RECURSO PER SALTUM
BURLA QUALIFICADA
CONCURSO DE INFRAÇÕES
COMPETÊNCIA
INTERMEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
PESSOA COLETIVA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PRISÃO
MULTA
CÚMULO JURÍDICO
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
CADUCIDADE
REGISTO CRIMINAL
PERDA DE BENS A FAVOR DO ESTADO
Sumário


I - A taxa diária da pena de multa da sociedade arguida corresponde a uma quantia entre (euro) 100 e (euro) 10 000, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos com os trabalhadores- artº 90º B CP
II - Sabendo-se que o concreto volume de negócios da sociedade arguida é  entre 100 000€ e 150 000€  e o lugar da sua sede na Av. da Liberdade em Lisboa, e não tendo trabalhadores ao seu serviço, a taxa diária de multa de 200€ encontra-se dentro da capacidade financeira da arguida. 
III - Se na determinação da pena foi ponderado um factor (que não o devia ser), e o seu contrário (que devia ser), -  como seja a referência aos antecedentes criminais do arguido, que existindo todavia não podem ser valorados, porque caducada a sua inscrição no registo criminal,  e no novo registo consta a ausência de antecedentes criminais, o que também foi valorado para o mesmo fim, sendo uma de carácter agravante e outra de carácter atenuante -, daí não resulta que a pena deva ser diminuída

Texto Integral

Acordam em conferência os Juízes Conselheiros na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

1. No Proc. C.C. n.º 6090/19.5T9LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa- Juízo Central Criminal de Lisboa – juiz 6, em que são arguidos

-P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de , Unipessoal Lda., NIPC .......71, e

AA,

Em que o Ministério Público, pede a declaração da perda das vantagens obtidas pelos arguidos com condenação dos mesmos a pagar ao Estado o valor de € 70.500,00 (setenta mil e quinhentos euros), sem prejuízo dos direitos do lesado, da vítima ou de terceiros de boa-fé.

E em que intervieram:

- Como assistentes BB e CC aderindo à acusação do Ministério Público e deduziram pedido de indemnização civil contra os arguidos pedindo a condenação destes, a pagar-lhes a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação e até efectivo e integral pagamento a título de danos patrimoniais, e a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação e até efectivo e integral pagamento, a título de danos não patrimoniais

- Como assistente e demandante civil DD que deduziu pedido de indemnização civil contra os demandados P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de . e AA pedindo a condenação destes , solidariamente a pagar-lhe a quantia de € 60.500,00 (sessenta mil e quinhentos euros), acrescidos de juros de mora desde a data da transferência (29-11-2017) até integral pagamento, por danos patrimoniais, e cada um dos arguidos a pagar-lhe a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) por danos não patrimoniais, e ainda no pagamento dos juros que se vencerem desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.

2. Foi por acórdão de 9/5/2025 proferida a seguinte decisão:

“Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Colectivo:

III.A. Da responsabilidade criminal.

Julga a acusação totalmente procedente, por totalmente provada, e, em consequência, decide:

III.A.I. Da arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de

Condenar a arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de . pela prática, em autoria material (sendo a arguida responsável pelo crime por cometido em seu nome ou por sua conta e no seu interesse directo pelo arguido AA pessoa que nela ocupa posição de liderança - artigo 11.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal), na forma consumada e em concurso real, de:

Um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 11.º, n.º 2, 73.º, 90.º-A, 90.º-B, n.ºs 1, 3, 4 e 5, 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 4, com referência aos artigos 202.º, alínea a), e 206.º, n.º 2, todos do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias multa, à taxa diária de € 200,00 (duzentos euros), perfazendo o valor total de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros) - factos provados de 1. a 12., 13. a 26. e 55. a 62. - Ofendida EE.

Um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 11.º, n.º 2, 90.º-A, 90.º-B, n.ºs 1, 3, 4 e 5, 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 4, com referência ao artigo 202.º, alínea a), todos do Código Penal, na pena de 220 (duzentos e vinte) dias multa, à taxa diária de € 200,00 (duzentos euros), perfazendo o valor total de € 44.000,00 (quarenta e quatro mil euros) - factos provados de 1. a 12., 27. a 43. e 55. a 62. - Ofendidos BB e CC.

Um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 11.º, n.º 2, 90.º-A, 90.º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 4, com referência ao artigo 202.º, alínea a), todos do Código Penal, na pena de 550 (quinhentos e cinquenta) dias multa, à taxa diária de € 200,00 (duzentos euros), perfazendo o valor total de € 110.000,00 (cento e dez mil euros) - factos provados de 1. a 12., 44. a 54. e 55. a 62. - Ofendidos DD e FF.

Operar o cúmulo jurídico das penas de multa aplicadas e condenar a arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de na pena única de 600 (seiscentos) dias de multa, à taxa diária de € 200,00 (duzentos euros), perfazendo o total de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros).

+

III.A.II. Do arguido AA.

Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de:

Um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 73.º, 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 4, com referência aos artigos 202.º, alínea a), e 206.º, n.º 2, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão - factos provados de 1. a 12., 13. a 26. e 55. a 62. - Ofendida EE.

Um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 4, com referência ao artigo 202.º, alínea a), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão - factos provados de 1. a 12., 27. a 43. e 55. a 62. - Ofendidos BB e CC.

Um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 4, com referência ao artigo 202.º, alínea a), todos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão - factos provados de 1. a 12., 44. a 54. e 55. a 62. - Ofendidos DD e FF.

+

Operar o cúmulo jurídico das penas aplicadas e condenar o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos e 7 (sete) meses de prisão.

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III.B. Da declaração de perda das vantagens obtidas pelos arguidos com a prática dos factos.

Julgar totalmente procedente, por totalmente provado, o pedido de declaração da perda das vantagens obtidas com a prática dos factos em apreço nos autos e, em consequência, declarar perdido a favor do Estado o valor de € 70.500,00 (setenta mil e quinhentos euros), que corresponde ao valor da vantagem obtida pelos arguidos com a prática dos factos ilícitos e típicos, com conexa condenação dos arguidos P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de e AA no pagamento de tal quantia ao Estado, sem prejuízo dos direitos dos lesados, designadamente nos que assumem a qualidade de demandantes nos presentes autos – artigo 110.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4, do Código Penal.


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III.C. Da responsabilidade civil.

Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes demandantes BB e CC totalmente procedente, por totalmente provado, e, em consequência, condenar os arguidos demandados P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de e AA a pagar solidariamente aos assistentes/demandantes BB e CC:

- O montante de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescido dos juros de mora à taxa de juro aplicável de 4% (quatro por cento), segundo a Portaria n.º 291/2003, de 08 de Abril, desde a notificação para contestar o pedido, até integral e efectivo pagamento - nos termos conjugados dos artigos 483.º, 496.º, 559.º, 566.º, n.º 2, 805.º, n.º 2, alínea b), e 806.º, n.º 1, todos do Código Civil.

- O montante de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido dos juros de mora à taxa de juro aplicável de 4% (quatro por cento), segundo a Portaria n.º 291/2003, de 08 de Abril, desde a presente decisão, por actualizadora, até integral e efectivo pagamento - nos termos conjugados dos artigos 483.º, 496.º, 559.º, 566.º, n.º 2, 805.º, n.º 2, alínea b), e 806.º, n.º 1, todos do Código Civil e Jurisprudência Uniformizada pelo Acórdão n.º 4/2002, de 27 de Junho, “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.”.

Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente demandante DD procedente, por provado, e, em consequência, condenar os arguidos demandados P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de . e AA a pagar solidariamente ao assistente demandante DD:

- O montante de € 60.500,00 (sessenta mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais, acrescido dos juros de mora à taxa de juro aplicável de 4% (quatro por cento), segundo a Portaria n.º 291/2003, de 08 de Abril, desde a notificação para contestar o pedido, até integral e efectivo pagamento - nos termos conjugados dos artigos 483.º, 496.º, 559.º, 566.º, n.º 2, 805.º, n.º 2, alínea b), e 806.º, n.º 1, todos do Código Civil.

- O montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido dos juros de mora à taxa de juro aplicável de 4% (quatro por cento), segundo a Portaria n.º 291/2003, de 08 de Abril, desde a presente decisão, por actualizadora, até integral e efectivo pagamento - nos termos conjugados dos artigos 483.º, 496.º, 559.º, 566.º, n.º 2, 805.º, n.º 2, alínea b), e 806.º, n.º 1, todos do Código Civil e Jurisprudência Uniformizada pelo Acórdão n.º 4/2002, de 27 de Junho, “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.” – sendo no mais absolvidos do pedido.

+

III.D. Da responsabilidade por custas.

III.D.I. Criminais.

Atento o sentido condenatório da presente sentença, condenar os arguidos P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de e AA no pagamento das custas criminais do processo, nos termos dos artigos 66.º, n.º 5, 374.º, n.º 4, 513.º e 514.º, todos do Código de Processo Penal, e artigos 5.º e 8.º, n.º 9, do Anexo III ao Regulamento das Custas Processuais, com referência à Tabela III anexa a tal diploma, fixando-se a taxa de justiça individual em 5 UC, atenta a complexidade da causa.

Atento o sentido absolutório do presente acórdão, consignar a inexistência de responsabilidades por custas a fixar a cargo dos assistentes BB, CC e DD - artigos 513.º, n.º 1, 514.º e 515.º, “a contrario”, todos do Código de Processo Penal e artigo 24.º, do Regulamento das Custas Processuais.


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III.D.II. Cíveis.

Face ao sentido totalmente procedente do pedido de indemnização civil formulado nos autos, condenar os demandados P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de e AA no pagamento das custas da instância cível enxertada pelos assistentes demandantes BB e CC, na proporção do total decaimento (artigos 377.º, n.º 4, e 523.º, ambos do Código de Processo Penal, e artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Pese embora o parcial decaimento da demanda quanto à contagem dos juros de mora devidos, considerando o sentido totalmente procedente do pedido de indemnização civil formulado nos autos no que ao valor do mesmo concerne, condenar os demandados P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de e AA no pagamento das custas da instância cível enxertada pelo assistente demandante DD, na sua total medida (artigos 377.º, n.º 4, e 523.º, ambos do Código de Processo Penal, e artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).


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Notifique.

Após trânsito em julgado do presente acórdão:

Remeta boletins dos condenados ao registo criminal – artigo 374.º, n.º 3, alínea d), do Código de Processo Penal e artigo 6.º, alínea a), da Lei 37/2015, de 05 de Maio.

Nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 8.º, n.ºs 1 e 2 e 18.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, e sem prejuízo do prévio cumprimento ao direito de informação nos termos do artigo 9.º do mesmo diploma legal, no caso de o ADN do arguido AA ainda não constar na base de dados de perfis de ADN, diligencie no sentido de se proceder à recolha de amostras tendo em vista a obtenção de perfil de ADN do mesmo e a sua introdução na base de dados de perfis de ADN, conjuntamente com os seus dados pessoais, para efeitos de identificação criminal.

Emita competentes mandados de detenção e condução do condenado AA ao Estabelecimento Prisional para cumprimento da pena única de 6 (seis) anos e 7 (sete) meses de prisão efectiva aplicada - artigos 467.º, n.º 1 e 478.º, ambos do Código de Processo Penal.

Apresente os autos com oportuno termo de vista ao Ministério Público para efeitos de liquidação da pena aplicada ao condenado AA.

Liquide responsabilidades do julgado, no âmbito das quais emita oportunamente competente guia para pagamento da pena única de multa aplicada à arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de ….”

3. Recorreram os arguidos conjuntamente para a Relação de Lisboa, os quais no final da respectiva motivação apresentam as seguintes conclusões:

1.As medidas das penas aplicas aos arguidos vão para além do que as necessidades de prevenção especial e geral impunham.

2. Não obstante o arguido se tenha apropriado de diversas a cada um dos ofendidos, 10.000,00 € (devolvidos), 10.0000,00 € e 65.000,00 €, não há na atuação dos arguidos circunstâncias que permitam aplicar medida da pena substancialmente diferente para cada um dos crimes.

