Processo Civil, artigos 237.º, 239.º e 350.º, todos do Código Civil e artigo 28.º do DL 74-A/2017 de 23/06 pelo que deve ser, integralmente, revogada.
17. Face ao exposto, a decisão sob censura fez incorreta interpretação do condicionalismo fáctico subjacente e inadequada interpretação e aplicação do Direito impendente, designadamente das disposições legais supracitadas, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que ordene a renovação da instância e prosseguimento dos autos até efetivo e integral pagamento da quantia exequenda em dívida.
A executada contra-alegou sustentando a improcedência do recurso e dizendo que "deve o exequente ser condenado como litigante de má fé em multa não inferior a 2 UC e no pagamento de uma indemnização a favor dos executados não inferior a € 850,00".
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 4, 637.º n.º 2 e 639.º n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil[1], delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:
a) há lugar à renovação da execução que tinha sido declarada extinta em 2016;
b) o exequente litiga de má-fé.

II
1.º
Para a decisão deste recurso é relevante a realidade processual descrita na decisão recorrida e ainda que:
- A 7-12-2016 a Agente de Execução decidiu:
"Extingue-se a presente execução tendo em consideração que:
Atento o acordo celebrado nos presentes autos e uma vez que não existem bens penhorados que possam garantir a dívida, declaro a extinção da instância executiva nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 806.º do CPC, ficando as partes cientes do seguinte:
O(S) EXEQUENTE(S):
1. O acordo celebrado deverá ser pontualmente cumprido, sob pena de ser renovada a instância, prosseguindo a execução nomeadamente com a penhora de bens (n.º 2 do artigo 808.º do CPC);
2. Deverá (ão) conservar em seu poder os comprovativos de pagamento, pois estes poderão vir a ser-lhe(s) exigidos."
- No requerimento de 7-9-2023[2] o exequente afirmou:
"Face o incumprimento do acordo celebrado com o Executado (pois só a partir de 2020 é que este liquidou as prestações pelo valor acordado), somos a solicitar a V/ Exa. o obséquio de promover pela renovação dos presentes autos, nomeando-se à penhora o prédio urbano (…).
Para os devidos efeitos, informamos que à data de 05.08.2023, encontrava-se já em dívida o valor de Eur. 11.606,45, cfr. infra se discrimina:
- Eur. 9.978,02 de capital;
- Eur. 1.213,33 de juros à taxa contratual de 7,654 + 3% mora;
- Eur. 92,53 de imposto de selo por utilização de crédito;
- Eur. 263,50 de comissões; e
- Eur. 59,07 de imposto de selo sobre juros."
- No requerimento de 26-9-2024 o exequente (também) disse que:
"O acordo celebrado teve como objetivo a regularização do contrato, e não a extinção da ação executiva".
"Apesar dos pagamentos dos Executados não terem sido no valor estipulado (efetuaram pagamentos mensais de Eur. 200,00), considera-se que pagaram o montante total do acordo".
- No requerimento de 12-9-2025 os executados, referindo-se aos danos sofridos com a alegada litigância de má-fé do exequente, dizem:
"O valor da indemnização reclamado pelos Executados de valor não inferior a € 850,00 fundamenta-se no que segue:
1. Diz respeito, em parte, aos honorários do advogado que terão de ser suportados pelo executados que se preveem na importância de € 400,00 acrescido de IVA (total de € 492,00).
(…)
4. de facto, esta situação trouxe-lhes muitos incómodos, aborrecimentos e sofrimento com muitas noites mal dormidas, padecendo de nervosismo e ansiedade.
5. Pelo que, por estes danos, a indemnização deve fixar-se em € 500,00."
2.º
Resulta dos autos que em 2016 o exequente e os executados celebraram um acordo de pagamento da dívida, o qual, lamentável e inexplicavelmente[3], não foi junto ao processo. Esse acordo levou a que a agente de execução, a 7-12-2016, considerasse a instância extinta "nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 806.º do CPC".
Este preceito refere-se a um acordo relativo à quantia exequenda, pelo que, na ausência de declaração expressa em contrário, tem de se entender que o pagamento do montante que for acordado põe fim à execução.
