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JUNÇÃO DE DOCUMENTO EM SEDE RECURSÓRIA
ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL
CASO JULGADO FORMAL
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
ADMISSÃO LIMINAR
PERÍODO DE CESSÃO
FIDUCIÁRIO
APREENSÃO E VENDA DE BENS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário
1- o art. 241º-A do CIRE procede à conjugação dos efeitos decorrentes do encerramento do processo de insolvência enunciados no seu art. 238º com os emergente de ter sido admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, com o propósito de salvaguardar os interesses do devedor e dos seus credores, ao prever que se durante o período de cessão ingressarem no património do devedor bens ou direitos suscetíveis de serem alienados, deve o fiduciário proceder à sua pronta apreensão e venda/liquidação. 2- Apesar de na ação de enriquecimento sem causa o juiz reconhecer e declarar uma situação jurídica pré-existente (a injustiça da transferência de património do empobrecido para o enriquecido), não se limite a declarar um direito já existente, mas a remover um enriquecimento ilícito que já ocorreu, constituindo uma nova obrigação de restituição para o enriquecido, que não existe antes do trânsito em julgado da decisão judicial em que se declara e reconhece a injustiça do enriquecimento e se procede à sua eliminação.
Texto Integral
I- Relatório
AA, residente na Rua ..., ... ..., apresentou-se à insolvência em 28/12/2023, e requereu que lhe fosse concedida a exoneração do passivo restante.
Por sentença proferida em 04/01/2024, transitada em julgado, declarou-se a insolvência do requerente.
Em 05/03/2024, o administrador da insolvência juntou aos autos o relatório a que alude o art. 156º do CIRE.
Por despacho proferido em 22/03/2024, determinou-se que os autos de insolvência prosseguissem com a liquidação do ativo. No âmbito do apenso de verificação e graduação de créditos (apenso A), em 18/03/2024, o administrador da insolvência juntou a lista provisória de créditos reconhecidos e não reconhecidos, em que reconheceu créditos sobre a insolvência no montante global de 4.265.946,04 euros, dos quais 4.149.704,68 euros de capital em dívida e 115.635,88 euros de juros, com natureza comum, e 605,48 euros de créditos subordinados.
No que ao presente recurso releva, o administrador da insolvência reconheceu à Banco 1..., CRL, um crédito global, com natureza comum, de 158.981,05 euros, sendo 150.308,97 euros de capital em dívida e 8.672,08 euros de “juros e outros”, proveniente de um “contrato de empréstimo”.
A lista provisória de créditos reconhecidos e não reconhecidos vinda a referir não foi alvo de impugnação.
Por sentença proferida em 10/04/2024, transitada em julgado, homologou-se a lista de créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência e procedeu-se à graduação dos mesmos, da qual consta a seguinte parte dispositiva:
“Considerando o exposto, proceder-se-á ao pagamento dos créditos – que na sequência da liquidação que eventualmente no respeitante aos valores/quantias a ceder no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante – pela seguinte ordem: 1º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas; 2º - Do remanescente, dar-se-á pagamento, rateadamente, aos créditos comuns enumerados na lista de créditos reconhecidos; 3º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados elencados na lista de créditos reconhecidos. Custas sem tributação autónoma (art. 304º do CIRE)” . No âmbito do apenso de apreensão de bens (apenso B), em 18/03/2024, o administrador da insolvência juntou o auto de apreensão, onde se vê que, na mesma data, foram apreendidos os seguintes bens para a massa insolvente: Bens Imóveis Verba n.º 1 – Prédio urbano composto por casa de ..., com logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...07, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...81, com o valor patrimonial de 28.180,00 euros. Bens Móveis Verba n.º 1 – Motociclo da marca ..., modelo ..., de 2019, com a matrícula ..-HH-.., avaliado em 150,00 euros. Verba n.º 2- Motociclo da marca ..., modelo ..., de 2016, com a matrícula ..-RT-.., avaliado em 1.000,00 euros. No âmbito do incidente de habilitação de cessionário (apenso D), BB, residente na Rua ..., ..., ..., ... ..., requereu, em 28/03/2024, que se julgasse válida a sua habilitação, em substituição da cedente Banco 1..., CRL.
Para tanto alegou, em síntese, ter outorgado em 12/03/2024, com a Banco 1..., CRL, escritura pública mediante a qual esta lhe cedeu o crédito hipotecário de que são devedores AA e CC, no montante global de 161.394,65 euros, que inclui 150.308,97 euros de capital; 3.271,81 euros de juros; 37,85 euros de juros de mora sobre juros; 1,51 euros de imposto de selo sobre os juros de mora; 3,47 euros de juros de mora sobre o capital; 0,14 euros de imposto de selo sobre juros de mora; 106,30 euros de comissão de recuperação de valores em dívida; 4,25 euros de imposto de selo sobre a comissão de recuperação de valores; e 7.660,35 euros de despesas de contencioso, tudo decorrente do empréstimo à habitação, destinado à construção de habitação própria permanente, no montante global inicial de 170.000,00 euros, concedido pela Banco 1... aos sobreditos AA e CC, nos termos da escritura de “Mútuo com Hipoteca” com aqueles celebrada.
Por sentença proferida em 24/02/2025, transitada em julgado, foi julgado habilitado o requerente BB, como cessionário, na posição até então ocupada por Banco 1..., CRL. No âmbito do apenso de liquidação (apenso C), em 05/06/2024, o administrador da insolvência informou ter promovido a venda do prédio urbano apreendido a favor da massa insolvente, por leilão eletrónico, onde a proposta mais alta, no montante de 68.028,64 euros, foi apresentada por DD, a quem iria adjudicar aquele prédio. E, em 12/07/2024, informou ter promovido a venda dos motociclos apreendidos a favor da massa por leilão eletrónico e que pela verba n.º 1 (motociclo da marca ...) foi apresentada pelo proponente EE, a licitação mais elevada, no montante de 150,00 euros, tendo sido exercido “o direito de remição pelo Sr. BB (pai do insolvente), nos termos do art. 842º do CPC, tendo sido transferidos para a conta da massa insolvente os montantes de 150,00 euros e 2.365,82 euros. Face ao exposto, vou adjudicar as verbas 1 e 2 do auto de apreensão de bens móveis ao Sr. BB”.
Em 02/08/2024, o administrador da insolvência juntou aos autos:
- na sequência da adjudicação da verba n.º 1 do auto de apreensão de bens móveis (motociclo da marca ..., modelo ..., de 2009, com a matrícula ..-HH-..), ao remidor BB, pelo preço de 150,00 euros: comprovativo da transferência, do montante de 150,00 euros, para a conta da massa insolvente; fatura e recibo n.º ...24, no montante de 150,00 euros; e requerimento de registo automóvel, mais comprovativo de apresentação; e
- na sequência da adjudicação da verba n.º 2 do auto de apreensão de bens móveis (motociclo da marca ..., modelo ..., de 2016, com a matrícula ..-RT-..), ao remidor BB, pelo preço de 2.365,82 euros: comprovativo da transferência, do montante de 2.365,82 euros, para a conta da massa insolvente; fatura e recibo n.º ...24, no montante de 2.365,82 euros; e requerimento de registo automóvel, mais comprovativo de apresentação. Entretanto, nos autos principais, BB (pai do devedor/insolvente) declarou exercer o direito de remição na venda judicial do prédio urbano apreendido a favor da massa insolvente, pelo preço de 68.028,64 euros, alegando, em suma, ser pai do devedor/insolvente e deter, inclusivamente, a qualidade de credor/habilitante nos presentes autos de insolvência; tomou conhecimento de ter sido apresentada proposta de aquisição daquele prédio, pelo preço de 68.028,64 euros, e pretender, na qualidade de ascendente do devedor, exercer o direito de remição.
Juntou depósitos autónomos comprovativos do depósito das quantias de 68.028,64 euros e 3.401,43 euros.
Na sequência, em 18/06/2024, o administrador da insolvência requereu a transferência das quantias depositadas por FF para a conta da massa insolvente. E, no apenso de liquidação (apenso D), juntou aos autos escritura pública de compra e venda outorgada em 18/10/2024, em que procedeu à venda do prédio urbano apreendido a favor da massa insolvente ao identificado FF.
Entretanto, os autos foram remetidos à conta, tendo o administrador da insolvência, o devedor e os credores sido notificados da conta, em 27/11/2024, que dela não reclamaram. No âmbito do apenso de prestação de contas (apenso F), em 28/11/2024, o administrador da insolvência apresentou contas, nos seguintes termos: “O resultado da liquidação da massa insolvente é de: Total de receitas 70.645,86 euros Total de despesas - 5.841,37 euros Total do resultado da liquidação 64.804,49 euros Despesas documentadas da MI, pagas pela conta da massa insolvente – Banco 2... 3.075,06 euros Despesas documentadas da MI, a serem pagas ao AI Com a aprovação da prestação de contas 227,35 euros Total das despesas documentadas 5.841,37 euros
Por sentença proferida em 07/01/2025, transitada em julgado, foram julgadas boas as contas apresentadas pelo administrador da insolvência.
Em 13/01/2025, o administrador da insolvência juntou aos autos proposta de distribuição e de rateio final (entretanto dada sem efeito, por despacho proferido em 15/01/2025), que veio a ser substituída por nova proposta de distribuição e de rateio final apresentada em 12/02/2025.
