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CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
ALTERAÇÃO DA ATRIBUIÇÃO
CONTRADITÓRIO
ADEQUAÇÃO DO PROCESSADO
Sumário
I – A observância do princípio do contraditório, enquanto princípio estruturante e basilar do processo civil, visa impedir que as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas ou surpreendentes por não terem sido objecto de qualquer discussão, pelo que, a sua dispensa, está prevista a título excepcional e apenas se justificará quando a questão já tenha sido suficientemente discutida ou quando a falta de audição das partes não prejudique de modo algum o resultado final II – O juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo. III - Nas providências a tomar no âmbito dos processos de jurisdição voluntária, o juiz não está subordinado a critérios de legalidade estrita, devendo, antes, adoptar as soluções que julgue mais convenientes e oportunas para o caso, sem que isso, evidentemente, o dispense de respeitar, cumprir e fazer cumprir as normas processuais respectivas. IV - A denominada jurisdição voluntária, por oposição à jurisdição contenciosa, é sempre exercitada em relação aos interesses dos sujeitos envolvidos ou a situações jurídicas subjectivas cuja tutela é assumida pelo ordenamento jurídico por razões de interesse geral da comunidade.
Texto Integral
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. Relatório
Nos autos de Incidente de Alteração da Atribuição da Casa de Morada de Família, em conformidade com a convolação decretada, intentada por apenso aos autos de divórcio por mútuo consentimento, nos termos do art. 1793.º/3 do C.P.C., deduzida por AA contra BB, veio a requerente pugnar pela alteração do regime provisório de utilização da casa de morada de família, por forma a manter-se a sua utilização por si e até que a menor CC, que nasceu a ../../2024, atinja a idade de 8 anos - ou seja, até ../../2032 -, a título de comodato, sem qualquer contrapartida.
Para tanto alegou, em síntese, que, na pendência do acordo firmado, o Requerido sempre garantiu verbalmente à Requerente que esta poderia habitar gratuitamente a casa até a filha ter 8 anos, atendendo ao desespero da mesma em estar num país estrangeiro, ter dois filhos menores e estando sozinha e considerando o disparar dos custos de arrendamento de um apartamento em ... (cidade) e sabendo-se que os rendimentos dela não lhe permitiam suportar qualquer custo nesse campo, e não olvidando que estava, como está, em depressão pós-parto, mesclada com estado depressivo profundo em resultado do efeito devastador do divórcio e do que se passou antes, durante e depois.
Referiu, ainda, ter investido toda o seu futuro pessoal e emocional no casamento, só aceitando vir para Portugal nessa condição, acreditou em todas as promessas do Requerido e depois constatou que tudo não passou de uma burla emocional e de outros quadrantes acusatórios que reporta, afirmando que o dito acordo foi obtido através de ameaças.
Menciona as suas condições económicas, bem como as do requerido que aponta como superiores às suas.
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Em resposta o Requerido BB opõs-se à pretensão deduzida, pugnando pela manutenção do regime fixado e homologado por sentença de 15/05/2024, alegando em síntese, que a requerente obteve o acordo que quis, de forma livre e esclarecida, e que tal como em Maio de 2024 (data do acordo), em Janeiro de 2025 (data acordada para a entrega da casa), a requerente continuou a ter a mesma estabilidade profissional, explorando, por conta própria o negócio de estúdio de fitness, que gira sob o nome de fantasia “...”, com incremento de clientes, e o sucesso do negócio que explora, o que lhe permite ainda maior rendimento do que aquele que consagrou junto do Tribunal.
Esclarece que as despesas com a instituição de ensino, tarefas de entregas e recolhas dos menores junto dessa instituição, são suportadas por si, tal como os demais encargos com amortização do empréstimo para aquisição de casa própria (em valor que se localiza e flutua entre 600€ e 800€ mensais), o seguro multirriscos (em valor aproximado de 350€ anuais), IMI, tudo referente ao prédio urbano, que foi casa de morada de família do extinto casal.
Conclui alegando que a requerente pretende apenas perpetuar o seu estilo de vida abonado pelo requerido, não colidindo a sua posição com o instituto do caso julgado, para além do facto da pretensão da requerente ser totalmente omissa quanto à alegação de circunstâncias supervenientes, que não tivessem sido atendidos em Maio de 2024 pelas partes e pelo Tribunal.
Aduz que a requerente sabia que a partir de Janeiro de 2025 a sua situação financeira iria alterar, pelo simples facto de ter que considerar que, depois desta data, teria que abonar, ela própria, encargo para a sua habitação, fosse própria ou arrendada.
