I – Resulta do disposto no artigo 5.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária, que o tribunal estadual só deve rejeitar a exceção de preterição de tribunal arbitral quando seja manifesto que a convenção de arbitragem é nula, ineficaz ou inexequível, devendo, na dúvida, remeter as partes para a jurisdição arbitral, em obediência ao princípio da competência-competência.
II – A cláusula compromissória que refere expressamente a relação jurídica de onde os litígios podem emergir (no caso, o contrato de consórcio) não padece de nulidade por indeterminação do objeto, nos termos do artigo 2.º, n.º 6, da LAV.
III – A cláusula compromissória que submete a tribunal arbitral "qualquer litígio emergente deste contrato – da sua interpretação ou integração, execução cumprimento ou incumprimento, validade ou invalidade, anulação ou nulidade, denúncia, resolução ou revogação" abrange não apenas litígios ocorridos durante a vigência do contrato, mas também aqueles que, embora surgidos após a sua extinção, emergem da relação contratual e do seu alegado incumprimento.
IV – O princípio da autonomia ou separabilidade da cláusula compromissória (artigo 18.º, n.º 2, da LAV) determina que a extinção do contrato por resolução não implica a ineficácia da cláusula compromissória, que mantém a sua vigência para apreciação de litígios emergentes da relação contratual.
V – A alegação de insuficiência económica superveniente para aceder à arbitragem, invocada pela primeira vez em sede de alegações de recurso, sem ter sido suscitada em primeira instância, constitui questão nova que não pode ser apreciada pelo tribunal de recurso.
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível do Porto – Juiz 6
Recorrente: A...
Recorrido: B..., Limitada
Relatora: Des. Teresa Pinto da Silva
1º Adjunto: Des. Jorge Martins Ribeiro
2ª Adjunta: Des. Ana Paula Amorim
I – Relatório
A..., NIPC ..., intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B..., Limitada, NIPC ..., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €1.362.078,01 (um milhão, trezentos e sessenta e dois mil e setenta e oito euros e um cêntimo), acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que no dia 1 de junho de 2011, Autora e Ré outorgaram um contrato de consórcio externo, destinado à exploração de uma sala de jogo de bingo, a instalar no local onde funcionou o ..., no Porto, passando a Ré a ser a exclusiva responsável pela gestão dessa exploração, tomando de forma autónoma e livre todas as decisões relevantes para esse efeito, contrato esse que veio a ser resolvido pela Ré em 10 de março de 2016, resolução que nunca foi aceite pela Autora, que clamava pelo incumprimento contratual imputável à Ré.
Tal litigio foi submetido a arbitragem, como determinava o contrato de consórcio celebrado entre as partes, tendo, por via de decisão arbitral, datada de 8 de março de 2023, não impugnada, sido declarada a resolução contratual ilícita, imputável à aqui Ré.
Sucede que os resultados líquidos do consórcio foram influenciados negativamente pela errada contabilização por parte da Ré de custos /despesas, tendo a Ré perpetrado a contabilização falsa de despesas pelo menos no montante de €1.120.078,78, que contribuíram para a diminuição do lucro que assiste à Autora, adulterando os resultados dos diversos exercícios, e assim inviabilizando a distribuição da correspondente meação de 50% devida à Autora, invocando que, não obstante a resolução ilícita do contrato de consórcio ter sido declarada por decisão arbitral transitada em julgado, subsistem prejuízos decorrentes de alegadas irregularidades contabilísticas relacionadas com ofertas registadas pela Recorrida, matéria que, sustenta, não terá sido apreciada em sede de decisão arbitral.
A Recorrida, na sua contestação, arguiu a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral, invocando a cláusula 14.ª do contrato de consórcio, bem como a exceção de caso julgado, atenta a sentença arbitral proferida, que teve como objeto o apuramento da meação do lucro devido a cada um dos consorciados (Autora e Ré) entre 2012 e 2017 (inclusive), na qual a aqui Ré foi condenada a pagar ao Autor a quantia de €262.188,95, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, a contar da citação e até efetivo pagamento, a título de indemnização pela meação na totalidade dos lucros a que o Autor teria direito pela atividade de exploração do bingo entre os anos de 2012 e 2017, pelo que não pode o Autor, através de apresente ação, obter o que a sentença arbitral não lhe concedeu.
No mais, impugnou parte dos factos alegados pelo Autor na petição inicial, concluindo pela procedência da exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral e, em consequência, pela absolvição da Ré da instância.