O credor Banco 3..., reclamou, requerendo que se julgasse verificada a condição que impendia sobre os processos n.ºs 833/19.4T8VCT e 2075/19.0T8VCT, devendo, por consequência, ser admitido que lhe seja paga a quantia de 14.842,01 euros constante da proposta de distribuição e rateio final, ao que se opuseram os credores GG e HH e o administrador da insolvência.
Por decisão de 11/04/2025, transitada em julgado, homologou-se a proposta de distribuição e rateio final apresentada pelo administrador da insolvência em 12/02/2025; indeferiu-se o requerido pelo credor Banco 3...; e ordenou-se a notificação do administrador da insolvência para que procedesse aos competentes pagamentos, fazendo disso prova nos autos. E declarou-se encerrado o processo de insolvência, ao abrigo do art. 230º, n.º 1, al. a) do CIRE, com os efeitos a que aludem as als. a) e b) do n.º 1 do art. 233º e seguintes do CIRE.
A decisão acabada de referir foi notificada ao administrador da insolvência, ao devedor e aos credores via Citius, em 11/04/2025, e foi publicada por anúncio e édito, respetivamente, afixado e publicado em 11/04/2025.
Em 16/04/2025, o administrador da insolvência juntou aos autos os comprovativos dos pagamentos que efetuou aos credores, por transferência bancária, no âmbito do rateio final que realizou e que foi homologado, no qual, no que ao presente recurso releva, se lê: “BB – crédito cedido pela Banco 1..., CRL. 11.412,69 euros”.
Em 22/04/2025, os credores GG e HH requereram que se revogasse o despacho proferido que declarou o encerramento do processo de insolvência e se ordenasse ao administrador da insolvência que procedesse à apreensão para a massa insolvente do crédito do insolvente sobre o seu cônjuge, CC, no valor de 11.412,69 euros, e que lhe fosse exigido o respetivo pagamento.
Para tanto alegaram, em síntese: no dia 14/04/2005, o administrador da insolvência efetuou o pagamento da quantia de 11.412,69 euros ao credor BB, pai do insolvente e habilitado em substituição da credora reclamante Banco 1..., CRL, de acordo com o mapa de rateio homologado em 11/04/2025; o crédito referido foi reclamado e reconhecido nos presentes autos à referida instituição bancária e devidamente pago ao credor BB; acontece que, em 31/10/2018, em consequência da partilha subsequente à separação de pessoas e bens, a dívida (passivo) à referida instituição bancária foi adjudicada à cônjuge do insolvente, CC, conforme escritura de partilhas entre eles outorgada e que junta como Doc. n.º 1; ao ter sido efetuado o pagamento ao credor BB da quantia de 11.412,69 euros, constituiu-se um crédito do insolvente sobre a sua ex-cônjuge de igual montante e a obrigação desta de pagar àquele o respetivo valor em que viu o seu passivo diminuído à custa do património do insolvente; a partir do momento em que o credor BB recebeu aquela quantia no âmbito dos presentes autos de insolvência, a cônjuge do insolvente passou a ser devedora da quantia de 11.412,69 euros e, por isso, o crédito do insolvente sobre a sua cônjuge tem de ser apreendido para a massa insolvente, caso contrário verificar-se-á um enriquecimento sem causa justificativa de CC à custa da massa insolvente.
Observado o contraditório, o administrador da insolvência requereu que se indeferisse o requerido, alegando que: a Banco 1... reclamou créditos no montante de 158.981,05 euros, referente a um contrato de mútuo com hipoteca, em que o insolvente AA e CC se confessaram solidariamente devedores das quantias mutuadas; a lista de créditos que elaborou não foi impugnada; no âmbito do apenso D, foi apresentada habilitação do adquirente ou cessionário, em que o crédito hipotecário da Banco 1... foi cedido a BB; foi elaborado o mapa de rateio final, que também não foi impugnado; já foram efetuados os pagamentos aos credores; em 11/04/2025, foi declarado encerrado o processo de insolvência; conforme documento de partilha celebrado entre o insolvente e a sua cônjuge, em 20/10/2018, a assunção de dívida pela última é ineficaz em relação à entidade credora enquanto não for por ela ratificada; em lado algum consta que a assunção de dívida por CC tivesse sido autorizada pela Banco 1..., motivo pelo qual esta reclamou créditos no âmbito do presente processo de insolvência, pelo que o crédito por ela cedido a BB processou-se nas mesmas condições iniciais, continuando o insolvente AA e mulher, CC, solidariamente devedores das quantias mutuadas.
O devedor/insolvente, AA, opôs-se ao requerido pelos credores basicamente com os mesmos argumentos apresentados pelo administrador da insolvência.
Por decisão de 12/06/2025, indeferiu-se o requerido pelos credores GG e HH, constando essa decisão do seguinte teor: “Os credores GG e HH pretendem que o tribunal revogue o despacho que declarou o encerramento do processo e que ordene ao AI a apreensão para a massa insolvente de um crédito do insolvente sobre a sua cônjuge, CC, no valor de € 11.412,69. Para tanto, alegam que: no dia 14.04.2025, o AI efetuou o pagamento da quantia de € 11.412,69 ao credor BB, pai do insolvente e habilitado em substituição da credora reclamante Banco 1..., CRL, de acordo com o mapa de rateio apresentado nos presentes autos no dia 12.12.2025 e homologado no dia 11.04.2025; o crédito supra referido havia sido reclamado e reconhecido nos presentes autos à referida instituição bancária; no dia 31.10.2018, em consequência da partilha subsequente à separação de pessoas e bens, a dívida (passivo) à referida instituição bancária foi adjudicada à cônjuge do insolvente, CC. Conclui que tudo quanto a massa insolvente tenha pago relativamente ao crédito em apreço, tem o direito e dever de exigir a sua restituição a CC, devendo o crédito do insolvente sobre o seu cônjuge ser apreendido para massa insolvente, por quanto, segundo defendem, a partir do momento em que o credor BB recebeu a mencionada quantia no âmbito dos presentes autos de insolvência, CC passou a ser devedora do insolvente da quantia € 11.412,69. Em resposta, veio desde logo o AI pugnar pela improcedência do pedido, esclarecendo que, por um lado, nem a lista de créditos da qual constava o crédito reclamado e reconhecido à Banco 1..., CRL, nem a subsequente habilitação de cessionário a favor de BB foram oportunamente impugnadas, assim como não o foi o mapa de rateio elaborado e devidamente publicitado nos autos. Por outro lado, e tal como consta do documento de partilha subsequente à separação de pessoas e bens outorgado pelo insolvente e por CC, a assunção da dívida ali constante não produz efeitos com relação à entidade credora enquanto pela mesma não fosse ratificada, o que não foi tal como resulta da reclamação de créditos oportunamente apresentada, tendo, entretanto, aquele crédito sido cedido nas mesmas condições iniciais. No mesmo sentido se pronunciou o Insolvente. Ora, tendo em conta o crédito que foi reconhecido, bem como a subsequente habilitação de cessionário, por decisões devidamente transitadas em julgado, tudo no pressuposto da responsabilidade solidária do insolvente e de CC, não existem razões para, por o mesmo ter resultado no pagamento de € 11.412,69 em sede de rateio ao credor habilitado, se entender agora, após o encerramento do processo, pela existência (ou consolidação) de uma dívida daquela CC para com a massa insolvente no correspondente valor. O crédito foi reconhecido como sendo devido pelo insolvente e, nessa medida, é suportado pela respetiva massa insolvente. Pelo exposto, indefere-se ao requerido. Custas pelos requerentes credores, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal. Valor do incidente: € 11.412,69”.
