Não sendo legalmente admitido, o acto pelo qual um interessado, no âmbito de um processo de inventário, vem responder à “resposta à reclamação contra a relação de bens” corresponde a acto anómalo e estranho ao desenvolvimento normal da lide que, nessa medida, é qualificável como incidente anómalo e sujeito a tributação nos termos e ao abrigo do n.º 8 do art.º 7.º do Regulamento Custas Processuais.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I.
No âmbito do processo de inventário a que se procede para partilha das heranças abertas por óbito de AA e BB e no qual desempenha as funções de cabeça de casal CC, melhor identificada nos autos, a interessada DD veio apresentar reclamação contra a relação de bens que, oportunamente, havia sido apresentada pela cabeça de casal.
A cabeça de casal respondeu a tal reclamação.
A interessada reclamante veio apresentar resposta à resposta da cabeça de casal, o que motivou o despacho – proferido em 19/03/2025 – com o seguinte teor:
“Por legalmente inadmissível, no quadro do presente incidente, resposta à resposta à reclamação contra a relação de bens (artigos 1104.º e 1105.º do Código do Processo Civil), não admito a sua junção.
Elimine do processo electrónico, desentranhe do suporte físico e devolva à reclamante, condenando-se a mesma nas custas do anómalo incidente de desentranhamento, com taxa de justiça de 1 UC (artigo 7.º, n.º s 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado com a Tabela II anexa)”.
Inconformada com esse despacho, a interessada DD veio interpor recurso, no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:
(…).
Não foi apresentada resposta ao recurso.
II.
Questão a apreciar:
Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se, ao vir apresentar resposta à resposta à reclamação contra a relação de bens, a Apelante deu causa a incidente anómalo que deva ser tributado nos termos e ao abrigo do n.º 8 do art.º 7.º do Regulamento Custas Processuais.
III.
Conforme se vê pelas conclusões das alegações de recurso, a Recorrente – sem contestar a decisão na parte em que considerou inadmissível a peça processual que havia sido apresentada e determinou o seu desentranhamento – vem apenas impugnar o segmento da decisão em que se considerou estar em causa um “incidente anómalo” com consequente condenação da interessada (agora Apelante) nas custas respectivas com taxa de justiça de 1 UC nos termos previstos no artigo 7.º, n.º s 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado com a Tabela II anexa.
Na perspectiva da Apelante, não está em causa um qualquer incidente anómalo que devesse ser tributado nos termos em que foi, na medida em que o requerimento que apresentou não determinou qualquer actividade acrescida que justificasse tributação autónoma (sendo certo que não determinou uma atividade ou conduta processual entorpecedora da ação da Justiça, nem motivou alguma demora na tramitação do inventário, não tendo dado azo à audição da parte contrária ou à sua apreciação judicial, sendo de imediato mandado desentranhar).
Pensamos não lhe assistir razão.
Para efeitos de tributação nos termos do n.º 4 do art.º 7.º do Regulamento das Custas Processuais (de acordo com a tabela ii do referido Regulamento), determina o n.º 8 da citada disposição legal que se consideram procedimentos ou incidentes anómalos “...as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas”.
Uma “ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide” corresponderá, naturalmente, a um acto ou ocorrência que extravase daquela que é a tramitação típica do processo em causa e que, nessa medida, corporiza um acto ou ocorrência que se apresentam e se inserem no âmbito daquele processo como acidentais, anómalos e perturbadores daquele que era o normal e expectável desenvolvimento da lide, exigindo, em maior ou menor grau, uma determinada actuação do juiz e/ou das partes tendo em vista a resolução desse “acidente” ou factor perturbador da marcha do processo.
Refira-se que, ao contrário do que sustenta a Apelante, o incidente anómalo – para efeitos tributários e de acordo com a definição constante da norma acima indicada – não tem que originar uma actividade processual relevante (seja em termos de duração, seja em termos de complexidade), não tem que provocar demora na normal tramitação, não tem que ter dado azo à audiência da parte contrária nem tem que determinar uma efectiva apreciação judicial de qualquer questão que aí tenha sido suscitada.
Vale a pena recordar que a redacção da norma em análise nem sempre foi a mesma. Na verdade, o que nela se dispunha até à Lei n.º 7/2012 de 13/02 é que apenas se consideravam procedimentos ou incidentes anómalos “...aqueles que, não cabendo na normal tramitação do processo, possam ter sede em articulado ou requerimento autónomo, dêem origem à audição da parte contrária e imponham uma apreciação jurisdicional de mérito”. Ora, tendo passado a dispor-se – na sequência da alteração operada pelo citado diploma – que são procedimentos ou incidentes anómalos “...as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas”, é certo dever concluir-se que foi amplificada a abrangência daquele conceito, não sendo agora exigível que o incidente dê origem à audição da parte contrária e imponha uma apreciação jurisdicional de mérito, passando agora a incluir toda a ocorrência estranha ao normal desenvolvimento da lide nos termos acima mencionados cuja resolução ou eliminação exija uma actuação do juiz (que não tem de ser relevante); a duração e complexidade da actividade processual a que o incidente dá causa relevará apenas para efeitos de quantificação da taxa de justiça devida.
No caso dos autos, o acto que foi qualificado como incidente anómalo para efeitos de tributação nos termos da norma acima mencionada foi o requerimento apresentado pela interessada (a Apelante) por via do qual se propunha responder à resposta à reclamação contra a relação de bens, acto esse que – como reconhece a própria Apelante – não é legalmente admissível.
Ora, à luz do exposto, é certo dever concluir-se que, não sendo legalmente admitido e consentido, o acto em questão não se insere na tramitação normal do processo, correspondendo, portanto, a um acto anómalo (não previsto e não consentido pela tramitação típica do processo), estranho ao desenvolvimento normal da lide e perturbador da respectiva marcha processual que, não obstante a rapidez e a simplicidade da tramitação que determinou (a justificar a fixação da taxa de justiça no seu limite mínimo, conforme sucedeu) não deixou de obrigar à análise do requerimento e à prolação de despacho a constatar a sua inadmissibilidade legal e a determinar o seu desentranhamento e que, nessa medida constitui incidente anómalo provocado pela Apelante a justificar a sua tributação segundo o princípio da causalidade que rege a condenação em custas (cfr. art.º 527.º do CPC).
Improcede, assim, o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):
(…).
IV.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Apelante, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Notifique.
Coimbra,
(Maria Catarina Gonçalves)
(Paulo Correia)
(Anabela Marques Ferreira)