CRIME FISCAL
CRIME DE INTRODUÇÃO FRAUDULENTA NO CONSUMO
BUSCAS
APREENSÃO
EXTENSÃO
ACTO URGENTE
PROVA
VALIDADE
AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
DEVER DE COOPERAÇÃO
PENA
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário

I – A circunstância de as diligências de busca e apreensão terem sido motivadas pela investigação, em curso, de um tipo de crime de introdução fraudulenta no consumo (artigo 96.º, n.º 1, alínea b), do RGIT), e em que se encontrava identificado o suspeito, não afeta a validade da apreensão, no decurso das buscas, de prova documental do envolvimento e/ou a suspeita da prática de outro ilícito, aliás conexo com o então investigado, por parte de outra pessoa, que nessa data não era ainda suspeito nem objeto de investigação nos autos.
II – A observação da existência de tais provas, surgida fortuitamente, no decurso das diligências de buscas autorizadas pelas autoridades competentes e nos locais abrangidos pelas autorizações, não podia ser ignorada em virtude de, nessa data, somente ser suspeito uma pessoa já identificada.
III – No cumprimento dos mandados de busca e apreensão, ao deparar-se com a presença de prova material referente a tipo de crime diverso daquele que se encontrava em investigação, ainda que conexo com o mesmo, e envolvendo pessoa até então não investigada, a ATA não devia ignorar o conhecimento de novo ilícito, conforme decorre das normas dos artigos 35.º, n.ºs 1 e 2, 40.º, n.ºs 1, 2 e 4, do RGIT, artigo 3.º, n.º 2, da Lei n.º 49/2008 de 27-08.
IV – Competia ainda à ATA a prática de atos cautelares e urgentes para assegurar a prova, designadamente proceder à apreensão de instrumentos ou objetos relacionados com a prática de crime, mesmo antes de receber ordem da autoridade judiciária competente para proceder a investigação, nos termos do disposto no artigo 249.º do Código de Processo Penal, por força da norma do artigo 37.º do RGIT, sem embargo de tais atos urgentes de apreensão ficarem sujeitos a apreciação e validação posterior por parte da autoridade judiciária competente [vd. artigos 178.º, n.º 5, do Código Processo Penal e artigo 3.º, alínea a), do RGIT].
V – O facto de a notícia do novo crime decorrer de conhecimento fortuito obtido em sede de busca não domiciliária não obsta à valoração da prova assim recolhida, atenta a admissibilidade do recurso a tal meio de obtenção de prova relativamente a qualquer tipo de crime, nos termos dos artigos no artigo 174.º, n.ºs 1, 2 e 3, 176.º e 178.º todos do Código Processo Penal e artigo 3.º, alínea a), do RGIT.
VI – A validade da apreensão de prova documental relativa à atividade ilícita de certa pessoa não investigada, quando efetivada no decurso de busca determinada pela autoridade competente, não é afetada por virtude de a diligência ser direcionada para obtenção de prova de crime diverso, tendo por suspeito pessoa também diversa, sem prejuízo da necessidade de validação posterior pela autoridade competente.
VII – O Acórdão n.º 298/2019 do Tribunal Constitucional refere-se à admissibilidade de aproveitamento e valoração no âmbito de um processo criminal de prova obtida pela autoridade tributária junto do contribuinte, em sede inspetiva, e ao abrigo do dever de cooperação.
VIII – Não têm equivalência à atividade inspetiva da autoridade tributária as diligências investigatórias ordenadas pelo Ministério Público e autorizadas, na parte exigível, pelo Juiz de Instrução Criminal, no âmbito de processo criminal, em que, evidentemente, a recolha da prova não resulta do dever de colaboração do contribuinte.
IX – A ponderação sobre as circunstâncias concretas relevantes para a fixação da pena realizada conjuntamente para todos os arguidos, mas em que se mostram particularizados os fatores individuais de cada um, dando a conhecer plenamente o juízo valorativo que incidiu sobre todos os aspetos com influência na dosimetria da pena correspondente a cada um dos condenados, observa inteiramente a exigência legal de fundamentação da pena, especificando os motivos subjacentes à medida da pena imposta [cf. artigos 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º1, do Código Processo Penal], pelo que carece de fundamento a arguição de nulidade nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código Processo Penal.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Processo: 2/20.0AEPRT.P1

Relatora: Maria dos Prazeres Silva

1.º Adjunto: William Themudo Gilman

2.ª Adjunta: Maria João Lopes

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO

1. Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, por Acórdão de 9 de dezembro de 2024 (Referência: 466556778) foi decidido, entre o mais, o seguinte:

i.Condenar o arguido AA, pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificado, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2, alínea b), ambos do RGIT, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 5 (cinco) anos subordinada à condição de o arguido pagar ao Estado, no mesmo período, a vantagem patrimonial por si obtida no montante de €62.277,66 (sessenta e dois mil duzentos e setenta e sete euros e sessenta e seis cêntimos), por conta da qual o arguido deverá pagar ao Estado a quantia mínima mensal de €150,00 (cento e cinquenta euros).

ii.Declarar perdidas a favor do Estado as vantagens patrimoniais de €58.563,00 (cinquenta e oito mil quinhentos e sessenta e três euros) e de €462.737,22 (quatrocentos e sessenta e dois mil setecentos e trinta e sete euros e vinte e dois cêntimos), condenando os arguidos a pagar ao Estado:

(…)

- o arguido AA, solidariamente com os demais arguidos, o montante de €62.277,66 (sessenta e dois mil duzentos e setenta e sete euros e sessenta e seis cêntimos) por conta da referida quantia de €462.737,22.


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2. Inconformado com o decidido, AA interpôs recurso, que rematou com as conclusões [corrigidas] que a seguir se transcrevem.

CONCLUSÕES

1. O presente recurso tem por objeto o douto Acórdão do Tribunal a quo que condenou o arguido AA pela prática de um crime de fraude fiscal qualificado, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, al. b) e 104.º, n.º 2, al. b) do RGIT, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa por 5 anos.

2. A decisão recorrida enferma de nulidade, nos termos dos artigos 118.º, 120.º e 121.º do CPP, por considerar sanadas nulidades que deveriam ter sido apreciadas oficiosamente, em especial quanto à ilegalidade das diligências de busca e apreensão, realizadas fora dos limites do respetivo mandado.

3. Tais diligências violaram o princípio da legalidade processual e conduziram à recolha de prova proibida, pelo que os atos subsequentes padecem de invalidade, devendo o Tribunal de recurso conhecer da nulidade e invalidar os elementos probatórios dela dependentes.

4. O Tribunal a quo fez errada aplicação do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), ao admitir a utilização de prova obtida no âmbito de inspeção tributária quando já pendia inquérito criminal, violando o direito do arguido à não auto-incriminação.

5. A jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente o Acórdão n.º 2989/2019 de 16 de julho, reconhece a inadmissibilidade da utilização de prova obtida sob dever de colaboração em fase de inquérito criminal.

6. A matéria de facto foi incorretamente julgada quanto ao envolvimento do arguido nos factos ocorridos em 2020, uma vez que a única ligação ao ficheiro “faturação 1” se baseia numa nota de rodapé relativa a um valor de €94,00, sem prova concreta de manuseamento pelo arguido.

7. Não foi possível imputar com segurança os montantes de IVA e IRS ao arguido de forma individualizada, o que foi reconhecido pelos inspetores tributários BB e CC em sede de audiência.

.... O valor da vantagem patrimonial obtida foi indevidamente calculado, tendo o Tribunal a quo assumido como base um valor bruto de vendas ao qual acrescentou IVA, quando este já se encontrava incluído no valor transacionado, violando o critério legal de cálculo.

9. O Tribunal recorrido desconsiderou os depoimentos de várias testemunhas que negaram qualquer imposição do arguido quanto a pagamentos em numerário sem fatura, demonstrando insuficiência de prova quanto à prática dos factos imputados.

10. O Acórdão recorrido padece ainda de vício de falta de fundamentação quanto à determinação da medida concreta da pena, em violação dos artigos 375.º do CPP e 71.º e 77.º do CP, por não individualizar os critérios aplicados ao arguido em concreto, nem justificar a pena superior ao mínimo legal.

11. Tal vício impossibilita o recorrente de sindicar adequadamente a justiça da decisão, o que configura nulidade nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP.

12. A pena aplicada é desproporcional e excessiva face à gravidade dos factos e à ausência de fundamentação adequada, sendo violado o artigo 40.º do Código Penal, devendo a mesma ser fixada no mínimo legal admissível, com suspensão pelo mesmo período.

13. Termos em que deve ser revogado o Acórdão recorrido, com a consequente absolvição do recorrente; ou, subsidiariamente, com a reapreciação da prova e a correção da medida da pena.

Nestes termos, deve o recurso ser julgado procedente, como é de inteira

JUSTIÇA.


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3. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso em que pugnou pela sua improcedência e concluiu nos termos seguintes:

Em conclusão:

Por todo o exposto, deve o Recurso instaurado pelo arguido AA ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se o Acórdão recorrido, por não tendo sido violado qualquer dispositivo legal, encontrando-se a matéria de facto provada de acordo com a prova produzida e mostrando a medida da pena aplicada ao arguido adequada e justa.


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4. Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no qual se pronunciou pela improcedência do recurso, alegando: (…)

i. quanto às nulidades

Como se sabe, em matéria de nulidades vigora o princípio da legalidade. A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei (art. 118º, nº 1 do CPP).

Diz o recorrente que foram julgadas sanadas da decisão recorrida nulidades que deveriam ter sido apreciadas oficiosamente, em especial quanto à ilegalidade das diligências de busca e apreensão, realizadas fora dos limites do respetivo mandado. Não concretiza a que diligência de busca e apreensão se refere, mas afirma na motivação que “o levantamento de todos os documentos relacionados com a atividade do arguido AA, enquanto empresário em nome individual, documentos esses que não eram alvo do mandado, constituem um injustificado e alargado objeto do mandado e, por conseguinte, uma irregularidade geradora da nulidade dos atos praticados (nas buscas e apreensões efetuadas).”

Analisados os autos de busca e apreensão referenciados e valorados no acórdão - Auto de Busca e Apreensão de 148 e ss.: buscas realizadas na loja de ..., de fls. 154 a 156; buscas realizadas na loja de ..., de fls. 158 e ss.; buscas realizadas na loja de ...; Auto de Busca e Apreensão de fls. 179 dos autos principais, na loja da Rua ..., não se descortina em qualquer delas apreensão realizada para além do objeto do mandado, tudo na certeza de que não é da circunstância do recorrente ainda não ser, à data, suspeito nos autos que decorria qualquer impedimento para a apreensão de documentação demonstrativa do seu envolvimento nos crimes em investigação.

Note-se que as buscas foram ordenadas para a sede e instalações das sociedades A..., Sociedade Unipessoal, Lda situadas na Rua ..., ..., ... ..., em Vila Nova de Gaia; B..., Lda, situadas na Rua ..., ..., ..., ... Ovar; C..., Lda, situadas na Rua ..., com entrada pelo n.º ..., ..., em ...; D..., Lda, situadas na Avenida ..., ... ..., em Vila Nova de Gaia e E..., Lda, situadas na Avenida ..., ..., sala ..., ... Vila Nova de Gaia tendo em vista a apreensão de documentos relativos aos suspeitos DD, A..., Sociedade Unipessoal, Lda, B..., Lda C..., Lda (Cfr. despacho de 15/09/2020), sendo certo que foi no decorrer dessas buscas, que se sinalizou o envolvimento do recorrente nos factos concretamente naqueles que mais diretamente envolvem a sociedade A..., Sociedade Unipessoal, Lda, em cuja diligência de busca o recorrente até esteve presente.

ii. Não se vislumbra, por conseguinte, que em tais diligências se tenha violado o princípio da legalidade processual ou que se tenha recolhido prova proibida.

iii. Quanto à violação do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), pela alegada utilização de prova obtida no âmbito de inspeção tributária quando já pendia inquérito criminal, assim se violando o direito do arguido à não auto-incriminação.

Também aqui o recorrente não concretiza a invocação. Queda-se pelas afirmações genéricas de que o «Acórdão recorrido errou, pois, ao não considerar nulas a obtenção de prova pela inspeção tributária em virtude do cumprimento do dever de colaboração pelos contribuintes e a utilização dos relatórios inspetivos elaborados em violação do direito à não auto-incriminação, incorrendo em inconstitucionalidade por violação do disposto no artº 32º da Constituição da República Portuguesa ao julgar erradamente os preceitos legais aplicáveis.

A AT era conhecedora que paralelamente ao decurso das ações inspetivas já decorria, no DIAP, o inquérito criminal subjacente a estes autos.» Mas não concretiza qual a prova que foi obtida pela inspeção tributária em virtude do cumprimento do dever de colaboração pelos contribuintes e que foi valorizada pelo Tribunal.

Ora, não evola dos autos, nem da decisão recorrida, que tenha sido usada prova documental obtida pela Administração Tributaria no âmbito do dever de colaboracão dos arguidos e das sociedades que representam. Só a essa situação se reporta a jurisprudência (não uniforme) do Tribunal Constitucional, nomeadamente a firmada no Ac. n. 298/2019 (e não 2989, como por ostensivo lapso de escrita se refere na motivação).

Concluiu-se no indicado aresto que nos termos dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal, os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo. O que está em causa não é o dever de entrega de documentos no âmbito de um procedimento de inspeção, mas tão somente à utilização como prova em processo penal de documentos que foram facultados pelo suspeito – ou já arguido – ou obtidos pela Administração fiscal no decurso de uma inspeção em que o mesmo, na sua qualidade de contribuinte, se encontra sujeito a deveres de cooperação nos termos anteriormente referidos. Ou seja, a disponibilização dos documentos em causa é efetuada no cumprimento de uma colaboração devida a entidade que reúne poderes de fiscalização administrativa no quadro da inspeção tributária com poderes de investigação criminal, enquanto órgão e autoridade de polícia criminal, beneficiária de uma presunção legal relativa à delegação de amplos poderes quanto a diligências e investigações relativas ao inquérito criminal.

Ainda assim, ou seja, não demonstrando o recorrente, nem se lobrigando que tenha sido utilizada prova obtida naquelas circunstâncias, mais se aduz que ainda que o tivesse sido não estaria violado o indicado comando constitucional.

O dever de cooperacão que recai sobre os contribuintes quando confrontados com uma ação inspetiva da Autoridade Tributaria, fornecendo os elementos necessários à realização da inspecão, não constitui um meio de obtenção de prova proibido, por se não poder afirmar a utilização de um método fraudulento com vista a obtenção dos mencionados elementos. O sujeito tributário/contribuinte é livre de os fornecer ou não.

De resto, ainda que os arguidos, confrontados com o “dever de colaboração”, optassem por a não prestar, sempre a Administração Tributária teria meios ao seu dispor para os obter.

Em qualquer circunstância os arguidos mantêm o direito ao silêncio inclusive, portanto, a respeito dos eventuais elementos probatórios documentais que tenham fornecido.

A eficiência do sistema fiscal justifica que a administração fiscal não seja onerada com dispêndio de recursos para obtenção de informação que possa ser facilmente facultada pelo próprio contribuinte.

Não evola dos autos que tenha ocorrido qualquer procedimento enganoso ou astucioso da AT que determinasse os arguidos a julgar que facultavam elementos de prova para fins exclusivos da inspeção tributária e que vieram a ser aproveitados em processo-crime.

Neste sentido se pronunciou o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5.2.2020, disponível em www.dgsi.pt:

“Sempre que a administração tributária, em inquérito penal, solicita a técnico oficial de contas de um contribuinte algum elemento contabilístico — v.g. extrato de conta-corrente — que o fornece, tal não constitui um método proibido de prova a luz do disposto no artigo 126.°, n.º 2, ai. a), do Código de Processo Penal e violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, por não ter sido imposto algum tipo de colaboração ao contribuinte arguido”.

E o mesmo também se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.07.2021, disponível em www.dgsi.pt):

“Estando em causa, em concreto, documentos utilizados como prova num processo penal, que haviam sido entregues no cumprimento de deveres de cooperação com a administração tributaria quando esta se encontrava no exercício de atividades inspetivas e fiscalizadoras necessárias ao apuramento de uma determinada situação tributaria, documentação e informação cedida pelo contribuinte a administração tributaria, no cumprimento dos aludidos deveres de cooperação, as mesmas são utilizáveis, não apenas no processo de inspeção, que poderá dar lugar a correção da situação tributaria, mas também num eventual processo de natureza sancionatória penal, que venha a ser instaurado na sequencia ou no decurso da inspeção .. sendo certo que a imposição aos contribuintes de deveres de cooperação com a administração tributaria, que poderá incluir a entrega, a solicitação desta, de documentos que, depois, num processo de natureza sancionatória penal, possam ser usados contra esses próprios contribuintes, constitui uma compressão do principio nemo tenetur se ipsum accusare, que se traduz numa restrição não desprezível daquele principio, importa apreciar se tal restrição e ou não constitucionalmente aceitável.

A resposta a essa questão, é dada no claro e proficiente acórdão do Tribunal Constitucional, de 17 de junho de 2013, Proc. nº 817/12, 2.ª Secção, Relator: Conselheiro João Cura Mariano, que decidiu não julgar inconstitucional a norma resultante da interpretação do disposto nos artigos 61.º, n.º 1, d), e 125.º, do Código de Processo Penal, com o sentido de que os documentos obtidos por uma inspeção tributária, ao abrigo do dever de cooperação imposto nos artigos 9.º, n.º 1, 28.º, n.º 1 e 2, 29.º e 30.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de dezembro, e nos artigos 31.º, n.º 2, e 59.º, n.º 4, da LGT, podem posteriormente vir a ser usados como prova em processo criminal pela prática do crime de fraude fiscal movido contra o contribuinte.”

iv. Sem concretizar os concretos factos que pretende impugnar seja na motivação seja nas conclusões, o recorrente invoca o erro de julgamento da matéria de facto quanto ao envolvimento do arguido nos factos ocorridos em 2020, uma vez que a única ligação ao ficheiro “faturação 1” se baseia numa nota de rodapé relativa a um valor de €94,00, sem prova concreta de manuseamento pelo arguido; não foi possível imputar com segurança os montantes de IVA e IRS ao recorrente de forma individualizada, o que foi reconhecido pelos inspetores tributários BB e CC em sede de audiência; o valor da vantagem patrimonial obtida foi indevidamente calculado, tendo o Tribunal a quo assumido como base um valor bruto de vendas ao qual acrescentou IVA, quando este já se encontrava incluído no valor transacionado, violando o critério legal de cálculo e desconsiderou os depoimentos de várias testemunhas que negaram qualquer imposição do arguido quanto a pagamentos em numerário sem fatura, demonstrando insuficiência de prova quanto à prática dos factos imputados.

Considerando o ostensivo incumprimento do disposto no artigo 412º, nº 3 do CPP, não está o Tribunal de recurso habilitado ao conhecimento do invocado erro de julgamento da matéria de facto e, porque também se não vislumbra, a propósito, vício de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 410º do CPP, deve ter-se por definitivamente assente a matéria de facto.

v. Quanto ao vício da falta de fundamentação da medida concreta da pena, em violação dos artigos 375.º do CPP e 71.º e 77.º do CP, também se não tem por verificado.

Diz a sentença recorrida que (…)

Parece-nos suficiente a fundamentação.

Bem assim, a fundamentação relativa à suspensão da execução da pena aplicada ao recorrente (…).

vi. Invocando que a pena aplicada é desproporcional e excessiva face à gravidade dos factos e à ausência de fundamentação adequada e que a mesma deve ser fixada no mínimo legal admissível, com suspensão pelo mesmo período não aduz o recorrente qualquer circunstância de facto ou de direito que o Tribunal tenha ignorado na determinação concreta da pena.

O Tribunal não tem que justificar porque não aplicou a pena pelo seu mínimo, tem que justificar a concreta medida, à luz dos critérios dos artigo 40º e 71º do Código Penal e isso decorre da suficiente fundamentação constante da decisão.

Nestes termos, entende o Ministério Público que o recurso não merece provimento.

5. Na resposta o recorrente manifesta discordância do parecer e reitera o alegado na motivação de recurso.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

A. acórdão recorrido

Factos Provados

1. Entre o ano de 2014 e até ao ano de 2020, o arguido DD, titular do número de identificação fiscal ..., na morada sita na Rua ..., ..., ... Vila Nova de Gaia, dedicou-se ao comércio a retalho de produtos vulgarmente conhecidos por “marroquinaria”, tendo-se especializado na comercialização de acessórios relacionados com o sector do tabaco, incluída a “vaporização” (ou dos cigarros electrónicos) e, entre tais produtos, contavam-se os líquidos contendo nicotina acondicionados em recipientes para cargas e recargas dos cigarros electrónicos e respectivos acessórios.

