RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
DENÚNCIA CALUNIOSA
FALSIDADE DE TESTEMUNHO OU PERÍCIA
ABSOLVIÇÃO EM 1.ª INSTÂNCIA
CONDENAÇÃO NA RELAÇÃO
ALTERAÇÃO DOS FACTOS
ARTIGO 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
PODERES DA RELAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA
ESCOLHA DA PENA
NULIDADE DA DECISÃO
Sumário


I. O arguido, após ter sido absolvido na 1ª instância, por virtude de recurso interposto pelo MºPº, veio a ver alterada tal decisão, pelo TRLisboa, que entendeu padecer a decisão de 1ª instância de vício de erro notório e, procedendo à alteração de factos, entendeu que o arguido havia cometido dois crimes, ordenando o reenvio dos autos para o tribunal de 1ª instância, com o fim restrito de determinação das penas a impor, quer parcelares, quer única.
II. O reenvio foi determinado por ter o TRLisboa ter entendido que inexistiam elementos de facto dados como assentes, que permitissem aferir e proceder à determinação da tipologia e da dosimetria da pena.
III. A interpretação jurídica que subjaz à jurisprudência fixada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 93/02.6TAPTB.G1-A.S1, 5ª SECÇÃO, de 21-01-2016 é a da não conformidade legal de uma decisão proferida em sede de recurso, se esta se abster de fixar a pena a impor.
IV. Os fundamentos que levaram à fixação da jurisprudência afastam a possibilidade de se poder entender, como considerou o tribunal recorrido, que é legal e válida a prolação de uma decisão penal incompleta, por se não debruçar, nem determinar a pena a impor a um arguido condenado pela prática de um crime, já que a decisão condenatória constitui requisito do dispositivo da sentença, estabelecido sob cominação de nulidade da sentença.
IV. Assim, o acórdão proferido pelo TRL é nulo, por padecer do vício de omissão de pronúncia, já que deixou de se pronunciar sobre matéria em relação à qual teria forçosamente de decidir (artº379 nº1 al. c), 374 nº 3 al. b) e 425 nº4, todos do C.P.Penal), designadamente no que toca à ausência de apreciação e decisão quanto à questão da tipologia e dosimetria das penas a impor ao arguido.
V. As soluções possíveis para tal suprimento mostram-se assinaladas no atrás mencionado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência e reconduzem-se, em síntese, às seguintes alternativas:
a. Pode o TRLisboa entender que dispõe de todos os elementos de facto necessários à decisão da pena, seja por recurso ao que consta nos autos, seja porque entende, ele próprio, proceder à reabertura da audiência, nos termos e para os efeitos previstos no artº 371 do C.P.Penal, em momento prévio à elaboração do novo acórdão;
b. Ou, não entendendo adequada ou possível tal solução, restar-lhe-á concluir que não se mostram reunidos os requisitos previstos no artº 431 al.a) do C.P.Penal, porque, efectivamente, não dispõe de todos os elementos necessários para decidir, designadamente no que concerne à fixação da pena a impor ao arguido e, nessa eventualidade, os autos terão de ser reenviados para o tribunal de 1ª instância, a fim de aí serem supridos, integralmente, os vícios que o acórdão recorrido lhe aponta, nos termos previstos no artº 426 nº 1 do C.P.Penal.

Texto Integral

Acordam em conferência na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça


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I – relatório

1. Por acórdão proferido pelo Juízo Local Criminal de Cascais – Juiz 3, foi o arguido, AA, absolvido da prática de dois crimes de denúncia caluniosa, previstos e punidos, respectivamente, pelos n.º 1 e 2, do artigo 365.º, do Código Penal, e de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido pelo disposto no artigo 360.º, n.º 1, ambos do Código Penal.

2. Inconformado, o MºPº interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

3. Por acórdão proferido em 6 de Maio de 2025, por esse Tribunal, foi julgado procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, foi o arguido condenado como autor imediato, sob a forma consumada e em concurso efectivo, de 1 crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º e 365.º, n.º 1, do C.P., praticado em 25-05-2019, de 1 crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º e 365.º, n.ºs 1 e 2, do C.P., cujo último acto foi praticado em 11-11-2019, e de 1 crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 1, 26.º e 360.º, n.º 1, do C.P., praticado em 14-01-2020.

4. O arguido, inconformado com esta decisão, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça arguindo, entre outras, a nulidade do acórdão proferido pelo TRL, por excesso de pronúncia, designadamente por ter condenado o ora recorrente pela prática de dois crimes de denúncia caluniosa, quando o MºPº, no seu recurso, pedia a sua condenação por apenas um (bem como pelo crime de falsidade de testemunho).

5. Interposto tal recurso para o STJ, que foi admitido, proferiu o Juiz-Desembargador relator do acórdão de Maio de 2025, o seguinte despacho:

AA interpôs recurso do acórdão de 06-05-2025 arguindo, para além do mais, a nulidade do mesmo, por excesso de pronúncia (cfr. arts. 379.°, n.° 1, al. c), e 425.°, n.° 4, do C.P.P.), dado que aquele teria conhecido do crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelos arts. 14.°, n.° 1, 26.° e 365.°, n.°s 1 e 2, do C.P., de que não podia tomar conhecimento uma vez que, nesta parte, a sentença absolutória proferida em 1.ª instância havia transitado em julgado.

As nulidades de acórdão do Tribunal da Relação que sejam invocadas pelo recorrente em recurso para o Supremo Tribunal de Justiça podem ser supridas pelo Tribunal da Relação por ser aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no art.° 414.°, n.° 4, do C.P.P., por remissão expressa do art.° 379.°, n.° 2, do C.P.P., aplicável por força do art.° 425.°, n.° 4, do C.P.P., numa clara consequência do princípio da celeridade processual (cfr. LATAS, António e ALBERGARIA, Pedro Soares de, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, Almedina, 2024, pág. 298).

Assim, com vista a evitar a prática de atos inúteis e simplificar o processado, desde já aos vistos e, de seguida, à conferência.Assim, decidiu, com vista a evitar a prática de atos inúteis e simplificar o processado, que o processo devia ir imediatamente aos vistos e, de seguida, à conferência.

6. Foi então proferido novo acórdão, em 17 de Junho de 2025, pela 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, na qual se declarou a nulidade do acórdão de 6 de Maio de 2025, por excesso de pronúncia, na parte em que conheceu do imputado crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelos art.ºs. 14.º, n.º 1, 26.º e 365.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Penal e procedeu ao seu suprimento, eliminando do mesmo todas as referências e apreciações respeitantes a tal crime.

7. Após esta nova decisão, veio o arguido interpor novamente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

8. Foi então proferido pelo Juiz-Desembargador relator, o seguinte despacho:

Apesar de, à primeira vista, parecer que o arguido interpõe recurso do acórdão de 17-06¬2025, que conheceu e supriu uma nulidade do acórdão de 06-05-2025, a verdade é que do seu teor resulta que o mesmo tem por objeto este e não aquele.

Ora, o recurso ora em apreço é exatamente igual àquele outro já interposto em 05-06-2025 (cfr. ref.` ....12 de 05-06-2025), tendo apenas sido expurgado da matéria referente à nulidade conhecida e suprida pelo acórdão de 17-06-2025 (cfr. ref.` ......04).

Assim, uma vez que o recurso interposto em 05-06-2025 já foi admitido (cfr. ref.` ......15 de 11-06¬2025), o que foi notificado ao arguido, na pessoa da sua ilustre mandatária (cfr. ref.` ......51 de 11-06-2025), nada mais há a ordenar.

9. O Ministério Público respondeu à motivação apresentada, defendendo a improcedência do recurso.

10. Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em idêntico sentido. Considerou ainda que Efetivamente, o recurso agora interposto repete toda a argumentação anteriormente avançada pelo recorrente para pôr em crise o acórdão de 06.05.2025, expurgada daqueles que diziam respeito à nulidade suprida pelo Tribunal da Relação de Lisboa por via do acórdão de 17.06.2025.

II – questões a decidir.

Dos vícios da decisão.

iii – fundamentação.