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Conclusos os autos, foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente o incidente, mantendo-se o regime fixado e homologado por sentença de 15/05/2024.
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II- Objecto do recurso
Não se conformando com a decisão proferida veio a requerente interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:
1- Cumpre reconhecer a sentença ora sindicada como integralmente nula, nos termos acima alegados e requeridos, sendo o recurso procedente, pois: toda a sentença viola os mais elementares princípios e regras subjacentes a um Estado de Direito, no qual esteva vivo um sólido princípio da legalidade.
2- Esta sentença é proferida: sem avisar ninguém que se ia proferir sentença de mérito (ver ata); sem ouvir as partes sobe a apreciação do mérito da causa, fazendo um decisão surpresa que ninguém médio esperava, decidindo em matéria de facto e apreciando prova (fundamentando parte da mesma com o seu próprio testemunho, em decreto livre (sem contraditório e não existindo no mundo e nos autos, pois ninguém ouviu tal testemunho interior da Ilustríssima Juíza); nada disse sobre a razão da decisão em despacho saneador, nem para isso notificou, despachou-se o processo previamente como sendo uma coisa e era outra (ler ata), diz-se que o Requerido proferiu declarações e que não foram contraditadas quando nenhum das duas coisas ocorreu (ouça-se a gravação subjacente à ata e a própria ata – sendo até o mandatário da Requerente interrompido pois não era aquele o momento para discutir o processo); nada diz sobre a produção de prova requerida, nem se era deferida ou não, testemunhal e pericial; decide, sem prejuízo, toda a matéria de facto desprezando EM puro ARBÍTRIO E VIOLAÇÃO EXPRESSA, AS REGRAS E OS DIREITOS PROCESSUAIS DAS PARTES, O DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA, À JUSTA E LEGAL DECISÃO EM PRAZO ÚTIL (3 VIDAS EM SUSPENSO E EM SOFRIMENTO TERRÍVEL ATENTA A DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA), e tudo o demais que VV. Exas. suprirem, sendo tudo de conhecimento oficioso (repare-se: a parte em apreço passou a temer recorrer os tribunais em Portugal).
3- Concretizando: lendo-se a ata da audiência de julgamento, facilmente se demonstra o que sucedeu nestes autos: requer-se A, instrui-se B, fala-se de C e decide-se D.
4- Repare-se que na sentença diz-se o contrário do que consta na ata de audiência de julgamento.
5- Concretizando: lendo-se a ata da audiência de julgamento, facilmente se demonstra o que sucedeu nestes autos: requer-se A, instrui-se B, fala-se de C e decide-se D.
6- Repare-se que na sentença diz-se o contrário do que consta na ata de audiência de julgamento.
7- De forma concisa e direta: a sentença é totalmente deficiente (seja total ou parcialmente) por falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares destes, de tal sorte que obste ao estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso, mostra-se ferida de nulidade que é de conhecimento oficioso nos termos do art.º 662º nº 2 al. c) do CPC (cfr. neste sentido Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa in Código de Processo Civil anotado, em anotação ao art.º 662º).
8- Resumindo:«1.ª A douta sentença recorrida é nula por força de quatro fundamentos a saber: 1.º - Nulidade da douta sentença recorrida decorrente da ausência de decisão sobre a prova requerida pelas partes nos seus requerimentos; 2.º - Nulidade da douta sentença recorrida em virtude da mesma constituir uma “decisão surpresa”; 3.º - Nulidade da douta sentença recorrida decorrente da não realização da perícia ordenada requerida
4.º - Nulidade da douta sentença recorrida por falta de enunciação dos factos a provar e os temas de prova.
5- “Os amplos poderes instrutórios que a lei atribui ao juiz nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 897º nº 1 e 986º nº 2, ex vi art.º 891º nº 1 do CPC, não são sinónimo de arbitrariedade na escolha dos meios probatórios a produzir, não estando o juiz dispensado de expressamente se pronunciar sobre a adequação e necessidade das provas que tenham sido propostas pelas partes, o que lhe é imposto pelo princípio geral estabelecido no art.º 154º CPC e ainda no art.º 897º nº 1 do mesmo código, ao prescrever que analisa os elementos juntos pelas partes e se pronuncia sobre a prova por elas requerida em ordem a determinar apenas, mas fundamentadamente, as diligências que considere convenientes.