2. Para o efeito, nos anos de 2014 a 2020, DD desenvolveu a descrita actividade enquanto empresário em nome individual.

3. Em 27 de Junho de 2018, DD constituiu a sociedade “A..., Sociedade Unipessoal, Lda.”, titular do NIF ..., com o capital social de € 2.500,00, com sede na Rua ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia, cujo objecto social se traduzia na importação, representação, distribuição e comércio por grosso ou a retalho de cigarros electrónicos e outros produtos de tabaco sem combustão e respectivos acessórios,

4. Tendo o mencionado arguido sido o único sócio e gerente desta sociedade, e

5. Tendo ocorrido a extinção de tal sociedade a 19 de Outubro de 2020.

6. Em 21 de Maio de 2019 foi constituída a “B..., Lda.”, com o NIF ..., com o capital social de € 300,00, com sede na Rua ..., ... R/ch, ..., Ovar, cujo objecto social se traduzia na importação, representação, distribuição e comércio por grosso ou a retalho de cigarros electrónicos e outros produtos de tabaco sem combustão e respectivos acessórios.

7. A “B..., Lda.” teve por sócios o arguido DD e os arguidos EE, titular do NIF ..., e AA, titular do NIF ....

.... Entre 21 de Maio de 2019 e 11 de Novembro de 2020, DD foi gerente da “B..., Lda.” e, após esta última data, as funções de gerência passaram a ser exercidas por EE.

9. Em 21 de Maio de 2019 foi constituída a sociedade “C..., Lda.”, titular do NIF ..., com o capital social de € 300,00, com sede na Rua ..., ..., ..., cujo objecto social se traduzia na importação, representação, distribuição e comércio por grosso ou a retalho de cigarros electrónicos e outros produtos de tabaco sem combustão e respectivos acessórios.

10. DD foi sócio e gerente da “C..., Lda.” e EE foi seu sócio.

11. A “C..., Lda.” extinguiu-se em 22 de Outubro de 2020.

12. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 19 de Outubro de 2015, DD decidiu encomendar e comprar líquidos contendo nicotina em recipientes utilizados para a carga e recarga de cigarros electrónicos, a fornecedores estrangeiros, e receber estes produtos, sem os declarar, à sua entrada em território nacional português, à ATA (Autoridade Tributária e Aduaneira), com o intuito de se furtar ao devido pagamento do IEC/ IT (Imposto Especial sobre o consumo/ Imposto sobre o Tabaco) e do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado), de modo a incrementar a sua margem de lucro que obteria com a posterior venda desses mesmos líquidos, nas moradas das sedes das sociedades comerciais supra referidas.

13. A morada indicada em 1. e 3. correspondia à morada da tabacaria que DD utilizou para receber os líquidos contendo nicotina em recipientes utilizados para a carga e recarga de cigarros electrónicos, bem como para expô-los ao público e vendê-los.

14. Para publicitar e vender esses líquidos com nicotina, DD também utilizou a página na plataforma Facebook, denominada “F...”, sendo este também o nome comercial utilizado pelo arguido.

15. Na execução de tal plano, entre 19 de Outubro de 2015 e 05 de Setembro de 2017, DD, por si, encomendou por internet, comprou e pagou a quantidade total de 129.385 ml de líquidos contendo nicotina em recipientes utilizados para a carga e recarga de cigarros electrónicos, aos seguintes fornecedores estrangeiros, nas datas, nas quantidades e nos valores que se passam a discriminar:

15.1. À “G... S. L. – ..., VAT ..., com sede na ... ... ... (Valencia), em Espanha,

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

15.2. À “H..., S.L. – ...”, VAT ..., com sede em ..., ..., ... ..., Valencia, em Espanha

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

15.3. À “I...”, VAT ..., com sede em ... Rue ... ..., em França,

[aqui se tem reproduzido o quadro constante do acórdão]

15.4. À “J...”, VAT ..., com sede em ... ..., ..., ... ..., em França,

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

15.5. À “K...”, VAT  ..., com sede em ... Rue ... ..., em França,

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

15.6. À “L...”, VAT ..., com sede em ... (...), em França,

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

15.7. À “M...”, VAT ..., com sede ... ..., ... ..., em França,

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

15.8. À “N...”, ..., com sede em ... rue ..., ... ..., em França,

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

15.9. À “O...”, VAT ..., com sede em ... Rue ... ..., em França,

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

16. DD recebeu na morada indicada em 1. e 3., de forma clandestina, os líquidos contendo nicotina em recipientes utilizados para a carga e recarga de cigarros electrónicos, na quantidade total de 129.385 ml, mencionados no ponto 15. e respectivas alíneas e quadros, os quais introduziu no mercado português, onde os vendeu a terceiros.

17. Esses líquidos contendo nicotina não se encontravam selados com estampilha especial e DD não apresentou a declaração da Alfândega de Controlo aquando da entrada em território nacional, nem a declaração de pagamento do IEC/IT e do IVA devidos.

18. As aquisições desses líquidos aos fornecedores estrangeiros por DD não foram vertidas na contabilidade do próprio, nem das sociedades “A..., Sociedade Unipessoal, Lda.”, “B..., Lda.” e “C..., Lda.”, e não foram declaradas na ATA.

19. DD revendeu os referidos líquidos contendo nicotina em recipientes utilizados para a carga e recarga de cigarros electrónicos a terceiros nacionais, na morada indicada em 1. e 3. e através da página na plataforma Facebook, denominada “F...” sem documento comercial que titulasse tais vendas.

20. Com o intuito de não pagar o IEC/IT à ATA (bem como o IVA), DD ocultou as referidas aquisições de líquidos com nicotina e a sua posterior venda a terceiros, pagando essas aquisições dos líquidos com nicotina aos fornecedores estrangeiros através de transferências bancárias da conta bancária do Banco 1... com o IBAN  ..., titulada pela sua mãe, FF, e utilizada em exclusivo pelo arguido, e

21. Determinou que os terceiros que lhe adquiriram os líquidos de nicotina realizassem os respectivos pagamentos em dinheiro/ numerário, o que veio a suceder.

22. Também com o intuito referido em 20., entre 16 de Setembro de 2014 e até 07 de Outubro de 2020, DD já se havia inscrito como profissional do sector da actividade “da vaporização”, nos sites dos seguintes fornecedores e nas datas que a seguir se discriminam:

22.1. Em 16 de Setembro de 2014 – N..., ..., com sede em ... rue ..., ... ..., em França;

22.2. Em data não concretamente apurada, do início de 2015 – P..., VAT ..., com sede em Av. ..., ... ..., em Espanha;

22.3. Em 16 de Abril de 2015 - G... S.L. – ..., VAT ..., com sede na ... ... ... (Valencia), em Espanha;

22.4. Em 26 de Novembro de 2015 – O...., VAT ..., com sede em ... Rue ... ..., em França;

22.5. Em 05 de Outubro de 2015 – J..., VAT ..., com sede em 47 ..., ..., ... ..., em França;

22.6. Em data não concretamente apurada, mas anterior a Outubro de 2015 – I..., SARL ..., VAT ..., com sede em ... Rue ... ..., em França;

22.7. Em data não concretamente apurada, mas anterior a Fevereiro de 2015 – H..., S. L. - “Q...”, VAT ..., com sede em ..., ..., ... ..., Valencia, em Espanha;

22.8. Em 22 de Fevereiro de 2015 – K..., VAT  ..., com sede em ... Rue ... ..., em França;

22.9. Em 04 de Novembro de 2015 – L..., VAT ..., com sede em ... (77), em França;

22.10. Em data não concretamente apurada, mas anterior Outubro de 2016 – R..., ... ..., com sede em 205 Avenue ..., ... ..., em França;

22.11. Em 06 de Maio de 2016 – M..., VAT ..., com sede ... ... de ..., ... ..., em França;

22.12. Em 04 de Outubro de 2016 – S..., VAT ..., com sede em ... ..., ... ..., na ...;

22.13. Em 27 de Junho de 2017 – T..., VAT ..., com sede em ... Avenue ... ..., em França;

22.14. Em 16 de Outubro de 2018 – U..., VAT ..., com sede em ... Avenue ..., ... ..., em França;

22.15. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao ano de 2020 – V..., VAT ..., com sede em ... – ... ..., em França.

23. Nesses registos e com o intuito de ocultar tais aquisições intracomunitárias para não pagar os impostos que lhe eram devidos, DD procedeu à sua identificação com os seguintes dados:

23.1. Nome – DD;

23.2. Contacto telefónico - ...;

23.3. Endereço electrónico – ..........@.....

23.4. Local para entrega dos produtos a adquirir - Rua ..., ..., ... Vila Nova de Gaia;

23.5. Nos campos próprios para a indicação do número de contribuinte, DD forneceu os números de identificação fiscais das seguintes sociedades comerciais, com as quais não tinha qualquer relação:

23.5.1. Da “W..., Lda.”, titular do NIF ...;

23.5.2. Da “X..., Unipessoal Lda.”, titular do NIF ...;

23.5.3. Da “Y..., Lda.”, titular do NIF ..., cuja actividade já havia encerrado em 2014.

24. Também com intenção de ocultar as aquisições intracomunitárias que realizou e para não pagar os impostos que lhe eram devidos nas relações comerciais que estabeleceu com a H..., SL, em 15 de Outubro de 2015, DD remeteu email a esse fornecedor estrangeiro indicando que as facturas fossem emitidas em nome da sociedade Z..., com o NIF ..., sediada nos Países Baixos.

25. Assim, entre 19 de Outubro de 2015 e 05 de Setembro de 2017, DD encomendou por internet, comprou e recebeu, para venda a terceiros, a quantidade total de 129.385 ml (cento e vinte e nove mil trezentos e oitenta e cinco mililitros) de líquidos contendo nicotina em recipientes utilizados para a carga e recarga de cigarros electrónicos, a que correspondia o IEC/IT, no valor total de € 68.424,00 (sessenta e oito mil quatrocentos e vinte e quatro euros), nos termos que a seguir se discriminam:

25.1. Relativamente ao IEC/IT liquidado oficiosamente pela Alfândega ..., sobre 16.435 ml de líquidos com nicotina, à taxa de 0,60, no valor de €9.861,007[1] (nove mil oitocentos e sessenta e um euros),

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

25.2. Quanto ao IEC/IT relativo a líquidos com nicotina, na quantidade de 112.950 ml, no valor de € 58.563,00 (cinquenta e oito mil quinhentos e sessenta e três euros),

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

26. DD conhecia as formalidades relacionadas com a aquisição a fornecedores estrangeiros, detenção, transporte, entrada em território nacional português e comercialização dos líquidos com nicotina para cigarros electrónicos, tal como sabia que sobre estes produtos incidia o respectivo IEC/IT.

27. Não obstante, DD quis agir da forma supra descrita, com o intuito, concretizado, de adquirir líquidos com nicotina para cigarros electrónicos a fornecedores estrangeiros e de os revender a consumidores finais na sua loja física, sita em território nacional português, e através da internet, com vista a obter para si benefícios económicos a que sabia não ter qualquer direito.

28. DD também quis distribuir e vender os líquidos com nicotina para cigarros electrónicos, introduzidos irregularmente em território nacional português, sem os fazer manifestar junto das entidades de controlo, omitindo a produção dos documentos e das formalidades, a que sabia estar legalmente obrigado, com o mesmo propósito final de não pagar os direitos devidos e conhecendo as especiais obrigações que recaíam sobre aquele tipo de mercadoria.

29. Mais pretendeu DD agir com o propósito, concretizado, de prejudicar o Estado português, obtendo vantagem patrimonial que ascendeu a € 68.424,00 e a que não tinha direito, o que também representou.

30. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 19 de Outubro de 2015, DD decidiu, com o intuito de se furtar ao pagamento do IVA e do IRS, que não iria inscrever na sua contabilidade oficial, enquanto empresário em nome individual, as facturas emitidas pelos fornecedores estrangeiros em virtude das aquisições de líquidos com nicotina para cigarros electrónicos e acessórios relacionados com o sector do tabaco, incluída a “vaporização” (ou dos cigarros electrónicos), feitas pelo próprio arguido no mercado comunitário, tal como não iria inscrever as posteriores revendas desses produtos que ele realizaria a terceiros, sendo que para o efeito iria elaborar e manter um registo paralelo de compras e vendas desses produtos apenas para o seu conhecimento e controlo dos negócios que realizava e, ainda, fornecer os números de identificação fiscais de outras pessoas aos fornecedores estrangeiros para que estes os fizessem constar daquelas facturas.

31. Na sequência, entre 19 de Outubro de 2015 e 05 de Setembro de 2017, DD encomendou por internet, comprou e pagou a fornecedores estrangeiros a quantidade total de 129.385 ml de líquidos contendo nicotina em recipientes utilizados para a carga e recarga de cigarros electrónicos, nas datas, nas quantidades e nos valores supra referidos no ponto 15. e respectivas alíneas e quadros, que recebeu na morada indicada em 1. e 3. e vendeu-os a terceiros consumidores finais em território nacional português, nas moradas correspondentes às sedes das sociedades “A..., Sociedade Unipessoal, Lda.”, “B..., Lda.” e “C..., Lda.” e através daquela página de Facebook, e

32. Após 05 de Setembro de 2017 e até 07 de Outubro de 2020, DD encomendou por internet, comprou e pagou a fornecedores estrangeiros acessórios relacionados com o sector do tabaco, incluída a “vaporização” (ou dos cigarros electrónicos), os quais recebeu na morada indicada em 1. e 3. e vendeu-os a terceiros em território nacional português, também nas moradas correspondentes às sedes das sociedades “A..., Sociedade Unipessoal, Lda.”, “B..., Lda.” e “C..., Lda.” e através daquela página de Facebook.

33. Na execução do plano descrito em 30. e com o intuito aí indicado, DD não declarou os produtos referidos em 31. e 32. na Alfândega de Controlo, aquando da entrada em território nacional, nem apresentou a declaração de pagamento do IVA devido,

34. Já se havia inscrito nos sites dos fornecedores estrangeiros indicados no ponto 22. e respectivas alíneas, com indicação dos elementos constantes do ponto 23. e respectivas alíneas, de modo a que esses fornecedores emitissem as facturas em nome das sociedades comerciais “W..., Lda.”, “X..., Unipessoal Lda.” e “Y..., Lda.”, o que veio a suceder,

35. Tal como em 15 de Outubro de 2015 havia informado a H..., SL que as facturas tinham de ser emitidas em nome da sociedade Z..., com o NIF ..., tendo nesse mesmo ano esse fornecedor emitido facturas em nome desta sociedade holandesa,

36. Realizou os pagamentos relativos às aquisições desses produtos por transferência bancária, através da conta bancária do Banco 1... com o IBAN  ..., titulada pela sua mãe, FF, e utilizada apenas pelo arguido.

37. Determinou que os terceiros que lhe adquirissem os líquidos de nicotina realizassem os respectivos pagamentos em dinheiro/ numerário e a quem o arguido não emitiria e não entregaria facturas, tudo o que também veio a suceder, e

38. Não reflectiu na sua contabilidade, enquanto empresário em nome individual, as aquisições desses produtos aos fornecedores estrangeiros e as revendas dos mesmos por este arguido a terceiros, tal como não as declarou à ATA.

39. Em meados de 2019 o arguido EE, titular do NIF ..., aderiu ao plano de DD supra descrito no ponto 30.

40. Assim, entre meados do ano de 2019 e até 07 de Outubro de 2020, EE utilizou a conta bancária de que é titular no Banco 2... com o IBAN ... para pagar as aquisições dos acessórios relacionados com o sector do tabaco, incluída a “vaporização” (ou dos cigarros electrónicos), aos fornecedores estrangeiros.

41. EE determinou que os terceiros que lhe adquirissem os líquidos de nicotina realizassem os respectivos pagamentos em dinheiro/ numerário e não emitiu e não lhes entregou as facturas, tudo o que veio a suceder, e

42. Não reflectiu na sua contabilidade oficial, enquanto empresário em nome individual, as aquisições dos referidos produtos aos fornecedores estrangeiros e as vendas desses produtos a terceiros, como também não declarou tais aquisições e vendas à ATA.

43. Desde o início de 2020 também o arguido AA, titular do NIF ..., aderiu ao plano de DD supra descrito no ponto 30.

44. Para o efeito, AA utilizou a conta de que é titular no Banco 3..., com o IBAN ..., para realizar os pagamentos aos fornecedores estrangeiros dos acessórios relacionados com o sector do tabaco, incluída a “vaporização” (ou dos cigarros electrónicos).

45. AA determinou que os terceiros que lhe adquirissem os líquidos de nicotina realizassem os respectivos pagamentos em dinheiro/ numerário e não emitiu nem lhes entregou as facturas, tudo o que veio a suceder, e

46. Não reflectiu na sua contabilidade, enquanto empresário em nome individual, as aquisições dos referidos produtos aos fornecedores estrangeiros e as vendas desses produtos a terceiros, como também não declarou tais aquisições e vendas à ATA.

47. Os três arguidos elaboraram, organizaram e mantiveram o registo de vendas dos produtos a terceiros não declaradas à ATA, onde contabilizavam diariamente essas mesmas vendas, com o intuito de controlar as vendas e os valores realizados e de os ocultar, com o intuito de não pagarem os impostos devidos.

48. DD realizou as seguintes aquisições aos fornecedores estrangeiros de líquidos contendo nicotina em recipientes utilizados para a carga e recarga de cigarros electrónicos e, ainda, realizou conjuntamente com EE e AA as seguintes aquisições aos fornecedores estrangeiros de acessórios relacionados com o sector do tabaco, incluída a “vaporização” (ou dos cigarros electrónicos):

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

49. Os fornecedores estrangeiros facturaram as aquisições desses produtos realizadas por DD, EE e AA nos seguintes termos e remeteram tais produtos, via transportadoras, para estes arguidos que os receberam nas seguintes moradas:

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

50. Entre 01 de Julho de 2016 e até 05 de Setembro de 2017 DD realizou as seguintes vendas a terceiros consumidores, nas moradas das sedes das sociedades “A..., Sociedade Unipessoal, Lda.”, “B..., Lda.” e “C..., Lda.”, de líquidos contendo nicotina em recipientes utilizados para a carga e recarga de cigarros electrónicos e pelos valores que se passam a indicar:

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

51. Entre 06 de Setembro de 2017 e 08 de Fevereiro de 2020 DD realizou as seguintes vendas a consumidores finais, nas moradas das sedes das sociedades “A..., Sociedade Unipessoal, Lda.”, “B..., Lda.” e “C..., Lda.”, de acessórios relacionados com o sector do tabaco, incluída a “vaporização” (ou dos cigarros electrónicos) e pelos valores que se passam a indicar:

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

52. Entre 23 de Agosto de 2019 e 06 de Outubro de 2020 DD e EE realizaram conjuntamente as seguintes vendas a consumidores finais, nas moradas correspondentes às sedes das sociedades “A..., Sociedade Unipessoal, Lda.”, “B..., Lda.” e “C..., Lda.”, de acessórios relacionados com o sector do tabaco, incluída a “vaporização” (ou dos cigarros electrónicos), e pelos valores que se passam a indicar:

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

53. Entre 01 de Janeiro de 2020 e 31 de Dezembro de 2020 DD e AA realizaram conjuntamente as seguintes vendas a consumidores finais, nas moradas das sedes das sociedades “A..., Sociedade Unipessoal, Lda.”, “B..., Lda.” e “C..., Lda.”, de acessórios relacionados com o sector do tabaco, incluída a “vaporização” (ou dos cigarros electrónicos), e pelos valores que se passam a indicar:

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

54. Desde 01 de Julho de 2016 e até 07 de Outubro de 2020 os arguidos venderam os referidos produtos, pelos valores que se passam a discriminar:

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

55. Em virtude da supra descrita conduta dos arguidos, os mesmos não entregaram ao Estado Português, no cômputo geral, o montante global de € 389.924,99 (trezentos e oitenta nove mil novecentos e vinte e quatro euros e noventa e nove cêntimos) a título de IVA, à taxa de 23%, aplicada sobre os valores das vendas referidos, conforme se discrimina:

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

56. DD remeteu à ATA, por internet e sem fazer constar os rendimentos que obteve com as vendas supra referidas, nas seguintes datas, as declarações de IRS relativas a:

56.1. Ano de 2016, no dia 31 de Maio de 2017;

56.2. Ano de 2017 – no dia 01 de Junho de 2018;

56.3. Ano de 2018 – no dia 30 de Junho de 2019;

56.4. Ano de 2019 – no dia 01 de Maio de 2020.

57. EE entregou declaração automática de rendimentos do ano de 2019, em 11 de Maio de 2020, e remeteu via internet a declaração de rendimentos do ano de 2020, em 14 de Maio de 2021, não tendo em nenhuma delas feito constar os rendimentos que obteve com as vendas supra referidas.