1. O tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de Junho de 2025, entendeu verificar-se a nulidade de excesso de pronúncia, no que toca ao acórdão que havia anteriormente prolatado, em Maio e entendeu que, embora não tivesse sido interposta reclamação para a conferência, sendo tal questão suscitada no recurso interposto pelo arguido recorrente, era aplicável ao caso o disposto no art.° 414.°, n.° 4, do C.P.P., por remissão expressa do art.° 379.°, n.° 2, do C.P.P., aplicável por força do art.° 425.°, n.° 4, do C.P.P.; isto é, considerou que, independentemente de o recorrente não ter pedido ao TRL o conhecimento e suprimento de tal vício, podia este tribunal do mesmo conhecê-lo.

Nesse acórdão e no que toca ao conhecimento de tal nulidade, fez o Tribunal da Relação constar o seguinte:

I.2. Da arguição de nulidade:

Inconformado com a decisão, o arguido AA dela interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, entretanto admitido, onde, para além do mais, pugna que aquela é nula, por excesso de pronúncia, de acordo com as seguintes conclusões:

“1ª- Tendo o Ministério Público, nas suas alegações de recurso para este Tribunal da Relação, limitado o seu recurso “à decisão absolutória dos crimes imputados ao arguido de denúncia caluniosa que deu origem ao processo de inquérito nº 345/19.6PFCSC e de falsidade de testemunho no âmbito desse processo”, transitou em julgado a Sentença de 1ª Instância, na parte em que absolveu o Arguido do crime de denúncia caluniosa relativo a ilícitos contraordenacionais e disciplinares, denúncia essa feita à GNR e à Câmara Municipal de Cascais;

2ª– O Acórdão recorrido é nulo, por excesso de pronúncia, na parte em que condenou o Arguido pela prática do crime de denúncia caluniosa referente às participações feitas à GNR e à Câmara Municipal de Cascais; (...)”

Colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.

II. Fundamentação:

II.1. Da questão a decidir:

A única questão a decidir reside em saber se o acórdão de 06-05-2025 é nulo, por excesso de pronúncia e, na afirmativa, suprir tal nulidade.

II.2. Ocorrências processuais com relevo para apreciar a questão a decidir:

Ora, com relevo para o definido objeto, e resultante dos atos processuais a seguir assinalados, importa atentar no seguinte:

II.3.A. Da decisão absolutória proferida em 1.ª instância (cfr. ref.ª .......82 de 25-09-2024):

No âmbito do Processo Comum Singular n.° 6067/19.0T9CSC, do Juízo Local Criminal de Cascais – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, por sentença de 25-09-2024, AA foi absolvido de 2 crimes de denúncia caluniosa, ps. e ps. pelo art.° 365.°, n.°s 1 e 2, do C.P., e de 1 crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.° 360.°, n.° 1, do C.P., cuja prática lhe havia sido imputada.

II.3.B. Do recurso interposto pelo Ministério Público (cfr. ref.ª ......26 de 25-10-2024):

Inconformado com a decisão, apenas o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido dela interpôs recurso, mas limitando-o à parte em que absolveu o arguido da prática de 1 crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art.° 365.°, n.° 1, do C.P., e de 1 crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.° 360.°, n.° 1, do C.P.

II.3. Da apreciação:

Aos acórdãos proferidos em recurso aplica-se o regime das nulidades da sentença previsto no art.° 379.° do C.P.P. (cfr. art.° 425.°, n.° 4, do C.P.P.).

Assim, será nulo o acórdão proferido em recurso que conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (cfr. art.° 379.°, n.° 1, al. c), do C.P.P.).

Deste modo, ocorrendo excesso de pronúncia quando o tribunal conheceu de questão (e não argumentos) de que não lhe era lícito conhecer, no caso de acórdão proferido em recurso, não pode conhecer-se de matéria que esteja para além do objeto de recurso (cfr. LOPES, José Mouraz, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, Almedina, 2022, pág. 801).

Não obstante o princípio de que o recurso abrange toda a decisão (cfr. art.° 402.°, n.° 1, do C.P.P.), é admissível a limitação do recurso a uma parte da decisão quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas (cfr. art.° 403.°, n.° 1, do C.P.P.), sendo que, para o efeito, é autónoma, a parte da decisão que se referir, em caso de concurso de crimes, a cada um dos crimes (cfr. art.° 403.°, n.° 2, al. c), do C.P.P.).

Ora, no presente caso, o recorrente limitou o recurso da decisão absolutória em 1.ª instância apenas à parte em que absolveu o arguido da prática de 1 crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art.° 365.°, n.° 1, do C.P., e de 1 crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.° 360.°, n.° 1, do C.P., pelo que não fazia parte do objeto de recurso o crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art.° 365.°, n.° 2, do C.P. (cfr. II.3.A. e II.3.B.).

É certo que, conforme resulta do acórdão de 06-05-2025 (cfr. I.1.), esta instância de recurso no dito acórdão de 06-05-2025 considerou ter ocorrido, na decisão absolutória proferida em 1.ª instância, em relação ao crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art.° 365.°, n.° 2, do C.P., um erro notório na apreciação da prova e, assim, um vício de conhecimento oficioso (cfr. art.° 410.°, n.° 2, al. c), do C.P.P.).

Contudo, o tribunal de recurso não pode conhecer oficiosamente dos vícios do art.° 410.°, n.° 2, do C.P.P., em violação do princípio da reformatio in pejus (cfr. art.° 409.° do C.P.P. e ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, 2008, § 15 de pág. 1033), pelo que tendo o arguido sido absolvido de 3 crimes, e tendo sido interposto recurso apenas quanto a 2 deles, não pode o tribunal de recurso conhecer de um vício do art.° 410.°, n.° 2, do C.P.P. que diga respeito ao outro crime.

Desta forma, tendo o acórdão de 06-05-2025 conhecido, apreciado e decidido relativamente ao crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art.° 365.°, n.° 2, do C.P., que não estava compreendido no objeto do único recurso interposto, está ferido de nulidade, por excesso de pronúncia.

Contudo, as nulidades de acórdão do Tribunal da Relação que sejam invocadas pelo recorrente em recurso para o Supremo Tribunal de Justiça podem ser supridas pelo Tribunal da Relação por ser aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no art.° 414.°, n.° 4, do C.P.P., por remissão expressa do art.° 379.°, n.° 2, do C.P.P., aplicável por força do art.° 425.°, n.° 4, do C.P.P., numa clara consequência do princípio da celeridade processual (cfr. LATAS, António e ALBERGARIA, Pedro Soares de, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, Almedina, 2024, pág. 298).

Importa, pois, para o efeito, eliminar do acórdão de 06-05-2025 todas as referências e apreciações respeitantes a tal crime, alterando em conformidade a numeração dos factos aditados ao elenco dos factos provados, bem como a numeração das notas de rodapé e aquela outra das páginas por forma a ambas serem contínuas.

Constata-se agora que no acórdão de 06-05-2025, no ponto I.4. se refere que a Exma. Procuradora-Geral Adjunta aderiu à “à resposta do Ministério Público” quando manifestamente se requeria dizer “ao recurso do Ministério Público”.

Por outro lado, nos pontos II.2., II.4., II.4.B. e II.4.B. do referido acórdão, é utilizada a expressão “recorrente” quando manifestamente se queria dizer “arguido”.

Tratam-se de lapsos de escrita percetíveis a partir do contexto em que aquelas expressões foram utilizadas, que não têm nem tiveram qualquer influência ou repercussão no sentido decisório e que são suscetíveis de correção oficiosa, nos termos do art.° 380.°, n.° 1, al. b), do C.P.P., aplicável por força do disposto no art.° 425.°, n.° 4, do C.P.P.

Por uma questão de facilidade, anexa-se ao presente acórdão o texto daquele outro de 06-05-2025 já de acordo com o ora decidido (cfr. IV.).

