RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
SEQUESTRO
ADMISSIBILIDADE
DUPLA CONFORME
PENA RELATIVAMENTE INDETERMINADA
PRESSUPOSTOS
PERIGOSIDADE CRIMINAL
REFORMATIO IN PEJUS
INADMISSIBILIDADE
REJEIÇÃO PARCIAL
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I – A filosofia norteadora da pena relativamente indeterminada, entendida esta, por alguns, como a via equivalente àquela que determina que um enfermo se mantenha num hospital até que a sua cura esteja completa, nutre-se da ideia de que a perigosidade social de certos delinquentes, não pode ser encarada nos parâmetros da prisão normal, reclamando formas mais dilatadas de internamento onde o mote da segurança desponte como orientador e que o matiz da reabilitação inerente à imposição de uma pena não conduza a uma decisão antecipada / precipitada no tempo.
II - O instituto da pena relativamente indeterminada, decorrente do previsto no artigo 83º do CPenal, em termos de aplicação, demanda a verificação de dois pressupostos, a saber: formais – número e gravidade dos crimes cometidos anteriormente ao que vai determinar a sua imposição (aplicabilidade em concreto de prisão efetiva por mais de dois anos e a prática anterior de pelo menos dois crimes, também punidos com prisão por mais de dois anos)  – e material – avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente, conduzindo à revelação de uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista.
III – Exibindo o arguido um vasto passado criminal, por crimes da mais variada natureza – furtos, furtos qualificados, dano, sequestro, tráfico de estupefacientes -, forma de vida eivada das mais variadas fragilidades – sem trabalhar, em quadro de sem abrigo, ligado ao mundo das drogas -, contactos com o sistema prisional que não o fizeram arrepiar caminho, nada emergindo que ilustre um efetivo espírito crítico e capacidade de se posicionar fiel ao direito, exulta clara uma acentuada inclinação para a prática criminosa.
IV – A alegada tónica de que tem um comportamento correto no estabelecimento prisional, cumpre devidamente as regras e até aí trabalha, que teme uma nova condenação, não enverga carga / dimensão bastante para, apenas com este vetor, afastar ou até mitigar todo um juízo de prognose social desfavorável, que toda a realidade existente e na qual o arguido se foi posicionando, lhe permite apontar.
V- Depois de todo um percurso francamente negativo, cumprir as regras e trabalhar em ambiente prisional, sendo aspeto que aflora nota favorável, ao que se pensa, não é mais do que um mínimo exigível, certamente decorrente do estar em espaço e ambiente de contensão e controlo, que o cerceará quanto a determinadas práticas, não sendo o bastante para concluir que, por isso, está garantida a inexistência de toda a tendência para a prática criminosa que foi imprimindo ao longo do seu estar.

Texto Integral


Acordam em Conferência na 3ª Secção Criminal


I – Relatório

1. No processo nº 577/23.2JACBR da Comarca de Viseu – Juízo Central Criminal de Viseu – Juiz 2, figurando como arguido, entre outros, AA, solteiro, desempregado, nascido D/M/1963, natural da freguesia de ..., concelho do Sabugal, filho de BB, titular do cartão de cidadão n.º .....68, com pernoita habitual nas antigas instalações da Federação de Vinicultores do Dão, sitas na Avenida Capitão Homem Ribeiro, em Viseu, atualmente detido no Estabelecimento Prisional de Viseu, foi proferido acórdão, em 8 de janeiro de 20251, com o seguinte dispositivo, para o que aqui releva:

- Condenar o arguido AA, como coautor material e na forma consumada de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo artigo 158º nºs 1 e 2, alínea b) do CPenal, na pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efetiva;

- Julgar o arguido AA, como delinquente por tendência e, em consequência, condená-lo numa pena relativamente indeterminada, com um mínimo de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e o máximo de 10 (dez) anos de prisão;

- Julgar procedente o pedido de reembolso deduzido pela Unidade Local de Saúde Viseu Dão Lafões, E.P.E. e, em consequência, condenar os arguidos/demandados AA (…) a pagar, solidariamente, àquela a quantia de €1.240,53 (mil duzentos e quarenta euros e cinquenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a notificação para contestar esse pedido, até integral pagamento;

- Condenar os arguidos AA (…) no pagamento solidário ao ofendido CC, da quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de indemnização, nos termos do artigo 16º da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro e artigo 67º-A do CPP.

2. Inconformado com o decidido, o arguido AA2 recorreu para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, suscitando as seguintes questões:

- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, devendo os pontos 3., 9., 11., 13., 14., 15., 16., 18., 19., 20., 23., 26., 28., 29., 30., 31. e 33. serem dados como não provados;

- Violação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo;

– Incorreta determinação da medida da pena;

– Não verificação dos pressupostos da aplicação de pena relativamente indeterminada;

– Incorreta condenação no pagamento de indemnização e montante da mesma.

3. Por Acórdão datado de 25 de junho de 2025, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, pronunciando-se sobre as questões supra notadas, negou provimento ao recurso do arguido AA, decidindo confirmar o aresto proferido em 1ª Instância.

4. Discordando deste decidido, o arguido AA vem recorrer para este Supremo Tribunal de Justiça, questionando a decisão prolatada, retirando das suas motivações, as seguintes conclusões: (transcrição)

1. O recorrente não se conforma com o douto acórdão recorrido mantenha a sua condenação na pena de 4(quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efetiva, pelo crime de sequestro agravado, julgando-o ainda como delinquente por tendência , condenando-o numa pena relativamente indeterminada, com o mínimo de 2(dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e o máximo de 10 (dez) anos de prisão, pelo que vem interpor recurso nos artigos 399.º, 401.º, n.º 1, alíneas b) e c), 402.º, n.º 1, 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, alínea a), 408.º, n.º 1, alínea a), 410.º, n.ºs 1 e 2, 411.º, n.º s 1, alínea a e b), e 3, e 412.º, n.ºs 1, 2, 432º nº 1 alínea b) e 400 nº 1 alínea f) à contrario, todos do Código de Processo Penal (doravante CPP)

2. Devendo, por isso, este Venerando Tribunal, revogar o douto Acórdão proferido, já que a finalidade prática do recurso jurisdicional é corrigir os erros de julgamento na aplicação do direito e os de que essa decisão enferma e, assim, repor a justiça no caso concreto.

3. Entende o recorrente que o Acórdão recorrido, não obstante ter julgado improcedente o recurso interposto pelo recorrente no que toca à impugnação da matéria de facto, fixando exatamente a mesma matéria de facto da Primeira Instância, poderia ter fixado uma pena de prisão ao recorrente muito próxima do seu limiar mínimo, atenta a menor participação do recorrente na dinâmica dos factos e a culpa do recorrente.

4. Entende-se que a pena concretamente aplicada ao mesmo não é consentânea com o carácter e perfil do arguido traçado nas suas declarações, no seu relatório social e pela testemunha DD ouvida em audiência de julgamento, e até dos factos dados como provados na própria decisão recorrida,

5. Não obstante, a douta consideração tecida pelo Tribunal, na sua fundamentação de direito, entende-se que este podia e devia ter optado por uma pena mais baixa, consentânea com a culpa do arguido, por se afigurar ser o que preenche as exigências tanto de prevenção geral, como de prevenção especial.

6. Entende o arguido que o Tribunal, não teve em conta a culpa do arguido, a sua personalidade e perfil, a sua idade e o facto de na última condenação do recorrente por tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade lhe ter sido aplicada uma pena de prisão de 2 anos e 6 meses, suspensa na sua execução por 3 anos, tendo-lhe sido dada uma oportunidade.

7. Continuando- se, com todo o devido respeito, na decisão recorrida a decidir -se por meros sentimentos de proteção da vítima, atenta a natureza dos crimes em apreço e o eventual impacto na opinião pública, e não por certezas, vítima essa que, ao longo do processo refere “todos os arguidos”, “não me recordo”, sem o concretizar devidamente quando questionado em sede de audiência de julgamento quem especificamente fez o quê.

8. O Tribunal ultrapassou largamente a culpa do arguido, não sendo consentânea com a atuação do recorrente e grau de comparticipação com os restantes arguidos.

9. O Tribunal não teve em conta os princípios da adequação e proporcionalidade das penas, ao manter a pena de prisão ao recorrente e consequentemente a pena relativamente indeterminada, violando-se expressamente o disposto nos artigos 29.º, 30º e 32.º da CRP, 70.º, 71.º e 40.º nº 1 e 2 e 83º do CP, tanto mais que as exigências de prevenção geral e especial as não justificam.

10. No que concerne às exigências de prevenção geral, entende o arguido que o interesse púbico não pode justificar que se inflija a um indivíduo, qualquer pena, não podendo a prevenção geral ser utilizado como instrumento para repor a confiança nas Instituições e Organismos que combatem o crime, sobrepondo-se à culpa do arguido.

11. A culpa como limite que é serve para determinar um máximo de pena que não poderá ser ultrapassado, mas não para fornecer, em última instância, a medida da pena, já que esta depende, dentro do limite consentido pela culpa, de considerações de prevenção.

12. Tal norma deve ser interpretada, em articulação com o artigo 40.º, n.ºs 1 e 2, do CP, a fim de se concluir que só as finalidades de prevenção podem legitimar a medida da pena, afastando, deste modo, as finalidades absolutas de retribuição e expiação.

13. Tal interpretação decorre do chamado princípio da referência constitucional ou princípio da congruência ou da analogia substancial entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos.

14. A prevenção geral é, hoje, concebida pela doutrina, não como prevenção negativa, mas como prevenção positiva, de integração, socialização e de reforço da consciência jurídica comunitária, entendendo o arguido/recorrente que as exigências de prevenção geral nos presentes Autos não justificam as penas que lhe foram aplicadas.

15. Dispõe o artigo 71.º do CP que a determinação concreta da pena é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa e das exigências de prevenção acrescentando o n.º 2 do preceito que, na determinação concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, o que o Tribunal, com todo o devido respeito não fez…

16. A pena não pode, pois, compensar ou retribuir a culpa, devendo antes ter presente a reintegração do agente na sociedade, neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra de 10.5.2017, proferido no processo nº 73/12.3GAMGL.C1.

17. O Tribunal ad quem, com todo o devido respeito, salvo melhor opinião violou tais critérios e disposições legais, tendo apenas em consideração a perspetiva da vítima e da opinião pública e não a do arguido, mantendo uma condenação ao recorrente numa pena de 4 anos e 2 meses de prisão efetiva e como delinquente por tendência na pena relativamente indeterminada de 2 anos e 8 meses no seu mínimo e no máximo de 10 anos, ambas bastante pesadas, quando o mesmo já tem 63 anos... sendo uma vítima do próprio sistema judicial, que falhou sempre na reintegração e socialização do recorrente.

18. Entendendo-se por isso e em face do exposto, que as penas aplicadas ao arguido/recorrente são desadequadas, desproporcionais e injustas.

19. A não ser assim, o recorrente entende que não se verificam os pressupostos do artigo 83º do Código Penal pelo que não lhe podia ter sido aplicada pena relativamente indeterminada.

20. São pressupostos cumulativos da aplicação da pena relativamente indeterminada que: o agente pratique, no caso concreto, crime doloso a que deva aplicar-se prisão efetiva por mais de dois anos e, que o mesmo, tenha cometido, anteriormente, dois ou mais crimes dolosos tendo sido aplicado, a cada um desses crimes, pena de prisão efetiva também por mais de dois anos.

21. Sendo também pressuposto necessário para a aplicação desta pena a avaliação conjunta dos factos e que a personalidade do agente revele uma acentuada inclinação para o crime que, persista ainda, no momento da condenação.

22. Porém, e como toda a regra comporta exceções, significa que para efeitos dos pressupostos de aplicação de uma pena relativamente indeterminada não releva a pena suspensa que não foi revogada, ou seja, quando se refere que para aplicação da pena relativamente indeterminada é necessário que o agente tenha cometido, anteriormente, dois ou mais crimes dolosos tendo sido aplicado, a cada um desses crimes, pena de prisão efetiva também por mais de dois anos, não releva para o efeito, as penas de prisão suspensas não revogadas.

23. Entende o recorrente que o douto Tribunal da Relação, com todo o devido respeito e salvo melhor opinião, para além de ter mantido uma pena concreta materialmente injusta, já que poderia ter fixado a mesma muito próximo do limiar mínimo, atenta a menor intervenção do arguido na dinâmica dos factos dados como provados e a sua culpa, não deveria ter mantido a condenação do arguido em pena relativamente indeterminada, por continuar a se entender que não se verificam os seus pressupostos.