6- Não havendo pronúncia sobre os requerimentos probatórios apresentados pelas partes o Tribunal omite um acto que a lei prescreve e que constitui uma nulidade que se projecta na sentença, por esta ser proferida sem que as partes tenham tido oportunidade de produzir os seus meios de prova de forma a convencer (ou não) o Tribunal das suas posições, e sem que para as partes fosse expectável a prolação de sentença sem que tivesse recaído pronúncia sobre os seus meios de prova.
7- Desse modo a sentença constitui uma decisão surpresa por violação do princípio do contraditório atenta a hodierna concepção ampla do mesmo, que contempla o direito das partes intervirem ao longo do processo de molde a influenciarem a decisão da causa no plano dos factos, da prova e do direito, garantindo a sua participação efectiva no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que sejam potencialmente relevantes para a decisão.
8 - Nestes processos de maior complexidade e relevância (UMADULTA(EDUASCRIANÇAS–QUEASSIMOPAIPODETENTARFICARCOMOREGIMEEMEXCLUSIVIDADEPOISESTADECISÃOCOLOCAESSERISCOÀSCLARAS)PODEFICARSEMTETOPARADORMIR–ESTRANGEIRAESEMAPOIOFAMILIARALGUM,LOGOSOZINHA), dada a variedade e abundância de circunstâncias, mostra-se necessário apurar com rigor os contornos de cada situação, de modo a que, delimitado facticamente o caso nas vertentes pessoal e patrimonial do visado, se possa efectuar a subsunção jurídica e determinar se é necessária a aplicação de medidas e, na afirmativa, qual o acompanhamento que se impõe; pelo que têm de ser analisados, para efeito de serem considerados provados ou não provados, os factos alegados pelas partes nos articulados da causa.
9 - Não constando da decisão de facto, QUAIS OS FACTOS A PROVAR E QUANDO SE IRIA PRODUZIR A PROVA DOS factos alegados pelas partes tendentes a demonstrar ou infirmar a necessidade à apreciação da densificação das medidas adequadas, a sentença revela-se deficiente por falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares destes que são imprescindíveis à decisão da causa, obstando ao estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso, o que fere a sentença de nulidade, a qual é de conhecimento oficioso nos termos do art.º 662º nº 2 al. c) do CPC.
10 - Como já se referiu, quando o juiz pretenda decidir de imediato, no todo ou em parte, do mérito da causa, deve convocar a audiência prévia por forma a possibilitar às partes a discussão de facto e de direito da questão, sendo que o conhecimento do mérito da causa deve ser precedido da consulta das partes, nos termos e para os efeitos do art.º 3º, nº 3 do CPC. Nas palavras de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 687, “14. É de toda a conveniência que o juiz não decida, no todo ou em parte, aspetos materiais do litígio sem um debate prévio, no qual os advogados das partes tenham a oportunidade de produzir alegações orais acerca do mérito da causa. Estas alegações poderão servir também para as partes tomarem posição sobre eventuais exceções perentórias não discutidas nos articulados e que o juiz entenda poder conhecer oficiosamente, prevenindo decisões-surpresa. Além disso, deve ser concedida às partes a possibilidade de produzirem alegações quando o juiz se proponha decidir o mérito da causa num caso nas vertentes pessoal e patrimonial do visado, se possa efectuar a subsunção jurídica e determinar se é necessária a aplicação de medidas e, na afirmativa, qual o acompanhamento que se impõe; pelo que têm de ser analisados, para efeito de serem considerados provados ou não provados, os factos alegados pelas partes nos articulados da causa.
9 - Não constando da decisão de facto, QUAIS OS FACTOS A PROVAR E QUANDO SE IRIA PRODUZIR A PROVA DOS factos alegados pelas partes tendentes a demonstrar ou infirmar a necessidade à apreciação da densificação das medidas adequadas, a sentença revela-se deficiente por falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares destes que são imprescindíveis à decisão da causa, obstando ao estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso, o que fere a sentença de nulidade, a qual é de conhecimento oficioso nos termos do art.º 662º nº 2 al. c) do CPC.
10 - Como já se referiu, quando o juiz pretenda decidir de imediato, no todo ou em parte, do mérito da causa, deve convocar a audiência prévia por forma a possibilitar às partes a discussão de facto e de direito da questão, sendo que o conhecimento do mérito da causa deve ser precedido da consulta das partes, nos termos e para os efeitos do art.º 3º, nº 3 do CPC. Nas palavras de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 687, “14. É de toda a conveniência que o juiz não decida, no todo ou em parte, aspetos materiais do litígio sem um debate prévio, no qual os advogados das partes tenham a oportunidade de produzir alegações orais acerca do mérito da causa. Estas alegações poderão servir também para as partes tomarem posição sobre eventuais exceções perentórias não discutidas nos articulados e que o juiz entenda poder conhecer oficiosamente, prevenindo decisões-surpresa. Além disso, deve ser concedida às partes a possibilidade de produzirem alegações quando o juiz se proponha decidir o mérito da causa num enquadramento jurídico diverso do assumido e discutido pelas partes nos articulados.