Caso assim não se entenda, pugna pela procedência da exceção do caso julgado, com a absolvição da Ré do pedido e, se assim não se entender, pela improcedência, por não provada, da presente ação, absolvendo-se a Ré do pedido.
Em 16 de maio de 2025, o Autor veio responder à matéria de exceção invocada pela Ré na contestação, pugnando pela improcedência das exceções invocadas.
Em 4 de junho de 2025, o Tribunal a quo, apreciando a exceção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal, por preterição de tribunal arbitral, julgou-a procedente no despacho saneador e, em consequência, proferiu decisão com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo verificada a excepção dilatória da incompetência do Tribunal, por preterição de tribunal arbitral e, em consequência, absolvo a ré da instância -.artigos 96º, b), 97º,n.º 1, 98º e 99º, n.º 1 e 3 do CPC.
Custas pela autora.
Registe e notifique»
1. Do teor da aludida cláusula 14.º n.º 3, do Contrato de Consórcio de fls., não resulta que a causa de pedir dos presentes, nela se enquadre, pois, não se trata de litígio relativo a interpretação ou integração, execução, cumprimento ou incumprimento, validade ou invalidade, anulação ou nulidade, denúncia, resolução ou revogação do contrato;
2. É que, da cláusula em causa, resulta, “Para apreciação e decisão de qualquer litígio emergente deste contrato (...)”, e “Não é possível fixar uma cláusula compromissória que vise todos e quaisquer litígios entre das pessoas: a indeterminabilidade seria total. Antes caberia explicitar: litígios em certo âmbito ou num determinado quadro. A “relação jurídica exigida no n.º6 (do art.º 2.º) não o é em sentido técnico-jurídico, equivalente a relação obrigacional: pode abarcar várias relações atuais ou potenciais, desde que determináveis”, cfr. António Menezes Cordeiro, in “Tratado da Arbitragem – Comentário à Lei 63/2011, de 14 de Dezembro, Almedina, 2015, pág.108, e assim, nula;
3. Tal cláusula é inaplicável, ineficaz, por não contemplar o respetivo objeto, sendo essa a leitura que um/a declaratário/a normal colocado/a na posição do/a real declaratário/a (art.º 236.º do CC), fará desse conjunto de palavras escritas, sendo esse o sentido que, tendo bem mais do que um mínimo de correspondência nesse texto, conduz a um maior equilíbrio das prestações e traduz uma atuação de acordo com os ditames da boa-fé;
4. A Recorrida não invocou a preterição do Tribunal arbitral no âmbito de ação intentada pela aqui Recorrente, contra a mesma, no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, Juiz 3, P. 8964/23.0T8VNG, o que sempre equivaleria a renúncia da cláusula compromissória, sendo a sua invocação nos autos manifestação de má-fé, atento o montante em discussão e bem sabendo da condição económica da Recorrente e o apoio judiciário do qual beneficia em todas as lides judiciais, incluindo, a presente;
5. A Recorrida continua a usufruir, em exclusivo, de todos os lucros advenientes da exploração do Bingo, dispondo de sobranceria económica sobre o Recorrente, daí a invocação da referenciada exceção, apesar da sua manifesta falta de fundamento e de a mesma consubstanciar abuso de direito, nomeadamente na modalidade de venire contra factum proprium, pretendendo fazer uso de cláusula consabidamente à qual renunciou, e inaplicável, face às circunstâncias negociais e situação económico-financeira das parte, em concreto da Recorrente cuja precariedade resulta da demonstração do deferimento do apoio judiciário e modalidade inserta no doc. de deferimento de fls.;
6. Litigando a Recorrente, com o benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido pela Segurança Social, na modalidade de dispensa total de custas ou quaisquer encargos com a lide, depois de comprovada a sua situação de insuficiência económica, e igualmente alegada e comprovada nos autos como resulta de fls. – resultando das regras de experiência comum que a parte que não tem condições para alegar no tribunal estadual nunca terá no arbitral consabidos os custos elevadíssimos da arbitragem, facto público, notório e dispensado de prova -, sempre se mostrará afastada a eficácia da convenção de arbitragem propondo-se a ação no tribunal judicial, sem que lhe seja oponível a exceção dilatória da preterição do tribunal arbitral, na esteira da jurisprudência dominante, por todos Ac.TRL, de 18/06/2020, P. 3504/19.8T8FNC.L1-6, Relator: Maria de Deus Correia, in www.dgsi.pt, e em particular do que resulta do Ac. Tc. n.º 25/2001, de 30.01.2001, proc. n.º 76/00;
7. O Tribunal “a quo” atento o alegado na PI de fls., e considerando o comprovado apoio judiciário e comprovativo do deferimento na modalidade de dispensa total de custas e encargos, como resulta de fls., teria que ter feito um exame sumário, o que não sucedeu, atenta a prova carreada, sobre se a convenção de arbitragem é ou se tornou inaplicável, (art.º 5 n.º1 da LAV), pois, o Tribunal “a quo” só poderia renegar a sua competência se concluísse ser manifesto que a convenção não era inexistente, inválida ou ineficaz, como impõe o art.º 5.º n.º 1 da LAV;