Inconformados com o decidido, os credores GG e HH interpuseram recurso, em que formularam as seguintes conclusões:
I–DODESPACHOPROFERIDONODIA12.06.2025,REF.ª: ...43
1. A questão que importaresponder é se, com o pagamento ao credor BB, se constituiu o crédito do insolvente sobre o seu cônjuge, CC, e se existe a obrigação desta ter de pagar à massa insolvente o respetivo valor em que viu o seu passivo diminuído à custa do património do insolvente. 2. Os ora recorrentes não peticionaram que o credor que se viu pago em sede de rateio devolva o valor pago ou que seja declarado que não existe o crédito que foi reconhecido ou que não assiste ao referido credor o direito a receber da massa insolvente a quantia de €11.412,69. 3. A questão suscitada não se prende com a relação insolvente e instituição bancária Banco 1..., CRL, 4. Mas a relaçãointerna entre o insolvente e o cônjuge deste, CC. 5. Não está colocado em causa que o insolvente e CC são solidariamente devedores a BB, pai do insolvente, habilitado em substituição da credora reclamante Banco 1..., CRL, aliás, conforme também entendeu o Tribunal a quo, e 6. Que o crédito em apreço foi reclamado, reconhecido e pago devidamente nos presentes autos ao mencionado credor. 7. A partir do momento em que o credor BB recebeu a mencionada quantia noâmbito dos presentes autos de insolvência, CC passou a ser devedora do insolventeda quantia €11.412,69. 8. Isto porque, no dia 31.10.2018, em consequência da partilha subsequente à separação de pessoas e bens, a dívida (passivo) à referida instituição bancária foi adjudicada ao cônjuge doinsolvente, CC. (Doc. n.º 1 junto com o requerimento apresentado no dia 22.04.2025, ref.ª: ...79). 9. Por via disso, o cônjuge do insolvente, CC, passou a ser a únicadevedora da mencionada dívida nas relaçõesinternas entre esta e o insolvente. 10. Ao ter sido adjudicada a CC a verba n.º 1 do ativo e a dívida (passivo) à referidainstituição bancária, aquela passou a ser a única devedora da mencionada dívida nas relaçõesinternas entre esta e o insolvente. (Doc. n.º 1 junto com o requerimento apresentado no dia 22.04.2025, ref.ª: ...79). 11. E, a partir da data da referida partilha, tudo quanto o insolvente pagar no âmbito do crédito em apreço, tem aquele o direito de regresso contra CC (condevedora), uma vez que foi a esta adjudicado o mencionado passivo. 12. E, por isso, tudo quanto a massa insolvente pagou relativamente ao crédito em apreço, tem esta (massa insolvente) o direito e dever de exigir a sua restituição a CC. 13. Os ora recorrentes já nos dias 03.04.2024, 28.01.2025 e 15.04.2025 tinham levantado esta questão ao Senhor Administrador de Insolvência, 14. Antes de ter sido pago o mencionado montante pelo Senhor Administrador de Insolvência ao referido credor e da existência ou consolidação da dívida de CC para com a massa insolvente no valor de €11.412,69. (Doc. n.º 1 e 2) 15. E, a partir do dia 14.04.2025, data em que o Senhor Administrador de Insolvência efetuou o pagamento da quantia de €11.412,69 ao credor BB e em que este (BB) recebeu o mencionado montante, e 16. Em data anterior a ter sido proferido o despacho que declarou o encerramento do processo de insolvência, 17.CCpassouaserdevedoradoinsolventedaquantia€11.412,69. 18. Em suma: a partir do momento em que o credor BB recebeu a mencionada quantia no âmbito dos presentes autos de insolvência, CC passou a ser devedora do insolvente da quantia €11.412,69. 19. O insolvente é, de facto, na presente data, devedor de BB, seu pai, por via da cessão de créditos celebrada com a instituição bancária Banco 1..., CRL, e o pagamento a este era efetivamente devido. 20. No entanto, tudo quanto a massa insolvente lhe pague relativamente ao crédito em apreço, tem esta o direito e dever de exigir a sua restituição a CC. 21. Ao ter sido efetuado o pagamento ao credor BB, constituiu-se o crédito do insolvente sobre o seu cônjuge e a obrigação deste ter de pagar à massa insolvente o respetivo valor em que viu o seu passivo diminuído à custa do património do insolvente. 22. E, por isso, o crédito do insolvente sobre o seu cônjuge (CC) tem de ser apreendido pelo Senhor Administrador de Insolvência para massa insolvente e 23. Tem ainda de lhe ser exigido o pagamento da quantia de €11.412,69, cujo pagamento foi efetuado pela massa insolvente ao referido credor, caso contrário verificar-se-á o enriquecimento sem causa de CC à custa daquela (massa insolvente). (arts. 46.º e 149.º CIRE) 24. Pelo que, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo o disposto nos arts. 46.º e 149.º CIRE.
II–DA JUNÇÃO DOCUMENTAL
25. Requer a V. Ex.as, ao abrigo do disposto no art.º 651.º n.º 1 CPC, a junção aos autos dos docs. nºs. 1 e 2 que estes acompanham. 26. A junção dos documentos em apreço revela-se necessária em virtude do despacho proferido em primeira instância, uma vez que o Tribunal a quo entendeu que a existência ou consolidação da dívida de CC para com a massa insolvente, no valor de €11.412,69, se constituiu após o encerramento do processo. 27. E, por isso, do teor e conteúdo dos documentos ora juntos constata-se a imprescindibilidade e a relevância de deles se dar conhecimento a este Tribunal. 28. Os documentos ora juntos consideram-se úteis e revelam-se necessários e essenciais para o apuramentodaverdadematerial,aboadecisãodacausa e a justacomposiçãodolitígio.
Termos em que, e no que mais Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão nos termos expostos, revogando-se o despacho proferido no dia 12.06.2025, substituindo-se por outro, tudo de molde a que seja revogado o despacho proferido no dia 11.04.2025, que declarou o encerramento do processo de insolvência, ao abrigo do disposto no art.º 230.º , n.º 1, al. a) CIRE, e que seja ordenado ao Senhor Administrador de Insolvência a apreensão para a massa insolvente do crédito do insolvente sobre o seu cônjuge, CC, no valor de €11.412,69, e seja exigido o seu respetivo pagamento, ao abrigo do disposto nos arts. 46.º e 149.º CIRE, com o que se fará INTEIRAJUSTIÇA.
Juntaram em anexo às alegações de recurso dois documentos.
O primeiro dos enunciados documentos (numerado como Doc. 1), trata-se de correio eletrónico remetido em 03/04/2024, pelo mandatário dos recorrentes ao administrador da insolvência, em que se lê:
“No seguimento da conferência telefónica realizada no dia de hoje, conforme combinado, junto envio, anexo, partilha dos bens comuns do extinto casal, insolvente e CC. Espero ter sido útil e que seja tida em consideração esta questão do passivo partilhado, caso venha a ser paga qualquer quantia ao credor habilitado, BB, atento que, todas as quantias que vierem a ser a este pagas a massa insolvente delas será credora de CC, uma vez que a dívida, resultante do empréstimo concedido pela Banco 1... ao extinto casal, cujo crédito foi nos presentes autos reclamado e àquele (BB) foi cedido pela Banco 1..., foi adjudicada a CC. Solicito, por isso, especial atenção e cuidado para esta questão, uma vez que, na relação insolvente e CC, a dívida é apenas desta, sendo, por via disso, devedora à massa insolvente de todas as quantias que esta venha a pagar ao credor habilitado, BB. Estou ao inteiro dispor para qualquer esclarecimento que entenda por necessário ou conveniente”.
O segundo documento junto pelos recorrentes (numerado como Doc. 2), consiste em correio eletrónico remetido em 17/04/2025, pelo administrador da insolvência ao mandatário daqueles, em que se lê: “Venho na sequência do seu email de 15/04/2025, informar o seguinte: A Banco 1..., CRL reclamou créditos no processo de insolvência e a lista elaborada pelo Administrador da Insolvência não foi impugnada. Foi apresentada a habilitação de cessão de créditos pelo credor BB em substituição da Banco 1..., CRL, que também não foi impugnada. Já se efetuaram os pagamentos no âmbito do rateio final. Salvo melhor opinião, atualmente não mais é possível fazer em relação aos créditos no âmbito do processo de insolvência”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1ª Instância admitiu o recurso como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
a- Da admissibilidade legal da junção aos autos dos documentos apresentados com as alegações de recurso;
b- Se o despacho recorrido (ao indeferir a pretensão dos recorrentes para que se revogasse o despacho proferido que declarou o encerramento do processo de insolvência e se ordenasse ao administrador da insolvência para que procedesse à apreensão para a massa insolvente do crédito alegadamente detido pelo devedor/insolvente sobre a sua mulher, CC, no valor de 11.412,69 euros, e que lhe fosse exigido o respetivo pagamento) padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe a sua revogação e substituição por decisão em que se defira aquelas pretensões.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos que relevam para a decisão a proferir no âmbito do presente recurso são os que constam do «I-Relatório» acima exarado, que aqui se dão por reproduzidos, a que acrescem os seguintes factos:
A- O devedor AA casou com CC em ../../2008, sem convenção antenupcial – cfr. certidão do assento de casamento junta com a petição inicial.
B- Por decisão de 27 de setembro de 2018, transitada em julgado na mesma data, proferida pela Conservatória do Registo Civil ..., foi decretada a separação de pessoas e bens entre o devedor AA e CC – cfr. certidão do assento de casamento junta com a petição inicial.
C- Por escritura pública de partilha outorgada em 30 de outubro de 2018, no Cartório Notarial da notária II, o devedor AA e mulher, CC, procederam à partilha do património comum do casal, tendo sido adjudicado, entre outros, a CC o passivo, consubstanciado em “dívida resultante de um empréstimo contraído junto da Banco 1..., CRL, cujo valor em dívida, na data de hoje, ascende ao montante de 160.722,24 euros” – cfr. certidão da escritura de partilha junta aos autos principais em 22/04/2025.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A- Da admissibilidade legal da junção aos autos dos documentos apresentados com as alegações de recurso
Os recorrentes juntaram aos autos com as alegações de recurso, nos termos do n.º 1 do art. 651º do CPC, os dois documentos cujo teor acima transcrevemos, advogando que a sua junção se revela necessária em virtude do despacho recorrido, em que a 1ª Instância entendeu que a existência ou consolidação da dívida de CC para com a massa insolvente, no valor de 11.412,69 euros, se constituiu após o encerramento do processo de insolvência (cfr. conclusão 25ª).
Acresce que, conforme decorre do teor da conclusão 26ª, mediante a junção de tais documentos, os recorrentes pretendem ainda demonstrar que a questão por eles suscitada, em 22/04/2025 (sobre a qual recaiu o despacho recorrido), já tinha sido por eles levantada junto do administrador da insolvência muito antes deste ter apresentado no processo de insolvência a proposta de distribuição e de rateio final e da prolação da decisão em 11/04/2025, que homologou essa proposta e ordenou que o administrador da insolvência procedesse aos competentes pagamentos aos credores.
Vejamos se assiste o direito aos recorrentes a juntarem ao processo os ditos documentos na presente fase de recurso.
No caso de recurso apenas é admitida a junção aos autos de documentos com as alegações nas situações excecionalíssimas enunciadas no n.º 1 do art. 625º do CPC, ou seja, “nas situações excecionais a que se refere o art. 425º” e no “caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância”.