III. Decisão:

Declara-se a nulidade do acórdão de 06-05-2025 deste Tribunal da Relação de Lisboa, por excesso de pronúncia, na parte em que conheceu do imputado crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelos arts. 14.°, n.° 1, 26.° e 365.°, n.°s 1 e 2, do C.P., procede-se ao seu suprimento eliminando-se do mesmo todas as referências e apreciações respeitantes a tal crime e, em consequência:

- Altera-se a redação dos seguintes parágrafos:

- Onde no ponto II.2., pág. 6, consta “A. Se a sentença recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova, a que alude o art.° 410.°, n.° 2, al. c), do C.P.P., ao dar como não provados os pontos 2. a 6. (cfr. II.4.A.);” passará a constar: A. Se a sentença recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova, a que alude o art.° 410.°, n.° 2, al. c), do C.P.P., ao dar como não provados os pontos 2., 3. e 6. (cfr. II.4.A.);

- Onde no ponto II.4.A., pág. 20, consta “Ora, nesta parte, apesar de a sentença recorrida descrever a informação que foi prestada ao arguido por parte da polícia municipal de Cascais antes de aquele efetuar uma das denúncias, a atuação do próprio arguido e o que na realidade ocorreu, tudo absolutamente compatível com o conhecimento, da sua parte, da falsidade do por si imputado e declarado em relação ao assistente, chega ao resultado probatório oposto, considerando não provado que o arguido soubesse que a imputação e declaração eram falsas, o que não passaria despercebido a um jurista com preparação normal nem a um cidadão comum.”, passará a constar: Ora, nesta parte, apesar de a sentença recorrida descrever a atuação do próprio arguido e o que na realidade ocorreu, tudo absolutamente compatível com o conhecimento, da sua parte, da falsidade do por si imputado e declarado em relação ao assistente, chega ao resultado probatório oposto, considerando não provado que o arguido soubesse que a imputação e declaração eram falsas, o que não passaria despercebido a um jurista com preparação normal nem a um cidadão comum.;

- Onde no ponto II.4.A., pág. 21, consta “Tudo ponderado, com base no texto da decisão recorrida, conjugada com as regras da experiência comum, cumpre aqui fazer funcionar a possibilidade concedida a esta instância de recurso de alteração da matéria de facto nos termos do art.° 431.°, al. a), do C.P.P., eliminando do elenco dos factos não provados na sentença recorrida os aí constantes nos pontos 2 a 6 (cfr. II.3.A.), aditando-os ao elenco dos factos provados, passando a constituir os factos provados sob os pontos 21.A., 21.B, 22.A., 22.B. e 23.A., respetivamente.”, passará a constar: Tudo ponderado, com base no texto da decisão recorrida, conjugada com as regras da experiência comum, cumpre aqui fazer funcionar a possibilidade concedida a esta instância de recurso de alteração da matéria de facto nos termos do art.° 431.°, al. a), do C.P.P., eliminando do elenco dos factos não provados na sentença recorrida os aí constantes nos pontos 2., 3. e 6. (cfr. II.3.A.), aditando-os ao elenco dos factos provados, passando a constituir os factos provados sob os pontos 21.A., 21.B e 21.C., respetivamente.;

- Onde no ponto II.4.B., pág. 23, onde consta “Acresce que também resulta da matéria de facto provada que o recorrente agiu sabendo e querendo perante tal órgão de polícia criminal imputar ao dito assistente a prática de factos criminalmente relevantes, concretamente referenciáveis, com a consciência de que o mesmo não os havia praticado, tendo agido com a intenção de que contra o mesmo fosse instaurado procedimento criminal (cfr. factos provados sob os pontos 5., 20., 21., 21.A. e 23.A.– II.3.A. e II.4.A.), pelo que atuou com dolo direto (cfr. art.° 14.°, n.° 1, do C.P.).”, passará a constar: Acresce que também resulta da matéria de facto provada que o recorrente agiu sabendo e querendo perante tal órgão de polícia criminal imputar ao dito assistente a prática de factos criminalmente relevantes, concretamente referenciáveis, com a consciência de que o mesmo não os havia praticado, tendo agido com a intenção de que contra o mesmo fosse instaurado procedimento criminal (cfr. factos provados sob os pontos 5., 20., 21., 21.A. e 21.C.– II.3.A. e II.4.A.), pelo que atuou com dolo direto (cfr. art.º 14.º, n.º 1, do C.P.).;

- Onde no ponto II.4.B., pág. 27, onde consta “Ora, atenta a matéria de facto considerada provada ter-se-á que concluir ter o recorrente agido sabendo e querendo efetuar uma declaração, na qualidade de testemunha, perante órgão de polícia criminal, faltando à verdade (cfr. factos provados sob os pontos 5., 21.B. e 23.A. – II.3.A. e II.4.A.), tendo agido com a modalidade de dolo direto (cfr. art.° 14.°, n.° 1, do C.P.).”, passará a constar: Ora, atenta a matéria de facto considerada provada ter-se-á que concluir ter o recorrente agido sabendo e querendo efetuar uma declaração, na qualidade de testemunha, perante órgão de polícia criminal, faltando à verdade (cfr. factos provados sob os pontos 5., 21.B. e 21.C. – II.3.A. e II.4.A.), tendo agido com a modalidade de dolo direto (cfr. art.º 14.º, n.º 1, do C.P.).

- Onde no ponto II.4.B., pág. 28, onde consta “Assim, o recorrente é condenado, como autor imediato, sob a forma consumada e em concurso efetivo, pela prática de 1 crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º e 365.º, n.º 1, do C.P., praticado em 25-05-2019, de 1 crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º e 365.0, n.0s 1 e 2, do C.P., cujo último ato foi praticado em 11-11-2019, e de 1 crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.0 14.0, n. 0 1, 26.0 e 360.0, n.0 1, do C.P., praticado em 14-01¬2020.”, passará a constar: Assim, o recorrente é condenado, como autor imediato, sob a forma consumada e em concurso efetivo, pela prática de 1 crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelos arts. 14.0, n.0 1, 26.0 e 365.0, n.0 1, do C.P., praticado em 25-05-2019, e de 1 crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.0 14.0, n.0 1, 26.0 e 360.0, n.0 1, do C.P., praticado em 14-01¬2020.;

- No ponto III., pág. 32, onde consta “Ao abrigo do disposto no art.º 431.0, al. a), do C.P.P., elimina-se do elenco dos factos não provados os aí constantes sob os pontos 2. a 6. que se aditam à matéria de facto provada, passando a constituir, os factos provados sob os pontos 21.A., 21.13, 22.A., 22.13. e 23.A., respetivamente:

21.A. Através das condutas descritas, o arguido sabia que relatava às autoridades policiais, mormente PSP, factos que não eram verdadeiros, imputando-os a BB, e que assim manipulava a realização da justiça e atentava contra a honra de BB, o que quis e conseguiu.

21.13. Ao prestar depoimento no processo de inquérito crime 345/19.6PFCSC, o arguido sabia que prestava depoimento que não era verdadeiro e que, assim, manipulava a realização da justiça, o que quis e conseguiu.

22.A. Do mesmo modo, com a conduta supra descrita, o arguido sabia que relatava à Polícia Municipal factos que não eram verdadeiros, e que, desse modo, manipulava a realização da justiça e atentava contra a honra de BB, o que quis e conseguiu.

22.13. De igual modo, ao relatar à Guarda Nacional Republicana factos que não eram verdadeiros, sabia ao arguido que assim manipulava a realização da justiça e atentava contra a honra de BB, o que quis e conseguiu.

23.A. AA agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida. (cfr. II.4.A.);”, passará a constar: Ao abrigo do disposto no art.0 431.0, al. a), do C.P.P., elimina-se do elenco dos factos não provados os aí constantes sob os pontos 2., 3. e 6. que se aditam à matéria de facto provada, passando a constituir, os factos provados sob os pontos 21.A., 21.B e 21.C., respetivamente:

21.A. Através das condutas descritas, o arguido sabia que relatava às autoridades policiais, mormente PSP, factos que não eram verdadeiros, imputando-os a BB, e que assim manipulava a realização da justiça e atentava contra a honra de BB, o que quis e conseguiu.

21.B. Ao prestar depoimento no processo de inquérito crime 345/19.6PFCSC, o arguido sabia que prestava depoimento que não era verdadeiro e que, assim, manipulava a realização da justiça, o que quis e conseguiu.