8. A apreciação e decisão da causa pelo Tribunal Judicial, com preterição do tribunal arbitral, é a única solução que salvaguarda o direito constitucional/fundamental do aqui Recorrente, à tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º CRP), não representando para a Recorrida qualquer sacrifício digno de maior tutela, tanto mais que, conforme alegado à saciedade, a mesma atua em manifesto abuso de direito, designadamente na modalidade de venire contra factum proprium, pois foi a mesma que, ilicitamente, colocou o Recorrente, na situação em que ora se encontra, sem o que se mostra violado o art.º 2.º, n.º 1, do C.P.C., e os artigos 20.º n.º 1 e 202.º, nº 2, ambos, da C.R.P. e bem assim o disposto na al. g) do art.º 19.º do D.L.n.º446/85, e igualmente na esteira da jurisprudência europeia, por todos, TJE 6-out-2009, caso C-40/08, JOUE 21-nov-2009;
9. O Tribunal “a quo” não conheceu do invocado abuso de direito, estatuído no artigo 334.º, do C.C., ainda que não estivesse impedido do seu conhecimento oficioso, atentos os factos e documentos constantes dos Autos, incorrendo em manifesta omissão de pronúncia, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do C.P.C.;
Termina pugnando pela revogação da sentença recorrida e consequente prosseguimento dos autos.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Da análise das conclusões vertidas pelo Recorrente nas suas alegações, que versam sobre a decisão recorrida e que delimitam o objeto do recurso, estando o Tribunal impedido de conhecer de matérias não incluídas nessas conclusões, com exceção das que sejam de conhecimento oficioso, nos termos do previsto nos artigos 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
1ª Da nulidade da decisão proferida por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d), do nº1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil
2ª Da exceção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal, por preterição de tribunal arbitral.
1ª Das nulidade da decisão proferida por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d), do nº1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil
Com interesse para o conhecimento da questão em apreço, diremos que as nulidades da sentença, tipificadas no artigo 615º, do Código de Processo Civil, são vícios formais, reportando-se à estrutura, à inteligibilidade e aos limites da decisão.
Não podem ser confundidas com erros de julgamento de facto nem com erros de aplicação das normas jurídicas aos factos.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas e/ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, antes ao mérito da relação material controvertida, nela apreciada, não a inquinam de invalidade.
Diferentemente, as nulidades previstas no artigo 615º, do Código de Processo Civil, são aquelas que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer por essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”[1] ou condenar ultra petitum, tendo o julgador de limitar a condenação ao que, concretamente, vem peticionado, em obediência ao princípio do dispositivo.
Os referidos vícios respeitam, por conseguinte, à “estrutura ou aos limites da sentença.
Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão).
Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)”[2].
No caso concreto, o Recorrente alega que o Tribunal “a quo” não conheceu do invocado abuso do direito, estatuído no artigo 334.º, do Código Civil, ainda que não estivesse impedido do seu conhecimento oficioso, atentos os factos e documentos constantes dos autos, incorrendo em manifesta omissão de pronúncia, nos termos da alínea d), do nº1 do artigo 615º, do Código de Processo Civil, da qual decorre que a sentença é nula “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
O disposto nesta norma está diretamente relacionado com o artigo 608°, n° 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões jurídicas neste contexto. E quanto a esta matéria, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que essas questões que o Tribunal pode conhecer, para além daquelas cujo conhecimento oficioso a lei permite ou impõe, identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir e com as exceções invocadas. Não serão todos os argumentos, todos os factos, todas as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções[3].
Importa ainda ter presente que na primeira parte da alínea d) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil mostra-se contemplada a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, enquanto na segunda parte se prevê a nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
O Recorrente invoca que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, por não ter conhecido do invocado abuso do direito.