24. Não se podendo invocar, que o Tribunal de primeira instância não atendeu aos factos relativos à condenação no processo 110/22.3PDPRT (nos quais foi aplicada uma pena suspensa), pois que da sentença consta a sua referência, bem como a condenação ocorrida no ano de 1984 no Tribunal Militar de Coimbra !!!, certamente para fundamentar a condenação do arguido/recorrente apenas e só pelo seu antepassado criminal, pelo qual já cumpriu as penas devidas.

25. Reconhecendo tal Venerando Tribunal da Relação que a sentença da Primeira Instância “a verdade é que não indica, em concreto, quais sejam as condenações (mais precisamente, os crimes praticados) que teve em consideração para ter por verificado o pressuposto de natureza formal para a aplicação da pena relativamente indeterminada. “

26. O que deveria ter sido feito e não foi, não podendo com todo o devido respeito o tribunal ad quem substituir-se a esse tribunal, a quem competia tal valoração e fundamentação.

27. O acórdão recorrido até acaba por dar razão ao recorrente de que a condenação no processo 110/22.3PDPRT não pode ter-se em conta, para logo a seguir tirar outra conclusão de que ainda não decorreram os 5 anos entre as condenações, o que o recorrente entende não se verificar.

28. E no que respeita ao pressuposto do agente ter cometido, anteriormente, dois ou mais crimes dolosos tendo sido aplicado, a cada um desses crimes, pena de prisão efetiva também por mais de dois anos, nos termos do artigo 83º, nº3, do C.P, tem de existir, entre a prática desses dois crimes, um hiato temporal inferior a 5 anos.

29. A letra da lei é clara a este respeito, uma vez que o artigo 83º, nº3, do C.P. refere que qualquer crime anterior deixa de ser considerado, para efeito dos requisitos constantes do artigo 83º, nº1, do C.P. se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos, normas que o Tribunal a quo violou.

30. E atentas as condenações do recorrente mencionadas no Acórdão proferido pelo Tribunal quo foi o que sucedeu no caso aqui em apreço, uma vez que a última condenação sofrida pelo recorrente foi em 2022 sendo que, foi o mesmo condenado a uma prisão de prisão suspensa por 3 anos, que não releva de todo para o preenchimento dos pressupostos aqui em questão uma vez que se trata de uma pena suspensa e não de uma pena de prisão efetiva.

31. Além disso e ainda que a última condenação que o recorrente sofreu fosse relevante para efeitos de preenchimento dos requisitos da pena relativamente indeterminada (que não é, em virtude de se tratar de uma pena suspensa), a condenação anterior a esta ocorreu em 2015 (acórdão de cúmulo jurídico), tendo o arguido sido condenado na pena única de 6 anos e 9 meses de prisão efetiva, no âmbito do processo nº 7/13.8GAVLF do Juiz 2 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda e nº 5/13.1GDBCG, do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança.

32. Assim sendo, e caso a última condenação fosse relevante para preenchimento dos requisitos da pena relativamente indeterminada, importa mencionar que passaram mais do que cinco anos entre a última condenação e a penúltima, uma vez que o acórdão do cúmulo jurídico (da penúltima condenação) é do ano de 2015, o que significa que os crimes foram cometidos ainda antes dessa data, razão pela qual, nunca poderia considerar-se preenchido este requisito.

33. E tratando-se de requisitos cumulativos, basta que não se encontre preenchido um dos requisitos necessários para o efeito, para que já não possa ser decretada a pena relativamente indeterminada, devendo revogar-se o acórdão proferido.

34. Por outro lado constitui também pressuposto necessário para a aplicação da pena relativamente indeterminada que o arguido revele uma acentuada inclinação para o crime, contudo não consta dos autos qualquer perícia sobre a personalidade do arguido para que o Tribunal pudesse ter aferido (conforme fez) que o arguido revelava, em função da sua personalidade, uma acentuada inclinação para o crime que ainda persistia no momento da prolação do acórdão aqui em questão.

35. Não se encontrando preenchido tal pressuposto, não tendo o Tribunal ad quem valorado devidamente o relatório social do recorrente, apesar de o citar e invocar, que confirma que o mesmo tem um comportamento correto no estabelecimento prisional, cumpre devidamente as regras e até aí trabalha, que, teme uma nova condenação, que já pensa sobre as consequências da mesma, bem como as respetivas repercussões e, que além disso, que o recorrente já reflete sobre os comportamentos que adotou até ao momento e que o fizeram ter contacto com a justiça.

36. Não devendo o recorrente, ser punido como delinquente por tendência na pena relativamente indeterminada que o Tribunal da Relação manteve e cuja decisão deve ser revogada na integra.

37. Pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente, com todas as consequências legais, e em consequência, a revogação do acórdão recorrido, nos termos sobreditos.

5. O Digno Ministério Público, junto do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, respondeu ao recurso, sem apresentar conclusões, defendendo o (…) douto acórdão recorrido analisado exaustivamente e decidido com acerto as questões de novo suscitadas pelo arguido, agora perante o Supremo Tribunal de Justiça, mais não nos cumpre se não pronunciarmo-nos no sentido da sua confirmação, julgando-se totalmente improcedente o recurso (…).

6. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu competente parecer, defendendo: (transcrição)3

(…)

Evidenciando–se uma dupla conformidade decisória, o recurso apresentado é inadmissível no que se refere à questão da determinação concreta da pena de prisão aplicada ao crime de sequestro agravado.

(…)

em síntese, que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem:

- Penas inferiores a 5 anos de prisão, no caso de decisão absolutória em 1ª instância;

- Penas superiores a 5 anos de prisão, quando não se verifique dupla conforme;

- Penas superiores a 8 anos de prisão, independentemente da existência de dupla conforme.

Portanto, apenas é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão confirmatória da Relação – casos de “dupla conforme”, incluindo a confirmação in mellius –, quando a pena aplicada, seja parcelar ou pena única resultante de cúmulo jurídico, for superior a oito anos de prisão

No caso concreto, no tocante à pena aplicada ao crime de sequestro agravado, que é de prisão, ela não ultrapassa os 5 anos de prisão.

Deste modo, por via do artigo 400.º, n.º 1, al. e) e f), do Código de Processo Penal, articulado com os artigo 399.º e 432.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, o recurso não é admissível na parte que se refere ao crime de sequestro agravado e pena correspondente, por ser inferior a 8 anos de prisão, irrecorribilidade essa que abrange todas as questões processuais ou substanciais que digam respeito a essa decisão.

É entendimento com respaldo na jurisprudência uniforme e reiterada deste Supremo Tribunal e tanto basta para que o recurso deva ser rejeitado na parte em que se pretende (re)discutir a questão relativa à pena aplicada ao crime de sequestro agravado; rejeição que não contende com as garantias de defesa do arguido em processo penal, as quais não contemplam um duplo grau de recurso4.

(…)

Os requisitos para a condenação em pena relativamente indeterminada obedece a requisitos cumulativos, dois deles de índole formal e objetiva e um de natureza substantiva:




É necessário que o agente pratique crime doloso a que deva aplicar-se, concretamente, prisão efetiva por mais de dois anos;



Que o mesmo tenha cometido, anteriormente, dois ou mais crimes dolosos, a cada um tenha sido ou seja aplicada pena de prisão efetiva também por mais de dois anos (desde que entre a sua prática não tenham decorrido mais de 5 anos, não sendo computado nesse prazo o período de cumprimento de medida processual, pena de prisão ou medida de segurança privativas de liberdade); e



Que a avaliação conjunta dos factos e a personalidade do agente revelem uma acentuada inclinação para o crime, que ainda persista no momento da condenação.

Não obedecendo a qualquer automatismo, como se vê por via da exigência de requisitos de dupla natureza, a pena relativamente indeterminada tem em vista os delinquentes por tendência, constituído o que na doutrina designa por sanção penal mista, divergindo do sistema monista das reações penais por importar uma pena de duração relativamente indeterminada, mas não indefinida (artigo 30.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) aplicável aos agentes com uma acentuada inclinação para a prática de crimes, os designados "delinquentes por tendência" (artigo 83.°, do Código Penal), ou por abuso de álcool (artigo 86.°, do Código Penal) ou de estupefacientes (artigo 88.º, do Código Penal).

É entendimento jurisprudencial que “…para efeito de determinação do pressuposto material em causa, todos os crimes anteriores devem ser tomados em conta na valoração, mesmo que eles não possam relevar como pressupostos formais, v.g., por não terem alcançado a gravidade requerida, por terem sido praticados ou julgados no estrangeiro e não obedecerem aos requisitos do artigo 83.º, n.º 4, por terem prescrito para efeito de relevância como pressupostos formais, sem que com isso se ponha em causa o princípio da dupla valoração penal dos mesmos factos ou "ne bis in idem". V - O princípio da proporcionalidade não resulta beliscado da aplicação da pena em causa, não apenas porque, in casu, os factos provados densificam à saciedade o pressuposto material de tal aplicação, como, tal princípio está subjacente à definição daquele pressuposto, demandando nomeadamente que a inclinação para o crime seja acentuada, como é o caso, e pelo recurso ao conceito estrito de perigosidade criminal, segundo o qual a licitude de aplicação da medida de segurança só existe quando se verifique o fundado receio de que o agente possa vir a praticar factos da mesma espécie da do ilícito-típico que é pressuposto daquela aplicação e pela exigência de que a inclinação se verifique para crimes de certa gravidade, no caso crimes puníveis com pena de prisão.” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-05-2003, no Proc. n.º 1223/03 - Pereira Madeira (relator).

Tem–se por consensual que estão excluídas as condenações a pena de prisão suspensa e as penas de substituição que possam constituir referências formais à luz do n.º 1 e 3 do artigo 83.º do Código Penal, sem que deixem, por isso, de relevar para a determinação do pressuposto material acima referido.

O recorrente, no que se refere à (não) verificação dos pressupostos formais e material da pena relativamente indeterminada reedita no presente recuso todas as questões submetidas à apreciação do TRC quando impugnou a decisão de 1.ª instância, como se o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pudesse ser um segundo recurso do acórdão da 1.ª instância e não um recurso do acórdão da Relação que conheceu daquele recurso.

Daí que só assim se perceba que o recorrente discuta de forma enviesada ou seletiva a decisão de que recorre, omitindo dados relevantes do acórdão do TRC (v.g., o tempo de prisão cumprido entre a prática de crimes) quando este apreciou, designadamente, a verificação dos pressupostos formais necessários à aplicação da pena relativamente indeterminada, como veremos pela citação infra do acórdão recorrido.

Contesta o recorrente que a alegada consideração de uma pena suspensa anterior para efeitos dos pressupostos de aplicação da pena relativamente indeterminada impede a aplicação desta.

Porém, o acórdão recorrido, além de reconhecer que não se pode ter em conta condenações anteriores em pena suspensa, demonstrou que assim não sucedeu no caso dos autos, pois foram consideradas penas de prisão efetiva anteriores, que cumpriam as exigências do n.º 1 e 3 do artigo 83.º do Código Penal.

Vejamos, pois, mais de perto, os termos da decisão recorrida.

(…)

Fundamentando a aplicação da pena relativamente indeterminada ao recorrente, diz a decisão de 1.ª Instância, confirmada pelo TRC:

“… Da pena relativamente indeterminada (arguido AA)

Nos termos do artigo 83º n.º 1 do C. Penal, é punido com uma pena relativamente indeterminada quem:

- Praticar crime doloso a que devesse aplicar-se concretamente prisão efectiva por mais de dois anos; e

- Tiver cometido anteriormente dois ou mais crimes dolosos, a cada um dos quais tenha sido ou seja aplicada prisão efectiva também por mais de dois anos;

- Sempre que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revelar uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista.

Como resulta da letra do citado normativo não se exige a existência de uma ou mais condenações prévias, mas apenas o cometimento prévio de dois ou mais crimes, podendo a pena relativamente indeterminada ser aplicada num mesmo processo em que se verifique concurso real de crimes, como aqui ocorre.

Ora, como se disse, o arguido AA será condendo nos presentes autos pela prática do crime de sequestro agravado, com a pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efectiva.

Por outro lado, resulta do seu certificado de registo criminal que cometeu anteriormente dois ou mais crimes dolosos, a cada um dos quais foi e seria aplicada prisão efectiva também por mais de dois anos.