58. AA não declarou os rendimentos que obteve em 2020 com aquelas vendas.

59. Em virtude da não declaração dos rendimentos obtidos com aquelas vendas, em sede de IRS, os arguidos DD e EE, no cômputo geral, obtiveram as seguintes vantagens, no valor global de € 72.712,53 (setenta e dois mil setecentos e doze euros e cinquenta e três cêntimos), a que não tinham qualquer direito, assim discriminado:

[aqui se tem por reproduzido o quadro constante do acórdão]

60. Em consequência da supra descrita conduta do arguido DD e, a partir de 2019 e 2020, respectivamente, em conjunto com os arguidos EE e AA, os mesmos não entregaram ao Fisco, no cômputo geral, a quantia global de € 462.637,52 (quatrocentos e sessenta e dois mil seiscentos e trinta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos)[2], tendo feito suas as quantias respectivas supra discriminadas, sem terem qualquer direito às mesmas, causando prejuízo de igual montante ao Estado Português.

61. E, ao ocultarem aquelas compras e vendas e respectivos valores, bem como dos impostos que incidiam, à ATA, colocaram em crise a verdade e a transparência fiscal e, deste modo, impediram o Estado Português de concretizar a sua pretensão de lhe ver revelados todos os factos fiscalmente relevantes, lesando o regular funcionamento do sistema tributário e a realização da justiça fiscal.

62. Os arguidos DD, AA e EE sabiam que a actividade de compra a fornecedores estrangeiros de líquidos contendo nicotina em recipientes utilizados para a carga e recarga de cigarros electrónicos e de acessórios relacionados com o sector do tabaco, incluída a “vaporização” (ou dos cigarros electrónicos), e a sua venda a terceiros consumidores finais em território nacional português estavam sujeitas a IVA.

63. Tal como conheciam que sobre si impendia o dever de declarar tais aquisições e vendas à ATA, bem como os impostos recebidos, liquidados, suportados, deduzidos e retidos em virtude dessas mesmas operações, que no cômputo geral ascendeu ao valor total de € 389.924,99.

64. Mais sabiam os arguidos DD, AA e EE que, ao não declararem aquelas compras e vendas e os lucros/rendimentos gerados em virtude das mesmas, iriam alterar a determinação da matéria colectável, reduzindo-a, obtendo benefícios fiscais e patrimoniais a que não tinham qualquer direito e, deste modo, deixariam de entregar aos cofres estatais o respectivo IRS, que no cômputo geral ascendeu ao valor total de € 72.712,53.

65. Os arguidos bem sabiam que tinham de inscrever tais operações na sua contabilidade oficial, enquanto empresários em nome individual, desde logo, as facturas emitidas pelos fornecedores estrangeiros, as posteriores revendas desses produtos que eles realizaram a terceiros consumidores finais em território nacional português e as facturas destas revendas, facturas estas a que estavam obrigados a emitir e, ainda, que não lhes era permitido elaborar e manter um registo paralelo de compras e vendas desses produtos, nem fornecer os números de identificação fiscais de outras pessoas aos fornecedores estrangeiros para que estes os fizessem constar daquelas facturas.

66. DD, AA e EE também tinham consciência de que era seu dever entregar os valores desses impostos, que que no cômputo geral ascenderam ao montante global de € 462.637,52, aos cofres estatais, bem como dos prazos legais dentro dos quais tinham de entregar tais impostos, sob pena de causarem prejuízo patrimonial de igual montante ao Estado Português.

67. Não obstante, os arguidos quiseram actuar da forma supra descrita, em conjugação de esforços e de vontades, pretendendo não declarar ao Fisco as compras a fornecedores estrangeiros de líquidos contendo nicotina em recipientes utilizados para a carga e recarga de cigarros electrónicos e acessórios relacionados com o sector do tabaco, incluída a “vaporização” (ou dos cigarros electrónicos), e as vendas a terceiros consumidores finais em território nacional português desses mesmos produtos, bem como os impostos recebidos, liquidados, suportados, deduzidos e retidos em virtude dessas mesmas operações.

68. E, ainda, quiseram alterar a determinação da matéria colectável, reduzindo-a, para obter benefícios fiscais e patrimoniais a que não tinham qualquer direito.

69. Sendo que, para ocultar tais operações, os arguidos pretenderam não inscrever na sua contabilidade oficial, enquanto empresários em nome individual, as facturas emitidas pelos fornecedores estrangeiros e não inscrever as posteriores revendas desses produtos que eles realizaram a terceiros consumidores finais em território nacional português, nem emitir facturas destas revendas, tal como pretenderam elaborar e manter um registo paralelo de compras e vendas desses produtos apenas para o seu conhecimento e controlo dos negócios que realizavam e, ainda, fornecer os números de identificação fiscais de outras pessoas aos fornecedores estrangeiros para que estes os fizessem constar daquelas facturas, tudo o que conseguiram concretizar.

70. Mais pretenderam os arguidos, em conjugação de esforços e de vontades, não entregar aos cofres estatais os montantes relativos ao IVA e ao IRS supra discriminados, que no cômputo geral ascendeu ao valor global de € 462.637,52, e sem terem direito aos respectivos valores, fazerem dos mesmos coisa sua, que utilizaram no seu exclusivo proveito, e causar prejuízo de igual montante para o Estado Português, tudo o que também lograram concretizar.

71. DD, AA e EE tinham consciência que ao ocultarem aquelas compras e vendas e respectivos valores, bem como dos impostos que incidiam, à ATA, colocavam em crise a verdade e a transparência fiscal e, deste modo, impediam o Estado Português de concretizar a sua pretensão de lhe ver revelados todos os factos fiscalmente relevantes, lesando o regular funcionamento do sistema tributário e a realização da justiça fiscal, o que pretenderam e concretizaram.

72. Os arguidos agiram sempre de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo ser as suas descritas condutas proibidas e punidas pela lei penal.


*

2.1.2. (Constante dos pedidos de declaração de perda de vantagens a favor do Estado e de indemnização civil):

1 - O arguido DD apropriou-se da quantia de € 58.563,00[3], relativa ao IEC/IT, que integrou no seu património e usou em seu exclusivo proveito, causando prejuízo patrimonial de igual montante para o Estado Português.

2 - O arguido DD apropriou-se, também, das quantias de € 31.931,82, € 82.216,72 e € 107.919,45 relativas ao IVA e respeitantes aos anos de 2016, 2017 e 2018, respectivamente, no montante global de € 222.167,99, que integrou no seu património, causando prejuízo patrimonial de igual montante para o Estado Português.

3 - Os arguidos DD e EE apropriaram-se, em conjunto, das quantias de € 98.220,35 e € 7.358,99 relativas ao IVA e respeitantes ao ano de 2019, no montante global de € 105.579,34, que integraram no respectivo património, causando prejuízo patrimonial de igual montante para o Estado Português.

4 - Os arguidos DD, AA e EE apropriaram-se, em conjunto, das quantias de € 48.350,60, € 93,15 e € 13.833,91 relativas ao IVA e respeitantes ao ano de 2020, no montante global de € 62.277,66, que integraram no respectivo património, causando prejuízo patrimonial de igual montante para o Estado Português.

5 - O arguido DD apropriou-se das quantias de € 4.777,30, € 16.547,90 e € 25.650,38, relativas ao IRS respeitante aos anos de 2016, 2017 e 2018, respectivamente, no montante global de € 46.975,58, que integrou no seu património, causando prejuízo patrimonial de igual montante para o Estado Português.

6 - Os arguidos DD e EE apropriaram-se, em conjunto, das quantias de € 24.148,29, 407,86 e € 1.180,80 relativas ao IRS respeitante aos anos de 2019 e 2020, no montante global de € 25.736,65, que integraram no respectivo património, causando prejuízo patrimonial de igual montante para o Estado Português.


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2.1.3. (Constante da contestação do arguido DD):

1 - O presente procedimento criminal foi instaurado a 20.01.2020.

2 - As lojas de ..., ... e ... mantiveram o seu funcionamento, dentro dos constrangimentos da época da pandemia.

3 - Os dados do arguido DD continuaram a ser utilizados por todos esses estabelecimentos comerciais.

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2.1.4. (Constante da contestação do arguido AA):

1 - O arguido AA não tinha o cargo de gerente em nenhuma das sociedades “A..., Unipessoal, Lda.”, “C..., Lda.” e “B..., Lda.”.

2 - O arguido AA não tinha, até Janeiro de 2020, o domínio sobre o negócio, as compras e a respectiva facturação.


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2.1.5. (Constante dos relatórios sociais dos arguidos):

1 – O arguido DD tem 50 anos de idade e é Gerente Comercial. A sua companheira, GG, tem 41 anos de idade e é Contabilista.

DD reside com a companheira, com quem mantém relacionamento afetivo desde há cerca de 6 anos, e com as duas descendentes do casal, HH, de 20 meses, e II, de 5 anos de idade.

As interações familiares do agregado são descritas como positivas e apoiantes, contando o arguido com o apoio da família constituída, onde se inclui a companheira e sogros do mesmo.

Foram descritas interações de instabilidade e fraturantes entre o arguido e a respetiva família de origem, a incluir a progenitora e a irmã mais nova do arguido, desde a morte do progenitor, ocorrida em julho de 2023. Durante o período antecedente ao falecimento do progenitor, o arguido terá mantido quotidiano estruturado em torno da prestação de cuidados ao progenitor, acamado e dependente durante aproximadamente sete meses.

Relativamente à data dos factos constantes nos autos, a situação registava as seguintes alterações: o arguido residia com os progenitores na morada indicada nos autos, sem família constituída.

No que concerne a enquadramento residencial, o agregado reside em habitação permanente em meio social sem problemáticas sociais/criminais. O arguido reside na morada indicada nos autos, sendo este o enquadramento habitacional que mantém desde há vários anos. Corresponde a antigo armazém/fábrica inativa de marroquinaria do progenitor (entretanto falecido), onde o arguido colaborou durante vários anos. Uma parte do referido armazém foi adaptada pelo arguido, que realizou

obras com vista a obter as necessárias condições de habitabilidade ao nível pessoal e familiar. Trata-se de habitação de tipologia 3, não existindo despesas fixas com a habitação.

O arguido possui o 12º ano de escolaridade, com frequência do ensino superior.

O arguido exerce atividade laboral a tempo inteiro como trabalhador por conta própria. O arguido trabalha em negócio próprio, na comercialização de cigarros eletrónicos, como gerente da loja ‘Aa...’, sita na Rua ..., Loja ..., …, desde outubro de 2023, onde aufere quantitativos líquidos variáveis e incertos, a rondar os € 500 mensais.

Relativamente à data dos factos constantes nos autos, a situação registava as seguintes alterações: o arguido trabalhava, por conta própria, no mesmo setor, na comercialização de cigarros eletrónicos, desde 2013, auferindo retribuição mensal variável, sendo neste âmbito que o arguido enquadrou as interações referentes ao presente processo. Anteriormente, colaborou na empresa do progenitor, encerrada, no fabrico de marroquinaria e têxtil.

A sua situação económica é a seguinte: valor dos rendimentos líquidos do arguido: €500; valor dos rendimentos líquidos do agregado: €1800 (€500 arguido; €1300, remuneração do cônjuge); valor total das despesas/encargos fixos do agregado: 1180€ (com a habitação) e 80€ (consumos domésticos de eletricidade); € 600 alimentação, € 500 renda da loja.

As condições económicas foram avaliadas como suficientes, contando o arguido com as atribuições do próprio e do cônjuge para fazer face às despesas em presença. O agregado conta com o apoio dos sogros do arguido.

À data dos factos, o arguido encontrava-se laboralmente ativo, a trabalhar por conta própria, com o co-arguido, sobrinho, no mesmo setor de atividade.

DD mantém convivialidade familiar junto da família constituída, revelando ajustada integração familiar e sociocomunitária.

Relativamente à data dos factos constantes nos autos a situação registava as seguintes alterações: o arguido mantinha quotidiano estruturado em torno da atividade laboral e convivialidade familiar junto da família de origem, com quem mantinha interações de proximidade e apoiantes.

A nível de saúde, DD testemunha seguimento clínico em consulta de psiquiatria, desde os 26 anos, por sintomatologia ansiosa, com toma de medicação direcionada para essa problemática. Mantém o seguimento em contexto de saúde privado.

O presente processo representa o primeiro confronto do arguido com o sistema da administração da justiça penal, sendo encarado com elevada preocupação a sua constituição como arguido e a presente condição processual. Desde a instauração do presente processo, o arguido manteve período prolongado de inatividade laboral, sem auferir rendimentos ou retribuição mensal, mantendo paralelamente a prestação de cuidados de saúde ao progenitor. Após a morte do progenitor, o arguido retomou a atividade laboral, com a constituição de negócio próprio, no mesmo setor de atividade (comercialização de cigarros eletrónicos), enquadramento laboral que mantém.

DD apresenta ajustada inserção pessoal e social nos meios em que se move, partilhando interacções de proximidade e apoiantes com o seu grupo familiar de origem e constituído, bem como junto de interações sociais alargadas.

Decorrente da presente condição processual, o arguido veio a cessar a atividade por conta própria no setor da comercialização de cigarros eletrónicos, compartilhada com coarguido, onde manteve período de desemprego. Veio a retomar atividade por conta própria, no mesmo setor, como gerente de loja, desde outubro de 2023.

Regista problema de saúde do foro ansioso, desde os 26 anos, com toma de medicação psiquiátrica, mantendo o seguimento em contexto de saúde privado.

Apresenta enquadramento financeiro familiar considerado como suficiente, assente nos quantitativos que aufere, bem como no vencimento do cônjuge.

O arguido conta com o primeiro contacto com o sistema da administração da justiça penal, sendo que a sua constituição tem sido vivenciada com preocupação e impacto pessoal.

2 O arguido EE tem 39 anos de idade. O seu cônjuge, JJ, tem 37 anos de idade e está desempregada. O filho do casal, KK, tem 2 anos de idade, e o enteado do arguido, LL, tem 14 anos de idade e é estudante.

EE habita com a sua esposa JJ, com quem contraiu matrimónio há 6 anos, com o enteado e com o filho do casal. É referenciada a existência de laços e vínculos afetivos entre todos.

Relativamente à data dos factos constantes nos autos, a situação registava as seguintes alterações: á data dos factos, ainda não tinha nascido KK, filho do arguido, pelo que o agregado era composto por este, esposa e enteado.

O agregado reside em apartamento arrendado, sendo a sua habitação permanente, em zona central, meio social sem problemáticas sociais/criminais, com condições de habitabilidade (condições de saneamento básico e conforto, privacidade).

À data dos factos, o arguido e agregado residiam na freguesia ..., concelho de Estarreja, numa habitação igualmente arrendada.

O arguido tem o 9º ano de escolaridade

O arguido exerce atividade laboral a tempo inteiro como trabalhador por conta própria.

Á data dos factos, pese embora o arguido exercesse atividade profissional na mesma área (comércio de cigarros eletrónicos), refere que era detentor de uma percentagem na sociedade que geria com outros sócios. Desde 2021 que se encontra como o único socio gerente da empresa, num espaço dedicado ao comércio de cigarros eletrónicos e tatuagens.

A situação económica do arguido é a seguinte: valor dos rendimentos do arguido: 1000€; valor dos rendimentos do agregado: 785€ (subsídio social de desemprego da esposa e valor referente aos abonos dos dois menores).

Valor total das despesas/encargos fixos mensais do agregado mais significativos:

- Habitação 475€;

- Amortização com empréstimos bancários: 320€ (dois créditos automóvel); - luz, água e gás (200€ mensais);

- renda do espaço empresarial (245€).

O arguido considera a posição económica do agregado como adequada às necessidades existentes, sendo necessário, contudo, uma gestão criteriosa das despesas de modo a garantir as necessidades básicas dos dois menores (enteado e filho).

À data dos factos, a esposa do arguido encontrava-se empregada numa loja de cosmética/parafarmácia.

No meio sociocomunitário onde EE reside não existem referências significativas ao mesmo nem ao seu agregado. Pese embora o arguido tenha passada toda a sua infância e juventude emigrado na Suíça, junto da sua família de origem, tendo sido naquele País que iniciou a vida profissional, maioritariamente a exercer atividade de talhante, encontra-se em Portugal há vários anos e bem integrado na sociedade. Tem desempenhado atividades profissionais sem períodos de desemprego significativos. O seu quotidiano é passado junto do seu agregado familiar e nos seus tempos livres gosta de ir pescar com amigos.

Segundo EE, apesar de a presente situação jurídica não ter causado impactos significativos na sua vida e manter a sua rotina junto do seu agregado familiar e hábitos laborais, tem causado algum desconforto emocional e preocupações acrescidas por se ver confrontado com o sistema judicial. O arguido refere ser este o seu primeiro contacto com o sistema de justiça penal.

EE apresenta uma trajetória de vida direcionada para o trabalho, tendo passado uma grande temporada emigrado na Suíça junto do seu agregado de origem.

Habita junto do seu agregado familiar e regista estabilidade no âmbito laboral. No meio social não existe impacto negativo à presença do mesmo.

3 - O arguido AA tem 38 anos de idade e é empresário. O seu cônjuge, MM, tem 38 anos de idade e está desempregada. Os três filhos do casal, NN, OO e PP, têm 6 anos, 3 anos e 2 anos de idade, respectivamente. A dinâmica relacional familiar é descrita pelo casal como gratificante e satisfatória, o que já sucedia à data dos factos.

O agregado familiar reside em moradia, pertença da herança indivisa da família materna do arguido, com condições de habitabilidade (condições de saneamento básico e conforto, privacidade), sendo a sua habitação permanente, sita em zona central de meio social sem problemáticas sociais/criminais.

AA reside, desde 12-09-2018, na morada constante dos presentes autos, localizada na Rua ..., ..., 1.º Andar, ... Espinho. A habitação corresponde a uma moradia unifamiliar de tipologia T4, com boas condições de habitabilidade, implantada numa zona residencial sossegada, da cidade de Espinho.

O arguido tem o 12.º ano de escolaridade. Iniciou a escolaridade em idade própria, tendo concluído o 10.º ano de escolaridade aos 17 anos. Interrompeu o percurso escolar, durante 3 anos, período em que esteve a trabalhar. Entretanto, conseguiu concluir o 12.º ano de escolaridade, com 23 anos, integrado em Curso Técnico de Informática de nível 4, do Instituto ....

O arguido trabalha, desde janeiro de 2020, na empresa “Ab...”, em negócio próprio, na comercialização de cigarros eletrónicos, como gerente da loja, inicialmente em Espinho. Em setembro de 2023 mudou a loja para a Travessa ..., ... ....

AA refere um percurso profissional marcado pela estabilidade, tendo começado a trabalhar com 17 anos, como caixeiro praticante num armazém de vinhos em Espinho, onde trabalhou durante 3 anos. Aos 23 anos, após conclusão do curso técnico de informática, trabalhou como Técnico de Telecomunicações na empresa Ac... e posteriormente na Ad..., redes telemóveis, em Lisboa, durante dois anos. Entre 2016 e 2019 trabalhou em regime informal na empresa de DD, tio e coarguido, que se dedicava à venda de cigarros eletrónicos.

O arguido apresenta a seguinte situação económica:

- Valor dos rendimentos líquidos do arguido(a): 500,00/800,00€

- Valor dos rendimentos líquidos do cônjuge: 85,65€

- Valor total das despesas/encargos fixos do agregado:

. Habitação 148,35€ (Energia, gás e serviço de telecomunicações)

. 290,00€ mensais, referente ao pagamento da mensalidade da creche e da pré-escola dos três filhos do arguido.

O arguido considera usufruir de uma situação financeira estável e capaz de fazer face às necessidades do agregado com base no seu vencimento, de valor variável. Apontou como principais encargos os consumos domésticos, nomeadamente a eletricidade, a água e as telecomunicações. Apresentou também as despesas com a educação dos três filhos menores, no valor mensal de 290,00€.

À data dos factos o agregado contava com o vencimento do cônjuge do arguido (800,00€), que trabalhava num Call Center. Recebe subsidio de desemprego desde fevereiro de 2024 (565,65€).

Segundo as informações obtidas, o arguido mantém uma rotina diária predominantemente voltada para o trabalho, reservando o tempo livre para conviver com a família nuclear e alargada; o que já sucedia à data dos factos.