23.C. AA agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida. (cfr. II.4.A.);

- No ponto III., pág. 32, onde consta “Condena-se o arguido AA, como autor imediato, sob a forma consumada e em concurso efetivo, de 1 crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelos arts. 14.°, n.° 1, 26.° e 365.°, n.° 1, do C.P., praticado em 25-05¬2019, de 1 crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelos arts. 14.°, n.° 1, 26.° e 365.°, n.°s 1 e 2, do C.P., cujo último ato foi praticado em 11-11-2019, e de 1 crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.° 14.°, n.° 1, 26.° e 360.°, n.° 1, do C.P., praticado em 14-01-2020 (cfr. II.4.B.).”, passará a constar: Condena-se o arguido AA, como autor imediato, sob a forma consumada e em concurso efetivo, de 1 crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelos arts. 14.°, n.° 1, 26.° e 365.°, n.° 1, do C.P., praticado em 25-05-2019, e de 1 crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.° 14.°, n.° 1, 26.° e 360.°, n.° 1, do C.P., praticado em 14-01-2020 (cfr. II.4.B.).;

- Suprimem-se os seguintes parágrafos e referências:

- No ponto II.3.A., págs. 7 a 9, os parágrafos referentes aos pontos 7. a 19. da matéria de facto considerada provada na sentença absolutória proferida em 1.ª instância, substituindo-os por (...);

- No ponto II.3.A., págs. 9 e 10, os parágrafos referentes aos pontos 22. a 26. da matéria de facto considerada provada na sentença absolutória proferida em 1.ª instância, substituindo-os por (...);

- No ponto II.3.A., pág. 10, os parágrafos referentes aos pontos 4. e 5. da matéria de facto considerada não provada na sentença absolutória proferida em 1.ª instância, substituindo-os por (...);

- No ponto II.3.B., pág. 11, os parágrafos referentes aos documentos de fls. 7, 117 a 124, 13, 14, 16, 20, 102 a 115, 125 a 128 e documentos juntos com a contestação, substituindo-os por (...);

- No ponto II.3.B., pág. 11, os dois últimos parágrafos, substituindo-os por (...);

- No ponto II.3.B., pág. 12, a referência a “e contraordenacionais”, substituindo-os por (...);

- No ponto II.3.B., págs. 12 e 13, a segunda referência extraída do enquadramento jurídico-penal da sentença proferida em 1.ª instância;

- No ponto II.4.A., pág. 16, os parágrafos referentes aos factos provados sob os pontos 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18., 19., 22. e 23. e aos factos provados sob os pontos 4. e 5. (2.º a 4.º parágrafos);

- No ponto II.4.A., págs. 18 a 20, os parágrafos referentes às denúncias apresentadas junto da Guarda Nacional Republicana, Câmara Municipal de Cascais e polícia municipal de Cascais (do último parágrafo de pág. 18 ao parágrafo de pág. 20 referente ao facto provado sob o ponto 16, inclusive);

- No ponto II.4.B, págs. 23 a 24, os parágrafos referentes ao enquadramento jurídico-penal do crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelos arts. 14.º, n.º 1, 26.º e 365.º, n.ºs 1 e 2, do C.P., cujo último ato foi praticado em 11-11-2019;

- Altera-se em conformidade a numeração das notas de rodapé e daquela outra das páginas por forma a permanecerem contínuas;

e procede-se, ainda, à correção de lapsos de escrita, substituindo as expressões “à resposta do Ministério Público” no ponto I.4. daquele acórdão por “ao recurso do Ministério Público” e a expressão “recorrente” nos pontos II.2., II.4., II.4.B. e II.4.B. da mesma decisão por “arguido”.

2. Seguidamente, transcreveu de novo o acórdão exarado em Maio de 2025, agora rectificado, sendo que, no que aqui nos importa, verteu o seguinte:

- Declara-se que a sentença recorrida padece do vício do erro notório na apreciação da prova (cfr. art.º 410, n.º 2, al. c), do C.P.P.);

- Ao abrigo do disposto no art.º 431, al. a), do C.P.P., elimina-se do elenco dos factos não provados os aí constantes sob os pontos 2., 3. e 6. que se aditam à matéria de facto provada, passando a constituir, os factos provados sob os pontos 21.A., 21.B, 22.A., 22.B. e 23.A., respectivamente: (…)

- Condena-se o arguido AA, como autor imediato, sob a forma consumada e em concurso efetivo, de 1 crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelos arts. 14, n.º 1, 26 e 365, n.º1, do C.P., praticado em 25-05-2019, e de 1 crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.º 14º, n.º 1, 26º e 360º, n.º 1, do C.P., praticado em 14-01-2020 (cfr. II.4.B.).

- Ao abrigo do disposto no art.º 426º, nº 1, do C.P.P., determina-se o reenvio do processo para novo julgamento restrito à determinação da sanção e, assim, à reabertura da audiência de julgamento para apuramento e eventual discussão dos factos necessários, com subsequente escolha e determinação da medida das penas parcelares e única a aplicar (cfr. arts. 369, 370 e 371 do C.P.P.), a efetuar pelo mesmo tribunal que efetuou o julgamento anterior (cfr. art.º 426.º-A, n.º1, do C.P.P.), e que deverá culminar com a prolação de uma nova sentença, na qual se incorpore, a nível de facto e de direito, o que resultar do reenvio parcial (cfr. II.4.C.).

3. No que toca aos dois recursos interpostos pelo arguido, constatamos que, de facto, como todos os intervenientes processuais referem, o segundo é uma repetição do primeiro, expurgado agora do suscitar da questão da nulidade da sentença, por excesso de pronúncia.

Entendeu o Mº Juiz “a quo” que, face a tal circunstância, o recurso a considerar deveria ser o interposto em primeiro lugar, tendo apenas admitido esse, sobre o qual recaiu a resposta do MºPº.

O recorrente não se pronunciou contra tal entendimento.

Assim, será com base no teor do mesmo que apreciaremos o presente recurso, sendo que o teor das respectivas conclusões é a seguinte:

1ª- Tendo o Ministério Público, nas suas alegações de recurso para este Tribunal da Relação, limitado o seu recurso “à decisão absolutória dos crimes imputados ao arguido de denúncia caluniosa que deu origem ao processo de inquérito n° 345/19.6PFCSC e de falsidade de testemunho no âmbito desse processo”, transitou em julgado a Sentença de 1ª Instância, na parte em que absolveu o Arguido do crime de denúncia caluniosa relativo a ilícitos contraordenacionais e disciplinares, denúncia essa feita à GNR e à Câmara Municipal de Cascais;

2ª– O Acórdão recorrido é nulo, por excesso de pronúncia, na parte em que condenou o Arguido pela prática do crime de denúncia caluniosa referente às participações feitas à GNR e à Câmara Municipal de Cascais;

3ª– O Acórdão recorrido não especifica as razões pelas quais se decidiu que o Facto Provado n° 23 A deveria transitar dos Factos Não Provados para a Factualidade Provada, pelo que é nulo, por falta de fundamentação;

4ª– A interpretação do art.° 434° do Cód. Proc. Penal no sentido de que o Arguido que tenha sido condenado pela prática de um crime na 2ª Instância, depois de haver sido absolvido na 1ª Instância, não pode pedir ao Supremo Tribunal de Justiça que proceda a uma reapreciação ampla da matéria de facto (com base no art.° 412°, n° 3 do Cód. Proc. Penal), viola o principio da igualdade previsto no art.° 13° da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, o princípio do acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva, previsto no art.° 20° da Constituição;

5ª– O Supremo Tribunal de Justiça pode, no caso em apreço, proceder ao reexame da decisão proferida sobre a matéria de facto com base no art.° 412°, n° 3 do Código do Processo Penal; 6ª– Os factos relatados pelo Arguido na denúncia que deu origem ao Inquérito n° 345/19.6PFCSC e, bem assim, no depoimento prestado no âmbito desse inquérito, são verdadeiros, pelo que, tendo o Arguido assistido/tido intervenção nos mesmos, não podia estar convencido de que os mesmos eram falsos;