3.As circunstâncias e o modus operandi dos arguidos é o mesmo nos três crimes, não se concebendo que num caso se aplique medida concreta da pena próxima do terço da moldura penal e noutro caso se aplique pena superior à mediana.

4.Pelo que as penas parcelares a aplicar a cada um dos crimes da arguida sociedade deverá fixar-se dentro do terço da moldura penal aplicável.

5. Dando-se como provado que a arguida sociedade tem volume de negócios anual mediano de 100.000,00 € a 150.000,00 €, mostra-se excessivo fixar o quantitativo diário de 200,00 € por cada dia de multa, devendo o mesmo fixar-se no seu mínimo legal.

6. Tendo-se optado por aplicar penas parcelares fixadas dentro do terço mínimo da moldura legal deverá o mesmo critério ser usado na determinação da pena do arguido pessoa singular uma vez que se trata da mesma conduta e circunstâncias.

7. As exigência de prevenção geral não se logram com uma graduação de pena mais elevada uma vez que nos crimes de natureza económica a prevenção far-se-á, acima de tudo, com a restituição e indemnização dos lesados e a consequente perda do benefício económico por parte do arguido.

8. A sujeição do arguido a penas mais elevadas, como foi a opção do Tribunal a quo, especialmente na sua idade, retirar-lhe-á qualquer possibilidade de ressocialização quando saísse em liberdade pois é consabido o efeito estigmatizante da prisão.

9. As condenações anteriores do Arguido dizem respeito a factos praticados há mais de 10 anos, podendo realizar-se um juízo de prognose de que a aplicação, de penas parcelares próximas do terço da moldura penal acautelarão de forma suficiente as necessidades de prevenção geral e especial.

10. O arguido apresenta uma adequada inserção social, profissional e familiar.

11. Não se apurou que o arguido fizesse da burla estilo de vida ou profissional.

12. Nos termos do artº 71º do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que devem ser levadas em consideração, na determinação da medida concreta da pena, todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente.

13. Não poderia o recorrente ter sido condenado nas penas parcelares aplicadas pelo Tribunal a quo, devendo cada umadas penas encontrar-se a baixo primeiro terço da moldura penal aplicável.

14. Optando-se pela aplicação ao arguido por penas parcelares que se fixem no primeiro terço da moldura penal deverá proceder-se ao seu cúmulo jurídico que terá como limite máximo o somatório das penas parcelares apuradas e limite mínimo a maior pena aplicada.

15. Assim, devendo a pena parcelar mais elevada aplicável – mormente a que diz respeito aos ofendidos DD e FF – fixar-se próxima do seu terço a pena mais elevada, o cúmulo de pena deverá fixar-se próximo da mesma e consequentemente ser aplicada ao arguido, em cumulo jurídico, pena única inferior a cinco anos de prisão.

16. Concluindo pela desproporção das penas parcelares conforme supra descrito, e encontrando-nos perante a aplicação, em concurso, de pena de prisão inferior a cinco anos, impõe-se, determinar se encontram preenchidos os pressupostos para que a mesma seja suspensa na sua execução.

17. O art. 50.º n.º 1 do Código Penal determine que as penas de prisão inferiores a 5 anos deverão ser suspensas na sua execução “se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

18. Os presentes autos, não merecem urgência que incite ou justifique a aplicação de uma pena de prisão efetiva a um pai de família com um menor ainda a seu cargo e que ainda presta apoio a familiar doente oncológico.

19. Resulta do registo criminal que os últimos factos de relevo criminal praticados pelo arguido datam de 2010, sendo que os factos pelos quais foi condenado no âmbito dos presentes autos foram praticados há quinze anos, não se pode considerar que a as penas anteriores não lograram surtir o seu devido efeito.

20. Resulta dos autos que o Arguido demonstrou ter dificuldades financeiras que dificultam a devolução, em tempo, das quantias devidas aos ofendidos BB/CC e DD/FF, não existindo qualquer prova de que este não pretenderia devolver aquelas quantias que lhe foram entregues tal como fizera com a ofendida EE.

21. Não pode o direito ao silêncio ser valorado contra o Arguido, sob pena de se entrar em contradição com o sistema, e com os valores e princípios subjacentes ao processo penal.

22. Devendo ser aplicado ao arguido em cúmulo jurídico penal única inferior a cinco anos deverá merecer um juízo de prognose favorável e assim ver a pena aplicada ser suspensa na sua execução, ainda que sujeita a deveres de conduta, mormente de restituição das quantias dos ofendidos.

23. A perda a favor do estado só se justificaria se os ofendidos não tivessem deduzido pedido de indemnização civil.

Termos em que, sempre com mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, aplicando ao arguido em cúmulo jurídico pena inferior a cinco anos de prisão, suspendendo-se a sua execução, ainda que sujeita a regras de conduta.”

Respondeu o Mº Pº pugnando pela improcedência dos recursos dos arguidos.

3.1 Mandados subir os autos ao tribunal da Relação, por despacho de 25/9/2025 foram aos autos remetidos a este Supremo Tribunal porque “em processo comum colectivo, a pena única aplicada ao arguido/recorrente AA excede os 5 anos de prisão e que o recurso visa exclusivamente matéria de direito, a competência para o correspondente conhecimento pertence ao Supremo Tribunal de Justiça.”

Neste STJ o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso da arguida P..., Lda e parcialmente procedente o do arguido .

Foi cumprido o disposto no artº 417º2 CPP

Não foram apresentadas respostas

4. Procedeu-se à conferência com observância do formalismo legal

Cumpre apreciar.

Consta do acórdão recorrido (transcrição):

“II. Fundamentação.

A. Matéria de facto provada.

O tribunal, discutida a causa e com relevo para a boa decisão da mesma, deu como provados os seguintes factos:

Do acusatório e demandas cíveis enxertadas.

1. A arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de foi constituída em 10 de dezembro de 2014, tem sede na Rua 1 e como objeto social consultoria e mediação imobiliária, a que corresponde o CAE (Código de Actividade Económica) ...11-R3.

2. É detentora de licença AMI n.º ...58, emitida pelo Instituto dos Mercados Públicos da Construção e do Imobiliário e tem um capital social de € 30.000,00 (trinta mil euros).

3. O arguido AA, doravante AA, é ó único sócio e gerente da P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de , desde a data da sua constituição.

4. Em 9 de setembro de 2016, no âmbito da sua actividade profissional, a arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de . e o seu representante legal, o arguido AA, por si e em representação daquela, celebraram com J..., Investimento e Participações, Lda., também denominada J...Group, um acordo epigrafado “contrato de mediação imobiliária” nos termos do qual se comprometeram a angariar interessados na compra dos imóveis comercializados no loteamento com alvará n.º 04/03, sito na ..., freguesia de ..., concelho de Amadora, denominado “S...”.

5. No âmbito desse acordo, competiu à sociedade arguida e ao arguido AA divulgar os imóveis disponíveis e angariar interessados na sua aquisição.

6. Caso os clientes pretendessem concretizar o negócio, a sociedade arguida e o arguido AA deveriam proceder à reserva do imóvel pretendido, mediante preenchimento de um formulário epigrafado “Ficha de Reserva”, disponibilizado pela J...Group e pagamento da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de reserva, a transferir pelos interessados para o IBAN PT50 .... .... ............ 5, correspondente a conta bancária titulada pela J...Group.

7. Ao ser efectuado o pagamento pelos interessados, os arguidos preenchiam e entregavam um documento epigrafado “Reserva de Imóvel”, cuja minuta foi previamente elaborada e entregue pela J...Group aos arguidos e da qual constava o IBAN da conta bancária titulada pela J...Group, para a qual deveria ser realizado o pagamento.

8. Os arguidos sabiam que estavam obrigados a comunicar à J...Group as reservas dos imóveis efetuadas pelos clientes que angariavam, bem como que estas apenas se efectivavam mediante a entrega da documentação e o pagamento do montante de € 10.000,00 (dez mil euros), a realizar pelos clientes para a conta bancária titulada pela J...Group, que tais reservas eram válidas por um período de trinta dias e, findo este prazo, era celebrado contrato-promessa de compra e venda ou cancelada a reserva e devolvida a quantia paga.

9. Em data não concretamente apurada, mas mediada entre 9 de setembro de 2016 e 25 de janeiro de 2018, o arguido AA, em nome próprio e na qualidade de representante legal da sociedade arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de , decidiu locupletar-se de quantias que não lhe pertenciam.

10. Aproveitando-se da circunstância de se encontrar legitimado para angariar clientes em nome da J...Group, o arguido AA, em nome próprio e em representação da sociedade arguida, decidiu receber e fazer suas as quantias pagas pelos clientes a título de reserva dos imóveis que pretendiam adquirir no empreendimento denominado “S...”, que bem sabia não lhe pertencerem e não lhe serem devidas.

11. Em data não concretamente apurada, o arguido AA por si e em representação da sociedade arguida, directamente ou por intermédio de outra pessoa a seu pedido, alterou o formulário epigrafado “Reserva do Imóvel”, disponibilizado pela J...Group, fazendo constar, para efeitos de pagamento, o IBAN PT50 .... .... .... .... .... 6 respeitante a conta domiciliada no Banco BIG – Banco Internacional Global, titulada pela arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de ..

12. A conta com o IBAN PT50 .... .... .... .... .... 6, domiciliada no Banco BIG – Banco de Investimento Global, foi aberta em 27 de agosto de 2015 e é titulada pela arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de ., representada pelo arguido AA.

+

13. Em data não concretamente apurada, mas durante o mês de novembro de 2016, o arguido AA e a sociedade arguida foram contactados por EE que pretendia comprar um imóvel no empreendimento “S...”, que estava à venda pelo preço de € 315.000,00 (trezentos e quinze mil euros).

14. Os arguidos foram informados por EE que esta apenas poderia pagar o montante de € 300.000,00 (trezentos mil euros) pelo referido imóvel.

15. Não obstante estar ciente que a J.. não pretendia vender o imóvel pelo montante de € 300.000,00 (trezentos mil euros), o arguido AA, por si e em representação da sociedade arguida, informou EE que o imóvel seria vendido pelo referido valor.

16. Desta forma, o arguido AA quis e conseguiu convencer EE a reservar o imóvel correspondente ao lote 416-L11 e a proceder à entrega da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros).

17. Na concretização desse propósito e por forma a atribuir credibilidade à sua conduta, no dia 15 de novembro de 2016, o arguido AA, por si e em representação da arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de ., elaborou um documento de reserva do imóvel do qual consta que a sociedade arguida, em parceria com a J.., recebeu de EE a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) de reserva, no IBAN PT50 .... .... .... .... .... 6, destinado à aquisição, pelo valor de € 300.000,00 de um lote de terreno sito no loteamento com alvará n.º 04/03, sito na ..., freguesia de ..., concelho de Amadora.

18. O arguido AA fez constar do referido documento que o valor discriminado se destinava à aquisição do lote 416-L11 e que a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) seria abatida ao preço final ou devolvida a EE.

19. Convicta que a quantia se destinava à reserva do referido lote, no dia 16 de novembro de 2016, EE ordenou as seguintes transferências, todas com destino à conta com o IBAN PT50 .... .... .... .... .... 6:

a. € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), ordenada a partir da conta n.º .............20, titulada por EE e domiciliada no Banco Santander Totta, S.A.

b. € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), ordenada a partir da conta n.º .............69,

c. € 5.000,00 (cinco mil euros), ordenada a partir da conta n.º .............20, titulada por EE e domiciliada no Banco Santander Totta, S.A.

20. Não obstante ter recebido o valor de € 10.000,00 (dez mil euros), o arguido AA não comunicou tal reserva à sociedade J...Group, nem entregou aquela quantia, ciente que dessa forma aquela reserva não estava efetivada e que o referido lote 416-L11 continuava disponível para venda.

21. O arguido AA ocultou tal reserva da J...Group com o intuito de fazer sua a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) entregue por EE, ciente que esta apenas efectuou os pagamentos por confiar que aquela quantia se destinava à reserva do lote 446-L11.