Nos termos do artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil, "O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito".
Trata-se do princípio iura novit curia, segundo o qual o tribunal conhece oficiosamente (todo) o direito aplicável, não estando vinculado à qualificação jurídica feita pelas partes.
Porém, este princípio não dispensa as partes do ónus de alegação dos factos que integram os pressupostos das normas jurídicas cuja aplicação pretendem.
No caso do abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil), trata-se de matéria que, não obstante possa ser conhecida oficiosamente pelo tribunal quando resulte dos factos alegados e provados, exige sempre a alegação e prova dos factos concretos que integram os pressupostos das diversas modalidades de abuso do direito.
Compulsados os autos, verifica-se que o Recorrente, na resposta à exceção de preterição de tribunal arbitral, se limitou a invocar genericamente, no artigo 16.º, que a invocação da exceção [de preterição de tribunal arbitral] pela Ré “mostra-se, pois, abusiva e própria de quem atua em claro venire contra factum proprium”, sem alegar quaisquer factos concretos que integrem os pressupostos do abuso do direito em qualquer das suas modalidades.
Uma tal alegação genérica e conclusiva não vinculava o Tribunal a pronunciar-se especificamente sobre a questão, não ocorrendo omissão de pronúncia.
É certo que em sede de alegações, o Recorrente veio concretizar a atuação da recorrida em abuso do direito, porquanto invocou a cláusula compromissória nos presentes autos, quando não o terá feito em ação intentada pelo Recorrente no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, Juiz 3, P. ….
No entanto, na petição inicial, o Recorrente não alegou a pendência de outra ação no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, nem invocou que a Recorrida teria, nessa sede, renunciado à cláusula compromissória ao não ter arguido a exceção de preterição de tribunal arbitral.
Tal alegação surge apenas na conclusão 4.ª das alegações de recurso, sem que tivesse sido objeto de apreciação pelo Tribunal a quo, por não lhe ter sido colocada.
Trata-se, pois, de questão nova, que não cumpriu o princípio da concentração da defesa e que, não sendo de conhecimento oficioso, não pode ser apreciada por este Tribunal de recurso.
Ainda que assim se não entendesse, sempre se dirá que o abuso do direito, nas suas diversas modalidades, pressupõe a verificação de requisitos rigorosos, nomeadamente, no que ao caso interessa:
- Na modalidade de venire contra factum proprium: a existência de um comportamento anterior da parte que criou na contraparte uma legítima expectativa, seguido de um comportamento contraditório que frustra essa expectativa;
- Na modalidade de desequilíbrio entre o exercício do direito e os sacrifícios impostos à contraparte: uma desproporção manifesta e objetiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte.
No caso concreto, ainda que se pudesse conhecer da matéria, sempre se constataria que:
- O Recorrente não alegou nem provou que a Recorrida tenha criado qualquer legítima expectativa de renúncia à cláusula compromissória;
- O mero facto de a Recorrida não ter invocado a exceção de preterição de tribunal arbitral em outra ação (cuja existência, aliás, não foi sequer alegada nos autos de primeira instância) não configura renúncia à cláusula para efeitos de futuras ações;
- A invocação da cláusula compromissória pela Recorrida não configura qualquer contradição com comportamento anterior, mas antes o exercício legítimo de um direito contratualmente estabelecido e expressamente previsto na lei.
Quanto à alegada desproporção entre benefícios e sacrifícios, também não se vislumbra, sendo certo que, conforme emerge dos autos, a cláusula compromissória foi livremente acordada pelas partes em 2011, não tendo o Recorrente demonstrado (nem sequer alegado concretamente) que a Recorrida tenha agido de má-fé ou com intuito de prejudicar o acesso do Recorrente à justiça.
Termos em que improcede nesta parte o recurso.
Nos termos do artigo 96.º, alínea b), do Código de Processo Civil, a preterição do tribunal arbitral determina a incompetência absoluta do tribunal, exceção que, conforme resulta do artigo 97.º, n.º 1, do mesmo diploma, não é de conhecimento oficioso, tendo de ser arguida pelas partes.
O artigo 18º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro) determina que o tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção.
Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de março de 2018, proferido no âmbito do processo nº 1149/14.8T8LRS.S1, disponível in www.dgsi.pt, «Encontra-se aqui consagrado o princípio da competência-competência, cuja justificação radica na necessidade de evitar que, invocada por uma das partes litigantes a falta de competência do tribunal arbitral, tivesse de ser o tribunal judicial a decidir dessa mesma competência. Atribui-se, portanto, ao tribunal arbitral competência para julgar da sua própria competência, com a necessária ponderação sobre a validade da convenção de arbitragem e sobre a arbitrabilidade do litígio».
Já o artigo 5.º, n.º 1, da citada Lei da Arbitragem Voluntária estabelece que "o tribunal estadual no qual seja proposta ação relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível".
Este preceito consagra o denominado efeito negativo do princípio da competência-competência, impondo aos tribunais judiciais o dever de se absterem de julgar sobre matérias abrangidas por convenção de arbitragem, remetendo as partes para a jurisdição arbitral, salvo quando seja manifesto que a convenção é nula, ineficaz ou inexequível.
O legislador estabeleceu um critério de manifesta nulidade, ineficácia ou inexequibilidade, o que significa que apenas em casos límpidos e indubitáveis deve o tribunal estadual conhecer do mérito da exceção, rejeitando-a.
Na dúvida, ou quando se suscitem questões complexas sobre o âmbito, validade ou eficácia da convenção de arbitragem, devem as partes ser remetidas para o tribunal arbitral, que apreciará, em primeira linha, a sua própria competência, nos termos do artigo 18.º da Lei da Arbitragem Voluntária.
No caso concreto, a cláusula 14.ª do contrato de consórcio externo celebrado entre as partes estabelece, no seu n.º 3, que: "Para apreciação e decisão de qualquer litígio emergente deste contrato – da sua interpretação ou integração, execução cumprimento ou incumprimento, validade ou invalidade, anulação ou nulidade, denúncia, resolução ou revogação, será exclusivamente competente o tribunal arbitral".
Trata-se de cláusula compromissória redigida em termos amplos, abrangendo não apenas litígios relativos à interpretação, execução ou cumprimento do contrato, mas também os relativos ao seu incumprimento e às consequências da sua extinção, incluindo, no que ao caso interessa, por resolução.
Ou seja, é manifesto que as partes não cingiram o objeto da cláusula compromissória a qualquer parcela específica da relação jurídica, antes abrangeram expressamente os litígios emergentes do incumprimento do contrato.
O Recorrente sustenta que a presente ação não se enquadra na cláusula compromissória, uma vez que não se trata de litígio relativo à interpretação, integração, execução, cumprimento, incumprimento, validade, anulação, nulidade, denúncia, resolução ou revogação do contrato, porquanto tais matérias já foram decididas em sede arbitral, tendo-se concluído que a Recorrida incumpriu o contrato e o resolveu ilicitamente.
Argumenta que o objeto dos presentes autos se prende exclusivamente com os prejuízos advenientes do incumprimento contratual perpetrado, este já apreciado e declarado em sede arbitral, pelo que a cláusula se afigura inaplicável, mais alegando que com a decisão, transitada em julgado, proferida pelo Tribunal arbitral, que considerou ilícita a resolução, a mesma produziu os seus efeitos, ou seja, o contrato de consórcio externo cessou, pelo que deixa de ser aplicável a cláusula compromissória ali estabelecida, não podendo as partes pretender atuar como se o contrato e as suas cláusulas se mantivessem válidas, exequíveis e aplicáveis.
Com o devido respeito, entendemos que tal argumentação não procede.
Compulsada a petição inicial, verifica-se que a causa de pedir assenta, essencialmente, nos seguintes factos:
- Celebração do contrato de consórcio externo entre as partes em 1 de junho de 2011;
- Resolução do contrato pela Recorrida em 10 de março de 2016;
- Declaração, por decisão arbitral de 8 de março de 2023, de que a resolução foi ilícita, imputável à Recorrida;
- Alegada contabilização falsa de despesas pela Recorrida, na montante de € 1.120.078,78, a título de ofertas, durante o período de vigência do contrato;
- Adulteração dos resultados dos diversos exercícios, inviabilizando a distribuição da correspondente meação de 50% devida ao Recorrente;
- Inexistência de sistema contabilístico separado para a atividade de exploração do jogo de bingo;
- Irregularidades graves no plano contabilístico e na coordenação dos membros do consórcio.
O Recorrente invoca, como fundamento do pedido indemnizatório, os artigos 798.º, 799.º e 800.º do Código Civil, relativos à responsabilidade civil contratual.
