PENHORA DE IMÓVEIS
PRINCÍPIOS DA ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE
ONERAÇÃO COM GARANTIA REAL
Sumário

I - A concretização da penhora orienta-se pelos princípios da adequação ou eficiência e proporcionalidade da penhora ao valor da obrigação exequenda (art.º 735º/3 e 751º/1 CPC). Deve atribuir-se preferência aos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e estimar-se, de acordo com um juízo de prognose, se o produto da venda dos bens penhorados garante a satisfação do crédito exequendo.
II - Incidindo a penhora sobre imóveis, no juízo de prognose e na falta de outros elementos, deve ser ponderado o montante do crédito exequendo, o valor patrimonial tributário dos bens e ainda, o facto de se encontrarem onerados com garantias reais anteriores à realização da penhora.

Texto Integral

Exec-Oposição-Penhora-17482/23.5T8PRT-B.P1


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SUMÁRIO[1] (art.º 663º/7 CPC):

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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório

No processo de execução para pagamento de quantia certa, em que figuram como:

- Exequente: Banco 1..., S.A., com sede na Praça ..., ..., Porto, ... PORTO; e

- Executados: AA rua ...

... PORTO; e

BB, rua ..., ... VILA NOVA DE GAIA, e OUTROS

veio o exequente promover a execução para pagamento da quantia de € 130.891,87 € (130.500,37 € a título de capital e 391,50 € a título de juros).


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Procedeu-se à citação dos executados.

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Em 20 de junho de 2024 o agente de execução lavrou o auto de penhora dos seguintes bens:

- prédio urbano composto por uma moradia com quatro pisos, T3, destinada a habitação denominada pelo lote ... sita na Rua ..., na ... ..., da Freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrita na matriz, urbana sob o art.º ..., com o valor patrimonial tributário de 223.340, 00 Euros (duzentos e vinte e três mil trezentos e quarenta euros).

- prédio urbano composto de fração autónoma designada pela letra B, destinada a habitação, correspondente ao 1.º andar, T3, com garagem «BA»; nas traseiras com 30m2, que faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sita na Rua ..., ..., 1.º, ..., da freguesia ..., concelho de Valongo, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ......, e inscrita na matriz urbana sob o art.º ...-B, com o valor patrimonial tributário de 75.881, 40 Euros (setenta e cinco mil oitocentos e oitenta e um euros e quarenta cêntimos).

- crédito que a coexecutada BB teria a haver por conta do reembolso do seu IRS, respeitante aos rendimentos do ano de 2023, no valor de 3.058,64 Euros (três mil e cinquenta e oito euros e sessenta e quatro cêntimos).


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Os executados vieram deduzir oposição à penhora e requereram que fosse ordenada a redução das penhoras efetuadas nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do art.º 735.º do CPC, devendo a penhora de bens imóveis permanecer unicamente em relação ao bem imóvel sito na Rua ..., na ... ..., da Freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrita na matriz, urbana sob o art.º ..., com o valor patrimonial tributário de 223.340,00 Euros (duzentos e vinte e três mil trezentos e quarenta euros).

Alegaram para o efeito que no âmbito da presente execução se procedeu à penhora do prédio urbano consubstanciado numa moradia com quatro pisos, T3, destinada a habitação denominada pelo lote ... sita na Rua ..., na ... ..., da Freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrita na matriz, urbana sob o art.º ..., com o valor patrimonial tributário de 223.340,00 Euros (duzentos e vinte e três mil trezentos e quarenta euros), e ainda, do prédio urbano consubstanciado numa fração autónoma designada pela letra B, destinada a habitação, correspondente ao 1.º andar, T3, com garagem; nas traseiras com 30m2, que faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sita na Rua ..., ..., 1.º, ..., da freguesia ..., concelho de Valongo, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ......, e inscrita na matriz urbana sob o art.º ...-B, com o valor patrimonial tributário de 75.881,40 Euros (setenta e cinco mil oitocentos e oitenta e um euros e quarenta cêntimos).

Além das referidas frações, foi ainda penhorado o crédito que a coexecutada BB teria a haver por conta do reembolso do seu IRS, respeitante aos rendimentos do ano de 2023, no valor de 3.058, 64 Euros (três mil e cinquenta e oito euros e sessenta e quatro cêntimos).

Sendo a dívida exequenda correspondente ao montante de 130.891, 87 Euros (centro e trinta mil oitocentos e noventa e um euros e oitenta e sete cêntimos), as despesas previsíveis de execução correspondem a cerca de 6.544,60 Euros (seis mil quinhentos e quarenta e quatro euros e sessenta cêntimos), que se presumem para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação no valor de 5% do valor da execução, pelo facto de este ser superior ao valor de quatro vezes a alçada do tribunal da relação.

Mais alegou que corresponde a 137.436,47 Euros (cento e trinta e sete mil quatrocentos e trinta e seis euros e quarenta e sete cêntimos) o limite da penhora a ser efetuada no âmbito dos presentes autos.