A junção da prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1ª Instância, regime que se compreende, na medida em que os documentos visam demostrar certos factos antes do tribunal proceder à sua integração jurídica. Aliás, com o intuito de promover a boa fé e a celeridade processuais (pondo termo às práticas recorrentes que até aí se assistiam, em que, no decurso da audiência de julgamento, em função da prova que ia sendo produzida, as partes iam libertando, em função dos seus interesses e conveniências, documentos com a finalidade de contrariar a prova à medida em que esta ia sendo produzida, numa atitude gravemente atentatória da boa-fé processual e da igualdade das partes, sem se falar das perturbações processuais que ela acarretava para a celeridade processual, levando a constantes interrupções da audiência final), a Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que reviu o CPC, alterou profundamente o regime processual quanto aos termos em que é consentido às partes juntarem ao processo prova documental.
Na sequência daquela revisão, no âmbito da ação declarativa, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, isto é, os documentos destinados a fazer prova da facticidade alegada na petição inicial devem ser juntos pelo autor com o identificado articulado inicial, base da ação declarativa, enquanto os destinados a fazer prova dos factos alegados na contestação devem ser juntos pelo réu com esse articulado (art. 423º, n.º 1).
Em sede de ação declarativa, a prova documental pode ainda ser junta até ao 20º dia anterior à data em que se realize efetivamente a audiência final, ou, comportando esta várias sessões, em que tenha início a sua realização (data da realização da primeira sessão de julgamento), mas, nesse caso, o apresentante ficará sujeito a multa, exceto se provar que não o pôde oferecer com o articulado (n.º 2 do art. 423º).
Posteriormente ao vigésimo dia que antecede o início efetivo da audiência final e até ao encerramento da discussão em 1ª Instância[2] podem ainda ser juntos ao processo documentos desde que se verifique alguma das seguintes circunstâncias: a) se a apresentação do documento não foi possível até àquela data limite do vigésimo dia que antecedeu o início da audiência final, ou b) se a junção se tiver tornado necessária em consequência de ocorrência posterior (n.º 3 do art. 423º).
No que respeita à primeira das referidas exceções, a impossibilidade da parte de apresentar o documento antes do vigésimo dia que antecedeu a realização efetiva da audiência final ou, no caso desta comportar várias sessões, até ao início efetivo da primeira sessão de julgamento, pode ser objetiva ou subjetiva. Ocorre uma situação de impossibilidade objetiva quando não era possível - em termos práticos, materiais ou ontológicos - ao apresentante juntar o documento em causa ao processo até ao vigésimo dia que antecedeu o início efetivo da audiência final, por aquele respeitar a factos ocorridos historicamente após essa data limite. E ocorre uma situação de impossibilidade subjetiva quando, apesar do documento respeitar a factos ocorridos historicamente antes do decurso daquela data limite, o apresentante não o pôde juntar ao processo até à referida data limite por facto que não lhe seja imputável a título de culpa, nomeadamente, negligência (v.g., a parte desconhecia, sem culpa, da existência do documento, vindo apenas a tomar conhecimento dele após o decurso daquela data limite, ou o documento refere-se a factos ocorridos historicamente próximo daquela data limite, e apesar da parte ter requerido prontamente a sua emissão à entidade pública competente, esta apenas o emitiu após o decurso do vigésimo dia que antecedeu o início efetivo da audiência final).
Na impossibilidade objetiva, como é bom de ver, aquela é evidenciada pelo próprio teor do documento, pelo que, aquando da sua junção ao processo, não é necessário que o apresentante alegue o motivo justificativo para a junção tardia. No entanto, tratando-se de impossibilidade subjetiva, o apresentante terá de alegar e provar factos de onde decorra que a junção intempestiva não lhe é imputável a título de culpa[3]. Acresce que, quer na situação de impossibilidade objetiva, quer na subjetiva, a parte tem de requerer a junção ao processo do documento logo que isso se lhe torne possível, sem aguardar qualquer dilação[4].
No que respeita à outra situação excecional em que o n.º 3 do art. 423º consente a junção de documentos ao processo após o decurso da data limite e até ao encerramento da discussão em 1ª Instância – a junção se ter tornado “necessária em virtude de ocorrência posterior” –, o elemento legitimador da junção tardia assenta na “ocorrência posterior” ao decurso daquele prazo limite, isto é, o documento tem de se destinar a fazer prova ou contraprova de factos ocorridos historicamente após o termo daquele prazo limite[5].
Após o encerramento da discussão em 1ª Instância não é, em princípio, consentida a junção de documentos ao processo, por tal implicar uma violação ao princípio do contraditório, exceto se for interposto recurso da sentença e nos termos limitados dos arts. 425º e 651º, n.º 1.
Com efeito, no caso de recurso, as disposições legais acabadas de referir consentem que recorrente e recorrido juntem ao processo, com as alegações ou contra-alegações de recurso, respetivamente, documentos em duas situações excecionalíssimas: a) a junção do documento não ter “sido possível até àquele momento”, isto é, até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, por impossibilidade objetiva ou subjetiva[6], com o sentido e alcance já acima sobejamente enunciados; ou b) a junção do documento se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância.
No que respeita a esta última situação em que excecionalmente é admitida a junção de documentos com as alegações ou as contra-alegações de recurso, essa possibilidade tem como pressuposto que a decisão proferida pela 1ª Instância se revele de todo surpreendente para as partes relativamente ao que seria expectável em face dos elementos do processo, ou seja: é necessário que a decisão em causa se tenha baseado em meio de prova não esperado, designadamente, em meio probatório oficiosamente junto ao processo, quando já não era possível ao apresentante munir-se em tempo útil do documento que intenta juntar na fase de recurso com o propósito de fazer a contraprova da facticidade que o julgador a quo julgou provada ou não provada em função do documento que requisitou oficiosamente; ou nos casos em que a decisão proferida assentou em preceito jurídico ou em interpretação de preceito jurídico com cuja invocação/interpretação as partes não tivessem justificadamente contado[7]. Dito por outras palavras, para que a junção do documento seja permitida na fase de recurso, não basta que a junção se tenha tornado necessária em face do julgamento realizado pelo tribunal recorrido, mas é imprescindível que apenas se tenha tornado necessária em virtude desse julgamento, ou seja, que a decisão proferidase tenha ancorado num elemento de cariz “inovatório” para as partes.
Assim, se a junção do documento era necessária para fundamentar a ação ou a defesa antes de ser proferida a decisão da 1ª Instância, e se essa decisão se baseou em meio de prova com que as partes podiam legítima e razoavelmente contar - como é o caso de depoimentos de parte ou de testemunhas, prova documental, pericial ou por inspeção judicial, respetivamente, arrolados e requeridos pelas partes ou oficiosamente determinadas pelo juiz (mas, neste último caso, em momento processual em que ainda lhes era possível, até ao encerramento da discussão em 1ª instância carrearem para o processo o documento que se propõem juntar na fase recurso, com vista a contrariar a prova produzida por determinação oficiosa), então a sua junção na fase de recurso não ocorre em virtude do julgamento realizado pelo julgador a quo, na medida em que tiveram oportunidade de controlar a prova produzida em que assentou a decisão proferida, e tiveram, inclusivamente, oportunidade de juntar ao processo o documento que se propõem juntar na fase de recurso.
Neste sentido expendem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro que: “A apresentação do documento não se torna necessária em virtude de ocorrência posterior quando uma testemunha alude a um facto, ainda que em sentido contrário ao pretendido pelo apresentante, se se tratar de um facto essencial já alegado – ou de um facto puramente probatório. A ocorrência que torna necessária a apresentação deste meio de prova é a pretérita alegação desta matéria cabendo a situação no n.º 1 deste artigo” (art. 423º)[8].
Destarte, apenas quando a decisão da 1ª Instância se baseou em meio probatório não oferecido pelas partes, mas junto ao processo por iniciativa oficiosa, em momento processual em que já não lhes era possível apresentar o documento que intentam juntar aos autos na fase de recurso até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, ou quando a decisão proferida assente em regra de direito ou em interpretação de regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não podiam cogitar, em obediência ao princípio do contraditório, na sua dimensão positiva de proibição de prolação de decisões-surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), é admitida a junção do documento ao processo na fase de recurso, dado o cariz inovador da decisão recorrida[9].
Na verdade, destinando-se os recursos a sindicar decisões judiciais por tribunal hierarquicamente superior, aqueles têm como único objetivo o reexame da decisão recorrida e não criar decisões sobre matéria nova, pelo que apenas nos casos em que a decisão recorrida apresente cariz inovatório é consentido a recorrente e recorrido juntarem na fase de recurso prova documental com vista a contrariar a mesma. Por isso, não é consentido juntar ao processo na fase de recurso documentos quando a decisão recorrida nada de novo tenha relativamente ao que era expectável para as partes em termos de julgamento de facto e/ou de julgamento de direito. É que, na ausência de qualquer caráter inovatório que impregnasse a decisão recorrida quanto aos aspetos acabados de referir, a admitir-se a junção de novos documentos ao processo na fase de recurso estaria a permitir-se um elemento de prova ao qual o julgador a quo não teve acesso e em que, portanto, não assentou o julgamento de facto que realizou e o subsequente julgamento de direito que presidiu ao dictat autoritário quanto ao modo como decidiu o litígio entre os pleiteantes, em violação flagrante ao princípio do contraditório, em virtude desse (novo) documento não ter sido submetido a audiência contraditória; e contrariando-se as finalidades que presidem ao recurso, que é o reexame da matéria de facto e de direito que foi apreciada em sede de decisão recorrida, ao considerar um novo meio de prova que não constava do processo e que, por isso, não pôde ser considerado pelo julgador a quo e em que, portanto, não se baseou o julgamento de facto que realizou e, por consequência, o julgamento de direito.