Ora, é manifesto que a presente ação tem por objeto apreciar e decidir sobre alegado incumprimento contratual da Recorrida durante a vigência do contrato de consórcio, concretamente quanto às suas obrigações de:
- Assegurar a coordenação entre os membros do consórcio;
- Manter contabilidade organizada de acordo com o Sistema de Normalização Contabilística, sem adulteração de resultados e sem contabilização de falsas despesas;
- Criar sistema contabilístico separado para a atividade de exploração do jogo de bingo;
- Proceder à entrega ao Recorrente da meação (50%) do lucro líquido apurado.
Trata-se, pois, de litígio que emerge diretamente do contrato de consórcio e que se prende com o alegado incumprimento de obrigações contratuais da Recorrida.
O facto de já ter sido proferida decisão arbitral que declarou ilícita a resolução do contrato não significa que os litígios subsequentes, emergentes do mesmo contrato e do seu incumprimento, deixem de estar abrangidos pela cláusula compromissória.
Como bem refere a sentença recorrida, "pela leitura da cláusula em causa, parece claro que as partes, quando estivessem em causa litígios relacionados com a execução do contrato, sempre pretenderiam a intervenção de tribunal arbitral, mesmo que o contrato tivesse cessado os seus efeitos".
Esta interpretação está em plena consonância com o artigo 18.º, n.º 2, da Lei da Arbitragem Voluntária, que estabelece que "para os efeitos do disposto no número anterior, uma cláusula compromissória que faça parte de um contrato é considerada como um acordo independente das demais cláusulas do mesmo".
Trata-se do princípio da autonomia ou separabilidade da cláusula compromissória, segundo o qual esta constitui um acordo independente, não sendo afetada pela invalidade, ineficácia ou extinção do contrato principal. Ou seja, a cláusula compromissória, ainda quando inserta num contrato, vale como pacto autónomo. Ela mantém-se, por isso, mesmo que o contrato base venha a ser declarado nulo, anulado ou resolvido.
Acresce que o próprio n.º 3 do artigo 18.º da Lei da Arbitragem Voluntária expressamente consagra: "A decisão do tribunal arbitral que considere nulo o contrato não implica, só por si, a nulidade da cláusula compromissória".
Assim, a extinção do contrato de consórcio por resolução ilícita não determina, por si só, a ineficácia da cláusula compromissória, a qual mantém a sua vigência para apreciação de litígios emergentes da relação contratual, incluindo os respeitantes ao incumprimento de obrigações durante a vigência do contrato e às consequências indemnizatórias de tal incumprimento.
O entendimento contrário conduziria ao resultado absurdo de permitir que, após a extinção de um contrato, qualquer das partes pudesse subtrair-se à cláusula compromissória nele estabelecida, intentando ações nos tribunais estaduais para apreciar incumprimentos ocorridos durante a vigência do contrato.
Tal interpretação violaria frontalmente a vontade das partes, expressa na cláusula compromissória, de submeter a tribunal arbitral "qualquer litígio emergente deste contrato ou (...) incumprimento".
Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de março de 2018, já citado: "Quando se procura apurar o sentido da convenção de arbitragem, para efeitos do eventual deferimento da competência ao tribunal arbitral, devem aplicar-se as regras gerais de interpretação do negócio jurídico. Assim, conforme resulta da conjugação dos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, as linhas gerais que orientam a correcta interpretação da vontade negocial resumem-se ao seguinte: a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante".
Aplicando este critério hermenêutico ao caso concreto um declaratário normal, colocado na posição das partes aquando da celebração do contrato de consórcio em 2011, ao ler a cláusula 14.ª, n.º 3, nos termos em que está redigida, concluiria inequivocamente que as partes pretenderam submeter a tribunal arbitral todos os litígios emergentes do contrato, incluindo os relativos ao seu incumprimento, independentemente de o contrato ainda se encontrar em vigor ou já ter cessado os seus efeitos.
Aliás, o facto de as partes terem expressamente incluído na cláusula as situações de "resolução ou revogação" do contrato demonstra claramente que pretenderam abranger também litígios posteriores à extinção do contrato, desde que emergentes da relação contratual.
Concluímos, por conseguinte, que a resolução do contrato por parte da Apelada, reconhecida como ilícita pelo tribunal arbitral, não afasta a competência desse tribunal para conhecer de litígios emergentes do contrato, incluindo os respeitantes às consequências indemnizatórias do seu incumprimento ou da sua resolução.
