I – O “dano biológico”, enquanto afetação da pessoa do ponto de vista funcional determinante de consequências negativas a nível da sua atividade geral, justifica a indemnização no âmbito do dano patrimonial futuro, sem prejuízo da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial.
II – Para o cálculo da indemnização pela vertente patrimonial de tal dano a lei não traça um critério definido, pelo que há que recorrer à equidade, tal como previsto no art.º 566º, nº 3 do Código Civil, relevando, para o efeito, fatores como o grau de incapacidade, a idade da vítima, a esperança média de vida à data da consolidação das leões, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, a progressão na carreira profissional, o facto de o capital ser ressarcido por uma vez só, eventuais desvalorizações da moeda, corrigidos estes por recurso a juízos de equidade.
III – Para a compensação do dano biológico, na vertente não patrimonial, deve--se procurar reparar o dano causado à pessoa em si, de acordo com regras de equidade e de forma digna, tendo em conta a afetação no seu projeto pessoal de vida, as dores e sequelas que suporta e continuará a suportar, as limitações que estas lhe causam na sua vida diária, devendo essa compensação ser significativa e não meramente simbólica.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Ré/recorrente/recorrida: A..., SA
I. Relatório
AA propôs ação de condenação com processo declarativo comum contra A..., SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, bem como o valor a liquidar ulteriormente, como indemnização pelos danos não patrimoniais e patrimoniais que vieram a ser apurados.
Alegou, em síntese, que, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar que indica, ocorreu um acidente de viação, o qual se deveu unicamente a culpa do condutor do veículo automóvel onde seguia como passageiro. Sofreu, em consequência, um conjunto de danos patrimoniais e não patrimoniais, que descreve, cuja indemnização quantifica em €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) - correspondendo o valor de €50.000,00 à compensação por danos não patrimoniais e o valor de €100.000,00 à indemnização dos danos patrimoniais futuros - sem prejuízo da indemnização a liquidar ulteriormente relativa a outros danos morais e patrimoniais que eventualmente venham a ser apurados.
Conclui que a ré é responsável por tais indemnizações, enquanto seguradora daquele veículo.
Alega que, de imediato, assumiu a responsabilidade por todos os tratamentos de que o autor careceu, com vista à sua recuperação, até à data da alta. Acontece que apenas passou a seguir o autor a partir de finais de dezembro de 2017, razão pela qual não conhece todos os tratamentos que foram ministrados ao autor até essa data, assim como ignora os exatos períodos durante os quais o Autor se fez locomover de cadeira de rodas e a partir de quando passou a utilizar canadianas (embora aceite a utilização dessas ajudas). Impugna os montantes indemnizatórios peticionados por entender que os mesmos são manifestamente exagerados.
Terminou requerendo a intervenção principal provocada de BB, condutor do veículo causador do acidente, aduzindo que satisfeita a indemnização, terá direito de regresso contra este condutor, uma vez que, na altura, conduzia o mencionado veículo sendo portador de TAS de 1,71, g/l e inexistem dúvidas de que o acidente se ficou a dever à condução do chamado, cuja capacidade se encontrava afetada e reduzida pela ingestão excessiva de álcool.
Citada a parte acessória, veio o mesmo defender-se por exceção, invocando a prescrição do direito do autor, e por impugnação especificada, incluindo quanto à própria dinâmica do acidente.
Atentos os fundamentos “supra” explanados, este Tribunal decide:
Julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada, e consequentemente,
1.1. condenar a Ré A..., S.A. a pagar ao autor AA, a título de indemnização a quantia global de 65.000,00 €, sobre a qual incidem juros de civis de mora à taxa legal de 4%, contados desde a data da presente decisão até efetivo e integral pagamento e do montante a liquidar (art. 609º, nº 2, do Código de Processo Civil) correspondente aos gastos que o Autor terá a título de ajudas permanentes nomeadamente ajudas medicamentosas como analgésicos, anti-inflamatórios e tratamentos médicos regulares como fisioterapia.
1.2. Absolver a Ré do demais peticionado.
1.3. Condenar Autor e Ré, no pagamento das custas, cuja responsabilidade se fixa na proporção do decaimento do pedido [cfr. artigo 527.º, números 1 e 2 do Código de Processo Civil.
(…).
(…).
I. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i. A impugnação da matéria de facto considerada na sentença recorrida;
ii. Que indemnização fixar ao autor para reparação do dano biológico/perda da capacidade aquisitiva.
iii. Que indemnização fixar ao autor para reparação do dano não patrimonial.
iv. Se deve a ré ser condenada a ré a satisfazer ao autor uma indemnização por danos futuros, de natureza patrimonial e não patrimonial, em virtude do previsível agravamento das sequelas de que ficou a padecer;
A sentença considerou provados os seguintes factos:
1- O Autor era, em 20 de Outubro de 2017, o passageiro do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca Opel, modelo Corsa-B, com a matrícula ..-..-GZ (adiante designado por GZ), conduzido por BB, sendo o proprietário CC.
2 - A Ré era, naquela data (anteriormente denominada Tranquilidade), a seguradora para a qual, o citado CC, tinha transferido, mediante a apólice Nº ...63, a respetiva responsabilidade pelos danos causados a terceiros com o seu veículo automóvel, o mencionado GZ.
3 – No dia 20 de Outubro de 2017, cerca das 01:45 horas, na Alameda ..., na União das Freguesias ... ..., ..., ... e ..., no Município ..., desta comarca, ocorreu um acidente de viação.
4 - O Autor era passageiro no GZ, no banco da frente conhecido pelo “lugar do pendura”, conduzido por BB.
5 - No local do acidente a estrada configura uma curva.
6 - O piso era em asfalto, em razoável estado de conservação.
7 - Atento o sentido de marcha do GZ, a estrada tem duas vias de trânsito.
8 - A velocidade máxima permitida é de 50 km/hora, dentro de uma localidade.
9 - Nas circunstâncias de tempo e local atrás descritas, o condutor do veículo seguro na Ré seguia a velocidade superior a 50 km/hora, desatento à sua condução, perdeu o controlo do GZ, percorrendo 13,80 metros em despiste e embateu de frente numa árvore.
10 - O veículo GZ circulava na Alameda ..., no sentido de Sul para Norte e antes de chegar à Praça ..., ao descrever a curva para a direita, desviou a trajetória para a esquerda, indo colidir violentamente e de forma frontal numa árvore de médio porte localizada no separador central.