7ª– Os factos 21 A e 21 B da Factualidade Provada devem ser eliminados com base no documento de fls. 179, no depoimento da testemunha CC (de 00:02:45.8 a 00:03:42.2 da 1ª gravação do depoimento da testemunha – de 15:23 a 15:32; de 00:04:01 a 00:04:58.2 da 1ª gravação do depoimento da testemunha – de 15:23 a 15:32; de 00:05:57.4 a 00:06:12.8 da 1ª gravação do depoimento da testemunha – de 15:23 a 15:32; de 00:00:20.4 a 00:00:54.8 da 2ª gravação do depoimento da testemunha – de 15:33 a 15:39 e de 00:01:41.8 a 00:01:52.2 da 2ª gravação do depoimento da testemunha – de 15:33 a 15:39 e dos Docs. n°s 1 a 5 juntos pelo Arguido no início da audiência de julgamento datada de 27/05/24;

8ª– Não pode atribuir-se à declaração da C...Clinica 1 – de que o Assistente aí se encontrava no dia 25 de maio de 2019, entre as 09h30m e as 10h00 – a relevância que o Ministério Público e o Acórdão recorrido lhe atribuíram (não resultando, assim, da mesma, que os factos denunciados pelo Arguido fossem falsos);

9ª– Os Factos n°s 21 A e 21 B da Matéria de Facto Provada devem, pelas razões acima expostas, ser julgados como não provados;

10ª– O Acórdão recorrido cometeu um erro notório na apreciação da prova e uma contradição insanável na sua fundamentação ao dar como provados os Factos n°s 21 A e 21 B;

11ª– Conforme decidido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n° 7/95 de 28 de dezembro, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pode ter por fundamento a contradição insanável da fundamentação ou o erro notório na apreciação da prova (vícios que, aliás, são do conhecimento oficioso);

12ª– Ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, o facto de no dia 25/05/19 às 09h30m, o Assistente se encontrar na C...Clinica 1 – cfr. Facto Provado n° 5 – e o facto de o Arguido ter declarado, em janeiro de 2020, que os factos denunciados teriam ocorrido “pelas” 09h30m – cfr. Facto Provado n° 4 – são compatíveis entre si;

13ª – O Tribunal recorrido violou as regras da experiência comum, das presunções naturais e incorreu em erro notório da apreciação da prova quando deu como provados os factos n°s 21 A, 21 B e 23 A da Matéria de Facto Provada;

14ª – O Tribunal recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova quando retirou de 2 factos conhecidos – Factos 4 e 5 da Matéria de Facto provada – a existência dos factos desconhecidos – Factos aditados à Matéria de Facto Provada n°s 21 A e 21 B;

15ª – Devem, também por isso, os Factos Provados n°s 21 A e 21 B ser removidos da Matéria de Facto provada;

168 – Ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, não era lícito retirar-se dos Factos n°s 11, 12, 15, 18 e 19 a conclusão de que os factos denunciados pelo Arguido à GNR e à Câmara Municipal de Cascais não ocorreram;

178 – E muito menos a conclusão de que o Arguido sabia que os mesmos eram falsos;

188 – O Arguido acreditava que os factos por si relatados à GNR e Câmara Municipal de Cascais eram verdadeiros;

198 – Resulta da análise do texto do Acórdão recorrido, conjugado com as regras da experiência comum, que o Tribunal de recurso fez um uso indevido das regras da presunção ao retirar dos Factos Provados n°s 11, 12, 13, 14, 15, 18 e 19 a ocorrência dos factos Provados n°s 22 A e 22 B;

208– O Tribunal recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova ao dar como provados os Factos 22 A e 22 B da Matéria de Facto Provada;

218- Nenhum dos factos considerados provados na Sentença da 1ª Instância, conjugados ou não com as regras da experiência comum, permite concluir que o Arguido agiu livre (ou seja, que pôde determinar a sua ação, por não se verificar qualquer coação ou condicionamentos), deliberada ou conscientemente (por não estar afetado por qualquer circunstância que lhe impedisse o normal pensamento, v.g. doença mental, embriaguez, surto psicótico);

228– Deve, pois, o Facto Provado n° 23 A ser eliminado da Matéria de Facto provada;

238- Devem igualmente os Factos Provados n°s 21 A, 21 B e 23 A ser eliminados da Matéria de Facto provada, conduzindo inevitavelmente à absolvição do Arguido pela prática do crime de denúncia caluniosa relativo à denúncia que deu origem ao Inquérito n° 334/19 (por faltar o elemento subjetivo);

248 – Os Factos Provados n°s 1, 2, 3, 4 e 5 não são suficientes para considerar verificado o elemento objetivo do crime de denúncia caluniosa que deu origem ao Inquérito n° 345/19; 258 – Não foi dado como provado um facto essencial para que se pudesse considerar verificado o crime de denúncia caluniosa: que o Assistente não praticou os factos imputados pelo Arguido;

268 – O Arguido deveria, ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, ter sido absolvido do crime de denúncia caluniosa relativo às denúncias que deram origem ao Inquérito n° 345/19, por falta dos elementos objetivo e subjetivo do crime em causa;

278 – Também não foi dado como provado, relativamente ao crime de falsidade de testemunho, que os factos imputados pelo Arguido fossem falsos, ocorrendo assim a falta do elemento objetivo do crime;

28ª – Não consta dos factos provados que o Arguido soubesse que prestava depoimento perante Tribunal ou funcionário competente para o receber, pelo que também não se verifica o elemento subjetivo do crime de falsidade de testemunho;

29ª – O Arguido deveria, ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, ter sido absolvido do crime de falsidade de testemunho;

30ª – Caso o Arguido tivesse praticado algum crime, sempre estaria em causa a prática de um único crime de denúncia caluniosa, na forma continuada;

31ª – Os Factos Provados – nomeadamente os n11s 11, 12 e 15 – não permitem, ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, retirar a conclusão de que os factos relatados pelo Arguido eram falsos (pelo que não se provou o elemento objetivo do crime de denúncia caluniosa referente às denúncias à GNR e Câmara Municipal de Cascais);

32ª – Os factos relatados na participação a que faz referência o Facto 14 (único em que, no entender do Acórdão recorrido, estariam verificados tanto o elemento objetivo como subjetivo) não constituem a prática de qualquer contraordenação;

33ª – O Arguido deveria, assim, ter sido absolvido da prática do crime de denúncia caluniosa referente aos factos denunciados à GNR e à Câmara Municipal de Cascais;

34ª – Decidindo, como decidiu, o Tribunal recorrido violou as normas dos art.11s 36011 e 36511 do Cód. Penal; 37411, 37911, n.11 1 als. a) e c), 42511, n.11 4 todos do Cód. Proc. Penal e art.11s 2011 e 1311 da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que, com os mais de Direito,

4. Apreciando.

Estamos perante um recurso interposto de uma decisão proferida pelo Tribunal da Relação, que alterou a decisão de absolvição, ditada em 1ª instância, procedendo ao aditamento de matéria de facto e condenando o arguido pela prática de ilícitos pelos quais havia sido exonerado, razão pela qual, atento o disposto no artigo 432º, alínea b) do n.º 1 (Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões que não sejam irrecorríveis, proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º) e artigo 400º a contrario sensu (não cabe recurso dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, excepto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância), todos do C.P.Penal, o presente recurso é admissível, em tese geral (e infra melhor se explicará que efectivamente e neste caso, questões se poderiam suscitar no que toca à sua admissibilidade) e, como tal, deve ser conhecido.

Não obstante, sempre se ressalvará o seguinte:

Como decorre do vertido na dita al. b) do nº1 do artº 432 do C.P.Penal e do disposto no artº 434 do mesmo diploma legal (O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º), constata-se que no tipo de recursos como o presente, que se enquadra na al. b) do artº 432, não se mostra previsto que o recorrente possa, directamente e como fundamento recursivo, invocar os vícios previstos no artº 410 nº2 do C.P.Penal.

Todavia, tais vícios, são de conhecimento oficioso pelo que, a ocorrerem, terá este tribunal poderes para os conhecer. Mas necessário será que patentemente se verifiquem.

No que toca às nulidades de excesso ou de omissão de pronúncia, tratando-se de matérias que se incluem no elenco do reexame em sede de direito, são questões inegavelmente de conhecimento oficioso, pelo que, a verificarem-se, existe requisito legal que determina que este Tribunal constate a existência dos mesmos.

5. Posto o presente intróito, vejamos então.

Em breve síntese, temos que, em termos de desenrolar processual, o arguido, após ter sido absolvido na 1ª instância, por virtude de recurso interposto pelo MºPº, veio a ver alterada tal decisão, pelo TRLisboa.