11-Em todas estas situações está em jogo o respeito pelo princípio do contraditório, garantindo às partes pronúncia sobre as questões que o juiz irá decidir na fase intermédia do processo, de modo a evitar decisões-surpresa (art.º 3º, nº 3)”.
12-Ora, a discussão da causa não se limita à abordagem das partes relativamente às excepções deduzidas, devendo também abranger a discussão efectiva sobre a decisão a tomar e a possibilidade de as partes carrearam para os autos elementos necessários para a sua efectivação ou não, nomeadamente o pedido de produção de prova.
13-Esteaspecto é de primordial importância para os presentes autos, face ao teor da resposta à contestação, onde a A. alega a interrupção do prazo em curso e ainda a aplicação de prazo prescricional diverso do alegado na contestação.
14-Assim, tendo o tribunal recorrido optado por proferir a decisão de mérito em causa nos autos sem essa discussão de facto e de direito e sem ter consultado previamente as partes quanto a essa possibilidade, estamos perante uma nulidade processual.
15-Com efeito, nos termos do art.º 195º, nº 1 do CPC, “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”, sendo que o conhecimento do mérito da causa sem que seja efectuada a discussão oral do mesmo se pode enquadrar na situação prevista na parte final deste preceito. Mais, no caso vertente, não há qualquer despacho a alertar para a decisão de mérito a proferir, nem a justificar tal opção, não tendo existido qualquer discussão oral do mérito da causa, pelo que estamos perante a omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, nos termos que se expuseram.
16-Esta nulidade assume-se como uma nulidade da própria sentença proferida e, como tal, enquadrável no art.º 615º do CPC.
17-A questão que ora se aprecia foi já objecto de debate na jurisprudência, nomeadamente quanto à não realização de audiência prévia e configuração dessa nulidade, sendo importante realçar o Ac. STJ de 23-06-2016, proc. 1937/15.8T8BCL.S.1, relator Abrantes Geraldes, no qual se pode ler: “(…) Em tais circunstâncias, depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador, de modo que a reacção da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC”. Também neste sentido se pronuncia Miguel Teixeira de Sousa, em comentários ao Ac. da Rel. de Évora, de 10/04/14 e ao Acs. da Rel. do Porto, de 2/03/15 e de 12/11/15, em blogippc.blogspot.pt, e ainda o Ac. STJ de 17-03-16, proc. 1129/09.5TBVRL-H.G1.S1, relator Fonseca Ramos.
18-Ou seja, o facto de o despacho recorrido ter sido proferido sem a consulta das partes e sem a discussão oral dos factos e direito aplicáveis aos autos, leva a que a sentença constante de tal despacho peque por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615º, nº 1, al. d) do CPC e, seja, por conseguinte, nula, não sendo possível a sua sanação.
19-Concluindo, deve ser declarada a nulidade da sentença recorrida, determinando-se a consequente remessa do processo ao tribunal a quo, para que aí seja facultada às partes a discussão de facto e de direito do mérito da causa, nos termos e para os efeitos do art.º 591º, nº 1, al. b) do CPC e sejam, subsequentemente, seguidos os trâmites processuais decorrentes, seja com decisão de mérito, seja com o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido e das excepções deduzidas, nomeadamente face às várias soluções plausíveis de direito e seu reflexo no conhecimento do mérito da causa. Face à nulidade ora verificada, julgam-se prejudicadas as demais questões suscitadas em sede de alegações de recurso.
20- DESTARTE, DEVE O RECURSO EM APREÇO SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE POR PROVADO, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
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O requerido apresentou as suas contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso, por não provado.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito
Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir sobre o pedido de alteração da atribuição da casa de morada de família.
