PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
PRAZO PARA CONCLUSÃO DAS NEGOCIAÇÕES
PRAZO SUPLEMENTAR PARA A PRÁTICA DE ATO PROCESSUAL
APLICABILIDADE
Sumário

O regime previsto nos n.ºs 5 e 6 do art.º 139.º do CPC não tem aplicação ao prazo – previsto no n.º 5 do art.º 222.º-D e no n.º 7 do art.º 17.º-D do CIRE – para conclusão das negociações no âmbito de processo especial para acordo de pagamento ou processo de revitalização.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

AA, residente na Rua ..., ... ..., veio instaurar, nos termos do disposto nos artigos 222º A e seguintes do CIRE, processo especial para acordo de pagamento.

Em 26/02/2025, foi proferido o despacho a que se reporta o n.º 4 do art.º 222.º-C, tendo sido nomeada a administradora judicial provisória.

Tal despacho foi publicado no portal Citius em 26/02/2025 e a lista provisória de credores foi publicada, no mesmo local, em 24/03/2025.

Em 02/06/2025, foi junto aos autos acordo escrito entre o devedor e a Sra. Administradora Judicial Provisória no sentido de prorrogar o prazo de negociações por um mês.

Na sequência da apresentação desse acordo foi proferido – em 03/06/2025 – despacho com o seguinte teor:

“Tendo sido prorrogado, por acordo escrito entre o devedor e a Sra. Administradora Judicial Provisória, o prazo de negociações por um mês, acordo já devidamente publicado no portal citius, nos termos do disposto no artigo 222.º-D, n.º 5 do CIRE, o prazo de negociações virá a terminar em 01.07.2025 (lista provisória publicada a 24.03.2025 + 5 dias úteis + 2 meses + 1 mês).

Notifique o devedor e a Sra. Administradora Judicial Provisória”.

Tal despacho foi notificado ao Requerente por comunicação elaborada no próprio dia.

Nada tendo sido requerido, foi proferido – em 03/07/2025 – o despacho que, na parte que releva, tem o seguinte teor:

Conforme resulta do despacho proferido em 03.06.2025, o prazo para as negociações no âmbito do presente PEAP terminou a 01.07.2025.

Decorrido o prazo das negociações verifica-se que o devedor não apresentou o competente acordo de pagamentos.

Em face do exposto, decide-se, ao abrigo do disposto no artigo 222.º-G, n.º 1 do CIRE, declarar encerrado o processo negocial, pelo decurso do prazo de negociações (e de votação), sem aprovação do plano, cfr. neste sentido Fátima Reis Silva in Processo Especial de Revitalização (Notas Práticas e Jurisprudência Recente), Porto Editora, pág. 71, que aqui acolhe inteira aplicação.

Proceda-se de imediato à sua publicação no portal CITIUS, nos termos do sobredito normativo.

(...)”.

Notificado dessa decisão, o Requerente veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…).

Não houve resposta ao recurso.


/////

II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se o art.º 139.º, n.ºs 5 e 6, do CPC – mais concretamente o prazo suplementar que aí se encontra previsto – tem aplicação ao prazo para conclusão das negociações que vem previsto no n.º 5 do art.º 222.º-D do CIRE e se, por força disso, deve ser revogada ou anulada a decisão recorrida e anulado o processado posterior, de forma a permitir que o Apelante possa ainda juntar a sua proposta de plano de pagamentos, mediante liquidação da multa prevista no artigo 139º nº 5 do CIRE.


/////

III.

Apreciemos então a questão suscitada.

Dispõe o n.º 5 do art.º 222.º-D do CIRE que, findo o prazo para impugnação da lista provisória de credores – prazo que, conforme previsto no n.º 3 do mesmo artigo, é de cinco dias úteis a contar da publicação da lista no portal Citius –, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.

Dispõe, por outro lado, o n.º 1 do art.º 222.º-G do mesmo diploma que, caso seja ultrapassado o referido prazo, o processo negocial é encerrado.