Revertendo ao caso dos autos, os dois documentos juntos pelos recorrentes com as alegações de recurso reconduzem-se a correspondência eletrónica trocada entre o mandatário dos recorrentes e o administrador da insolvência em 03/04/2024 e 17/04/2025, pelo que não existia qualquer impossibilidade objetiva ou subjetiva que impedisse aqueles de os terem junto com o requerimento de 22/04/2025, sobre o qual recaiu o despacho recorrido.
Acresce que, lido o despacho sob sindicância não se vê que a decisão nele proferida apresente qualquer caráter inovatório em termos de julgamento de facto e/ou de direito que justifique a junção dos documentos em causa na presente fase de recurso. A circunstância de alegadamente, no despacho sob sindicância, o tribunal a quo ter considerado que a pretensa dívida da mulher do devedor/insolvente, CC, para com o último se ter constituído após a prolação do despacho que declarou encerrado o presente processo de insolvência é, conforme infra se demonstrará, uma questão estritamente jurídica, para o que se mostra totalmente indiferente o teor daqueles documentos.
Destarte, do ponto de vista estritamente do n.º 1 do art. 625º do CPC, não se descortina fundamento legal para se admitir a junção aos autos dos documentos na presente fase de recurso.
No entanto, os dispositivos legais a que se vem fazendo referência regem sobre o processo declarativo, não tendo em consideração as particularidades do processo especial de insolvência, o qual assume uma feição fortemente extrajudicial, em que o administrador da insolvência tem a seu cargo as duas operações nucleares do processo: a verificação do passivo e a apreensão e liquidação do passivo[10].
Nessas fases nucleares os requerimentos, documentos, notificações, etc. processam-se diretamente entre devedor, credores, terceiros, nomeadamente, proponentes e adquirentes de bens, remidores, etc. e o administrador da insolvência, não sendo aqueles juntos ao processo de insolvência, salvo em casos contados, em que o juiz o determine.
Ora, pretendendo os recorrentes, mediante a junção dos supra identificados documentos fazer prova em como a questão que por eles foi suscitada perante a 1ª Instância, em 22/04/2025, sobre a qual recaiu o despacho recorrido, já tinha sido por eles antes levantada junto do administrador da insolvência, designadamente, em data anterior ao momento em que o último apresentou a proposta de distribuição e de rateio final e da homologação desta, não fora a especificidades próprias do processo de insolvência acabadas de referir, os documentos em causa estariam juntos ao presente processo.
Destarte, atentas as particularidades do processo de insolvência acabadas de referir, admite-se a junção aos autos dos documentos juntos pelos recorrentes em anexo às alegações.
B- Mérito
A 1ª Instância indeferiu a pretensão dos recorrentes para que se revogasse a decisão de encerramento do presente processo de insolvência e se ordenasse ao administrador da insolvência para que procedesse à apreensão para a massa do crédito detido pelo devedor/insolvente sobre a sua cônjuge, CC, no valor de 11.412,69 euros, em virtude desta ter assumido, no âmbito da escritura de partilha dos bens comuns do casal, de 30/10/2018, o passivo que ambos se confessaram devedores solidários para com a Banco 1..., CRL, no âmbito do contrato de mútuo com hipoteca que com ela celebraram, e que a Banco 1... cedeu a BB, pai do insolvente, a quem, em sede de rateio final, devidamente homologado, foi paga a dita quantia de 11.412,69 euros, com o argumento de que: “tendo o crédito detido pela Banco 1... sobre o devedor/insolvente sido reconhecido, bem como a subsequente habilitação de cessionário, por decisões devidamente transitadas em julgado, tudo no pressuposto da responsabilidade solidária do insolvente e de CC, não existem razões para, por o mesmo ter resultado no pagamento de € 11.412,69 em sede de rateio ao credor habilitado, se entender agora, após o encerramento do processo, pela existência (ou consolidação) de uma dívida daquela CC para com a massa insolvente no correspondente valor. O crédito foi reconhecido como sendo devido pelo insolvente e, nessa medida, é suportado pela respetiva massa insolvente”.
Assacam os recorrentes erro de direito ao assim decidido, advogando que, contrariamente ao entendimento sufragado pela 1ª Instância, a questão por eles suscitada “não se prende com a relação insolvente e instituição bancária Banco 1..., CRL”, nem pretendem que o cessionário, BB, que adquiriu o crédito que a Banco 1... tinha sobre o devedor/insolvente e mulher, CC, devolva o valor recebido, de 11.412,69 euros, que lhe foi pago em sede de rateio, “ou que seja declarado que não existe o crédito que foi reconhecido (à Banco 1...), “ou que não assista ao referido credor (BB) o direito a receber da massa insolvente a quantia de 11.412,69 euros”. “A questão (que suscitaram) e que importaresponder é se, com o pagamento ao credor BB, se constituiu o crédito do insolvente sobre o seu cônjuge, CC, e se existe a obrigação desta ter de pagar à massa insolvente o respetivo valor em que viu o seu passivo diminuído à custa do património do insolvente”, e essa questão coloca-se ao nível da “relação interna entre o insolvente e o cônjuge deste, CC”.
Com efeito, “a partir do momento em que o credor BB recebeu a mencionada quantia noâmbito dos presentes autos de insolvência, CC passou a ser devedora do insolventeda quantia €11.412,69; isto porque, no dia 31.10.2018, em consequência da partilha subsequente à separação de pessoas e bens, a dívida (passivo) à referida instituição bancária foi adjudicada ao cônjuge doinsolvente, CC. Por via disso, o cônjuge do insolvente, CC, passou a ser a únicadevedora da mencionada dívida nas relaçõesinternas entre esta e o insolvente. Ao ter sido adjudicada a CC a verba n.º 1 do ativo e a dívida (passivo) à referidainstituição bancária, aquela passou a ser a única devedora da mencionada dívida nas relaçõesinternas entre esta e o insolvente. E, a partir da data da referida partilha, tudo quanto o insolvente pagar no âmbito do crédito em apreço, tem aquele o direito de regresso contra CC (condevedora), uma vez que foi a esta adjudicado o mencionado passivo. E, por isso, tudo quanto a massa insolvente pagou relativamente ao crédito em apreço, tem esta (massa insolvente) o direito e dever de exigir a sua restituição a CC”. Concluem que: “ao ter sido efetuado o pagamento ao credor BB, constituiu-se o crédito do insolvente sobre o seu cônjuge e a obrigação deste ter de pagar à massa insolvente o respetivo valor em que viu o seu passivo diminuído à custa do património do insolvente. E, por isso, o crédito do insolvente sobre o seu cônjuge (CC) tem de ser apreendido pelo Senhor Administrador de Insolvência para massa insolvente e tem ainda de lhe ser exigido o pagamento da quantia de €11.412,69, cujo pagamento foi efetuado pela massa insolvente ao referido credor, caso contrário verificar-se-á o enriquecimento sem causa de CC à custa daquela (massa insolvente)”.
Vejamos se assiste fundamento legal para os erros de direito que os recorrentes assacam ao decidido.
“O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores” (art. 1º, n.º 1 do CIRE, onde constam todas as normas que se venham a citar sem referência em contrário).
Das finalidades do processo de insolvência que se encontram enunciadas na norma que se acaba de transcrever decorre que o processo em causa tem uma única finalidade: a satisfação dos interesses dos credores, na medida do possível. E que a satisfação desses interesses se processa por duas vias alternativas possíveis: a) a aprovação pelos credores de um plano de insolvência e a execução das medidas nele previstas, que podem ou não ter finalidades recuperatórias da empresa compreendida na massa insolvente (via esta declarada como preferencial pelo legislador); ou b) pela venda do património do devedor, entretanto alienado, e a repartição do produto pelos credores.
A norma do n.º 1 do art. 1º, apresenta o processo de insolvência como uma «execução universal», embora, conforme põe em destaque Catarina Serra, nada permita reconduzir o dito processo à categoria de processo executivo, desde logo, porque aquele pressupõe a insolvência e não o incumprimento de qualquer obrigação; a petição inicial em que é requerida a declaração da insolvência do próprio (quando o devedor se apresente à insolvência) ou do demandado não configura o exercício de um poder de execução e, consequentemente, o requerente está dispensado de apresentar título executivo; além de que dispõem de legitimidade ativa para requerer a insolvência não apenas os credores, mas outros sujeitos, entre os quais o próprio devedor (arts. 18º e 20º do CIRE); e, finalmente, “a sentença de declaração de insolvência é uma sentença de tipo declarativo, que produz efeitos que não se fazem sentir no processo executivo, constituindo o devedor num novo status iuridicus – o status iuridicus ou estado civil de insolvente. Por força dela, o devedor fica privado dos poderes de administração e de disposições dos bens integrantes da massa insolvente e sujeito ao dever de apresentação ao tribunal e de colaboração com os órgãos da insolvência, ao dever de respeitar a residência fixada na sentença de declaração de insolvência, ao dever de entrega imediata dos documentos relevantes para o processo e, eventualmente, aos efeitos decorrentes da qualificação da insolvência como culposa, como a inibição para a administração de bens alheios, a inibição para o exercício do comércio, a perda de certos créditos e a obrigação de restituição de certos montantes e a obrigação de indemnização de danos”[11].