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Fundamentação de facto
Factos provados
1º Nos autos de divórcio por mútuo consentimento, foi proferida sentença homologatória dos acordos de conversão em divórcio por mútuo consentimento, datada de 15/05/2024 que, quanto à utilização da casa de morada de família, consagrou que “a casa de morada de família, bem próprio do Autor (leia-se, aqui requerido), fica provisoriamente atribuída à Ré, sem qualquer contrapartida até 15-01-2025, data em que terá que entregar o imóvel ao Autor livre de pessoas e animais” ( negrito e sublinhado nossos);
2º Nesses acordos, consta ainda, além do mais, que “ambos os cônjuges prescindem reciprocamente de alimentos por deles não carecerem” (sublinhado e negrito nossos);
3º Nesses autos foi acordada a regulação das responsabilidades parentais relativamente à menor CC, nascida a ../../2024 e acordaram ainda as partes que, em relação ao menor DD, nascido a ../../2021, fosse convertido em definitivo o regime provisório fixado no âmbito do Processo nº 4126/23.4T8GMR, pendente neste ... Juízo, na conferencia de 26/09/2023, altura em que, em face da falta de acordo, já havia sido promovido e fixado, a título provisório, um regime de guarda partilhada com efeitos a partir de 06/11/2023, tendo-se fixado até essa data um regime gradual de adaptação do menor à nova realidade.
4º Nesses autos foi então também acordado entre as partes, que a partir de 06/02/2026, relativamente à menor CC, nascida a ../../2024, valerá um regime de guarda partilhada (uma semana com cada progenitor, com transição à 2ª feira), nos exatos termos em que já vigora para o irmão desde 06/11/2023, fixando-se até essa data um regime gradual atenta a tenra idade da menor.
5º O referido acordo foi fruto de longas e extenuantes negociações, em que a requerente esteve sempre representada por Ilustre Causídico, Dr. EE.
6º A requerente obteve o acordo que quis, de forma livre e esclarecida, em diligencia presidida por Juiz, por sinal, a própria signatária, na qual estiveram presentes a Digna Magistrada do M.P., o Exmo. Funcionário e Mandatários que acompanharam as partes.
7º A Requerente declarou na diligência de 26/09/2023, que trabalhava como personal treiner, tendo um negócio que explora por conta própria, um estúdio de fitness, que gira sob o nome de fantasia “...” e aufere cerca de 2000,00 euros, negócio que explorava aquando do acordo de 15/05/2024 e continua a explorar com sucesso, segundo ela própria admite.
8º O Requerido declarou na diligência de 26/09/2023, que trabalhava por conta própria como médico dentista e que aufere cerca de 1 500,00 euros mensais, com clinicas em ..., ... e ..., sendo que nestas duas ultimas vai uma tarde ou um dia por semana a cada uma delas.
9º A casa de morada de família é bem próprio do Requerido.
10º De Maio de 2024 a Janeiro de 2025 (data acordada para a entrega da casa), os menores continuaram inscritos e a frequentar a mesma instituição de ensino, a saber o Colégio ..., a exclusivas expensas do requerido.
11º De Maio de 2024 a Janeiro de 2025, tem sido o requerido a responsabilizar-se, exclusivamente, pelas tarefas de entregas e recolhas dos menores junto da instituição de ensino, suportando os encargos com transportes.
12º De Maio de 2024 a Janeiro de 2025 (data prevista para a entrega da casa), período durante o qual a casa de morada de família, bem próprio do requerido, esteve a ser ocupado em exclusivo e sem qualquer contrapartida ao requerido, o requerido continuou a custear, exclusivamente, os encargos com amortização do empréstimo para aquisição de casa própria (em valor que se localiza e flutua entre 600€ e 800€ mensais), o seguro multirriscos (em valor aproximado de 350€ anuais) e IMI.
13º De Maio de 2024 a Janeiro de 2025 (data prevista para a entrega da casa), requerente e requerido exerceram as responsabilidades parentais do filho DD de forma alternada, estando com a menor CC, todos os fins de semana, sábado ou domingo alternadamente e ainda mais dois dias durante a semana, regime que em 06/02/2026, será convolado numa guarda partilhada, á semelhança do que sucede com o irmão.
14º De Maio de 2024 a Janeiro de 2025 (data em que estava prevista a entrega da casa), o requerido permaneceu acometido à casa dos seus pais, onde fixou a sua residência, ainda que de forma precária.
15º De Maio de 2024 a Janeiro de 2025, o requerido criou a natural convicção que os acordos são para cumprir, e que a 16 de Janeiro de 2025 regressaria à sua casa, que, sublinha-se, é bem próprio, cujas despesas suportou integralmente neste hiato temporal.
16º Aquando da celebração do acordo as partes e o Tribunal tiveram em conta, que 8 meses, seria o período mais do que suficiente, para que a requerente encontrasse solução que permitisse celebrar contrato de arrendamento, ou mesmo contrato de aquisição de casa própria.
17º - Nunca em momento algum a Requerente deixou de trabalhar, tendo contratado ama para cuidar dos filhos no período em que está com eles, cujo custo é suportado em exclusivo pelo Requerido.