Numa primeira decisão, o TRL entendeu padecer a decisão de 1ª instância de vício de erro notório, alterou uma série de factos que haviam sido dados como não provados e passou-os para o rol dos dados como assentes, entendeu que o arguido havia cometido três crimes – dois de denúncia caluniosa e um de falsidade de testemunho - e ordenou o reenvio dos autos para o tribunal de 1ª instância, com o fim restrito de determinação das penas a impor, quer parcelares, quer única.

Após, no seguimento de recurso interposto pelo arguido, para o STJ, entendeu o TRLisboa que lhe era legalmente possível proceder, oficiosamente, ao conhecimento da nulidade de excesso de pronúncia, que em tal recurso o arguido suscitava para a presente instância e, sem mais, designou nova conferência, conheceu da existência de tal nulidade, reconheceu a sua verificação e procedeu à alteração do primeiro acórdão, procedendo à eliminação de factos que havia dado, inovatoriamente como assentes e, consequentemente, entendendo agora que o arguido havia cometido apenas um crime de denúncia caluniosa e um de falsidade de testemunho. No mais, manteve o reenvio, para determinação de sanção.

6. Independentemente da questão de saber se tinha o TRLisboa, esgotado que se mostrava o seu poder jurisdicional e sem que qualquer reclamação lhe fosse dirigida nesse sentido, poderes para proceder oficiosamente à anulação do seu acórdão anteriormente proferido, por entender padecer o mesmo de excesso de pronúncia, invocando, para tanto, o disposto no artº 414 nº4, em conjugação com o artº 379 nº2 e 380, todos do C.P.Penal, alterando o sentido do que havia anteriormente decidido, a verdade é que quer o primeiro, quer o segundo acórdão proferidos por esse tribunal padecem ambos do mesmo vício – o de omissão de pronúncia.

Expliquemos porquê.

7. Considerou o TRLisboa, em qualquer uma das decisões, que a sentença da 1ª instância padecia de erro notório na apreciação da prova. Esse erro consubstanciava-se numa errada fixação de uma série de pontos da matéria de facto.

Como esse mesmo acórdão esclarece, as questões a decidir nesse acórdão, seriam as seguintes:

II.2. Das questões a decidir:

A esta luz, são as seguintes as questões a conhecer, pela ordem da prevalência processual sucessiva que revestem:

A. Se a sentença recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova, a que alude o art.° 410.°, n.° 2, al. c), do C.P.P., ao dar como não provados os pontos 2., 3. e 6. (cfr. II.4.A.);

13. Na eventualidade de se considerarem provados a totalidade ou parte de tais factos, efetuar o enquadramento jurídico-penal dos factos apurados (cfr. II.4.13.); e

C. Concluindo que o arguido praticou a totalidade ou parte dos crimes imputados, escolher e determinar as penas parcelares e única (cfr. II.4.C.).

a. Em resposta à primeira questão enunciada, concluiu o TRLisboa que (sublinhados nossos):

Assim sendo, com base no texto da decisão recorrida, conjugada com as regras da experiência comum, verifica-se que a sentença recorrida padece do vício do erro notório na apreciação da prova (cfr. art.° 410.°, n.° 2, al. c), do C.P.P.).

A correção do dito vício pode ser efetuada por esta instância de recurso, modificando a matéria de facto “se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base” (cfr. art.° 431.°, n.° 1, al. a), do C.P.P.).

(…)

Tudo ponderado, com base no texto da decisão recorrida, conjugada com as regras da experiência comum, cumpre aqui fazer funcionar a possibilidade concedida a esta instância de recurso de alteração da matéria de facto nos termos do art.° 431.°, al. a), do C.P.P., eliminando do elenco dos factos não provados na sentença recorrida os aí constantes nos pontos 2., 3. e 6 (cfr. II.3.A.), aditando-os ao elenco dos factos provados, passando a constituir os factos provados sob os pontos 21.A., 21.B e 21.C., respetivamente.

b. Prosseguiu então para a apreciação da 2ª questão (enquadramento jurídico) e concluiu então, nos termos do acórdão rectificado, o seguinte:

Assim, o arguido é condenado, como autor imediato, sob a forma consumada e em concurso efetivo, pela prática de 1 crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelos arts. 14.°, n.° 1, 26.° e 365.°, n.° 1, do C.P., praticado em 25-05-2019, e de 1 crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.° 14.°, n.° 1, 26.° e 360.°, n.° 1, do C.P., praticado em 14-01-2020.

c. Passou, finalmente, ao conhecimento da 3ª questão acima transcrita e, no que à mesma respeita, entendeu o seguinte, na parte que aqui nos importa:

Em princípio, a decisão sobre a culpabilidade impõe que se lhe siga a decisão sobre a determinação da sanção. Na verdade, pese embora a limitação do recurso interposto à questão da culpabilidade, tal não prejudica o dever de esta instância retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida (cfr. art.° 403.°, n.°s 1, 2, als. a) e d), e 3, do C.P.P.; SILVA, Germano Marques da, in Direito Processual Penal Português. Do procedimento (marcha do processo), Vol. III, Universidade Católica Portuguesa, 2014, pág. 320).

Acresce que “em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.°, n.° 3, alínea b), 368.°, 369.°, 371.°, 379.°, n.° 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.°, n.° 2, e 425.°, n.° 4, todos do Código de Processo Penal” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2016, de 21-01-2016, para fixação de jurisprudência, in Diário da República n.° 36, I Série, de 22-02-2026, págs. 532 e segs.21).

Contudo, o referido acórdão para fixação de jurisprudência não abrange o caso de revogação pelo tribunal da relação de decisão absolutória proferida pela 1.ª instância que não tenha apurado os factos necessários para a determinação da sanção, por não ser tal hipótese abrangida pela oposição de julgados em que assentou a fixação de jurisprudência (cfr. art.° 437.°, n.° 1, do C.P.P.), não integrando o objeto da fixação de jurisprudência o posicionamento de cariz meramente doutrinário referido na fundamentação do mesmo ao apontar para que seja o tribunal da relação a apurar os factos necessários para a determinação da sanção quando a decisão absolutória de 1.ª instância não apurou tais factos (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05-07-2016, processo n.° 145/13.7GAMCQ.E122; LATAS, António João, in O AFJ 4/2016 e a determinação da pena nos casos em que foi revogada a sentença absolutória proferida pelo tribunal recorrido, que não apurou e fixou factos relativos à vida pessoal e personalidade do arguido, 05-07-2016, págs. 1 a 723).

Ora, no presente caso, não consta do elenco dos factos provados a factualidade necessária para a determinação da sanção, nomeadamente relativa à personalidade do arguido, ao seu carácter, às suas condições pessoais, bem como à sua conduta anterior e posterior (cfr. II.3.A.). Acresce que nem sequer conta do processo qualquer relatório social sobre a sua inserção familiar e socioprofissional, sendo que apesar de constar um certificado do registo criminal (cfr. ref.ª ......41 de 17-05-2024), o mesmo já perdeu validade (cfr. art.° 15.°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 171/2015, de 25-08).

Deste modo, na falta de factos essenciais para a determinação da sanção, ao abrigo do disposto no art.° 426.°, n.° 1, do C.P.P. impõe-se determinar o reenvio do processo para novo julgamento restrito precisamente à determinação da sanção e, assim, à reabertura da audiência de julgamento para apuramento e eventual discussão dos factos necessários, com subsequente escolha e determinação da medida das penas parcelares e única (cfr. arts. 369.°, 370.° e 371.° do C.P.P.; LATAS, António e ALBERGARIA, Pedro Soares de, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, Almedina, 2024, pág. 281).

Tal impõe-se, seja porque a decisão recorrida padece do vício previsto no art.° 410.°, n.° 2, al. c), do C.P.P., o que foi determinante para que não contivesse os factos relativos à determinação da sanção em face ao modelo de cisão ou césure mitigada acolhido nos arts. 369.°, 370.° e 371.° do C.P.P., bem como para que esta instância ficasse impedida de decidir na plenitude que, em princípio, se impunha, seja por aplicação analógica do referido art.° 426.°, n.° 1, do C.P.P., por ser tal regime o particularmente adequado ao apuramento de factos cuja falta ou insuficiência se detete em 2.ª instância, por força do art.° 4.° do C.P.P., que começa por dispor que aos casos omissos se aplicam as disposições do código de processo penal que possam aplicar-se por analogia (cfr. MOURÃO, Helena, in “A revista penal em revista”, A Revista, n.° 2, ponto 224; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-01-2024, processo n.° 2063/18.3T9ALM.L1.S125).