Verificados os requisitos formais da pena relativamente indeterminada, nos termos supra referidos, dir-se-á que o arguido AA revela também, numa avaliação global dos factos e da sua personalidade, uma acentuada inclinação para o crime, que neste momento ainda persiste.

Com efeito, tendo sofrido condenações anteriores em penas de prisão efectiva, faz da prática de ilícitos criminais o seu modo de vida e com total insensibilidade pelas vítimas dos mesmos.

Efectivamente, tornando-se claro que nenhuma das condenações anteriores foi suficiente para afastar o arguido do cometimento de novos crimes e conseguir a sua recuperação social, certo é que os factos que agora praticou (objecto dos presentes autos), aliados ao seu modo de vida, sem inserção profissional e social equilibrada, nem ressonância critica quanto aos mesmos, revelam acentuada disposição para o cometimento de crimes.

É também o que ressalta da gravidade global dos factos cometidos, do conjunto dos seus antecedentes criminais, a clara insensibilidade às sucessivas condenações anteriores, a despreocupação em relação às consequências penais e reais dos seus actos, a ausência de projecto e expectativa de inserção profissional e social.

Revela ainda uma personalidade com acentuada propensão, que ainda hoje se mantém, para a prática de crimes.

Estão, pois, verificados os pressupostos formais e materiais da pena relativamente indeterminada que vem imputada ao arguido (art.83º n.º 1 e 3 do C. Penal), com o mínimo correspondente a 2/3 da pena de prisão que concretamente caberia ao crime cometido e o máximo correspondente a esta pena, acrescida de 6 anos – art.83º n.º 2 do C. Penal.

Verificando-se os pressupostos formais e materiais da pena relativamente indeterminada, sem que alguma delas tenha sido já agravada pela reincidência, a pena única relativamente indeterminada constrói-se a partir da pena de concurso (e não sobre as parcelares), o que vale por dizer que, nessa operação, se fixam, em primeiro lugar, as penas parcelares e depois a de conjunto, seguindo-se a agravação em função da dosimetria à luz das regras previstas para a pena relativamente indetermi nada.

Vale isto dizer que no caso do arguido AA à pena única de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão efectiva, corresponde uma pena relativamente indeterminada com o mínimo de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses e o máximo de 10 (dez) anos de prisão.(…)”.

Por sua vez, o acórdão recorrido, apreciando a mesma questão submetida a julgamento pelo recorrente, disse a propósito da verificação dos pressupostos da aplicação da pena relativamente indeterminada:

“… 2.2.1.4 – Da não verificação dos pressupostos da aplicação de pena relativamente indeterminada.

O Recorrente insurge-se contra a decisão recorrida na parte em que o considerou delinquente por tendência, tendo-lhe aplicado uma pena relativamente indeterminada.

Conforme resulta das conclusões 39ª a 51ª, sustenta o Recorrente essa sua posição nos seguintes argumentos:

- Para efeitos da verificação dos pressupostos de aplicação de uma pena relativamente indeterminada não releva a pena suspensa que não foi revogada, sendo necessário que aos dois ou mais crimes dolosos anteriores tenha sido aplicada, a cada um desses crimes, pena de prisão efetiva também por mais de dois anos, pelo que, não poderia o tribunal ter considerado, para estes efeitos, a pena aplicada no processo abreviado n.º 110/22.3PDPRT, no âmbito do qual foi, por sentença datada de 21/10/2022, transitada em julgado em 21/11/2022, condenado pela prática, em 21/03/2022, de 01 crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, p.s e p.s pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a) do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 02 anos e 6 meses de prisão suspensa por 03 anos.

- Ainda no campo dos pressupostos de natureza formal, considera que, atento o disposto no artigo 83º nº3 do Código Penal, que impõe que tem de existir em relação aos dois crimes precedentes um hiato não superior a 5 anos, não poderia o Tribunal ter considerado os crimes a que se reportam os processos nºs 7/13.8GAVLF e 5/13.1GDBCG, pois que a sua prática remonta a data anterior a 2015 e entre essa data e a prática do crime em causa nos presentes autos decorreram muito mais de 5 anos.

Considera, assim, que o Tribunal recorrido atendeu, erradamente à condenação sofrida em 2022 no âmbito da qual foi condenado a uma prisão de prisão suspensa por 3 anos, e que a última condenação antes desta se reporta a 2015, não podendo ter sido atendida, como foi, pelo Tribunal para efeitos de aplicação de uma pena relativamente indeterminada.

- Finalmente sustenta que não está verificado o pressuposto de natureza material a que alude o artigo 83º do código Penal, concretamente, que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revele uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista.

Isto porque o relatório social junto aos autos revela que o Recorrente tem um comportamento correto no EP, cumpre as regras e trabalha, temendo esta nova condenação e respetivas repercussões e que já reflete sobre os comportamentos que adotou até ao momento e que o fizeram ter contacto com a justiça.

Vejamos.

Importa ter presente o teor do artigo 83º do Código Penal:

“1 - Quem praticar crime doloso a que devesse aplicar-se concretamente prisão efetiva por mais de 2 anos e tiver cometido anteriormente dois ou mais crimes dolosos, a cada um dos quais tenha sido ou seja aplicada prisão efetiva também por mais de 2 anos, é punido com uma pena relativamente indeterminada, sempre que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revelar uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista.

2 - A pena relativamente indeterminada tem um mínimo correspondente a dois terços da pena de prisão que concretamente caberia ao crime cometido e um máximo correspondente a esta pena acrescida de 6 anos, sem exceder 25 anos no total.

3 - Qualquer crime anterior deixa de ser tomado em conta, para efeito do disposto no n.º 1, quando entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o período durante o qual o agente cumpriu medida processual, pena de prisão ou medida de segurança privativas da liberdade.

4 - São tomados em conta, nos termos dos números anteriores, os factos julgados em país estrangeiro que tiverem conduzido à aplicação de prisão efetiva por mais de 2 anos, desde que a eles seja aplicável, segundo a lei portuguesa, pena de prisão superior a 2 anos.”

Conforme se afirma no acórdão do STJ de 20-03-20199:

“(…) A condenação em pena relativamente indeterminada obedece a determinados requisitos, cumulativos, de índole objetiva, formal, os dois primeiros, e de índole substantiva ou material, o último:

- é necessário que o agente pratique crime doloso a que deva aplicar-se, concretamente, prisão efetiva por mais de dois anos;

- que o mesmo tenha cometido, anteriormente, dois ou mais crimes dolosos, a cada um tenha sido ou seja aplicada pena de prisão efetiva também por mais de dois anos;

- e, por último, que a avaliação conjunta dos factos e a personalidade do agente revelem uma acentuada inclinação para o crime, que ainda persista no momento da condenação.

V - A pena relativamente indeterminada (PRI), cuja aplicação não obedece a qualquer automatismo, tem em vista os delinquentes por tendência, e constitui uma sanção de natureza mista.

Tal configuração da PRI como sanção de natureza mista, nomeadamente após as alterações introduzidas no CP pelo DL 48/95, é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência.

pena relativamente indeterminada (PRI) é de escassa aplicação, sendo também, por isso, objeto de pouca referência doutrinária e jurisprudencial.”10

Na doutrina, a propósito desta sanção, concretamente, a propósito dos respetivos pressupostos, veja-se, Figueiredo Dias in “Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime”, Aequitas Editorial Notícias, 1993, página 563 a 572 e Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código Penal à luz da constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, páginas 254 a 256.

Na Jurisprudência, entre outros:

- Acórdãos do STJ de 22-05-2003 (processo nº03P1223, relator: Cons.º Pereira Madeira); de 21-03-2018 (processo nº133/14.6T9VIS.C2.S1, relator: Cons.º Vinício Ribeiro); de 08-03-1991 (processo nº042336, relator: Cons.º Ferreira Dias).

- Acórdãos dos Tribunais: da Relação do Porto de 05-11-2014 (processo nº36/13.1PCPRT.P1, relator: Neto de Moura); da Relação de Lisboa de 10-10-2024 (processo nº658/22.0PGPDL.L1-9, relatora: Paula Cristina Bizarro), de 22-01-2003 (processo nº0068273, relator: Santos Monteiro); da Relação de Coimbra de 23-02-2011 (processo nº2643/08.5PBAVR.C1, relator: Paulo Guerra), de 27-11-2013 (processo nº110/07.3GASPS.C1, relator: Vasques Osório); da Relação de Évora de 18-04-2017 (processo nº1558/10.1TXEVR-G.E1, relator: António João Latas) e de 15-12-2015 (processo nº134/12.9GDEVR.E2, relator: José Proença da Costa)11

A propósito da aplicação da pena relativamente indeterminada, consta do acórdão recorrido (transcrição):

[…]

Começando pelos requisitos de natureza formal, enunciados supra, atentemos nos factos provados relativos a esta matéria:

[…]

Compulsada a decisão recorrida neste particular, embora não se possa dizer que não está fundamentada, uma vez que remete para a factualidade provada em termos de condenações de que o Arguido foi objeto, a verdade é que não indica, em concreto, quais sejam as condenações (mais precisamente, os crimes praticados) que teve em consideração para ter por verificado o pressuposto de natureza formal para a aplicação da pena relativamente indeterminada.

Assim, não pode, com propriedade, dizer-se que tenha atendido, enquanto crime praticado em data anterior ao dos autos, à condenação a que se reporta o processo nº110/22.3PDPRT.

E tem razão o Recorrente quando diz que esta condenação não pode ser considerada para estes efeitos.

Desde logo, porque tal resulta da letra da lei - prisão efetiva – e também assim tem sido entendido pela doutrina.

Sobre esta questão e a sua razão de ser se pronuncia Figueiredo Dias13 pela seguinte forma - embora tendo em consideração que, à data, ainda não tinha entrado em vigor a revisão do Código Penal de 95:

“Apesar de a lei o não dizer expressamente, torna-se claro que a exigência de que o agente tenha sido e deva ser condenado em prisão, ou em prisão por certo tempo, só abrange os casos de prisão efetiva, não aqueles em que tenha acabado por intervir uma pena de substituição. A aplicação de uma pena de substituição é sempre indício da convicção judicial de que, no caso, a prisão não se tornava necessária do ponto de vista da prevenção. Tanto basta para que uma tal condenação não deva ser considerada índice relevante para aplicação de uma PRI”

Porém, atentando na factualidade provada, concretamente nas demais condenações de que o Recorrente foi objeto, e não esquecendo, como o faz o Recorrente, o disposto no nº3 do preceito transcrito [3 - Qualquer crime anterior deixa de ser tomado em conta, para efeito do disposto no n.º 1, quando entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o período durante o qual o agente cumpriu medida processual, pena de prisão ou medida de segurança privativas da liberdade.], estão verificados os pressupostos de natureza formal como passa a evidenciar-se.

Na verdade, nos presentes autos, pela prática, em 25-04-2023, de crime doloso (sequestro agravado) determinou-se a aplicação de uma pena de prisão efetiva superior a dois anos.

Anteriormente, o arguido cometeu, pelo menos, dois crimes dolosos, relevantes para o efeito pretendido, sendo aplicadas penas de prisão efetiva, igualmente superiores a dois anos – Processos nºs 176/02.2PBVIS, 7/13.8GAVLF e 5/13.1GDBGC.

Pese embora não possa considerar-se a condenação ocorrida no âmbito do processo nº176/02.2PBVIS, uma vez que respeita a crimes praticados em 2002 e, mesmo descontando o tempo em que o arguido este preso em cumprimento da pena ali aplicada, os crimes que praticou a seguir, praticou-os em 2013, tendo decorrido o período a que alude o nº3 do artigo 83º do Código Penal, relevam as condenações sofridas no âmbito dos processos nºs7/13. 8GAVLF e 5/13.1GDBGC.

Os crimes a que respeitam os processos nºs7/13. 8GAVLF e 5/13.1GDBGC e aos quais foi aplicada pena de prisão efetiva superior a 2 anos, foram praticados em várias datas de janeiro de 2013 [Processo nº7/13. 8GAVLF] e em 21/01/2013 [Processo nº5/13.1GDBGC], o que num primeiro olhar poderia excluí-los da ponderação que ora levamos a cabo, pois que, entre essas datas e a data da prática dos factos nos presentes autos decorreram mais de 5 anos.

Porém, atento o disposto no nº3 do artigo 83º do Código Penal e a factualidade acima evidenciada, assim não é.