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Factos não provados
18º Que na pendência deste acordo, o Requerido sempre tenha garantido verbalmente à Requerente que esta poderia habitar gratuitamente a casa até a filha ter 8 anos;
19º Que essa pretensa promessa haja sido feita “atendendo ao desespero da mesma em estar num país estrangeiro, ter dois filhos menores e estando sozinha e considerando o disparar dos custos de arrendamento de um apartamento em ... (cidade) e sabendo-se que os rendimentos dela não lhe permitiam suportar qualquer custo nesse campo, e não olvidando que estava, como está, em depressão pós-parto, mesclada com estado depressivo profundo em resultado do efeito devastador do divórcio e do que se passou antes, durante e depois”.
20º Que as remunerações que a Requerente chegou a ter no passado e que admitiu na conferencia de 26/09/2023 (cerca de 2000,00 euros), tenham diminuído drasticamente, mormente nas proximidades do acordo feito nos autos aquando do divórcio, retirando atualmente apenas um ordenado líquido próximo dos € 900,00, ordenado com o qual para os custos de utilização do espaço próprio que lhe custa um valor próximo mensal de € 1.000,00 (renda de € 800,00, mais cerca de € 50,00 de água contratada, de € 50,00 de eletricidade e telefone cerca de € 100,00);
21º Que já na altura em que aceitou entregar a casa até Janeiro de 2025, janeiro, só o aceitou porque foi ameaçada que se não o fizesse seria uma questão de tempo para perder o direito aos seus filhos;
22º Que, não obstante o prometido pelo Requerido de que a Requerente lá poderia viver até à idade de oito anos de cada menor, este tenha mudado de posição.
23º Que o Requerido sendo médico dentista e tendo várias clínicas para quem trabalha, Portugal e Estrangeiro, aufere rendimentos perto dos € 20.000,00 (vinte mil euros), “o que lhe permite ter total e integral condições para suportar os custos com o empréstimo da casa em apreço (cerca de € 500,00), o qual, inclusive nem é despesa, porquanto está a pagar o preço da aquisição do mesmo, logo, simples investimento”.
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Factos tidos como absolutamente irrelevantes para a decisão da causa
24º Que a Requerente tenha investido toda o seu futuro pessoal e emocional no casamento, só aceitando vir para Portugal nessa condição;
25º Que a Requerente haja acreditado em todas as promessas do Requerido e depois constatou que tudo não passou de uma burla emocional, ou seja, que a Requerente se tenha apercebido que o Requerido só quis relacionar-se com ela para efeitos de relacionamento momentâneo sexual e para ter filhos;
26º Que ainda tendo a segunda filha na barriga, a requerente tenha sido abandonada e traída, literalmente, pelo Requerido, bem como agredida, incluindo pelos ex-sogros, sendo obrigada a fazer teste de paternidade para provar que os filhos são do Requerido, pois, este acusava-a de andar com outros homens.
27º Que a putativa depressão de que a Requerente diz estar acometida tenha surgido após Janeiro de 2025 (data prevista e acordada para a entrega da casa).
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Fundamentação jurídica
A recorrente veio arguir a nulidade da sentença proferida com base nos seguintes fundamentos:
1.º- ausência de decisão sobre a prova requerida pelas partes nos seus requerimentos;
2.º - prolacção de “decisão surpresa”;
3.º - não realização da perícia ordenada requerida
4.º - falta de enunciação dos factos a provar e temas de prova.
Mais invoca padecer o despacho recorrido de excesso de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, por ter sido proferido sem a consulta das partes e sem a discussão oral dos factos e direito aplicável, que integra igualmente a nulidade do acto, nos termos do art. 195.º, n.º 1, do mesmo diploma, por omissão, face à não realização da audiência prévia.
Dispõe o n.º 1 do artigo 591.º do Código de Processo Civil que concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 2 do artigo 590º, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:
a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594º;
b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;
d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595º;
e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547º;
f) Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes;
g) Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas.
O n.º 2 deste preceito dispõe ainda que o despacho que marque a audiência prévia deve indicar o seu objeto e finalidade (não constituindo contudo caso julgado sobre a possibilidade de apreciação mediata do mérito da causa.
Por sua vez, prevê o n.º 1 do artigo 592º, do mesmo diploma, as situações em que a audiência prévia não se realiza:
a) Nas acções não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.º;
b) Quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.
Por sua vez, o n.º 1 do artigo 593º, prevê a possibilidade de o juiz poder dispensar a realização da audiência prévia nas acções que hajam de prosseguir quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591º.