No caso dos autos, tendo em conta que a lista provisória foi publicada em 24/03/2025, é seguro afirmar que a contabilização dos prazos referidos – o prazo de cinco dias úteis para a respectiva impugnação, o prazo de dois meses estabelecido na lei para a conclusão das negociações e o prazo de um mês por força da prorrogação do prazo por acordo escrito – ditaria o termo final do prazo para conclusão das negociações em 01/07/2025. E também é seguro afirmar que as negociações não foram concluídas com a aprovação e apresentação de qualquer acordo de pagamento dentro desse prazo, situação que se mantinha em 03/07/2025 (data em que foi proferido o despacho recorrido).

Sem pôr em causa essa situação, sustenta, no entanto, o Apelante – e é essa, na verdade, a única questão colocada no recurso – que a conclusão das negociações e consequente aprovação e apresentação do plano poderia ainda ter lugar durante os três dias úteis subsequentes, mediante o pagamento de multa, nos termos previstos no artigo 139.º, n.ºs 5 e 6, do CPC, afirmando que, caso não tivesse sido proferido o despacho recorrido, iria apresentar a sua proposta de plano de pagamentos até ao dia 04 de Julho de 2025, (ou seja, no dia seguinte àquele em que foi proferido o despacho recorrido) sem que, todavia, o tivesse chegado a juntar (fosse nesse dia 04/07/2025 ou fosse nos dias posteriores).

Convém, portanto, referir e esclarecer que aquilo que o Apelante pretende e está em causa no recurso não é a admissão de um acordo de pagamento que tivesse sido junto nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo (porque nenhum acordo juntou aos autos, nem sequer para efeitos de demonstrar que ele existia e estava pronto a ser apresentado no dia seguinte, ou seja, em 04/07/2025); o que o Apelante pretende é que lhe seja agora concedida a possibilidade de juntar um acordo que deveria ter sido concluído em 01/07/2025 ou, na sua perspectiva, em 04/07/2025 e que teria tido a oportunidade de concluir durante o todo o período de pendência do recurso, beneficiando, portanto, de um prazo bem superior àquele que é concedido por lei e sem que exista, sequer, qualquer garantia de que esse acordo tenha sido concluído e que, nessa medida, pudesse ser apresentado de imediato.

Analisemos, no entanto, a concreta questão que vem colocada no recurso e que consiste em saber se o citado art.º 139.º, n.ºs 5 e 6, do CPC poderia (ou não) ter aqui aplicação.

E, adiantando a resposta, pensamos que não.

Sendo sabido que a questão referente à aplicação da citada disposição legal no âmbito do processo de revitalização e do processo especial para acordo de pagamento não tem merecido resposta uniforme na nossa jurisprudência, o Apelante fundamenta o seu recurso na orientação que, sobre essa questão, tem prevalecido no STJ e onde, de facto, tem sido entendido que a natureza dos processos de revitalização e para acordo de pagamento  (cujo procedimento é marcado por algum peso extrajudicial) e a especificidade da sequência e da concatenação dos actos processuais – objecções normalmente colocadas à aplicação daquele dispositivo legal – não constituem razões suficientemente ponderosas para afastar a aplicação da norma em questão por força da art.º 17.º do CIRE.

Vejam-se, a propósito, os seguintes Acórdão do STJ[1]:

· O Acórdão de 22/06/2021 (processo n.º 3985/20.7T8VNF.G1.S1) onde se considerou aplicável a norma em questão à impugnação da lista provisória de créditos, no âmbito de processo especial de revitalização;

· O Acórdão de 12/01/2022 (processo n.º 5106/20.7T8VNG-B.P1.S1) onde se considerou aplicável a referida disposição legal ao prazo de 5 dias, previsto no art.º 17.º-F, n.º 2, para a devedora apresentar alterações ao plano de recuperação conducente à revitalização;

· O Acórdão de 15/03/2023 (processo n.º 1687/22.9T8BRR-C.L1.S1) onde se considerou que a norma em questão era aplicável à reclamação de créditos, prevista no n.º 2 do art.º 17.º-D do CIRE, não obstante admita tal aplicação à generalidade dos prazos do PER;

· O Acórdão de 03/05/2023 (processo n.º 170/22.7T8FND.C1.S1), onde se considerou aplicável a referida disposição legal numa situação em que estava em causa a apresentação de acordo para prorrogação do prazo de negociações em PEAP.