22. Em janeiro de 2018, EE contactou a J...Group e teve conhecimento que não existia qualquer reserva do lote 446-L11 em seu nome e que este imóvel tinha sido adquirido por terceiros.

23. Após, contactou o arguido AA que aceitou devolver a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) a EE.

24. Em 25 de janeiro de 2018, o arguido AA, em representação da arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de ., elaborou um documento de cancelamento da reserva no qual se obrigou a devolver a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) para a conta com o IBAN PT...... .... .... .... .... 6, indicada por EE, o que efectivamente veio a fazer.

25. Ao actuar da forma apurada, o arguido AA e a sociedade arguida lograram receber e utilizar em proveito próprio, para satisfação das suas necessidades, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) a que bem sabiam não ter direito.

26. Os arguidos estavam cientes que dessa forma, entre 16 de novembro de 2016 e 25 de janeiro de 2018, privaram EE, proprietária daquela quantia, de a utilizar, o que quiseram e conseguiram, bem sabendo que actuavam contra a vontade desta.

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27. No prosseguimento dos seus intentos e do plano previamente delineado, em 3 de julho de 2017 o arguido AA, na qualidade de representante legal da arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de , negociaram com BB e CC a aquisição, pelo valor de € 605.000,00 (seiscentos e cinco mil euros), do lote de terreno 445, localizado no loteamento com alvará n.º 04/03, sito na ..., freguesia de ..., concelho de Amadora, denominado “S...”, comercializado pela J...Group.

28. Nessa mesma data, os arguidos informaram BB e CC que para reserva do imóvel deveriam proceder ao pagamento da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a realizar por transferência bancária para a conta com o IBAN PT50 .... .... .... .... .... 6.

29. Ao actuar da forma apurada o arguido AA, na qualidade de legal representante da sociedade arguida, fez crer a BB e CC que a reserva do imóvel estava assegurada.

30. Por esse motivo, em 7 de julho de 2017, BB e CC efectuaram uma transferência, no montante de € 10.000,00 (dez mil euros) a partir da conta por si titulada, com o IBAN PT50 .... .... .... .... .... 3, domiciliada no Banco Santander Totta, S.A., para o IBAN PT50 .... .... .... .... .... 6, titulada pela sociedade arguida.

31. Com o propósito de credibilizar a sua actuação, em 10 de junho de 2017, o arguido AA, em nome da sociedade arguida, emitiu um documento epigrafado “reserva de imóvel” do qual consta que a arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de ., em parceria com a J...Group, recebeu de BB a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) na conta com o IBAN PT50 .... .... .... .... .... 6 para reserva, destinado à aquisição pelo valor de € 605.000,00 de um lote de terreno sito no Loteamento com Alvará n.º04/03, ..., freguesia de ..., concelho da Amadora.

32. Mais consta daquele documento que o valor discriminado se destina à reserva do lote 445, para aquisição e construção de uma moradia unifamiliar e que será devolvido ou abatido ao valor global do negócio, aquando da sua concretização. Caso o negócio não se concretizasse, poderia haver desistência da reserva e devolução na íntegra do valor, no prazo máximo de 48 horas.

33. O referido documento tem apostos os logotipos de “S...”, “J...Group” e está assinado pela gerência da sociedade arguida e pelo promitente-comprador BB.

34. Não obstante estar ciente da obrigação de informar a J...Group das reservas que efectuasse e a entregar as quantias recebidas, o arguido AA não comunicou a reserva do lote 445, nem entregou à J...Group a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), por si recebida na conta bancária titulada pela sociedade arguida.

35. O arguido estava ciente que, ao ocultar aquela comunicação, a reserva do lote 445 não estava assegurada e que este imóvel se mantinha disponível para venda, o que quis e conseguiu.

36. Com o intuito de se apropriar do montante de € 10.000,00 (dez mil euros), os arguidos não comunicaram a reserva à J...Group cientes que, dessa forma, o lote 445 não estava reservado em nome de BB e CC e que o negócio não viria a ser celebrado, o que quis e conseguiu.

37. No início do ano de 2018, BB e CC contactaram telefonicamente o arguido AA que informou que a construção da moradia estava atrasada, mas que o contrato seria celebrado no final desse ano.

38. No final do ano de 2018, BB e CC contactaram telefonicamente o arguido AA para obter informações sobre o estado da obra e data de celebração dos contratos, mas não obtiveram resposta.

39. Por esse motivo, contactaram diretamente a J...Group tendo sido informados, em 15 de março de 2019, que não existia qualquer reserva em seu nome do lote 445, que o arguido AA já não colaborava com a J...Group e que o lote 445 já havia sido vendido.

40. Em abril de 2019, BB contactou novamente o arguido AA, confrontou-o com aquelas informações, solicitou o cancelamento da reserva e a devolução da quantia paga.

41. Por esse motivo e após este contacto, em 9 de maio de 2019 o arguido AA, por si e em representação da sociedade arguida, emitiu um documento epigrafado “cancelamento da reserva” do qual fez constar que a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) seria devolvida para o IBAN PT50 .... .... .... .... .... 0, indicado para o efeito por BB, no prazo máximo de trinta dias a contar daquela data.

42. Não obstante, os arguidos não devolveram tal quantia a BB e a CC, fazendo seu o montante de € 10.000,00 (dez mil euros) e utilizando-o em seu proveito.

43. Em 10 de julho de 2017, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) foi creditada na conta bancária titulada pela sociedade arguida e utilizada pelos arguidos em diversas compras e pagamentos, na satisfação das suas necessidades, cientes que actuavam contra a vontade dos proprietários daquela quantia.

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44. Em data não apurada, mas no final do ano de 2017, DD e FF contactaram o arguido AA, na qualidade de gerente da sociedade arguida, a quem manifestaram pretender vender alguns dos imóveis que possuíam e comprar um lote de terreno para futura construção de moradia.

45. Nesse momento, o arguido AA, por si e em representação da sociedade arguida, informou DD e FF da possibilidade de adquirir uma moradia no empreendimento da J...Group, designado “S...”.

46. Em 24 de novembro de 2017, o arguido AA enviou uma mensagem de correio eletrónico para o endereço ..., utilizado por DD, com apresentação do imóvel e informação que poderia ser efectuada uma pré-reserva para garantir o imóvel a qual poderia ser cancelada antes da escritura, com direito a devolução integral.

47. Não obstante estar ciente que o valor fixado pela J...Group para reserva de imóveis no empreendimento S... era de € 10.000,00 (dez mil euros), o arguido AA comunicou a DD e FF que o valor para reserva era de € 60.500,00 (sessenta mil e quinhentos euros).

48. Em 27 de novembro de 2017, com o propósito concretizado de conferir credibilidade à sua actuação, o arguido AA, em representação da sociedade arguida, celebrou um acordo com DD, epigrafado “Reserva de imóvel”, nos termos do qual a sociedade arguida declarou ter recebido de DD a quantia de € 60.500,00 (sessenta mil e quinhentos euros) para reserva do lote de terreno 445, sito no loteamento com alvará n.º 04/03, sito na ..., freguesia de ..., concelho de Amadora, através de transferência bancária realizada para o IBAN PT50 .... .... .... .... .... 6, ficando a constar a possibilidade de desistência, caso em que o valor da reserva seria integralmente devolvido, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas

49. Em 28 de novembro de 2017, confiando na veracidade do negócio, DD transferiu para a conta com o IBAN PT50 0061 0050 .... .... .... 6, titulada pela arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de , a quantia de € 60.500,00 (sessenta mil e quinhentos euros) a partir da conta por si titulada com o IBAN ES66 .... .... .... .... ...9.

50. Volvidos dois meses, DD identificou outro imóvel que pretendia adquirir e manifestou junto dos arguidos que desistia da reserva, solicitando a restituição a quantia de € 60.500,00 (sessenta mil e quinhentos euros).

51. Não obstante, os arguidos AA e P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de ., não restituíram tal quantia, que fizeram sua e utilizaram em seu proveito, para satisfação das suas necessidades.

52. Ao actuar da forma apurada, os arguidos fizeram crer a DD e FF que a reserva do imóvel estava assegurada e, dessa forma e por esse motivo, levaram-os a concretizar a aludida transferência no montante de € 60.500,00 (sessenta mil e quinhentos euros) para a conta bancária titulada pela sociedade arguida.

53. A sociedade arguida e o arguido AA estavam cientes que a reserva do referido lote 445 só se efetivava mediante a entrega da documentação e da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) à J...Group.

54. Não obstante, com o intuito de se apropriar daquela quantia, o arguido AA, na qualidade de representante legal da sociedade arguida, não comunicou a reserva à J...Group ciente que, dessa forma, o lote 445 não estava reservado em nome de DD e FF e que o negócio não viria a ser celebrado, o que quis e conseguiu.


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55. Na posse dos formulários epigrafados “Reserva do Imóvel” que alterou e fazendo crer a EE, BB, CC, DD e FF que actuavam em nome da J...Group, o arguido AA, em nome próprio e na qualidade de representante legal da sociedade arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de ., convenceu aqueles a efectuar a entrega de quantias respectivamente apuradas a título de reserva do imóvel pretendido, cujos pagamentos foram realizados para o apurado IBAN PT PT50 .... .... .... .... .... 6, titulado por P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de .

56. Com o intuito de se apropriar das quantias que lhes foram entregues, o arguido AA, em nome próprio e na qualidade de representante legal da sociedade arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de , não comunicou à J...Group as referidas reservas, nem entregou as quantias recebidas.

57. O arguido AA, em nome próprio e na qualidade de representante legal da sociedade arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de , actuou com o propósito concretizado de fazer crer erroneamente a EE, BB, CC, DD e FF que ao entregarem as quantias supra apuradas estavam a efectivar a reserva de um imóvel no empreendimento S..., ainda em construção.

58. O arguido AA, em nome próprio e na qualidade de representante legal da sociedade arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de ., bem sabia que tal informação não correspondia à realidade mas actuou com o propósito de convencer EE, BB, CC, DD e FF a efectuar os pagamentos, o que conseguiu.

59. Entre 16 de novembro de 2016 e 29 de Novembro de 2017, os arguidos lograram receber o valor global de € 80.500,00 (oitenta mil e quinhentos euros), quantia que fizeram sua e a que bem sabiam não ter direito.

60. Sem prejuízo do facto apurado em 24., o arguido AA, por si e em representação da sociedade arguida, utilizou as quantias apuradas na satisfação das suas necessidades pessoais, em proveito próprio e da sociedade, bem sabendo que a tal não estava autorizado e que actuava sem conhecimento e contra a vontade dos seus legítimos titulares.

61. O arguido AA actuou sempre no seu próprio interesse e no interesse da arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de ..

62. O arguido AA, em nome próprio e na qualidade de representante legal da sociedade arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de ., actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

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Do demais conexo com o pedido de indemnização civil deduzido por BB e CC.

63. Em 09 de maio de 2019, o arguido demandado AA, em nome próprio e na qualidade de representante legal da sociedade arguida e demandada P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de ., enviou aos assistentes demandantes BB e CC o documento epigrafado “cancelamento de reserva”, nos termos do qual, entre o mais, fez constar que o montante entregue a título de sinal, no valor de € 10.000,00, seria devolvido para o NIB PT50 .... .... .... .... ..14 - conta titulada pelo assistente demandante BB - no prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar da data do cancelamento.

64. Até à data, os arguidos demandados não procederam à devolução da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), aos assistentes demandantes BB e CC.

65. Os assistentes demandantes são médicos e com a aquisição do imóvel em apreço prespectivavam fixar domicílio mais próximo das respectivas unidades de saúde em que prestam funções, de modo a mitigar o desgaste a que se encontram sujeitos.

66. Como consequência da conduta dos arguidos demandados, os assistentes demandantes BB e CC sentiram-se enganados, ficaram tristes e revoltados e obrigados a despender tempo e dinheiro com o presente processo.


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Do demais conexo com o pedido de indemnização civil deduzido por DD.