11 - A PSP foi chamada ao local e elaborou a Participação de Acidente de Viação.
12 - O embate do GZ na árvore foi de tal modo violento e inesperado que o veículo ficou inutilizado, tendo o Autor embatido com os membros superiores e inferiores no painel e projetado a cabeça para a frente com violência.
13 - Em consequência do acidente, o Autor sofreu traumatismos do membro superior esquerdo e anca esquerda.
14 - No dia do acidente, foi levado de ambulância pelo INEM para o Centro Hospitalar e Universitário ..., onde foi submetido a exames imagiológicos, sendo realizadas limpeza, desinfeção e sutura dos ferimentos sofridos nos membros, tendo ainda sido colocada tração cutânea de 3Kg no membro inferior esquerdo.
15 - Ali permaneceu internado durante cinco dias, findos os quais foi transferido para o Hospital ... em ..., por ser o da residência.
16 - Neste Hospital em ... foi submetido a colocação de tração do membro inferior esquerdo por fixador externo em 25-10-2017.
17 - Sendo posteriormente submetido a redução aberta de fratura do acetábulo transversa e da parede posterior, com osteossíntese com placa e parafusos no dia 30-10-2017.
18 - No dia 24-11-2017 foi submetido a cirurgia artroscópica da anca esquerda para retirada de um fragmento/corpo livre intra-articular após a fratura do acetábulo esquerdo.
19 - Foi conferida alta médica hospitalar ao Autor em 27-11-2017, orientado para Consulta Externa de Ortopedia.
20 – Na Consulta Externa de Ortopedia foi-lhe prescrita a necessidade de fazer um mês de tratamentos com uma medicação injetável por causa das calcificações que lhe começaram a aparecer na anca e fazer o acompanhamento em consulta sempre com imagiologia (RX da anca) para vigilância da evolução das sequelas.
21 - Aquando da alta hospitalar, saiu do Hospital ... em cadeira de rodas para o auxiliar nas deslocações, tendo necessidade de a usar até Março de 2018.
22 - Passando depois para o uso de canadianas até Junho de 2018.
23 - A partir de Dezembro de 2017 foi acompanhado clinicamente pelos serviços médicos de ortopedia da Ré, que lhe prescreveram tratamentos de recuperação de fisioterapia e hidroterapia, que manteve até finais de Novembro de 2018, cinco dias por semana.
24 - Entretanto, em 19 de Março de 2019 os serviços médicos da Ré entenderam conferir alta médica ao Autor.
25 - Desde a data do acidente em causa (20/10/2017) até à atribuição da alta médica pelos serviços clínicos da Ré (19/03/2019), perfaz um total de 516 dias de internamentos, tratamentos e consultas médicas.
26 - Apesar dos tratamentos a que se submeteu, o Autor ficou com as seguintes sequelas:
a) Dificuldades para a marcha durante distâncias superiores a 100 metros, por causa das dores a nível da anca esquerda;
b) Dificuldades em permanecer períodos de tempo superiores a 1 hora em posição sentada, por causa das dores a nível da anca esquerda;
c) Dificuldades em subir e descer escadas e rampas, assim como para deslocar-se em terrenos irregulares, devido às dores na anca esquerda;
d) Dificuldades em conduzir veículos por períodos longos, também devido às dores na anca esquerda, evitando conduzir por mais que uma hora seguida;
e) Cicatriz linear no membro superior direito com 4 cm de comprimento, localizada no terço superior da face posterior do antebraço, não dolorosa à apalpação e não aderente aos planos subjacentes;
f) Cicatriz linear no membro superior esquerdo com 8 cm de comprimento, localizada no terço superior da face posterior do antebraço, não dolorosa à apalpação e não aderente aos planos subjacentes;
g) No membro inferior esquerdo:
ga) Cicatriz grosseiramente linear, de tipo cirúrgico, com 37 cm de comprimento, localizada a nível da região nadegueira esquerda e face lateral da anca, não dolorosa à apalpação e não aderente aos planos subjacentes;
gb) Dois vestígios cicatrizes arredondadas com 1 cm de diâmetro, um de cada lado da região rotuliana;
gc) Cicatriz linear com 2 cm de comprimento, localizada imediatamente abaixo do pólo inferior da rótula, não dolorosa à apalpação e não aderente aos planos subjacentes;
gd) Cicatriz linear com 7 cm de comprimento, localizada na transição entre o terço médio e o terço inferior da face anterior da perna, não dolorosa à apalpação e não aderente aos planos subjacentes;
ge) Limitação dolorosa da mobilidade articular activa da articulação coxo-femural para os movimentos de abdução (faz até 45º), flexão (faz até 120º) e extensão (faz até 15º), que se encontram limitados comparativamente à articulação homóloga contralateral, em bora preservados dentro do arco funcional de mobilidade;
gf) Ligeira amiotrofia da coxa (Esq:51 cm; Dta: 52 cm), medida 10 cm acima do pólo superior da rótula, com força muscular diminuída (4-5/5) comparativamente ao lado homólogo contralateral.
gh) Marcha ligeiramente claudicante;
27 - Lesões e sequelas que lhe provocaram um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos.
28 - O Autor apresenta ainda um quantum doloris grau 5 numa escala de 1 a 7.
29 - O Autor apresenta um dano estético permanente grau 4 na mesma escala.
30 - Com repercussões das atividades desportivas e lazer no grau 4 na citada escala.
31 – A Ré reconheceu e assumiu a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente, procedendo à abertura do processo nº ...20 e assumindo as despesas com os tratamentos médicos do Autor decorrentes do acidente em apreço.
32 - À data do acidente, o Autor tinha 25 anos de idade; nasceu em ../../1992.
33 - Era um jovem estudante do ensino universitário, dinâmico, alegre, gozava de boa saúde e sem qualquer deficiência motora ou estética.
34 - As lesões físicas decorrentes do acidente provocaram no Autor uma acentuada diminuição da sua produtividade nas atividades profissionais pois cansa-se com mais frequência, tendo que fazer mais pausas durante a actividade profissional, demorando mais tempo a terminar o serviço o que lhe provoca profunda tristeza e grande irritabilidade, sobretudo para um homem (como o Autor), que antes do acidente, era perfeitamente saudável.