Refira-se que, não obstante essa orientação, continua a manter-se nos Tribunais da Relação o entendimento de que a disposição em questão não tem aplicação no âmbito dos processos em causa (revitalização e acordo de pagamento)[2].

A verdade é que, ainda que possamos admitir – em conformidade com a orientação do STJ – a aplicabilidade da disposição legal em questão a outros prazos previstos no âmbito dos processos de revitalização e acordo de pagamento – como sejam os prazos para a reclamação de créditos e para a impugnação da lista de créditos que, apesar de tudo, podem ser considerados actos e prazos judiciais – continuamos a ter muita dificuldade em admitir essa possibilidade em relação ao prazo legalmente estabelecido para a conclusão das negociações (é esse prazo que está em causa no presente recurso) que se encontra previsto no n.º 5 do art.º 222.º-D (e, em relação ao processo de revitalização no n.º 7 do art.º 17.º-D). Releva notar que nenhum dos Acórdãos do STJ acima mencionados incidiu especificamente sobre o prazo em questão.

E temos dificuldade em admitir essa possibilidade porque o prazo em questão não corresponde, propriamente, a um prazo para a prática de um acto em juízo, mas sim a um prazo concedido para que os interessados (devedor e credores) estabeleçam e concluam negociações tendo em vista a celebração de um acordo. Ou seja, ainda que esse processo desemboque na prática de um acto em juízo (a apresentação do acordo ao tribunal, que, conforme previsto no n.º 1 do art.º 222.º-F, deve ser imediata), o que está em causa é um prazo concedido para a conclusão de um processo negocial entre o devedor e os credores que decorre à margem do tribunal e que, não obstante a participação do administrador judicial provisório a quem cabe orientar e fiscalizar o decurso dos trabalhos e a sua regularidade, tem natureza extrajudicial ou privada ainda que decorra no âmbito e com ligação a um processo judicial (seja ele de revitalização ou para acordo de pagamento)[3]. É por isso, aliás, que estes processos (de revitalização ou para acordo de pagamento, tendo em conta que o regime é idêntico) são normalmente caracterizados como um processo híbrido, ou seja, um processo “...composto por uma forte componente extrajudicial, temperada com a intervenção do juiz em momentos chave...”[4] ou, dizendo de outro modo, um processo que combina “...uma fase informal (ou negocial) e uma fase formal (judicial)...[5].

Nas circunstâncias descritas, o prazo em questão (o prazo para concluir as negociações) tem bem mais afinidades com um prazo de caducidade  - conforme entendem, aliás, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[6] - do que com um prazo para a prática de um acto judicial, ou seja, um prazo processual ou judicial ao qual possa ser aplicável o disposto nos nºs 4 a 6 do art.º 139.º do CPC.

Refira-se que, não obstante a existência de opiniões diferentes[7], a nossa jurisprudência tem vindo a considerar – maioritariamente – que o prazo para a conclusão das negociações é, efectivamente, um prazo de caducidade, de natureza peremptória e preclusiva que não admite qualquer prorrogação além daquela que está prevista no citado artigo 17º-D, nº 7 (ou no art.º 222.º-D, n.º 5 se estiver em causa um processo especial para acordo de pagamento) e da que, eventualmente, possa decorrer da existência de justo impedimento, de tal forma que não poderá ser homologado, por violação não negligenciável de regras procedimentais, um qualquer plano que venha a ser aprovado após o decurso desse prazo. Neste sentido se pronunciaram os Acórdãos do STJ de 06/11/2018 (processo n.º 5106/16.1T8GMR.G2.S2)  27/04/2017 (processo nº 1839/15.8T8STR.E1.S1), de 22/02/2017 (processo nº 13031/15.7T8LSB.L1.S1), de 21/06/2016 (processo nº 3245/14.2T8GMR.G1.S1), de 19/04/2016 (processo nº 7543/14.7T8SNT.L1.S1), de 17/11/2015 (processo nº 1557/14.4TBMTJ.L1.S1), de 08/09/2015 (processo nº 570/13.3TBSRT.C1.S1)[8].