67. Em resposta à interpelação do assistente demandante DD para a devolução do montante de € 60.500,00 (sessenta mil e quinhentos euros), o arguido demandado AA, em nome próprio e na qualidade de representante legal da sociedade arguida e demandada P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de . justificou a ausência de pagamento com a suposta dívida da sociedade comercial titular do empreendimento.

68. Por se considerar alheio a qualquer litígio entre tais entidades, o assistente demandante DD, através de mandatário, por carta registada com aviso de recepção datada de 22 de Julho de 2019, interpelou a J..., Investimento e Participações, Lda., dando conta de toda a situação, solicitando a intervenção da mesma na resolução do litígio.

69. Em resposta à interpelação, a J..., Investimento e Participações, Lda informou não ter qualquer conhecimento da existência da reserva ou do seu posterior cancelamento e que, no âmbito da relação de parceria com a P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de . esta apenas poderia angariar clientes, não tendo o arguido demandado AA quaisquer poderes de representação, designadamente para celebrar acordos de reservas ou receber quaisquer quantias destinadas a essa finalidade.

70. Até à data, os arguidos demandados não procederam à devolução da quantia de € 60.500,00 (sessenta mil e quinhentos euros) ao assistente demandante DD.

71. Como consequência da conduta dos arguidos demandados, o assistente demandante DD sentiu-se enganado, ludibriado e frustrado na expectativa de aplicar o montante de 60.500,00 (sessenta mil e quinhentos euros) a seu contento.

72. Mais ficou transtornado e angustiado.

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Da situação empresarial - pessoal e condição sócio-económica dos arguidos.

Arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de .

73. A arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de . tem actualmente sede (não actualizada no registo comercial) sita na Avenida 1.

74. Apresenta um volume de negócios anual em valor não concretamente apurado mas mediado entre € 100.000,00 (cem mil euros) e € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).

75. Para além do arguido, seu sócio gerente, não tem colaboradores.


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Arguido AA.

76. O arguido AA tem como habilitações literárias o 11.º ano de escolaridade, com frequência do 12.º ano de escolaridade.

77. Vive em união de facto com GG e uma filha em comum, de nome HH, com doze anos de idade.

78. O agregado familiar vive em habitação sita em ...- Rua 2, suportando a renda mensal de cerca de € 900,00 (novecentos euros).

79. Desde 2011, exerce a actividade profissional de mediador/consultor imobiliário, primeiro na ... e, actualmente, a título de representante legal da sociedade arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de

80. Para efeito de tributação de imposto sobre as pessoas singulares, o arguido declara anualmente valor de rendimento global mediado entre € 15.000,00 (quinze mil euros) e € 20.000,00 (vinte mil euros, tendo, com respeito ao ano de 2024, declarado o valor de € 14.000,00 (catorze mil euros).

81. O arguido suporta integralmente as despesas do agregado familiar respeitantes a electricidade, água e outras despesas domésticas em valores mensais não concretamente apurados mas aproximados a € 90,00 (noventa euros), mais comparticipando nas despesas de alimentação em montante não concretamente apurado.

82. Não tem obrigações atinentes a créditos bancários.

83. A filha HH frequenta a escola pública.

84. O arguido tem um filho, de nome II, de 25 (vinte e cinco) anos de idade, fruto de anterior relação, o qual terminou a Licenciatura em ... e se encontra emancipado.

85. O arguido tem um irmão, de nome JJ, de 51 (cinquenta e um) anos de idade, o qual padece de problemática ... e que o arguido acompanha.

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Dos antecedentes criminais registados.

86. A arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de não tem antecedentes criminais registados.

87. Do certificado do registo criminal emitido em 19 de Maio de 2020, colhem-se os seguintes antecedentes criminais registados ao arguido AA:

i) No âmbito do processo comum n.º 77/98, do 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Santarém, por sentença proferida em 04-03-1999, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 19-01-1996, de um crime de falsificação de documento, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 900$00 (novecentos escudos), perfazendo o total de 225.000$00 (duzentos e vinte e cinco mil escudos), correspondentes a 166 (cento e sessenta e seis) dias de prisão subsidiária.

Por despacho de 20-01-2005, tal pena foi declarada extinta pelo pagamento.

ii) No âmbito do processo comum n.º 13/04.3TACTX, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial do Cartaxo, por sentença proferida em 21-12-2004, transitada em julgado a 27-01-2005, o arguido foi condenado pela prática, em 19-07-2003, de um crime de burla qualificada, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o total de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).

Por despacho de 25-01-2010, tal pena foi declarada extinta.

iii) No âmbito do processo comum n.º 114/05.0PACTX, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial do Cartaxo, por sentença proferida em 16-01-2008, transitada em julgado a 15-02-2008, o arguido foi condenado pela prática, em 10-03-2005, de um crime de desobediência, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), perfazendo o total de € 630,00 (seiscentos e trinta euros).

Por despacho de 05-02-2014, tal pena foi declarada extinta.

iv) No âmbito do processo comum n.º 39/07.5PGLSB, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial do Cartaxo, por sentença proferida em 17-06-2008, transitada em julgado a 18-07-2008, o arguido foi condenado pela prática, em 12-01-2006, de seis crimes de furto, na pena única de 16 (dezasseis) meses de prisão, suspensa por igual período com sujeição a regime de prova e sob condição do pagamento da quantia de € 297,22 (duzentos e noventa e sete euros e vinte e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora e no prazo de 60 (sessenta) dias após o trânsito em julgado.

Por despacho de 01-09-2009, tal pena foi declarada extinta.

v) No âmbito do processo comum n.º 127/03.7PACTX, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial do Cartaxo, por acórdão proferido em 25-09-2008, transitado em julgado a 27-10-2008, o arguido foi condenado pela prática, em 06-2001, de nove crimes de abuso de confiança agravado, na pena única de 1 (um) ano de prisão, suspensa por igual período com sujeição a regime de prova e sob condição do pagamento aos ofendidos/demandantes do valor dos pedidos cíveis em que foi condenado e no prazo de seis meses a contar do trânsito em julgado.

Por despacho de 27-10-2010, tal pena foi declarada extinta.

vi) No âmbito do processo comum n.º 716/03.0PBSTR, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santarém, por sentença proferida em 27-09-2006, transitada em julgado a 29-10-2007, o arguido foi condenado pela prática, em 20-06-2003 e 07-2003, de dois crimes de emissão de cheque sem provisão, na pena única de 330 (trezentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o total de € 1.650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros).

Por despacho de 28-05-2012, tal pena foi declarada extinta por prescrição.

vii) No âmbito do processo comum n.º 2056/10.9GLSNT, do Juiz 1 - 1.ª Secção do Juízo de Média Instância Criminal de Sintra - Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, por sentença proferida em 25-06-2013, transitada em julgado a 10-09-2013, o arguido foi condenado pela prática, em 2010, de um crime de abuso de confiança, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa por igual período com sujeição a deveres

Por despacho de 14-07-2015, tal pena foi declarada extinta.

88. Do certificado do registo criminal emitido em 24 de Fevereiro de 2025, nada consta acerca de antecedência criminal registada atinente ao arguido AA.

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B. Matéria de facto não provada.

Da discussão da causa, e com relevância para a boa decisão da mesma, não logrou provar-se qualquer outra factualidade.

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C. Convicção do tribunal e exame crítico das provas.

Por força do estatuído no artigo 127.º, do Código de Processo Penal «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».

Nesta sede, rege o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes de valor a atribuir à prova e, por outra banda, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre apreciação da prova e na sua convicção pessoal. Como defende Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. II, p. 111 “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão”.

Sob tais premissas essenciais, o Tribunal formou a sua convicção, sobre os factos imputados aos arguidos e demandados, com base no conjunto da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, a qual, perante a vontade expressa do arguido AA (a título próprio e de representante da arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de ) em não prestar declarações (colhida já em epílogo de produção probatória), resultou do juízo de aferição e entrecruzamento das declarações dos demandantes BB e DD, com as razões de ciência das testemunhas EE, KK, FF, LL, MM e NN e o acervo documental constante, tudo em cotejo das respectivas posturas, verbalizações e, bem assim, com a elementaridade das regras da lógica, razão e experiência comum, tudo conforme quanto segue.

C.I. Factos provados de 1. a 8.: brotaram da examinação dos seguintes elementos probatórios:

- Certidão permanente de fls. 612 a 614 e consulta na base de dados IMPIC de fls. 265 - respeitantes à sociedade arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de e de onde resultaram os factos provado em 1. a 3.

- Acordo epigrafado “contrato de mediação imobiliária” de fls. 263 e 264 do qual se extraíram os factos provados em 4. e 5..

- Minutas de fls. 353 verso e 354 (respectivamente, epigrafados “Reserva de imóvel” e “Ficha de Reserva” de que se derivaram os factos provados em 6. e 7..

- Razões de ciência tomadas a:

i) KK, empresário na área do imobiliário, gerente da empresa J..., Investimento e Participações, Lda, também denominada J...Group - com conhecimento dos arguidos pelas relações profissionais estabelecidas pela sociedade arguida, representada pelo arguido, numa colaboração na divulgação do seus imóveis no exercício da sua actividade profissional, a qual acabou malograda designadamente pela razão espraiada no acusatório; sem conhecimento dos assistentes/demandantes BB e CC e reconhecimento do nome do assistente/demandante DD por o relacionar com o nome de um jogador de futebol – que se elevou objectiva no esclarecimento particular da factualidade que erigiu como provados os incisos 4. a 7., incluso com confronto do teor de fls. 3, 263 a 264 verso, 353 verso e 354 dos autos, que esclareceu integralmente. Acerca de litígio ulterior entre a sua empresa e a sociedade arguida, esclareceu da necessidade de apresentação de queixa-crime e de um acordo transacional firmado ainda em data anterior à cessação do contrato de mediação imobiliária firmado.

ii) MM, diretora comercial da empresa J..., Investimento e Participações, Lda, também denominada J...Group, desde Fevereiro de 2019 – com conhecimento dos arguidos pelos nomes, por a sociedade arguida ter sido uma das imobiliárias que colaboravam com a J.. na divulgação dos seus imóveis; sem conhecimento dos assistentes/demandantes, pese embora assinalar que um dos nomes lhe parece ser de um jogador de futebol e outro (BB) não lhe soar estranho – consubstanciando um contributo linear de reminiscência sobre os termos de operacionalidade da J..., Investimento e Participações, Lda., concretamente no respeitante ao empreendimento “S...”, no cariz standard da minuta de “reserva”, designadamente no concernente ao valor de sinal fixado em € 10.000,00 (fosse qual fosse o valor final do negócio) e no IBAN constantes, mais dando nota essencial que, aquando da sua entrada na empresa, o problema com os arguidos já existia, sendo mesmo o arguido identificado como “o vigarista da P..., Lda”, pessoa simpática e que levava os clientes a acreditarem no próprio, em razão de várias situações envolvendo o mesmo da tipologia das que figuram como objecto dos autos. No decurso da sua inquirição, não deixou de se recordar de uma concreta reunião com a também testemunha LL e os assistentes/demandantes BB e CC, os quais sinalizou como tendo sido enganados pelos arguidos.

iii) LL, consultora comercial na área do imobiliário - sem conhecimento dos arguidos, sem, contudo, firmar que a denominação da sociedade arguida lhe "diz qualquer coisa", e sem conhecimento dos assistentes/demandantes – dando nota de ter iniciado funções na J..., Investimento e Participações, Lda., também denominada J...Group em Fevereiro de 2019 e revelando superficial conhecimento acerca do empreendimento “S...”, com mera alusão a uma situação disruptiva, sem pormenorização bastante.

Finalmente, o facto provado em 8. decorre inferido do acervo probatório supra analisado, designadamente o documental, em conjugação com a normalidade das regras da experiência comum conexas com a actividade mediadora em apreço.

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C.II. Facto provado em 12.: foi extraído da análise à informação e documentação bancária constante de fls. 216 a 219 que consubstancia email dirigido por OO, Sub-Director - Controlo interno e compliance do Banco BIG - Banco de Investimento Global dirigido aos serviços do Ministério Público, com conexo contrato e ficha de abertura de conta e assinaturas (verificadas).