Entre a data da prática dos factos que motivaram a condenação do arguido nos processos nºs7/13. 8GAVLF e 5/13.1GDBGC (2013), e a data da prática dos factos em causa nos presentes autos (25.04.2023) não decorreram mais de 5 anos, descontando no período de cerca de 10 anos (2013/2023) em que o arguido esteve preso em cumprimento de pena - desde 04-02-2013, em cumprimento da pena única de 06 anos e 09 meses de prisão efetiva até 19-09-2018.14

Assim, a decisão recorrida não nos merece qualquer censura no que tange á verificação dos aludidos pressupostos formais de aplicação da pena relativamente indeterminada.

Passando ao requisito de natureza material.

A propósito desta matéria, diz, mais uma vez, o insigne Professo Figueiredo Dias15:

“Decisivo é sempre que da avaliação conjunta dos factos e da personalidade resulte a imagem de um delinquente inserido numa carreira criminosa, para continuação da qual se tornam determinantes não apenas as circunstâncias da sua vida anterior, mas a sua situação familiar, o seu comportamento profissional, a utilização dos seus tempos livres, em suma, o quadro total da sua inserção social. O ponto crucial da avaliação conjunta reside, em todo o caso, na avaliação das suas condenações anteriores (quando as houver) e do facto ou factos que constituem o objeto do processo.

Em geral, a aceitação da existência de uma tendência criminosa está tanto mais próxima quanto mais o agente se tenha «especializado» na prática de certos tipos de factos; mas uma tal especialização não vale, em todo o caso, por si mesma como «tendência». Um facto não deixa de poder ser considerado como sintoma da tendência só por nele terem comparticipado circunstâncias exógenas ocasionais (v. g. embriaguez ou oportunidade especialmente favorável); mas já situações excecionais de conflito ou de afeto devem, em princípio, impedir que os factos em tais situações praticados sejam valorados para efeito da tendência.

Urge acentuar, por último mas com particular ênfase, que, para efeito de determinação do pressuposto material em causa, todos os crimes anteriores devem ser tomados em conta na valoração, mesmo que eles não possam relevar como pressupostos formais.”

Também o STJ se debruçou em diversos arestos sobre esta questão, destacando-se o acórdão de 22-05-200316, especialmente no que tange à questão da salvaguarda do princípio constitucional da proporcionalidade:

“II - Por seu turno, o n.º 1 do artigo 83.º, impõe a aplicação da pena em causa, «sempre que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revelar uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista».

III - Pressuposto material da aplicação da pena em causa, é, pois, a existência de acentuada inclinação para o crime que no momento da condenação ainda persista.

IV - Para efeito de determinação do pressuposto material em causa, todos os crimes anteriores devem ser tomados em conta na valoração, mesmo que eles não possam relevar como pressupostos formais, v.g., por não terem alcançado a gravidade requerida, por terem sido praticados ou julgados no estrangeiro e não obedecerem aos requisitos do artigo 83.º-4, por terem prescrito para efeito de relevância como pressupostos formais, sem que com isso se ponha em causa o princípio da dupla valoração penal dos mesmos factos ou «ne bis in idem».

V - O princípio da proporcionalidade não resulta beliscado da aplicação da pena em causa, não apenas porque, in casu, os factos provados densificam à saciedade o pressuposto material de tal aplicação, como, tal princípio está subjacente à definição daquele pressuposto, demandando nomeadamente que a inclinação para o crime seja acentuada, como é o caso, e pelo recurso ao conceito estrito de perigosidade criminal, segundo o qual a licitude de aplicação da medida de segurança só existe quando se verifique o fundado receio de que o agente possa vir a praticar factos da mesma espécie da do ilícito-típico que é pressuposto daquela aplicação e pela exigência de que a inclinação se verifique para crimes de certa gravidade, no caso crimes puníveis com pena de prisão.”

Tecidas estas considerações, importa atentar na matéria de facto provada que se refere a esta questão e que, note-se, o Recorrente não impugnou, pressupondo a já transcrita supra e relativa às condenações de que o Recorrente foi objeto:

[…]

Parece-nos manifesto que aquele pressuposto material se mostra verificado, não nos merecendo qualquer censura a decisão no segmento transcrito supra e relativo ao mesmo.

Aduz o Recorrente contra esta decisão que tem um comportamento correto no EP, cumpre as regras e trabalha, temendo esta nova condenação e respetivas repercussões e que já reflete sobre os comportamentos que adotou até ao momento e que o fizeram ter contacto com a justiça.

Ora, apesar de tal matéria ter resultado, efetivamente, provada (pontos 76. a 78.), dela não resulta infirmada a conclusão de que se trata de delinquente com acentuada tendência criminosa, nos termos explicitados supra.

Mostra-se, assim, correta a decisão de aplicar ao Recorrente a pena relativamente indeterminada, a qual se mostra calculada de acordo com o disposto no artigo 83º nº2 do Código Penal que estabelece que: “A pena relativamente indeterminada tem um mínimo correspondente a dois terços da pena de prisão que concretamente caberia ao crime cometido e um máximo correspondente a esta pena acrescida de 6 anos, sem exceder 25 anos no total.”

Resta apenas assinalar que à pena relativamente indeterminada foi fixado o mínimo de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e o máximo de 10 (dez) anos de prisão.

Cremos que na fixação dos limites mínimo e máximo incorreu o tribunal a quo em erro de cálculo, pois que, no que concerne ao limite mínimo, 2/3 da pena fixada, corresponde a 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias [e não 2 (dois) anos e 8 (oito) meses como fixado] e, no que concerne ao limite máximo, somando 6 (seis) anos à pena concreta (quatro anos e dois meses) aquele limite seria de 10 (dez) anos e 2 (dois) meses [e não 10 (dez) anos como fixado].

Porém, está este Tribunal impedido de proceder à alteração da pena nesses termos, sob pena de violação do princípio da reformatio in pejus a que alude o artigo 409º do Código de Processo Penal.

Em suma, improcede o recurso, também no que tange a esta questão da aplicação da pena relativamente indeterminada.(…)”

Estamos, assim, perante a demonstração decisória dos pressupostos formais e material exigidos à aplicação da pena relativamente indeterminada em que foi condenado o recorrente, ou seja: a prática pelo agente de um crime doloso punido com prisão efetiva por mais de 2 anos; ter cometido anteriormente 2 ou mais crimes dolosos (plurireincidência), punidos cada um com mais de 2 anos de prisão efetiva, levando em conta apenas os crimes praticados com 5 anos ou menos de intervalo, sem que releve para o efeito o período de cumprimento de pena ou medida de segurança privativa da liberdade; revelando o agente acentuada inclinação para o crime pela séria probabilidade de reiteração criminosa segundo a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente, que persiste no momento da condenação, i.e, com atual prognose social desfavorável.

Julgamos, assim, não haver qualquer razão nos argumentos usados pelo recorrente no seu recurso quanto à não verificação dos pressupostos formais e materiais relativos à aplicação da pena relativamente indeterminada, pois foram cabalmente desmontados no acórdão recorrido que, estando bem alicerçado em termos de facto e de direito, não deve merecer censura.

Deve, assim, improceder o recurso nesta parte.

(…)

Quanto à excessividade da pena relativamente indeterminada:

Como vimos, a impugnação das operações de determinação da medida da pena aplicada ao crime de sequestro agravado não é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça.

No que se refere ao quantum da pena relativamente indeterminada, a qual é determinada por referência à pena que concretamente caberia ao crime cometido (4 anos e 2 meses de prisão)

[ainda que as operações de determinação da pena relativamente indeterminada à luz do n.º 2 do artigo 83.º, do Código Penal, não primem pela correção aritmética – 2/3 de 4 anos e 2 meses de prisão = 2 anos, 9 meses e 10 dias + (4 anos e 2 meses +6 anos) = 10 anos e 2 meses de prisão] se, como estabelece o artigo 83.º, n.º 2, do Código Penal, a pena relativamente indeterminada tem um mínimo correspondente a 2/3 da pena que concretamente coube ao crime cometido e um máximo correspondente a esta pena acrescida de 6 anos, sem exceder os 25 anos no total, sendo a pena aplicada a de 4 anos e 2 meses de prisão, os limites da pena relativamente indeterminada terão de ser, “obrigatoriamente”, de 2 anos e 8 meses e 10 anos – ou, menos favoravelmente e aritmeticamente corretos – os 2 anos, 9 meses e 10 dias e 10 anos e 2 meses de prisão que, porém, não podem ser considerados por imposição da proibição da reformatio in pejus.

Assim, seria ilegal qualquer espécie de redução da pena relativamente indeterminada que foi aplicada.

Deste modo, a pretensão de ver reduzida a pena relativamente indeterminada é improcedente por manifestamente infundada.

(…)

Em conformidade, somos de parecer que o recurso deverá ser parcialmente rejeitado e no mais julgado improcedente, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido (…).

Não foi apresentada qualquer resposta.

7. Efetuado o exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Questões a decidir

Face ao disposto no artigo 412º do CPPenal, considerando a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de outubro de 19955, bem como a doutrina dominante6, o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo da ponderação de questões de conhecimento oficioso que possam emergir7.

Isto posto, e vistas as conclusões do instrumento recursivo trazido pelo arguido recorrente, e os poderes de cognição deste tribunal, importa apreciar e decidir, as seguintes questões:

- admissibilidade / dimensão recursiva;

- pena relativamente indeterminada (verificação dos pressupostos);

- quantum da pena relativamente indeterminada.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos, e no que concerne ao arguido AA: (transcrição8)

Matéria de facto provada

Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

Do despacho de acusação

1. O ofendido CC, que se encontrava numa situação de sem-abrigo, pernoitou pelo menos na noite anterior aos factos que a seguir se descrevem, nas antigas instalações da Federação de Vinicultores do Dão, sitas na Avenida Capitão Homem Ribeiro, em Viseu, local onde também pernoitavam/viviam os arguidos AA e EE;

2. No início da manhã do dia 25 de Abril de 2023, cerca das 7h00m, o ofendido deslocou-se de Viseu à cidade do Porto, viajando de autocarro, tendo por objetivo adquirir produto estupefaciente;

3. Após ter adquirido e consumido cocaína e heroína, em quantidades não concretamente apuradas, no Bairro ..., sito naquela cidade do Porto, regressou à cidade de Viseu, nesse mesmo dia 25 pela manhã, novamente viajando de autocarro e transportando consigo, cocaína e heroína, também em quantidades não concretamente apuradas, tendo chegado ao interior do terminal rodoviário de Viseu cerca das 13h;

4. Ao chegar ao referido terminal rodoviário, apercebendo-se da presença de um elemento da P.S.P, que o ofendido reconheceu enquanto tal, acondicionou o referido produto estupefaciente que transportava num plástico e engoliu o mesmo, por forma a evitar ser interceptado na sua posse;

5. De seguida, dirigiu-se para o local onde havia pernoitado e onde se encontravam, além do mais, os arguidos AA, EE, FF e GG;

6. Ali chegado, pouco depois das 13h30m, o ofendido relatou aos arguidos atrás mencionados que tinha engolido o produto estupefaciente obtido na cidade do Porto para que o mesmo não fosse detectado pelos agentes da P.S.P. à sua chegada a Viseu, nas circunstâncias supra descritas;

7. Nessa altura, o arguido FF sugeriu ao ofendido que bebesse azeite e água de molde a provocar-lhe o vómito e, com isso, expelir para fora do seu corpo o estupefaciente em causa, a fim de o recuperarem, tendo o ofendido, nesse momento, concordado com o dito plano;

8. Porém, após ter ingerido os referidos produtos e vomitado por diversas vezes, o ofendido não expeliu o produto estupefaciente;

9. Depois das referidas tentativas, os arguidos AA, FF, EE e GG, como o produto não era expelido pelo ofendido, começaram a ficar impacientes e adoptaram uma postura agressiva;

10. Entretanto, já havia chegado ao referido local, o arguido HH que, constatando o supra referido, uniu esforços com os demais arguidos, que já ali se encontravam, para fazerem o ofendido expelir o produto estupefaciente ingerido, contra a sua vontade;

11. Nessa altura, todos os arguidos, mantendo o propósito de obrigarem o ofendido, mesmo contra a sua vontade, a expelir o produto estupefaciente, mancomunados entre si em conjugação de esforços e de intentos e na execução desse plano, amarraram o seu pulso ao do arguido GG, utilizando um cordão para esse efeito, evitando dessa forma que aquele fugisse, como era sua vontade, encaminhando-o para outro local do edifício onde se encontravam;