Regista-se que a decisão da agente de execução de 7-12-2016 foi aceite pelas partes; nenhuma delas a colocou em causa. E nessa decisão, como se deu nota, declarou-se a extinção da execução e afirmou-se que "o acordo celebrado deverá ser pontualmente cumprido, sob pena de ser renovada a instância".
Deste modo, contrariamente ao que afirma o exequente, não se pode concluir que "o acordo celebrado teve como objetivo a regularização do contrato, e não a extinção da ação executiva" ou que "visou, única e exclusivamente, a regularização do incumprimento do mútuo, sendo que, após a regularização e o término do prazo do acordo, os Executados/Recorridos deveriam continuar a liquidar as prestações vincendas no montante, prazo e condições a que se obrigaram contratualmente". Note-se que nesta parte o exequente não ofereceu qualquer prova. Acresce que o elemento literal da decisão da agente de execução aponta, claramente, no sentido oposto ao que sustenta o exequente. E se o acordo, sendo cumprido, porventura não tivesse por objetivo a extinção da execução, então o exequente não se podia ter conformado com a decisão da agente de execução de 7-12-2016, pois, como é óbvio, nesse cenário era infundada e precipitada a decisão de declarar extinta a instância. Para além disso, conforme nos diz o artigo 808.º, que também é mencionado na decisão da agente de execução, só a "falta de pagamento de qualquer das prestações, nos termos acordados" é que permite ao "exequente requerer a renovação da execução".
Ora, o exequente acabou por reconhecer[4] que os executados "pagaram o montante total do acordo".
Portanto, se está pago "o montante total do acordo", não há fundamento para se renovar a instância.
3.º
Nas contra-alegações que apresentou, a executada sustenta que o exequente litiga de má-fé, na medida em que quer "exigir (…) uma importância que já estava paga e que já tinha recebido".
Respondeu o exequente afirmando que «considerou o acordo incumprido pelos Executados porquanto (i) os Executados/Recorridos não cumpriram, em relação a alguns meses/prestações, o pagamento da totalidade da prestação acordada com o Banco, facto este que deu, pronta, nota ao Sr. Agente de Execução na comunicação de 07 de setembro de 2023 e (ii) os Executados/Recorridos não cumpriram o pagamento das prestações vincendas do contrato, nos termos, prazo e demais condições contratuais, após o término do prazo estipulado para a vigência do acordo, facto este que resulta do mencionado requerimento de 26 de setembro de 2024 (…). Assim, o sentido da expressão "pagaram o montante total do acordo" constante do requerimento de 26 de setembro de 2024 foi, apenas, o de que os Executados entregaram ao Banco o montante que resulta do seu ponto 15), embora fora dos termos acordados com o Banco».
Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 542.º litiga de má-fé quem, "com dolo ou negligência grave, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa". Pretende-se, por esta via, sancionar "os comportamentos processuais especificados nas várias alíneas deste n.º 2, quer sejam dolosos, quer se devam a negligência grave da parte ou do seu representante ou mandatário - deixando, pois, de valer a ideia segundo a qual a condenação por litigância de má-fé pressupõe necessariamente o dolo, podendo fundar-se em erro grosseiro ou culpa grave"[5]. Constitui, segundo esse n.º 2, atuação ilícita "a apresentação de uma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade"[6]. E lembra-se que a litigância de má-fé se reporta à "ilicitude baseada na violação de posições e deveres processuais que, a serem atingidos, geram de imediato uma ilicitude sancionável independentemente da existência ou lesão de qualquer ilícito de direito substantivo - ou se se preferir da ofensa de posições jurídicas tuteladas pelo direito substantivo"[7]; é "um puro ilícito processual"[8].
Voltando ao nosso caso, temos que no seu requerimento de 7-9-2023 o exequente solicitou ao agente de execução para "promover pela renovação dos presentes autos", dado "o incumprimento do acordo celebrado com o Executado (pois só a partir de 2020 é que este liquidou as prestações pelo valor acordado)". Desta sua afirmação, apesar de não se liquidar o montante do alegado "incumprimento do acordo", resulta claro que o exequente imputa aos executados a falta de pagamento de pelo menos uma parte do valor total acordado. E é face à alegação de tal incumprimento que a execução se reinicia.