+

C.III. Factos provados em 9., 10., 11., 13. a 54., 63. a 72.: partindo da examinação probatória já consignada em C.I. e C.II. e resultando os incisos fácticos concretamente estabilizados em 9., 10. e 11. como inferências lógicas e consequenciais face ao globalmente apurado, formou-se convicção nos seguintes termos:

C.III.A. Factos provados de 13. a 26.: entrecruzando os seguintes elementos probatórios:

- Documentos epigrafados “reserva de imóvel” de fls. 371 e “ficha de reserva” de fls. 372 – de onde se colheram os primeiros e essenciais elementos dos intervenientes e objecto negocial em apreço;

- Comprovativos de pagamento de fls. 374 a 376 – de onde resultaram concretamente os segmentos fácticos provados em 19.;

- Documento epigrafado “cancelamento de reserva” de fls. 377 – do qual brotou o facto provado em 24.

- Razão de ciência de EE, auditora na área da indústria de ... - com conhecimento dos arguidos apenas dos factos em crise nos autos – consubstanciando esclarecimento cadente dos termos negociais e suas etapas em plena conformidade com os elementos documentais supra elencados, com os quais não deixou de ser confrontada assinalando reconhecimento positivo, vincando a credibilidade aparente dos arguidos, incluso no respeitante aos formalismos empregues (ex. site da sociedade arguida), sinalizando atrasos atidos a situações burocráticas e de construção do empreendimento e, assim que perccepcionadas situações similares em que distintas pessoas resultaram lesadas, da estratégia empreendida para dar nota ao arguido da pretensão de desistência do negócio por alegada necessidade de mudança de país (forma assumidamente encontrada pela depoente e seu companheiro PP para se anteciparem a mal maior de perderem o valor sinalizado), ao qual o mesmo, pese embora a demais apurado, acabou por corresponder.

C.III.B. Factos provados de 27. a 43. e 63. a 66.: entrecruzando os seguintes elementos probatórios:

- Comprovativo de pagamento de fls. 13 – respeitante ao valor do sinal apurado;

- Mensagem de correio eletrónico de fls. 20 e 21 – de que se extrai a comunicação ocorrida entre os assistentes/demandantes e o seu gestor de conta, com atinência à ordem de transferência do sinal em apreço;

- Documento epigrafado “reserva de imóvel” de fls. 3 - de onde se colheram os essenciais elementos dos intervenientes e objecto negocial em apreço;

- Mensagens de correio eletrónico de fls. 4 - de que se extrai a comunicação ocorrida entre os assistentes/demandantes e o arguido, no que tange à confirmação da transferência e do comprometimento por este do envio no dia seguinte da “reserva assinada”.

- Documento epigrafado “cancelamento de reserva” de fls. 5 – do qual brotou o facto provado em 41.

- Razão de ciência da assistente/demandante BB, ... - com conhecimento dos arguidos apenas dos factos em crise nos autos – personificando esclarecimento cadente dos termos negociais e suas etapas em plena conformidade com os elementos documentais supra firmados, com os quais não deixou de ser confrontada assinalando reconhecimento positivo, dando nota da intervenção concomitante do, então, seu marido CC, vincando a credibilidade aparente dos arguidos, incluso no respeitante aos formalismos empregues, sinalizando atrasos atidos a situações burocráticas e de construção do empreendimento e, após apurarem da disrupção dos arguidos com a J..., Investimento e Participações, Lda., também denominada J...Group, aqui incluso com reuniões com a intervenção de MM e LL, todo o diligenciado tendo em vista a recuperação do valor do sinal, sem sucesso. Em complemento, esclareceu da pretensão de aquisição de imóvel para fixar domicílio familiar mais aproximado aos locais de trabalho do agregado familiar (médicos – hospitais da zona da margem norte de Lisboa) e do sentir emocional resultante da razão ardilosa na origem da frustração do negócio.

C.III.C. Factos provados de 44. a 55. e 67. a 72.: cotejando os seguintes elementos probatórios:

- Email de fls. 34 e 35 - de que se extrai a comunicação ocorrida entre os arguidos e o assistente/demandante DD, com referência à apresentação do empreendimento e à primeira argumentação apresentada pelos primeiros aos segundos tendo em vista o convencimento para a concretização negocial;

- Documento epigrafado “reserva de imóvel” de fls. 36 - de onde se colheram os essenciais elementos dos intervenientes e objecto negocial em apreço;

- “Ficha de cliente” de fls. 37 – representativa de minuta da J...Group, com preenchimento dos dados relevantes do assistente/demandante DD;

- Comprovativo NIB .... .... .... .... .... 6 de fls. 38 – de que se extraiu a titularidade da conta bancária apurada por banda da sociedade arguida;

- Comprovativo de pagamento de fls. 39 – de que brotou concretamente o facto provado em 49..

- Cópia de mensagens de fls. 40 a 46 – acervo comunicacional em ambiência WhatsApp entre o arguido e o assistente/demandante DD de que resulta as contingências alegadamente atinentes ao atraso na concretização do empreendimento e do negócio final, com alusão a alegadas negociações malogradas

- Documentação de fls. 47-50, 51-55 e 56-59 – que consubstancia as diligências formalizadas e levadas a efeito pelo assistente/demandante DD, incluso com representação por advogado, junto dos arguidos tendo em vista a restituição do sinal pago

- Declaração de fls. 60 – emitida em 29 de Julho de 2019 por banda da J..., Investimento e Participações, Lda, também denominada J...Group, e de que se extrai a circunstanciação da intervenção dos arguidos com reporte ao empreendimento “S...”, designadamente sem poderes de representação em acordos de reservas, nem recebimento de quantias entregues a tal título.

- Razões de ciência de:

i) Do assistente/demandante DD, ex-jogador de futebol profissional e actual integrante da Direção da Federação Portuguesa de ..., e sua esposa, FF, empresária na área do imobiliário - com conhecimento dos arguidos apenas dos factos em crise nos autos e sem conhecimento dos assistentes/demandantes CC e BB – plenamente consentâneas e complementares entre si, personificando esclarecimentos cadentes dos termos negociais e suas etapas em plena conformidade com os elementos documentais supra firmados, com que foram integralmente confrontados, ambos assinalando reconhecimento positivo, significando a indicação do arguido por pessoa de confiança que para o mesmo laborava, referenciando a credibilidade aparente deste desde o primeiro contacto pessoal, com extensão aos contactos ulteriores, outrossim em visita ao empreendimento “S...”, formalismos empregues, sinalização de atrasos atidos a situações burocráticas e de construção do empreendimento e, após apurarem da disrupção dos arguidos com a J..., Investimento e Participações, Lda., também denominada J...Group, todo o diligenciado tendo em vista a recuperação do valor do sinal, abrangendo termos desistência e disponibilidade para uma solução de consenso, incluso com intervenção de mandatário legal, contudo nunca correspondida pelos arguidos/demandados. Mais aduziram esclarecimentos acerca do impacto emocional resultante da razão ardilosa na origem da frustração do negócio.

ii) Da testemunha NN, empresária na área de gestão de empresas e imobiliário - com conhecimento dos arguidos por lhes ter prestado serviços como consultora imobiliária, entre Setembro de 2017 até meados de 2019, sem conhecimento dos assistentes/demandantes CC e BB e com conhecimento do assistente/demandante DD por ser seu amigo desde finais de 2017 - colhendo-lhe os termos da concreta intervenção, com nota do ponto de honra do arguido em acompanhar DD e FF em visita ao empreendimento, e posteriores contingências de desistência, com sinalização do arguido aos mesmos para que não se preocupassem e, a dado passo, da alegada necessidade apontada por este para ter outro comprador de modo a que a J.. procedesse à devolução do sinal. No mais, confirmou a perturbação sentida por DD e FF em razão da acção dos arguidos.

Derradeiramente o facto provado em 60. derivou do cotejo da documentação e extrato bancário de fls. 220 a 233 com o extrato bancário respeitante à conta com o IBAN PT50 .... .... .... .... .... 6, entre 16-11-2016 e 31-01-2017, protestado juntar pelo acusatório e ora constante de fls. 643 a 649.

+

C.IV. Factos provados de 55. a 62.: como ponto comum às situações acabadas de individualmente apreciar sob os factos precedentes, quanto aos aspectos de ordem subjectiva, igualmente entende o Tribunal que se provaram nos justos limites do pacificado, na justa medida da conjugação de todos os elementos de prova já enunciados e relacionados entre si, bem como, com as regras de experiência comum, tudo emergindo de um elementar juízo de inferência lógica que, à luz das citadas regras da experiência comum, se estriba nos demais factos provados.

Com efeito, em todas as situações apuradas, na posse dos formulários epigrafados “Reserva do Imóvel” que alterou e fazendo crer a EE, BB, CC, DD e FF que actuavam em nome da J...Group, o arguido AA, em nome próprio e na qualidade de representante legal da sociedade arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de , convenceu aqueles a efectuar a entrega de quantias respectivamente apuradas a título de reserva do imóvel pretendido, cujos pagamentos foram realizados para o apurado IBAN PT PT50 .... .... .... .... .... 6, titulado por P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de .

Em sequência, com o intuito de se apropriar das quantias que lhes foram entregues, o arguido AA, em nome próprio e na qualidade de representante legal da sociedade arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de ., não comunicou à J...Group as referidas reservas, nem entregou as quantias recebidas.

Donde, o arguido AA, em nome próprio e na qualidade de representante legal da sociedade arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de ., actuou com o propósito concretizado de fazer crer erroneamente a EE, BB, CC, DD e FF que ao entregarem as quantias supra apuradas estavam a efectivar a reserva de um imóvel no empreendimento S..., ainda em construção.

Mais bem sabia que tal informação não correspondia à realidade mas actuou com o propósito de convencer EE, BB, CC, DD e FF a efectuar os pagamentos, o que conseguiu, logrando receber o valor global de € 80.500,00 (oitenta mil e quinhentos euros), quantia que fizeram sua e a que bem sabiam não ter direito, sem prejuízo do facto apurado em 24..

Fê-lo por si e em representação da sociedade arguida, utilizando as quantias apuradas na satisfação das suas necessidades pessoais, em proveito próprio e da sociedade, bem sabendo que a tal não estava autorizado e que actuava sem conhecimento e contra a vontade dos seus legítimos titulares, actuando de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal e assim consolidando inabalavelmente os elementos cognitivos e volitivos da conduta em plena integração anti-normativa.

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C.V. Factos provados de 73. a 75. e de 76. a 85.: ressumaram das declarações entendidas prestar pelo arguido demandado AA, em nome próprio e na qualidade de representante legal da sociedade arguida e demandada P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de ., esclarecendo acerca das respectivas situações pessoais, sócio-económicas a empresarias, o que mereceu juízo positivo nos limites do provado.

+

C.VI. Factos provados de 86. a 88.: decorreram da análise aos certificados de registo criminal respeitantes aos arguidos e, respectivamente, constantes de fls. 168-175, 726 verso e 727 verso.

+

Finalmente, cumpre consignar que toda a matéria conclusiva, repetitiva e sem interesse relevante para a descoberta da verdade e boa decisão da causa constante do acusatório e dos pedidos de indemnização civil formulados foi necessariamente expurgada e desconsiderada e, por isso, não elevada ao catálogo factual provado.”

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5. O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), sem prejuízo de ponderar os vícios da decisão e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 e 7/95 de 19/10/ 95 este do seguinte teor: “ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e do conhecimento dos mesmos vícios em face do artº 432º1 a) e c) CPP (redação da Lei 94/2021 de 21/12) mas que, terão de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo”, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100, constituindo a “revista alargada”, pelo que são as seguintes as questões a conhecer:

- Competência deste Supremo Tribunal

Da arguida:

- medida das penas parcelares e seu quantitativo diário e sua repercussão no quantitativo da pena única

Do arguido:

- medida das penas parcelares

- medida da pena única e

- pena suspensa

E ainda da:

- Declaração de perda de vantagens.