12. Após, o arguido HH, juntamente com o arguido GG, munindo-se de objectos em madeira e de ferro, de características não concretamente apuradas, desferiram várias pancadas no ofendido, atingindo-o em diversas zonas do corpo;

13. De seguida, todos os arguidos, sempre mancomunados entre si e em comunhão de esforços, forçaram o ofendido a deslocar-se para outro sítio dentro das instalações do local onde se encontravam, num piso acima, tendo-o aí amarrado nas mãos e pés, com recurso a cordas e fios que tinham consigo, evitando, dessa forma, que aquele fugisse daquele local, o que o ofendido pretendia;

14. Enquanto isso, aproveitando que o ofendido estava manietado e usando de força física para o efeito, os arguidos compeliram-no a engolir azeite, água e vinho, provocando-lhe, com isso, vómitos e dejecções;

15. Cerca das 17h00, não logrando que o ofendido expelisse o produto estupefaciente como pretendiam, todos os arguidos acordaram entre si que a arguida EE fosse adquirir um produto laxante, o que esta fez, deslocando-se à Farmácia ..., sita na Avenida 1, em Viseu, e regressando, pouco tempo depois, com um laxante da marca Microlax, composto por 6 (seis) bisnagas de uso retal;

16. Encontrando-se o ofendido manietado pelos arguidos, já na posse do laxante, os arguidos obrigaram o ofendido a colocar no ânus, intervaladamente e contra a sua vontade, o conteúdo das bisnagas do laxante adquirido para esse efeito e forçaram-no também a ingerir o conteúdo de algumas bisnagas do referido laxante;

17. Tudo isto provocava, ao ofendido, dores, levando-o a vomitar e defecar por diversas vezes;

18. Com o ofendido amarrado, os arguidos forçaram-no a manter-se sentado no solo, enquanto todos, indistintamente, lhe desferiam várias chapadas, atingindo-o no rosto e na cabeça, sendo que a arguida EE o obrigou, utilizando força física para tal, a ingerir azeite, ao mesmo tempo que colocava a mão no interior da sua boca tentando, a todo o custo, causar-lhe o vómito;

19. Todos os arguidos, agindo sempre mancomunados entre si e em comunhão de esforços, voltaram a deslocar o ofendido, que mantinham manietado, desta feita para um piso inferior da Adega, dentro das instalações em que se encontravam, local que se destinava ao armazenamento de garrafas de vinho e onde havia vidros partidos;

20. Seguidamente, todos os arguidos voltaram a agredir o ofendido, de forma não concretamente apurada;

21. Ao mesmo tempo que praticavam os actos supra descritos, os arguidos GG e HH dirigiam expressões em voz alta e tom sério, dizendo que o matavam, nomeadamente, dizendo que lhe iam cortar a barriga, fazendo o ofendido temer pela sua vida;

22. Após, o arguido FF, munido de uma vassoura, utilizando o cabo da mesma untada com azeite, encostou a respectiva ponta ao ânus do ofendido, ameaçando proceder à introdução daquele objecto;

23. Os arguidos agiram, sempre, de comum acordo e em comunhão de esforços, indiferentes ao sofrimento, dores, vontade e estado psíquico do ofendido, que se encontrava manietado, indefeso e impossibilitado de fugir daquele local, como pretendia, perante as condutas daqueles;

24. Todos os comportamentos acima descritos provocaram ao ofendido dores e ferimentos em todo o corpo, designadamente escoriações dispersas nos membros, hematoma no crânio e feridas na perna esquerda e no antebraço esquerdo (visíveis e descritas a fls. 57-65 e fls. 210- 226);

25. Seguidamente, o ofendido perdeu os sentidos e quando os retomou, cerca das 23h00m, apesar de continuar amarrado, os arguidos já não se encontravam naquele espaço, mas noutras divisões daquelas instalações;

26. Aproveitando a ausência daqueles, o ofendido gritou por socorro vindo em seu auxílio o amigo que também ali pernoitava, DD, e que ali se encontrava nesta altura, conseguindo, só assim, o ofendido fugir até ao exterior das instalações, vindo posteriormente a ser-lhe prestado auxílio, por elementos dos Bombeiros Voluntários de Viseu, que o transportaram para o Hospital de São Teotónio em Viseu;

27. Em consequência da conduta dos arguidos sofreu CC as lesões descritas e examinadas no relatório de urgência de fls. 210 a 22, no relatório de internamento de fls. 223 e a 226 e no relatório médico-legal de fls. 533 a 536, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, designadamente: Pescoço – na região postero-lateral esquerdo do pescoço apresenta uma escoriação de base larga, avermelhada, com crosta acastanhada, linear, com 0,5 cm de comprimento; Tórax - na fase anterior do terço médio do tórax ao nível da linha média, apresenta duas escoriações avermelhadas puntiformes. Na fase posterior do terço proximal do tórax, ligeiramente à direita da linha média, apresenta 3 escoriações lineares de base larga, avermelhadas, com crosta acastanhada, com 0,5 cm de comprimento cada uma e praticamente paralelas entre sim, distando 1 cm entre si. Na fase posterior do terço distal do tórax, na linha média, apresenta uma escoriação acastanhada, desidratada, com 2 por 1,5 de maiores dimensões; Membro superior direito - na fossa cubital apresenta uma escoriação nacarada, arredondada, com 0,5 cm de maior diâmetro. Na fase posterior do terço proximal do antebraço apresenta uma escoriação linear, avermelhada com 2 cm de comprimento. Na fase anterior do terço médio do antebraço apresenta uma área com múltiplas escoriações lineares e puntiformes avermelhadas, numa área com 4 por 5 cm de maiores dimensões, a maior das quais com 2 cm de comprimento. Na face posterior do terço médio do antebraço apresenta duas escoriações: uma nacarada, com destacamento da crosta, em fase final de evolução com 3 cm de comprimento e outra avermelhada, com 0,7 cm de comprimento; Membro superior esquerdo - Na face lateral do terço superior do braço apresenta uma equimose avermelhada, arredondada com 3 cm de maior diâmetro. Na face anterior do terço médio do braço apresenta uma escoriação linear, avermelhada com 0,5 cm de comprimento. Na fossa cubital apresentada duas escoriações puntiformes, avermelhadas. Na face posterior do terço proximal do antebraço apresenta 4 escoriações lineares de base larga, com crosta acastanhada central e bordos nacarados, desidratados (compatíveis com lesões não recentes) que foram em conjunto uma semicircunferência, numa área com 7 por 4 cm de maiores dimensões, a maior das quais com 2 por 0,8 cm de maiores dimensões. No bordo radial do terço proximal do antebraço apresenta uma escoriação acastanhada, puntiforme. No bordo radial do terço distal apresenta uma escoriação avermelhada, puntiforme; Membro inferior direito - Na metade inferior da região nadegueira apresenta uma escoriação avermelhada, arredondada, com 0,5 cm de maior diâmetro. Superiormente a esta, observa-se uma equimose avermelhada, ténue, com 5 por 1 cm de maiores dimensões. Na face anterior do terço médio da perna apresenta um penso branco com vestígios hemáticos avermelhados, após a remoção do qual se observa uma solução de continuidade suturada, com 2 pontos de sutura azul, com 2 cm de comprimento; Membro inferior esquerdo - No quadrante supero-externo da região nadegueira apresenta uma escoriação linear, vertical avermelhada, com 2 cm de comprimento, além de dores, que determinaram 12 dias para a consolidação médico-legal, sem afectação da capacidade de trabalho geral. Do evento resultaram consequências permanentes, as quais, sob o ponto de vista médico-legal, se traduzem em cicatriz na face anterior da perna direita;

28. Nas situações acima relatadas, os arguidos AA, FF, EE, GG e HH, agiram sempre mancomunados entre si, em comunhão de esforços e intenções, com o propósito concretizado de molestar o corpo e saúde do ofendido, provocando-lhe dores, lesões físicas e mal-estar psicológico, e de impedi-lo de se ausentar para outro local, privando-o da sua liberdade de locomoção, imobilizando-o nos seus movimentos, durante várias horas, designadamente, com recurso a cordas e fios e à força física, e obrigando-o a estar sempre junto dos mesmos, bem sabendo que as suas condutas eram adequadas para produzir esses efeitos;

29. Pretendendo com isso que o ofendido expelisse o produto estupefaciente que tinha ingerido, utilizando todos os meios ao seu dispor para lograr esse objectivo, indiferentes ao sofrimento, dores e tratamento atroz, aviltante, degradante, horripilante, cruel, pavoroso e desumano, acima descrito, que lhe infligiam e do tempo que demorassem, querendo provocar dores físicas e mal-estar psicológico no ofendido, bem sabendo que os provocariam, tendo em conta as zonas do corpo que procuraram e conseguiram atingir, mormente na zona do crânio, bem sabendo que as suas condutas eram adequadas para produzir esses efeitos, tais como vómitos e diarreia intensos, que o ofendido produzia em locais e circunstâncias não adequados para o efeito e a inanimação do ofendido;

30. O que fizeram, durante várias horas, pelo menos desde que começaram a manietar o ofendido com recurso à força física e o obrigaram a ingerir diverso tipo e qualidade de laxantes ou produtos que actuassem como tal, sem a autorização e contra a vontade deste;

31. Os arguidos praticaram tais actos bem sabendo que os mesmos eram idóneos e adequados a provocar, como efectivamente provocaram e era intenção dos mesmos, medo e pânico no ofendido, limitando-o na sua liberdade de locomoção e de determinação nos seus sentimentos de segurança, na sua dignidade e bem-estar enquanto pessoa humana, na sua integridade física, fazendo-o temer pela própria vida;

32. O arguido HH, ao proferir as expressões supra mencionadas, agiu com o propósito de intimidar o ofendido, anunciando a sua intenção de lhe infligir um mal que sabia constituir crime contra a vida, bem sabendo que aquelas expressões eram adequadas a provocar-lhe receio, medo e a prejudicar-lhe a liberdade de determinação, como aconteceu;

33. Agiram os arguidos AA, EE, HH e FF em todas as acima descritas circunstâncias de forma livre, voluntária e consciente, em plena comunhão de esforços e de intentos, bem sabendo que tais condutas não lhes eram permitidas, e que as mesmas eram proibidas e punidas por lei;

(…)

39. Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos acima descrita foi o ofendido CC assistido na Unidade Local de Saúde Viseu Dão-Lafões, E.P.E., importando tal assistência na quantia de €1.240,53 (mil duzentos e quarenta euros e cinquenta e três cêntimos).

(…)

Da pena relativamente indeterminada – arguido AA

40. O arguido AA já sofreu diversas condenações, sendo que, para os efeitos em causa, se destacam as seguintes:

- No âmbito do processo n.º 67/84, do Tribunal Militar Territorial de Coimbra, por acórdão datado de 26/02/1985, transitado em julgado em 03/02/2004, foi condenado em sete meses de presídio militar pela prática do crime de deserção, p. e p. pelo art. 142, n.º 1, al. b) e art. 149, n.º 1, al. a), 2.ª parte, ambos do Código de Justiça Militar, considerada extinta, com efeitos a partir de 22 de Setembro de 1985 (Cfr. CRC do arguido Vítor e certidão de fls. 995 a 1003);

- No âmbito da querela n.º 130/86, por acórdão datado de 17/10/1986, foi condenado pela prática: de um crime de receptação e aquisição e detenção de estupefacientes, ps. e ps., respectivamente pelos artigos 26.º e 210.º, n.º 1 e 2, al. b) com referência ao art. 329.º, n,º 1, do Código Penal e artigo 25.º, n.º 1, do DL 430/83, de 12-12, na pena de um ano de prisão e 5.000 escudos de multa e 8 meses de prisão e 30.000 escudos de multa, e em cúmulo jurídico, na pena de 18 meses de prisão e 35.000 escudos, suspensa por 3 anos (Cfr. CRC do arguido AA e certidão de fls. 1004 a 1019);

- No âmbito do processo comum colectivo n.º 148/98, do extinto 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, por acórdão datado de 21/05/1998, foi condenado pela prática: em 02/1997 de 01 crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro e 40.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, na pena de 60 dias de prisão, integralmente expiada desde a prisão preventiva sofrida (Cfr. CRC do arguido AA e certidão de fls. 935 a 948);