No caso vertente, a causa de pedir prende-se com alegado incumprimento de obrigações contratuais da Recorrida durante a vigência do contrato de consórcio (2011 a 2016), concretamente quanto à forma como geria a contabilidade do consórcio e apurava os lucros a partilhar com o Recorrente.
Trata-se, pois, inequivocamente, de litígio emergente do contrato de consórcio e do seu alegado incumprimento, diretamente abrangido pela cláusula compromissória.
O argumento do Recorrente de que tais matérias já foram apreciadas em sede arbitral não colhe.
Com efeito:
- Se tais matérias já foram efetivamente apreciadas e decididas pelo tribunal arbitral, a questão não se coloca em termos de âmbito da cláusula compromissória, mas sim de caso julgado, exceção também arguida pela Recorrida e que o Tribunal a quo não apreciou, por ter julgado procedente a exceção de preterição de tribunal arbitral e, nesse medida, se mostrar prejudicado o seu conhecimento.
- Se tais matérias não foram apreciadas pelo tribunal arbitral (como sustenta o Recorrente), então são novas questões emergentes do mesmo contrato e do seu incumprimento, igualmente abrangidas pela cláusula compromissória.
Em qualquer das hipóteses, a conclusão é a mesma: o litígio enquadra-se no âmbito da convenção de arbitragem.
Sustenta ainda o Recorrente que a cláusula compromissória é nula, por excessiva indeterminação, ao referir genericamente “qualquer litígio emergente deste contrato".
Nos termos do artigo 2.º, n.º6, da Lei da Arbitragem Voluntária, "o compromisso arbitral deve determinar o objeto do litígio; a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem".
No entanto, este requisito de "especificação" não exige a determinação concreta e individualizada de cada litígio que possa emergir (o que seria impossível no momento da celebração da cláusula), bastando que seja identificável a relação jurídica de onde os litígios podem emergir.
No caso concreto, a cláusula compromissória especifica claramente a relação jurídica a que os litígios respeitem: o contrato de consórcio externo celebrado entre as partes.
Não há, pois, qualquer indeterminação que possa conduzir à nulidade da cláusula compromissória por indeterminação do seu objeto.
De qualquer modo, como atrás se deixou dito, a análise da validade e alcance desta convenção sempre caberia em primeiro lugar ao tribunal arbitral nos termos do art. 18º nº1 da LAV.
Com efeito, esta norma, relativa à competência do tribunal arbitral, atribui a este a primazia para apreciação da sua própria competência, devendo, por isso, o tribunal judicial abster-se de fazer essa apreciação, a não ser que a convenção de arbitragem se mostre manifesta e inequivocamente inválida, ineficaz ou inexequível (como decorre do artigo do artigo 5º, nº1 da LAV).
Mas se assim não acontecer, se a convenção de arbitragem não for manifestamente nula, ineficaz ou inexequível, apresentando um mínimo de plausibilidade, não caberá ao tribunal judicial apreciar a sua validade, eficácia ou aplicabilidade, competindo tal decisão ao tribunal arbitral
Ora no caso dos autos, não se verifica a manifesta invalidade, ineficácia ou inexequibilidade da convenção de arbitragem contida na cláusula décima quarta do contrato de consórcio externo, verificando-se, sim, a sua conformidade com o art. 2º da LAV.
Sustenta também o Recorrente que litigando com o benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido pela Segurança Social, na modalidade de dispensa total de custas ou quaisquer encargos com a lide, a sua comprovada situação de insuficiência económica constituiria fundamento para afastar a eficácia da convenção de arbitragem.
Quanto a esta questão, na resposta às alegações de recurso, a Apelada veio invocar que se trata de uma questão nova e, nessa medida, estará este Tribunal da Relação impedido de a conhecer, argumento que colhe a nossa adesão.
Com efeito, como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência, o tribunal de recurso não pode ser confrontado com questões que não tenham sido apreciadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido, em virtude de os recursos se configurarem, na sua delimitação objetiva, como meio de impugnação de decisões judiciais, no desiderato da sua reapreciação, com a finalidade da sua revogação ou alteração.
Dito de outro modo, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova.
Compulsados os autos, da leitura da petição inicial constata-se que o Recorrente não alegou, em momento algum, que se encontrava impossibilitado economicamente de aceder ao tribunal arbitral, nem invocou que tal impossibilidade constituiria fundamento para afastar a eficácia da convenção de arbitragem.
Na resposta à exceção de preterição de tribunal arbitral, o Recorrente também não suscitou tal questão.