Note-se que nessa ocasião o exequente não disse que o acordo "visou, única e exclusivamente, a regularização do incumprimento do mútuo", "que, após a regularização e o término do prazo do acordo, os Executados/Recorridos deveriam continuar a liquidar as prestações vincendas no montante, prazo e condições a que se obrigaram contratualmente" ou que "apesar dos pagamentos dos Executados não terem sido no valor estipulado (efetuaram pagamentos mensais de Eur. 200,00), considera-se que pagaram o montante total do acordo". O seu pedido de renovação da execução não se fundou em qualquer um destes factos; não foi nesse contexto que solicitou o reinício do processo.
Por conseguinte, ao afirmar a 7-9-2023 que havia da parte dos executados um incumprimento do acordo de pagamento celebrado em 2016, quando, como mais tarde reconheceu, sabia que os executados "pagaram o montante total do acordo", o exequente alterou conscientemente a verdade dos factos. Ao agir assim violou o dever honeste procedere, pelo que litigou com má-fé.
Considerando o disposto no artigo 27.º n.os 3 e 4 do Regulamento das Custas Processuais, o valor desta ação, o facto de o exequente ser uma instituição bancária e todo o processado após o requerimento de renovação da execução, entende-se como adequado fixar a multa por litigância de má-fé em 4 UC.
Os executados pedem ainda o pagamento de uma indemnização "não inferior a € 850,00".
Para tal alegam que "preveem na importância de € 400,00 acrescido de IVA (total de € 492,00)" os "honorários do advogado que terão de" suportar e que face à conduta do exequente entraram "em pânico" e tiveram "muitos incómodos, aborrecimentos e sofrimento com muitas noites mal dormidas, padecendo de nervosismo e ansiedade".
Contrapõe o exequente dizendo que "os factos invocados pelos Recorridos carecem de absoluto fundamento fáctico e legal".
Como é sabido, a alínea a) do n.º 1 do artigo 543.º estabelece que a "indemnização pode consistir no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos". E a alínea b) acrescenta a "satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé". Sendo assim, estes "restantes prejuízos" abrangem os danos não patrimoniais[9].
No que se refere aos honorários devidos à sua Ilustre Mandatária, que os executados preveem ascender a 492,00 € (incluindo IVA), regista-se que o exequente defende que os mesmos "não integram o tipo de danos patrimoniais indemnizáveis ao abrigo do disposto nos artigos 542.º e 543.º do CPC, integrando, antes, a rubrica de despesas processuais da parte".
Muito se estranha esta conclusão que o exequente extrai do citado artigo 543.º, visto que este, na alínea a) do seu n.º 1, menciona "os honorários dos mandatários". Logo, é claro que "o juiz pode (…) arbitrar um quantitativo que pondere os dispêndios feitos com o mandatário judicial"[10]. Não ocorre, portanto, o impedimento invocado pelo exequente.
Por outro lado, "havendo elementos suficientes para tanto, deve ser fixada a indemnização que deles resulte. Não havendo, o juiz, ouvidas as partes, fixará, já depois da sentença em que profira a condenação por má-fé, mas nos autos da ação, aquilo que. no seu prudente arbítrio, lhe pareça razoável, não havendo assim lugar para a condenação no que se liquidar em execução de sentença. Quanto às despesas e honorários referidos no n.º 1-a, pode sempre o juiz, de acordo com a parte final do n.º 3 (haja ou não elementos de prova suficientes), reduzir aos justos limites as verbas apresentadas pela parte requerente."[11]
Na situação em apreço, no que se reporta ao montante dos honorários, os executados somente dizem que "preveem na importância de € 400,00 acrescido de IVA (total de € 492,00)" (sublinhado nosso). Quer isso dizer que ainda não é certo que seja esse o valor que efetivamente vão suportar com os honorários devidos à sua Ilustre Mandatária. Por sua vez, o exequente não questiona esta quantia apresentada pelos executados a título de previsão de honorários.