O presente processo constitui o primeiro contacto de AA com o sistema de justiça penal, tendo a sua constituição como arguido provocado repercussões negativas significativas na sua saúde emocional, o que o levou a procurar ajuda médica especializada e a recorrer a medicação para tratar a sintomatologia ansiosa.

Foi ainda relatado um impacto negativo na esfera familiar, com a sua constituição como arguido e a presente condição processual a serem encaradas com elevada preocupação.

De acordo com os elementos recolhidos, o arguido apresenta uma trajetória de vida caracterizada por níveis de adequação social, com destaque para as valências familiar e profissional, com caráter duradouro e contínuo até ao presente.

Atualmente AA apresenta agregado familiar com o cônjuge e os três filhos do casal, numa dinâmica avaliada como ajustada e beneficia de condição económica estável, mantendo exercício profissional regular.


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2.1.6. (Resultante dos Certificados do Registo Criminal dos arguidos):

Dos Certificados do Registo Criminal dos arguidos nada consta.

FACTOS NÃO PROVADOS

Com interesse para a decisão, não se provaram quaisquer outros factos, constantes da acusação pública e/ou das contestações e/ou dos pedidos de perda de vantagens e de indemnização civil e, designadamente, que:

2.2.1. (Constante da acusação e dos pedidos de perda de vantagens e de indemnização civil):

a) O arguido EE tenha obtido vantagens patrimoniais decorrentes dos factos acima descritos nos anos de 2016, 2017 e 2018.

b) O arguido AA tenha obtido vantagens patrimoniais decorrentes dos factos acima descritos nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019.

c) O arguido AA tenha obtido a vantagem patrimonial de € 71.123,87 em sede de IRS.


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2.2.2. (Constante da contestação do arguido DD):

a) A liquidação de 16.435,00 ml de líquidos contendo nicotina em recipientes utilizados para a carga e recarga de cigarros eletrónicos não foi notificada.

b) Quando instado pela Alfândega ... ao apagamento de IEC/IT relativo aos 16.435,00 ml de liquídos com nicotina, o arguido DD fê-lo de imediato e voluntariamente.

c) DD desconhecia as formalidades relacionadas com a aquisição a fornecedores estrangeiros, detenção, transporte, entrada em território nacional português e comercialização dos líquidos com nicotina para cigarros eletrónicos, desconhecendo que sobre estes incidia IEC/IT.

d) O arguido desconhecia que a atividade de compra a fornecedores estrangeiros de líquidos contendo nicotina em recipientes utilizados para a carga e recarga de cigarros eletrónicos e de acessórios relacionados com o sector do tabaco, incluída a “vaporização” (ou dos cigarros eletrónicos) e a sua venda a terceiros consumidores finais em território nacional português estavam sujeitas a IVA.

e) Bem como desconhecia que sobre si impendia o dever de declarar tais aquisições e vendas à ATA.

f) Houve um entendimento entre os arguidos quanto à forma de exploração dos estabelecimentos comerciais que se consubstanciou na sua cedência.

g) O arguido DD exerceu a sua atividade de comercialização de artigos de “vapping” de 2016 a 2019 unicamente na loja de ... e a partir do ano de 2020 o mesmo deixou de exercer aí a sua atividade.

h) Relativamente à loja de ..., nunca teve o arguido quaisquer papéis de gestão e/ou direção no negócio e atividade aí desenvolvida.

i) O referido em 3. dos factos acima dados como provados constantes da contestação do arguido DD sucedeu apenas por serem esses estabelecimentos comerciais os que estavam registados nas plataformas de fornecedores.


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2.2.3. (Constante da contestação do arguido AA):

a) Após 2019, o arguido AA não tinha qualquer domínio sobre a sociedade “B..., Lda.”.


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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Como dispõe o artigo 127º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, tendo o julgador liberdade para formar a sua convicção com base no juízo que formula, o qual procura a sua fonte no mérito objectivo e concreto do caso tal como ele foi exposto e representado no processo.

A convicção do Tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos, análises e pareceres técnicos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos pessoais – e estes em função das respectivas razões de ciência, das certezas e/ou das lacunas denotadas, de contradições, hesitações, (im)parcialidade, serenidade, “linguagem silenciosa” e do comportamento, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência.

A actividade probatória é, pois, constituída pelo complexo de actos que tendem a formar a convicção do julgador sobre a existência ou inexistência de certo facto.

Na formação da convicção judicial concorrem provas e presunções, sendo certo que as primeiras são instrumentos de verificação directa dos factos ocorridos e as segundas permitem estabelecer a ligação entre o que temos por adquirido e aquilo que as regras da experiência nos permitem inferir. A prova directa refere-se imediatamente aos factos probandos, enquanto a prova indirecta se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova. Na prova indirecta, mais do que em qualquer outra, intervêm a inteligência e a lógica do julgador. Esta prova pressupõe um facto, demonstrado através de uma prova directa, ao qual se associa uma regra da ciência, uma máxima da experiência ou uma regra de sentido comum. Este facto indiciante permite a elaboração de um facto-consequência em virtude de uma ligação racional e lógica. Aliás, é importante que se refira que a prova indiciária, ou o funcionamento da lógica e das presunções, bem como das máximas da experiência, é transversal a toda a teoria da prova, começando pela averiguação do elemento subjectivo de crime, que só deste modo pode ser alcançado, até à própria creditação da prova directa constante do testemunho.

Tendo presentes estes critérios orientadores e reportando-nos ao caso dos autos, o Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência comum e da normalidade social, tendo sopesado os depoimentos produzidos pelas testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, o teor dos relatórios periciais e os demais documentos juntos aos autos com pertinência para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, nos moldes que a seguir se expõem.

Não tendo nenhum dos arguidos pretendido prestar declarações em audiência de julgamento, importa desde logo analisar a prova testemunhal produzida.

Como assim, foram determinantes para a formação da convicção do Tribunal os depoimentos das testemunhas BB (Inspector Aduaneiro na Alfândega ... há mais de 20 anos); QQ (Inspector na Alfândega ..., tendo realizado a fiscalização ao arguido DD no ano de 2017); RR (Inspector Tributário, exercendo funções na área da investigação criminal desde 2013); SS (Inspector Aduaneiro há mais de 20 anos); CC (Inspector Tributário desde 2015); TT (Contabilista certificada; foi contabilista da sociedade “A..., Lda.” entre 2018 até 2020); UU (Contabilista certificado; foi contabilista da sociedade “B..., Lda.” e dos arguidos DD e AA); VV (trabalhou, há 4 anos atráse durante cerca de 6 meses, na loja de ... gerida pelo arguido EE); WW (é consumidor de tabaco electrónico desde 2008/2010 e foi nesse âmbito que conheceu os arguidos DD e AA); XX (foi consumidor de cigarros electrónicos entre 2019 e 2022, tendo sido cliente das lojas dos arguidos de ... e de ...); YY (consome cigarros electrónicos desde 2018, sendo cliente das lojas dos arguidos de ... e de ...); ZZ (fumou cigarros electrónicos entre 2019 e 2020, tendo sido cliente da loja dos arguidos de ...); AAA (fuma tabaco electrectónico, sendo cliente da loja dos arguidos de ...); BBB (comprou cigarros electronicos na loja dos arguidos de ... entre final de 2019 e inícios de 2020); CCC (foi fumador de cigarros electrónicos desde 2017 e era cliente da loja dos arguidos de ... e de ...); DDD (sócia-gerente da empresa “W...” desde há 14 anos, a qual teve instalações arrendadas na Rua ..., em ...); EEE (foi sócio-gerente das empresas “Y...” e “X...”, as quais tiveram instalações arrendadas na Rua ..., em ...); FFF (em 2018/2019 era cliente da Loja do arguido EE); GGG (há 5 ou 6 anos atrás foi cliente da Loja de ...).

Relevaram, ainda, os depoimentos das testemunhas de defesa HHH (amigo dos arguidos DD desde 2017/2018 e frequentador da Loja de ...); III (conhece os arguidos DD por ter sido cliente da Loja de ...); JJJ (amigo de infância do arguido DD); KKK (amigo do arguido DD há mais 30 anos) e LLL (prima por afinidade do arguido DD).

Assim, e no sentido da comprovação dos factos acima dados como demonstrados, a testemunha BB relatou pormenorizadamente as diligências efectuadas no âmbito da inspecção levada a cabo no ano de 2017 pela Alfândega ... à actividade económica (venda de produtos para cigarros electrónicos) desenvolvida pelo arguido DD. Explicou que a partir de 2015 passou a incidir imposto especial sobre os líquidos para cigarros electrónicos contendo nicotina, sendo que, naquela inspecção, foram detectadas quantidades desses líquidos que não tinham pago o referido imposto. A Alfândega ... pediu então ao arguido DD os documentos contabilísticos relativos às compras desses produtos no período compreendido entre 2015 a 2017[4] e verificaram que grande parte dessas compras eram feitas a uma empresa espanhola[5] e que muitos dos produtos relacionados com os cigarros electrónicos e líquidos contendo nicotina[6] nunca tinham sido declarados à Alfândega.[7] Além disso, o arguido DD não forneceu qualquer documento referente às vendas daqueles produtos.

Mais relatou que, tratando-se de transacções intercomunitárias, existe um registo informático[8] obrigatório em que os vendedores dos produtos e os sujeitos passivos (quem compra) têm de declarar as vendas e as aquisições desses produtos, respectivamente, sendo que a entidade aduaneira espanhola constatou que havia discrepâncias entre as vendas dos sobreditos produtos pela empresa espanhola e as compras dos mesmos pelo arguido DD: as vendas de líquidos com nicotina eram em maior número do que as compras. Confrontado com tal divergência, o arguido DD apresentou como justificação o facto de ter existido uma “confusão” com o seu NIF[9]; porém, não apresentou qualquer suporte documental comprovativo dessa alegada “troca” do NIF. Por isso, foi instaurado procedimento criminal.[10]

Contou, ainda, que pediram à empresa “Ae...”[11] informação sobre se toda a mercadoria tinha sido remetida para as instalações da empresa do arguido DD, na Rua ..., em ..., e se a mesma tinha sido recepcionada e não devolvida por tal arguido e confirmaram que assim foi, o que significa que não existiu qualquer erro com a indicação do NIF do arguido DD, pois que, se tivesse existido, o mesmo teria devolvido as encomendas. Fizeram então buscas[12] naquelas instalações (Rua ...) e noutros locais e constataram que o arguido DD tinha constituído três sociedades, todas elas ligadas à actividade de “vaporização” e geridas por ele e pelos seus sócios, os co-arguidos AA e EE. Nessas buscas, constataram que os arguidos vendiam os produtos através das janelas das lojas (ao postigo)[13]. Fizeram recolha dos elementos informáticos dos computadores das três sociedades e apreenderam as respectivas contabilidades, tendo verificado que essas empresas quase não tinham actividade e que os valores que declaravam eram praticamente inexistentes, embora tivessem lojas abertas. Na loja da sociedade “B...” havia alguns produtos para venda, sendo que a respectiva documentação - facturas emitidas por inúmeras empresas espanholas e francesas dirigidas ao DD e a três empresas portuguesas com várias denominações e a uma empresa holandesa, bem como notas de encomendas e notas de venda, maioritariamente dos anos de 2017 e 2018 - estava amontoada em caixotes para ir para o lixo. Verificaram, então, que quase todas as facturas tinham indicação do NIF do arguido DD[14], mas vinham dirigidas a outras empresas.[15] Daí concluíram que as aquisições daqueles produtos não eram declaradas fiscalmente.[16] Também apreenderam documentação respeitante a conta bancária titulada por FF - mãe do DD - com depósitos aí efectuados pelo arguido DD para pagamento das compras destes produtos, sendo certo que, apesar de a referida FF nada ter que ver com a actividade de “vaporização” (cigarros electrónicos), a sua conta bancária era utilizada e movimentada pelo arguido DD exclusivamente para esse fim. Apreenderam, ainda, facturas emitidas em nome do arguido DD com o NIF doutras entidades (empresas que nada tinham que ver com a activiadde de venda de cigarros electrónicos) de forma a este não pagar impostos em Portugal; dessa forma, a fraude fiscal assentava essencialemente em vendas sem facturas ou com facturas de entidades terceiras.[17]

Mais referiu que, após 2019, o modus operandi continuou a ser o mesmo, mas a partir dessa altura entraram no “esquema” os outros dois arguidos e foram constituídas duas das referidas sociedades. Assim, em meados de 2019 era o arguido EE quem geria e era o responsável pela loja de ..., sendo que o arguido AA entrou no “esquema” em 2020.[18] A partir de 2019, algumas das facturas continuaram a ser emitidas em nome do arguido DD, mas começaram a ter como locais de destino (locais de entrega) das mercadorias também as lojas de ... e ... e alguns dos pagamentos eram feitos através duma conta bancária do Banco 2...” titulada pelo arguido EE e também duma conta bancária titulada pela companheira do arguido AA, de nome MM. Analisadas as referidas contas bancárias, constataram que os pagamentos das mercadorias encomendadas eram divididos entre os três arguidos a partir de 2020, sendo que a constituição das três sociedades não se destinou a expandir o negócio, até porque as mesmas quase não tinham actividade, mas para todos os arguidos gerirem o negócio da “vaporização” nos mesmos moldes já anteriormente levados a cabo pelo co-arguido DD.

A testemunha BB confirmou, depois, todos os montantes que constam dos Relatórios juntos aos autos[19], os quais foram apurados com base nas facturas, e-mails, extractos de contas bancárias e demais documentação apreendida, conforme acima descreveu, adiantando que os valores apurados são até inferiores aos reais porque existiram outras compras que aí não estão englobadas. Especificamente acerca dos critérios utilizados no apuramento destes valores, afirmou que nos computadores apreendidos encontraram três

Na 1ª folha de excel do 1º ficheiro constavam vários quadros divididos por ano, mês e dia e estavam registados vários valores todos os dias da semana (com excepção de domingos e feriados) e isso coincidia com os dias (úteis) em que se faziam as vendas. Também tinha anotações com referências a clientes, produtos vendidos e montantes pagos. Nos outros dois ficheiros constava também facturação dos arguidos de venda dos produtos. Num dos ficheiros existia uma folha em excel, denominada “compras”, que constituía o controlo das compras efectuadas e das vendas que cada um dos arguidos começou a gerir em cada uma das referidas lojas. Com base nestes ficheiros foram apurados os montantes das vendas pelos arguidos em cada uma das lojas, pois não havia factuaração oficial nas contabilidades das sociedades comerciais em cujas sedes estavam instaladas as lojas. Relativamente ao ano de 2020, foram imputados valores de forma solidária aos arguido DD e AA porque não conseguiram apurar os concretos montantes das vendas de cada um deles já que o ficheiro de facturação era usado/manipulado pelos arguidos indistintamente.[20]

Confrontada a testemunha com o teor dos Relatórios constantes dos autos, por si elaborados, confirmou o respectivo teor. Mais confirmou o teor do Auto de Busca e Apreensão de 148 e ss.[21]: buscas realizadas na loja de ...; de fls. 154 a 156: buscas realizadas na loja de ...; de fls. 158 e ss.: buscas realizadas na loja de .... Confirmou, também, o Auto de Busca e Apreensão de fls. 179 dos autos principais (e fotos juntas), diligência que foi por si realizada (na loja da Rua ...) e no âmbito da qual procedeu à apreensão de toda a documentação (facturas, guias de transporte, etc.) ali encontrada. Explicitou que nesta diligência esteve presente o arguido AA.

Por sua vez, a testemunha QQ, confrontada com o teor da participação constante de fls. 2 e ss. dos autos principais, confirmou que foi ele quem elaborou tal participação, a qual desencadeou depois esta investigação criminal.

O seu depoimento foi de molde a corroborar, no essencial, o testemunho do Sr. Inspector BB, tendo confirmado que o arguido DD operava no sector da “vaporização” efectuando transacções intercomunitárias sem qualquer registo. Acompanhou a diligência de busca e apreensão à loja de venda ao público de ... (Rua ...) e lá detectaram a existência dalguns recipientes contendo líquidos com nicotina de forma irregular (sem estampilha). O arguido DD apresentou várias facturas de aquisição daqueles produtos, mas eram de valor muito inferior ao que estava expresso na base de dados do “Af...”, tendo acabado por admitir que tinha recebido toda a mercadoria em causa.

A testemunha RR participou na busca realizada à loja de ..., tendo confirmado o respectivo auto, por si subscrito.[22] Nessa busca foi apreendido o computador do arguido DD e os frascos com os líquidos para os cigarros electrónicos contendo nicotina.

A testemunha SS fez uma busca em Outubro de 2020 à empresa “B...” (loja de ...) onde apreenderam o computador do arguido EE[23] e também diversa documentação. Mais confirmou o teor dos Autos de Busca e Apreensão de fls. 225 e ss. e 230 e ss. dos autos principais, por si subscritos – diligência de busca num Gabinete de Contabilidade, onde foi apreendida documentação do arguido AA.

Já a testemunha CC efectuou os cálculos dos valores dos impostos (IVA e IRS) em dívida pelas vendas dos produtos em causa, tendo explicado, em detalhe, os elementos e critérios utilizados na realização dos mesmos: foram-lhe facultados pelos Inspectores da Alfândega as tabelas de excel[24] que discriminavam as vendas dos produtos efectuadas por cada um dos arguidos e verificou que os valores respeitantes às aquisições intracomunitárias eram inferiores aos valores que estavam registados como vendas nos referidos ficheiros de excel. A esse respeito, explicitou que houve um período temporal em que não conseguiu identificar inequivocamente a qual dos arguidos (DD/AA) respeitava o valor do IRS apurado e não pago; mas, quanto ao restante montante apurado, não havia qualquer dúvida acerca do sujeito passivo a que dizia respeito e assim foi plasmado nos documentos dos cálculos. Mais explicitou que se tratavam de aquisições no estrangeiro de produtos para cigarros electrónicos, não havendo lugar ao pagamento de IVA nas aquisições, que era pago nas vendas. Essas vendas não estavam registadas na AT relativamente a cada um dos arguidos[25]; por isso, apurou o valor do IVA com base no valor das aquisições e não com base nas vendas.

A testemunha TT, na sua qualidade de contabislista da sociedade “A..., Unipessoal, Lda.” entre 2018 até 2020, esclareceu que, em termos contabilisticos, aquela empresa não tinha grande volume de transacções, sendo que nunca teve acesso aos respectivos extractos bancários porque o arguido DD sempre lhos negou. Mais esclareceu que as transacções intracomunitárias não apareciam nos registos da Autoridade Tributária (AT). Confrontada com o teor do Apenso contendo a contabilidade desta sociedade, confirmou que a mesma respeita ao perído de 2018 a 2019 e nela consta uma única factura de aquisição de mercadoria do ano de 2018.

A testemunha UU, na sua qualidade de contabilista da sociedade “B..., Lda.” e dos arguidos DD e AA, afirmou que a “B..., Lda.” tinha alguma actividade, mas a sociedade “C..., Lda.” quase não tinha actividade, sendo que as mesmas deram quase sempre prejuízo. Confrontada com o teor do Apenso contendo a contabilidade da sociedade “B..., Lda.”, confirmou que na mesma constam aquisições no mercado nacional e no mercado estrangeiro do ano de 2019; no ano de 2020 não tem qualquer movimento.

A testemunha VV, tendo trabalhado na loja de ... em 2020, afirmou que nessa altura era o arguido EE quem estava nessa loja e era o responsável pela mesma[26], tendo sido ele quem o contratou para aí trabalhar, nunca tendo trabalhado para o arguido DD.[27] Na referida loja de ... o seu trabalho consistia em vender os produtos ao balcão (não havia sites online para as vendas), que registava e passava as respectivas facturas. Essa loja tinha pouco movimento, embora os preços aí praticados fossem muito inferiores aos da concorrência.[28]

A testemunha WW referiu que há cerca de 6 ou 8 anos atrás comprava produtos para cigarros electrónicos na loja de ... e tanto o arguido DD como o arguido AA o atendiam nessa loja. Pagava estes produtos em numerário ou por MBway e era o DD ou o AA quem lhe facultavam o número da conta para esse efeito.

A testemunha YY foi cliente das lojas de ... (onde era atendido pelo arguido EE) e de ... (onde era atendido pelo arguido DD). Nessas lojas pagou sempre em numerário ou por MBway os produtos que adquiriu e não notou que os preços desses produtos fossem aí mais baratos do que nas lojas da concorrência.

Também a testemunha ZZ referiu que efectuou uma compra na loja de ... em 2019, tendo pago por MBway[29] e não tendo notado diferenças de preços em relação a outras lojas similares.