Os valores patrimoniais dos referidos bens imóveis penhorados à ordem dos presentes autos superam largamente a divida exequenda, motivo pelo qual requerem a redução da penhora realizada sobre bens imóveis, devendo a mesma permanecer unicamente em relação ao prédio urbano consubstanciado numa moradia com quatro pisos, T3, destinada a habitação denominada pelo lote ... sita na Rua ..., na ... ..., da Freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrita na matriz, urbana sob o art.º ..., com o valor patrimonial tributário de 223.340,00 Euros (duzentos e vinte e três mil trezentos e quarenta euros), na medida em que o respetivo valor de mercado, e, bem assim do valor patrimonial tributário, é suficiente para garantir o crédito da exequente.


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Proferiu-se despacho que admitiu liminarmente a oposição e determinou a notificação da exequente, para deduzir oposição.

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A exequente notificada veio deduzir oposição, pedindo que se mantenha a penhora realizada.

Alegou para o efeito, que o art.º 751º/3 CPC não obsta que seja efetuada a penhora, de bens imóveis de valor muito superior à quantia exequenda, sendo certo que nenhum dos imóveis penhorados consubstancia habitação própria permanente dos executados (cf. morada indicada na procuração forense junta aos autos).

Mais alegou que independentemente do valor que venha a ser atribuído aos bens imóveis em causa, certo é que qualquer juízo relativamente à sua “suficiência” para fazer face aos montantes peticionados pelo Exequente, e eventualmente reclamados por outros credores, bem como às custas, despesas e honorários de Agente de Execução pelos quais o devedor responde com o seu património, será sempre “prognóstico”. Apenas após a efetiva venda judicial do imóvel, e aferido que seja o real valor resultante

de tal venda, será possível concluir se o mesmo é (ou não) suficiente para liquidação da dívida, para o integral cumprimento das obrigações oportunamente assumidas pelos executados.

Além da quantia exequenda, haverá que dar pagamento pelo produto da venda, aos credores reclamantes – quer os credores públicos, quer os credores com garantia real registada sobre os imóveis penhorados –, que, por certo, não deixarão de reclamar os seus créditos nestes autos, logo que citados para o efeito na sequência das penhoras efetuadas.

Sobre os bens imóveis penhorados incidem garantias reais que gozam de melhor privilégio que a penhora registada a favor do Banco Exequente, e que, em sede de oportuna graduação de créditos, nos termos da lei substantiva e das regras de prioridade do registo, serão pagos com preferência sobre a quantia exequenda aqui peticionada.

Sobre o prédio urbano descrito na 1.ª CRP de Vila Nova de Gaia com o n.º ..., encontra-se registada Hipoteca Voluntária a favor do Banco 2..., S.A., para garantia do capital mutuado de €476.000,00 e cujo montante máximo assegurado ascende a €637.840,00 (cf. AP. ... de 2021/09/07).

Sobre a fração B do prédio descrito na CRP de Valongo com o n.º ...-B, encontram-se registadas: a) duas Hipotecas Voluntárias a favor do Banco 3..., S.A., para garantia do capital mutuado de, respetivamente, €94.771,60 e €17.228,40, e cujo montante máximo assegurado ascende a, respetivamente, €124.491,96 e €22.624,51 (cf. AP. ... de 2002/09/05); b) uma Penhora, a favor da FAZENDA NACIONAL, para garantia da quantia exequenda de €11.763,39 (cf. AP. ... de 2011/05/23 - Proc. n.º ... - Serviço de Finanças de Valongo – 2).

Atentas as duas hipotecas e a penhora que incidem sobre a fração B do prédio descrito na CRP de Valongo com o n.º ...-B, a que foi atribuído o valor patrimonial de €75.881,40 - valor este que os executados e oponentes não põem em causa no seu articulado -, conclui o exequente que será parca a probabilidade de o produto da venda deste imóvel vir a ser suficiente para liquidar todas as responsabilidades que o mesmo garante, e que gozam de prioridade no pagamento sobre o crédito do aqui Exequente.

Em relação ao outro imóvel alega que admitindo que tal imóvel tenha um valor de mercado/valor patrimonial de €223.340,00, como referem os próprios executados, o valor da sua venda será, por certo, manifestamente insuficiente para fazer face aos créditos hipotecários do Banco 2..., S.A. cujo capital garantido pela hipoteca ascende a €476.000,00, abrangendo esta garantia eventuais juros de mora e outras despesas.

Conclui que uma eventual redução das penhoras efetuadas a este imóvel significaria que o Exequente nada receberia pelo produto da venda dos bens penhorados.

Alega, por fim, que ao crédito exequendo acrescem despesas com a promoção da execução suportadas apenas pelo exequente, sem ter recebido qualquer valor penhorado por conta do crédito exequendo.


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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:

“Pelo exposto, julgo improcedente a oposição à penhora.

Condeno os opoentes nas custas do processo.

Valor da causa: o da execução.

RN, comunicando ao Agente de Execução”.


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Os executados vieram interpor recurso do despacho.