- No âmbito do processo comum colectivo n.º 176/02.2PBVIS, do extinto 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, por acórdão datado de 26/02/2003, transitado em julgado em 03/02/2004, foi condenado pela prática: em 08/02/2002 de 01 crime de roubo, p. e p. pelos artigos 26.º e 210.º, n.º 1 e 2, al. b) com referência ao art. 204.º, n,º 2, al. f) do Código Penal e de 01 crime de sequestro, p. e p. pelos artigos 26.º e 158.º, n.º 1 do Código Penal; e em 13/02/2002 de 01 crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 359.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena única de 05 anos de prisão efectiva, declarada extinta em 7-9-2007, estando o arguido detido à ordem destes autos entre 11-02-2002 e 11-02-2007 (Cfr. CRC do arguido AA e certidão de fls. 950 a 994);

- No âmbito do processo comum colectivo n.º 7/13.8GAVLF, da secção única do Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Coa, por acórdão datado de 01/10/2013, transitado em julgado em 31/10/2013, foi condenado pela prática: em 03/01/2013. de 01 crime de dano simples, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, de 03 crimes de furto na forma tentada, p.s e p.s pelo artigo 203.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal; em 02/01/2023, de 01 crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, 5 crimes de furto qualificado, p.s e p.s pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal; 01 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, do Código Penal, 2 crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. f) e h). ambos do Código Penal, 01 crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, do Código Penal; em 03/01/2013 de 01 crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º do Código Penal, na pena única de 05 anos e 08 meses de prisão efectiva (Cfr. CRC do arguido AA e certidão de fls. 1248 a 1299);

- No âmbito do processo comum colectivo n.º 5/13.1GDBGC, do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por acórdão datado de 22/12/2014, transitado em julgado em 25/02/2015, foi condenado pela prática, 21/01/2013, de 01 crime de furto qualificado, p e p pelo artigo 204.º, n.º 1, al. a), n.º 2 al. e) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão (Cfr. CRC do arguido AA e certidão de fls. 1309 a 1327);

- No âmbito do processo n.º 5/13.1GDBGC, do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por acórdão de cúmulo jurídico, datado de 15/07/2015, transitado em julgado em 30/09/2015, foi condenado na pena única de 06 anos e 09 meses de prisão efectiva (processos do cúmulo: n.º 7/13.8GAVLF do Juiz 2 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda e n.º 5/13.1GDBGC, do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança), tendo sido declarada extinta em 10-03-2020, com detenção e cumprimento desde 04-02-2013 (Cfr. CRC do arguido AA e certidão de fls. 917 a 934);

- No âmbito do processo abreviado n.º 110/22.3PDPRT, do Juiz 3 do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por sentença datada de 21/10/2022, transitada em julgado em 21/11/2022, foi condenado pela prática, em 21/03/2022, de 01 crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, p.s e p.s pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a) do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena única de 02 anos e 6 meses de prisão suspensa por 03 anos;

41. Não obstante, tais condenações, as mesmas não constituíram obstáculo bastante ao cometimento de novo crime, antes revelando o arguido AA acentuada propensão para a prática de actos ilícitos, designadamente da mesma natureza daqueles em discussão nos presentes autos;

42. Como resulta até dos factos cuja autoria lhe é imputada nesta acusação, da mesma natureza daqueles por cuja prática já foi condenado - (sequestro e furto) - em 26/02/2003, 15 de Junho de 1998 na pena de 4 (quatro) anos e de prisão (sequestro – Processo 176/02.2PBVIS), em 22/12/2014, na pena de 3 anos de prisão (furto – Processo n.º 5/13.1GDBGC; em 01/10/2013, na pena de 5 anos e 8 meses de prisão (vários furtos – Processo n.º 7/13.8GAVLF – penas parcelares superiores a 2 anos – 1 crime de furto qualificado na pena 2 anos e 5 meses; 5 crimes de furto qualificado, cada um na pena de 2 anos e 3 meses; 1 furto qualificado na pena de 2 anos e 2 meses) - nenhuma das condenações em pena de prisão anteriormente sofridas pelo arguido, algumas das quais acima referidas, foi suficiente para o afastar do cometimento de novos crimes e conseguir a sua recuperação social, pois que o arguido sempre manteve um estilo de vida marginal, não trabalhando, vivendo no mundo do consumo de estupefacientes e sempre se mostrou insensível às advertências contidas nas decisões que o condenaram, revelando assim uma personalidade com acentuada propensão para a prática de crimes, designadamente, contra o património e outros, entre eles o de sequestro, propensão essa que ainda hoje se mantém.

(…)

Condições sociais e pessoais – arguido AA

68. À data dos factos AA vivia numa situação de sem abrigo, por falta de recursos económicas para pagar um alojamento, uma vez que foi suspensa a prestação do Rendimento Social de Inserção por não se ter apresentado no IEFP nem actualizado a sua documentação. Passou a pernoitar de forma frequente nas antigas instalações da Federação Vitivinícola do Dão que se encontram abandonadas e onde residiam outros sem abrigo, local onde terão ocorrido os factos constantes do presente processo;

69. Atendendo a que a sua subsistência era assegurada, em grande medida, por aquele benefício social e pela realização de alguns biscates, referiu que, naquela altura, a sua situação era de precariedade, para além de que não dispunha de qualquer rectaguarda familiar, o que já se verifica há muito tempo;

70. O arguido é proveniente de uma família monoparental, cujo relacionamento afectivo era pouco consistente. A suas vivências decorreram num ambiente de muitas dificuldades económicas e disfuncionalidade familiar;

71. O pai não assumiu a sua paternidade, constituindo-se a mãe como a principal figura de referência, mas, entretanto, devido a problemas de saúde, foi institucionalizada, ficando o arguido mais vulnerável e sem rectaguarda. Por essa altura, veio para Viseu ficando integrado no agregado familiar de um primo que o acolheu, localidade onde passou a privilegiar o convívio com grupos conotados com a prática de condutas desviantes, dando início aos consumos de substâncias aditivas;

72. Tendo concluído apenas o 4.º ano de escolaridade, o arguido terá iniciado percurso laboral por volta dos 14 anos, no ramo da construção civil, onde trabalhou sempre de forma irregular, para várias empresas e em diferentes localidades, sem que atingisse a devida estabilidade;

73. A manutenção dos consumos de estupefacientes e o estilo de vida a isso associado viriam a desorganizá-lo e a levá-lo a vários confrontos com o sistema da justiça penal, contando já com várias condenações, tendo cumprido a primeira pena de prisão efectiva entre 1997 e 2002, uma outra de 2004 a 2007 e, por último, de 2013 a 2018, tendo beneficiado de liberdade condicional;

74. Quanto à problemática da toxicodependência, o condenado continua integrado no programa de substituição opiácea – Cloridrato de metadona pelo Centro de Respostas Integradas (CRI) de Viseu, cuja Equipa de Tratamento se desloca ao EP Viseu, encontrando-se em processo de redução, com boa adesão ao processo terapêutico. Em meio livre já vinha fazendo tal tratamento embora de forma irregular e com alguns períodos de falta de adesão, o que comprometia todo o processo;

75. O arguido encontra-se em cumprimento de uma suspensão de execução de uma pena de prisão a que foi condenado no âmbito do processo 110/22.3PDPRT, a qual já decorria quando estava em liberdade, verificando-se alguma irregularidade, quer ao nível da comparência nesta Equipa quer às consultas no CRI;

Repercussões da situação jurídico-penal do arguido

76. Em 12-06-2023, o arguido foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva aplicada no âmbito dos presentes autos, estando desde então no Estabelecimento Prisional de Viseu, onde o seu comportamento tem sido correcto e sem problemas, estando a exercer funções de faxina na copa e na distribuição da roupa, sendo remunerado. Não recebe qualquer visita;

77. Refere que, desde que está privado de liberdade, tem reflectido sobre os comportamentos adoptados e o estilo de vida anteriormente que mantinha, bem com a suas repercussões;

78. Revela apreensão em relação à presente situação judicial, por temer a condenação a mais uma pena de prisão efectiva e o impacto na medida de probatória que se encontra a cumprir;

79. Independentemente do desfecho do presente processo, e embora esteja muito apreensivo, está disponível para cumprir aquilo que for determinado.

(…)

Antecedentes criminais

130. O arguido AA já sofreu as seguintes condenações:

• No âmbito do processo n.º 67/84, do Tribunal Militar Territorial de Coimbra, por acórdão datado de 26/02/1985, transitado em julgado em 03/02/2004, foi condenado em sete meses de presídio militar pela prática do crime de deserção, p. e p. pelo art. 142, n.º 1, al. b) e art. 149, n.º 1, al. a), 2.ª parte, ambos do Código de Justiça Militar, considerada extinta, com efeitos a partir de 22 de Setembro de 1985;

• No âmbito da querela n.º 130/86, por acórdão datado de 17/10/1986, foi condenado pela prática: de um crime de receptação e aquisição e detenção de estupefacientes, ps. e ps., respectivamente pelos artigos 26.º e 210.º, n.º 1 e 2, al. b) com referência ao art. 329.º, n,º 1, do Código Penal e artigo 25.º, n.º 1, do DL 430/83, de 12-12, na pena de um ano de prisão e 5.000 escudos de multa e 8 meses de prisão e 30.000 escudos de multa, e em cúmulo jurídico, na pena de 18 meses de prisão e 35.000 escudos, suspensa por 3 anos;

• No âmbito do processo comum colectivo n.º 148/98, do extinto 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, por acórdão datado de 21/05/1998, foi condenado pela prática: em 02/1997 de 01 crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro e 40.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, na pena de 60 dias de prisão, integralmente expiada desde a prisão preventiva sofrida;

• No âmbito do processo comum colectivo n.º 176/02.2PBVIS, do extinto 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, por acórdão datado de 26/02/2003, transitado em julgado em 03/02/2004, foi condenado pela prática: em 08/02/2002 de 01 crime de roubo, p. e p. pelos artigos 26.º e 210.º, n.º 1 e 2, al. b) com referência ao art. 204.º, n,º 2, al. f) do Código Penal e de 01 crime de sequestro, p. e p. pelos artigos 26.º e 158.º, n.º 1 do Código Penal; e em 13/02/2002 de 01 crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 359.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena única de 05 anos de prisão efectiva, declarada extinta em 7-9-2007, estando o arguido detido à ordem destes autos entre 11-02-2002 e 11-02-2007;

• No âmbito do processo comum colectivo n.º 7/13.8GAVLF, da secção única do Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Coa, por acórdão datado de 01/10/2013, transitado em julgado em 31/10/2013, foi condenado pela prática: em 03/01/2013. de 01 crime de dano simples, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, de 03 crimes de furto na forma tentada, p.s e p.s pelo artigo 203.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal; em 02/01/2023, de 01 crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, 5 crimes de furto qualificado, p.s e p.s pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal; 01 crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, do Código Penal, 2 crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. f) e h). ambos do Código Penal, 01 crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, do Código Penal; em 03/01/2013 de 01 crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º do Código Penal, na pena única de 05 anos e 08 meses de prisão efectiva;

• No âmbito do processo comum colectivo n.º 5/13.1GDBGC, do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por acórdão datado de 22/12/2014, transitado em julgado em 25/02/2015, foi condenado pela prática, 21/01/2013, de 01 crime de furto qualificado, p e p pelo artigo 204.º, n.º 1, al. a), n.º 2 al. e) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;

• No âmbito do processo n.º 5/13.1GDBGC, do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, por acórdão de cúmulo jurídico, datado de 15/07/2015, transitado em julgado em 30/09/2015, foi condenado na pena única de 06 anos e 09 meses de prisão efectiva (processos do cúmulo: n.º 7/13.8GAVLF do Juiz 2 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda e n.º 5/13.1GDBGC, do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança), tendo sido declarada extinta em 10-03-2020, com detenção e cumprimento desde 04-02-2013;

• No âmbito do processo abreviado n.º 110/22.3PDPRT, do Juiz 3 do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por sentença datada de 21/10/2022, transitada em julgado em 21/11/2022, foi condenado pela prática, em 21/03/2022, de 01 crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, p.s e p.s pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, al. a) do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena única de 02 anos e 6 meses de prisão suspensa por 03 anos;

(…)

Matéria de facto não provada

Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição com os que foram dados por assentes e que fossem relevantes para a decisão da causa, não se provando que:

1. Os arguidos propositadamente partiram algumas das garrafas existentes no local deixando os seus fragmentos caídos no solo, evidenciando uma superfície altamente cortante;