+

6. O arguido e a arguida em peça conjunta interpuseram recurso do acórdão do tribunal coletivo que os condenou nos termos supra descritos.

Atenta a diversidade e a diversa natureza das penas (arguida – sociedade pena de multa, e o arguido, pena de prisão) impõe-se apurar, sendo quanto a este a pena única superior a 5 anos de prisão (de 6 anos e 7 meses de prisão) se é ou não este Supremo Tribunal o competente para conhecer de ambos os recursos, dado que quanto ao recurso do arguido AA, em face do disposto na al. c) do artº 432º CPP que dispõe “c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;” está assente essa competência

Apreciando.

O nosso entendimento é o de que efectivamente é competente o Supremo Tribunal para conhecer neste caso de todos/ ambos os recursos.

Como expressámos no ac. deste STJ de 14/5/2025 no proc. 768/23.6PARGR.L1.S11 e que seguimos e na sequência do já defendido no âmbito do rec. 5720/20.5JAPRT1 “…ao contrario do que ocorre quando se discutem questões de facto, ou questões de facto e questões de direito em que haja uma pena superior a 5 anos em que a competência é do tribunal da Relação (artº 414º8 CPP), quando se discutem apenas questões de direito em todos os recursos e haja apenas algumas penas superiores a 5 anos de prisão, não existe norma atributiva de competência a apenas um tribunal superior (que no caso seria competente o STJ atenta a pena superior a 5 anos de prisão). Existe, cremos uma lacuna legal, que deverá ser suprida através do pensamento subjacente ao lugar paralelo do artº 414º 8 CPP) em que 2 tribunais superiores eram competentes, mas como se discute, também matéria de facto da exclusiva competente da Relação, este conhece de todos os recursos, e assim entender-se que discutindo-se em todos os recursos apenas matéria de direito e uma pena superior a 5 anos de prisão, da competência do STJ, a ele deve competir conhecer de todos os recursos, sobre a matéria de direito única em discussão.”2

Assim independentemente dos fundamentos invocados (recurso ao lugar paralelo, à analogia para suprir a lacuna ou através do instituto da conexão de processo) e da diversidade das penas, o STJ aceita a sua competência para conhecer ambos recursos.

+

7. Pese embora estar em causa a medida da pena, a diversidade da sua natureza (arguida condenada em penas de multa e o arguido em penas de prisão) impõe-se a sua análise separadamente.

7.1 Assim quanto ao recurso da arguida sociedade “ P..., Lda”:

Avança ela que as penas vão para além das necessidades de prevenção e não ocorre razão para aplicar penas diferentes para cada crime e num caso se fixar no terço da moldura penal e noutro acima da mediana, devendo ser fixada a pena para cada crime no terço da moldura, e face ao volume de negócios a taxa diária é excessiva.

Conhecendo

Nos termos da sua motivação e conclusão emerge que pretende que a pena do ilícito em que são ofendidos DD e FF se fixe próximo do terço da moldura da pena (que foi a aplicada a dois dos ilícitos criminais – ofendidos EE e BB/CC), pois fora fixada na mediana da moldura, pelo que a sua discordância apenas é relativamente a esta pena que considera desproporcional, pois sendo a mesma atuação nos 3 casos, a diferença é apenas de valor.

Pondera-se no acórdão recorrido, em especial relativamente à arguida:

“Na concretização das penas, a efectuar em função da culpa dos agentes, ter-se-á em conta o disposto no artigo 71.º, do Código Penal, sabendo-se que segundo o vertido no artigo 40.º, do mesmo diploma, a aplicação de uma pena visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum essa pena ultrapassar a medida da culpa.

O artigo 40.º, do Código Penal sintetiza o princípio basilar que deve presidir à aplicação de penas criminais na nossa ordem jurídica.

Conforme refere FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pp. 74, 75 e 113), face ao princípio da subsidiariedade da intervenção penal, existe um princípio de preferência pelas reacções criminais não detentivas face às detentivas. Resulta deste princípio que as medidas de segurança detentivas só têm lugar quando as não detentivas se revelem inadequadas ou insuficientes à prevenção. Optando-se pela pena privativa da liberdade esta tem necessariamente de se dirigir para a socialização do delinquente.

FERNANDA PALMA (Jornadas sobre a revisão do Código Penal, AAFDL, 1998, p. 35) afirma, por seu turno, que “[...]a decisão sobre a pena pressupõe uma relação não linear entre a pena e a prevenção do crime, em que na avaliação do efeito de desmotivação se pondera também a igualdade e a responsabilidade da sociedade na crimogénese.[...] A medida da igualdade e da justiça no que respeita à censura do comportamento criminoso só pode radicar no conhecimento da pessoa e na sua compreensão[...]”, isto é, a censura penal tem de atender ao agente concreto do crime e às suas circunstâncias envolventes.

Decorre do critério geral acabado de enunciar que a pena escolhida há-de realizar “de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, tal como são definidas no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. São, pois, puras razões de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização que dominam a operação de escolha da pena (assim também, ROBALO CORDEIRO, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, Vol. II, p. 48).

Da natureza e dosimetria concreta das penas a aplicar no caso subjudice.

Conforme se concretizou:

i) A arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de cometeu, em autoria material (sendo a arguida responsável pelo crime por cometido em seu nome ou por sua conta e no seu interesse directo pelo arguido AA pessoa que nela ocupa posição de liderança - artigo 11.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal), na forma consumada e em concurso real:

- Um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 11.º, n.º 2, 73.º, 90.º-A, 90.º-B, n.ºs 1, 3, 4 e 5, 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 4, com referência aos artigos 202.º, alínea a), e 206.º, n.º 2, todos do Código Penal, incorrendo em pena de multa de 10 - artigo 47.º, n.º 1, do Código Penal (mínimo legal) - a 400 dias, à taxa diária fixável entre € 100,00 (cem euros) e € 10.000,00 (dez mil euros) - factos provados de 1. a 12., 13. a 26. e 55. a 62. - Ofendida EE.

- Um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 11.º, n.º 2, 90.º-A, 90.º-B, n.ºs 1, 3, 4 e 5, 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 4, com referência ao artigo 202.º, alínea a), todos do Código Penal, incorrendo em pena de multa de 10 - artigo 47.º, n.º 1, do Código Penal (mínimo legal) - a 600 dias, à taxa diária fixável entre € 100,00 (cem euros) e € 10.000,00 (dez mil euros) - factos provados de 1. a 12., 27. a 43. e 55. a 62. - Ofendidos BB e CC.

- Um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 11.º, n.º 2, 90.º-A, 90.º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 4, com referência ao artigo 202.º, alínea a), todos do Código Penal, incorrendo, deste modo, em pena de multa de 240 a 960 dias, à taxa diária fixável entre € 100,00 (cem euros) e € 10.000,00 (dez mil euros) - factos provados de 1. a 12., 44. a 54. e 55. a 62. - Ofendidos DD e FF. (…)

Da dosimetria concreta das penas.

Em tal matriz sancionatória abstracta, importa determinar as penas concretas a aplicar e, na operacionalidade do cúmulo jurídico, as penas únicas decorrentes.

Para avaliar da medida da pena no caso concreto, ANABELA MIRANDA RODRIGUES (A determinação da pena privativa da liberdade, Coimbra Editora, 1995, pp. 658 e ss.) entende que há que indagar factores que se prendem com o facto praticado e com a personalidade do agente que o cometeu.

A esta luz, na determinação desta, recorre-se ao critério global previsto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, que dispõe que tal determinação da medida da pena se fará em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.

Por sua vez, determina o n.º 2 do mesmo normativo legal que, "na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele,... ".

Cumpre, portanto, fixar a medida concreta da pena, tomando-se nesta senda necessariamente a culpa do agente – limite inultrapassável da pena – e as exigências de prevenção de novos crimes através da estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma violada - artigos 47.º, n.º 1 e 71.º, do Código Penal.

Em decorrência, como factores atinentes aos factos praticados, considerados na sua globalidade, e por forma a efectuar-se uma graduação da ilicitude do facto, podem referir-se o modo de execução deste, o grau da ilicitude e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o grau de perigo criado e o seu modo de execução.

Para a medida da pena e da culpa, o legislador considera como relevantes os sentimentos manifestados na preparação do crime, os fins ou os motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos.

No que concerne aos factores atinentes ao agente, o legislador manda atender às condições pessoais do mesmo, à sua condição económica, à gravidade da falta de preparação para manter uma conduta lícita e a consideração do comportamento anterior ao crime.

Assim, neste caso, e como factores de graduação da pena importa considerar:

O grau de ilicitude dos factos que se revela elevado, consubstanciando actuação sob uma matriz lógica, plenamente organizada, sequencialmente ponderada e reiterada em pedaço temporal fixado entre 2016 e 2019, em contexto de ambiência do sector imobiliário que assume como norte axiomático fulcral a segurança, a confiança e credibilidade da relação empreendedor imobiliário - angariador imobiliário e cliente, em tudo afectando interesses e direitos patrimoniais distintos (cinco pessoas singulares, das quais dois casais), tudo assim atentando de modo categórico contra as exigências de prevenção geral.

O modo de execução do facto, num contexto de prática autoral, em representação de ente societário em que se redimensiona a organização e a credibilidade junto do mercado imobiliário, aproveitando o estabelecimento de relações comerciais de confiança, incluso com outra sociedade interveniente no sector imobiliário, reiterando a criação de artifício fraudulento, designadamente por alteração de minutas de “reserva”, com reporte a valor do sinal e IBAN de conta destino do mesmo, em tudo visando a obtenção de ilegítimas vantagens económicas à custa dos clientes angariados.

A gravidade dos ilícitos, que se revela média-baixa (resolução de burla qualificada - ofendida EE - em cotejo do concreto valor do prejuízo e conexo ressarcimento ulterior - € 10.000,00 - também a pondera em sede de conduta posterior), média (resolução de burla qualificada - ofendidos BB e CC em cotejo do concreto valor do prejuízo - € 10.000,00) e elevada (resolução de burla qualificada - ofendidos DD e FF em cotejo do concreto valor do prejuízo - € 60.500,00).

A actuação culposa dos arguidos de cariz doloso cuja intensidade não deixa de ser, respectivamente, média-baixa, mediana a elevada, sempre na vertente directa.

O sentimento manifestado de categórico desprezo para com a actividade imobiliária e, bem assim, para a condição de cada um dos cidadãos que procuravam adquirir imóveis e observaram as suas expectativas na aquisição perversamente frustradas.

O motivo atido à linear obtenção de vantagens patrimoniais nos limites do apurado.

A conduta anterior e posterior ao facto que se afere, respectivamente em seu benefício e prejuízo, sendo:

- A arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de . em três planos essenciais: i) sem antecedência criminal registada; ii) com ressarcimento ulterior do valor do prejuízo - € 10.000,00 - à ofendida EE (facto que não deixando de ser considerado na atenuação especial da pena, não pode deixar de ser reconsiderado em benefício sob o presente índice de aferição); e iii) sem nota de incursão criminal ulterior pela qual tenha merecido condenação judicial; (…)

As condições societárias e pessoais dos agentes e a sua respectiva situação económica, das quais resulta pertinente factualidade a qual aponta a ser considerada maioritariamente em abono dos arguidos, sem, contudo, da mesma não deixar ainda de ressumar concomitante índice de elevação das exigências de prevenção especial na justa medida da continuação da sua acção no mercado imobiliário na actualidade.

As exigências de prevenção geral que importam acautelar de modo firme, cabendo aos tribunais declarar firmeza e censura face a perversas actuações atentatórias dos bens jurídicos afectados.

Tendo em conta os limites abstractos nos termos gerais atrás aludidos, as circunstâncias descritas e, bem assim, considerando as necessidades de prevenção geral e especial, as penas concretas deverão personalizar a operacionalidade dos critérios gradativos elencados.