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Nas alegações que apresentaram os apelantes formularam as seguintes conclusões:

a) Tem o presente recurso por objeto a sentença que veio julgar improcedente a oposição à penhora deduzida pelos ora recorrentes, na qual vieram alegar a excessividade da penhora incidente sobre dois bens imóveis, uma vez que o valor da venda de apenas um deles, à luz do seu valor patrimonial tributário, é suficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda nos presentes autos.

b) Os Recorrentes não se conformam com a decisão ou com a fundamentação que a veio sustentar, entendendo, salvo o devido respeito, que o douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito tendente à boa decisão da causa e justa composição do litígio;

c) Pelo que o presente recurso versa sobre a respetiva matéria de direito, concretamente sobre a interpretação efetuada pelo douto Tribunal a quo das normas previstas nos art.º 735.º, n.º 3 e art.º 751.º, n.º 3 do Código de Processo Civil;

d) No âmbito da presente execução encontram-se penhorados os seguintes bens imóveis:

− Prédio urbano consubstanciado numa moradia com quatro pisos, T3, destinada habitação denominada pelo lote ... sita na Rua ..., na ... ..., da Freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrita na matriz, urbana sob o art.º ..., com o valor patrimonial tributário de €223.340,00 (duzentos e vinte e três mil e quarenta euros);

− Prédio urbano consubstanciado numa fração autónoma designada pela letra B, destinada a habitação, correspondente ao 1.º andar, T3, com garagem; nas traseiras com 30m2, que faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sita na Rua ..., ..., 1.º, ..., da freguesia ..., concelho de Valongo, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ......, e inscrita na matriz urbana sob o art.º ...-B, com o valor patrimonial tributário de €75.881,40 (setenta e cinco mil oitocentos e oitenta e um euros e quarenta cêntimos).

e) Quanto ao imóvel sito em ..., encontra-se registada a hipoteca voluntária sob a AP. ... de 2021/09/07, pelo capital de € 476.000,00 e o montante máximo assegurado de €637.840,00, bem como duas penhoras, sob a AP. ... de 2024/06/28, pela quantia exequenda de € 77.502,64, respeitante ao proc. ..., a correr os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Execução do Porto - Juiz 5, e sob a AP. ... de 2024/03/26, pela quantia exequenda de € 130.891,87 e respeitante aos presentes autos principais.

f) Quanto ao imóvel sito em ... encontram-se registadas as hipotecas voluntárias sob a AP. ... de 2002/09/05, pelo capital de € 94.771,60 e o montante máximo assegurado de € 124.491,96, sob a AP. ... de 2002/09/05, pelo capital de € 17.228,40 e o montante máximo assegurado de € 22.624,51, bem como as penhoras sob a AP. ... de 2011/05/23, pela quantia exequenda de € 11.763,39, sob a AP. ... de 2024/06/28, pela quantia exequenda de € 77.502,64, respeitante ao proc. ..., a correr os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Execução do Porto - Juiz 5 e sob a AP. ... de 2024/03/26, pela quantia exequenda de € 130.891,87, respeitante aos presentes autos principais.

g) Face à penhora dos dois imóveis suprarreferidos na presente execução, vieram os ora recorrentes peticionar a redução da penhora ao imóvel sito em ..., em virtude de o valor patrimonial do mesmo superar largamente a dívida exequenda;

h) Na sua fundamentação, veio o douto Tribunal a quo considerar que a excessividade de penhora alegada pelos ora Recorrentes carecia de fundamento, sem mais, e desde logo, “(…) pelo simples facto de somando todos os valores dos encargos registados (637.840,00 Euros + 130.891,87 Euros + 124.491,96 Euros + 22.624,51 Euros + 11.763,39 Euros) = 927 611,73 € sobre os bens penhorados (crédito de 3.058, 64 Euros e os prédios pelos respetivos valores tributários (223.340, 00 e 75.881, 40 Euros respetivamente)= 302280,04 €, o valor destes bens é três vezes menor que o valor dos encargos.”

i) Tal apreciação, com o foco exclusivo nos encargos registados e no valor tributário dos bens, vem desconsiderar por completo o valor de mercado dos imóveis penhorados, concretamente o sito em ...;

j) Com relevância para a questão sub judice, caberá considerar as execuções que se encontram atualmente pendentes com penhoras registadas sobre os referidos imóveis:

− AP. ... de 2024/03/26, pela quantia exequenda de €130.891,87, sendo as despesas previsíveis de execução correspondentes a cerca de €6.544, 60, totalizando, o valor de €137.436,7;

− AP. ... de 2024/06/28, pela quantia exequenda de €77.502,64, sendo as despesas previsíveis de execução correspondentes a cerca de €7.750, 26, totalizando o valor de €85.252,9;

− AP. ... de 2011/05/23, pela quantia exequenda: de € 11.763,39, sendo as despesas previsíveis de execução correspondentes a cerca de €1.176,34, totalizando o valor de €12.939,73;

k) Ainda que em sede abstrata de apreciação da proporcionalidade da penhora, os encargos registados não se traduzem, necessariamente, no valor atual em dívida ou a sua efetividade futura por credor reclamante no seu montante máximo, nem o valor patrimonial tributário dos imóveis representa, fielmente, o valor a obter em venda judicial;

l) A penhora de ambos os imóveis, com base apenas nos valores apresentados pelo douto Tribunal a quo, configuram uma penhora excessiva e desproporcional, desde logo por perante os indícios existentes nos autos se verificar uma liquidez indiciária quanto à penhora do imóvel sito em ... face à dívida exequenda (€223.340,00 de valor patrimonial tributário do imóvel, face a €222.689,60 de dívida exequenda);

m) Sendo que os encargos registados quanto ao imóvel sito em ... são alheios, na sua consideração objetiva, à liquidez indiciária do imóvel sito em ... no respeitante aos presentes autos, reportando-se a uma dívida exequenda que facilmente seria satisfeita pela venda do imóvel pelo seu valor patrimonial tributário;