Neste concreto contexto entende-se como adequado fixar em 450,00 € (incluindo IVA) o montante da indemnização devida pelo exequente aos executados, relativa à despesa que estes terão com os honorários da sua Ilustre Mandatária.
No que toca aos alegados danos não patrimoniais lembra-se que o artigo 496.º n.º 1 do Código Civil dispõe que "deve atender-se aos (…) que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito". Verifica-se, assim, que "a lei não os enumera, antes confia ao tribunal o encargo de apreciar, no quadro das várias situações concretas, socorrendo-se de fatores objetivos, se o dano não patrimonial se mostra digno de proteção jurídica."[12] Perante esta formulação legal, facilmente se percebe que os danos não patrimoniais têm de atingir um patamar mínimo de "gravidade" para que possam merecer "a tutela do direito". Aqueles danos não patrimoniais que se situem abaixo de tal fasquia não serão indemnizáveis; não têm a relevância suficiente para obterem a proteção do direito.
No caso dos autos vemos, desde logo, que não há qualquer prova de que, por causa do reinício da execução, os executados tenham ficado "em pânico" ou que tiveram "muitos incómodos, aborrecimentos e sofrimento com muitas noites mal dormidas, padecendo de nervosismo e ansiedade". Ainda assim, é razoável admitir que por esse motivo os executados ficaram incomodados e aborrecidos, dado que é isso que a experiência de vida nos diz. Contudo esses incómodos e aborrecimentos não revestem "a gravidade que nos termos legais devem revestir os danos não patrimoniais indemnizáveis"[13].
Por conseguinte, no plano dos danos não patrimoniais não deve ser atribuída qualquer indemnização aos executados.

III
Com fundamento no atrás exposto:

a) julga-se improcedente o recurso, pelo que se mantém a decisão recorrida;
b) condena-se o exequente como litigante de má-fé numa multa de 4 UC;
c) condena-se o exequente a pagar aos executados uma indemnização de 450,00 €.

Custas pelo exequente.
Notifique.

António Beça Pereira
Maria dos Anjos Nogueira
António Figueiredo de Almeida


[1] São deste código todos os artigos mencionados adiante sem qualquer outra referência.
[2] E no requerimento de 23-8-2023 o exequente já tinha dito haver um "incumprimento do acordo celebrado com o Executado (pois só a partir de 2020 é que este liquidou as prestações pelo valor acordado)".
[3] Não se compreende esta negligência das partes e da agente de execução. Apesar de o artigo 806.º do Código de Processo Civil não o dizer expressamente, o certo é que "o acordo deve ter suporte escrito", Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, do Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020, pág. 222.
[4] Cfr. requerimento de 26-9-2024.
[5] Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª Edição, Vol. I, pág. 390. Em igual sentido veja-se o Ac. STJ de 12-6-2003 no Proc. 03B573, www.gde.mj.pt. Nesta matéria o ponto de viragem deu-se com o Decreto-Lei 329-A/95 de 12 Dezembro onde no seu preâmbulo se dizia, com toda a clareza, que "como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagram-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por ação ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjetivos".
[6] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2.ª Edição, pág. 220.
[7] Pedro de Albuquerque, Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Atos Praticados no Processo, pág. 52.
[8] Ac. Rel. Porto de 13-2-2017 no Proc. 3006/05.0TBGDM.P3, www.gde.mj.pt.
[9] Neste sentido veja-se o Ac. Rel. Guimarães de 16-9-2021 no Proc. 26/20.8T8VNF-B.G1 e a jurisprudência e doutrina aí citada, em www.dgsi.pt.
[10] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Edição, pág. 618. A este propósito veja-se Ac. Rel. Porto de 13-2-2017 no Proc. 3006/05.0TBGDM.P3 e Ac. Rel. Coimbra de 23-6-2020 no Proc. 2374/19.0T8VIS-A.C1, ambos em www.dgsi.pt.
[11] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª Edição, pág. 463.
[12] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª Edição, pág. 484.
[13] Ac. STJ de 4-9-2014 no Proc. 77/09.3TBSVC.L1.S1, www.dgsi.pt. Neste sentido veja-se Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, 4.ª Edição, Vol. I, pág. 499 e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª Edição, pág. 484.