35 - Em virtude das graves lesões sofridas por força do acidente de que foi vítima, o Autor sofreu dores terríveis.
36 - Sofreu, ainda, forte abalo psíquico decorrente de se ver gravemente acidentado e de, durante a ocorrência do acidente e após o mesmo, pelo menos, chegou a recear perder algum membro do seu corpo, nomeadamente a perna esquerda.
37 - Esteve sujeito a períodos de internamento hospitalar durante os quais teve que deixar de frequentar as aulas e se viu privado da companhia assídua de familiares, dos amigos e, ainda, de desfrutar das atividades de recreio e lazer a que estava habituado.
38 - Ainda nos dias de hoje e em consequência do aludido acidente, o Autor deixou de praticar as atividades como fazia antes do sinistro, nomeadamente passeios de bicicleta, corridas e jogos de basquetebol com os amigos.
39 - Sentindo muitas dificuldades na condução de qualquer veículo.
40 - Factos estes que também lhe provocam profunda tristeza e inibição e dificuldades de relacionamento com as pessoas saudáveis da sua idade.
41 - O Autor foi submetido a intervenções cirúrgicas, com anestesia geral, perdas de sangue, dolorosos e numerosos tratamentos intensivos, incómodos e prolongados.
42 - Foi sujeito a aplicações de próteses, que se manterão por toda a vida.
43 - Esteve meses totalmente imobilizado, em repouso.
44 - Ficou com várias cicatrizes, o que é muito inibidor para o Autor relativamente ao uso de vestuário.
45 - Nos dias de mudança de tempo, tem muitas dores nos membros inferiores.
46 - O acidente relatado nos autos e sobretudo as consequências que dele resultaram para o Autor, afetou a sua saúde, que passou a ter grande irritabilidade.
47 - À data do acidente, o Autor era estudante no 1º ano da Licenciatura ... na Universidade de Coimbra.
48 - O acidente e as sequelas que dele resultaram para o Autor, obrigaram-no a interromper a licenciatura, pois, foi, além do mais, transferido para o Hospital ....
49 - Em Fevereiro de 2018 tentou retomar o Curso, transferindo até os tratamentos de fisioterapia para a cidade de Coimbra, procurando conciliar estes com as aulas na Universidade.
50 - Porém, não conseguiu acompanhar o ano letivo com aproveitamento, pois os tratamentos médicos retiravam-lhe muito tempo para os estudos, e também por causa das dores permanentes que sofria, o que limitavam profundamente as suas atividades letivas, até porque o Curso tem uma vertente muito prática e era grande a incapacidade do Autor em permanecer sentado e em pé, por causa das dores.
51 – O autor abandonou a sua formação académica e considerando o tempo decorrido desde o acidente, o facto de ser uma pessoa de parcos recursos económicos e a necessidade de obter rendimentos para fazer face às suas necessidades básicas, levaram-no a procurar emprego.
52 - Tendo conseguido, além do mais, empregar-se na empresa B... onde exerceu as funções próprias da categoria de operário especializado de terceira, cabendo-lhe inspecionar cabos para veículos elétricos, auferindo como vencimento base o salário mínimo nacional, acrescido de subsídio noturno, no montante total de € 818,04.
53 – As sequelas descritas em 26) em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
54 – O Autor padece de dependências permanentes de ajudas, nomeadamente, designadamente ajudas medicamentosas como analgesia/anti-inflamatórios e tratamentos médicos regulares tais como fisioterapia.
55 – No relatório da perícia médica legal realizada nos autos, a Perita fez constar na página 11 o seguinte “É para notar, no entanto, que na situação em apreço é de perspectivar a existência de dano futuro (considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico), o que pode obrigar a uma futura revisão do caso, nomeadamente, a possibilidade de coxartrose pós-traumática precoce da anca esquerda, cuja evolução deverá ser regularmente acompanhada, sendo de prever a necessidade de tratamentos (conservadores e/ou cirúrgicos), os quais deverão ser ajustados conforme a necessidade real no momento de cada avaliação”. Mais ali se fez constar em sede de conclusões “défice funcional permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos, sendo de admitir a existência de Dano Futuro”.
56 – O período de Défice Funcional Temporário Total é fixável num período de 39 dias.
57 – O período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável num período de 477 dias.
58 – A Repercussão Permanente na Actividade Sexual é fixável num grau 4/7.
59 - Aquando do acidente dos presentes autos, BB tripulava o veículo GZ em excessivo estado de embriaguez, tendo acusado uma TAS de 2,33 gramas de álcool por litro de sangue (através de teste qualitativo ao ar expirado), realizado pelas 3h45m, tendo sido feita colheita de sangue pelas 03h55, a fim de confirmar o resultado do teste.
60 - Dessa colheita, resultou que o condutor do GZ se encontrava com uma TAS de 1,71, g/l +- 0,22 g/l.
61 – A curva descrita em 5) é pouco acentuada.
62 – Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1) a 10), em virtude do descrito em 59) e 60), a perda de controlo do veículo pelo seu condutor, em plena reta, numa via sem trânsito, com boa visibilidade e na entrada de uma curva pouco acentuada para a direita, deveu-se à condução do Chamado, cuja capacidade se encontrava afectada e reduzida pela ingestão excessiva de álcool, que lhe causou perda de reflexos, perda de capacidade de raciocínio, perda de de capacidade de concentração, diminuição do campo de visibilidade, para além de estado de euforia e falta de noção de perigo.
63 – O descrito em 62) determinou que o Chamado imprimisse uma velocidade ao veículo, não concretamente apurada mas superior a 50 km/h, e que, ao invés de virar o volante para a direita à aproximação da curva, seguisse em frente, penetrando no separador central ajardinado existente e fosse embater, de frente, numa árvore, provocando os avultados danos no veículo.