n) A consideração efetuada pelo douto Tribunal a quo, em sede de avaliação da

proporcionalidade da penhora, de valores referência de dívida exequenda como correspondendo, em abstrato, ao montante máximo assegurado da respetiva hipoteca, desconsiderando por completo o lapso de tempo decorrido desde a constituição da hipoteca, a situação concreta de cumprimento/incumprimento dos Executados, desde logo pelo credor ser distinto do Exequente, viola o princípio legal da proporcionalidade da penhora, lesando os legítimos interesses dos Executados;

o) Pelo que à luz do critério de proporcionalidade da penhora, deveria a mesma ter sido reduzida, permanecendo unicamente quanto ao imóvel sito em ...;

p) Na sequência do decidido pelo douto Tribunal a quo, de forma contrária e inesperada face ao peticionado, vieram os Recorrentes obter avaliação quanto ao imóvel sito em ...;

q) Sendo a sua junção, enquanto documento subjetivamente superveniente, admitida nos presentes autos, segundo entendimento jurisprudencial e ao abrigo do disposto no art.º 651.º, n.º 1 do Código de Processo Civil;

r) Desde logo, os Recorrentes peticionaram a sua oposição com base nos valores objetivos de que tinham conhecimento e sobre os quais seria expectável que a decisão do douto Tribunal a quo incidisse: o valor patrimonial do mesmo face à dívida exequenda, sendo que aos Recorrentes não foi ainda concedida a oportunidade de se pronunciar quanto à questão da consideração de todos os encargos registados sobre os imóveis, o que constitui uma decisão surpresa.

s) Documento que, para os devidos e legais efeitos, deverá ser considerado no seu teor, mormente no valor de mercado atual que lhe veio atribuir: €864.000, valor idóneo a suportar a dívida exequenda, bem como todos os respetivos encargos;

t) Pelo que, ainda que se considerasse para efeito da proporcionalidade da penhora todos os encargos registados sobre os bens penhorados, o que apenas por mera hipótese académica se admite, vem o presente documento demonstrar que o valor de mercado atual do imóvel sito em ... é idóneo a suportar os encargos, ainda que nessa extensão, o que, na presente sede, deverá relevar.

Termina por pedir o provimento do recurso e a revogação da sentença recorrida, ordenando-se a redução das penhoras efetuadas nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do art.º 735.º do Código de Processo Civil, devendo a penhora de bens imóveis permanecer unicamente em relação ao bem imóvel sito na Rua ..., na ..., ..., da Freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrita na matriz urbana sob o art.º ....


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A exequente apresentou resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:

- Que a manutenção de todas as penhoras efetuadas se revela essencial para acautelar o pagamento da dívida exequenda e dos valores que o Exequente já se viu obrigado a adiantar, para assegurar a cobrança coerciva do seu crédito;

- Que, ao que tudo indica, e analisada a respetiva certidão predial dos bens penhorados, designadamente os ónus e encargos que incidem sobre os aludidos prédios, estes serão ainda insuficientes para garantir a liquidação da quantia exequenda,

- Que nenhum fundamento legal tem a requerida redução da penhora,

- Que o alegado excesso e desproporcionalidade da penhora efetuada não tem qualquer fundamento legal;

- Que as penhoras efetuadas não violam qualquer normativo legal, devendo manter-se nos exatos termos em que foram efetuadas.

- Sempre com respeito pela Lei e pelo Direito aplicáveis, a ação executiva tem como desiderato essencial assegurar ao credor a satisfação da prestação que o devedor não cumpriu voluntariamente, o que se logrará através da apreensão de bens ou direitos patrimoniais do executado. Ou seja, não procedendo os executados ao pagamento da dívida que assumiram perante o Exequente, o ressarcimento dos valores peticionados na execução terá de passar pela apreensão de todos e quaisquer bens que, nos termos da lei, não se encontrem fora do âmbito dos bens penhoráveis (cf. art.º 736.º e ss. do CPC).

- Se assim não fosse, ficaria a ação executiva – que visa a satisfação da legítima pretensão do credor pelas forças do património do devedor – esvaziada de sentido.

- Nesta medida, e demonstrado que fica que as penhoras efetuadas são lícitas, proporcionais, necessárias e adequadas à satisfação da pretensão do exequente e ao escopo da execução, deve o presente Recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença prolatada pelo Tribunal “a quo”, a qual não merece qualquer reparo, não violando as disposições legais que os Recorrentes invocam, ou quaisquer outras, antes se mostrando totalmente conforme à Lei e ao Direito aplicáveis.

Termina por pedir que se julguem improcedentes as conclusões formuladas pelos apelantes, mantendo-se a sentença recorrida.


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O recurso foi admitido como recurso de apelação.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.

As questões a decidir:

- admissão do documento, com as alegações de recurso;

- da redução da penhora.


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2. Os factos

Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:

1. A execução de que estes autos dependem, em que a exequente exige o pagamento da quantia de 130 891,87 €, teve início em 11-10-2023, com base na livrança junta aos autos principais.