A testemunha AAA mencionou ser cliente da loja de ..., onde era atendido pelos arguidos DD e AA[30]. Pagava em dinheiro, por opção própria, e fez um ou dois pagamentos por MBway[31], sendo que nesta loja os preços eram ligeiramente mais baixos.

A testemunha BBB comprou produtos para cigarros electrónicos, entre final de 2019 e inícios de 2020, na loja de .... Os preços eram bons e a qualidade do produto também. Pagava em dinheiro ou por MBway e nunca pediu recibo.

Já a testemunha CCC foi cliente, desde 2017, da loja de ..., onde era atendido pelo arguido DD. Depois, passou a ser cliente da loja de ..., onde estava o arguido EE a atender. Pagava por MBway e nunca pagou em dinheiro nem pediu factura.

A testemunha FFF foi cliente da loja de ... em 2018/2019 e era sempre o arguido EE quem a atendia. Pagava por MBway e recebeu facturas dessas compras, sendo que nesta loja os produtos eram mais baratos.

A testemunha GGG foi cliente da loja de ... há 5 ou 6 anos atrás, tendo sido sempre atendido por um indivíduo de nome MMM. Pagava sempre por transferência bancária e nunca lhe passaram factura porque nunca a pediu. Os preços eram similares aos das outras lojas.

Por seu lado, a testemunha HHH referiu que foi consumidor de tabaco electrónico e entre 2018 e 2021 frequentou a loja de ... onde era atendido pelo DD e pelo AA. Havia um computador nessa loja que era usado indistintamente pelo DD e pelo AA. Os clientes pagavam os produtos que compravam nessa loja com dinheiro (em numerário) e também por MBway e não pediam factura.[32]

De igual forma, a testemunha III referiu que era consumidor de tabaco electrónico e frequentou a loja de ... onde era atendido pelo DD e pelo AA.[33] Pagou sempre em dinheiro os produtos que lá adquiriu e nunca pediu factura.

Por sua vez, a testemunha DDD esclareceu que a sua empresa -“W...” – tem como objecto embalagens industriais, nunca tendo tido qualquer relação com comércio de cigarros electrónicos. Além disso, nunca autorizou o arguido DD a usar a identificação fiscal da sua empresa na actividade desenvolvida por aquele.

Também a testemunha EEE afirmou que é empresário do ramo da iluminação e nunca teve qualquer relação comercial com o aqui arguido DD nem com a actividade de comercialização de cigarros electrónicos. Soube mais tarde[34] que o arguido DD usou o número de contribuinte das suas empresas (da testemunha) naquela actividade sem qualquer autorização da sua parte.


*

Em conjugação com os depoimentos prestados em audiência de julgamento e acima sumariamente reproduzidos, considerou-se ainda o teor dos elementos documentais e periciais constantes dos autos, a saber:

- Participação de fls. 4 a 21;

- Doc. de liquidação de fls. 22;

- Documentação remetida pelas autoridades aduaneiras espanholas de fls. 25 a 118;

- Dados do Banco de Portugal de fls. 151 a 153;

- Auto de busca e apreensão e registos fotográficos de fls. 179 a 208;

- Auto de busca e apreensão de fls. 212 a 216;

- Auto de busca e apreensão de fls. 225 a 227;

- Auto de busca e apreensão de fls. 230 e 231;

- Mapa de fls. 266 a 270;

- Relatório de análise pericial – exportação de bases de dados, suporte digital e anexo de fls. 276 a 283;

- Boletim de análise de fls. 293 a 295;

- Documentação remetida pelas autoridades espanholas de fls. 20 e seg.s do volume de capa laranja e fls. 23 e seg.s do 1.º vol.;

- Auto de diligência externa de fls. de fls. 148 e seg.s do volume de capa laranja;

- Documentação extraída das bases de dados da ATA de fls. 161 e seg.s do volume de capa laranja;

- Autos de busca e apreensão de fls. 177 do 1.º vol.;

- Informações transmitidas pela transportadora Ae... de fls. 260 e seg.s do 2.º vol.; - Quadros de fls. 644 e seg.s do 3.º vol.;

- Relatório intercalar com o apuramento do Imposto Especial sobre o Tabaco em falta de fls. 831 e seg.s do 4.º vol.;

- Informação com o apuramento das vantagens patrimoniais obtidas pelos arguidos, em sede de IVA e de IRC de fls. 855 e seg.s do 4.º vol.;

- Anexo A – Documentos extraídos do processo de inspecção a DD; - Anexo B – Documentação apreendida à “A..., Lda.”;

- Anexo B-1 – Documentação apreendida à “C..., Lda.”; - Anexo C – Documentação bancária;

- Anexo D – Auto de análise de mensagens de correio electrónico entre DD e a “G... S. L. – ...”;

- Anexo D-1 - Auto de análise de mensagens de correio electrónico entre DD e a “O...”;

- Anexo D-2 - Auto de análise de mensagens de correio electrónico entre DD e a “J... – SARL Ag...”;

- Anexo D-3 - Auto de análise de mensagens de correio electrónico entre DD e a “I...”;

- Anexo D-4 - Auto de análise de mensagens de correio electrónico entre DD e a “H... S.L. – Q...”;

- Anexo D-5 - Auto de análise de mensagens de correio electrónico entre DD e a “K...”;

- Anexo D-6 - Auto de análise de mensagens de correio electrónico entre DD e a “U...”;

- Anexo D-7 - Auto de análise de mensagens de correio electrónico entre DD e a “T...”;

- Anexo D-... – Auto de análise de mensagens de correio electrónico entre DD e a “L...”;

- Anexo D-9 - Auto de análise de mensagens de correio electrónico entre DD e a “R...”;

- Anexo D-10 - Auto de análise de mensagens de correio electrónico entre DD e a “M...”;

- Anexo D-11 - Auto de análise de mensagens de correio electrónico entre DD e a “N...”;

- Anexo D-12 - Auto de análise de mensagens de correio electrónico entre DD e a “P...”;

- Anexo D-13 - Auto de análise de mensagens de correio electrónico entre DD e a “S...”;

- Anexo D-14 - Auto de análise de mensagens de correio electrónico entre DD e a “V...”;

- Anexo D-15 - Auto de análise de mensagens de correio electrónico;

- Anexo E – Autos de análise de dados e respectivos documentos referentes ao fornecedor “G... S.L.-...”;

- Anexo E-1 – Auto de análise de dados e respectivos documentos referentes ao fornecedor “O...”;

- Anexo E-2 – Auto de análise de dados e respectivos documentos referentes ao fornecedor “J... – SARL Ag...”;

- Anexo E-3 - Auto de análise de dados e respectivos documentos referentes ao fornecedor “I...”;

- Anexo E-4 - Auto de análise de dados e respectivos documentos referentes ao fornecedor “H..., S.L. – Q...”;

- Anexo E-5 - Auto de análise de dados e respectivos documentos referentes ao fornecedor “K...”;

- Anexo E-6 - Auto de análise de dados e respectivos documentos referentes ao fornecedor “U...”;

- Anexo E-7 - Auto de análise de dados e respectivos documentos diversos.


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Tempo agora de proceder à análise crítica da prova produzida.

E, analisada toda a prova, conjugada entre si e concatenada com as regras de normalidade e de experiência comum, resultou para este Tribunal Colectivo a firme convicção acerca da prática pelos arguidos DD, EE e AA dos factos acima dados como demonstrados.

Assim é que todos esses factos foram relatados de forma pormenorizada e essencialmente coincidente pelas testemunhas BB, QQ, RR, SS e CC – cuja credibilidade se funda na razão de ciência que demonstraram[35], mas também na forma coerente, isenta, segura, serena e fundamentada como depuseram - e mostram-se amplamente reflectidos e plasmados na vasta documentação junta aos autos apreendida no âmbito das diligências de busca e apreensão levadas a cabo no locais onde os arguidos operavam – sedes das sociedades “A..., Unipessoal, Lda”, “C..., Lda.” e “B..., Lda.” - e também nos Gabinetes de Contabilidade responsáveis pela contabilidade daquelas empresas e dos próprios arguidos.

Especificamente acerca das aquisições intracomunitárias efectuadas pelo arguido DD dos liquídos contendo nicotina, é de notar que a “explicação” adiantada pelo mesmo para o não cumprimento das formalidades legalmente exigidas e para o não pagamento do imposto devido – segundo a qual não tinha encomendado todos os referenciados produtos contendo nicotina, tendo sido um “erro” do fornecedor espanhol[36] na emissão das facturas ao aí colocar o seu NIF – não tem o menor cabimento já que toda essa mercadoria foi por ele recepcionada[37] e não foi reclamada e/ou devolvida[38], como seria de esperar se efectivamente tivesse existido um erro/lapso quanto ao seu destinatário.

Veja-se, aliás, que este arguido, bem ciente de que não se tratou de qualquer lapso na emissão daquelas facturas, solicitou ao fornecedor espanhol que emitisse falsamente uma declaração a assumir aquele suposto “erro”, colocando no sistema VIES um outro número fiscal (que não o dele) com vista a evitar o pagamento de “… ... mil euros de multa”45. Para além disso, solicitou àquele fornecedor a “rectificação” das facturas emitidas, passando a constar nas mesmas, não o seu nome, mas o nome de “W..., Lda.”, no sentido de colocar todos os produtos por si adquiridos com nicotina a zero, que assim “… o ajudaria muitíssimo”[39].

A documentação apreendida, designadamente, as facturas já aludidas e a troca de mensagens[40] entre o arguido DD e as empresas estrangeiras fornecedoras de produtos para cigarros electróncos e, bem assim, a análise efectuada a conta bancária[41], revelam que desde o final de 2015 e até Agosto de 2017 aquele arguido, ou omitindo, sem mais, a aquisição dos referidos produtos, ou adquirindo-os com a utilização abusiva da identificação fiscal de terceiros, foi adquirindo no mercado europeu todo o tipo de produtos para cigarros electrónicos, incluindo líquidos com nicotina, sem os declarar às autoridades aduaneiras e fiscais, e efectuando o respectivo pagamento através duma conta bancária titulada por sua mãe[42] - que nada tinha que ver com a actividade de “vaporização” - e não, como seria suposto, por uma conta titulada pelo próprio arguido e que se encontrasse afecta à sua actividade comercial[43].

Na realidade, a vasta documentação junta aos autos[44] revela que o arguido DD indicava empresas terceiras para aquisição dos produtos – como sejam as sociedades comerciais “W..., Lda.”, X..., Lda.” e “Y..., Lda.” – e não forncecia a sua (dele) identificação fiscal (NIF ...), antes indicava os dados fiscais daquelas sociedades – as quais não tinham qualquer tipo de relação com o negócio em causa -para, dessa forma, não ficar associado formalmente às aquisições que ia realizando e, assim, evitar a incidência e pagamento dos respectivos tributos aduaneiros e fiscais. Desta forma, além das aquisições não terem sido declaradas pelo arguido DD (como nenhuma foi), também não seria possível associá-las a ele uma vez que, formalmente, o mesmo não teria qualquer intervenção na aquisição dos produtos.

E o propósito prosseguido pelo arguido DD com esta forma de actuação – não pagar os respectivos impostos – está bem patente nas comunicações trocadas entre ele e os seus fornecedores estrangeiros nas quais aquele arguido lhes pedia para facturar os produtos que ia adquirindo em nome e com um número de IVA de entidades terceiras“… para não lhe cobrar IVA”[45] e para “… evitar pagar impostos em Portugal”[46].

Assim, tendo por base toda a documentação enviada pelas autoridades espanholas no âmbito do pedido de cooperação internacional[47]; enviada pela transportadora “Ae...”; apreendida no decurso das buscas realizadas a 07/10/2020 às instalações e equipamentos informáticos das sociedades A..., Lda”, “C..., Lda.” e “B..., Lda”; e remetida no âmbito da derrogação do sigilo bancário, nos termos já acima assinalados, conclui-se que o arguido DD encomendou, pagou, adquiriu e deteve, para posterior comercialização, entre 19/10/2015 e 05/09/2017, a quantidade total de 129 ml de liquídos com nicotina, em violação das formalidades legalmente exigidas, furtando-se, dessa forma e intencionalmente, ao pagamento do Imposto Especial Sobre o Tabaco, no valor de € 68.424,00.

Mas, para além disso, da documentação apreendida[48] às sociedades “A..., Unipessoal, Lda”, “C..., Lda.” e “B..., Lda.”, constata-se que a actividade das três sociedades era quase inexistente[49], não apresentavam movimentos nem de compras nem de vendas que justificassem a existência das três lojas e que permitissem que as mesmas se mantivessem abertas ao público com alguma sustentabilidade financeira; sendo que o volume de negócios apresentado pelo arguido AA ascendia a € 5.069,91 no ano de 2020 e, quanto aos arguidos DD e EE, não foi apreendido, por inexistir, qualquer elemento contabilístico relacionado com a actividade comercial de compra e venda deste tipo de produtos.[50]

Tal significa que as sobreditas sociedades foram constituídas e utilizadas pelos arguidos com o único intuito de dar a aparência de certa formalidade/legalidade - pelo menos no plano fiscal - à actividade desenvolvida pelos mesmos e como meros locais de recepção e escoamento dos produtos que iam sendo por eles adquiridos e revendidos.

Por outro lado, da análise conjunta aos movimentos das contas bancárias utilizadas pelos arguidos DD[51] e AA[52] com a restante documentação constante dos autos, designadamente, a apreendida no decurso das buscas realizadas a 07/10/2020, foi possível apurar que os arguidos EE e AA a partir de meados do ano de 2019 e no ano de 2020, respectivamente, e até, pelo menos, Outubro de 2020, passaram a adquirir directamente aos mesmos fornecedores do arguido DD o mesmo tipo de produtos sem que essas aquisições fossem formalmente declaradas e sem que as posteriores transacções fossem sujeitas a qualquer tipo de tributação. O mesmo é dizer que o modus operandi seguido pelo arguido DD[53] passou a ser também adoptado pelos co-arguidos EE e AA a partir dos anos de 2019 e de 2020, respectivamente, como se colhe, entre o mais, do teor das inúmeras facturas emitidas pelas entidades fornecedoras daqueles produtos aos arguidos EE[54] e AA[55], apreendidas nos autos, emitidas em nome da sociedade “W..., Lda.”, mas cujas mercadorias se destinavam a ser entregues aos aqui arguidos.

Com efeito, as encomendas e as aquisições feitas por todos os arguidos continuaram a ser concretizadas através do e-mail do arguido DD; as facturas dos fornecedores continuaram a ser emitidas em nome de entidades[56] que nenhuma relação tinham com os aqui arguidos ou com a actividade da “vaporização” por eles desenvolvida; as entregas continuaram a ter como destino a Rua ..., ..., e, a partir de 2019, também a Rua ..., em Ovar[57]; apenas os pagamentos passaram a ser concretizados através de transferências bancárias de contas particulares movimentadas por cada um dos três arguidos[58] e não exclusivamente – como até 2019 havia sucedido – através da conta titulada por FF, mãe do arguido DD, e movimentada por este. Além disso, a partir daquela altura, cada um dos arguidos passou a estar mais afecto a cada uma das lojas em questão (o EE à loja sita de ..., o AA à loja sita em ... e o DD à loja de ..., estes últimos a partir de Janeiro de 2020) e a ser o responsável pelo negócio desenvolvido a partir de cada uma dessas lojas, fazendo a sua gestão diária; sendo de relevar que essa gestão não era realizada em nome de qualquer uma das sociedades “A..., Unipessoal, Lda”, “C..., Lda.” e “B..., Lda.” - apesar de as mesmas terem aí as respectivas sedes sociais - e sendo certo que nenhum dos arguidos apresentava qualquer rendimento associado a esta actividade.

Da análise detalhada aos movimentos financeiros das contas bancárias dos arguidos EE e AA em confronto com os da conta bancária do arguido DD[59] e com os documentos comerciais emitidos pelos fornecedores comunitários[60], foi possível apurar que as três contas bancárias se encontravam afectas, em exclusivo, à referida actividade do sector da “vaporização” desenvolvida pelos três arguidos; que foi a partir dessas contas bancárias que os arguidos pagaram o preço dos produtos que iam adquirindo aos seus diversos fornecedores; e que parte dos proventos auferidos pelos arguidos com a referida actividade foram depositados nessas contas bancárias, quer através de depósitos em numerário, quer através de pagamentos efectuados pelos clientes por MBway ou por transferências bancárias.[61]

Ademais, constam também apreendidos nos autos ficheiros em formato “Excel”[62] contendo a “facturação paralela” que era utilizada e manipulada indistintamente pelos arguidos de forma a terem o controlo sobre as compras e vendas dos sobreditos produtos que diariamente efectuavam e respectivos clientes e valores. Com efeito, nenhum dos três arguidos emitiu facturas a titular as suas vendas, mas tinham para seu controlo interno/pessoal registos onde iam anotando os valores das vendas que iam realizando diariamente[63]. E tais registos afiguram-se verdadeiros[64] porquanto os mesmos não ostentavam qualquer valor transaccionado aos domingos e feriados (por nesses dias as lojas se encontrarem encerradas ao público) e, além disso, continham diversas anotações/comentários feitas pelos arguidos acerca dos valores pagos e em falta, bem como alusão a alguns clientes. Nessa medida, atenta a designação dada pelos arguidos aos ficheiros em causa (“facturação”), ao conteúdo dos mesmos (valores que foram sendo anotados diariamente, exceptuaando os dias em que as lojas se encontravam encerradas ao público), ao facto de o ficheiro designado “facturação ...” só se encontrar preenchido a partir de Janeiro de 2020 (data em que o arguido DD passou a trabalhar naquele local) e o da “facturação Ah...” a partir de Agosto de 2019 (três meses após a constituição da sociedade “B..., Lda.”) e, ainda, o teor dos vários comentários que foram sendo inseridos pelos arguidos nos referidos ficheiros, resulta claro que tais documentos correspondem a “contabilidade paralela” através da qual os arguidos controlavam os seus proventos, que não declaravam. Ainda da análise dos sobreditos ficheiros foi possível extrair que os valores constantes do ficheiro “faturação1.ods” dos anos de 2016 a 2019 correspondem às vendas (não declaradas nem facturadas) pelo arguido DD; os valores constantes do ficheiro “faturação ...” correspondem às vendas (não declaradas nem facturadas) pelo arguido DD; os valores constantes do ficheiro “faturação Ah...” correspondem às vendas (não declaradas nem facturadas) pelo arguido EE[65]; os valores constantes do ficheiro “faturação 1.ods” do ano de 2020 correspondem às vendas (não declaradas nem facturadas), quer pelo arguido DD, quer pelo arguido AA.[66]

Assim, da inspeccção aduaneira e fiscal levada a cabo a partir de 2017 à actividade desenvolvida pelo arguido DD, foi possível constatar que este arguido utilizou diversos meios ardilosos para ludibriar as entidades competentes de forma a não pagar os impostos devidos pela aquisição intracomunitária e introdução em Portugal de produtos para cigarros electrónicos, incluindo líquidos contendo nicotina, as quais consistiram em:

- não registar na sua contabilidade (que era inexistente), nem declarar às autoridades aduaneiras as aquisições intracomunitárias dos líquidos contendo nicotina;

- efectuar a aquisição intracomunitária destes produtos utilizando falsa e abusivamente a identificação fiscal doutras sociedades[67] totalmente alheias ao negócio em causa (“vaporização”);

- proceder ao pagamento destes produtos através duma conta bancária particular da sua mãe[68] e não através de uma qualquer conta bancária por si titulada e/ou por qualquer uma das sociedades “A..., Lda”, “C..., Lda.” e “B..., Lda”, de que era sócio e gerente, como seria normal e razoável se nada tivesse a “esconder”;

- proceder às transacções internas[69] dos produtos adquiridos[70] sem emissão de qualquer documento comercial (factura) e sem registo de tais vendas na contabilidade oficial.

Mais se acrescente que esta forma de actuação – que também passou a ser utilizada pelos os arguidos EE e AA a partir dos anos de 2019 e de 2020, respectivamente - não sucedeu de forma esporádica ou isolada, antes foi sendo mantida durante um período de tempo alargado, sendo que, no caso do co-arguido DD, perdurou por mais de 5 anos.