Especifica-se no art. 595.º, n.º 1, al. b), do mesmo diploma, que o despacho saneador pode destinar-se a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.
Devendo o despacho saneador, em princípio, ser logo ditado para acta, quando, porém, a complexidade das questões a resolver o exija, o juiz pode excepcionalmente proferi-lo por escrito, suspendendo-se a audiência prévia e fixando-se logo data para a sua continuação, se for caso disso – cfr. 595.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do mesmo diploma.
Como dizem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 696), no despacho saneador o juiz deve conhecer do pedido ou pedidos formulados “sempre que não haja matéria controvertida susceptível de justificar a elaboração de temas da prova e a realização de audiência final. A antecipação do conhecimento de mérito pressupõe que, independentemente de estar em jogo matéria de direito ou de facto, o estado do processo possibilite tal decisão, sem necessidade de mais provas (…)”.
Da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII consta que “h[H]á um manifesto investimento na audiência prévia, entendida como meio essencial para operar o princípio da cooperação, do contraditório e da oralidade. (…) A audiência prévia é, por princípio, obrigatória, porquanto só não se realizará nas acções não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante e nas acções que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma excepção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados”.
Entende-se ser “de toda a conveniência que o juiz não decida, no todo ou em parte, aspectos materiais do litigio sem um debate prévio, no qual os advogados das partes tenham oportunidade de produzir alegações orais acerca do mérito da causa (…) está em jogo o respeito pelo principio do contraditório, garantindo às partes pronuncia sobre questões que o juiz decidirá na fase intermédia do processo, de modo a evitar decisões-surpresa” (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, anotação ao artigo 591, página 687).
O princípio do contraditório traduz-se na exigência constitucional do direito de acção ou direito de agir em juízo através de um processo equitativo (artigo 20.º da CRP), que se encontra legalmente consagrado, designadamente no art. 3º, nº 3 do C. P. Civil.
Diz-nos este preceito que o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
O princípio do contraditório deve ser entendido como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.
Reconhece-se, assim, o direito da parte à sua audição antes de ser tomada qualquer decisão e o direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posição sobre elas, o que decorre, aliás, do princípio do processo justo e equitativo (artigo 20.º da CRP) - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 46/47.
Assim, a observância do princípio do contraditório, enquanto princípio estruturante e basilar do processo civil, visa impedir que as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas ou surpreendentes por não terem sido objecto de qualquer discussão, pelo que, a sua dispensa, está prevista a título excepcional e apenas se justificará quando a questão já tenha sido suficientemente discutida ou quando a falta de audição das partes não prejudique de modo algum o resultado final (neste sentido Abrantes Geraldes, in obra citada, pág. 20).
A violação do contraditório consubstancia uma nulidade (v. art. 195º, nº 1 do C. P. Civil) quando a omissão do acto ou formalidade que a lei prescreve possa influenciar a decisão da causa, devendo ser invocada no prazo de 10 dias, a contar do conhecimento da mesma, perante o tribunal onde foi cometida.
No entanto, conforme se decidiu nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 11/1/11, da Relação de Coimbra de 13/11/12 e da Relação de Évora de 10/04/14 e no nosso Acórdão desta Relação, de 8/11/2018 (todos in www.dgsi.pt ), estando a nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório sancionada/coberta por uma decisão judicial, a respectiva arguição poderá ocorrer em sede de recurso interposto dessa mesma decisão.
Na verdade, conforme explica o Professor Miguel Teixeira de Sousa no blog do IPCC em comentário ao Acórdão da Relação de Évora de 30/06/2016, a nulidade processual decorrente da violação do princípio do contraditório é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (cf. art. 615.º, n.º 1, al. d) do C.P.C.), dado que, sem a prévia audição das partes, o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão.
Importa, também atentar no disposto no art. 6.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, que consagra o princípio de dever de gestão processual, ao preceituar que cumpre ao juiz, sem prejuízo obviamente do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
Essa ideia é reforçada pelo que se dispõe igualmente no art. 547.º, do mesmo diploma, que nos diz que “o[O] juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo”, em conformidade com o que resulta do disposto do art. 590.º, desse mesmo diploma, sobre a gestão inicial do processo.
Acontece que in casu, tal como feito plasmar previamente à decisão proferida em resultado do que se passou na diligência designada, por lapso da secção de processos, os autos foram indevidamente autuados como de alteração da regulação das responsabilidades parentais, tendo sido promovido e determinado o cumprimento do art. 42.º/3 do RGPTC, e o requerido exercido o contraditório, após o que foi designada data para conferência.