64 – Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1), já o A afirmava que o curso não era o que queria e pensava em abandonar.
a) O Autor apresenta as seguintes dificuldades e sequelas: marcha claudicante.
b) As lesões e sequelas descritas em 26) dos Factos Provados provocaram-lhe um Défice funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em pelo menos 8 pontos.
c) que o descrito em 34) dos Factos provados se verificou relativamente a actividades formativas.
d) durante a ocorrência do acidente e após o mesmo, pelo menos, chegou a recear perder a vida;
e) em consequência do descrito em 1) a 26) dos Factos provados, o Autor passou a ter insónias, dificuldades em dormir, pesadelos.
f) À data do acidente, o Autor era estudante no 2º ano da Licenciatura ... na Universidade de Coimbra.
g) as limitações físicas decorrentes do descrito em 1) a 26) dos Factos provados levaram o Autor a abandonar a sua formação académica, optando por, em primeiro lugar, recuperar das lesões físicas decorrentes do acidente.
h) as lesões físicas decorrentes do acidente, impedem o Autor de subir de categoria profissional, o que lhe permitiria auferir um salário mais elevado, passando, assim, a ser ultrapassado por colegas de trabalho, que, não obstante estarem há menos tempo a exercer a mesma profissão, são saudáveis e com as suas capacidades físicas plenas.
i) As lesões físicas causadas pelo acidente ao Autor, têm vindo a agravar-se desde então.
j) O Autor necessitará ainda de fazer uma ou mais operações plásticas para eliminar as cicatrizes de que passou a padecer em consequência também do acidente.
k) no futuro, o Autor irá ainda necessitar de tratamento cirúrgico, desde logo para substituir as próteses que foram introduzidas nas duas cirurgias, o que obrigará o Autor a submeter-se a períodos de internamento hospitalar, medicação e tratamento médico e necessariamente à aquisição de medicamentos, próteses e eventualmente de canadianas (ou até cadeira de rodas) para se movimentar. Quando se concretizar este tratamento cirúrgico, o Autor será sujeito a um período de repouso total, de baixa médica, vindo a estar impossibilitado de trabalhar o que implicará perdas salariais.
l) Nas circunstâncias descritas em 62) e 63) dos Factos provados, o Chamado imprimisse ao veículo velocidade superior a 90 kms horários.
m) o descrito em 12) dos Factos provados derivou de o Autor ter retirado o cinto de segurança.
(…).
O autor/recorrente pede que a indemnização por danos patrimoniais, com referência ao dano biológico sofrido, seja fixada em montante não inferior a €100.000,00 e que a compensação por danos não patrimoniais seja liquidada no valor de €50.000,00, por considerar manifestamente exíguos, face à amplitude dos danos sofridos e às sequelas que ficou a padecer, os valores que foram arbitrados na sentença (€30.000,00 e €35,000.00, respetivamente).
A ré, também apelante, pugna, ao invés, pela fixação da indemnização do dano biológico, na sua vertente patrimonial, no valor de €20.000,00 e pela liquidação da compensação por danos não danos patrimoniais no valor de €28.000,00, defendendo que os montantes fixados na sentença são desadequados, por excessivos, designadamente face aos valores que, em situações semelhantes, têm vindo a ser arbitrados pelos tribunais portugueses.
Vejamos então.
É inquestionada a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do acidente, transferida para a ré em razão do contrato de seguro mencionado no ponto 2) supra, pelo que cabe apenas reapreciar os valores a fixar a título de indemnização/compensação pelo “dano biológico” sofrido pelo autor, não apenas enquanto dano patrimonial futuro, mas também na sua perspetiva não patrimonial.
Relativamente à problemática da reparação dos danos patrimoniais derivados de uma situação de incapacidade permanente, tem vindo a ser entendido pela doutrina e pela jurisprudência que há lugar ao arbitramento de indemnização, por danos patrimoniais, independentemente de não se ter provado que lesado, por força de uma incapacidade permanente parcial que sofreu, tenha vindo ou venha a suportar qualquer diminuição dos seus proventos conjeturais futuros, isto é, uma diminuição da sua capacidade geral de ganho, considerando-se, designadamente, que a incapacidade permanente parcial é um dano patrimonial indemnizável, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto a resistência e capacidade de esforços.
A incapacidade permanente parcial produz um dano patrimonial, traduzido no agravamento da penosidade para a execução, com normalidade e regularidade, das tarefas próprias e habituais da atividade profissional do lesado, que se repercutirá em diminuição da condição e capacidade física e da resistência para a realização de certas atividades e correspondente necessidade de um esforço suplementar, o que em última análise representa uma deficiente e imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades humanas em geral e um maior dispêndio e desgaste físico e psíquico[1].
Como se afirma no acórdão desta Relação de 21 de maio de 2024[2], “(…) esta afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho efectiva, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado e, especificamente da sua actividade laboral, quer diminuindo as alternativas de trabalho que lhe seriam possíveis, quer por diminuírem as possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a execução do seu trabalho”.
No mesmo sentido, diz-se no Ac. do STJ de 21/03/13[3], “saber se está em causa apenas uma perda de capacidades para o exercício de futuras e diversas actividades susceptíveis de serem exercidas pelo lesado ou se, independentemente da existência de um qualquer grau de incapacidade, da lesão resulta previsivelmente perda de oportunidades profissionais; ou saber se a perda de capacidades implica penosidade para o desempenho de qualquer actividade ou apenas de algumas: estamos sempre, em todas essas situações, a ponderar perdas patrimoniais futuras, relevando a diferença concreta de tais situações para a fixação equitativa do montante de indemnização que, por conseguinte, não deixa de ressarcir um dano futuro previsível à luz do art. 564º, nº2, do Cód. Civil (...). Se a perda implica apenas penosidade para certas actividades, mais uma vez se nos depara a questão de saber se a indemnização deve ser fixada - considerada a perda de possibilidade ou oportunidade profissional – ou se, pelo contrário, não deve ser atribuída. Cremos que em tal caso, uma não atribuição, a título de dano patrimonial, só se justifica em circunstâncias muito particulares, designadamente, quando a actividade inviabilizada ou dificultada seja uma actividade que o lesado à luz do critério legal da previsibilidade (art. 564º, nº2, do Cód. Civil), não iria exercer. Nestes casos, a indemnização seria devida a título de dano moral”. (…) Não havendo uma redução retributiva, o trabalhador tem, no entanto, uma redução real porque a penosidade do trabalho é maior e, por conseguinte, o trabalhador tem de trabalhar mais – e trabalhar com mais esforço é trabalhar mais – para receber o mesmo.”.
Para o cálculo da indemnização pela vertente patrimonial de tal dano – sobre a qual agora nos debruçamos – a lei não traça um critério definido.
Há assim que recorrer à equidade, como previsto no art.º 566º, nº3 do Código Civil.