E daí que não se nos afigure minimamente razoável nem crível a alegação do arguido DD segundo a qual desconhecia a obrigatoriedade de pagamento dos impostos respeitantes à comercialização dos produtos em causa nos autos. É que, ao contrário do alegado, toda a descrita actuação do arguido é por demais reveladora de que, não só conhecia essa obrigatoriedade[71], como tudo fez para ocultar às entidades competentes (aduaneira e fiscal) as transacções que ao longo dos anos foi fazendo dos produtos em questão. Ademais, e tal como também decorre da documentação apreendida nos autos e foi referido pela testemunha BB, o arguido DD operava no sector da “vaporização” desde 2013, tendo, portanto, larga experiência no ramo, pelo que não poderia razoavelmente ignorar as formalidades legalmente exigidas para a introdução no mercado nacional dos produtos para cigarros electrónicos, incluindo os líquidos contendo nicotina, e, menos ainda, a obrigação de pagar à Administração Aduaneira e Fiscal os tributos devidos por tal actividade.

Por outro lado, o descrito “esquema” que passou a ser utilizado por todos os arguidos é também de molde a afastar a tese propugnada por eles de que não existiu qualquer conluio ou acordo entre todos para a prática dos factos, tendo cada um deles actuado individualmente. A contrariar essa tese está, desde logo:

- a circunstância de também os arguidos EE e AA terem passado a efectuar, a partir de 2019 e de 2020, respectivamente, as encomendas através do e-mail do arguido DD;

- o facto de as respectivas facturas emitidas pelos fornecedores o continuarem a ser com o número de identificação fiscal de entidades[72] que nenhuma relação tinham com os aqui arguidos ou com a actividade da “vaporização” por eles desenvolvida;

- o facto de as entregas continuaram a ter como destino a Rua ..., ..., e a partir de 2019 também a Rua ..., em Ovar;

- a circunstância de todos os arguidos, a partir de 2019, terem tido intervenção como sócios na sociedade comercial “B..., Lda.” e os arguidos DD e EE na sociedade “C..., Lda”, as quais apresentavam um volume de negócios quase inexistente, pelo que o objectivo das respectivas constituições não poderia ser outro do que “camuflar” a real actividade a que se dedicavam em conjunto os três arguidos;

- ainda, a circunstância de todos os arguidos utilizarem a mesma “facturação paralela” através da qual iam controlando as transacções “clandestinas” que realizavam dos sobreditos produtos nos diversos pontos de venda (..., ... e ...).

Destarte, analisada criticamente toda a prova produzida nos moldes enunciados, resultou para este Tribunal Colectivo a convicção segura acerca da prática pelos arguidos dos factos tal como acima dados por demosntrados, incluída a sua intencionalidade e o perfeito conhecimento das respectivas ilicitude, proibição e punição legal. Com efeito, a conclusão pela verificação dos elementos subjectivos dos tipos legais em presença resulta da factualidade dada como provada, a qual traduz o preenchimento dos respectivos elementos objectivos. Os factos consubstanciadores do dolo (quer do dolo do tipo, quer mesmo do da culpa, onde se inclui a consciência da ilicitude) porque inerente à dimensão subjectiva, do foro psicológico, são quase sempre indemonstráveis de forma naturalística, extraindo-se normalmente das circunstâncias objectivas que rodearam a prática do facto e da ausência ou afastamento das causas que o possam excluir, conferidas com as máximas da experiência e da lógica e as presunções judiciais admissíveis. Donde, tendo em atenção os demais factos que provados ficaram, também os factos respeitantes aos elementos subjectivos das infracções não poderão deixar de ser considerados como tal.

Relativamente às condições pessoais dos arguidos, teve-se em conta o teor dos respectivos Relatórios Sociais juntos aos autos, bem como, relativamente ao arguido DD, os depoimentos das testemunhas JJJ, o qual atestou que aquele arguido é pessoa correcta e íntegra, sempre foi muito responsável e sempre adoptou um estilo de vida simples (sem quaisquer luxos), não se revendo nos factos que se discutem neste processo, o qual lhe tem causado tristeza e abatimento. Igual opinião acerca do carácter do arguido DD manifestou a testemunha KKK, referindo que o arguido leva uma vida simples (sem luxos) e é pessoa trabalhadora, respeitadora, com princípios e um bom amigo, encontrando-se muito amargurado com este processo e desiludido com ele próprio. E o mesmo garantiu a testemunha LLL, a qual afirmou que o arguido DD sempre foi pessoa perfeitamente integrada e educada nos valores do direito e da vida em sociedade, tido como pessoa conceituada e perfeitamente idónea. Não apresenta sinais exteriores de riqueza e está arrependido, envergonhado e constrangido com este processo.

Quanto à ausência de antecedentes criminais dos arguidos, relevaram os respectivos Certificados de Registo Criminal constantes dos autos.

No que respeita à factualidade considerada não provada, estribou-se o Tribunal na circunstância de, numa parte, se ter feito prova de factos e circunstâncias que contrariam e infirmam tal factualidade – nos termos acima vistos – e, sobre a demais factualidade, não se fez prova bastante capaz de convencer o Tribunal da sua veracidade.

Assim é em relação ao alegado aproveitamento comum dos três arguidos das vantagens económicas auferidas com a prática dos factos desde 2016[73], posto que a prova produzida foi peremptória no sentido de apenas o arguido DD ter praticado aqueles factos entre 2016 e 2018 e só nos anos de 2019 e de 2020, respectivamente, é que aderiram ao plano gizado por aquele os arguidos EE e AA[74], nos termos acima vistos. Concretamente acerca das vantagens obtidas pelos arguidos em sede de IRS, afigura-se-nos que ao arguido AA não pode ser imputada qualquer vantagem a esse nível, posto que no apuramento dos valores em dívida efectuado pela investigação não vêm individualizados os concretos montantes atribuídos a este arguido, antes tendo a vantagem patrimonial de € 71.123,87 indicada a título de IRS na tabela constante do ponto 59. da acusação pública atribuído indistintamente esse valor aos arguidos DD e AA, o que não se afigura curial já que tal valor corresponde na íntegra ao produto da soma dos valores apurados como sendo da responsabilidade do arguido DD dos anos de 2016 a 2019, período de tempo em que o arguido AA não teve intervenção nos factos. E daí que, inexistindo nos autos quaisquer outros elementos respeitantes ao arguido AA nesse âmbito, essa específica factualidade ter-se-á por considerar como não provada.

Quanto ao alegado pelo arguido DD de que nunca teve qualquer tipo de gestão na loja de ... e que deixou de ter intervenção na gestão da loja de ... e no final 2019, é irrefutável que o arguido DD sempre teve intervenção directa[75] nas três sociedades – “A... – Unipessoal, Lda.”, “C..., Lda.” e “B..., Lda.” – cujas sedes se situavam, justamente, nas moradas das lojas de ..., ... e ..., respectivamente -, sendo certo que as duas primeiras só cessaram a actividade em Outubro de 2020 e a última ainda se encontra a laborar, tal como emerge dos autos. Donde, apesar de cada um dos arguidos ter passado, a certa altura, a desenvolver mais de perto o negócio “clandestino” em questão a partir de cada um dos aludidos pontos de venda, é indubitável que todos eles tinham o controlo de facto desse negócio, partilhando, inclusivamente, a plataforma digital do arguido DD para efectuarem as encomendas, bem como a dita “facturação paralela”, pelo que a respectiva forma de actuação não pode deixar de ser considerada como conjunta no período de 2019 e 2020, nos termos já acima melhor explicitados.


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DA INVOCADA NULIDADE DO INQUÉRITO:

No decurso da audiência de julgamento o co-arguido AA veio arguir a nulidade decorrente da invalidade das diligências de busca e apreensão e, em consequência, de todas as provas contra si recolhidas com base no respectivo mandado[76], alegando que o objecto do referido mandado se limitava às sociedades suspeitas indicadas nos autos, tendo sido indevida e injustificadamente alargado, no dias das buscas e apreensões, ao arguido AA.

Cumprido o contraditório, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da nulidade invocada.

Cumpre apreciar desde já esta questão processual, cuja eventual procedência poderá prejudicar o conhecimento do mérito da causa.

E assim fazendo.

Estabelece o artigo 119º do Código do Processo Penal, sob a epígrafe “Nulidades insanáveis”: “Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:

a) A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição;

b) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência;

c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;

d) A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade;

e) A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º;

f) O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.”.

Por sua vez, estatui o artigo 120º do mesmo Código, sob a epígrafe “Nulidades dependentes de arguição”: “1 - Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte.

2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:

a) O emprego de uma forma de processo quando a lei determinar a utilização de outra, sem prejuízo do disposto na alínea f) do artigo anterior;

b) A ausência, por falta de notificação, do assistente e das partes civis, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;

c) A falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória;

d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.

3 - As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas:

a) Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado;

b) Tratando-se da nulidade referida na alínea b) do número anterior, até cinco dias após a notificação do despacho que designar dia para a audiência;

c) Tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito;

d) Logo no início da audiência nas formas de processo especiais.”.

Ora, os fundamentos avançados pelo arguido AA não encontram acolhimento em nenhuma das alíneas do citado artigo 119º do CPP, não configurando, por conseguinte, qualquer nulidade insanável. Resta, pois, a sua eventual subsunção ao regime das nulidades dependentes de arguição a que alude o artigo 120º do CPP.

Simplesmente, tratando-se de alegada nulidade de Inquérito, por invocada invalidade da diligência de busca e apreensão respeitante ao arguido AA, a mesma deveria ter sido arguida até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução (como foi o caso destes autos), até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito (artigo 120º, nº 3, al. c) do CPP); o que não aconteceu.

Não tendo sido invocada no referido prazo, quando o poderia e deveria ter sido, a arguida nulidade – a existir – sempre se consideraria sanada, nos termos do disposto nos artigos 120º e 121º do CPP por não ter sido atempadamente invocada.[77]

Razão pela qual o Tribunal dela não toma conhecimento.


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B. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Conforme jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da apreciação de todas as matérias que sejam de conhecimento oficioso.

No caso concreto, o recurso coloca as questões seguintes:

- nulidade do inquérito [invalidade de buscas e apreensões];

- violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare;

- impugnação da matéria de facto [erro de julgamento/insuficiência da matéria de facto provada para a decisão];

- nulidade do acórdão [por falta de fundamentação/omissão de pronúncia quanto à decisão sobre a medida da pena];

- dosimetria da pena/suspensão da pena.

Nulidade do inquérito

Insurge-se o recorrente contra a decisão, inserta no acórdão, relativa a arguição de nulidade por parte do arguido AA.

·

Do processo resulta que, em 21-10-2024, o arguido AA formulou requerimento (Referência: 40440600), nos termos seguintes:

(…)

Resulta dos autos que os mandados de busca e apreensão emitidos em 07.10.2020 tinham como objeto e limitavam-se às sociedades suspeitas e melhor identificadas nos autos, ordenando a pesquisa de dados informáticos existentes nos sistemas informáticos que se encontrassem nos locais onde foram efetuadas as buscas ou que de algum modo estivessem na posse do então suspeito DD.

E ainda, os dados que se encontrassem noutro sistema informático mais acessíveis a partir do sistema inicial e consequentemente a apreensão de dados informáticos necessários à produção de prova relacionados com a prática do crime acima referido.

O crime que se pretendia apurar estava relacionado com a introdução fraudulenta no consumo de produtos contendo nicotina e outros, P. e P. no art.º 96.º n.º 1 al. A) do R.G.I.T.

Do depoimento da testemunha BB, inspetor aduaneiro e nos autos responsável pelos atos de investigação, resulta o seguinte:

A) diz que pediu mandados de busca por indicação às três sociedades, de que o único sócio gerente era o DD;

B) Diz que não se recorda se haviam faturas em nome de AA;

C) Que lhe foi dito no dia da busca, que quem geria os destinos da loja de ..., desde 2020 era o arguido AA;

D) Que as compras eram feitas a partir do registo do arguido DD nos destinos a ... e ...;

E) Que em 2020 não sabe se era o AA quem manipulava os ficheiros de faturação;

F) Que as faturas emitidas em nome de AA eram todas legais.

G) Que as buscas foram realizadas de manhã.

Do depoimento da testemunha SS, inspetor tributário, resulta o seguinte:

A) Teve intervenção nas buscas no gabinete de contabilidade;

B) Que as buscas foram realizadas de tarde.

C) Que quem lhe deu indicação para fazer buscas na contabilidade de AA foi o inspetor BB, responsável pela investigação

Ora, os objetos dos mandados estavam bem definidos cfr. Fls. 154 a 163, quer quanto à intervenção, quer quanto ao suspeito, e, portanto, sem legitimidade judiciária, foi indevidamente e injustificadamente estendido e alargado pelo inspetor BB ao arguido AA, no dia das buscas e apreensões e posteriormente erradamente validadas pelo Ministério Publico titular do inquérito, na ótica da defesa.

Nestes termos, entende a defesa do arguido AA, que estamos perante uma nulidade nos termos e com as consequências previstas no art.º 120.º e 122.º do CPP, que desde já se argui, devendo por isso V. Exas, considerarem que todas as provas recolhidas no âmbito daquele referido mandado, correspondente à parte que diz respeito ao arguido AA, devem ser consideradas contaminadas e nulas por falta de mandado e consequentemente serem não consideradas, assim como aquelas que por via destas levaram à indiciação e acusação do arguido, ou seja, todas aquelas que foram obtidas após a apreensão das antecedentes e que levaram à constituição como arguido e posterior acusação, nomeadamente as obtidas através dos gabinetes de contabilidade e do levantamento do sigilo bancário, assim com aquelas que foram retiradas dos meios informáticos pertencentes ao arguido AA.

O Ministério Público pronunciou-se, em 18-11-2024, sobre tal requerimento (Referência: 465465315), em que concluiu, nos termos seguintes: (…)

Da análise dos presentes autos resulta o seguinte:

· Os mandados de busca e apreensão foram ordenados, conforme despacho proferido em 15.09.2020, constante de fls. 135 a 141, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 174.º, n.º 2, com referência ao n.º 1 do mesmo artigo, e n.º 3, 176.º e 178.º todos do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:

- à sede e instalações da sociedade A..., Sociedade Unipessoal, Lda situadas na Rua ..., ..., ... ..., em Vila Nova de Gaia;

- à sede e instalações da sociedade B..., Lda, situadas na Rua ..., ..., ..., ... Ovar;

- à sede e instalações da sociedade C..., Lda, situadas na Rua ..., com entrada pelo n.º ..., ..., em ...;

com vista à apreensão de objetos e elementos de prova relacionados com a prática do crime de introdução fraudulenta no consumo.

Mais se determinou, ao abrigo das citadas normas, a emissão de mandados de busca:

- às instalações do D..., Lda, situadas na Avenida ..., ... ..., em Vila Nova de Gaia, tendo em vista a apreensão de documentos relativos aos suspeitos DD, A..., Sociedade Unipessoal, Lda, B..., Lda e C..., Lda;

- às instalações do gabinete de contabilidade E..., Lda, situadas na Avenida ..., ..., sala ..., ... Vila Nova de Gaia, tendo em vista a apreensão de documentos relativos aos suspeitos DD, A..., Sociedade Unipessoal, Lda, B..., Lda, C..., Lda.

· Consta ainda do referido despacho que foi ordenada a pesquisa dos dados informáticos existentes nos sistemas informáticos que se encontrem nos locais onde serão efetuadas as buscas ou de algum modo na posse do suspeito DD, bem como a dados que se encontrem noutro sistema informático mas acessíveis a partir do sistema inicial e, consequentemente, a apreensão dos dados informáticos necessários à produção de prova obtidos através daquelas pesquisas, nos termos do disposto nos artigos 15.º e 16.º da Lei n.º 109/2009 de 15.09, relacionados com a prática do crime acima referido.

· Existindo forte suspeita de que no interior dos equipamentos informáticos que venham a ser encontrados na posse do suspeito ou na sede das sociedades de que é gerente, locais das buscas acima determinadas, mensagens de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante, nomeadamente de comunicações armazenadas em redes sociais e/ou aplicações e programas relacionados com a prática do crime acima referido, nomeadamente contactos comerciais e relacionados com as compras e vendas acima aludidas em I), foi ainda requerida autorização à Mma. Juiz de Instrução que, nos termos do disposto no artigo 17.º da Lei n.º 109/2009 de 15.09, o que foi autorizado por despacho proferido em 17.09.2020, a fls. 146.

Assim, os mandados de busca foram emitidos em 21.09.2020 e cumpridos a 7.10.2020, conforme autos de busca e apreensão a fls. 179 a 231, não padecendo os mesmos de qualquer nulidade ou irregularidade.

As buscas são um meio de obtenção de prova tipificado no CPP, que visam recolher prova num determinado local, abrangendo um conjunto de atos desenvolvidos pela autoridade judiciária ou pelo órgão de policia criminal, com vista a obter elementos probatórios materiais da prática de um crime.

Desde 21.05.2019, que o arguido AA foi sócio do arguido DD na sociedade B..., Lda., encontrando-se, por isso, a sua atividade profissional necessariamente relacionada com a do arguido DD.

No caso em análise, as buscas foram devidamente cumpridas nos locais determinados pela autoridade judiciária, tendo o arguido AA estado presente, no dia 7.10.2020, na Rua ..., ..., em ..., conforme consta de fls. 179 a 184, do volume I.

No caso presente, o despacho que determinou a realização das buscas e a prova recolhida é válida, não enferma de qualquer vício, nem ofende qualquer direito do arguido AA. Para além disso, o arguido assistiu à busca, não arguiu qualquer irregularidade, nem o fez no ato do seu interrogatório, pelo que se encontraria sanada, caso tivesse existido.

Em face do exposto, promovo o indeferimento do requerido pelo arguido AA, por carecer de fundamento legal, não existindo qualquer vício processual relativamente.

Na mesma data, 18-11-2024, teve lugar a sessão de audiência de julgamento[78], em que foi encerrada a produção da prova e produzidas as alegações finais, tendo sido designada data para a leitura do acórdão.

A decisão que recaiu sobre o aludido requerimento foi tomada pelo tribunal coletivo, no âmbito do acórdão de 09-12-2024 (Referência: 466556778), ora recorrido, encontrando-se acima transcrita.

·

Conforme resulta dos elementos sumariados, no decurso da fase de julgamento, o arguido AA apresentou um requerimento, com data de 21-10-2024, no qual argui uma nulidade nos termos e com as consequências previstas no art.º 120.º e 122.º do CPP, consistente em, injustificadamente, ter sido estendido e alargado ao mesmo arguido os mandados de busca e apreensão emitidos em 07-10-2020.

Nesse requerimento, o arguente não categoriza a nulidade em causa, antes invoca genericamente a existência de uma nulidade nos termos e com as consequências dos artigos 120.º e 122.º do CPP.

Em face de tal alegação, o tribunal a quo enunciou e percorreu as hipóteses previstas no artigo 119.º do Código Processo Penal, tendo concluído que a situação alegada não se enquadra em qualquer uma das que ali se encontram previstas, donde extraiu a ilação de que a existir outra nulidade, estaria sanada, por não ter sido invocada em devido tempo [artigo 120.º, n.º 3, alínea c), do Código Processo Penal].

Contra o decidido, invoca o recorrente que o prazo considerado pelo tribunal, no caso do presente processo, se trata de um prazo extremamente curto e impossível de concretizar. Mais alega que a nulidade do inquérito pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, sendo que a realização de buscas e apreensões fora do objeto do mandado pode e deve ser considerada irregularidade grave que acarreta a nulidade dos atos praticados e, não tendo sido declarada pelo Ministério Público, cabe ao tribunal, na fase do julgamento, apreciar a invalidade. Convoca as normas dos artigo 118.º, 14.º e 122.º do Código Processo Penal.

Ora, desde logo, impõe-se declarar manifestamente ineficaz a argumentação de que a dimensão do processo não permite o cumprimento do prazo de arguição das nulidades previstas no artigo 120.º, n.º 3, do Código Processo Penal, porquanto o legislador não introduziu qualquer tipo de exceção, nomeadamente sobre as condições de arguição e ampliação do prazo, em razão da complexidade do processo.

Por outro prisma, a alegação recursiva persiste na indefinição, já evidenciada no requerimento inicial, da natureza da invalidade que o recorrente encontra no invocado alargamento do objeto dos mandados de busca e apreensão, além de revelar ainda confusão sobre as modalidades de nulidade e irregularidade [vd. artigo 118.º, n.ºs 1 e 2, do Código Processo Penal].

Apesar da insistente invocação do cometimento de invalidade que afeta a recolha de prova no âmbito das buscas, continua o recorrente a não indicar fundamento legal para a sua pretensão, jamais apontando qual a norma jurídica violada pelo procedimento adotado no decurso das buscas realizadas nos autos.

Do modo descrito, não consegue demonstrar qual é efetivamente a falha, o erro ou a deficiência que, na sua perspetiva, apresenta o despacho recorrido e justifica a sua revogação.