Ao apresentar o processo de insolvência como uma «execução universal» no n.º 1 do art. 1º, foi propósito do legislador colocar em evidência que, com a declaração da insolvência, procede-se à apreensão da quase totalidade do património do devedor (art. 149º e 150º), ficando este, por si ou pelos seus administradores, salvo as exceções previstas na lei, imediatamente privado dos poderes de administração e de disposição desse património, cujos poderes de administração e de disposição passam a competir ao administrador da insolvência (art. 81º, n.º 1), e que passa a integrar a denominada massa insolvente (art. 46º).
A massa insolvente configura um património autónomo afeto à satisfação dos interesses dos credores da insolvência e da massa insolvente[12], a qual, uma vez transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia para apreciação do relatório a que alude o art. 146º, exceto se os credores decidirem diversamente, nomeadamente, aprovando um plano de insolvência, cuja execução se mostre incompatível com a liquidação do ativo, deve ser prontamente vendida/liquidada pelo administrador da insolvência (art. 158º, n.º 1), para com o produto da liquidação se pagar as dívidas da massa insolvente e, com o remanescente, os créditos da insolvência (art. 46º, n.º 1), que tenham sido reclamados pelos respetivos credores no processo de insolvência, dentro do prazo fixado na sentença declaratória da insolvência, ou que, independentemente de reclamação, tenham sido reconhecidos pelo administrador da insolvência e tenham sido julgados verificados e graduados, por sentença transitada em julgado (arts. 90º, 128º, 129º e 173º).
Ao apresentar-se o processo de insolvência como «execução coletiva ou concursal» tem-se em vista colocar em destaque que, diferentemente do que ocorre na execução civil, a qual reveste natureza tendencialmente singular, o processo de insolvência pressupõe a participação e o concurso de todos os credores do devedor/insolvente.
Nessa medida, proferida a sentença declaratória da insolvência, em que tem de ser fixado o prazo de reclamação de créditos (art. 36º, n.º 1, al. f)), todos os credores do devedor, sejam conhecidos ou desconhecidos e independentemente da natureza dos seus créditos, são chamados ao processo de insolvência, e caso nela pretendam participar, exercendo os direitos que lhes são reconhecidos pelo CIRE, nomeadamente, o de obterem pagamento, têm de reclamar os seus créditos junto do administrador da insolvência dentro do prazo fixado na sentença, ainda que aqueles já lhes tenham sido reconhecidos por sentença transitada em julgado.
Nessa sequência, o administrador da insolvência elabora uma lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, a qual está sujeita a ser impugnada, vindo a final a ser preferida sentença de verificação e graduação de créditos (arts. 128º a 140º).
Apenas os credores que tenham visto os seus créditos reconhecidos e graduados na sentença de verificação e graduação de créditos, uma vez transitada em julgado, poderão obter pagamento no processo de insolvência, de acordo com o princípio par condito creditorum, isto é, que assegure o tratamento equitativo entre os credores, garantindo a igualdade entre os mesmos que estejam nas mesmas condições, atenta as classes de créditos previstas no art. 47º, n.º 4[13].
Conforme antedito, o art. 1º, n.º 1 apresenta o processo de insolvência como «processo de execução universal» porque nele é apreendido praticamente todo o património do devedor/insolvente, o qual passa a integrar a massa insolvente, que fica sujeita aos poderes de administração e de disposição do administrador da insolvência.
A massa insolvente, “salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo” (n.º 1), sendo que “os bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta” (n.º 2, ambos do art. 46º).
Da conjugação dos n.ºs 1 e 2 da norma acabada de referir resulta, por um lado, que a massa insolvente é integrada por todo o património do devedor à data em que é declarado insolvente e pelo que venha a adquirir, independentemente da sua fonte e natureza, na pendência do processo de insolvência; por outro, que da massa insolvente está excluído o património (bens e direitos) do devedor/insolvente que dela sejam excluídos expressamente por lei – “salvo disposição em contrário” -, como é o caso do art. 84º, que salvaguarda ao devedor os meios absolutamente necessários à sua subsistência e do seu agregado familiar, assim como estão excluídos da massa insolvente os bens identificados nos arts. 736º (por serem absolutamente impenhoráveis) e 737º do CPC (por serem relativamente impenhoráveis), salvo, quanto a estes, se forem apresentados pelo próprio devedor/insolvente para integrarem a massa insolvente. Finalmente, apenas integram a massa insolvente os bens (imóveis e móveis) e direitos do devedor que sejam suscetíveis de serem penhoráveis, o que equivale a dizer, que forem suscetíveis de serem avaliados em termos pecuniários[14].
Em suma, citando Maria do Rosário Epifânio, “a massa insolvente é, por isso o conjunto de bens atuais e futuros do devedor, os quais, a partir da declaração de insolvência, formam um património separado, adstrito à satisfação dos interesses dos credores. Para além disso, no âmbito do processo de insolvência vigora o princípio de que todos os bens que o insolvente for adquirindo após a declaração da insolvência até ao encerramento do processo (isto é, os bens futuros) revertem para a massa insolvente, de forma automática, sem necessidade de qualquer iniciativa do administrador da insolvência (automatismo este que é determinado pelo caráter universal do processo de insolvência”[15].
Quanto aos bens e direitos que o devedor adquira na pendência do processo de insolvência, apenas revertem para a massa, conforme expressamente decorre do n.º 1 do art. 49º, n.º1, parte final, os que sejam adquiridos na pendência do processo de insolvência, isto é, até ao encerramento deste, na medida em que a prolação de decisão do juiz declarando encerrado o processo de insolvência, no caso da insolvência ser declarada fortuita, determina a cessação do estado civil de insolvente do devedor e, em consequência, cessam todos os efeitos que resultam da declaração da insolvência, recuperando o devedor, designadamente, o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência e do disposto no art. 234; cessam as atribuições da comissão de credores e do administrador da insolvência, com exceção das referentes à apresentação de contas e das conferidas, se for o caso, pelo plano de insolvência; os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do art. 242º; e os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos (n.º 1 do art. 233º)[16].
Pondo de parte as situações previstas nas als. b) a e) do n.º 1 do art. 230º, em que o juiz deve declarar o encerramento do processo de insolvência, por irrelevantes para o presente recurso, nos termos da al. a) daquele n.º 1, em regra, a realização do rateio final determina o encerramento final, salvo nos casos em que, em insolvência de pessoa singular, tiver sido requerida a exoneração do passivo restante e tiver sido interposto recurso da decisão do juiz (admitindo ou indeferindo liminarmente aquele pedido), situação em que, nos termos do n.º 6 do art. 239º, o encerramento do processo de insolvência não se verifica por efeito da conclusão do rateio, mas apenas com o trânsito em julgado da decisão proferida sobre o recurso.
Adiante-se, contudo que, muito embora, em princípio, a conclusão do rateio final determine o encerramento do processo de insolvência, não se está perante uma consequência automática, na medida em que, como decorre expressamente do n.º 1 do art. 230º - “o juiz declara o seu encerramento” –, o encerramento do processo de insolvência depende de declaração do juiz, que é notificada aos credores e objeto da publicidade e do registo previsto nos arts. 37º e 38º, devendo ser indicada a razão que o fundamenta (art. 230º, n.º 2) e que é recorrível[17].
Assentes nas premissas vindas a referir, revertendo ao caso dos autos, nele, uma vez liquidado o ativo, remetido o processo de insolvência à conta e prestadas e aprovadas as contas apresentadas pelo administrador da insolvência, em 12/02/2025 o último apresentou proposta de distribuição e rateio final, que foi aprovada por decisão de 11/04/2025, transitada em julgado, onde se declarou encerrado o processo de insolvência.
Em 22/04/2025, os recorrentes requereram que se revogasse o despacho que declarou encerrado o processo de insolvência e se ordenasse ao administrador da insolvência que procedesse à apreensão para a massa insolvente do crédito alegadamente detido pelo devedor/insolvente sobre ao seu cônjuge, CC, no montante de 11.412,69 euros (satisfeito à custas do produto da massa insolvente ao credor BB), em virtude de, na escritura de partilha que celebraram, na sequência da separação de pessoas e bens, esta ter assumido o passivo que o casal tinha contraído junto da Banco 1..., CRL, e que esta cedeu ao identificado BB e, bem assim, que o administrador da insolvência exigisse a CC o pagamento daquela quantia à massa insolvente.
No despacho recorrido a 1ª Instância indeferiu aquela pretensão dos recorrentes, decisão essa que, antecipe-se, desde já, se prefigura ser certeira, embora não se subscreva na integralidade os fundamentos nela invocados para ancorar a decisão, na medida em que se desconsiderou o disposto no art. 241º-A, aditado ao CIRE, pela Lei n.º 9/2022, de 11/01.
Concretizando…
Pretendem os recorrentes que se revogue o despacho em que se ordenou o encerramento do processo de insolvência, olvidando ou desconsiderando que, por força da extinção do poder jurisdicional consequente à decisão que declarou encerrado o processo de insolvência, consagrado no art. 613º, nºs 1 e 3, esgotou-se o poder jurisdicional da 1ª Instância e que, por isso, esta ficou vinculada ao decidido (efeito positivo do princípio) e já não podia modificar aquela decisão, salvo em incidente de reclamação, caso aquela não comportasse recurso ordinário (o que não é o caso, na medida em que, conforme antedito, a decisão declarando encerrado o processo de insolvência é recorrível), a qual apenas podia ser modificada em caso de recurso[18].