2. Em acto contínuo desferiram empurrões no ofendido, na tentativa de o desequilibrar em direcção à referida superfície, onde se encontravam os fragmentos das referidas garrafas de vidro, causando-lhe, desta forma, pavor em cair sobre os mencionados vidros e ferir-se com seriedade, o que só não aconteceu por circunstâncias alheias à vontade dos arguidos;

3. Continuamente, os arguidos pressionaram o corpo do ofendido, por forma a colocá-lo de joelhos no solo, obrigando-o a manter-se com as nádegas viradas para cima;

4. No decorrer do lapso temporal referido nos factos provados, os arguidos, aproveitando-se do estado de debilidade do ofendido, retiraram-lhe o telemóvel, de valor não concretamente apurado e €180,00 (cento e oitenta euros) em dinheiro que tinha consigo, fazendo-os seus sem o consentimento e contra a vontade do mesmo;

5. Os arguidos, ainda em comunhão de esforços e vontades, agiram ainda com o propósito de retirar e fazer seus os bens supra aludidos pertencentes ao ofendido, que é um sem abrigo, sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do proprietário dos referidos bens, que sabiam ser o ofendido, apesar deste se encontrar na situação supra descrita, em alguns momentos desacordado e noutros física e mentalmente incapaz de reagir ou compreender, pois se encontrava manietado da forma aludida e inultrapassavelmente tolhido na sua saúde física e mental;

6. Quando, em conjugação de esforços e vontades, abandonaram o ofendido, encontrando-se o mesmo nas circunstâncias físicas e psicológicas supra descritas, os arguidos tinham pleno conhecimento de que tinham o dever de lhe prestar assistência e não ignoravam que a omissão da mesma era proibida e punida por lei;

7. Mais sabiam os arguidos que deixavam de prestar socorro a pessoa que do mesmo necessitava, devido aos ferimentos provocados pelos próprios arguidos, e que não dispunha de qualquer meio a que pudesse recorrer para solicitar auxílio;

8. As condutas dos arguidos descritos nos factos provados poderiam, também, ter provocado o rompimento dos invólucros que continham cocaína e heroína ingeridos pelo ofendido e provocado, caso assim acontecesse, risco para a vida ou afectado de forma permanente a saúde deste;

9. No estado em os arguidos haviam deixado o ofendido e se este não tivesse ajuda pronta teriam sobrevindo consequências graves para a sua saúde, colocando mesmo em risco a sua vida, devido ao estado de desidratação em que se encontrava, em virtude dos constantes vómitos e defecações e eventual rompimento dos invólucros que continham heroína e cocaína;

(…)

11. Os arguidos AA, EE e FF dirigiram expressões em voz alta e tom sério, dizendo que matavam o ofendido, fazendo-o temer pela sua vida;

12. Os arguidos AA, EE e FF ao dizerem que matavam o ofendido, agiram de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de intimidar o ofendido, anunciando a sua intenção de lhe infligir um mal que sabia constituir crime contra a vida, bem sabendo que aquelas expressões eram adequadas a provocar-lhe receio, medo e a prejudicar-lhe a liberdade de determinação, como aconteceu.

2.2. Das questões a decidir

Desde já, e como primeiro mote a reclamar intervenção, emerge a questão da admissibilidade recursiva e sua abrangência.

Olhando conjugadamente os normativos que encerram os artigos 432º, nº 1, alínea b)9 e 400º, nº 1, alíneas e) e f)10, ambos do CPPenal, parece poderem suscitar-se dúvidas quanto à possibilidade de intervenção recursiva deste STJ, na dimensão pretendida pelo arguido AA

Os preceitos em referência, pacificamente entendidos, delimitam que só é admissível o recurso para o STJ de acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação, quando aquele aplique pena de prisão superior a 8 anos – alínea f) – e / ou quando estejam em causa penas superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão e, cumulativamente, tal não resulte de confirmação da decisão de 1ª instância11.

Deste modo, e atentando à pena que em concreto foi entendida como sendo a de aplicar – 4 anos e 2 meses de prisão efetiva – é claro que não está em causa quadro que se integre nas normações atrás enunciadas, e por isso, tal como o pugnado pelo Digno Mº Pº junto deste Alto Tribunal, nesta parte o recurso é inadmissível.

Com efeito, o aresto em presença, prolatado pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, neste segmento, confirmando a condenação da 1ª Instância - princípios da dupla conforme condenatória e da legalidade -, conduz a que seja de rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA


*


Assume-se como vetor em discussão o quadro da pena relativamente indeterminada, concretamente imposta ao arguido AA

No entender deste, de certa forma esgrimindo o mesmo tipo de argumentação utilizada no trajeto recursivo encetado relativamente à decisão proferida em 1ª Instância (…) o recorrente entende que não se verificam os pressupostos do artigo 83º do Código Penal pelo que não lhe podia ter sido aplicada pena relativamente indeterminada (…) qualquer crime anterior deixa de ser considerado, para efeito dos requisitos constantes do artigo 83º, nº1, do C.P. se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos, normas que o Tribunal a quo violou (…) a última condenação sofrida pelo recorrente foi em 2022 sendo que, foi o mesmo condenado a uma prisão de prisão suspensa por 3 anos, que não releva de todo para o preenchimento dos pressupostos aqui em questão uma vez que se trata de uma pena suspensa e não de uma pena de prisão efetiva (…) Além disso e ainda que a última condenação que o recorrente sofreu fosse relevante para efeitos de preenchimento dos requisitos da pena relativamente indeterminada (que não é, em virtude de se tratar de uma pena suspensa), a condenação anterior a esta ocorreu em 2015 (acórdão de cúmulo jurídico), tendo o arguido sido condenado na pena única de 6 anos e 9 meses de prisão efetiva, no âmbito do processo nº 7/13.8GAVLF do Juiz 2 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda e nº 5/13.1GDBCG, do Juiz 3 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança (…) importa mencionar que passaram mais do que cinco anos entre a última condenação e a penúltima, uma vez que o acórdão do cúmulo jurídico (da penúltima condenação) é do ano de 2015, o que significa que os crimes foram cometidos ainda antes dessa data, razão pela qual, nunca poderia considerar-se preenchido este requisito (…) tratando-se de requisitos cumulativos, basta que não se encontre preenchido um dos requisitos necessários para o efeito (…) constitui também pressuposto necessário para a aplicação da pena relativamente indeterminada que o arguido revele uma acentuada inclinação para o crime, contudo não consta dos autos qualquer perícia sobre a personalidade do arguido para que o Tribunal pudesse ter aferido (conforme fez) que o arguido revelava, em função da sua personalidade, uma acentuada inclinação para o crime que ainda persistia no momento da prolação do acórdão aqui em questão (…) não tendo o Tribunal ad quem valorado devidamente o relatório social do recorrente (…) que confirma que o mesmo tem um comportamento correto no estabelecimento prisional, cumpre devidamente as regras e até aí trabalha, que, teme uma nova condenação, que já pensa sobre as consequências da mesma, bem como as respetivas repercussões (…) o recorrente já reflete sobre os comportamentos que adotou até ao momento e que o fizeram ter contacto com a justiça.

De seu lado, o Acórdão em sindicância, e neste conspecto, reza (…) atentando na factualidade provada, concretamente nas demais condenações de que o Recorrente foi objeto, e não esquecendo, como o faz o Recorrente, o disposto no nº3 do preceito transcrito (…) estão verificados os pressupostos de natureza formal (…) nos presentes autos, pela prática, em 25-04-2023, de crime doloso (sequestro agravado) determinou-se a aplicação de uma pena de prisão efetiva superior a dois anos (…) Anteriormente, o arguido cometeu, pelo menos, dois crimes dolosos, relevantes para o efeito pretendido, sendo aplicadas penas de prisão efetiva, igualmente superiores a dois anos – Processos nºs 176/02.2PBVIS, 7/13.8GAVLF e 5/13.1GDBGC (…) Os crimes a que respeitam os processos nºs7/13. 8GAVLF e 5/13.1GDBGC e aos quais foi aplicada pena de prisão efetiva superior a 2 anos, foram praticados em várias datas de janeiro de 2013 [Processo nº7/13. 8GAVLF] e em 21/01/2013 [Processo nº5/13.1GDBGC], o que num primeiro olhar poderia excluí-los da ponderação que ora levamos a cabo, pois que, entre essas datas e a data da prática dos factos nos presentes autos decorreram mais de 5 anos (…) Porém, atento o disposto no nº3 do artigo 83º do Código Penal e a factualidade acima evidenciada, assim não é (…) entre a data da prática dos factos que motivaram a condenação do arguido nos processos nºs7/13. 8GAVLF e 5/13.1GDBGC (2013), e a data da prática dos factos em causa nos presentes autos (25.04.2023) não decorreram mais de 5 anos, descontando no período de cerca de 10 anos (2013/2023) em que o arguido esteve preso em cumprimento de pena - desde 04-02-2013, em cumprimento da pena única de 06 anos e 09 meses de prisão efetiva até 19-09-2018 (…) a decisão recorrida não nos merece qualquer censura no que tange á verificação dos aludidos pressupostos formais de aplicação da pena relativamente indeterminada.

A filosofia norteadora da pena relativamente indeterminada, entendida esta, por alguns, como a via equivalente àquela que determina que um enfermo se mantenha num hospital até que a sua cura esteja completa12, nutre-se da ideia de que a perigosidade social de certos delinquentes, não pode ser encarada nos parâmetros da prisão normal, reclamando formas mais dilatadas de internamento onde o mote da segurança desponte como norteador e que o matiz da reabilitação inerente à imposição de uma pena não conduza a uma decisão antecipada / precipitada no tempo13.

Tem-se por pacífico, crê-se, que o instituto da pena relativamente indeterminada, decorrente do previsto no artigo 83º do CPenal, em termos de aplicação, demanda a verificação de dois pressupostos, a saber: formais – número e gravidade dos crimes cometidos anteriormente ao que vai determinar a sua imposição (aplicabilidade em concreto de prisão efetiva por mais de dois anos e a prática anterior de pelo menos dois crimes, também punidos com prisão por mais de dois anos)14 – e material – avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente, conduzindo à revelação de uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista15.

Considerando tal alinhamento impõe-se, então, verificar se no caso em apreço, as ditas exigências assolam.

Retira-se com confortada clareza que o arguido AA, nestes autos, incorreu no cometimento de um crime doloso – sequestro agravado – onde se entendeu como pena adequada aos factos por si perpetrados, a pena de 4 anos e 2 meses de prisão efetiva.

Por seu turno, exubera de modo irrefragável, e contrariamente ao que se vem defender recursivamente, que o arguido recorrente sofrera anteriormente diversas condenações, sendo que nos processos (…) processos nºs7/13. 8GAVLF e 5/13.1GDBGC (…) foi aplicada pena de prisão efetiva superior a 2 anos (…) por crimes (…) praticados em várias datas de janeiro de 2013 [Processo nº7/13. 8GAVLF] e em 21/01/2013 [Processo nº5/13.1GDBGC (…), sendo que entre (…) a data da prática dos factos que motivaram a condenação do arguido nos processos nºs7/13. 8GAVLF e 5/13.1GDBGC (2013), e a data da prática dos factos em causa nos presentes autos (25.04.2023) não decorreram mais de 5 anos, descontando no período de cerca de 10 anos (2013/2023) (…) decorreu o tempo de 6 anos e 9 meses de prisão, no período compreendido entre 4 de fevereiro de 2013 e 19 de setembro de 2018, (…) em que o arguido esteve preso em cumprimento (…) dessa dita pena única.

Diga-se, que as condenações em causa nos ditos processos, como assola do manancial fático dado como assente, ditam que o arguido AA foi condenado em 5 anos e 8 meses de prisão, por crimes de dano, furto, furto qualificado (pena única) – processo nº 7/13. 8GAVLF – e 3 anos de prisão, por crime de furto qualificado – processo 5/13.1GDBGC, o que imediatamente elucida a existência do cometimento anterior de dois ou mais crimes dolosos, onde foi aplicada prisão efetiva por mais de dois anos.

Acresce que, considerando o tempo de prisão sofrido e cumprido, entre o seu terminus e a prática dos factos destes autos, não haviam transcorrido mais de 5 anos – de 19 de setembro de 2018 a 25 de abril de 2023, medeiam 4 anos, 7 meses e 6 dias.

Todo este constructo mostra à saciedade o preenchimento dos pressupostos formais.