Como critério auxiliar ou orientador daquele critério da equidade, a jurisprudência tem vindo a utilizar fórmulas matemáticas/tabelas financeiras para calcular um quantitativo indemnizatório que traduza o capital de que o lesado se veja privado para o futuro em virtude do défice funcional sofrido[4].
Refere o Acórdão do STJ. de 22/09/05[5] que “(t)êm sido utilizadas para o efeito, no âmbito da jurisprudência, fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério tanto quanto possível uniforme. As referidas fórmulas não se conformam porém, com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, pelo que devem ser entendidas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta. Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora com a inerente dificuldade de cálculo, naturalmente com a ampla utilização de juízos de equidade. A partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso. (...) Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit, com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito, dos valores resultantes de cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental. No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa.”
Concorda-se com o expendido neste acórdão, pois apesar de tais fórmulas matemáticas poderem ser utilizadas como instrumentos de cálculo meramente auxiliares, não devem retirar aplicabilidade ao critério legal, sobrepondo-se àquele citério fundamental, de fonte legal, que é a equidade.
A sentença recorrida, para além de fazer alusão a um conjunto de decisões dos nosso tribunais superiores que se pronunciaram sobre situações mais ou menos análogas àquela que está em causa nestes autos, identificou, de forma genérica, como critérios a ponderar da determinação equitativa da indemnização deste dano, a idade do lesado, sua esperança média de vida, o grau de incapacidade geral permanente que lhe foi fixado, “as potencialidades de ganho e de aumento, antes da lesão, tanto as da profissão habitual, como em profissão ou atividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pela sua competência”, mais fazendo alusão a que, no caso, à data do acidente, o autor era estudante, concluindo que o valor indemnizatório mais ajustado para ressarcir o dano em causa, de acordo com a equidade, seria o de €30.000,00.
Como vimos, deste valor discordam tanto o recorrente autor, como a recorrente ré, pelo que cumpre aferir a correção da decisão da primeira instância na parte em que fixou a mencionada indemnização do dano biológico, na vertente patrimonial.
Dir-se-á que, na situação que nos ocupa, tendo presentes os parâmetros supra descritos, relativos à determinação do quantitativo de indemnização por danos patrimoniais derivados de uma situação de incapacidade permanente, nos casos em que esta não se traduza numa perda efetiva de rendimentos do trabalho, importa, desde logo, ter em conta a idade do lesado à data da sua alta médica por parte dos serviços clínicos da ré (pois é a partir desta que ficou definido o défice funcional), que no caso são 26 anos de idade [na medida em que aquela data ocorre a 19 de março de 2019 e o autor nasceu em ../../1992 (nºs 25 e 32 dos factos provados)].
Este será o ponto de partida para se determine a sua esperança média de vida.
De facto, como se diz no acórdão do STJ de 12/1/2022[6], deve-se atender “à esperança média de vida do lesado e não à sua previsível idade de reforma, na medida em que a afectação da capacidade geral tem repercussões negativas ao longo da vida do lesado, tanto directas como indirectas”.
A esperança média de vida para os homens, segundo dados da Pordata (estatísticas sobre Portugal e Europa – vide www.pordata.pt), era, em 2019, de 78,1 anos.
Assim, face aos 26 anos que o autor tinha aquando daquela consolidação médico-legal das lesões e os 78,1 anos de esperança média de vida, há que considerar o período de 52 anos.
Por outro lado, deve considerar-se o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos percentuais de que o autor passou a sofrer.
A ter em conta também será o valor do salário médio mensal nacional dos trabalhadores por conta de outrem por referência ao ano da consolidação médico-legal das lesões, no caso o ano de 2019, o qual, segundo dados da “Pordata” (site supra referido), era de 1.005,10 € – isto no pressuposto da consideração de que, ao tempo do acidente e também à data da consolidação das lesões, o lesado era estudante e que não apurou que, com referência a essa data, estivesse já empregado por conta de outrem ou auferisse qualquer salário (cf. factos 48º a 51)
Como se refere Acórdão do STJ de 6 de fevereiro de 2024[7], “(t)ratando-se de calcular um quantitativo indemnizatório que traduza o capital de que o lesado se veja privado para o futuro em virtude do défice funcional sofrido, para tal há que ter em conta o período de tempo que, considerando a idade do lesado aquando da data da consolidação médico-legal das lesões (pois é a partir desta que fica definido o défice funcional), tem em conta a sua esperança média de vida, e a consideração do salário médio mensal nacional dos trabalhadores por conta de outrem por referência ao ano da consolidação médico-legal das lesões, isto no caso de o lesado ser estudante, pois neste caso não existe qualquer elemento que indicie que o mesmo se iria situar no patamar mais baixo de uma carreira profissional ou que iria conformar-se com o recebimento do salário que qualquer empresa é obrigada a pagar independentemente das habilitações ou da profissão exercida pelo trabalhador”.
Na sequência da consideração do salário médio mensal referido no item anterior, que dele resulta um valor anual de €14.071,40 (1005,10 x 14).
Considerando o montante de perda de rendimento anual correspondente ao seu défice funcional, com base no referido salário médio mensal, que ascende a €703,70 (€14.071,40 x 5%), e os acima referidos 52 anos (atinentes à concreta esperança média de vida do autor), encontra-se o valor de capital de €36.592,40 (703,7€ x 52 anos).
Tendo em atenção o facto de o autor obter de imediato este capital como rendimento disponível será assim aplicável um fator de correção pela entrega e disponibilização imediata do capital, em proporção que varia entre 20% e 25%[8].
No caso, atenta a idade do lesado, entendemos dever ser deduzida a referida percentagem de 20%, chega-se ao valor final de €29.273,93, que se arredonda para o valor de €30.000,00, coincidente com aquele que foi fixado na sentença recorrida.
Concluímos assim, ter sido corretamente fixada pela primeira instância o montante indemnizatório por danos patrimoniais futuros, na vertente do dano biológico.
Quanto à culpa do condutor do veículo segurado, onde o lesado seguia como passageiro, é manifesto que esta foi muito grave. Com efeito, este condutor encontrava-se com uma taxa de álcool no sangue de 1,71 g/lt, seguia em velocidade excessiva para o local e, em razão da diminuição do seu estado de concentração e dos seus reflexos, perdeu controle do veículo. Por isso, ao aproximar-se de uma curva à direita, seguiu em frente, penetrando no separador central, e foi embater contra uma árvore.