(…)

O novo julgamento, com aquele restrito objeto, deverá culminar com a prolação de uma nova sentença, na qual se incorpore o que resultar do reenvio determinado, ou seja, se acrescente à matéria de facto já considerada provada e não provada os factos que vierem a ser apurados em função da prova que venha a ser produzida e se acrescente à motivação da decisão facto e à fundamentação de direito a referente ao objeto do reenvio parcial (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 06-11­2018, processo 201/09.6JELSB.E226).

Acresce que o novo julgamento, com aquele restrito objeto, deverá ser efetuado pelo tribunal que efetuou o julgamento anterior (cfr. art.° 426.°-A, n.° 1, do C.P.P.), ou seja, no caso, a juiz que ocupa o lugar de provimento 3 do Juízo Local Criminal de Cascais, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, afigurando-se que inexiste o impedimento a que alude o art.° 40.°, n.° 1, al. c), do C.P.P. Na verdade, numa compreensão teleológica da norma que atenda à ratio de salvaguarda da imparcialidade que lhe deve estar subjacente e a compatibilize com a necessidade de garantir a harmonia dos atos do processo entre si correlacionados, parece-nos que o art.° 40.°, n.° 1, al. c), do C.P.P. deve ser interpretado restritivamente no sentido de apenas levar ao impedimento do juiz de 1.ª instância que depois de, em sentença, ter conhecido do mérito da causa seja confrontado com um cenário de repetição integral da audiência de julgamento (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo e BRANDÃO, Nuno, in Sujeitos processuais penais: o Tribunal, Texto de apoio ao estudo da unidade curricular de Direito e Processo Penal do Mestrado Forense da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (2015/2016), 2015, págs. 22 e 23; LOPES, José Mouraz, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Almedina, 2019, pág. 481), o que não é o caso dos autos.

8. Atento o que se mostra vertido, caberá começar por assinalar que o acórdão do TRL, a propósito desta 3ª questão, labora num erro patente – o de que o acórdão de Uniformização de Jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 93/02.6TAPTB.G1-A.S1, 5ª SECÇÃO, de 21-01-2016, que cita, não abrange a questão que se suscita nos autos, porque sobre a mesma não discorreu.

Na verdade, não é assim.

Vejamos porquê.

9. Nesse acórdão uniformizador fixou-se a seguinte jurisprudência:

Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a Relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal

10. E aí expressamente se aborda a questão que se verifica nestes autos e que se prende com a inexistência de elementos de facto dados como assentes, que permitam aferir e proceder à determinação da tipologia da pena.

Efectivamente, aí se diz (sublinhados nossos):

3.10. Retomando-se o artigo 369.º, dele resulta que a questão da determinação da sanção pode ser deliberada e votada somente com base na prova produzida na audiência, no registo criminal do arguido, no relatório sobre a sua personalidade e no relatório social.

Reconhecida a autonomia da questão da culpabilidade relativamente à questão da determinação da sanção, a relação, num quadro de plenitude de jurisdição e de amplos poderes de cognição, em matéria de facto e em matéria de direito (artigo 428.º), não se confrontará, por regra, com um défice de fundamentação de facto, ou, pelo menos, com uma insuficiente base de facto impossível de suprir, no caso de alteração uma decisão de absolutória para condenatória – seja por razões de direito seja por razões de facto –, a implicar a impossibilidade de determinação da sanção.

Mesmo na hipótese de uma insuficiente base de facto não está a relação impedida de obter os elementos necessários à determinação da sanção por via da realização de uma audiência, nos termos do artigo 371.º, pois, como vimos, em recurso são aplicáveis as disposições sobre deliberação e votação em julgamento, tendo em atenção a natureza das questões objecto do recurso (n.º 2 do artigo 425.º), nelas se incluindo tanto a questão da culpabilidade como a questão da determinação da sanção e, nesta, contempla-se a possibilidade de a deliberação e votação sobre a espécie e a medida da sanção ser precedida de produção de prova nos termos do artigo 371.º

(…)

Uma ou outra solução o que realçam é não ter qualquer sentido que, após o reexame da matéria de facto e ficando assente a culpabilidade do arguido que vinha absolvido da 1.ª instância, a relação profira uma decisão condenatória incompleta, por omissão da consequência jurídica, e “reenvie” o processo para o tribunal a quo, a fim de aí ser determinada a espécie e medida da sanção.

Solução essa que, ademais, contraria, expressamente, as normas do direito processual penal a que fizemos referência e implica a assunção, por parte da relação, de uma jurisdição diminuída.

(…)

Crê-se, com efeito, que a linha de solução em que se insere o acórdão recorrido incorre no erro de “querer” ignorar toda a problemática a respeito da norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal – centrada em saber se a inadmissibilidade de um segundo grau de recurso terceiro de jurisdição no caso de decisão condenatória da relação proferida em recurso interposto de decisão absolutória de 1.ª instância assegura as garantias de defesa em processo penal, nomeadamente o direito ao recurso do arguido –, optando por colocar a relação na posição de se abster de decidir a questão da espécie e medida da pena, com a finalidade e consequência de assegurar, mais uma vez, o direito a um primeiro grau de recurso, embora restrito a essa mesma questão.
O que significa que
a corrente jurisprudencial em que se insere o acórdão recorrido desconsidera e contraria a lei processual penal, que impõe à relação o dever de, resolvida a questão da culpabilidade, decidir a questão da determinação da sanção e assume uma posição de defesa de decisões deliberadamente “incompletas” e, por isso, ilegais, porque afectadas de nulidade.

11. O que decorre da jurisprudência fixada em tal aresto, é algo simples:

O Tribunal da Relação, ao assumir a existência de um vício da sentença - em bom rigor, qualquer um dos enunciados no artº 410 nº2 do CPPenal – se decidir supri-lo, terá forçosamente de se pronunciar quer sobre a questão da culpabilidade, quer sobre a questão da sanção já que, na parametrização do nosso direito, a decisão condenatória constitui requisito do dispositivo da sentença, estabelecido sob cominação de nulidade da sentença.

É o que se afirma, sem margem para dúvida, no seguinte segmento desse mesmo acórdão (sublinhados nossos):

Com efeito, à deliberação sobre a questão da culpabilidade segue-se a deliberação sobre a determinação da sanção – sobre a espécie e medida da sanção a aplicar –, nos termos dos artigos 368.º e 369.º do Código de Processo Penal.

(…)

Ora, em recurso, são correspondentemente aplicáveis as disposições sobre deliberação e votação em julgamento, tendo em atenção a natureza das questões que constituem o objecto do recurso (artigo 424.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).

3.5. Segundo o mesmo diploma, a decisão condenatória – a que, agora, interessa considerar – constitui requisito do dispositivo da sentença (alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º), estabelecido sob cominação de nulidade da sentença (alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º), sendo correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, nomeadamente, o disposto no artigo 379.º, como decorre do n.º 4 do artigo 425.º do Código de Processo Penal.

Ademais, conforme artigo 375.º, n.º 1, “a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada, indicando, nomeadamente, se for caso disso, o início e o regime do seu cumprimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social”.

A necessidade de fundamentação da sentença condenatória, por especificação das razões que presidiram à escolha e medida da sanção, prescrita no Código de Processo Penal – e que, já antes da sua entrada em vigor, decorria do próprio Código Penal, então no artigo 72.º, n.º 3[14] [«Na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena»] –, inicialmente pensada para as decisões finais da 1.ª instância, assegura a controlabilidade, em via de recurso, da determinação da sanção.

O dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação da escolha e da medida da pena visa, justamente, tornar possível o controlo – total no caso dos Tribunais da Relação – da decisão sobre a determinação da sanção[15], conferindo ao procedimento de determinação da espécie e da medida da pena um nível de racionalidade satisfatório[16].