Daí que existisse, desde logo, um impedimento processual ao deferimento da pretensão dos recorrentes no sentido de que fosse revogado o despacho proferido que declarou encerrado o processo se insolvência e se ordenasse ao administrador da insolvência que procedesse à apreensão para a massa insolvente do crédito do insolvente sobre o seu cônjuge, CC, no valor de 11.412,69 euros, e lhe fosse exigido o respetivo pagamento.
A esse impedimento processual acresce o do caso julgado formal que cobre o despacho em que a 1ª Instância declarou encerrado o processo de insolvência, na medida em que os recorrentes não interpuseram recurso dele (nem, aliás, se descortina que dispusessem fundamento para o fazer), pelo que, transitou em julgado, operando caso julgado formal e, por conseguinte, o deferimento das pretensões formuladas, nos moldes em que são deduzidas, violaria frontalmente o caso julgado formal que cobre o despacho em que se declarou encerrado o processo de insolvência.
Aos enunciados obstáculos processuais, acrescem os substantivos, na medida em que, conforme antedito, declarado encerrado o processo de insolvência e tendo, no caso, a insolvência sido qualificada como fortuita, com os limites que abaixo se enunciarão, cessou o estado de insolvente do devedor, que readquiriu o poder de administração e de disposição dos seus bens e negócios, assim como cessaram as funções do administrador da insolvência (sem prejuízo das funções de fiduciário para que foi nomeado no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante, cujo período de cessão se iniciou precisamente com o encerramento do processo de insolvência).
Vale isto por dizer que quando, em 22/04/2025 os recorrentes formularam as pretensões acima enunciadas, nem o devedor AA detinha já a qualidade de insolvente, embora se encontrasse sujeito às imposições decorrentes de ter requerido a exoneração do passivo restante e desse pedido ter sido liminarmente admitido e, com o encerramento do processo de insolvência, se ter iniciado o período de cessão, nem o administrador da insolvência já desempenhava essas funções nos presentes, mas antes as de fiduciário.
Acontece que, na sequência da revisão operada ao CIRE pela Lei n.º 9/2022, de 11/01, aditou-se ao mesmo o art. 241º-A, o qual consta da seguinte redação:
“1- Finda a liquidação do ativo do devedor e encerrado o processo de insolvência nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 230º, caso ingressem bens ou direitos suscetíveis de alienação no património daquele, o fiduciário deverá, com prontidão, proceder à sua apreensão e venda, sendo para o efeito aplicável o disposto no título VI, com as devidas adaptações. 2- O fiduciário apresenta contas dentro dos 10 dias subsequentes à venda dos bens ou direitos referidos no número anterior, podendo o prazo ser prorrogado por despacho judicial. 3- É aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 62º e no artigo 64º, sendo que, após pagamento da remuneração variável ao fiduciário pela venda de bens ou direitos referidos no n.º 1 e outras eventuais dívidas, o produto da venda é afetado pelo fiduciário nos termos do artigo anterior.”
Prevê-se no referido preceito que, nos casos em que o processo de insolvência tenha sido encerrado e tenha sido requerido e admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, nos casos em que durante o período de cessão ingressem bens ou direitos no património do devedor suscetíveis de serem alienados, o fiduciário deverá, com prontidão, proceder à sua apreensão e venda, seguindo para tanto o procedimento consignado naquela norma, que não deixa de ser simplificado em relação ao procedimento de liquidação previsto em geral para o processo de insolvência.
Daí que, contrariamente ao que resulta do requerimento e das alegações dos recorrentes, não se trata aqui de revogar a decisão proferida que declarou o processo de insolvência encerrado, nem o reassumir de funções pelo administrador da insolvência ou do devedor readquirir o estado civil de insolvente, mas antes conjugar os efeitos do encerramento do processo de insolvência, previstos no art. 238º, com os emergentes da admissão liminar do pedido de exoneração, salvaguardando-se os interesses do devedor e os dos credores.
O instituto da exoneração do passivo restante permite aos insolventes, pessoas singulares, quando a insolvência ocorra em determinadas condições e mediante a observância de determinados requisitos e deveres, se libertarem das dívidas que os onerem e que permaneçam insatisfeitas após a liquidação da massa insolvente e no termo do período de cessão e recomecem de novo a sua vida económica delas liberto.
O referido instituto assenta no princípio do “start fresh”, em que, sem esquecer os interesses dos credores, promove-se fundamentalmente os interesses do devedor, pessoa singular, declarado insolvente, no respeito pela sua dignidade enquanto pessoa humana, ao permitir-se que não fique condenado, ad eternum (tendo presente que o prazo geral de prescrição das dívidas é de vinte anos, e a consequente possibilidade de propositura de ações executivas contra ele por credores cujos créditos não tivessem ficado satisfeitos no âmbito do processo de insolvência), sob o peso de dívidas, que tornariam impossível o retomar de uma vida financeiramente equilibrada e os fatores de exclusão ou de marginalização social que para ele, e para o seu agregado familiar, daí adviriam.
Para que aquele beneficio lhe seja concedido é necessário que o devedor percorra um processo próprio, que tem natureza incidental em relação ao processo de insolvência, onde se destacam, como principais fases: o pedido de exoneração, o despacho liminar ou inicial e o despacho final.
No caso de admissão liminar do pedido de exoneração, no próprio despacho em que admita liminarmente aquele, o juiz tem de determinar que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (período de cessão) o devedor entregue ao fiduciário o rendimento disponível e fica obrigado ao cumprimento das injunções enunciadas no nº 4 do art. 239º, devendo para tanto, nesse mesmo despacho, determinar o rendimento indisponível (art. 239º, n.ºs 1 a 4).
O período de cessão inicia-se com o despacho em que se determine o encerramento do processo de insolvência (art. 236º, 237º, al. b) e 239º, n.º 2).
Não obstante, com a prolação de despacho judicial declarando o processo de insolvência encerrado, cessem todos os efeitos que resultem da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência e do disposto no art. 234º, e também cessem as atribuições do administrador da insolvência, sem prejuízo do enunciado na al. b) do n.º 1 do art. 233º, nas situações em que o devedor seja uma pessoa singular e tenha requerido que lhe fosse concedido o benefício da exoneração, e esse pedido tenha sido liminarmente admitido, aquele continua fortemente condicionados nos poderes de administração e de disposição do seu património, na medida em que, durante o período de cessão, está obrigado a cumprir com a obrigação principal de ter de entregar o rendimento disponível ao fiduciário (n.º 2 do art. 239º) e, bem assim, de um conjunto de obrigações acessórias, elencadas no n.º 4 desse art. 239º, que têm por escopo assegurar e controlar pelo fiduciário, credores e tribunal do cumprimento daquela obrigação principal[19].
Ora, no caso do pedido de exoneração ter sido liminarmente admitido, salvaguardando os interesses do devedor e dos credores, o art. 241º-A prevê que, se durante o período de cessão ingressaram bens ou direitos suscetíveis de serem alienados no património do devedor, o fiduciário (e não o administrador da insolvência, que já cessou as respetivas funções) procede à sua apreensão (sendo o devedor privado dos poderes de administração e de disposição sobre esses bens e direitos, os quais passam para o fiduciário), que deve proceder à sua pronta venda/liquidação. E não que, nesse caso, se dê sem efeito o despacho judicial que declarou encerrado o processo de insolvência; que o administrador judicial reassume as suas funções; ou que o devedor readquire o estado civil de insolvente, o que, aliás, seria um absurdo jurídico.
Por conseguinte, neste conspecto, nada há a censurar à decisão recorrida, mas já não assim quanto ao segmento em que nela se defende que, após o encerramento do processo de insolvência, não seria legalmente consentida a apreensão e venda de bens ou direitos do devedor, quando não é assim.
Com efeito, se durante o período de cessão ingressaram bens ou direitos suscetíveis de serem alienado no património do devedor, cumpre ao fiduciário proceder à sua pronta apreensão e alienação/liquidação. Por conseguinte, a questão decidenda consiste em saber se, com o pagamento da quantia de 11.412,69 euros com as forças da massa insolvente ao credor BB, por via do rateio final homologado no presente processo de insolvência, ingressou no património do devedor um direito de crédito de igual montante sobre a sua mulher, CC, em virtude de ambos serem solidariamente responsáveis pelo pagamento do crédito assumido perante a credora Banco 1..., CRL, que este cedeu ao agora credor BB.
Como bem dizem os recorrentes, a quantia de 11.412,69 euros que coube ao credor BB, em sede de rateio final, devidamente aprovado por decisão transitada em julgado e que o administrador da insolvência lhe pagou, era-lhe efetivamente devida, tratando-se de uma dívida da insolvência devidamente reclamada, verificada e graduada por sentença transitada em julgado.
Sucede que, na sequência da partilha do património comum, subsequente à separação de pessoas e bens, que o devedor AA e mulher CC outorgaram, a dívida que ambos tinham assumido solidariamente perante a Banco 1..., emergente do contrato de mútuo com hipoteca que com ela celebraram, foi assumida exclusivamente pela última, pelo que, nas relações internas entre devedor AA e mulher, esta última enriqueceu-se à custa do património do primeiro, na medida em que ao ser paga aquela quantia de 11.412,69 euros ao credor BB, acabou por ser liquidada uma dívida que a mulher do devedor assumiu na partilha ser sua exclusiva responsabilidade.
Percorridos os vários institutos jurídicos, apesar da natureza subsidiária da ação baseada nas regras do enriquecimento sem causa (só podendo socorrer-se a ela quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reação - art. 474º do CC)[20], a obrigação de CC em restituir a quantia de 11.412,69 euros (liquidada ao credor BB) ao devedor (seu marido) apenas poderia assentar no instituto do enriquecimento sem causa, que se encontra regulado nos arts. 473º a 482º do CC.