2. No âmbito da presente execução foi penhorado no dia 2024/03/26 o prédio urbano composto por uma moradia com quatro pisos, T3, destinada a habitação denominada pelo lote ... sita na Rua ..., na ... ..., da Freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrita na matriz, urbana sob o art.º ..., com o valor patrimonial tributário de 223.340, 00 Euros (duzentos e vinte e três mil trezentos e quarenta euros).

3. Sobre o referido imóvel está registada uma Hipoteca Voluntária que garante o montante de 637.840,00 Euros, a favor do Banco 2..., S.A e constituída pelos opoentes, mediante a AP. ... de 2021/09/07.

4. Também foi penhorado no dia 2024/03/28 o prédio urbano composto de fração autónoma designada pela letra B, destinada a habitação, correspondente ao 1.º andar, T3, com garagem «BA»; nas traseiras com 30m2, que faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sita na Rua ..., ..., 1.º, ..., da freguesia ..., concelho de Valongo, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ......, e inscrita na matriz urbana sob o art.º ...-B, com o valor patrimonial tributário de 75.881, 40 Euros (setenta e cinco mil oitocentos e oitenta e um euros e quarenta cêntimos).

5. Sobre o prédio descrito em 4º encontram-se registados, para além da penhora dos autos (AP. ... de 2024/03/28, garantindo 130.891,87 Euros) os seguintes ónus e encargos: Hipoteca Voluntária a favor do Banco 3..., S.A, garantindo o montante de 124.491,96 Euros (AP. ... de 2002/09/05); Hipoteca Voluntária a favor do Banco 3..., S.A, garantindo o montante de 22.624,51 Euros (AP. ... de 2002/09/05) Penhora a favor da FAZENDA NACIONAL garantindo a quantia exequenda de 11.763,39 Euros (AP. ... de 2011/05/23).

6. Além das referidas frações, foi ainda penhorado o crédito que a coexecutada BB teria a haver por conta do reembolso do seu IRS, respeitante aos rendimentos do ano de 2023, no valor de 3.058, 64 Euros (três mil e cinquenta e oito euros e sessenta e quatro cêntimos).


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3. O direito

- Da admissão do documento junto com as alegações de recurso -

Os apelantes vieram requerer com as alegações de recurso a junção de um documento: um relatório de avaliação do imóvel, que consta como verba nº1 no auto de penhora, com data de 11 de dezembro de 2024.

Alegaram para o efeito que na sequência do decidido pelo douto Tribunal a quo, de forma contrária e inesperada face ao peticionado, vieram os recorrentes obter avaliação quanto ao imóvel sito em ..., sendo a sua junção, enquanto documento subjetivamente superveniente, ao abrigo do disposto no art.º 651.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Em regra, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, como decorre do art.º 423º/1 CPC.

A parte pode ainda juntar documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ficando neste caso sujeito ao pagamento de multa, como se prevê no art.º 423º/2 CPC.

Contudo, a lei, no art.º 423º/3 CPC, concede a faculdade de ser requerida a junção dos documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas a parte será condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.

Este regime previsto no nosso sistema jurídico desde o Código de Processo Civil de 1939, assenta os seus fundamentos nos princípios da economia processual e da boa-fé processual. Pretende-se que por motivos de ordem e disciplina processual, que quem afirma um facto ofereça desde logo, se puder, a prova documental das suas afirmações, habilitando a parte contrária a tomar posição sobre os factos de forma informada[2].

A possibilidade de apresentar os documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância decorre do princípio de que o juiz deve julgar segundo a verdade.

Daqui resulta que não apresentando a parte o documento com o articulado, como era seu ónus, não fica impedida de o fazer em momento posterior, até ao encerramento da discussão em 1ª instância.

Como se prevê no art.º 425º CPC depois do encerramento da discussão, em sede de recurso só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.

Como observava ALBERTO DOS REIS: “[c]oncilia-se assim o princípio de disciplina processual que postula o oferecimento imediato de documentos, com o princípio de justiça segundo o qual a decisão deve ser a expressão, tão perfeita e completa quanto possível, da verdade dos factos que interessam ao litígio”[3].

A junção de documentos em sede de recurso está, contudo, subordinada ao critério estabelecido no art.º 651º CPC, no qual se determina que:

“As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art.º 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.

Dispõe o art.425º CPC:

“Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.

Decorre deste regime que em sede de recurso, nas alegações, as partes podem juntar documentos, quando:

- a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento – superveniência objetiva (fundada na data do facto a provar ou do documento comprovante) ou subjetiva (baseada no desconhecimento da existência do documento, na indisponibilidade dele por parte do interessado ou na necessidade de alegação e prova do facto);

- se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando esta se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo[4].

No caso em análise, os apelantes invocam a superveniência subjetiva e a necessidade da junção, face ao decidido, fundamentos que não podem ser atendidos.

O documento em causa tem a data de 11 de dezembro de 2024, data posterior àquela em que foi proferida a decisão objeto de recurso e imediatamente anterior à data de entrada em juízo das alegações de recurso.

O desconhecimento da existência do documento, a indisponibilidade dele por parte do interessado ou a necessidade de alegação e prova do facto, não justificam a junção do documento.

O documento não existia na data em que foi proferida a decisão objeto de recurso. Por outro lado, não resulta do seu teor que se destine à prova de factos alegados no incidente e que careciam de prova. Os apelantes sustentaram a redução da penhora no valor patrimonial tributário e não indicaram o valor de mercado do imóvel, motivo pelo qual o documento não visa a prova dos factos controvertidos no incidente, porque não se discute o valor de mercado do imóvel.