Por seu turno, à data do acidente, o autor tinha 25 anos de idade – tem hoje, 33 anos – era um jovem estudante do ensino universitário, dinâmico, alegre, gozava de boa saúde e sem qualquer deficiência motora ou estética.
Como consequência direta e necessária do embate:
- O Autor sofreu traumatismos do membro superior esquerdo e anca esquerda;
- No dia do acidente, foi levado de ambulância pelo INEM para o Centro Hospitalar e Universitário ..., onde foi submetido a exames imagiológicos, sendo realizadas limpeza, desinfeção e sutura dos ferimentos sofridos nos membros, tendo ainda sido colocada tração cutânea de 3Kg no membro inferior esquerdo;
- Ali permaneceu internado durante cinco dias, findos os quais foi transferido para o Hospital ... em ..., por ser o da residência.
- Neste Hospital em ... foi submetido a colocação de tração do membro inferior esquerdo por fixador externo em 25-10-2017.
- Sendo posteriormente submetido a redução aberta de fratura do acetábulo transversa e da parede posterior, com osteossíntese com placa e parafusos no dia 30-10-2017.
- No dia 24-11-2017, foi submetido a cirurgia artroscópica da anca esquerda para retirada de um fragmento/corpo livre intra-articular após a fratura do acetábulo esquerdo.
- Foi-lhe conferida alta médica hospitalar em 27-11-2017, após o que foi orientado para consulta externa de ortopedia.
- Na consulta externa de ortopedia foi-lhe prescrita a necessidade de fazer um mês de tratamentos com uma medicação injetável por causa das calcificações que lhe começaram a aparecer na anca e fazer o acompanhamento em consulta sempre com imagiologia (RX da anca) para vigilância da evolução das sequelas.
- Aquando da alta hospitalar, saiu do Hospital ... em cadeira de rodas para o auxiliar nas deslocações, tendo necessidade de a usar até março de 2018.
- Passando depois para o uso de canadianas até junho de 2018.
- A partir de dezembro de 2017 foi acompanhado clinicamente pelos serviços médicos de ortopedia da ré, que lhe prescreveram tratamentos de recuperação de fisioterapia e hidroterapia, que manteve até finais de novembro de 2018, cinco dias por semana.
- Desde a data do acidente em causa até à atribuição da alta médica pelos serviços clínicos da ré – 19 de março de 2019 - perfaz um total de 516 dias de internamentos, tratamentos e consultas médicas.
- Apesar dos tratamentos a que se submeteu, o autor ficou com as seguintes sequelas:
a) Dificuldades para a marcha durante distâncias superiores a 100 metros, por causa das dores a nível da anca esquerda;
b) Dificuldades em permanecer períodos de tempo superiores a 1 hora em posição sentada, por causa das dores a nível da anca esquerda;
c) Dificuldades em subir e descer escadas e rampas, assim como para deslocar-se em terrenos irregulares, devido às dores na anca esquerda;
d) Dificuldades em conduzir veículos por períodos longos, também devido às dores na anca esquerda, evitando conduzir por mais que uma hora seguida;
e) Cicatriz linear no membro superior direito com 4 cm de comprimento, localizada no terço superior da face posterior do antebraço, não dolorosa à apalpação e não aderente aos planos subjacentes;
f) Cicatriz linear no membro superior esquerdo com 8 cm de comprimento, localizada no terço superior da face posterior do antebraço, não dolorosa à apalpação e não aderente aos planos subjacentes;
g) No membro inferior esquerdo:
ga) Cicatriz grosseiramente linear, de tipo cirúrgico, com 37 cm de comprimento, localizada a nível da região nadegueira esquerda e face lateral da anca, não dolorosa à apalpação e não aderente aos planos subjacentes;
gb) Dois vestígios cicatrizes arredondadas com 1 cm de diâmetro, um de cada lado da região rotuliana;
gc) Cicatriz linear com 2 cm de comprimento, localizada imediatamente abaixo do pólo inferior da rótula, não dolorosa à apalpação e não aderente aos planos subjacentes;
gd) Cicatriz linear com 7 cm de comprimento, localizada na transição entre o terço médio e o terço inferior da face anterior da perna, não dolorosa à apalpação e não aderente aos planos subjacentes;
ge) Limitação dolorosa da mobilidade articular activa da articulação coxo-femural para os movimentos de abdução (faz até 45º), flexão (faz até 120º) e extensão (faz até 15º), que se encontram limitados comparativamente à articulação homóloga contralateral, em bora preservados dentro do arco funcional de mobilidade;
gf) Ligeira amiotrofia da coxa (Esq:51 cm; Dta: 52 cm), medida 10 cm acima do pólo superior da rótula, com força muscular diminuída (4-5/5) comparativamente ao lado homólogo contralateral.
gh) Marcha ligeiramente claudicante;
- Tais lesões e sequelas provocaram-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos.
- Tais sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
- Apresenta dificuldades para a marcha durante distâncias superiores a 100 metros, por causa das dores a nível da anca esquerda; dificuldades em permanecer períodos de tempo superiores a 1 hora em posição sentada, por causa das dores a nível da anca esquerda; dificuldades em subir e descer escadas e rampas, assim como para deslocar-se em terrenos irregulares, devido às dores na anca esquerda; dificuldades em conduzir veículos por períodos longos, também devido às dores na anca esquerda, evitando conduzir por mais que uma hora seguida.
- As lesões físicas decorrentes do acidente provocaram no autor uma acentuada diminuição da sua produtividade nas atividades profissionais pois cansa-se com mais frequência, tendo que fazer mais pausas durante a atividade profissional, demorando mais tempo a terminar o serviço o que lhe provoca profunda tristeza e grande irritabilidade, sobretudo para um homem (como o autor), que antes do acidente, era perfeitamente saudável.
- Em virtude das lesões sofridas por força do acidente de que foi vítima, o Autor sofreu dores correspondentes a um quantum doloris grau 5 numa escala de 1 a 7.
- Em consequência das lesões respetivas sequelas ficou a padecer de um dano estético permanente de grau 4 na mesma escala.
- Em consequência do aludido acidente, o autor deixou de praticar as atividades como fazia antes do sinistro, nomeadamente passeios de bicicleta, corridas e jogos de basquetebol com os amigos.
- Sente muitas dificuldades na condução de qualquer veículo.