Os acórdãos proferidos em recurso obedecem, na sua estrutura, aos requisitos das sentenças de 1.ª instância, estando sujeitos a similares deveres de fundamentação e a exigências de explicitação da decisão absolutória e condenatória, ou seja, os requisitos enunciados na alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º sob pena de nulidade do acórdão.

No concreto aspecto da determinação da sanção, quer quando dele conhece imediatamente, por constituir o objecto do recurso interposto de decisão condenatória, quer quando dele conhece por via de recurso interposto de decisão absolutória, a fundamentação da determinação da sanção já não visará, em primeira linha, a controlabilidade, por via de recurso – tanto mais quanto nem sempre será caso de admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça –, mas fomentará sempre um modelo de “transparência” da decisão, passível de “fiscalização” pelos sujeitos processuais e pela própria comunidade.

Se a relação se abstiver da determinação da sanção, na linha da tese do acórdão recorrido, omite pronúncia sobre questão que devia conhecer, incorrendo na nulidade prevista no primeiro segmento da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º, norma que, como já destacámos, é correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, conforme estatui o artigo 425.º, n.º4.

12. Acresce que, diríamos nós, se faltam elementos para suprir, na integralidade, o vício detectado pelo Tribunal de apelo, mostra-se cristalino que os requisitos previstos no artº 431 al. a) do C.P.Penal se não mostram reunidos (a lei é clara ao falar em “todos os elementos de prova”), pelo que daí resulta a inaplicabilidade ao caso, de tal solução, sem mais (infra nos debruçaremos um pouco mais sobre este tema).

13. Assim sendo, como é, não assiste razão à decisão revidenda, pois, na realidade, a interpretação jurídica que subjaz à jurisprudência fixada determina a não conformidade legal de uma decisão proferida em sede de recurso, se esta se abster de fixar a pena a impor; ou seja, os fundamentos que levaram à fixação da jurisprudência afastam a possibilidade de se poder entender, como considerou o tribunal recorrido, que é legal e válida a prolação de uma decisão penal incompleta, por se não debruçar, nem determinar a pena a impor a um arguido condenado pela prática de um crime.

14. Determina o nº 3 do artº 445 do C.P. Penal que “a decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão”.

Como esclarece Maia Gonçalves, C.P. Penal, 2007, pág. 965: “Impõe-se ainda que os argumentos invocados para o efeito, além de ponderosos, sejam novos, no sentido de não terem sido considerados no acórdão uniformizador, e susceptíveis de criar algum desequilíbrio na avaliação do peso de argumentos a favor do reexame e alteração da doutrina fixada (…).”

Ora, o acórdão uniformizador debate, em grande medida, a situação ora em apreço e aí se mostram refutados todos os diversos argumentos contrários à posição que fez vencimento, incluindo as constantes no acórdão do TRLisboa, razão pela qual se entende que não existem fundamentos oponíveis ao aí decidido, sendo de adoptar a jurisprudência fixada.

15. Acresce que, ainda que assim não fosse, é nosso entendimento que, de facto, não se mostra legalmente admissível a existência de uma decisão, putativamente condenatória, sem que a sanção respectiva se mostre assente e determinada.

Note-se, aliás, que em bom rigor, a decisão prolatada pelo TRL, atenta a ausência de fixação de pena concreta ao arguido, torna, na prática, potencialmente inadmissível o recurso da mesma interposto, já que a condição da sua admissibilidade tem duas condicionantes – a revogação de uma decisão absolutória em primeira instância e a condenação numa pena, seja esta ou não privativa da liberdade (artº 400 nº1 al.e), do C.P. Penal).

A razão porque se afasta essa inadmissibilidade legal, no caso presente, reside na circunstância de tal lacuna decisória não ter sido criada, nem determinada pelo recorrente, sendo certo que, se se entendesse ser inadmissível o presente recurso, o arguido veria, na prática, coarctado o seu direito ao mesmo, pelo menos na parte relativa ao vício de erro notório, alteração factual, enquadramento jurídico e culpa.

16. E, para além de tudo isto, ainda se dirá o seguinte:

Na óptica legislativa, a alteração permitida pelo artº 431 al. a) do C.P.Penal, integra-se numa lógica de celeridade processual e de eficiência do sistema, prevenindo escusados atrasos na resolução processual e prática de actos inúteis, pois que, no caso da ocorrência dos vícios consignados no nº2 do artº 410 do C.P.Penal, conhecidos em sede de recurso, em que um tribunal alcançou a certeza quanto à ocorrência do vício, em que é que o mesmo consiste, estranho seria que tendo à sua disposição todos os elementos necessários à sua correcção, procedesse, pura e simplesmente à mera anulação de uma decisão, perfeitamente suprível.

Pretendeu assim o legislador, por via de tal mecanismo, evitar a prática de um acto flagrantemente inútil (pois imporia a repetição de uma actividade evitável, onerando os intervenientes e os tribunais com a mesma, sem qualquer razão que a exigisse), por um lado e, por outro, salvaguardar a imposição, por parte de um colectivo de juízes, da sua convicção, deixando a um outro colectivo o retirar das consequências jurídicas que daí adviriam, o que entraria em rota de colisão com o vertido no artº 4º nº1 da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, que dispõe que os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.

Mas a noção de decisão corresponde a um acórdão definitivo, não um acórdão incompleto, que carece de ser concluído, completado, terminado, pela intervenção de um outro tribunal, constituído por outros juízes, que não tiveram qualquer intervenção no alcançar da convicção dos primeiros.

Na verdade, acatar decisões não se confunde com a sujeição a ordens ou instruções, que seria o que decorreria no caso, pois a convicção do tribunal superior, uma vez alcançada, necessitaria, para se tornar exequível, de ser densificada pelo tribunal hierarquicamente inferior, de acordo com as instruções resultantes da decisão parcial de recurso.

17. Aqui chegados, haverá que retirar as necessárias ilações do que se deixa dito.

Temos que o acórdão proferido pelo TRL (quer o primeiro, quer o segundo, que o rectificou), se mostra nulo, por padecer do vício de omissão de pronúncia, já que deixou de se pronunciar sobre matéria em relação à qual teria forçosamente de decidir (artº379 nº1 al. c), 374 nº 3 al. b) e 425 nº4, todos do C.P.Penal), designadamente no que toca à ausência de apreciação e decisão quanto à questão da tipologia e dosimetria das penas a impor ao arguido.

18. Tal nulidade irá ser declarada por este Tribunal e terá de ser suprida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, designadamente pelo mesmo colectivo que exarou o acórdão(s) ora alvo de recurso.

As soluções possíveis para tal suprimento mostram-se assinaladas no atrás mencionado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência e reconduzem-se, em síntese, às seguintes alternativas:

a. Pode o TRLisboa entender que dispõe de todos os elementos de facto necessários à decisão da pena, seja por recurso ao que consta nos autos, seja porque entende, ele próprio, proceder à reabertura da audiência, nos termos e para os efeitos previstos no artº 371 do C.P.Penal, em momento prévio à elaboração do novo acórdão;

b. Ou, não entendendo adequada ou possível tal solução, restar-lhe-á concluir que não se mostram reunidos os requisitos previstos no artº 431 al.a) do C.P.Penal, porque, efectivamente, não dispõe de todos os elementos necessários para decidir, designadamente no que concerne à fixação da pena a impor ao arguido e, nessa eventualidade, os autos terão de ser reenviados para o tribunal de 1ª instância, a fim de aí serem supridos, integralmente, os vícios que o acórdão recorrido lhe aponta, nos termos previstos no artº 426 nº 1 do C.P.Penal.

19. Atento o que se deixa dito, fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas no recurso.

iv – decisão.

Pelo exposto, acorda-se em declarar nula a decisão recorrida (quer o acórdão proferido em Maio, quer o acórdão rectificativo prolatado em Junho), por padecer do vício de omissão de pronúncia, já que deixou de se pronunciar sobre matéria em relação à qual teria forçosamente de decidir (artº379 nº1 al. c), 374 nº 3 al. b) e 425 nº4, todos do C.P.Penal), a qual deverá ser substituída por outra que supra tal vício, nos termos e com as condicionantes acima expostas.

Sem tributação.

Lisboa, 29 de Outubro de 2025

Maria Margarida Almeida (relatora)

Lopes da Mota

Carlos Campos Lobo