Analisado o documento em confronto com os fundamentos dos articulados e com teor da decisão proferida em 1ª instância, resulta que na sentença o juiz do tribunal “a quo” não veio invocar novos e diferentes argumentos.

A junção de documentos em sede de alegações face ao julgamento em 1ª instância, funda-se no imprevisto da decisão proferida, quer por razões de direito quer por razões de prova[5].

No caso presente a decisão proferida não se funda em normas jurídicas com cuja aplicação a parte não contava, nem a junção do documento, como meio de prova pode contribuir para apurar factos diferentes daqueles que se mostram provados, com relevância na decisão final e que não foram atendidos por omissão de prova documental.

Conclui-se, assim, que atento o critério previsto no art.º 651º/1 CPC carece de fundamento legal a junção do documento, motivo pelo qual se determina o seu desentranhamento e devolução ao apresentante.

O incidente será tributado com custas a cargo dos apelantes, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.


-

- Da redução da penhora-

Nas conclusões de recurso, os apelantes insurgem-se contra a decisão por considerarem que viola o princípio legal da proporcionalidade da penhora, ao desconsiderar o valor de mercado dos imóveis e o montante efetivo dos créditos, que gozam de garantia real e beneficiam da preferência concedida pela penhora.

A questão que se coloca consiste em apurar se há um excesso de penhora, considerando o montante do crédito exequendo.

A penhora consiste no ato de apreensão judicial de bens do executado.

Como refere o Professor LEBRE DE FREITAS: “[…]perante uma situação de incumprimento, o tribunal priva o executado do pleno exercício dos seus poderes sobre um bem que, sem deixar ainda de pertencer ao executado, fica a partir de então especificamente sujeito à finalidade última de satisfação do crédito do exequente”[6].

O sistema jurídico prevê como meios de reagir contra a penhora ilegal: por oposição por simples requerimento, incidente de oposição à penhora, embargos de terceiro e ação de reivindicação, constituindo o incidente de oposição à penhora o meio próprio para o executado reagir contra a penhora[7].

Na doutrina o Professor LEBRE DE FREITAS distingue impenhorabilidade objetiva e subjetiva.

Na impenhorabilidade objetiva, a ilegalidade da penhora pode assentar no facto de se terem ultrapassado os limites objetivos da penhorabilidade, o que ocorre quando se penhoram bens que não deviam ser penhorados naquelas circunstâncias, ou sem exceção de todos os outros, ou para aquela dívida[8].

Quando se penhoram bens que não são do executado estamos perante o que se considera impenhorabilidade subjetiva.

O art.º 784º/1 CPC sob a epígrafe “Fundamento da Oposição” (à penhora), prevê:

“1. Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora, com algum dos seguintes fundamentos:

a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;

b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;

c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.”

O incidente em causa constitui o único meio ao alcance do executado para fazer valer a impenhorabilidade objetiva de bens que, embora lhe pertencendo, não podiam ser atingidos pela diligência, desse modo obtendo o levantamento da penhora.

Os restantes meios de oposição - simples requerimento, embargos de terceiro e ação de reivindicação - devem ser usados para fazer valer a impenhorabilidade subjetiva[9].

No caso presente os executados vieram opor-se à penhora questionando a extensão com que foi realizada, fundamento de oposição previsto na alínea a) do art.º 784ºCPC.

Nos termos do art.º 735º/1 CPC estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.

Determina o art.º 601º CC que pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor suscetíveis de penhora, sem prejuízo das regras especialmente estabelecidas em consequência da separação de patrimónios.

A concretização da penhora orienta-se pelos princípios da adequação ou eficiência e proporcionalidade da penhora ao valor da obrigação exequenda (art.º 735º/3 e 751º/1 CPC). Deve atribuir-se preferência aos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e estimar-se de acordo com um juízo de prognose se o produto da venda dos bens penhorados garante a satisfação do crédito exequendo.

Constitui um ónus do executado que vem deduzir oposição à penhora alegar os factos que revelem que não foi respeitado o princípio da adequação ou proporcionalidade (art.º 342º/1 CC).

Consideram os apelantes que a decisão recorrida não respeitou o princípio da proporcionalidade, ao indeferir a redução da penhora.

Argumentam os apelantes que no despacho recorrido não se ponderou o valor de mercado dos imóveis penhorados, nem o efetivo montante dos créditos garantidos com hipoteca sobre os imóveis penhorados.

Efetivamente, não se fez tal juízo de prognose, porque não foram alegados factos pelo executado que permitissem tal consideração, quando constituía um ónus dos executados a sua alegação e prova (art.º 342º/1 e art.º 748º/1 a) CPC).

Os executados limitaram-se a deduzir oposição à penhora considerando o valor patrimonial tributário dos imóveis e foi com tal fundamento que concluíram ser excessiva a penhora dos dois imóveis. Nada alegaram quanto ao seu valor de mercado.

Diremos que a ponderação do valor de mercado dos imóveis penhorados constitui uma questão nova, que não pode ser apreciada pelo tribunal de recurso, porque o tribunal de recurso apenas reaprecia os fundamentos da decisão e a decisão (art.º 627ºCPC), salvo tratando-se de matéria de conhecimento oficioso, o que não ocorre no caso concreto.

O recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer[10]. O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida.

O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância[11]. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência[12] repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova.

O tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida.

Os apelantes argumentam, ainda, que na decisão recorrida se considerou “os valores referência de dívida exequenda como correspondendo, em abstrato, ao montante máximo assegurado da respetiva hipoteca, desconsiderando por completo o lapso de tempo decorrido desde a constituição da hipoteca, a situação concreta de cumprimento/incumprimento dos executados, desde logo pelo credor ser distinto do exequente”.

Os apelantes não alegaram tais factos, nem impugnaram a decisão de facto, que julgou provado o montante do crédito garantido com hipoteca, aspeto que não se pode ignorar no juízo de adequação e proporcionalidade, já que é o património do devedor que garante o créditos dos credores e sendo vários os credores, tal aspeto vai influenciar o juízo sobre a probabilidade do crédito exequendo obter satisfação com o produto da venda dos bens penhorados.

Acresce que tal como resulta da fundamentação da decisão recorrida, uma vez que os imóveis objeto de penhora não constituem a casa de habitação dos executados, não existe obstáculo legal à sua penhora, mesmo que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, porque não se provou que a penhora de outros bens (no caso o reembolso de IRS) permite a satisfação integral do credor no prazo de seis meses (art.º 751º/3 CPC).

Por fim, admitem os apelantes que “peticionaram a sua oposição com base nos valores objetivos de que tinham conhecimento”. Porém, consideram que “seria expectável que a decisão do douto Tribunal a quo incidisse: o valor patrimonial do mesmo face à dívida exequenda, sendo que aos Recorrentes não foi ainda concedida a oportunidade de se pronunciarem quanto à questão da consideração de todos os encargos registados sobre os imóveis, o que constitui uma decisão surpresa”.

Cumpre ter presente os fundamentos da decisão, que se passam a transcrever:

a. Quanto à excessividade da penhora, carece de fundamento, como é evidente pelo simples facto de somando todos os valores dos encargos registados (637.840,00 Euros + 130.891,87 Euros + 124.491,96 Euros + 22.624,51 Euros + 11.763,39 Euros)=927 611,73 € sobre os bens penhorados (crédito de 3.058, 64 Euros e os prédios pelos respetivos valores tributários (223.340, 00 e 75.881, 40 Euros respetivamente)= 302 280,04 €, o valor destes bens é três vezes menor que o valor dos encargos.

Dispõe o art.º 735º, nº 3 do Código de Processo Civil que:

A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.

Por outro lado, dispõe o art.º 751º, nº 3 do Código de Processo Civil:

3 - Ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de bens imóveis que não sejam a habitação própria permanente do executado, ou de estabelecimento comercial, desde que a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses.

No caso dos autos, a dívida excede, em muito, metade do valor da alçada do tribunal e a penhora de outros bens não permitiu o pagamento integral nos doze meses já decorridos desde a propositura da execução.

Os executados, por outro lado, não alegam que algum dos imóveis seja sua habitação.

A penhora do imóvel indicado pelos executados[13] não é suficiente para pagar a quantia exequenda atenta a hipoteca anterior e de valor elevado que sobre o mesmo recai.

Assim, inexiste qualquer excesso de penhora.

Carece, pois, de fundamento a oposição”.

Não existe qualquer decisão surpresa.

Nos termos do art.º 3º/3 CPC “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Dispõe, por sua vez, o artigo 4.º do mesmo diploma legal: “[o] tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.

Como observa LEBRE DE FREITAS[14] a consagração do princípio da proibição das decisões surpresa, resulta de uma conceção moderna e mais ampla do princípio do contraditório,“[…]com origem na garantia constitucional do Rechtiches Gehör germânico, entendido com uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.

O princípio do contraditório no plano das questões de direito exige que antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie[15].

Conforme resulta do regime legal o juiz deve fazer cumprir o princípio do contraditório em relação às questões de direito, mesmo de conhecimento oficioso, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade.

Pretende-se, por esta via, evitar a formação de “decisões-surpresa”, ou seja, decisões sobre questões de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente sem que tenham sido previamente consideradas pelas partes.

Dispensa-se a audição da parte contrária em casos de manifesta desnecessidade, o que pode ocorrer quando:

- “as partes embora não a tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica, não contrariada, que manifestamente não consentia outra qualificação;

- quando a questão seja decidida favoravelmente à parte não ouvida; ou

- quando seja proferido despacho que convide uma das partes a sanar a irregularidade ou uma insuficiência expositiva”[16].

Na interpretação do conceito de “decisão-surpresa” o Supremo Tribunal de Justiça tem defendido que “o princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, não determina ao tribunal de recurso que, antes de decidir a questão proposta pelo recorrente e/ou recorrido, o alerte para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado, desde que as normas concretamente aplicadas não exorbitem da esfera da alegação jurídica efetuada” (Ac. STJ 11 de fevereiro de 2015, Proc. 877/12.7TVLSB.L1-A.S1, www.dgsi.pt ).