Um debruce, então, pelo pressuposto material.

O arguido AA exibe um vasto passado criminal, por crimes da mais variada natureza – furtos, furtos qualificados, dano, sequestro, tráfico de estupefacientes -, forma de vida eivada das mais variadas fragilidades – sem trabalhar, em quadro de sem abrigo, ligado ao mundo das drogas -, contactos com o sistema prisional que não o fizeram arrepiar caminho, nada emergindo que ilustre um efetivo espírito crítico e capacidade de se posicionar fiel ao direito, exultando assim uma acentuada inclinação para a prática criminosa16.

Salvo melhor e mais avisada opinião, a alegada tónica de que (…) tem um comportamento correto no estabelecimento prisional, cumpre devidamente as regras e até aí trabalha, que, teme uma nova condenação (…) não enverga carga / dimensão bastante para, apenas com este vetor, afastar ou até mitigar todo um juízo de prognose social desfavorável, que toda a realidade existente e na qual o arguido se foi posicionando, lhe permite apontar.

Na realidade, depois de todo um percurso francamente negativo, cumprir as regras e trabalhar em ambiente prisional, sendo aspeto que aflora nota favorável, ao que se pensa, não é mais do que um mínimo exigível, certamente decorrente do estar em espaço e ambiente de contensão e controlo, que o cerceará quanto a determinadas práticas, não sendo o bastante para concluir que, por isso, está garantida a inexistência de toda a tendência para a prática criminosa que foi imprimindo ao longo do seu estar.

E, assim sendo, impõe-se esta forma de prisão mais prolongada, estando absolutamente desenhado o requisito material que aqui se reclama.


*


Por último pondere-se a medida / dosimetria da pena relativamente indeterminada.

Ao que se pensa, e no seguimento da posição do Digno Mº Pº junto deste STJ, nenhuma intervenção corretiva é possível encetar.

Com efeito, por força do plasmado no artigo 83º, nº 2 do CPenal, a pena relativamente indeterminada tem a magnitude correspondente a dois terços da pena que em concreto caberia ao crime praticado (limite mínimo) e esta pena acrescida de 6 anos, sem ultrapassar os 25 anos (limite máximo).

Faceando este repositório normativo, tem-se, in casu, que a pena relativamente indeterminada, respeitando o quadro legal vigente, se deveria situar entre os 2 anos, 9 meses e 10 dias de prisão e os 10 anos e 2 meses de prisão.

Resulta cristalino que o Tribunal de 1ª Instância fixou o tempo mínimo de 2 anos e 8 meses de prisão e máximo de 10 anos de prisão, o que foi confirmado pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.

Mostrando-se claro que esta solução, de todo, não tem acalento na normação citada – os limites encontrados são inferiores ao que o respeito pelo estipulado na lei impunha -, não é menos certo que, recursivamente, quer por banda do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, quer por banda deste STJ, considerando o princípio da proibição da reformatio in pejus, nenhuma correção / ajuste / alteração é possível levar a cabo.

Note-se que não houve recurso por banda do Digno Mº Pº, relativamente à decisão propalada em 1ª Instância17, não podendo assim repor-se o que a regra legal reclama.

Conclui-se, pela manutenção de todo o decidido.

III - Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em:

a. Rejeitar, por inadmissibilidade legal, o recurso interposto pelo arguido AA, no que concerne à aplicação da pena de 4 anos e 2 meses de prisão, pela prática em coautoria material, sob a consumada de crime de sequestro agravado, p. e p. pelo artigo 158º nºs 1 e 2, alínea b) do CPenal, em conformidade com o conjugadamente disposto nos artigos 400º, nº 1, alínea f), 414º, nºs 2 e 3, 420º, nº 1, alínea b), e 432º, nº 1, alínea b), e 434º, todos do CPPenal;

b. Manter, no mais todo o decido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, julgando improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.


*


Custas a cargo do arguido AA fixando-se a Taxa de Justiça em 6 (seis) UC - artigo 513º do CPPenal e artigo 8º, por referência à Tabela III Anexa, do RCP.

*


O Acórdão foi processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94º, nº 2, do CPPenal), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

*


Supremo Tribunal de Justiça, 29 de outubro de 2025

Carlos de Campos Lobo (Relator)

António Augusto Manso (1º Adjunto)

Horácio Correia Pinto (2º Adjunto)

_________

1. Referência Citius ......96.

2. Doravante AA

3. Consigna-se que apenas se transcrevem as partes do texto que constituem todo o posicionamento assumido.

4. Subjacente está a consideração de que a Constituição não impõe o direito a um “duplo grau de recurso”, em matéria penal, garantindo, em todo o caso, um “duplo grau de jurisdição” e ainda que a reapreciação feita pelo Tribunal da Relação constitui um reexame avalizado da tutela das garantias de defesa. Veja–se, entre muitos, o Acórdão n.º 298/2015 ou o acórdão n.º 582/2024 do Tribunal Constitucional (TC) e, mais recentemente, com âmbito alargado ao princípio da igualdade, o acórdão n.º 230/2025 do TC e a jurisprudência constante do TC aí citada. Nesse sentido, também, referenciando vários acórdãos do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, em caso paralelo de dupla conformidade decisória e de inadmissibilidade do recurso, nos termos dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alínea f), 432.º, n.º 1, alínea b), 414.º, n.º 3 e 420.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal, veja–se o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 17–6–2020, no processo n.º 91/18.8JALRA.E1.S1, relator Conselheiro Raúl Borges e bem assim o acórdão de 17–10–2024, no processo n.º 456/22.0JDLSB.L1.S1, relator Conselheiro Jorge Bravo.

5. Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

6. SILVA, Germano Marques da, Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, Universidade Católica Editora, p.335; SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, Recursos Penais, 8ª edição, 2011, Rei dos Livros, p.113.

7. Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do STJ, de 12/09/2007, proferido no Processo nº 07P2583, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria, disponível em www.dgsi.pt.

8. Consigna-se que o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra manteve intacta toda a materialidade vinda da 1ª Instância.

9. Artigo 432.º

  Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça

  1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

  a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;

  b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

  c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;

  d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

  2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º

10. Artigo 400.º

  Decisões que não admitem recurso

  1 - Não é admissível recurso:

  a) De despachos de mero expediente;

  b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;

  c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º;

  d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos;

  e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância;

  f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

  g) Nos demais casos previstos na lei.

  2 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

  3 - Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.

11. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ, de 02/05/2024, proferido no Processo nº 4315/21.6JAPRT.P1.S1V – (…) Da conjugação dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP resulta que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão, penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância e penas não privativas da liberdade ou penas de prisão não superiores a 5 anos em casos de absolvição em 1.ª instância (…) este regime efetiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. , disponível em www.dgsi.pt..

12. ASUA, Jiménez de, Sentença Indeterminada – O Sistema das Penas Indeterminadas à Posteriori, nº 1, 2ª Ed., Buenos Aires, p. 123, citado no Acórdão do STJ, de 14/0//2014, proferido no Processo nº 1619/04-3.

13. Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 04/06/2008, proferido no Processo nº 1668/08 – (…) a pena relativamente indeterminada não aparece como uma forma normal de punição do delinquente, mas sim como uma reacção criminal com destinatários determinados - aqueles cuja perigosidade está ligada ou é indicada pela reiteração criminosa em crimes dolosos de certa gravidade (…) e em relação aos quais se admite maior probabilidade de uma reincidência grave - e isto perante a ausência de outras medidas, que não a prorrogação da pena, que possam prevenir tal perigosidade.

14. MIGUEZ GARCIA, M., CASTELA RIO, J. M., Código Penal Parte geral e especial – Com Notas e Comentários, 2015, 2ª Edição, Almedina, p. 420 – (…) a aplicabilidade em concreto de prisão efetiva por mais de dois anos e a prática anterior de dois ou mais crimes punidos também com prisão por mais de dois anos (…).

15. Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal Português – Parte Geral – II – As Consequência Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pp. 555 – 578 – (…) pressupostos formais (…) número e gravidade dos crimes praticados (…) crimes dolosos (…) punição com prisão efectiva (…) crimes que o agente tiver cometido anteriormente (…) e que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revele acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista (…).

  Ainda, SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, Noções Elementares de Direito Penal, 2003, 2ª Edição, Rei dos Livros, pp. 264 – 269 – (…) prática de um crime doloso punido com prisão efetiva por mais de 2 anos (…) tenha cometido anteriormente dois ou mais crimes dolosos, punidos cada um com mais de dois anos de prisão efectiva (…) revele acentuada inclinação para o crime (…) o que (…) resulta da avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente, devendo ainda persistir no momento da condenação (…).

  Também, ANTUNES, Maria João, Penas e Medidas de Segurança, 2024, 3ª Edição, Reimpressão, Almedina, pp. 161 e 162, MIGUEZ GARCIA, M., CASTELA RIO, J. M., Ibidem – (…) ponto relevante é o indício da acentuada inclinação para o crime, elemento típico que convoca a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente (…) propensão criminosa reveladora dessa acentuada inclinação, deve existir ou presidir no momento da condenação(…).

  Ainda, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 16/10/2024, proferido no Processo nº 1189/23.6PCCBR.C1.S1 – (…) crime doloso a que devesse aplicar-se concretamente prisão efectiva por mais de 2 anos e tiver cometido anteriormente 2 ou mais crimes dolosos, a cada um dos quais tenha sido ou seja aplicada prisão efectiva também por mais de 2 anos (…) Pressuposto material da aplicação da pena em causa, é, pois, a existência de acentuada inclinação para o crime que no momento da condenação ainda persista (…) -, de 27/11/2019, proferido no Processo nº 88/11.9JACBR.C1.S1 – (…) - A condenação em pena relativamente indeterminada obedece a determinados requisitos de índole objectiva, formal, os dois primeiros, e de índole substantiva ou material, o último (…) que o agente pratique crime doloso a que deva aplicar-se, concretamente, prisão efectiva por mais de dois anos (…) tenha cometido, anteriormente, dois ou mais crimes dolosos, a cada um tenha sido ou seja aplicada pena de prisão efectiva também por mais de dois anos (…) por último, que a avaliação conjunta dos factos e a personalidade do agente revelem uma acentuada inclinação para o crime, que ainda persista no momento da condenação (…) -, de 04/06/2008, proferido no Processo nº 1668/08, atrás citado – (…) - pratica um crime doloso punido com prisão efectiva por mais de 2 anos - a gravidade do facto afere-se pela medida da pena aplicável em concreto (…) tenha cometido anteriormente 2 ou mais crimes dolosos, punidos cada um com mais de 2 anos de prisão efectiva - só são tomados em conta os crimes praticados com 5 anos ou menos de intervalo, não relevando para este efeito o período de cumprimento de pena ou medida de segurança privativa da liberdade (…) revele acentuada inclinação para o crime - essa expectativa há-de resultar da avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente, devendo ainda persistir no momento da condenação. Exige-se a efectiva constatação de um modo de ser perigoso que habilite o juiz a concluir razoavelmente pela acentuada inclinação para o crime e, portanto, pela séria probabilidade de reiteração criminosa. É indispensável, em suma, que haja uma prognose social desfavorável ao arguido -, todos disponíveis em www.dgsi.pt.↩︎

16. Neste sentido, CARVALHIDO, Joana da Silva Pontes, A Pena Relativamente Indeterminada no tratamento jurídico-penal dos jovens adultos (Dissertação de Mestrado), 2025, Repositório da Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de Direito – Escola do Porto, p. 21 - (…) Na verificação do pressuposto material, deve ainda atender-se ao circunstancialismo existencial do agente, concretamente, ao contexto pessoal, familiar, profissional e social, bem como a todos os crimes anteriormente praticados (…).

17. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ, de 05/03/2025, proferido no Processo nº 117/18.5GACDN.S1 (…) A proibição de modificação, pelo tribunal de recurso, da sanção imposta pelo tribunal da condenação, em prejuízo do arguido, decorre da estrutura acusatória do processo e da garantia do direito ao recurso enquanto componente do direito de defesa e das exigências de um processo equitativo (arts. 32.º, n.º 1, da Constituição e 6.º, n.º 1, da CEDH), por tal modificação desfavorável constituir uma limitação incompatível com o pleno exercício deste direito nos casos em que o recurso é interposto no interesse do arguido. de 14/09/2011, proferido no Processo nº 138/08.6TALRA.C1.S1 – (…) interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo MP, no interesse exclusivo do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida (…) -, disponíveis em www.dgsi.pt.