E é esta a posição que temos por correcta.

Com efeito, perante a clareza da lei – ao dispor, nos artigos 17-G, nº 1, e 222.º-G, n.º 1 (conforme esteja em causa um processo de revitalização ou um processo para acordo de pagamento) que o processo negocial é encerrado caso seja ultrapassado o prazo em questão –, pensamos ser difícil sustentar que o prazo em questão não seja um prazo peremptório e preclusivo e que possa ser ainda homologado um plano que venha a ser aprovado após o decurso daquele prazo.

Pensamos, portanto, em razão de tudo o exposto, que o prazo em questão não constitui um prazo judicial ou processual que esteja submetido à disciplina do citado artigo 139º; tal prazo destina-se a encetar, desenvolver e concluir negociações entre o devedor e os seus credores tendo em vista a sua revitalização por meio de aprovação de plano de recuperação ou acordo de pagamento, não correspondendo, portanto, a um prazo que seja concedido às partes/interessados para praticar um determinado acto processual, mas sim a um período ou fase extrajudicial que é concedido aos interessados para negociar e cujo decurso implica a caducidade do direito de requerer a homologação de um plano de recuperação ou acordo de pagamento.

Neste sentido se decidiu também no Acórdão desta Relação de 13/07/2020 (processo n.º 2318/18.7T8ACB.C1)[9] que foi subscrito pela aqui Relatora na qualidade de adjunta.

Entendemos, portanto, em face do exposto, não ser aqui aplicável o disposto no artigo 139º, nºs 5 e 6, do CPC.

Nas circunstâncias descritas, tendo decorrido o prazo previsto no n.º 5 do art.º 222.º-D sem que tivesse sido alcançado e apresentado qualquer acordo, impunha-se, sem mais e sem necessidade de aguardar qualquer outro prazo suplementar – designadamente o previsto no art.º 139.º do CPC –, declarar encerrado o processo negocial, conforme previsto e determinado no n.º 1 do art.º 222.º-G do CIRE.

A decisão recorrida que procedeu desse modo – declarando encerrado o processo negocial – não é, portanto, merecedora de censura, devendo, por isso, ser confirmada.

Improcede, assim, o presente recurso.


******

SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

(…).


/////

IV.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
Notifique.

                              Coimbra,

                                             (Maria Catarina Gonçalves)

                                             (Maria Fernanda Almeida)

                                                   (Chandra Gracias)


[1] Todos disponíveis em https://www.dgsi.pt.
[2] Cfr. Acórdão da Relação de Porto de 28/01/2025 (processo n.º 3184/24.9T8AVR-A.P1); Acórdão da Relação de Lisboa de 19/12/2024 (processo n.º 8482/23.6T8SNT.L1-1) e Acórdão da Relação de Coimbra de 10/07/2024 (processo n.º 2328/23.2T8LRA-A.C1), disponíveis em https://www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, pág. 157
[4] Cfr. Maria do Rosário Epifânio, O Processo Especial de Revitalização, 2016, pág. 14.
[5] Cfr. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2018, pág. 343.
[6] Ob. cit., pág.157.
[7] Cfr. Catarina Serra, Ob.Cit., págs. 414 e 415, e jurisprudência aí citada, onde se defende que o prazo das negociações estabelecido na lei tem uma função ordenadora e que, como tal, o seu decurso não preclude a possibilidade de ainda ser apresentado um plano dentro de prazo razoável.
[8] Todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[9] Disponível em https://www.dgsi.pt.