A invocação desta matéria surge apenas em sede de alegações de recurso, pretendendo o Recorrente socorrer-se da jurisprudência constitucional e dos tribunais superiores que admitem, em circunstâncias excecionais, o afastamento da convenção de arbitragem quando uma das partes se vê, supervenientemente e sem culpa sua, impossibilitada de custear as despesas da arbitragem, por tal configurar denegação de justiça, contrária ao artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Estamos perante questão que deveria ter sido alegada em momento próprio - na petição inicial ou, pelo menos, na resposta à exceção arguida pela Recorrida -, permitindo à Recorrida exercer plenamente o contraditório e ao Tribunal a quo pronunciar-se sobre ela.
Acresce que a questão em apreço não é de conhecimento oficioso, não cabendo nas exceções previstas nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, do Código de Processo Civil.
Não pode, por isso, este Tribunal apreciar tal questão, sob pena de subversão da estrutura dialética e contraditória do processo e de violação do princípio da preclusão.
Todavia, ainda que assim se não entendesse, não poderia o recurso proceder nesta parte.
É certo que a jurisprudência tem admitido, em casos excecionais e bem delimitados, que a insuficiência económica superveniente, sem culpa da parte, para custear as despesas da arbitragem, pode constituir causa legítima de incumprimento da convenção de arbitragem, permitindo o recurso aos tribunais estaduais.
O fundamento radica no princípio constitucional consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, segundo o qual "a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos".
O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 25/2001, de 30 de janeiro, expressamente citado pelo Recorrente, considerou que "na hipótese que se figurou de a parte na convenção arbitral que, posteriormente à celebração desta, se viu, sem culpa sua, arrastada para uma situação de insuficiência económica que a impossibilita de custear as despesas dessa arbitragem, possa deixar de cumprir tal convenção e recorrer aos tribunais estaduais, pedindo a resolução do caso, sem que seja possível opor-lhe a competente exceção dilatória".
A aplicação deste entendimento pressupõe, por conseguinte, a alegação e prova das seguintes circunstâncias:
- Superveniência da insuficiência económica, isto é, que a situação de carência de meios seja posterior à celebração da convenção de arbitragem.
- Ausência de culpa da parte na situação de insuficiência económica.
- Impossibilidade efetiva de custear as despesas da arbitragem, de modo a que, de outro modo, se verificaria denegação de justiça.
No caso vertente, ainda que se pudesse conhecer da matéria (o que não é o caso, conforme se deixou exposto), a verdade é que o Recorrente não alegou factos concretos que permitissem concluir pela verificação de tais pressupostos.
Com efeito, o Recorrente limita-se a invocar genericamente que litiga com apoio judiciário, que a sua situação económica é precária e que os custos da arbitragem são elevadíssimos. Porém:
- Não alegou nem provou qual o valor concreto das custas arbitrais que teria de suportar;
- Não alegou nem demonstrou que a sua situação de insuficiência económica é superveniente à celebração da convenção de arbitragem (que data de 2011);
- Não alegou factos que permitam concluir que tal insuficiência não lhe é imputável;
- Não juntou extratos bancários, contabilidade ou outros elementos probatórios da alegada impossibilidade financeira.
Por outro lado, conforme bem nota a Recorrida, resulta dos autos que o Recorrente:
- Participou efetivamente num procedimento arbitral anterior, tendo suportado os respetivos custos (conforme documento n.º 12 junto com a petição inicial - sentença arbitral de 8 de março de 2023);
- Recebeu da Recorrida, em abril de 2024, a quantia de € 314.917,54, em cumprimento da decisão arbitral;
- Não demonstrou que não poderia afetar parte dessa quantia, ou de outras receitas, ao custeio de eventual novo procedimento arbitral.
Assim, ainda que a matéria pudesse ser conhecida (o que, reitera-se, não é possível), sempre a mesma improcederia por falta de alegação e demonstração dos pressupostos exigíveis.
Em jeito de conclusão, diremos que, não sendo manifesta a nulidade, ineficácia ou inexequibilidade da convenção de arbitragem, impunha-se ao Tribunal a quo, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária, julgar procedente a exceção de preterição de tribunal arbitral e absolver a Ré da instância, remetendo as partes para a jurisdição arbitral, como acertadamente fez.
Improcede, pelo exposto, na totalidade, o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Termos em que, perante a improcedência total da apelação, se decide que as custas serão pelo Apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.