Contudo, face aos concretos motivos de facto invocados no requerimento, e apesar da arguição genérica de nulidade, importa reconhecer que caberia ainda equacionar sobre a presença de vício de conhecimento oficioso, como é a proibição de prova, decorrente de obtenção de prova mediante método proibido [cf. artigo 126.º, n.º 3, do Código Processo Penal].

Sucede, no entanto, que o procedimento adotado, a que se refere o recorrente, que permitiu a obtenção das provas relativas à imputada conduta delituosa do arguido AA, não impede o aproveitamento e a valoração das mesmas provas.

Assim, importa assinalar que as buscas às sedes e instalações das sociedades: A..., Sociedade Unipessoal, Lda; B..., Lda; C..., Lda, e bem assim às instalações dos gabinetes de contabilidade: D..., Lda; E..., Lda, foram realizadas a coberto do despacho do Ministério Público de 15-09-2020 (Referência: 112635640), sendo por despacho judicial de 17-09-2020 (Referência: 112675261) autorizada a apreensão de dados informáticos no decurso das buscas, o que deu lugar à emissão, em 22-09-2020, dos competentes mandados de busca e apreensão.

Os mandados foram cumpridos a 07-10-2020, tendo a atividade investigatória sido restrita aos concretos locais discriminados no despacho que autorizou as buscas.

A circunstância de as diligências de busca e apreensão terem sido motivadas pela investigação, em curso, do crime de introdução fraudulenta no consumo, p. e p. pelo artigo 96.º, n.º 1, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias, e em que era suspeito DD, não afeta a validade da apreensão, no decurso das buscas, de prova documental do envolvimento e/ou a suspeita da prática de outro ilícito, aliás conexo com o então investigado, por parte de AA, que nessa data não era ainda suspeito nem objeto de investigação nos autos.

A observação da existência de tais provas, surgida fortuitamente, no decurso das diligências de buscas autorizadas pelas autoridades competentes e nos locais abrangidos pelas autorizações, não podia ser ignorada em virtude de, nessa data, somente ser suspeito DD.

Ou seja, no cumprimento dos mandados de busca e apreensão, ao deparar-se com a presença de prova material referente a tipo de crime diverso daquele que se encontrava em investigação, ainda que conexo com o mesmo, e envolvendo pessoa até então não investigada, a ATA não devia ignorar o conhecimento de novo ilícito, conforme decorre das normas dos artigos 35.º, n.ºs 1 e 2, 40.º, n.ºs 1, 2 e 4, do RGIT, artigo 3.º, n.º 2, da Lei n.º 49/2008 de 27-08.

Ademais, competia-lhe ainda a prática de atos cautelares e urgentes para assegurar a prova, designadamente proceder à apreensão de instrumentos ou objetos relacionados com a prática de crime, mesmo antes de receber ordem da autoridade judiciária competente para proceder a investigação, nos termos do disposto no artigo 249.º do Código de Processo Penal, por força da norma do artigo 37.º do RGIT, sem embargo de tais atos urgentes de apreensão ficarem sujeitos a apreciação e validação posterior por parte da autoridade judiciária competente [vd. artigos 178.º, n.º 5, do Código Processo Penal e artigo 3.º, alínea a), do RGIT].

A circunstância de as diligências de busca visarem a obtenção de prova de ilícito diferente não interfere com os aludidos deveres que permanecem e continuam a vincular a autoridade que procede às buscas.

Também o facto de a notícia do novo crime decorrer de conhecimento fortuito obtido em sede de busca não domiciliária não obsta à valoração da prova assim recolhida, atenta a admissibilidade do recurso a tal meio de obtenção de prova relativamente a qualquer tipo de crime, nos termos dos artigos no artigo 174.º, n.ºs 1, 2 e 3, 176.º e 178.º todos do Código Processo Penal e artigo 3.º, alínea a), do RGIT[79].

Sendo assim, a validade da apreensão de prova documental relativa à atividade ilícita de certa pessoa não investigada, quando efetivada no decurso de busca determinada pela autoridade competente, não é afetada por virtude de a diligência ser direcionada para obtenção de prova de crime diverso, tendo por suspeito pessoa também diversa, sem prejuízo da necessidade de validação posterior pela autoridade competente.

No caso presente, a apreensão da prova documental referente à atividade criminosa de AA obedeceu aos ditames legais e, de resto, a apreensão foi comunicada à autoridade judiciária competente dentro do prazo legal e no mesmo prazo objeto de validação pelo Ministério Público, por despacho de 08-10-2020 (Referência: 112997825), conforme previsto no artigo 178.º, n.º 6, do Código Processo Penal e artigo 3.º, alínea a), do RGIT.

Por conseguinte, não ocorre causa de proibição de produção e valoração da prova que tenha sido recolhida no decurso das buscas contra o arguido AA[80].

Nestes termos, improcede, quanto a este aspeto, o recurso.

Violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare

Invoca o recorrente que a inspeção (buscas e apreensões) foram realizadas e concluídas quando já estava em curso o inquérito que deu origem aos presentes autos, com violação do direito à não auto-incriminação protegido pelo artº. 32º da Constituição da República Portuguesa.

(…) a prova que sustentou a Acusação e fundamentou a condenação proferida de que se recorre constitui uma prova proibida, porque tendo os elementos que a constituem sido obtidos e recolhidos ao abrigo do dever de colaboração imposto aos contribuintes, quando estes já eram suspeitos da prática dos crimes de que vieram a ser acusados e visados no respetivo inquérito, a sua utilização no presente processo viola o direito à não auto-incriminação.

O Acórdão recorrido errou, pois, ao não considerar nulas a obtenção de prova pela inspeção tributária em virtude do cumprimento do dever de colaboração pelos contribuintes e a utilização dos relatórios inspetivos elaborados em violação do direito à não auto-incriminação, incorrendo em inconstitucionalidade por violação do disposto no artº 32º da Constituição da República Portuguesa ao julgar erradamente os preceitos legais aplicáveis.

A AT era conhecedora que paralelamente ao decurso das ações inspetivas já decorria, no DIAP, o inquérito criminal subjacente a estes autos.

Além disso, invoca a decisão tomada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 298/2019 e o teor da Declaração de Voto nele exarado.

Conclui que no caso presente a colaboração prestada pelo contribuinte aconteceu em momento posterior ao do conhecimento da notícia do crime, pelo que a autoridade tributária agiu de má-fé.

Vejamos.

O Aresto convocado no recurso decidiu: julgar inconstitucional, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República portuguesa, a interpretação normativa dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º e 126.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal, segundo a qual os documentos fiscalmente relevantes obtidos ao abrigo do dever de cooperação previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária por uma inspeção tributária realizada a um contribuinte, durante a fase de inquérito de um processo criminal pela prática de crime fiscal movido contra o contribuinte inspecionado e sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, podem ser utilizados como prova no mesmo processo. [realce nosso]

Tal princípio não tem expressa consagração na CRP, mas tem sido reconhecido na doutrina e na jurisprudência a sua cobertura constitucional, como também o refere o citado Acórdão n.º 298/2019, assinalando que a intervenção no âmbito do processo penal ocorre sob duas formas distintas: preventivamente, impedindo soluções que façam recair sobre o arguido a obrigatoriedade de fornecer meios de prova que possam contribuir para a sua condenação; e, repressivamente, proibindo a valoração de meios de prova recolhidos com aproveitamento duma colaboração imposta ao arguido. Assim, os direitos ao silêncio e à não autoincriminação devem considerar-se incluídos nas garantias de defesa próprias do processo penal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição; cf. também os Acórdãos n.ºs 695/95, 461/2011 e 340/2013), não deixando estes direitos processuais de proteger mediata ou reflexamente a dignidade da pessoa humana e outros direitos fundamentais com ela conexos, como sejam os direitos à integridade pessoal, ao livre desenvolvimento da personalidade e à privacidade, não se revelando necessário, para sustentar o acolhimento constitucional, o recurso a parâmetros mais genéricos ou distantes como o direito ao processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição) ou à presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição).

No caso presente, a alegação recursiva não efetua menção alguma sobre qual a prova - obtida em sede de inspeção tributária, isto é, levada a cabo autonomamente pela autoridade tributária-, a que se pretende referir, tampouco indica as circunstâncias em que o arguido possa ter fornecido à mesma autoridade documentação incriminatória, isto é, documentos fiscalmente relevantes que possam contribuir para a sua incriminação, e que tal tenha sucedido a coberto do dever de colaboração previsto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira e no artigo 59.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária.

Importa salientar que no citado Acórdão estava em apreciação a admissibilidade de aproveitamento e valoração no âmbito de um processo criminal de prova obtida pela autoridade tributária junto do contribuinte, em sede inspetiva, e ao abrigo do aludido dever de cooperação.

Sucede, porém, que a alegação recursória ignora os contornos concretos do caso, não fornece especificação alguma sobre o momento da aquisição da prova e das condições em que foi obtida, bastando-se com a invocação de generalidades e a reprodução de excertos do referido Acórdão e da respetiva Declaração de Voto.

Ainda assim, sugere total confusão entre diligências do âmbito da inspeção tributária e diligências investigatórias realizadas em sede de processo criminal, na fase do inquérito, como resulta nitidamente da alegação de que a inspeção (buscas e apreensões) foram realizadas e concluídas quando já estava em curso o inquérito (…), ou seja, segundo aponta tal segmento, o recorrente pretende fazer equivaler à atividade inspetiva da autoridade tributária a realização das diligências investigatórias a que nos referimos supra, ordenadas pelo Ministério Público e autorizadas, na parte exigível, pelo Juiz de Instrução Criminal, no âmbito de processo criminal, em que, evidentemente, a recolha da prova não resulta do dever de colaboração do contribuinte.

Consequentemente, mostra-se, em absoluto, desprovida de fundamento a ilação de a decisão condenatória ter violado o princípio do direito à não auto-incriminação, (…) por violação do disposto nos artº 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, artº 61º, nº 1, al. d), 125º e 126º, nº s 1 e 2, al. a) do Código Processo Penal.

Improcede, pois, sob este aspeto o recurso.

Impugnação da matéria de facto

Insurge-se o recorrente contra a decisão da matéria de facto provada.

Como se sabe, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias:

· impugnação restrita, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento;

· impugnação ampla, com base em erro de julgamento, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do Código Processo Penal, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência.

Assim sendo, a impugnação da matéria de facto obedece a critérios e condicionalismos legais diversos consoante a modalidade adotada, de acordo com as supracitadas normas dos artigos 410.º e 412.º do Código Processo Penal.

No âmbito da impugnação restrita, a indagação e confirmação da presença dos vícios decisórios tem de resultar do teor da decisão, por si só considerada e/ou com apelo a regras de experiência comum, por isso, somente a falha, o erro, a omissão ou a contradição percetíveis e detetáveis no próprio texto da decisão, sem necessidade de valoração de elementos externos, permitem declarar a existência do respetivo vício.

Já a impugnação ampla permite ao tribunal ad quem a reapreciação da prova, mas ao recorrente incumbe o ónus de especificar, para além dos pontos de facto que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da tomada na decisão recorrida[81].

Na situação presente, o recurso suscita as duas modalidades de impugnação de facto, embora de forma não discriminada.

O recorrente invoca a presença do vício decisório de insuficiência da matéria de facto para a decisão, mas não lhe assiste razão.

Tal vício, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código Processo Penal, ocorre quando a matéria de facto provada se mostra exígua para fundamentar a decisão de direito, mormente quando o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto contida no objeto do processo e com relevo para a decisão final[82].

Portanto, o vício indica a omissão de apuramento de factos indispensáveis para a decisão relativa à responsabilidade criminal do arguido, que resulta patente do próprio texto decisório, ou seja, ocorre quando a análise da sentença permite concluir que os factos considerados provados não consentiam na decisão de direito a que o tribunal chegou[83].

A insuficiência diz respeito aos factos e não à prova, por isso, o que importa indagar é se a sentença contém falha, hiato ou omissão ao nível dos factos e não se a decisão da matéria de facto tem apoio na prova ou se era exigível ao tribunal produzir outra prova.

Acontece que, no caso presente, o recorrente não questiona a suficiência dos factos que o tribunal julgou provados e em que baseou a decisão de direito, ou seja, não indica qualquer falha factual derivada de falta de apuramento imputável ao tribunal e que pudesse ser relevante para a decisão sobre o cometimento do ilícito imputado ao arguido ou sobre a matéria da pena.

Diversamente, limita-se a tecer considerações sobre a prova avaliada pelo tribunal a quo e a manifestar discordância relativamente ao juízo probatório plasmado no acórdão recorrido, convocando segmentos da prova produzida em audiência.

Do modo descrito, ignora os pressupostos da impugnação de facto, por via restrita, não logrando demonstrar insuficiência da matéria de facto para a decisão.

Ademais, o acórdão não enferma de qualquer vício decisório.

Prosseguindo, a alegação do recurso visa ainda a impugnação ampla da matéria de facto.

Neste domínio a impugnação não permite nem visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, ou seja, não pressupõe uma reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes constitui um remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, isto é, trata-se de uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados[84].

Portanto, como já adiantado supra, ao recorrente incumbe o ónus de especificar, para além dos pontos de facto incorretamente julgados, as concretas provas que, no seu entender, impõem decisão diversa relativamente a cada um dos factos impugnados [artigo 412.º, n.º 3, do Código Processo Penal].

Em decorrência da norma legal citada, a alteração da matéria de facto fixada na decisão, operada por via de recurso, não pode assentar na virtualidade de formulação de um juízo probatório diverso daquele que subjaz à decisão recorrida, mas antes depende da existência de prova que o imponha. Ou seja, para a almejada modificação de facto não basta que a prova indicada no recurso permita uma decisão de facto diferente daquela que foi tomada pelo tribunal a quo, pois a lei exige mais, exige que a prova indicada no recurso infirme, invalide ou afaste a decisão tomada e determine, de modo inequívoco, a alteração proposta pelo impugnante.

Sucede que, no caso concreto, a alegação do recurso não cumpre o condicionalismo legal, uma vez que omite a especificação sobre os concretos factos impugnados, assim como não indica a prova concreta que impõe decisão em sentido diverso do tomado pela sentença[85].

Na realidade, o recorrente reporta genericamente nos pontos 38 a 42 da motivação do recurso a matéria de facto que pretende impugnar, sem menção da correspondência exata com a matéria de facto descrita no acórdão recorrido [mormente nos pontos 1 a 72 referentes à atuação delituosa dos arguidos], mas ainda que se ultrapasse tal falha, considerando que a factualidade indicada está incluída nos pontos 43 a 47 dos factos provados, certo é que, apesar de indicar prova concreta, com especificação do momento da gravação da prova testemunhal mencionada, em que estriba a impugnação de facto, o recorrente não discrimina quanto a cada um dos factos impugnados quais os concretos meios de prova, segmentos ou excertos de prova, que, na sua ótica, implicam ou determinam a modificação factual no sentido pretendido.

Acontece que o cumprimento rigoroso das especificações legais exige que a indicação da prova seja efetuada relativamente a cada um dos factos impugnados, de molde a que resulte inteligível e percetível a pretensão recursiva, ou seja, por forma a permitir que se apreenda em que consistiu o invocado erro de julgamento, qual a matéria incorretamente julgada e qual seria a prova que impunha ao tribunal a prolação de decisão nos moldes propugnados pelo recorrente.

A omissão do cumprimento das exigências legais, que é notória no caso presente, inviabiliza a reapreciação da prova produzida em audiência, não competindo ao tribunal ad quem oficiosamente suprir as omissões e deficiências da impugnação de facto, mediante o exame de cada uma das provas indicadas e a ponderação do que de relevante das mesmas se pode extrair relativamente a cada um dos factos, e de posteriormente correlacionar as provas com os factos questionados.

Perante o exposto, improcede a impugnação mantendo-se inalterada a decisão relativa à matéria de facto.

Nulidade do acórdão

O recorrente argui a nulidade da sentença por falta de fundamentação relativamente à medida da pena, exigida no artigo 375.º, n.º 1, do Código Processo Penal, invocando que decisão recorrida não fundamenta de modo específico e compreensível os critérios que determinaram a medida concreta da pena, não subsumindo as circunstâncias em que o crime foi cometido e a situação própria/particular do arguido.

Mais alega que o tribunal ponderou quanto ao arguido AA unicamente que se mantém como profissional na mesma atividade e que por isso existe risco elevado de reincidência e desde a prática dos factos não se conhecer alguma infração, sendo manifesto que se verifica a nulidade de omissão de pronúncia, por não conhecer de questões determinantes, como é o caso do relatório social e do CRC do arguido, motivo pela qual terá, consequentemente, de ser julgada procedente a aqui arguição de nulidade do acórdão recorrido – al. c) do n.º 1 do art.º 379º, do CPP.

Censura ainda a decisão por ter adotado o valor dos prejuízos como o único e determinante critério especificado de ponderação da determinação da medida da pena desacompanhado da desconsideração de todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra do relatório social e do CRC, cuja observância é determinada legalmente ao tribunal, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 71.º do CP e 375.º do CPP, por vício de falta de fundamentação.

Vejamos.

O dever de fundamentação das decisões judiciais decorre, em primeiro lugar, da CRP e das garantias de defesa do arguido [cf. artigo 32.º, n.º 1, da CRP], sendo ainda exigência legal plasmada no artigo 97.º, n.º 1, alínea b), e n.º 5, do Código Processo Penal, quanto aos despachos judiciais proferidos em processo criminal, e, no que respeita à sentença, tem expressa previsão no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, onde se exige, entre o mais, a explicitação dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão. No concernente à sentença condenatória rege ainda o artigo 375.º, n.º1, do Código Processo Penal, no qual se preceitua que a sentença especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção.

As causas de nulidade da sentença encontram-se tipificadas no artigo 379.º, n.º 1, do Código Processo Penal, onde se enquadra, sob a alínea a), a inobservância do dever de fundamentação regulado no artigo 374.º, n.º 2, do mesmo código, e sob a alínea c), a omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal devesse apreciar ou conhecer.

Esta última causa de nulidade verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe o tribunal conheça e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – artigo 608.º, n.º 2, do Código Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do Código Processo Penal, excecionadas as questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra ou outras, conforme estabelece o citado preceito legal [n.º 2, do artigo 608.º do CPC][86].

Na situação em análise, examinado o segmento decisório relativo à determinação da medida pena, e especificamente no que ao arguido AA respeita, verifica-se que não ocorre qualquer uma das invocadas causas de nulidade da sentença.

Com efeito, após determinar a moldura penal abstrata aplicável ao crime de fraude fiscal qualificado cometido pelo arguido AA, e de enunciar os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal, o tribunal a quo procedeu à análise e ponderação dos fatores concretos que intervém na definição da medida da pena, nos termos seguintes: (…)

Desta forma e analisando as circunstâncias previstas artigo 71º do CP (gravidade do ilícito, culpabilidade, personalidade dos arguidos e condutas dos mesmos anteriores e posteriores aos factos) que militam contra e a favor dos arguidos, temos:

- a intensidade do dolo com que todos actuaram, pois existiu na modalidade de dolo directo (dada a definição do artigo 14°, nº1 do CP), revelando os arguidos firme resolução criminosa na situação descrita e, nessa medida, culpas acentuadas;

- Quanto à ilicitude dos factos, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre o comportamento do agente, afigura-se-nos ser de grau muito elevado, atenta a grandeza das vantagens patrimoniais[87] (que no cômputo global atingiu o valor de € 462.737,22, acrescida ainda do montante de € 58.563,00 relativamente ao arguido DD) que os arguidos pretendiam alcançar ilegitimamente;

- Ainda no plano da ilicitude, o desvalor da acção foi elevado, já que a conduta dos arguidos foi levada a cabo com recurso à utilização abusiva e falsa de entidades terceiras com o objectivo de evitarem a incidência do IVA nas transacções que realizavam e do lucro tributável em sede de IRS;

- Também o grande número de transacções realizadas pelos arguidos com recurso àquele esquema fraudulento eleva o patamar da ilicitude;

- o grau de violação dos deveres impostos aos arguidos é, igualmente elevado, pois todos eles eram empresários naquele ramo de actividade (“vaporização”), com especial destaque para o arguido DD que se dedicava a este tipo de actividade há já vários anos (desde 2013);

- o longo período de tempo (entre 2015 a 2020 – 5 anos) em que perdurou a conduta delituosa do arguido DD;

- o facto de nenhum dos arguidos ter procedido ao pagamento[88], ainda que parcial, dos tributos em dívida;

- Por outro lado, são muito elevadas as exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir tendo em conta a frequência deste tipo de crimes e a sua forte danosidade social[89], posto que o fenómeno da evasão fiscal constitui inaceitável violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade contributivas – sendo, pois, motivo de forte censura comunitária - pelo que, não sendo combatido de forma eficaz, criará nos contribuintes uma sensação de impunidade que o Estado de Direito não pode permitir.