Tudo ponderado, entende o Tribunal ser de aplicar:

i) À arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de . pela prática, em autoria material (sendo a arguida responsável pelo crime por cometido em seu nome ou por sua conta e no seu interesse directo pelo arguido AA pessoa que nela ocupa posição de liderança - artigo 11.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal), na forma consumada e em concurso real, de:

- Um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 11.º, n.º 2, 73.º, 90.º-A, 90.º-B, n.ºs 1, 3, 4 e 5, 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 4, com referência aos artigos 202.º, alínea a), e 206.º, n.º 2, todos do Código Penal, a pena de 120 (cento e vinte) dias multa, à taxa diária de € 200,00 (duzentos euros), perfazendo o valor total de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros) - factos provados de 1. a 12., 13. a 26. e 55. a 62. - Ofendida EE.

- Um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 11.º, n.º 2, 90.º-A, 90.º-B, n.ºs 1, 3, 4 e 5, 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 4, com referência ao artigo 202.º, alínea a), todos do Código Penal, a pena de 220 (duzentos e vinte) dias multa, à taxa diária de € 200,00 (duzentos euros), perfazendo o valor total de € 44.000,00 (quarenta e quatro mil euros) - factos provados de 1. a 12., 27. a 43. e 55. a 62. - Ofendidos BB e CC.

- Um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 11.º, n.º 2, 90.º-A, 90.º-B, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 4, com referência ao artigo 202.º, alínea a), todos do Código Penal, a pena de 550 (quinhentos e cinquenta) dias multa, à taxa diária de € 200,00 (duzentos euros), perfazendo o valor total de € 110.000,00 (cento e dez mil euros) - factos provados de 1. a 12., 44. a 54. e 55. a 62. - Ofendidos DD e FF.”

7.2 Sendo o recurso um remédio jurídico, no que respeita às penas visa apurar se foram observadas as finalidades da pena (artº 40ºCP) e os critérios determinativos da mesma, exemplificadamente expressos no artº 71º CP, e visto o descrito não se mostra que tenham sido ponderados factos que não o devessem ser ou tivessem sido omitidas circunstâncias, mormente favoráveis à arguida, que o devessem ser.

A discrepância entre as penas que a arguida não viu ou não percebeu são evidentes e justificadas, pese embora seja o mesmo o modus operandi, e traduzem-se no primeiro ilicito descrito (EE) pelo facto de ter operado a atenuação especial que emerge dos artºs 206º 218º e 73º CP pelo facto de ter restituído a quantia de que se locupletara, e no 2º pelo facto de sendo a mesma quantia apropriada (10.000€) não ter ocorrido qualquer restituição, não beneficiando por isso de qualquer atenuação, e no que respeita ao terceiro ilícito, em que estava em causa a quantia apropriada e nunca restituída superior a 60.000€, o ilícito é agravado, por estarmos perante valor consideravelmente elevado (artº 202 b) CP) e como tal considerado na decisão onde se refere expressamente que preenche “os elementos objectivos e subjectivo do tipo incriminador de burla qualificada, sendo máxime o valor do prejuízo consideravelmente elevado (considerado este legalmente por via da referência – 200 x € 102,00 = € 20.400,00)” e fixada a moldura da pena que é diversa e mais gravosa em relação aos demais ilícitos.

Donde não ocorre razão alguma para alterar as penas aplicadas na sua duração, que se revelam adequadas e proporcionais.

Vejamos se ocorre razão para diminuir o quantitativo diário da pena de multa em que a arguida foi condenada, na sua pretensão de redução ao limite minino de 100€ diários, face ao volume de negócios.

Dispõe o artº 90ºB CP que “5 - Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 100 e (euro) 10 000, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos com os trabalhadores, sendo aplicável o disposto nos n.os 3 a 5 do artigo 47.º”

Ora o que se apurou sobre tais circunstâncias foi que: “73. A arguida P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de tem actualmente sede (não actualizada no registo comercial) sita na Avenida 1.

74. Apresenta um volume de negócios anual em valor não concretamente apurado mas mediado entre € 100.000,00 (cem mil euros) e € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).

75. Para além do arguido, seu sócio gerente, não tem colaboradores.”

7.3 Ora tendo em conta estes factos, e pese embora não se ter apurado em concreto o volume de negócios, - o que é de estranhar ou indiciador de uma contabilidade algo deficitária ou, quiçá, de algo mais grave -, mas mesmo assim suficientemente esclarecedor sobre a capacidade económica e financeira da sociedade, sendo complementado esse volume de negócios com o local da sua sede (Avenida 1 em ...), este indiciador de elevada capacidade financeira, não tendo encargos com trabalhadores (sendo o arguido o seu gerente), torna-se evidente que a quantia diária de multa de 200€ (cujo limite mínimo é de 100€ e o máximo de 10.000€), de modo algum é desproporcional, encontrando-se também dentro da capacidade financeira da arguida.

Pronunciando-se a arguida em relação às penas parcelares – sua duração e quantitativo diário – não questiona nunca a pena única, de modo autónomo, mas apenas condicionado à alteração das penas parcelares “operando uma alteração das penas parcelares deverá proceder-se a novo cálculo do cúmulo jurídico”, sendo que, nestas circunstância apenas faria sentido o tribunal pronunciar-se sobre a mesma caso ocorresse uma qualquer alteração nas penas aplicadas ou no seu quantitativo, o que não acontece.

Donde as penas mostrando-se adequadas e proporcionais são de manter, improcedendo o recurso da arguida.

+

8. No que respeita ao arguido, questiona a medida das penas parcelares e da pena única, visando a substituição por pena suspensa, pondo em causa as exigências de prevenção geral, a gravidade do ilícito, e o facto de não fazer de tais actos prática profissional, os seus antecedentes têm mais de 10 anos, está inserido social, familiar e profissionalmente, pelo que seria suficiente a pena fixada abaixo do terço da moldura penal e o mesmo deve ocorrer quanto à pena única e em duração inferior a 5 anos.

Damos aqui por transcrita a parte da decisão recorrida que se refere à determinação da medida da pena, que foi realizada em conjunto com a arguida nos seus traços comuns, e após optar pela aplicação da pena de prisão em alternativa à pena de multa prevista no tipo legal e nos tipos em que é admissível ( artº 70ºCP) opção que o arguido não questiona, e o tribunal justifica “ porquanto se entende que, na espiral intensa cronológica dos actos, as penas de multa não são idóneas a assegurar de forma adequada e suficiente as finalidades das respectivas punições”, pondera em especial em relação arguido:

“A conduta anterior e posterior ao facto que se afere, respectivamente em seu benefício e prejuízo, sendo:

- O arguido AA em três planos essenciais: i) com antecedência criminal verificada a 19 de Maio de 2020 de que se colhem as seguintes condenações por factos praticados em 19-01-1996; 06-2001; 20-06-2003; 07-2003; 19-07-2003; 10-03-2005; 12-01-2006 e 2010 (ressaltando particularmente crimes de natureza similar e/ou conexa): (…)

ii) sem antecedência criminal registada aferida a 24 de Fevereiro de 2025 e da qual resulta a inexistência de nova incursão criminal ulterior pela qual tenha merecido condenação judicial; e iii) pese embora o tempo decorrido desde a prática dos factos em juízo nos presentes autos e sem prejuízo de que ter ocorrido ressarcimento ulterior global no valor de € 10.000,00, com atinência à resolução de burla qualificada - ofendida EE (conforme já ponderado supra), o arguido não evidenciar laivo de contrição face à acção globalmente levada a efeito;

factores que, a seu modo, fixam o balizamento das exigências de prevenção especial que o caso suscita.

As condições societárias e pessoais dos agentes e a sua respectiva situação económica, das quais resulta pertinente factualidade a qual aponta a ser considerada maioritariamente em abono dos arguidos, sem, contudo, da mesma não deixar ainda de ressumar concomitante índice de elevação das exigências de prevenção especial na justa medida da continuação da sua acção no mercado imobiliário na actualidade.

As exigências de prevenção geral que importam acautelar de modo firme, cabendo aos tribunais declarar firmeza e censura face a perversas actuações atentatórias dos bens jurídicos afectados.

Tendo em conta os limites abstractos nos termos gerais atrás aludidos, as circunstâncias descritas e, bem assim, considerando as necessidades de prevenção geral e especial, as penas concretas deverão personalizar a operacionalidade dos critérios gradativos elencados.

Tudo ponderado, entende o Tribunal ser de aplicar: (…)

ii) Ao arguido AA pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de:

- Um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 73.º, 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 4, com referência aos artigos 202.º, alínea a), e 206.º, n.º 2, todos do Código Penal, a pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão - factos provados de 1. a 12., 13. a 26. e 55. a 62. - Ofendida EE.

- Um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 4, com referência ao artigo 202.º, alínea a), todos do Código Penal, a pena de 3 (três) anos de prisão - factos provados de 1. a 12., 27. a 43. e 55. a 62. - Ofendidos BB e CC.

- Um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.ºs 1 e 4, com referência ao artigo 202.º, alínea a), todos do Código Penal, a pena de 5 (cinco) anos de prisão - factos provados de 1. a 12., 44. a 54. e 55. a 62. - Ofendidos DD e FF.

8.1 Considerando as finalidades da pena e as circunstâncias a atender na sua determinação abstracta e concreta, nos termos já expressos supra, beneficiando o arguido da atenuação especial da pena no que respeita ao primeiro ilícito (EE) cumpre assinalar que no essencial as circunstâncias a atender foram ponderadas e foi todavia ponderado um factor (que não o devia ser), e o seu contrário (que devia ser). Referimo-nos aos antecedentes criminais do arguido, que existindo todavia não podem ser valorados, porque caducada a sua inscrição no registo criminal,3 e no novo registo consta a ausência de antecedentes criminais, o que também foi valorado constando na determinação da pena a incidência “sem antecedência criminal registada aferida a 24 de Fevereiro de 2025 e da qual resulta a inexistência de nova incursão criminal ulterior pela qual tenha merecido condenação judicial”4 (ambas as circunstâncias se descrevem nos factos provados e na determinação da pena), sendo uma de carácter agravante e outra de carácter atenuante.

8.2 Questionando as exigências de prevenção geral que do seu ponto de vista considera o efeito dissuasor não resulta da pena mas da reparação aos lesados e por isso entende deverem ser diminuída a pena de prisão nos moldes que indica. Infelizmente as exigências de prevenção de carácter geral no que a este tipo de ilícitos respeita e no exercício de uma atividade muito relevante e que prolifera na nossa sociedade e envolvendo quantias elevadas (e cada vez mais elevadas) são elevadas essas exigências, e como factor dissuasor de tais ilícitos, só a prisão produz efeito real, pois emergindo de uma actividade económica, para evitar o crime e a reiteração ou reincidência, com a prática de novos crimes, só a prisão tem essa capacidade dissuasora, como temos salientado5. Tudo isso se interliga com as exigências de prevenção especial de que o arguido ressalta apenas a sua integração social, familiar e de trabalho, e que ao contrário do pensamento do arguido, foi o seu trabalho que o levou aos crimes em análise e com ele intimamente ligado, sendo que o arguido continua nessa mesma actividade, e se não podemos valorar o seu passado criminal como tal ele é elucidativo de dois factores: que a pena não dissuade o arguido da prática dos ilícitos e não têm efeito na sua personalidade orientando-a para os valores sociais, pois não tiveram a capacidade dissuasora da prática de estes novos 3 crimes, sempre com vista a apropriar-se de quantias elevada e consideravelmente elevada, denunciadoras de que o dinheiro é o seu objectivo causando danos ao seu semelhante, que nele confiou, e que apesar do tempo decorrido não viu satisfeito o seu crédito. Por isso com razão se expendeu no ac STJ 16/7/2025 citado que “ V - Os agentes do crimes de colarinho branco, têm“ por base um deficiente entendimento do que seja a “socialização” que constitui a finalidade da pena: também o crime económico – (…) revela em principio um defeito de socialização do agente, donde promana para o Estado o dever de pôr à sua disposição os meios de prevenir a reincidência” e em que o funcionamento da empresa está a cima de quaisquer outros valores no pensamento de que tudo é permitido face ao fim, subvertendo o que seria o normal e as regras não se lhe aplicam” e como salienta Costa Andrade “Os estudos de criminologia têm com efeito revelado a frequência com que delinquentes de “ colarinho branco” praticam os crimes contra a economia a coberto da racionalização da lealdade aos valores últimos da vida económica, só por eles autenticamente interpretados e assumidos.(…) Não será, (…) em absoluto desrazoável acreditar que, em certas áreas só o recurso às reacções criminais, com o cotejo de emoções que suscitam e os rituais que as acompanham, despertará o consciente colectivo para a danosidade destas práticas”6, pelo que em face da não observância dos valores sociais e da condução da sua vida e actividade de acordo com eles não se pode falar de uma verdadeira socialização. Por último a danosidade dos actos (e apenas um foi reparado quando tal sempre esteve à sua disposição e com efeitos benéficos para o arguido que poderiam chegar à extinção do procedimento criminal – artº 206º1 CP) é elevada face aos valores em causa e não ressarcidos.