Por outro lado, considera-se que o cumprimento do contraditório não significa “que o tribunal «discuta com as partes o que quer que seja» e que alivie as mesmas « de usarem a diligência devida para preverem as questões que vêm a ser, ou podem vir a ser, importantes para a decisão»”(Ac. STJ 09 novembro de 2017, Proc. 26399/09.5T2SNT.L1.S1, Ac. STJ 17 de junho de 2014, Proc. 233/2000.C2.S1 www.dgsi.pt ).

Considera-se, ainda, que: “[h]á decisão surpresa se o Juiz, de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico, envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correta e atinada decisão do litígio. Ou seja, apenas estamos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever” (Ac. STJ 19 de maio de 2016, Proc. 6473/03.2TVPRT.P1.S1, www.dgsi.pt ).

LOPES DO REGO defende que “[…]na audição excecional e complementar das partes, fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não for exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela”[17].

O exercício do contraditório dependerá sempre da verificação de uma nova abordagem jurídica da questão, que não fosse perspetivada pelas partes, mesmo usando da diligência devida.

A omissão do exercício do contraditório constitui uma nulidade processual.

As nulidades processuais “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais”[18].

Atento o disposto nos art.º 195º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.

Porém, como referia o Professor ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades”, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[19].

As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art.º 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art.º 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art.º 199º CPC.

A omissão do exercício do contraditório não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos art.º 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.

Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art.º 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art.º 199º CPC.

Neste sentido se pronunciaram, entre outros, o Ac. STJ 02 de julho de 2015, Proc. 2641/13.7TTLSB.L1.S1, Ac. STJ 29 de janeiro de 2015, Proc. 531/11.7TVLSB.L1.S1 (todos acessíveis em www.dgsi.pt).

A lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa.

No sentido de interpretar o conceito o Professor ALBERTO DOS REIS tecia as seguintes considerações:“[o]s atos de processo têem uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela”[20].

Daqui decorre que uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa, se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e julgamento.

Tal omissão deve ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art.º 149º/1 CPC.

O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art.º 196º a 199º CPC.

Contudo, no caso concreto, não se verifica a apontada nulidade processual - violação do contraditório -, porque a decisão foi proferida considerando os fundamentos deduzidos pelos executados e a defesa do exequente. A existência de ónus e encargos constituiu o fundamento da defesa do exequente na oposição ao incidente.

Estranha-se que os apelantes suscitem esta questão, quando a propriedade dos imóveis penhorados está registada a favor dos executados e as garantias – hipoteca – foram constituídas para garantia dos créditos que contraíram junto de entidades bancárias e por isso, não podiam ignorar a relevância de tais factos no juízo de adequação e proporcionalidade a realizar pelo tribunal.

Acresce que a decisão proferida se moveu dentro do mesmo quadro legal em que foi suscitado incidente, não se apresentando, nem desenvolvendo novos ou diferentes argumentos, que justificassem uma prévia tomada de posição por parte dos executados, motivo pelo qual não foi proferida qualquer decisão surpresa.

Conclui-se que o despacho recorrido não merece censura, quando indeferiu a redução da penhora, porque fez uma correta aplicação do regime legal (art.º 735º e 751º/3 CPC), respeitando o princípio da proporcionalidade.

Pelo exposto, improcedem as conclusões de recurso.


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Nos termos do art.º 527º CPC as custas são suportadas pelos apelantes.

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III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar o despacho recorrido.


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Custas a cargo dos apelantes.

*

Desentranhe e devolva o documento, junto com as alegações de recurso.

Custa do incidente pelos apelantes, fixando-se a taxa de justiça no mínimo.


*
Porto, 27 de outubro de 2025
(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
José Eusébio Almeida
________________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] Cf. ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pág. 6.
[3] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pág. 11.
[4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, julho 2013, pág.184-185.
ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil,2ª edição, Revista e Atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 532.
[5] AMÂNCIO FERREIRA Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, pág. 215.
[6] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva- À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra Editora, fevereiro 2014, pág. 232
[7] Cf. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva- À luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pág. 311-312
[8] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva- À luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pág. 312
[10] CASTRO MENDES Direito Processual Civil – Recursos, ed. AAFDL, 1980, pág. 5.
[11] CASTRO MENDES, ob. cit., pág. 24-25 e ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil, vol. V, pág. 382, 383.
[12] Cf. os Ac. STJ 07.07.2009, Ac. STJ 20.05.2009, Ac. STJ 28.05.2009, Ac. STJ 11.11.2003 Ac. Rel. Porto 20.10.2005, Proc. 0534077 Ac. Rel. Lisboa de 14 de maio de 2009, Proc. 795/05.1TBALM.L1-6; Ac. STJ 15.09.2010, Proc. 322/05.4TAEVR.E1.S1( http://www.dgsi.pt )
[13] Retificou-se, o que se considera ser um lapso de escrita, porque no texto original escreveu-se: “exquente”.
[14] JOSÉ LEBRE DE FREITAS Introdução ao Processo Civil- Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, outubro de 2013, pág. 124
[15] JOSÉ LEBRE DE FREITAS Introdução ao Processo Civil- Conceito e princípios gerais à luz do novo código, ob. cit., pág. 133
[16] JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pág. 10
[17] CARLOS FRANCISCO DE OLIVEIRA LOPES DO REGO Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 1999, pág.25
[18] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pág. 156
[19] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, pág. 357
[20] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, ob. cit., pág. 486