Defendem os recorrentes que, “ao ter sido efetuado o pagamento ao credor BB, constituiu-se o crédito do insolvente sobre o seu cônjuge e a obrigação deste ter de pagar à massa insolvente o respetivo valor em que viu o seu passivo diminuído à custa do património do insolvente”, o que não se subscreve.
Na verdade, apesar de na ação de enriquecimento sem causa o juiz reconhecer e declarar uma situação jurídica pré-existente – a injustiça da transferência de património do empobrecido para o enriquecido -, não se limita a declarar um direito já existente, mas a remover um enriquecimento ilícito que já ocorreu, constituindo uma nova obrigação de restituição para o enriquecido, que não existia antes do trânsito em julgado da decisão judicial que profere[21].
Por conseguinte, não é certo que com o pagamento efetuado ao credor se constitui automaticamente na esfera jurídica da mulher do devedor a obrigação de restituir ao património do devedor (e muito menos à massa insolvente) a quantia liquidada ao credor BB à custa das forças da massa, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, na medida em que essa obrigação de restituição que impende sobre a mulher do devedor apenas se constituirá com o trânsito em julgado da sentença que, reconhecendo o enriquecimento sem causa desta, procede à sua remoção, transferindo o enriquecimento verificado para o património do empobrecido (o devedor) e criando a obrigação da enriquecida (CC) de proceder a essa transferência (restituição) do enriquecimento.
Decorre do que se vem dizendo que, do facto de se ter pago a quantia de 11.412,69 euros ao credor da insolvência BB, à custa das forças de massa insolvente do devedor AA, não ingressou no património deste um direito de crédito (correspondente ao montante pago) sobre a sua mulher que, nos termos do art. 241º-A, incumba ao fiduciário apreender e liquidar, pelo que improcede o referido fundamento de recurso invocado pelos recorrentes.
Destarte, na improcedência de todos os fundamentos de recurso invocados pelos recorrentes, impõe-se julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a decisão de mérito constante do despacho recorrido, com a presente fundamentação. C- Das custas
Nos termos do art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, quem daquele tirou proveito. Entende-se que dá causa às custas do recurso a parte vencida, na proporção em que o for.
O presente recurso improcedeu, pelo que, tendo os recorrentes ficado vencidos, as custas do recurso ficam a seu cargo.
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V- Decisão
Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão de mérito do despacho recorrido, com a presente fundamentação.
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As custas do recurso ficam a cargo dos recorrentes, dado terem ficado vencidos.
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Notifique.
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Guimarães, 23 de outubro de 2025
José Alberto Moreira Dias – Relator
Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade – 1ª Adjunta
Fernando Manuel Barroso Cabanelas – 2º Adjunto
[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396. [2] Paula Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2013, Almedina, págs. 340 e 341.
No mesmo sentido de que o encerramento da discussão em 1ª Instância é o limite máximo até ao qual o art. 423º, n.º 3 do CPC, consente a junção aos autos de documentos, verificados que estejam os requisitos legais que enuncia, vide Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, pág. 352, nota 829.
Ainda Pais de Amaral, “Direito Processual Civil”, 2106, 12ª ed., pág. 320. [3] Acs. STJ., de 13/02/2007, Proc. 06A4496 e RC., de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG-G1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venha a citar, sem menção em contrário. [4] Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro de 2014, Ediforum, pág. 515. [5] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit., pág. 341. [6] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 229. [7] Acs. STJ., de 18/01/2005, Rev. n.º 3689/04-4ª, Sumários, jan./2005; de 18/04/2006, Proc. 06A844. [8] Paulo Ramos de Faria e Ana Luís Loureiro, ob. cit., pág. 341 [9] Ac. RG., de 19/06/2014, Proc. 36/12.9TBEPS-A.G1, em que se expende que: “A junção de documentos apenas tornada necessária em virtude do julgamento proferido no tribunal da primeira instância, só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª instância, por esta se ter baseado em meio probatório não oferecido pelas partes ou em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam”.
Ac. STJ., de 26/09/2012, Proc. 174/08.TTVFX.L1.S1: “A possibilidade de junção de documentos com a alegação de recurso de apelação, não se tratando de documento ou facto superveniente, só existe para aqueles casos em que a necessidade de tal junção foi criada, pela primeira vez, pela sentença da primeira instância. A decisão de 1ª instância pode criar, pela primeira vez, tal necessidade quando se tenha baseado em meios probatórios não oferecidos pelas partes, ou quando se tenha fundado em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes, justificadamente, não contavam”.
Ac. RC., de 18/11/2014, Proc. 628/13.9TBGRD.C1. [10] Catarina Serra, “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, abril, 2018, pág. 80. [11] Catarina Serra, ob. cit., págs. 41 e 42. [12] Catarina Serra, ob. cit., pág. 256, em que postula: “Apreendidos os bens do devedor, forma-se aquilo a que, seguindo sempre a terminologia de Orlando de Carvalho, se pode chamar um património de afetação especial – a massa insolvente -, composto de todos os bens e direitos integrantes do património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como dos bens e direitos que ele adquira na pendência do processo (cfr. art. 46º, n.º 1). A massa insolvente fica sujeita aos poderes de administração e disposição do administrador da insolvência (cfr. art. 81º, n.º 1, in fine) e o seu destino é, primeiro, a satisfação dos próprios credores (credores da massa) e, (só) depois, a satisfação dos credores da insolvência (cfr. art. 46º, n.º 1)”. [13] Marco Carvalho Gonçalves, “Processo de Insolvência e processos Pré-Insolvenciais”, Almedina, 2023, págs. 70 a 73; Alexandre de Soveral Martins, “Um Curso de Direito da Insolvência”, vol. I, 4ª ed., Almedina, págs. 57 a 58. [14] Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 3ª ed., Lisboa 2015, Quid Juris, pág. 292: “Da conjugação do n.º 1 com o n.º 2 resulta que, em rigor, a massa insolvente não abrange a totalidade dos bens do devedor suscetíveis de avaliação pecuniária mas tão só os que forem penhoráveis, e não excluídos por disposição especial em contrário, acrescidos dos que, não sendo embora penhoráveis, sejam voluntariamente oferecido pelo devedor, conquanto a impenhorabilidade não seja absoluta”.
No mesmo sentido Catarina Serra, ob. cit., pág. 257: “A lei é categórica e muito precisa quanto à extensão da operação de apreensão. São apreendidos todos os bens, mesmo que arrestados, penhorados, apreendidos, detidos ou objeto de cessão aos credores. Excetuam-se apenas os bens apreendidos por virtude de infração criminal ou de mera ordenação social (cfr. art. 149º, n.º 1, als. a) e b)). Inclusivamente, quando os bens já tenham sido vendidos, apreende-se para a massa o respetivo produto, se este ainda não tiver sido entregue aos credores (cfr. art. 149º, n.º 2). A norma não deixa, de facto, dúvidas quanto ao alcance geral da apreensão -, ficando absolutamente claro que ela abrange todos os bens integrantes do património do devedor, que lhe pertençam já à data da declaração de insolvência ou venham a pertencer-lhe na pendência do respetivo processo. Como se observou, as únicas exceções expressamente referidas na norma respeitam aos bens que sejam apreendidos por virtude de infração criminal (em processo penal) ou de mera ordenação social (em procedimento de contraordenação) (cfr. art. 149º, n.º 1), sendo que estas exceções encontram justificação na especial natureza dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal e pelo Direito de mera ordenação social. Ficam ainda, naturalmente, excluídos os casos de bens insuscetíveis de penhora nos termos gerais (cfr. arts. 736º e s. do CPC) – com a reserva, contudo, do disposto no n.º 2 do art. 46º do CIRE – e os que resultam implicitamente da lei da insolvência, relativos aos meios de subsistência que o devedor angarie pelo seu trabalho e ao (eventual) subsídio de alimentos (cfr. art. 84º, n.º 1” (sublinhado nosso). [15] Maria do Rosário Epifânio, “Manuel de Direito da Insolvência”, 7ª ed., 302. [16] Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 838: “Se a insolvência for qualificada como fortuita, pode dizer-se que o encerramento do processo determina a cessação de todos os efeitos emergentes da declaração de insolvência. Nomeadamente, o devedor recupera os poderes de administração e disposição dos bens. Sendo a insolvência culposa, mantêm-se os efeitos inerentes a essa qualificação. De resto, importa recordar aqui que, mesmo na hipótese de encerramento do processo por insuficiência da massa, se o incidente de qualificação tiver sido aberto e não estiver ainda fino, aquando do proferimento da decisão, ele prosseguirá, embora em termos diferentes. Há, porém, que fazer um alerta para salientar que a recuperação dos poderes de administração e disposição do devedor não prejudica o que resulte do plano de insolvência devidamente homologado, pelo que tem sempre de ser entendia em correlação com ele”.
No mesmo sentido Alexandre de Soveral Martins, ob. cit., págs. 532 e 533. [17] Maria do Rosário Epifânio, ob. cit., pág. 407; Ac. RP., de 02/12/2019, Proc. 1890/12.0TJPRT-H.P1. [18] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 760. [19] Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., págs. 859 e 860. [20] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 458. [21] Ac. STJ., de 19/01/2017, Proc. 187/12.0TBMGD.G1.S1, em que se decidiu que: “A ação de enriquecimento sem causa tem por fim remover o enriquecimento do património do enriquecido, transferindo-o para o património do empobrecido”.