Atento todo o expendido e valorado, não vemos que cada uma das penas em concreto esteja determinada com ofensa dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, pelo que são mantidas.

8.3 No que respeita à pena única que foi aplicada ao arguido, o tribunal recorrido considerou: na determinação da “medida dessa pena única a aplicar aos arguidos se deve ter em conta e em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade destes.

No dizer de FIGUEIREDO DIAS , “[...] tudo deve passar-se (...) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique[...]”, devendo na avaliação unitária da personalidade do agente relevar “[...]sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta [...]”.Por outro lado, dentro deste contexto, será óbvio dizer que igualmente assume “[...] grande relevo a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)[...]”.

Destarte, tendo em devida conta as considerações supra expendidas, e operando o cúmulo jurídico nos termos do disposto no artigo 77.º, do Código Penal (considerando em conjunto os factos e a personalidade dos agentes) sob a matriz da imagem global do facto, temos que, compreendendo a moldura legal do concurso entre: (…)

i) ArguidoAA - um mínimo e um máximo de, respectivamente, 5 (cinco) anos - limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes - a 9 (nove) anos e 10 (dez) meses de prisão - limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes -, entende-se adequado fixar pena única aproximada ao terceiro patamar do primeiro terço da moldura abstracta e, em consequência, aplicar ao arguido pessoa singular a pena única de 6 (seis) anos e 7 (sete) meses de prisão” pena que o arguido quer ver diminuída para ser inferior a 5 anos de prisão, partindo do pressuposto que as demais parcelares foram de igual maneira diminuídas.

8.4 Vista esta fundamentação e a necessidade de a pena única resultar de uma visão global sobre os factos e a personalidade do arguido tendo em conta o disposto no artº 77º CP que exige essa apreciação “em conjunto, os factos e a personalidade do agente” como critério especial, tendo em conta a moldura do concurso (limite mínimo: a pena mais elevada, e o limite máximo: a soma das penas parcelares), e tendo sempre em conta as exigências de prevenção geral e especial, que foram analisadas e a globalidade dos factos, sua natureza e espécie, sendo que os factos ocorreram no exercício da sua actividade de mediação de imóveis afectando quer o promitente comprador quer o promitente vendedor ao subverter as instruções deste e não lhe entregar os valores recebidos, sob o mesmo desígnio de ver para si os valores entregues para o promitente vendedor em quantias crescentes (a última) e violando bens jurídicos de natureza patrimonial, afigura-se-nos que a pena única se mostra adequada e proporcional.

É que como, temos expressado, em qualquer pena a justa medida, limitada no seu máximo pela culpa,- suporte axiológico de toda a pena - da pena única, há de ser encontrada, tendo em conta as exigências de prevenção (da reincidência), traduzidas na proteção dos bens jurídicos e de reintegração social (ressocialização) – artº 40º CP – como finalidades preventivas e positivas de toda a pena – ponderando as penas aplicadas a cada facto, o conjunto desses factos e a personalidade do arguido neles manifestada como um comportamento global 7 a apreciar no momento da decisão.

Não apenas os factos são graves, e apenas um/oitavo do seu valor foi reparado ponderado na pena parcelar a que respeita, como o arguido revela uma personalidade anti-juridica continuando a exercer a mesma actividade, propiciadora da mesma actuação, e devendo o quantum exacto da pena também ser determinado em função das exigências de prevenção especial, em face da previsibilidade do seu efeito no comportamento futuro do arguido8, que não se antevê positivo, pois tinha toda as condições para ter norteado a sua vida de acordo com o direito como agora tem e não o fez, praticando um, dois e três crimes sucessivamente e num crescendo de valores apropriados, pelo que a pena em que foi condenado não se mostra ofensiva do principio da proporcionalidade e se adequam aos factos e à personalidade do arguido neles revelada e traduzida em audiência no silêncio do arguido.

Improcede esta questão

8.5 Fixada a pena única aplicada ao arguido em 6 anos e 7 meses de prisão, em face, desde logo, da não verificação do requisito formal previsto no artº 50º 1 CP “ O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos…” não é possível substituir, ou sequer ponderar a substituição da pena única de prisão aplicada ao arguido por pena suspensa.

8.6 Questionado é ainda a declaração de perda de vantagens a favor do Estado de 70.500€ por entender “que a perda a favor do estado só se justificaria se os ofendidos não tivessem deduzido pedido de indemnização civil” não avançando qualquer outra razão e afirmando que não tem tal quantia a reverter a favor dos lesados.

Esta questão já foi objecto de fixação de jurisprudência através do AFJ nº 5/2024 proferido no proc. 1105/18.7T9PNF.P1-A.S1, de 11.04.2024, que estabeleceu “Nos termos do disposto no artigo 111.º, n.ºs 2 e 4, do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 32/2010, de 02/09, e no artigo 130.º, n.º 2, do Código Penal, na redacção anterior à Lei n.º 30/2017, de 30/05, as vantagens adquiridas pela prática de um facto ilícito típico devem ser declaradas perdidas a favor do Estado, mesmo quando já integram a indemnização civil judicialmente pedida e atribuída ao lesado pelo mesmo facto.”, jurisprudência da qual não vemos motivos para divergir, sendo salvaguardado na decisão o direito dos lesados, pelo que é de aplicar e manter o decidido.

Improcede também esta questão e com ela o recurso interposto pelo arguido.

+

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça decide:

Julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos P... - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda de , e AA e em consequência confirma o acórdão recorrido.

Condena os arguidos no pagamento da taxa de justiça sendo de 5 UCs a arguida e de 8 Uc o arguido e solidariamente nas demais custas

Registe e notifique

Dn

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Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 29/10/2025

José A. Vaz Carreto (relator)

Maria Margarida Almeida

Horácio Correia Pinto

_________


1. www.dgsi.pt, onde se lê no sumário “I. Quando se discutem apenas questões de direito em todos os recursos e haja penas inferiores 5 anos de prisão e penas superiores a 5 anos de prisão, não existe norma atributiva de competência a apenas um tribunal superior para conhecimento de todos os recursos. Existe, uma lacuna legal, que deverá ser suprida através do pensamento subjacente ao lugar paralelo do artº 414º 8 CPP, atribuindo por essa via competência ao STJ para conhecer de todos os recursos atenta a pena superior a 5 anos de prisão.”↩︎

2. Prosseguindo “(…) e sendo as questões a decidir as mesmas, cremos não fazer sentido a cisão do recurso … consoante o arguido foi ou não condenado em pena superior a 5 anos, pois a questão judicial essencial é a mesma (…) e poderia por em causa o principio da igualdade das penas (artº 13º CRP) dentro do mesmo recurso interposto no processo, nem o do arguido …, pois poderia também ser contraditória a decisão deste recurso e o interposto contra os demais arguidos (cuja pena seja não superior a 5 anos) com a tomada por cada um dos tribunais superiores, que poderiam ser divergentes, pondo em causa aquele principio. Parece-nos assim correta, atento o principio da concordância prática na interpretação das normas constitucionais, por acautelar tais princípios (evitar decisões contraditórias e promover o principio da igualdade), a interpretação que considera dever ser o STJ o competente para apreciar não apenas o recurso do MP contra todos os arguidos mas também o recurso do arguido (…), por ser a mesma a questão fundamental em apreço (…) e permitir a harmonização da qualificação jurídica (evitando decisões que podem ser contraditórias) e de penas de todos os arguidos …”.

  Esse entendimento tem sido adoptado pelo Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente no ac. STJ 27/5/20202 onde se decidiu: “I - Havendo 1 único processo instaurado aos coautores dos mesmos factos ilícitos típicos criminalmente puníveis, e circunscrevendo-se o recurso de um ou alguns punido com pena superior a 5 anos prisão, ao reexame da matéria de direito, a competência para julgar conjuntamente esses e os recursos interpostos no mesmo processo pelos demais comparticipantes, contanto que não versam a decisão em matéria de facto, pertence ao tribunal de hierarquia mais elevada”, no mesmo sentido ac. STJ 5/2/20253 “I. Sendo os recursos restritos a matéria de direito, mantendo-se a conexão e a unidade dos processos (artigos 27.º e 29.º do CPP), devendo o recurso do acórdão que aplicou a pena de 8 anos de prisão ser interposto para o Supremo Tribunal de Justiça e não sendo admissível recurso prévio para a relação, o STJ, sendo o tribunal de hierarquia mais elevada, assume igualmente competência para julgamento do recurso da decisão que aplicou pena inferior a 5 anos de prisão.” ou o recente ac STJ 20/3/20254 “ I - No presente caso, tendo o arguido AA sido condenado por acórdão em 1.ª instância em pena única superior a 8 anos de prisão, pese embora as penas parcelares que lhe foram aplicadas sejam inferiores a 5 anos, resultando das conclusões de recurso apresentadas pelos recorrentes que apenas está em causa a apreciação de questões de direito (violação do princípio do “ne bis in idem” e medida da pena), tendo em conta que o STJ tem vindo a entender que é admissível recurso “per saltum” para este tribunal de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo em que a pena única seja superior a 5 anos de prisão, não obstante as penas parcelares aplicadas a cada um dos ilícitos que integram esse cúmulo jurídico sejam inferiores a tal limite (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 5/2017, publicado no DR n.º 120/2017, série I de 23-06-2017, p. 3170-3187), é admissível o recurso interposto pelo referido arguido. (…)”↩︎

3. Ac STJ 6/4/2022 Proc 348/20.8GCSTB.E1.S1 Ana Brito www.dgsi.pt “III - A lei determina o cancelamento dos registos criminais por decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido tenha delinquido nesses prazos, e o cancelamento dos registos significa que as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes podendo ligar quaisquer efeitos, designadamente quanto à medida da pena de uma futura condenação.

  IV - Se o CRC visa informar o tribunal do passado criminal do condenado e se a lei ordenou o cancelamento dos registos, o arguido tem de ser considerado integralmente reabilitado e os seus antecedentes criminais, referidos no relatório social, são de tratar como inexistentes e de nenhum efeito contra o arguido.

  V - O acórdão incorre em erro na aplicação do direito ao valorar in malam partem factos relativos a uma condenação anterior cancelada, mas não enferma de nulidade por excesso de pronúncia, pois o excesso de pronúncia pressuporia o conhecimento de uma questão de que não se podia tomar conhecimento. Não se trata de questão fora da matéria de decisão do acórdão e dos poderes de cognição do tribunal, mas tão só uma deficiência na fundamentação da pena.

4. Nº 88 dos factos provados: “88. Do certificado do registo criminal emitido em 24 de Fevereiro de 2025, nada consta acerca de antecedência criminal registada atinente ao arguido AA.”↩︎

5. Cfr. Ac STJ 16/7/2025 proc. 3707/09.3TDLSB.1.L1.S1, www.dgsi.pt

6. Cfr. “ A nova lei dos crimes contra a economia …, in direito penal económico, CEJ Coimbra 1985 pág. 93, apud o nosso “A Suspensão parcial da pena de prisão e a reparação do dano”, Almedina 2017, pág.190;

7. Ac. STJ de 16/05/2019, proc. 765/15.5T9LAG.E1.S1 (Cons. Nuno Gonçalves), in www.dgsi.pt ;

8. As consequências, ob. loc. cit.… , págs. 291 e 292)