Na data designada para conferência, tendo-se o tribunal apercebido que estava em causa uma alteração do incidente de atribuição provisória da casa de morada de família, objecto de acordo entre as partes, homologado por sentença de 15/05/2024, as partes aceitaram a adequação do processado, aproveitando os respectivos articulados, bem como esse acto para apurar da eventualidade de se obter um acordo e discutir a posição das partes quanto ao litígio, tendo o tribunal a quo, desde logo e com o assentimento das partes, anunciado que os autos lhe deveriam ser conclusos para ponderar sobre uma eventual decisão de mérito, caso os elementos já disponíveis assim o permitissem, daí ter sido proferida sentença, por se ter considerado desnecessário já ‘facultar às partes a discussão relativamente a quaisquer excepções dilatórias ou à delimitação dos termos do litígio - até porque as partes já apresentaram nos autos por escrito as respetivas posições - e porque os autos permitem o conhecimento do mérito da causa, visto que inexistem factos relevantes para a decisão do incidente, que se mostrem controvertidos’.
Daqui decorre que as partes aceitaram a adequada convolação dos actos já praticados no processo tido como sendo de alteração da regulação das responsabilidades parentais, para a forma que deveria ser seguida por se tratar na verdade de incidente de atribuição provisória da casa de morada de família, mais tendo sido aceite que o tribunal a quo proferisse decisão final com base nos elementos já disponíveis, se viessem a ser tidos como suficientes para tal, ou por forma a prosseguirem os autos os seus ulteriores termos, no caso contrário, sendo então proferido despacho saneador.
Não há, como tal, qualquer decisão surpresa porque comunicada às partes a possibilidade de ser proferida decisão final, sem qualquer oposição da requerente e requerido nesse sentido.
Nenhuma das partes requereu que fosse designada audiência prévia para além daquela que foi agendada e realizada como sendo de ‘conferência’.
Ora, a ser assim, tendo o tribunal a quo determinado, após esse acto, a conclusão dos autos para proferir decisão e tendo conhecido de mérito, ficou como tal, necessariamente, prejudicada a produção de prova.
Pois, se os autos permitiam conhecer do pedido nenhum sentido fazia pronunciar-se sobre as provas requeridas pelas partes.
Acresce, de qualquer das formas, que, nas providências a tomar no âmbito dos processos de jurisdição voluntária, o juiz não está subordinado a critérios de legalidade estrita, devendo, antes, adoptar as soluções que julgue mais convenientes e oportunas para o caso (art.º 987.º do CPC), sem que isso, evidentemente, o dispense de respeitar, cumprir e fazer cumprir as normas processuais respectivas.
A denominada jurisdição voluntária, por oposição à jurisdição contenciosa, é sempre exercitada em relação aos interesses dos sujeitos envolvidos ou a situações jurídicas subjectivas cuja tutela é assumida pelo ordenamento jurídico por razões de interesse geral da comunidade.
O certo é que, perante o caso concreto, a requerente foi notificada das alegações do recorrido, esteve presente na diligência de 24 de Abril, exercendo aí a faculdade de defesa dos seus direitos, sem oposição ao decidido pelo Tribunal de adequação da forma do processo e aceitando que, após a frustração de conciliação e exposição de cada uma das posições das partes, fossem os autos conclusos para ser proferida decisão final, caso assim o tribunal a quo o entendesse face aos elementos já disponíveis nos autos.
A ser assim, tem de se entender que na dita diligência foi cumprido o objectivo previsto na audiência prévia, face à adequação processual determinada com vista a cumprir os fins do incidente deduzido, por forma a obstar à prática de actos repetidos e inúteis, bem como a expedientes dilatórios, visando-se uma decisão célere, mas que acautelasse os direitos das partes ouvidas e garantisse a justa composição do litígio.
Aliás, a decisão, quer quanto à matéria factual, quer quanto à aplicação do direito, não foi alvo de impugnação, ao se entender, em suma, não terem sido alegados factos novos que impusessem a alteração do acordo das partes homologado por sentença sobre a casa de morada de família.
Entende-se, assim, nestes termos, não se verificarem as nulidades arguidas, pelo que é de manter o decidido.
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III- Decisão
Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso improcedente, devendo, em consequência, ser mantida a decisão.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar.
Notifique.
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Guimarães, 30.10.205
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e é por todos assinado electronicamente)
Maria dos Anjos Melo
(Juíza Relatora)
António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida
(Juiz Desembargador 1.ºAdjunto)
Alcides Rodrigues
(Juiz Desembargador 2.ºAdjunto)