- Factos estes que também lhe provocam profunda tristeza e inibição e dificuldades de relacionamento com as pessoas saudáveis da sua idade.
- As sequelas de que ficou a padecer têm repercussões das atividades desportivas e lazer quantificáveis no grau 4 na citada escala;
- As sequelas de que ficou a padecer repercutem-se na sua atividade sexual num grau 4 numa escala de 7 graus.
- O período de Défice Funcional Temporário Total é fixável num período de 39 dias.
- O período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável num período de 477 dias.
- O período de repercussão temporária da atividade profissional total é de 516 dias.
- Sofreu, ainda, forte abalo psíquico decorrente de se ver gravemente acidentado e de, durante a ocorrência do acidente e após o mesmo, pelo menos, chegou a recear perder algum membro do seu corpo, nomeadamente a perna esquerda.
- Esteve sujeito a períodos de internamento hospitalar durante os quais teve que deixar de frequentar as aulas e se viu privado da companhia assídua de familiares, dos amigos e, ainda, de desfrutar das atividades de recreio e lazer a que estava habituado.
- Foi submetido a intervenções cirúrgicas, com anestesia geral, perdas de sangue, dolorosos e numerosos tratamentos intensivos, incómodos e prolongados.
- Foi sujeito a aplicações de próteses, que se manterão por toda a vida.
- Esteve meses totalmente imobilizado, em repouso.
- Nos dias de mudança de tempo, tem muitas dores nos membros inferiores.
- Em consequência do acidente passou a ter grande irritabilidade.
- O acidente e as sequelas que dele resultaram para o autor, obrigaram-no a interromper a licenciatura, pois, foi, além do mais, transferido para o Hospital ....
- Necessitará de ajudas permanentes nomeadamente ajudas medicamentosas como analgésicos, anti-inflamatórios e condroprotetores e de tratamentos médicos regulares como fisioterapia.
Porque, na busca dessa compensação equitativa, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o nº 3 do artigo 8º do Código Civil, podemos destacar, na jurisprudência dos tribunais superiores, sem qualquer preocupação de exaustividade, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, como referenciais e balizas para o caso em apreço:
- Acórdão de 7 de abril de 2016 (Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1): “Resultando dos factos provados que a recorrente, na sequência do acidente de viação, ocorrido em 08-10-2011, que a vitimou: (i) esteve internada durante três semanas, tendo mantido o repouso após a alta hospitalar; (ii) passou a ter incontinência urinária; (iii) as suas lesões estabilizaram em 13-04-2012; (iv) o quantum doloris foi fixado em 4 numa escala de 1 a 7; (v) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; (vi) as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (vii) o dano estético foi fixado em 3 numa escala de 1 a 7; (viii) a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer foi fixada em 1 numa escala de 1 a 7; (ix) sofreu angústia de poder vir a falecer e tornou-se uma pessoa triste, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, nervosa, desgostosa da vida e inibida e diminuída física e esteticamente, quando antes era uma pessoa dinâmica, expedita, diligente, trabalhadora, alegre e confiante, é justa e adequada a fixação da compensação, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 50 000 (e não de € 18 000 como foi fixado pela Relação).
- Acórdão de 12 de dezembro de 2017 (proc. n.º 1185/14.4T8AVR.P1.S1): “V. O dano não patrimonial relacionado com o prejuízo de actividade sexual (grau 5/7), dano estético (grau 6/7) e quantum doloris (grau 6/7), deve ser indemnizado, com recurso à equidade, no valor global de € 50 000”.
– Acórdão do STJ, de 15 de Fevereiro de 2018 (Proc. 4084/07.2TBVFX.L1.S1,: “Provado que, à data do acidente, (i) a autora tinha 56 anos de idade; (ii) em consequência do embate sofreu lesões sobretudo na cabeça e rosto; (iii) sofreu dores de grau 5 e dano estético de grau 4; (iv) sendo as dores persistentes e relevantes, com sequelas e repercussão na sua vida quotidiana, mostra-se adequado o valor indemnizatório fixado pela Relação, de € 35 000, a título de danos não patrimoniais, na vertente de ressarcimento do quantum doloris e do dano estético”.
- Acórdão do STJ de 18 de Janeiro de 2018 (Proc. n.º 223/15.8T8CBR.C1.S1): IV – “Considera-se ajustada, equilibrada e adequada a compensação por danos não patrimoniais fixada pela 1.ª instância (€ 30.000) – não pela Relação (€ 15.000) – considerando (i) a idade da autora, de 22 anos, na data do acidente; (ii) a ocorrência do acidente sem culpa sua; (iii) a gravidade das lesões sofridas, nomeadamente, “fratura cominutiva do calcâneo esquerdo”; (iv) o internamento de 60 dias; (v) as cirurgias e os tratamentos a que a autora foi submetida, com quantum doloris fixável no grau 5/7; (vi) as cicatrizes resultantes das lesões, sofrendo de um dano estético permanente fixável no grau 5/7; (vii) a incomodidade, desgosto e sentimento de inferioridade, do ponto de vista estético, tendo deixado de usar saia e calções; (viii) a impossibilidade de fazer caminhadas e andar bicicleta, que tanto prazer lhe dava; (ix) a angústia em que vive com a hipótese de agravamento das sequelas; (x) as dores que sente desde o acidente e que permanecerão no futuro”.
- Acórdão do STJ de 25.10.2018 (Proc. n.º 2416/16.1T8BRG.G1.S1): indivíduo de 48 anos, quantum doloris de grau 5 numa escala de 1 a 7, dano estético de grau 2 numa escala de 1 a 7, défice funcional da integridade físico-psíquica de 8 pontos impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional- indemnização de € 40.000,00.
– Acórdão do STJ de 19-9-2019 (Proc. 2706/17.6T8BRG.G1.S1): “Não é excessivo o montante de € 32 000,00 a título de danos morais do autor que sofreu dores de grau 4/7; foi submetido a 5 intervenções cirúrgicas; sofreu tratamentos de fisioterapia durante 1 ano e 6 meses; só teve alta médica 1 ano e 10 meses após o acidente; ficou com cicatrizes e deformidades quantificáveis como dano estético permanente de grau 3/7; sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer que habitualmente praticava fixável em 5/7; tinha 35 anos à data do acidente”.