Em benefício de todos os arguidos, destacam-se a respectiva integração familiar, social e laboral e a circunstância de não contarem com antecedentes criminais e apresentarem bom comportamento posterior aos factos

Como se comprova do excerto transcrito, a ponderação sobre as circunstâncias concretas relevantes para a fixação da pena foi realizada conjuntamente para todos os arguidos mas não deixou de particularizar os fatores individuais de cada um, dando a conhecer plenamente o juízo valorativo que incidiu sobre todos os aspetos com influência na dosimetria da pena correspondente a cada um dos condenados.

Sendo assim, o acórdão observa inteiramente a exigência legal de fundamentação da pena fixada a AA, especificando os motivos subjacentes à medida da pena imposta [cf. artigos 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º1, do Código Processo Penal], pelo que carece de fundamento a arguição de nulidade nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código Processo Penal.

Igualmente infundada se mostra a arguição de nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que o acórdão não deixou de conhecer de todas as matérias cujo conhecimento se impunha [cf. artigos 368.º, 369.º, 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, todos do Código Processo Penal], e nomeadamente integra decisão sobre a medida concreta da pena, não constituindo a eventual falta de valoração do relatório social e do CRC, apontada no recurso, motivo determinante da nulidade invocada. Ainda assim, a decisão sobre a pena ponderou o conteúdo relevante do relatório social e do CRC que foi transposto para a matéria de facto provada, tendo levado em conta a integração familiar, social e laboral do arguido e a ausência de antecedentes criminais.

Ademais, a censura dirigida contra a decisão por ter considerado relevante o valor dos prejuízos como o único e determinante critério especificado de ponderação da determinação da medida da pena, além de não ser rigorosa, não constitui causa de nulidade do acórdão, nos termos assinalados supra.

Improcede, pois, nesta parte, o recurso.

Dosimetria da pena/suspensão da pena

Insurge-se o recorrente contra a medida da pena, defendendo genericamente que as penas aplicadas pelo tribunal são injustas, desproporcionais e excessivas, tendo-se violado ou feito incorreta interpretação dos artigos 30º, 40º, 71º e 77º, do CP.

Mais insiste que não foi ponderada na decisão recorrida a distinção, apreciação e a individualização entre os arguidos, incluindo o aqui recorrente.

Defende ainda que se justifica a imposição de pena e a suspensão da mesma por períodos iguais, pugnando pela fixação no mínimo legal.

Vejamos.

A determinação da pena concreta tem como critérios fundamentais a culpa e a prevenção, como decorre do disposto no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal.

A ponderação das necessidades de prevenção satisfaz a necessidade comunitária de punir o crime e, consequentemente, de realizar as finalidades da pena; por seu lado, a consideração da culpa do agente satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do crime, decorrente do respeito pela dignidade da pessoa do agente da prática do crime, limite as exigências de prevenção[90].

A prevenção enquanto princípio regulativo da medida da pena tem correspondência com o sentido que lhe é atribuído em matéria de finalidades da punição, ou seja, abrange a prevenção geral e a prevenção especial[91] [cf. artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal].

A prevenção geral positiva ou de integração, finalidade primeira da aplicação da pena, constitui o objetivo de tutela dos bens jurídicos, que fornece um critério de necessidade da pena a avaliar no caso concreto, estabelecendo uma moldura que tem por limites a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico[92].

Dentro dos limites da moldura fornecida pela prevenção geral operam as necessidades de prevenção especial de socialização que indicam a medida exata da pena concreta [artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal].

Por seu lado, a culpa, como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos, atua como limite inultrapassável das exigências de prevenção[93], ou seja, como limite máximo da pena quaisquer considerações preventivas, mormente de necessidades de prevenção geral, garantindo que o condenado não possa servir de instrumento de tais exigências [artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal].

Na determinação do quantum da pena intervêm os elementos que resultem apurados no caso concreto e sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e/ou da culpa, desde que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infração do princípio da proibição da dupla valoração, nomeadamente os fatores enumerados do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal.

Em qualquer caso a determinação da concreta medida da pena deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade, relativamente à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente[94].

No caso concreto, a moldura penal aplicável ao crime cometido pelo arguido é de um ano a cinco anos de prisão.

Do segmento supra transcrito resulta que o tribunal ponderou a conduta concreta e individualizada do arguido, tendo sopesado equilibradamente todos os fatores atendíveis, por isso, não se vislumbram motivos objetivos que justifiquem qualquer correção da medida da pena, sendo, aliás, totalmente desproporcionada em razão da gravidade da conduta criminosa, intensidade da culpa e das necessidades preventivas, a imposição da pena correspondente ao limite mínimo aplicável, como proposto no recurso.

Relativamente ao período da suspensão, o tribunal a quo ponderou que AA, tal como os demais arguidos continua a laborar no mesmo ramo de actividade no âmbito da qual foram praticados os ilícitos penais em apreciação, justificando que com vista a dissuadir o cometimento de novos crimes, impõe-se a fixação dum período de suspensão mais alargado em relação ao tempo de cada uma das penas de prisão.

Também quanto a este aspeto não se reconhece a presença de motivos para alterar o decidido.

Assim, improcede quanto a esta matéria, o recurso.


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Decorre do explanado a improcedência total do recurso.

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III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmam o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça.


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Porto, 22 de outubro de 2025
Maria dos Prazeres Silva
William Themudo Gilman
Maria João Ferreira Lopes
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[1] Calculado nos seguintes termos para o ano de 2016 (Taxa IT – art. 104.º-C do CIEC, aditado pela Lei n.º 82-B/2014 de 31 de Dezembro): 16.435 ml x 0,6 = €9.861,00.
[2] Relativa à soma dos montantes de € 389.924,99, a título de IVA, e de € 72.712,53, a título de IRS, cujo resultado é € 462.637,52 e não € 465.637,52 como, por lapso de cálculo manifesto, consta da acusação.
[3] Atenta a factualidade acima dada como provada nos pontos 25. a 29., afigura-se-nos que a vantagem patrimonial obtida pelo arguido DD relativa ao IEC/IT se cifrou, não em € 58.563,00 como consta do pedido de indemnização civil, mas em € 68.424,00. Porém, atenta a limitação legal do pedido consagrada no artigo 609º, nº1 do CPC, será aquele o valor a considerar.
[4] O sobredito arguido já se dedicava àquela actividade desde 2013, segundo referido pela testemunha.
[5] E em menor quantidade a uma empresa francesa.
[6] Eram cerca de 16.430 ml de líquidos contendo nicotina.
[7] Explicitou que este tipo de imposto tem de ser pago “à cabeça”, logo que o produto entra na Alfândega, independentemente de o mesmo vir depois a ser ou não comercializado.
[8] Sistema “VIES” – Sistema de Intercâmbio de Informação sobre o IVA, detido e gerido pela AT.
[9] Uma das empresas estrangeiras (a “G...”) teria colocado erradamente nas facturas o seu NIF.
[10] O valor do tributo em falta era superior a € 15.000,00.
[11] Empresa de transportes expresso. A testemunha foi confrontada com o Auto de Consignação de fls. 259 e ss., tendo confirmado que os elementos que aí constam (nome do arguido DD) foram obtidos junto da “Ae...”.
[12] No ano de 2020.
[13] Era a altura da pandemia
[14] A última factura dirigida ao arguido DD de aquisição de líquidos com nicotina é de 2018.
[15] Não havia facturas físicas dirigidas aos outros arguidos, mas depois encontraram facturas digitais relativas aos outros dois arguidos.
[16] Constataram que o arguido DD possuía facturação de aquisição de produtos que não eram declarados na Alfândega desde 2016.
[17] Eram quase sempre vendas on-line e apuraram que o arguido DD fazia o registo no respectivo site como empresário de vaporização, indicava o seu contacto (e-mail) e fazia as encomendas pelo site, e foi assim que verificaram quase todas as aquisições feitas por este arguido, tendo chegado a um montante de aquisições global, entre 2016 e 2020, no valor de € 857.369,78, sendo que até 2019 estas aquisições eram efectuadas exclusivamente pelo arguido DD.
[18] Constataram esta realidade quando se deslocaram a estas lojas de venda de produtos para cigarros electrónicos no âmbito da inspecção efectuada. O arguido AA também era empresário em nome individual neste tipo de actividade (viram facturas que foram para casa dele) e durante o cerco sanitário a ... ele pediu à Câmara Municipal uma autorização especial para entrar na cidade dizendo que tinha que ir trabalhar para aquela loja por ser o seu meio de sustento (os inspectores encontraram um e-mail em que a Câmara Municipal ... questionou o arguido AA acerca da razão para ser ele a solicitar aquela autorização especial não sendo ele formalmente o gerente da empresa).
[19] Designadamente a fls. 1099 – quadro com o montante total das aquisições.
[20] Neste ficheiro estavam indicados cerca de 210 mil euros em vendas
[21] Anexo de capa laranja.
[22] Junto a fls. 212 a 215.
[23] O qual se encontrava no local aquando da busca.
[24] Estes ficheiros tinham sido recolhidos nas buscas e apreensões efectuadas aos arguidos.
[25] Não constavam das declarações de IRS de cada um deles, a que teve acesso.
[26] Era também o arguido EE quem levava a mercadoria para ser vendida nesta loja.
[27] Que conhecia como sendo o responsável da loja de ..., onde era cliente
[28] Não sabendo indicar a razão disto acontecer.
[29] Confirmou que foi o pagamento constante de fls. 878 do Anexo 3 (capa verde).
[30] Pensa que depois do COVID só ficou o AA naquela loja.
[31] Confirmou que foi o pagamento constante de fls. 875 e 876 e 881 do Anexo 3.
[32] Ele próprio pagou sempre em numerário e nunca pediu factura.
[33] Nessa loja estava sempre o DD e o AA estava esporadicamente, mas na altura da pandemia (2020) era o AA que estava a vender nessa loja.
[34] Nessa loja estava sempre o DD e o AA estava esporadicamente, mas na altura da pandemia (2020) era o AA que estava a vender nessa loja.
[35] Revelaram conhecimento pessoal e directo destes factos cujo apuramento fizeram no âmbito das investigações em que intervieram.
[36] A empresa “G..., S.L.”.
[37] Na Rua ..., em ....
[38] Como confirmado pela empresa transportadora “Ae...”.
[39] Cfr. e-mail de 19/10/2017 de fls. 154 do Anexo D.
[40] E-mails de 16/04/2015 de fls. 16 a 48 do Anexo D
[41] O levantamento do sigilo bancário relativamente à conta bancária titualada pela mãe do arguido DD no “Banco 1..., S.A.” com o IBAN ... permitiu confirmar que esta conta, apesar de titulada por sua mãe, se encontrava exclusivamente associada à actividade de “vaporização” desenvolvida pelo arguido DD entre 2015 e 2020.
[42] Foi através desta conta bancária que o arguido DD procedeu ao pagamento de todas as suas encomendas de produtos para cigarros electrónicos, como também aos depósitos dos pagamentos dos seus clientes – por regra via MBWay - resultantes dos proventos decorrentes dessa sua actividade, como resulta dos talões de depósitos em numerário efectuados pelo arguido naquela conta e juntos a fls. 628 e ss. do Anexo B.
[43] Tal como se retira, p. exp., das encomendas feitas através dos e-mails de 20/12/2016 e 22/02/2017, juntos a fls. 56 a 57 e 87 a 92 do Anexo D.
[44] Constam dos autos inúmeras facturas emitidas pelas firmas fornecedoras identificando DD como cliente (com o seu e-mail, nº de telemóvel, mas não com o respectivo NIF) e Rua ... como local de entrega das mercadorias, mas sendo formalmente facturados às sociedades “W..., Lda.”, X..., Lda.” e “Y..., Lda.” e uma empresa holandesa, como emerge, v.g., de fls. 15, 37, 88 e 89, 220, 253, 389 e 528 do Anexo B e dos e-mails de fls. 68 e 69, 73 e 74, 122 e 124, 124 e 125, 126 a 128 do Anexo D-4 e 15 a 17, 12 a 13 do Anexo D-10 e 347 a 354, 357 a 362 do Anexo D-9.
[45] Cfr. e-mails de 24/06/2016, 23/11/2016, 06/08/2015, a fls. 52 a 54, 41, 25 a 28 do Anexo D-12, respectivamente.
[46] Cfr. e-mail de 19/02/2015
[47]Facturas emitidas pela “G..., S.L.”
[48] A fls. 1 e ss. do Anexo B.
[49] A “A..., Lda.” e a “B..., Lda.” apresentaram zero euros de volume de negócios em 2020 e a “C..., Lda.” apresentou zero euros de volume de negócios em 2019 e € 2.311,47 em 2020 – cfr. declarações periódicas de IVA de fls. 161 e 174 a 188 do Anexo (capa laranja) e elementos contabilísticos de fls. 275 a 278 do 2º Vol.
[50] Nenhum deles apresentou, até 2020, qualquer rendimento relacionado com esta actividade, efectivamente desenvolvida por ambos, no caso do DD desde, pelo menos, 2015, e o EE desde 2019. Das declarações de rendimentos apresentadas pelo arguido DD referentes aos anos de 2016 a 2020 resulta que as mesmas foram apresentadas a zero ou com valores insignificantes – cfr. fls. 846 e ss. do Vol 4º.
[51] A já supra referenciada conta titulada por sua mãe.
[52] Conta bancária com o IBAN ... do “Banco 3...”.
[53] Conforme já assinalado, constam dos autos inúmeras facturas emitidas pelas firmas fornecedoras identificando DD como cliente (com o seu e-mail, nº de telemóvel, mas não com o respectivo NIF) e Rua ... como local de entrega das mercadorias, mas sendo formalmente facturados às sociedades “W..., Lda.”, X..., Lda.” e “Y..., Lda.”, como emerge, v.g., de fls. 15, 37, 88 e 89, 220, 253, 389 e 528 do Anexo B.
[54] Em relação a este arguido consta dos autos um total de 64 facturas emitidas em nome de “W..., Lda.” – NIF ... (com referência a DD), tendo a respectiva mercadoria como destino EE – X... – Rua ... (…) ..., Lda.”).
[55] Em relação a este arguido constam dos autos facturas a titular a venda de diversos produtos relacionados com o sector da “vaporização”, as quais foram dirigidas a “DD”, emitidas em nome de “W...”, Rua ..., ..., mas pagas pelo arguido AA através da sua conta pessoal do “Banco 3...” – cfr. fls. 689 a 692 do Anexo D-4 e 308 a 314 do Anexo D-13.
[56] As sociedades comerciais “W..., Lda.”, X..., Lda.” e “Y..., Lda.”, como se vê das inúmeras facturas juntas a fls. 670 a 678 do Anexo D-9.
[57] Onde o arguido EE se encontrava diariamente a gerir esta loja.
[58] Como resulta de fls. 808-A a 808-C do Anexo D-4, foi igualmente levantado o sigilo bancário em relação às contas bancárias com os IBAN ... (titulada por EE) e ... (titulada por AA).
[59] Cfr. fls. 503 a 517, 532 e ss. do Vol. 2º e 445 e ss. do Anexo C.
[60] Constantes dos Anexos B, D e E.
[61] Cfr. movimentos das contas bancárias em causa de fls. 446 a 914 do Apenso C.
[62] Extraídos dos computadores existentes nas lojas de ... e de ....
[63] Ficheiros de fls. 2, 3, 34 e 35 do Anexo E-7, de fls. 2 e 3, 40 a 41 do Anexo E-7 e de fls. 2, 3, 59 a 64 do Anexo E-7.
[64] Isto é, correspondem às reais transacções que iam realizando.
[65] Assinale-se que esses valores não passaram pela conta bancária da sociedade “B..., Lda.” – cujo movimento foi quase inexistente (cfr. fls. 239 a 321 do Anexo C) -, mas sim pela conta bancária pessoal do arguido EE, o que reforça a ideia de que este arguido geria em proveito próprio o negócio que era desenvolvido, também, a partir das instalações registadas como sendo a sede daquela sociedade.
[66] O sobredito ficheiro era utilizado indistintamente por ambos os arguidos DD e AA, como decorre da anotação aí aposta no dia 17/01/2020 – “… falta cair transferência 94” – tendo-se apurado, através da análise das contas bancárias dos três arguidos, que naquele dia 17/01/2020 existiu uma única transferência bancária de € 94,00 cuja conta beneficiária foi a titulada por AA – pagamento efectuado por um seu cliente de nome NNN (cfr. fls. 876 do Anexo C).
[67] Entre elas, a “W..., Lda.”, da testemunha DDD, e a “X... e Ai..., Lda.” e “Y..., Lda.”, da testemunha EEE.
[68] Conforme resulta de 7 talões a titular depósitos em numerário na conta bancária do “Banco 1..., S.A.” – balcão de ..., titulada por FF, realizados pelo arguido DD entre 02/10/2017 e 28/05/2018, no montante global de € 13.400,00.
[69] Em território nacional.
[70] Incluindo os líquidos com nicotina.
[71] O que resulta até das mensagens electrónicas que trocava com os seus fornecedores a respeito da emissão das facturas - “para não pagar o IVA” ou “para não pagar impostos em Portugal” –; da circunstância de indicar falsa e abusivamente aos fornecedores a identificação fiscal de entidades terceiras para efeitos de facturação de forma a não ser detectado; a circunstância de utilizar nessas trasacções uma conta bancária pessoal de sua mãe; tudo nos termos acima melhor explicitados.
[72] As sociedades comerciais “W..., Lda.”, X..., Lda.” e “Y..., Lda.”, como se vê das inúmeras facturas juntas a fls. 670 a 678 do Anexo D-9.
[73] Vertida na acusação pública e nos pedidos de perda de vantagens e de indemnização civil.
[74] Tal como, de resto, resulta da própria acusação – cfr. pontos 39. e 43 -, pelo que se afigura incongruente a conclusão aí extraída ao nível dos pedidos de perda de vantagens a favor do Estado e de indemnização civil, conforme nessas sedes melhor se explicitará.
[75] Sendo sócio e gerente em todas elas, como emerge das respectivas certidões comerciais juntas aos autos.
[76] Emitido a 07/10/2020.
[77] Da mesma forma, a considerar-se que a falta invocada constituía mera irregularidade do processo, deveria a mesma ter sido arguida no próprio acto pelo arguido AA, que a ele assistiu, o que não fez – artigo 123º, nº1 do CPP.
[78] A audiência de julgamento teve início em 09-10-2024, continuou em 16-10-2024, 08-11-2024 e 18-11-2024.
[79] Vd. Manuel da Costa Andrade, Sobre a Proibição das Provas em Processo Penal, Reimpressão, Coimbra Editora, 2013, págs. 277-278, (…) são razões de economia processual- evitando-se a repetição de formas e diligências- que ditam a apreensão directa ou a valoração probatória dos objectos que corporizem os conhecimentos fortuitos, decorrentes de uma busca.
[80] Vd. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-04-2020, proc. 142/17.3PDMAI.P1, relatado pela ora relatora, disponível em www.dgsi.pt.
[81] Cfr. Acórdãos do STJ de 05-06-2008, proc. 06P3649; de 14-05-2009, proc. 1182/06.3PAALM.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.
[82] Cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., p. 74; vd. também Acórdão da Relação de Coimbra de 09-12-2009, proc. 522/08.5GAACB.C1 e jurisprudência do STJ aí citada, disponível em www.dgsi.pt.
[83] Cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., pág. 75.
[84] Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2008, proc. 07P1016 e de 20-11-2008, proc. 08P3269, disponíveis em www.dgsi.pt.
[85] Quer na motivação do recurso quer nas respetivas Conclusões.
[86] Cf. Oliveira Mendes, Código Processo Penal Comentado, 4.ª Edição Revista, pág. 1167.
[87] A que manda também atender o artigo 13° do RGIT.
[88] Pelo menos, disso não há notícia nos autos.
[89] A danosidade social nos crimes fiscais é inúmeras vezes superior à dos crimes comuns.
[90] Cf. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2018, pág. 43.
[91] Cf. Maria João Antunes, ob. citada, pág. 43.
[92] Cf. Maria João Antunes, ob. citada pág. 45.
[93] Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-07-2015, proc. 315/11.2JELSB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[94] Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-04-2019, proc. 765/15.5T9LAG.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, No Ac. nº 632/2008 de 23-12-2008, do Tribunal Constitucional, pode ler-se: “Como se escreveu no Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do Acórdão n.º 634/93):«O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:-Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);-Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);-Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»