- Acórdão do STJ de 9-05-2023 (Proc. 7509/19.0T8PRT.P1.S1): II.“É adequada a indemnização de € 50 000,00 por danos não patrimoniais de quem foi atropelado numa passadeira de peões, cujas lesões se consolidaram ao fim de um ano, ficando com quatro cicatrizes; com sofrimento físico e psíquico entre o acidente e a consolidação mensurado como de grau 5 numa escala de 7, cujo défice funciona permanente físico foi fixado em 12 pontos, repercutindo-se as sequelas nas atividades de lazer e convívio social que exercia de forma regular em grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente, com dano estético permanente de grau 3 numa escala de 7, sendo previsível o agravamento da artrose pós-traumática do tornozelo”.
Tudo visto, em face do circunstancialismo fáctico apurado neste processo, designadamente, a idade do autor à data do acidente, a experiência traumática que sofreu, a natureza, a gravidade e a extensão das lesões, o período de convalescença, a cirurgia e os tratamentos a que teve de se submeter, o quantum doloris, o dano estético, o grau de repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer e de repercussão na atividade sexual, a circunstância de não ter tido qualquer culpa na eclosão do acidente, e ponderando os casos similares e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência, afigura-se-nos – por recurso à equidade, com observância das circunstâncias especificadas no art.º 496.º do Código Civil – que a compensação fixada na sentença sob recurso peca por defeito, entendendo-se como mais ajustada a compensação global, atualizada à presente data, de €40.000,00 (quarenta mil euros).
Nesta parte, o recurso do autor assentava essencialmente na impugnação da matéria de facto que, como vimos, improcedeu na íntegra.
Diga-se, além do mais, que estamos plenamente de acordo com a decisão recorrida quando, pronunciando-se sobre o item n.º 55 do elenco dos factos provados, conclui que do mesmo se extrai um mero dano eventual, que não cabe na previsão do art. 564º do Código Civil.
Nos termos desta norma, “Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.
Danos futuros são os prejuízos que não produzem efeitos imediatamente após o evento danoso, mas que se manifestam ulteriormente. Trata-se de danos não ainda presentes ao tempo em que é exigida e concedida a reparação, mas que se verificarão seguramente no futuro.
Não se tendo ainda produzido, a sua valoração será efetuada com base em juízos de prognose, mediante um cálculo de verosimilhança ou probabilístico.
A previsibilidade dos danos futuros corresponde a uma probabilidade elevada da sua produção: segundo as regras da experiência, os danos verificar-se-ão. A mera – que não elevada - probabilidade significa apenas que os danos podem tanto verificar-se como não se verificar[11].
Ainda que tecnicamente incorreta a seleção de factos provados por reprodução do conteúdo de uma das conclusões do relatório pericial, a materialidade de facto que se pode extrair da redação daquele ponto 55) será a correspondente ao agravamento futuro das referidas sequelas, com possibilidade de coxartrose pós-traumática precoce da coxa esquerda, sendo de prever a necessidade de tratamentos (conservadores ou cirúrgicos).
Ora, a mera probabilidade de o autor desenvolver coxartrose pós-traumática precoce da anca esquerda (caso em que terá de se submeter a tratamentos que poderão ser conservadores ou cirúrgicos) não demonstra a previsibilidade de tais danos.
Não tem, por isso, lugar a correspondente indemnização, pois não pode antecipar-se a sua ocorrência.
Não sendo os danos futuros previsíveis com segurança bastante, o seu ressarcimento apenas pode ser exigido quando ocorrerem.
Assim, nesta parte, mantém-se a decisão recorrida.
Pelo exposto, acordam os Juízes na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar parcialmente procedente a apelação do autor e totalmente improcedente a apelação da ré e consequentemente fixar a compensação devida ao autor, por danos não patrimoniais, em €40.000,00 (quarenta mil euros), montante que será acrescido de juros de mora vincendos a contar da data deste Acórdão, até integral pagamento, calculados à taxa aplicável aos juros civis, confirmando em tudo o mais a decisão recorrida.
Custas do recurso da ré ficarão a cargo da apelante e as custas do recurso do autor serão suportadas por ambas as partes na proporção do decaimento respetivo (art.º 527, nº1, do Código de Processo Civil).
Coimbra, 14 de outubro de 2025
Hugo Meireles
Francisco Costeira da Rocha
Luís Miguel Caldas
(O presente acórdão segue na sua redação as regras do novo acordo ortográfico, com exceção das citações/transcrições efetuadas que não o sigam)
[1] Confrontar, a título exemplificativo, os acórdãos do STJ de 13.01.2009 (processo 08A3734), , de 25.02.2010 (processo 172/04.5TBOVR.S1), de 20.5.2010 (processo 103/2002.L1.S1), de 26.01.2017-(processo 1862/13.7TBGDM.P1.S1), de 24.5.2018 (processo 7952/09.3TBVNG.P1.S1) e 10.12.2019-(processo 32/14.1TBMTR.G1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Processo n.º 3919/19.1T8LRA.C1, disponível no site www.dgsi.pt.
[3] Processo n.º no Proc. nº 565/10.9TBPVL.S1, disponível no site www.dgsi.pt.
[4] Nomeadamente a descrita no Ac. do S.T.J. de 06/07/00, in C.J.S.T.J., Tomo I, págs.144 e num Estudo de Sousa Dinis publicado na C.J.STJ de 2001, Tomo I, pág.5.
[5] Processo n.º 2686/10.9TBVCT.G1, in www.dgsi.pt
[6] Processo n.º 6158/18.5T8SNT.L1.S1, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, confronte-se ainda o acórdão do STJ de 12/7/2018 (proc. nº1842/15.8T8STR.E1.S1),
[7] Processo n.º2012/19.1T8PNF.P1.S1, in www.dgsi.pt
[8] No sentido desta dedução vide SOARES, Rita Mota, “O dano biológico quando da afectação funcional não resulte perda da capacidade de ganho – o princípio da igualdade”, revista Julgar nº33, Setembro-Dezembro de 2017, pág. 126; também neste sentido vide, entre outros o Ac. do STJ de 10/12/2019, proferido no processo nº proc. nº 32/14.1TBMTR.G1.S1.
[9] Processo 631/23.0T8CTB.C1, desta 3ª Secção, acessível no site da dgsi (www.dgsi.pt)
[10] Processo nº 7509/19.0T8PRT.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[11] Vide Ac. do STJ de 4 de novembro de 2021, processo n.º 590/13.8TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt